Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
470/22.6TFLG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ NUNO DUARTE
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE ACIDENTES DE TRABALHO
DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA
QUEDA EM ALTURA DE UM TRABALHADOR
RISCO ACRESCIDO
Nº do Documento: RP20251027470/22.6T8FLG.P2
Data do Acordão: 10/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A delimitação factual da relação material controvertida imposta pelo princípio do dispositivo, consagrado no artigo 5.º do Código do Processo Civil, não deve ser feita com recurso a fórmulas valorativas da realidade que deve ser apreciada pelo tribunal, mas, sim, mediante a indicação dos factos concretamente verificados e aos quais deve ser aplicado o Direito.
II – Apesar de se ter verificado a queda em altura de um trabalhador que estava a trabalhar a partir do interior de um edifício em construção e que se debruçou sobre a parede em alvenaria que estava a erigir, não resultando dos factos provados que esse seu acto se tenha devido a motivos alheios ao trabalho que desenvolvia, ou, em termos mais amplos, que ele tenha violado de forma grosseira os seus deveres funcionais, tem que se considerar que a falta no local de equipamento de protecção para quedas em altura importava um risco acrescido para a verificação do acidente. Tal, face à doutrina uniformizadora de jurisprudência do Ac. do STJ n.º 6/2024, autoriza a conclusão de que o acidente resultou de falta de observação pela empregadora das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 470/22.6T8FLG.P2

Relator: José Nuno Duarte; 1.º Adjunto: António Mendes Coelho; 2.º Adjunto: Jorge Martins Ribeiro.

Acordam os juízes signatários no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO

A... COMPANHIA DE SEGUROS RAMOS REAIS, S.A., NIPC ..., intentou a presente acção declarativa com forma de processo comum contra B..., LDA., com sede na Rua ..., ..., ..., ... ..., Felgueiras, peticionando que a R. seja condenada a pagar-lhe a quantia de 12.361,60 euros, acrescida de juros de mora legais vincendos, contados desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.

Para fundamentar o seu pedido, a A. alegou, em síntese, que suportou a indemnização e cuidados de saúde a um trabalhador da ré no âmbito do contrato de seguro de acidentes de trabalho, sucedendo, no entanto, que o sinistro de deveu a culpa exclusiva do empregador, por violação das regras de segurança de trabalhos em altura.

A R. apresentou contestação, alegando, em suma, que cumpriu todos os deveres e regras de segurança e que o sinistro se deveu a negligência grosseira do trabalhador.

A R. requereu a intervenção principal provocada do trabalhador, AA, o que veio a ser deferido.

Regularmente citado, o chamado não apresentou qualquer articulado nos autos.

O processo seguiu os seus regulares termos, tendo, após ser realizada a audiência final, sido proferida sentença na qual se decidiu o seguinte:

«(…) o Tribunal julga a ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, decide:

1) Condenar a ré B..., Lda. a pagar à autora A... Companhia de Seguros Ramos Reais. SA, a quantia de €: 12.361,60, acrescida dos juros legais de mora vincendos, desde a citação até integral e efetivo pagamento.

2) Absolver o interveniente principal AA de todos os pedidos contra si formulados pela autora.

3) Condenar a ré no pagamento das custas processuais.»


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A R. veio recorrer desta decisão, apresentado alegações que foram finalizadas com as seguintes conclusões:
A. Os factos não provados em D e F foram incorretamente julgados, porquanto a prova impõe que os mesmos sejam considerados como provados.
B. A prova dos mesmos resulta inequivocamente do depoimento de parte do Interveniente Principal, AA, prestado em 29/05/2024 – o qual se encontra gravado na aplicação informática do Tribunal das 09H43 até às 10H11,
C. No depoimento por si prestado, esclareceu que:

● Estava a trabalhar numa prancha, a 1,20 metros do chão (minuto 03:00);

● Só colocou a cabeça de (minuto 10:00);

● A parede já estava feita, não dava para pôr guarda-corpos (minuto 11:00);

● Debruçou-se sobre o bloco (minuto 13:30);

● Debruçou-se sobre o pilar para ir à junta da outra parede (minuto 14:30);

● Debruçou-se até à zona do peito (minuto 20:50);
D. Perante tais declarações, outra interpretação não poderia resultar, senão a de dar como provado que:

● a conduta do sinistrado foi temerária em alto e relevante grau, ostensivamente indesculpável, pois ofendeu as mais elementares regras de senso comum,

