Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PEDRO AFONSO LUCAS | ||
Descritores: | RECURSO DE NULIDADE PROCESSUAL CRIME DE ABUSO DE CONFIANÇA CONTAGEM DE JUROS EM PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL POR ACTO ILÍCITO CONSTITUIÇÃO EM MORA PELO ARGUIDO PROIBIÇÃO DE REFORMATIO IN PEJUS APÓS ANULAÇÃO DE SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RP20250115492/15.3T9VLG.P2 | ||
Data do Acordão: | 01/15/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DO ASSISTENTE E NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Tendo o arguido suscitado a nulidade de despacho proferido em audiência junto do tribunal a quo, então teria de aguardar a decisão que viesse a ser proferida sobre o seu requerimento, para depois decidir como reagir. II - Sendo entretanto proferida decisão quanto à suscitada nulidade pela primeira instância, não pode o arguido apresentar recurso directamente daquele (anterior e inicial) despacho, pois que o objecto deste pretendido recurso se mostra irremediavelmente condicionado com o trânsito em julgado do (segundo) despacho entretanto proferido e que apreciou a nulidade em causa. III - Para consumar a apropriação tipificada como crime de abuso de confiança no nº1 do art. 205º do Cód. Penal, basta que a inversão do título da posse ou detenção por parte do agente tenha lugar através da prática de um ou mais actos concludentes, de que resulte inequivocamente a intenção de fazer sua a coisa, disso sendo exemplo a simples omissão da utilização devida do valor em causa e a sua não restituição ao legítimo e originário titular. IV - Se na origem da obrigação pecuniária (indemnizatória) do arguido se encontrar a prática de um facto ilícito, temos que deverá considerar–se o mesmo arguido/demandado constituído em mora a partir do momento em que se tenha essa obrigação por líquida ou, não revestindo a mesma tal segurança de liquidez, a partir do acto que no processo consubstancie a sua citação (o que, in casu, se traduziria na data em que ao arguido/demandado foi notificado pedido de indemnização civil formulado pela assistente/demandante). V - Resulta da matéria de facto assente nos autos que ao arguido dúvida alguma se poderia suscitar quanto ao conteúdo dos actos em que se traduziu a sua apropriação ilícita dos valores que agora deve indemnizar, e nem, naturalmente, quanto ao respectivo valor concreto, sendo ademais que o valor da obrigação de indemnização aqui em causa não foi objecto de quantificação ou actualização posterior ao momento daquela apropriação VI - A circunstância de haverem sido julgadas improcedentes as também peticionadas partes de indemnização reportadas quer a uma outra parcela de alegados danos patrimoniais, quer de alegados danos de natureza não patrimonial, não traduz qualquer actualização do valor indemnizatório pois que aquele em que o arguido vai condenado é precisamente aquele que, na correspondente parte, já vinha determinado e se deve ter por liquidado logo a parir do momento em que se consubstanciou a actuação do arguido. VII - Assim, o valor da indemnização fixada, e na parte em que o é, corresponde exactamente àquele que era peticionado e de que o arguido ilicitamente se apropriou ao longo do ano de 2013, devendo os juros indemnizatórios da obrigação pecuniária em causa ser fixados desde o momento que se tenha por correspondente – com a necessária segurança probatória assente em sede de fundamentação – a essa consumação de apropriação ilícita. VIII - Tendo sido proferida uma primeira sentença pelo tribunal de primeira instância, e tendo da mesma sido apresentado apenas recurso autónomo pelo arguido, a matéria relativa às consequências penais decidida naquela primeira sentença condenatória e que se encontre no âmbito do aludido nº1 do art. 409º do Cód. de Processo Penal, deve ter–se por salvaguardada como correspondendo ao cenário punitivo mais gravoso susceptível de afectar o arguido a partir dali, e sejam quais forem as decisões adoptadas a jusante da mesma. IX - E assim sucede mesmo no caso de aquela primeira sentença haver sido declarada nula por decisão em sede de recurso da mesma, isto é, essa anulação processual então determinada não afecta os efeitos que venham a colocar–se em toda e qualquer decisão condenatória posterior à mesma (anulação) e no que tange ao âmbito da devida ponderação da proibição do reformatio in pejus. X - Se o assistente/demandante apenas apresentou recurso subordinado daquela primeira sentença, não pode agora, proferida a segunda sentença na sequência da anulação da primeira, interpor recurso autónomo pelo qual pretende a agravação das consequências penais aplicáveis ao arguido. (Sumário da responsabilidade do Relator) | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 492/15.3T9VLG.P2 Referência: 18829845
Tribunal de origem: Juízo Local Criminal de Valongo, Juiz 2
Acordam em conferência os Juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO
No âmbito do processo comum (tribunal singular) nº 492/15.3T9VLG que corre termos no Juízo Local Criminal de Valongo – Juiz 2, em 11/04/2024 foi proferida Sentença, cujo dispositivo é do seguinte teor: «5. Decisão Pelo exposto, e atentos os fundamentos de facto e de Direito invocados, julgo: A. Procedente, por provada, a acusação pública deduzida contra o arguido AA, em consequência do que decido condená-lo, pela prática de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelo art. 205.º, n.º 1 e 4, al. b), por referência ao disposto no art. 202.º, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, cuja execução, ao abrigo do disposto nos arts. 50.º, 53.º e 54.º do mesmo Código, se suspende por igual período de tempo subordinada a regime de prova, para efeito devendo os serviços da DGRSP elaborar o PRS a que alude o art. 494.º, n.º 3 do Código do Processo Penal. B. Parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado pela “A...”, enquanto demandante cível, contra AA, enquanto demandado cível, em consequência do que decido condená-lo no pagamento àquela do valor global de € 48.865,00 (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros), acrescido de juros moratórios vincendos, a contabilizar à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. * Custas criminais pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC – arts. 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e art. 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais– sendo as custas cíveis a suportar por demandante e demandado cível na proporção do respectivo decaimento – art. 527.º do Código do Processo Penal, ex vi art. 523.º do Código do Processo Penal. * Solicite aos serviços da DGRSP a elaboração de PRS em 30 (trinta) dias, remetendo cópia da presente sentença – art. 53.º, n.º 2 do Código Penal e art. 494.º, n.º 3 do Código do Processo Penal. * Notifique e deposite – art. 372.º, n.º 5 do Código de Processo Penal. Após trânsito: a. Boletins – art. 6.º, al. a) da L. n.º 37/15 de 05/05; b. Envio de certidão da sentença aos autos n.º 17373/15.3T8PRT. » * A. Do recurso interlocutório.