● o trabalhador sinistrado assumiu uma conduta despropositada, irresponsável, arriscada em alto grau, fortemente imprudente, que foi causa única e exclusiva do acidente de trabalho que o mesmo sofreu.
E. O comportamento adoptado pelo trabalhador foi voluntário.
F. A conduta do trabalhador foi temerária, pois foi manifestamente ofensiva da prudência que um trabalhador medianamente cuidadoso observaria se estivesse colocado na sua situação e conhecedor das mesmas circunstâncias.
G. A que acresce o facto de o trabalhador saber que tinha que observar determinadas regras de segurança e que apesar disso não as cumpriu.
H. Pelo que, deverão os factos não provados em D e F ser alterados para provados e, assim, ser a Ré B... absolvida nos presentes autos.
I. Por outro lado, e sem prescindir, quanto à decisão de direito, não basta provar que o acidente não teria ocorrido se tivesse sido utilizado determinado equipamento de segurança pelo sinistrado, sendo necessário que se aleguem e provem os factos concretos que integram a obrigação legal de os utilizar.
J. E se não houver obrigação legal de utilizar os equipamentos de segurança não existe ilicitude pelo seu não uso, não bastando para descaraterizar o acidente de trabalho a verificação do nexo de causalidade entre o não uso e a ocorrência do evento.
K. Como resultou provado, os trabalhos de colocação de alvenaria decorriam no interior no interior do edifício em construção.
L. Não basta invocar (e ter-se dado como provado) que o trabalhador se encontrava a realizar tarefa a 4 metros de altura, porquanto o trabalhador não se encontrava a trabalhar pelo exterior do edifício em altura, mas sim no interior, onde já existiam paredes levantadas que permitiam trabalhar em segurança relativamente ao exterior.
M. E o sinistro só se deu porque o trabalhador se debruçou sobre os blocos e um pilar.
N. No entanto, importava determinar quais as regras de segurança a que o trabalhador estava vinculado e que foram alegadamente violadas pelo empregador.
O. O Tribunal a quo delimitou a questão da segurança na necessidade de prevenção das quedas em altura, mas aquando do acidente, o trabalhador encontrava-se no interior do edifício, precisamente no piso onde decorriam os trabalhos que executava, encontrando-se apenas sobre uma prancha a uma altura de 1,20 metros do chão (tal como explicou o trabalhador).
P. Nos termos consagrado na Lei 102/2009, as medidas de prevenção implementadas devem ser antecedidas e corresponder ao resultado das avaliações dos riscos associados às várias fases do processo produtivo, incluindo as atividades preparatórias, de manutenção e reparação, de modo a obter como resultado níveis eficazes de proteção da segurança e saúde do trabalhador.
Q. A adoção de medidas especiais de proteção, para evitar as quedas em altura, só é obrigatória quando existir um risco efetivo de queda, o que significa que a simples laboração no interior de um edifício, onde já existem paredes exteriores não potencia, só por si, um risco efetivo de queda para o exterior e, consequentemente, também não impõe, “ipso facto”, a adoção de medidas especiais relativamente ao exterior.
R. Pelo que, não poderia o tribunal a quo ter concluído, que a recorrente não adotou nenhum meio para proteção e prevenção para evitar o risco de queda para o exterior, quando os trabalhos a realizar eram no interior e já existiam paredes que salvaguardavam esse risco.
S. Acresce que, o Tribunal à quo não considerou provados quaisquer riscos efetivos de queda que impusessem a utilização de linha de vida e arnês.
T. Afigura-se-nos, e com o respeito devido por diferente opinião, que a matéria de facto é insuficiente no sentido da conclusão da violação das normas de segurança por parte da Ré empregadora (B...).
U. Decorre da experiência da vida e do senso comum que o trabalho no interior de um edifício, em que já existem paredes exteriores, realizado ao nível da respetiva laje, não apresenta perigo de queda para o exterior, como foi o caso do acidente dos autos.
V. O perigo abstrato não justifica, só por si, em face do regime jurídico aplicável, a obrigatoriedade de utilização de arnês, linha de vida e colocação guarda-corpos (cuja instalação nem era possível).
W. Pelo que, julgando-se esta apelação procedente, deve a sentença proferida ser revogada, absolvendo-se a Ré empregadora B...
Termos em que, deve a douta sentença ser revogada e a Ré B... absolvida do pedido, fazendo assim V/Exas. Venerandos Desembargadores a costumada JUSTIÇA!