Previamente ao recurso interposto da decisão final, veio o arguido AA, em 19/10/2023, a dar entrada no processo de recurso do despacho proferido em 26/09/2023, invocando a respectiva nulidade na parte em que indeferiu várias diligências probatórias requeridas por aquele. (…)
B. Do recurso da Sentença condenatória.
B.1. Do recurso do arguido AA.
Inconformado com a Sentença condenatória proferida, dela recorreu, em 16/05/2024, o arguido AA, extraindo da motivação as seguintes conclusões: (…) B.2. Do recurso da assistente/demandante “A...”.
Também a assistente/demandante “A...” veio, em 14/05/2024, interpor recurso da Sentença, extraindo da motivação as seguintes conclusões: (…) * Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência no que tange ao recurso interlocutório e àquele apresentado da Sentença pela assistente, tendo tido lugar, em 04/12/2024, a requerida audiência quanto ao recurso da Sentença interposto pelo arguido.
Nada obsta ao conhecimento do mérito, cumprindo, assim, apreciar e decidir. * II. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS
O objecto e o limite de um recurso penal são definidos pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, devendo assim a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas –, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como é designadamente o caso das nulidades insanáveis que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento (previstas expressamente no art. 119º do Cód. de Processo Penal e noutras disposições dispersas do mesmo código), ou dos vícios previstos no art. 379º ou no art. 410º/2, ambos do Cód. de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (cfr. Acórdão do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I–A Série, de 28/12/1995), podendo o recurso igualmente ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, cfr. art. 410º/3 do Cód. de Processo Penal. São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – cfr. arts. 403º, 412º e 417º do Cód. de Processo Penal e, entre outros, Acórdãos do S.T.J. de 29/01/2015 (proc. nº 91/14.7YFLSB. S1)[[1]], e de 30/06/2016 (proc. nº 370/13.0PEVFX.L1.S1)[[2]]. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».
A esta luz, as questões a conhecer no âmbito do presente acórdão são as de apreciar e decidir sobre:
II.A. Quanto ao recurso interlocutório: saber se o despacho recorrido padece de nulidade nos termos do art. 120º/2/d) do Cód. de Processo Penal;
II.B. Quanto ao recurso da decisão final: 1. saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal; 1.1. do erro de julgamento invocado pelo arguido AA; 1.1. do erro de julgamento invocado pela assistente/demandante “A...” ; 2. saber se foi violado, na sentença recorrida, o princípio do in dubio pro reo; 3. saber se o arguido preencheu os pressupostos do crime de abuso de confiança e do pedido de indemnização civil pelos quais vem condenado; 4. saber se devem ser reformulados os termos da condenação indemnizatória do arguido ; 4.1. da adequação do valor da indemnização a pagar pelo arguido AA ; 4.2. da reformulação da condenação indemnizatória do arguido no que tange aos juros fixados ; 5. saber se se mostram adequados os termos em que se mostram fixadas as consequências penais ao arguido. 5.1. se a medida concreta da pena de prisão aplicada ao arguido é desadequada por excessiva ; 5.2. se deve ser subordinada ao pagamento da indemnização civil a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
Apreciemos então as questões suscitadas, pela ordem de prevalência processual sucessiva que revestem – isto é, por forma a que, por via da sucessiva apreciação de cada uma, se vá alcançando, na medida do necessário, um progressivo saneamento processual que permita a clarificação do objecto das seguintes. * II.A. APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERLOCUTÓRIO
O presente recurso interlocutório é, pois, interposto pelo arguido AA do despacho proferido pelo tribunal a quo e datado de 26/09/2023. Alega (e em conformidade conclui) o recorrente que o despacho recorrido padece de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 120º/2/d) do Cód. de Processo Penal, vício processual que se consubstancia em duas vertentes: por um lado, em virtude de a fundamentação do despacho sob recurso se socorrer sucessivamente de factualidade que referencia tida como “assente”, o que na fase em causa inexiste, uma vez que não fora, ainda, proferida sentença ; e, por outro lado, porquanto pelo mesmo despacho em sindicância foram indeferidas diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade material, boa decisão da causa e efectivo exercício do direito de defesa pelo arguido, o que traduz uma violação do art. 340º do Cód. de Processo Penal.
Antes, porém, de prosseguir com tal análise, cumpre elencar, de forma sintética, as incidências processuais relevantes para apreciação da questão aqui em causa (procedendo–se à transcrição integral dos despachos e requerimentos pertinentes). Assim, e como da análise dos autos decorre:
1º, em sede de audiência de discussão e julgamento, e após a produção de toda a prova elencada em sede da acusação/pronúncia, de pedido de indemnização civil, e da contestação dos autos, veio o tribunal recorrido a proferir (em acta) o seguinte despacho: « Compulsada a prova produzida, entendeu este Tribunal terem logrado a adesão da prova, por referência à acusação pública deduzida nos autos e ilícito nessa sede assacado ao arguido, os seguintes factos que naquela se não encontram expressamente discriminados pelo que, consubstanciando uma alteração não substancial dos mesmos, se comunicam, nos termos e para os efeitos previstos no art. 358.º, n.