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A A. apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.

O recurso foi admitido por despacho, que o classificou como sendo de apelação e lhe atribuiu efeito meramente devolutivo, ordenando a sua subida, nos próprios autos, a este Tribunal da Relação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso, bem como da não sujeição do tribunal à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), as questões a tratar são as seguintes:
A) da pretendida modificação da matéria de facto fixada na sentença recorrida;
B) do direito de regresso da A. (seguradora) sobre a R. (empregadora) pelas quantias despendidas com a reparação dos danos emergentes do acidente de que foi vítima o trabalhador da R.


***

III – FUNDAMENTAÇÃO


A) Dos factos

A matéria de facto fixada na sentença recorrida foi a seguinte:

Factos Provados
1. No exercício da sua actividade seguradora, a Autora celebrou com a Ré B..., Lda.” um contrato de seguro de acidentes de trabalho, na modalidade de prémio variável (folhas de férias), titulado pela apólice nº ..., pelo qual esta transferiu para aquela a responsabilidade infortunística derivada de acidente laborais, sofridos pelos seus trabalhadores.
2. Em 02 de Dezembro de 2019, a Autora recebeu, da sua segurada, B..., Lda., uma participação de um acidente de trabalho, ocorrido no dia 29/11/2019, com o seu trabalhador, AA, na Rua ... em Felgueiras.
3. Quando o sinistrado assentava alvenaria de blocos no primeiro andar do edifício em construção, acabou por cair.
4. Após receber a participação de acidente de trabalho, a Autora incumbiu uma empresa (C...) de averiguar o ocorrido tendo a mesma apurado que, no dia 29/11/2019, pelas 16h30, AA, trabalhador da empresa tomadora do seguro, estava na obra de construção do Edifício ..., exercendo as suas funções de pedreiro, ao serviço da sua entidade patronal, ora Ré.
5. Foi apurado que, na altura do acidente, o sinistrado encontrava-se a trabalhar ao nível da fachada do 1º piso da obra, colocando alvenaria, mais precisamente blocos de 20 cm, de altura.
6. De modo a que construção ficasse alinhada, foi colocada previamente um fio guia.
7. Quando os blocos já colocados atingiram uma altura de cerca de um metro, o sinistrado debruçou-se sobre a alvenaria, acabanado por cair de uma altura de cerca de 4 metros.
8. Os referidos trabalhos de colocação de alvenaria estavam a ser efectuados pelo interior do edifício em construção, mas sem qualquer meio de protecção, quer individual, quer colectivo, contra quedas em altura.
9. No local onde estava o sinistrado, não existiam guarda corpos, nem linha de vida e que o sinistrado não usava arnês.
10. Após ter caído, o sinistrado foi para o Hospital ..., em Penafiel, onde foi submetido a exames, tendo-lhe sido diagnosticado: fractura de corpo de L1; - fractura da espinha da omoplata da esquerda; - pequeno derrame pleural direito e moderado derrame pleural esquerdo, tendo ficado internado nesse hospital.
11. A Autora, no cumprimento do contrato de seguro referido no artº 1º desta petição inicial aceitou a caracterização do sinistro, como sendo um acidente de trabalho, prestando assistência médica ao sinistrado e pagando-lhe as indemnizações e despesas a que este tinha direito.
12. O sinistrado, AA, foi acompanhado pela D..., S.A., entidade que lhe prestou assistência clínica a pedido da Autora.
13. Nessa clínica, o referido sinistrado foi a várias consultas de ortopedia e pneumologia, fez exames de RX e TAC e foi submetido a tratamentos de fisioterapia.
14. Ao sinistrado, em virtude das lesões que sofreu na sequência do acidente de trabalho em causa, esteve com Incapacidade Temporária Absoluta parta o Trabalho desde 30/11/2019 até 11/09/2020, data em que lhe foi dada alta clínica, sem desvalorização.
15. A entidade patronal do sinistrado, AA, transferiu para a Autora o salário mensal de € 600,00 x 14 meses + € 5,63 x 11 meses de subsídio de alimentação.
16. A aqui Autora, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho, aqui em causa, suportou, de forma integral, o montante de € 12.361,60, assim discriminado:
a. Indemnizações pagas ao sinistrado, durante os períodos de incapacidade para o trabalho no valor de € 5.055,09;
b. D..., S.A. no valor de € 2.246,18;
c. Centro Hospitalar ... no valor de € 1.188,66;
d. Despesas de médicas no valor de € 180,51;
e. Despesas com deslocações para tratamentos no valor de € 3.691,16;
f. Tudo no valor total de € 12.361,60.

Factos não provados:

Não ficaram demonstrados quaisquer outros factos além dos supra enunciados, sendo que nesta sede não importa atender a juízos de direito e meras conclusões, não tendo resultado provado, designadamente:
A. A parede e alvenaria cedeu provocando o desequilíbrio do sinistrado.
B. O sinistro ocorreu porque o trabalhador tendo acabado de colocar os blocos, se debruçou sobre os mesmos.
C. O trabalhador sabia que com o referido comportamento o sinistro acabaria por ocorrer, pois os blocos ainda não se encontravam secos e, nessa medida ofereciam perigo para quem simplesmente se encostasse ou debruçasse sobre os mesmos.
D. A conduta do sinistrado foi temerária em alto e relevante grau, ostensivamente indesculpável, pois ofendeu as mais elementares regras de senso comum.
E. Uma vez que é do conhecimento geral que após a colocação de blocos, ninguém se pode debruçar sobre os mesmos, porque aqueles vão cair.
F. O trabalhador sinistrado assumiu uma conduta despropositada, irresponsável, arriscada em alto grau, fortemente imprudente, que foi causa única e exclusiva do acidente de trabalho que o mesmo sofreu.


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A recorrente impugnou a decisão sobre a matéria de facto que acaba de ser referida, pugnando para que os factos não provados em D. e F. sejam dados como provados.

É manifesto, porém, que nenhum destes pontos da matéria de facto contém qualquer factualidade concreta, pois, tanto num, como no outro, apenas se encontram vertidos juízos conclusivos sobre certos e determinados acontecimentos ou realidades. Com efeito, afirmar que uma determinada conduta foi temerária em alto e relevante grau, que a mesma foi ostensivamente indesculpável, ou que ela ofendeu as mais elementares regras de senso comum não comporta a afirmação de qualquer facto objectivo específico, mas apenas de conclusões. Do mesmo modo, a afirmação de que é do conhecimento geral que após a colocação de blocos, ninguém se pode debruçar sobre os mesmos, porque aqueles vão cair, não contém a descrição de qualquer realidade ou acontecimento concreto, apenas se tratando de uma proposição de conteúdo puramente valorativo ou conclusivo sobre uma determinada realidade da vida.

Ora, conforme vem sendo frequentemente referido na nossa jurisprudência [1], o julgamento da matéria de facto que, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código do Processo Civil, tem de constar da sentença não deve incidir sobre afirmações genéricas ou valorativas da realidade juridicamente significante sobre a qual incide o litígio, mas apenas sobre factos objectivos. Como afirmava Alberto dos Reis, “[o] tribunal não conhece de puras abstracções, de meras categorias legais, conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos, quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir” [2]. Tal decorre do acolhimento, entre nós, do chamado princípio do dispositivo (cf. artigo 5.º do Código de Processo Civil), o qual, ao postular que as partes, para além da incumbência de pedir a resolução do conflito, delimitem os termos do litígio, alegando, para esse efeito, os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, pressupõe que a delimitação factual da relação material controvertida não seja feita com recurso a fórmulas valorativas da realidade que deve ser apreciada pelo tribunal, mas, sim, mediante a indicação dos factos concretamente verificados e aos quais deve ser aplicado o Direito.

Desta forma, ante a impossibilidade de vir a ser considerada ao nível da decisão a matéria factual descrita nos pontos D. e E. dos factos não provados da sentença recorrida, indefere-se a pretensão que, quanto à mesma, foi deduzida pela recorrente.


B) Do direito

A A., A... Companhia de Seguros Ramos Reais, S.A., moveu a presente acção para exercer o direito de regresso sobre a R., B..., Lda., empregadora do trabalhador AA, pelas quantias que suportou para reparar os danos emergentes de um acidente de trabalho sofrido pelo referido trabalhador.

Resulta do disposto nos artigos 79.º, n.º 3, e 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009, de 04-09, que a seguradora que procede à reparação dos danos sofridos por um trabalhador em consequência de um acidente de trabalho de que este foi vítima, goza de direito de regresso sobre a respectiva entidade empregadora quando esse acidente tenha sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.