º 1 do Código do Processo Penal: a. O arguido logrou efectuar as discriminadas transferências bancárias por virtude da consideração de que a A... e o próprio beneficiavam junto dos responsáveis do Banco 1...”, no que contava com o auxílio de BB, gerente da conta bancária titulada pela primeira. b. Anteriormente ao ano de 2013, a assistente não dispunha de uma equipa profissional continental de ciclismo. c. O arguido fazia as vezes de director desportivo da equipa de ciclismo da assistente, nessa medida lhe cabendo a sua gestão no quotidiano. d. Tendo sido contratado pela assistente para a prestação desses serviços e o seu salário fixado em € 500,00 (quinhentos euros) mensais. e. Não obstante o que o próprio ou alguém a seu mando, no seu interesse e com o seu conhecimento, celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a “B... – Companhia de Seguros, SA”, em que a assistente figurava como tomadora e, de entre as pessoas seguras, constava o arguido, como ciclista profissional e cujo salário ascendia a € 1.071,43 (mil, setenta e um euros e quarenta e três cêntimos). f. Para o pagamento das despesas relacionadas com a mencionada gestão da equipa de ciclismo da assistente, o arguido dispunha do cartão de débito associado à conta bancária da assistente e de cheques assinados por CC. g. Nas vésperas da Volta a Portugal de 2014, agendada para o período compreendido entre 30/07/14 e 10/08/14, houve lugar a uma reunião entre os ciclistas e o staff da equipa de ciclismo da assistente, os primeiros se tendo insurgido contra o arguido por falta de pagamento dos seus salários e exigindo que o mesmo abandonasse a respectiva direcção desportiva, sob pena de se não apresentarem para competir naquela prova. h. Ao que o arguido acedeu, tendo os referidos ciclistas recebido quantias que lhes eram devidas no âmbito de um contrato de patrocínio nessa ocasião celebrado com a “W52” e competido na Volta a Portugal de 2014, da qual saíram vitoriosos. i. Posteriormente ao abandono de funções por parte do arguido, a assistente, na pessoa de CC, contratou os serviços de um contabilista, o mesmo se tendo deparado com a inexistência de contabilidade organizada e de diversas dívidas. j. O reconhecimento da assinatura aposta na declaração datada de 22/01/14 como sendo do arguido apenas conheceu formalização em 22/10/14, dada a circunstância de, naquela primeira data, a assistente ignorar a exacta medida das suas dívidas. » ;
2º, Nesta sequência, veio o arguido apresentar nos autos, em 13/07/2022, requerimento em que, além de suscitar estar–se perante verdadeiras alterações substanciais de factos relativamente àqueles da acusação/pronúncia (em termos similares aos alegados no presente recurso), subsidiariamente requer a produção de determinados meios de prova relativamente aos factos objecto de comunicação pelo tribunal, terminando o dito requerimento nos seguintes termos: «Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, requer-se que V. Exa. se digne a: i. julgar procedente a nulidade supra invocada, por verificação de uma alteração substancial dos factos, nos termos supra requeridos, com as inerentes consequências legais; Sem prescindir, ii. ordenar a inquirição das testemunhas acima mencionadas e a tomada de declarações do legal representante da Assistente, nos termos supra requeridos conforme acima exposto; iii. ordenar a junção aos autos dos documentos supra requeridos.»;
3º, Sendo então proferida pela primeira instância decisão a julgar improcedente a nulidade invocada e a indeferir, ao abrigo do disposto no art. 340º/4 do Cód. de Processo Penal, a inquirição de testemunhas e a junção de documentos pretendidos, veio tal decisão a ser objecto de parcial revogação por este Tribunal da Relação do Porto no âmbito de decisão proferida nestes mesmos autos em 12/07/2023, e que determinou, na parte aqui relevante, «considerar invalidada toda a tramitação processual subsequente à apresentação do requerimento do arguido em 13/07/2022 (refª citius 42863151), e determinando–se que os autos retornem à primeira instância, onde, reabrindo a audiência, deverá o Tribunal a quo apreciar o dito requerimento na parte do mesmo que se reporta à requerida produção suplementar de meios de prova (considerando–se assente, até por via da presente decisão, estarmos perante a comunicação de uma alteração não substancial de factos), com (eventual) subsequente produção da prova suplementar que se tenha por pertinente (sempre cingida aos factos aditados), seguindo–se a demais pertinente tramitação processual do julgamento (…) » ;
4º, Nesta sequência, e em cumprimento do decidido, pelo tribunal a quo foi proferida, em 26/09/2023, a decisão ora recorrida, cujo teor integral é o seguinte: «I. Do cumprimento do acórdão prolatado pelo Venerando TRP em 12/07/23:
a. Da pronúncia por parte deste Tribunal: No âmbito do acórdão prolatado pelo Venerando TRP que antecede, foi ajuizado, entre o mais, “considerar invalidada toda a tramitação processual subsequente à apresentação do requerimento do arguido em 13/07/22 e na parte do mesmo que se reporta à produção suplementar de meios de prova – considerando–se já assente, até por via da presente decisão, estarmos perante a comunicação de uma alteração não substancial de factos”, importando que seja “reaberta a audiência e repetido o acto de apreciação desse mesmo requerimento nessa mesma parte, com (eventual) subsequente produção da prova suplementar que se tenha por pertinente (sempre cingida aos factos aditados), seguindo–se a demais pertinente tramitação processual do julgamento – sendo, a final, proferida nova sentença”. Debrucemo-nos, pois, na argumentação expendida e diligências probatórias requeridas pelo arguido no âmbito do predito requerimento e por referência a cada um dos factos nessa sede discriminados e que integraram o despacho de ANSF motivador de discórdia. * - Facto A): “O arguido logrou efectuar as discriminadas transferências bancárias por virtude da consideração de que a A... e o próprio beneficiavam junto dos responsáveis do Banco 1...”, no que contava com o auxílio de BB, gerente da conta bancária titulada pela primeira”. A contemplação da “consideração” (sic) de que a A... e o arguido, beneficiavam junto dos responsáveis do Banco 1..., no que aquele último contava com o auxílio de BB em sede de ANSF, outro propósito não teve, que não a constatação por parte deste Tribunal de que a ambos era dispensado um tratamento de deferência, gozando de boa reputação junto daquela instituição bancária, o que, salvo melhor opinião, facilmente se compreende no cotejo com a demais prova produzida. Com efeito, basta atentarmos que, conforme vertido nos Factos B) e H) aditados em sede de ANSF, anteriormente ao ano de 2013, a assistente não dispunha de uma equipa profissional continental de ciclismo, sem prejuízo do que a constituiu e logo almejou vencer a Volta a Portugal de 2014. Do mesmo modo, o “auxílio” (sic) a que se alude, prestado por BB, quer à A..., quer ao o arguido, visou retratar ser aquele a face visível daquela instituição bancária no relacionamento com estes, dado tratar-se do gerente da conta bancária titulada pela A..., conspecto em que urge convocar a realidade histórica, na precisa medida em que é consabido do comum dos cidadãos carecidos de frequente recurso a instituições bancárias que, à data, o relacionamento que intercedia entre os seus responsáveis e os respectivos clientes se pautava pela pessoalidade e pela confiança, razão pela qual foi a própria testemunha BB quem