Não se suscitando dúvidas quanto ao facto de AA ter sido, efectivamente, vítima de um evento infortunístico quando se encontrava a trabalhar ao serviço da ora R., nem quanto ao facto de a ora A., cumprindo com as obrigações a que estava adstrita por força do contrato de seguro que havia celebrado com a R., ter despendido € 12.361,60 para reparar os danos sofridos pelo trabalhador, a questão fundamental que ora cumpre dirimir é a de saber se o acidente em causa foi provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou se o mesmo resultou de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.

O Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão n.º 6/2024, de 17-04-2024 [3], teve já oportunidade de uniformizar jurisprudência no sentido de que “[p]ara que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação”.

Não vislumbramos quaisquer motivos para nos afastarmos da doutrina autorizada deste acórdão uniformizador de jurisprudência.

No caso sub judice, encontra-se provado que o acidente de que foi vítima AA se caracterizou por uma queda do trabalhador de uma altura de cerca de 4 metros que ocorreu quando o mesmo se encontrava no interior de um prédio em construção a assentar blocos de cimento para erigir uma parede ao nível da fachada do 1º piso da obra, e, numa ocasião em que os blocos já colocados já atingiam uma altura de cerca de um metro, se debruçou sobre a alvenaria, acabando por cair até ao nível inferior. Mais se encontra provado que, no local onde estava o sinistrado, não existiam quaisquer meios de protecção, individual ou colectiva, para prevenir o risco de quedas em altura, nomeadamente guarda-corpos ou linha de vida, e que o trabalhador AA não usava arnês.

Face a esta factualidade, afigura-se-nos claro que, ainda que a inexistência de guarda-corpos não assuma qualquer relevância causal para o acidente que se verificou – pois já se encontrava construído um muro com cerca de um metro de altura susceptível de oferecer protecção igual ou superior –, o mesmo não acontece com a inexistência no local de qualquer outro meio de protecção, individual ou colectiva, susceptível de mitigar o risco de quedas em altura como aquela que se verificou, como poderia ser o caso de uma linha de vida ou de arnês susceptível de ser utilizado pelo trabalhador. Não se olvida que o trabalhador estava a trabalhar a partir do interior do edifício em construção; todavia, não resultando dos factos provados que AA se tenha debruçado sobre a alvenaria por motivos alheios ao trabalho que estava a desenvolver, ou, em termos mais amplos, que ele tenha violado de forma ostensiva os seus deveres funcionais, tem que se considerar que a falta no local de equipamento de protecção para quedas em altura importava um risco acrescido para a verificação de eventos danosos como aquele que ocorreu. Consequentemente, dados os deveres impostos à entidade patronal pela legislação sobre segurança do trabalho, nomeadamente daquela que é referida na sentença recorrida, tem que se concluir que in casu a conduta omissiva da ora R. aumentou a probabilidade de ocorrência do acidente e, por isso, em consonância com a doutrina do atrás mencionado Acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência n.º 6/2024, de 17-04-2024, é de concluir que o acidente resultou de falta de observação, por ela, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.

A decisão recorrida deve, pois, ser confirmada.

A recorrente, atento o seu decaimento, deve suportar as custas da apelação (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil).


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IV – DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, acorda-se em:
a) negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida;
b) condenar a recorrente no pagamento das custas da apelação.

Notifique.


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SUMÁRIO

(elaborado pelo relator nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do C.P.C.)

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Acórdão datado e assinado electronicamente

(redigido pelo primeiro signatário segundo as normas ortográficas anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990)


Porto, 27/10/2025
José Nuno Duarte
Mendes Coelho
Jorge Martins Ribeiro
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[1] Não se justificando proceder aqui a uma enumeração desenvolvida dos acórdãos dos nossos tribunais superiores que vêm sendo publicados sobre este assunto, remetemos para aquela que consta do Ac. RP 27-09-2023, proc. 9028/21.6T8VNG.P1 (rel. Jerónimo Martins), aresto no qual, entre o mais, se pode ler: “[C]onforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova” <URL: https://www.dgsi.pt/>.
[2] Código de Processo Civil Anotado, II, 3.ª ed., Coimbra Editora, 1980, p. 125.
[3] Diário da República n.º 92/2024, Série I, de 13-05-2024.