deu conta de a perfilhada “consideração” (sic) ter contribuído para a realização de operações a descoberto, a saber, e no que relevou para a convicção deste Tribunal, o pagamento de cheques ainda que a conta bancária titulada pela assistente evidenciasse um saldo negativo. Na realidade, o mesmo deu conta de ter sido quem o avalizou, ainda que em cumprimento de ordem hierarquicamente transmitida, irrelevando, salvo melhor opinião, se o fez ou não em conluio com outrem, nomeadamente o arguido, não se alcançando por que motivo este último suscita no requerimento em apreço a imputação de uma co-autoria de factos criminosos, quando o “auxílio” (sic) a que este Tribunal se reportou não ultrapassa a literalidade do termo. Nesse sentido, ademais, convergiu a prova testemunhal produzida, assente, não apenas no depoimento prestado pela testemunha BB, mas, de igual forma, pelo legal representante da assistente CC e pela testemunha DD, ambos merecedores de credibilidade, um e outro tendo sustentado que o arguido contactava telefonicamente com aquela outra quando necessário. Acrescentaremos, ainda, constar expressamente do Ponto 6) da factualidade tida como assente que a procuração outorgada ao arguido lhe não permitia a gestão da conta bancária do Banco 1... n.º ..., titulada pela A.... Assim sendo, não vislumbramos, salvo melhor opinião, em que medida a reinquirição da testemunha BB ou do representante legal da assistente CC se revista de relevo para a descoberta da verdade material, sequer do ponto de vista da defesa dos direitos de defesa do arguido, pois que é este quem interpreta de forma deficiente e tendenciosa o alcance do facto em questão; repetiremos, a propósito, estar em causa um facto meramente de “natureza acessória ou complementar dos que foram apresentados inicialmente a julgamento, destinando-se, claramente, a contextualizar a actuação do arguido de modo mais completo e próximo daquela que será a realidade tida por relevante pelo Tribunal” (sic, cfr. o acórdão prolatado pelo Venerando TRP, a fls. 64). Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 340.º, n.º 4, al. b) do Código de Processo Penal, se indefere o requerido no segmento em apreço. * - Facto C): “O arguido fazia as vezes de director desportivo da equipa de ciclismo da assistente, nessa medida lhe cabendo a sua gestão no quotidiano”. Dando por reproduzida a constatação supra, no sentido de constar expressamente do Ponto 6) da factualidade tida como assente que a procuração outorgada ao arguido lhe não permitia a gestão da conta bancária do Banco 1... n.º ..., titulada pela A..., a indignação do arguido relativamente à integração do Facto C) roça, salvo o devido respeito, a litigância de má fé, pois que, se algo decorreu clarividentemente da globalidade da prova produzida, incluindo a prova testemunhal oferecida pelo arguido, foi a circunstância de lhe incumbir, não apenas a constituição da equipa profissional continental de ciclismo da assistente, em ordem ao que lhe foi outorgada a procuração junta aos autos, mas, igualmente a sua gestão no dia-a-dia – a título meramente exemplificativo, os depoimentos das testemunhas EE, FF, GG, HH, II, DD, JJ e KK. Conforme decorre de forma cristalina das regras da experiência comum e da normalidade, e talqualmente explicado com proficiência pela primeira das acima discriminadas testemunhas, as funções concretamente desempenhadas por um director desportivo no ciclismo variam de equipa para equipa, sem prejuízo do que, cotejados aqueles ditames com a prova produzida, se pode afirmar sem margem de erro contenderem com incidências diárias, como treinos, deslocações e gestões várias, desde a condição física dos ciclistas aos equipamentos por estes utilizados, assim como, evidentemente, o pagamento de despesas. Mais se nos afigura óbvia a desnecessidade de uma sua aturada individualização num qualquer documento escrito, dada a sua diversidade e mundanalidade. Assim sendo, não vislumbramos, salvo melhor opinião, em que medida a reinquirição das testemunhas LL e DD se revista de relevo para a descoberta da verdade material, sequer do ponto de vista da defesa dos direitos de defesa do arguido, pois que de todo em todo irrelevante e, até, de natureza dilatória; repetiremos, a propósito, estar em causa um facto meramente de “natureza acessória ou complementar dos que foram apresentados inicialmente a julgamento, destinando-se, claramente, a contextualizar a actuação do arguido de modo mais completo e próximo daquela que será a realidade tida por relevante pelo Tribunal” (sic, cfr. o acórdão prolatado pelo Venerando TRP, a fls. 64). Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 340.º, n.º 4, als. b) e d) do Código de Processo Penal, se indefere o requerido no segmento em apreço. * - Facto D): “Tendo [o arguido] sido contratado pela assistente para a prestação desses serviços e o seu salário fixado em € 500,00 (quinhentos euros) mensais”. Assente, na sequência da integralidade da prova produzida, ter sido o arguido quem, à data, exercia as funções de director desportivo da equipa de ciclismo, resulta das máximas do senso comum que o não faria a título de liberalidade, o que sobreveio corroborado pelos depoimentos prestados pelo legal representante da assistente CC e pela testemunha DD, ambos tendo apontado ascender o salário de que beneficiava como contrapartida do cargo que assumia a um total de € 500,00 (quinhentos euros) mensais. Por outro lado, e salvo o devido respeito, não alcançamos a razão de ser da insurgência por parte do arguido no que com este facto contende, que temos quase como anódino do ponto de vista do exercício do seu direito de defesa, uma vez mais se cuidando de esclarecer estar em causa uma realidade factual complementar à tida como assente, por forma a melhor lograr a sua melhor compreensão e contribuir para a exposição do raciocínio empreendido por parte deste Tribunal em sede de convicção. Constituindo pretensão do arguido que seja oficiada a FPC no sentido de juntar aos autos “o contrato do arguido” (sic), e uma vez que, de facto, desconhecemos se tal organismo dispõe de um exemplar escrito do acordado entre aquele e a assistente, acolhe-se o requerido neste particular, desde já, porém, cuidando de salientar que a sua eventual inexistência física não preclude a constatação subjacente ao facto em crise, fundada que foi na prova testemunhal acima mencionada. Do mesmo passo, consideramos dever também ser notificada a assistente com o mesmo escopo, por razões de brevidade de exposição, se permitindo este Tribunal consignar a intercedência do mesmo juízo de reserva. Assim sendo, determina-se seja notificada a assistente e oficiada a FPC, para que esclareçam se dispõem de exemplar escrito de algum contrato de trabalho / prestação de serviços celebrado entre a assistente e o arguido, devendo um tal ofício, por razões de economia e celeridade processuais, ser endereçado à testemunha MM, Presidente da FPC, com nota de urgência, tendo em conta a sua postura de extrema disponibilidade revelada em Juízo no sentido de habilitar este Tribunal a descobrir a verdade material, para o que se concede, à assistente e à FPC, o prazo de 10 (dez) dias. Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, se defere o requerido no segmento em apreço. * - Facto E): “Não obstante o que o próprio ou alguém a seu mando, no seu interesse e com o seu conhecimento, celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a “B... – Companhia de Seguros, SA”, em que a assistente figurava como tomadora e, de entre as pessoas seguras, constava o arguido, como ciclista profissional e cujo salário ascendia a € 1.071,43 (mil, setenta e um euros e quarenta e três cêntimos)”. Salvo melhor opinião, a objectividade das declarações insertas no contrato de seguro em causa não é susceptível de uma dúplice leitura, motivo pelo qual a inscrição da assistente como tomadora e do arguido como ciclista profissional, cujo salário ascendia a € 1.071,43 (mil, setenta e um euros e quarenta e três cêntimos), se têm por demonstradas por meio da correspondente apólice. No que se atém à prova produzida que legitimou a aferição do facto inserto em sede de ANSF, socorreu-se este Tribunal dos depoimentos prestados pelo legal representante da assistente CC e pela testemunha DD, ambos tendo anunciado ter sido o arguido quem diligenciou no sentido da elaboração de semelhante contrato, resultando, por outro lado, da globalidade da prova produzida, que aquele não era um dos ciclistas da equipa. A única ignorância por parte deste Tribunal – presentes os considerados tecidos em sede de fundamentação da matéria de facto – prendeu-se com a intervenção directa por parte do arguido na celebração do contrato, em homenagem ao que fez uso da formulação “o próprio ou alguém a seu mando, no seu interesse e com o seu conhecimento” (sic). Admitindo-se a possibilidade de a testemunha DD, dadas as específicas funções que desempenhava no seio da assistente, em concreto, a prestação de serviços de índole jurídica, poder prestar esclarecimentos adicionais por referência ao quanto já depôs nesta matéria, defere-se a sua reinquirição, posto que, conforme determinado pelo Venerando TRP, restrita a esta questão. Diferentemente, indefere-se a reinquirição das testemunhas LL, GG e NN, não constituindo, do nosso ponto de vista, o bastante para a justificar, a mera circunstância de igualmente figurarem no apontado contrato como ciclistas: essa sua inscrição não equivale ao seu conhecimento quanto a esse facto, sobretudo tendo em conta que as funções que desempenhavam na equipa, resultando das regras da experiência comum e da normalidade que mecânicos ou massagistas não intercedam directamente na configuração, e subsequente contratação, do seguro que os protege em caso de acidente de trabalho, sequer que saibam quem foi a concreta pessoa que, nos quadros da sua entidade patronal, o negociou e subscreveu. Assim sendo, defere-se a reinquirição da testemunha DD – restrita a esclarecimentos adicionais acerca da identidade de quem haja celebrado o contrato de seguro de acidentes de trabalho com a “B... – Companhia de Seguros, SA” –, indeferindo-se as demais reinquirições. Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, se defere o requerido no primeiro dos segmentos em apreço, o mais se indeferindo ao abrigo do preceituado pelo n.º 4, al. c) do mesmo normativo legal, por se cuidar de meio de prova inadequado à demonstração do facto em dilucidação. * - Facto F): “Para o pagamento das despesas relacionadas com a mencionada gestão da equipa de ciclismo da assistente, o arguido dispunha do cartão de débito associado à conta bancária da assistente e de cheques assinados por CC”. Uma vez mais salvo melhor opinião, as diligências requeridas pelo arguido no que a este outro facto respeita roçam os limites da litigância de má fé, sendo clarividente que “a entidade bancária” (sic) por natureza desconhece quem efectuou os movimentos do cartão de débito da assistente, nomeadamente o arguido, do mesmo passo que decorre claramente do Facto 8) ter sido dado como provado que foi o legal representante da assistente quem preencheu, assinou e entregou ao arguido os três cheques discutidos nos autos, para que pudesse fazer face ao pagamento de despesas referentes à gestão daquela. À semelhança do já explanado, o facto aditado em sede de ANSF não corresponde a uma qualquer “tese vertida no despacho” (sic), que se limita a enumerar concretizações da factualidade tida como relevante narrada no libelo acusatório. Constituiu, pois, pretensão por parte deste Tribunal, explicitar por que forma lograva o arguido pagar as despesas da equipa com que se via confrontado no quotidiano, pecando, salvo o devido respeito, por pueril, que o legal representante da assistente CC o não habilitasse com meios de pagamento, a saber, e conforme constatado a partir da prova produzida, o cartão de débito associado à conta bancária daquela e cheques assinados por aquele. Permita-se-nos, ainda, e na precisa medida em que a este Tribunal foi imputado “inauditismo” (sic, o art. 58.º do requerimento do arguido), observar que lançar mão da tese do Ministério Público para infirmar um facto integrado na sentença proferida a título de ANSF se nos prefigura comportamento processual bem mais surpreendente. Assim sendo, não vislumbramos, salvo melhor opinião, em que medida a reinquirição do legal representante da assistente CC e a notificação da entidade bancária nos moldes preconizados se revistam de relevo para a descoberta da verdade material, sequer do ponto de vista da defesa dos direitos de defesa do arguido, pois que a tese sustentada pelo arguido, independentemente do seu mérito, não sobrevém sequer beliscada com o aditamento do facto em observação; repetiremos, a propósito – e porque o arguido sistematicamente o desconsidera – estar em causa um facto meramente de “natureza acessória ou complementar dos que foram apresentados inicialmente a julgamento, destinando-se, claramente, a contextualizar a actuação do arguido de modo mais completo e próximo daquela que será a realidade tida por relevante pelo Tribunal” (sic, cfr. o acórdão prolatado pelo Venerando TRP, a fls. 64). Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 340.º, n.º 4, als. b) e d) do Código de Processo Penal, se indefere o requerido no segmento em apreço. * - Facto G): “Nas vésperas da Volta a Portugal de 2014, agendada para o período compreendido entre 30/07/14 e 10/08/14, houve lugar a uma reunião entre os ciclistas e o staff da equipa de ciclismo da assistente, os primeiros se tendo insurgido contra o arguido por falta de pagamento dos seus salários e exigindo que o mesmo abandonasse a respectiva direcção desportiva, sob pena de se não apresentarem para competir naquela prova”. Facto H): “Ao que o arguido acedeu, tendo os referidos ciclistas recebido quantias que lhes eram devidas no âmbito de um contrato de patrocínio nessa ocasião celebrado com a “W52” e competido na Volta a Portugal de 2014, da qual saíram vitoriosos”. Facto I): “Posteriormente ao abandono de funções por parte do arguido, a assistente, na pessoa de CC, contratou os serviços de um contabilista, o mesmo se tendo deparado com a inexistência de contabilidade organizada e de diversas dívidas”. Salvo melhor opinião, requerer “a inquirição do legal representante da assistente (sublinhado nosso) para vir aos autos esclarecer os factos ora alterados” (sic) consubstancia diligência à partida votada ao naufrágio; com efeito, não incumbe àquele esclarecer os referidos factos, tão pouco pode o arguido argumentar serem factos “alterados” (sic), antes a este Tribunal pronunciar-se nesse sentido, sendo certo constituírem – talqualmente já repetido à exaustão – factos aditados. Ora, os factos G) e H) decorreram em abundância da prova testemunhal, ademais imprimindo um percurso de lógica entre os momentos em que o arguido assumiu a direcção desportiva da equipa de ciclismo da assistente e a deixou. Na verdade, a aludida reunião anteriormente à Volta a Portugal de 2014 e os seus contornos, mormente a postura dos ciclistas e a vitória que vieram a obter foi relatada ao pormenor pelo legal representante da assistente CC e pelas testemunhas EE, LL, GG, II e DD, todos tendo cuidado de abordar a indignação por parte dos ciclistas em face dos salários em atraso, imputação dessa situação ao arguido e ao legal representante da assistente CC, e exigência no sentido de este ter que abandonar as suas funções em ordem a aceitarem competir, situação que conheceu resolução imediata, nomeadamente por virtude de um patrocínio à última da hora, sobre o qual versou a testemunha OO. Assente que temos o elenco de meios de prova de que lançámos mão para aditar os factos G) e H), apenas por mero lapso se compreende que o arguido haja desconsiderado o facto de o contabilista da assistente – cuja identificação e inquirição como testemunha visa – ter sido uma das testemunhas arroladas em sede de acusação pública e como tal inquirido em Juízo. Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 340.º, n.º 4, al. b) do Código de Processo Penal, se indefere o requerido no segmento em apreço. * - Facto J): “O reconhecimento da assinatura aposta na declaração datada de 22/01/14 como sendo do arguido apenas conheceu formalização em 22/10/14, dada a circunstância de, naquela primeira data, a assistente ignorar a exacta medida das suas dívidas”. Contradição entre os Factos G), I, J): Ao “inauditismo” (sic, o art. 58.º do requerimento do arguido) que nos é assacado pelo arguido, apenas se nos apraz salientar que, mau grado as sucessivas alterações legislativas, este Tribunal se tem como um, ainda que elementar, conhecedor da lei, redundando a argumentação tecida por aquele no que ao Facto J) se reporta, novamente e salvo o devido respeito, numa errónea percepção do que constituam factos e do que seja uma ANSF. Ora, um facto é uma realidade antes do mais naturalística, despojada de conotações conclusivas ou implicações jurídicas, tendo resultado do depoimento prestado pela testemunha DD precisamente o quanto, a um tal título, se consignou. Contrariamente ao aventado pelo arguido, este Tribunal não retirou uma qualquer ilação jurídica do ponto de vista da legalidade ou não da realidade descrita, cingindo-se, mais uma vez, a concretizar a factualidade e tipo de ilícito que lhe vêm imputados, em concreto, a angariação de dívidas por parte do arguido no exercício das suas funções de director desportivo – do que constitui exemplo paradigmático o mais do que comprovado atraso no pagamento de salários aos ciclistas da equipa – e o distanciamento do legal representante da assistente CC em relação à saúde financeira da assistente – constatação também meramente fáctica que nesta sede sublinhamos. Cumprindo notar que em segmento algum do despacho de ANSF se mostra incluído um qualquer facto de acordo com o qual “os valores foram pagos entre Julho e Agosto de 2014” (sic), sequer tendo sido inquirido em Juízo como testemunha o CC melhor identificado no art. 67.º do requerimento apresentado pelo arguido – e mantendo na íntegra o entendimento acima veiculado, no sentido de estar em causa uma mera realidade de facto, e, como tal, despojada de conotação jurídica –, concordamos, porém, com a pertinência da inquirição do CC PP, cuja assinatura consta do relatório de contas datado de 28/12/13, restrita à indagação acerca do conhecimento directo acerca das ocasiões em que os valores em dívida terão sido detectados e pagos, assim como com a reinquirição da testemunha DD, uma vez mais, em razão das específicas funções que desempenhava no seio da assistente, em concreto, a prestação de serviços de índole jurídica, poder prestar esclarecimentos adicionais por referência ao quanto já depôs nesta matéria, uma vez que, inquirido, revelou ter sido quem minutou a declaração de assunção de responsabilidades a pedido do legal representante da assistente CC, documento no qual empregou uma formulação ampla em face do desconhecimento, à data, do total das dívidas angariadas, e que manteve no seu escritório durante cerca de dez meses anteriormente ao reconhecimento da assinatura naquele aposta. Assim sendo, defere-se a reinquirição da testemunha DD – restrita a esclarecimentos adicionais acerca da declaração de assunção de responsabilidades que elaborou –, assim como a inquirição como testemunha PP – restrita à indagação acerca do conhecimento directo acerca das ocasiões em que os valores em dívida terão sido detectados e pagos – cujo endereço para efeitos de notificação se determina seja facultado pela assistente no prazo de 10 (dez) dias. Termos em que, ao abrigo do disposto no art. 340.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, se defere o requerido no segmento em apreço.
b. Do resumo das diligências de prova requeridas cuja realização se defere: 1. A notificação da assistente e da FPC – esta última na pessoa da testemunha MM, respectivo Presidente, por razões de economia e celeridade processuais – para que esclareçam se dispõem de exemplar escrito de algum contrato de trabalho / prestação de serviços celebrado entre a assistente e o arguido, e, na afirmativa, procedam à sua junção aos autos, no prazo de 10 (dez) dias; 2. A reinquirição da testemunha DD – restrita a esclarecimentos adicionais acerca dos seguintes factos: a. A identidade de quem haja celebrado o contrato de seguro de acidentes de trabalho com a “B... – Companhia de Seguros, SA”; b. A declaração de assunção de responsabilidades que elaborou. 3. A inquirição como testemunha de PP, contabilista certificado – restrita à indagação acerca do conhecimento directo acerca das ocasiões em que os valores em dívida terão sido detectados e pagos – cujo endereço para efeitos de notificação se determina seja facultado pela assistente no prazo de 10 (dez) dias. » ;
5º, Nesta sequência, pelo arguido foi apresentado, no dia 09/10/2023, requerimento suscitando a verificação de nulidade da decisão proferida, o qual é do seguinte teor: « (…) 4.º Por motivos de celeridade e economia processual dá-se aqui por integralmente reproduzidos todos os argumentos de facto e de direito invocados no referido requerimento do Arguido datado de 13.07.2022, sob fls... dos autos 5.º Tais diligências foram indeferidas, tendo, de imediato sido proferida sentença. 6.º Sopesa, porém, que por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, tal sentença foi julgada nula, tendo, igualmente, sido invalidada toda a tramitação processual subsequente à apresentação do Requerido do Arguido de 13.07.2022, na parte em que se reporta à produção suplementar de prova. 7.º Desta feita, é insofismável inexiste decisão final e como, tal por maioria de razão inexistem nos autos “factos assentes”. 8.º Sem prejuízo, foi proferido novo despacho pelo Douto Tribunal que, em suma indefere os meios de prova requeridos pelos arguido quanto aos factos aditados a), c), f) e g), indeferindo parcialmente os meios de prova quanto ao facto e). 9.º Neste conspecto, importa, desde já, arguir a nulidade do referido despacho, nos termos do artigo 120.º n.º 2 al. d) do CPP e bem assim a sua inconstitucionalidade por violação do artigo 32.º n.º 1 da CRP, uma vez que atenta a alteração dos factos operada pelo Tribunal, ainda, que não substancial, a produção dos meios de prova requeridos pelo arguido é essencial à boa decisão da causa e imprescindíveis e necessários à defesa do Arguido. 10.º Ora, o despacho aqui em crise não só indefere realização da maioria da de diligências probatórias requeridas pelo Arguido essenciais à descoberta da verdade material e boa decisão da causa, como com o devido respeito, encerra um juízo definitivo sobre a prova positiva dos factos agora aditados, o que é manifestamente vedado, nesta fase processual, quer pela lei processual penal quer pela jurisprudência dos tribunais superiores. 11.º Como defende o Tribunal Constitucional no seu Acórdão nº 216/19, de 02/04/2019 “a comunicação a que alude o n.º 1 do artigo 358.º do CPP não incorpora um juízo, positivo ou negativo, sobre a comprovação dos factos a que se refere. Apenas exterioriza que, no estado da prova produzida em julgamento, o princípio da descoberta da verdade obriga a que o tribunal se debruce sobre uma realidade não comportada na acusação ou na pronúncia, podendo tais factos vir a ser dados como provados ou não, em função da prova que for ulteriormente produzida ou examinada. Tratam-se, pois, de factos meramente sinalizados aos sujeitos processuais, de índole precária e indiciária, porque ainda sujeitos a eventual contraprova e ao crivo da discussão contraditória em audiência.” 12.º Resulta manifesto da argumentação expendida no despacho aqui em sindicância que o Tribunal já formou a sua convicção, pelo menos, em relação aos factos aditados, nomeadamente, mas sem limitar, sob os pontos a), c), f), g), h) e i). 13.º O que se antecipa determinará que a final será proferida decisão idêntica à que foi julgada nula pelo Tribunal da Relação do Porto, não se concedendo, assim, ao arguido um efectivo e real direito de defesa quanto aos factos agora aditados. 14.º Isto, porquanto, o Tribunal ao invés de se pronunciar sobre a pertinência (ou não) dos requeridos meios de prova, como deveria, espelha o seu entendimento sob tais factos, tendo inclusivamente remetido para meios de prova que, no seu entendimento, suportam os mesmos, referindo, ainda, sucessivamente a factualidade tida como “assente”, o que, com o devido respeito, nesta fase inexiste, uma vez que não foi, ainda, como supra se referiu proferida sentença. 15.º A título exemplificativo, atente-se na argumentação expendida quanto ao facto c), na qual o despacho sufraga que “no sentido de constar expressamente do Ponto 6) da factualidade tida como assente que a procuração outorgada ao arguido lhe não permitia a gestão da conta bancária do Banco 1... n.º ...,(...) 16.º Por seu turno, no que respeita ao facto d) agora aditado sufraga que: “Assente, na sequência da integralidade da prova produzida, ter sido o arguido quem, à data, exercia as funções de director desportivo da equipa de ciclismo, resulta das máximas do senso comum que o não faria a título de liberalidade, o que sobreveio corroborado pelos depoimentos prestados pelo legal representante da assistente.” 17.º Relativamente ao facto f) “decorre claramente do Facto 8) ter sido dado como provado que foi o legal representante da assistente quem preencheu, assinou e entregou ao arguido os três cheques discutidos nos autos” 18.º Prosseguindo sufragando que “Constituiu, pois, pretensão por parte deste Tribunal, explicitar por que forma lograva o arguido pagar as despesas da equipa com que se via confrontado no quotidiano, pecando, salvo o devido respeito, por pueril, que o legal representante da assistente CC o não habilitasse com meios de pagamento, a saber, e conforme constatado a partir da prova produzida, o cartão de débito associado à conta bancária daquela e cheques assinados por aquele”. 19.º É certo que o Acórdão proferido nos autos determinou que estamos perante uma alteração não substancial dos factos, no entanto, também determinou que “aquilo que o tribunal a quo comunicou em 05/07/2022 não foi verdadeiramente uma adição de factos ao objecto do julgamento – foi sim o anúncio de uma adição de factos à sentença a proferir.” 20.º Louvando-nos, assim, no aresto do Tribunal da Relação do Porto, proferido nestes autos, «A comunicação a que se reporta o artigo 358º do Código de Processo Penal não pode, porém, representar uma tomada de posição do tribunal a respeito da prova. Se assim fosse, de nada serviria dar oportunidade de defesa ao arguido. Se o tribunal já tomou a sua posição definitiva quanto à prova dos factos, de nada serve dar ao arguido a oportunidade de se defender perante a alteração em causa ; de nada serve que este apresente novos meios de prova ou alegações quando a convicção do tribunal quanto à prova já está firmada. Assim, o que deve ser comunicado não é alguma decisão do tribunal quanto à prova, mas a simples eventualidade de esta poder vir a integrar a alteração em causa (e, portanto, com a abertura a que a prova eventualmente apresentada pelo arguido ou as alegações deste possam convencer o tribunal de que isso não suceda). Trata-se de uma advertência e um alerta, não da comunicação de uma decisão. Só assim tem sentido dar oportunidade de defesa ao arguido e só assim se respeitam cabalmente os direitos de defesa deste.» – sublinhados agora apostos. (nestes sentido vide igualmente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 25/06/2013 (proc. 14722/10.4TDPRT.P2)) 21.º No caso vertente, constata-se que o Douto Tribunal profere, novamente, uma decisão quanto aos factos aditados, sustentando, desde já, o motivo pelo qual considera que os mesmos estão assentes e serão considerados como provados. SE NÃO VEJAMOS, 22.º Relativamente ao facto A) do despacho aqui em crise, o mesmo sufraga para a demonstração de tal facto que: “(...) basta atentamos que, conforme vertido nos Factos B) e H) aditado em sede de ANSF, anteriormente ao ano de 2013, a assistente não dispunha de uma equipa profissional continental de ciclismo, sem prejuízo do que a constituiu e logo almejou vencer a Volta a Portugal de 2014. Do mesmo modo, o “auxílio” (sic) a que se alude, prestado por BB, quer à A..., quer ao o arguido, visou retratar ser aquele a face visível daquela instituição bancária no relacionamento com estes, dado tratar–se do gerente da conta bancária titulada pela A..., conspecto em que urge convocar a realidade histórica, na precisa medida em que é consabido do comum dos cidadãos carecidos de frequente recurso a instituições bancárias que, à data, o relacionamento que intercedia entre os seus responsáveis e os respectivos clientes se pautava pela pessoalidade e pela confiança, razão pela qual foi a própria testemunha BB quem deu conta de a perfilhada “consideração” (sic) ter contribuído para a realização de operações a descoberto, a saber, e no que relevou para a convicção deste Tribunal, o pagamento de cheques ainda que a conta bancária titulada pela assistente evidenciasse um saldo negativo. Na realidade, o mesmo deu conta de ter sido quem o avalizou, ainda que em cumprimento de ordem hierarquicamente transmitida, irrelevando, salvo melhor opinião, se o fez ou não em conluio com outrem, nomeadamente o arguido, não se alcançando por que motivo este último suscita no requerimento em apreço a imputação de uma co-autoria de factos criminosos, quando o “auxílio” (sic) a que este Tribunal se reportou não ultrapassa a literalidade do termo. Nesse sentido, ademais, convergiu a prova testemunhal produzida, assente, não apenas no depoimento prestado pela testemunha BB, mas, de igual forma, pelo legal representante da assistente CC e pela testemunha DD, ambos merecedores de credibilidade, um e outro tendo sustentado que o arguido contactava telefonicamente com aquela outra quando necessário “ 23.º Desde logo, cumpre referir que, com o devido respeito, muito se estranha que se possa formular tal conclusão, assentando, ainda que parcialmente, em factos igualmente aditados, e como tal sujeitos a contraditório. 24.º Por outro lado, o Tribunal encerra evidentemente que a sua convicção quanto a tal facto está formado, exarando tal expressamente no despacho. 25.º Sopesa, porém, que não estando imputado ao arguido qualquer relação de especial confiança entre este e a instituição bancária e/ou a Testemunha BB, não foi o facto a) agora aditado sujeito a prova. 26.º Com efeito, tivesse sido apontado ao arguido “logrou efectuar as discriminadas transferências bancárias por virtude da consideração de que a A... e o próprio beneficiavam junto dos responsáveis do Banco 1...”, no que contava com o auxílio de BB, gerente da conta bancária titulada pela primeira”, teria certamente inquirido tal testemunha sob tal alegada factualidade. 27.º No entanto, e uma vez que em momento algum lhe foi imputada tal relação de confiança, jamais sequer se conjecturou que o Tribunal viesse a concluir que o Arguido lograsse proceder a “transferências bancárias” por tal motivo, até porque a documentação junta aos autos aponta em sentido absolutamente diverso. 28.º Atente-se nos dos documentos juntos aos autos pelo Banco 1... em 21 de Março de 2022 e 18 de Abril do mesmo ano, a entidade bancária afirmou perentoriamente, referindo-se à conta bancária identificada no artigo 5.º da Acusação, e passamos a citar, que “a conta não é titulada pelo Arguido” e que “até 05 de Dezembro de 2014 era movimentada pelo Sr. CC” tendo, inclusivamente junto a acta que legitima o sr. CC. 29.º Desconhecendo, assim, em absoluto “os responsáveis do Banco 1...”, nem tampouco o despacho em sindicância os identifica ou refere, o que obsta a que ao Arguido seja possível exercer plenamente os seus direitos de defesa. 30.º Sendo certo que não é possível ao arguido esgrimir em que se consubstancia o alegado “auxilio” ou em que actos o mesmo alegadamente se materializou, o que impede liminarmente que ao arguido seja possível apresentar meios de prova para contraditar tal alegado facto. 31.º Em abono da verdade, o despacho de 05.07.2022 não descreve ou tampouco concretiza as circunstâncias de tempo, lugar e modo em que alegadamente o aqui Arguido praticou qualquer dos factos que agora se visam aditar ao objecto o processo. 32.º Sendo certo que, ao contrário do que refere o despacho aqui em apreço, podemos efectivamente estar perante uma alteração de autoria para co-autoria. 33.º Louvando-nos no Acórdão proferido nos autos que pugna que, pese embora entenda que estamos perante formas de autoria, reconhece que “é verdade que tal é susceptível de transfigurar o título subjectivo de actuação do arguido numa situação, neste concreto aspecto, de co–autoria.” 34.º Reputa-se, assim, essencial e necessária à defesa do arguido e à boa decisão da causa a inquirição da Testemunha BB sob tal facto, o que se requer. 35.º De igual modo, é de elementar importância a inquirição da Testemunha CC sob tal facto uma vez que, a qualidade de Presidente da Assistente, à data dos factos aqui em crise, se torna imprescindível esclarecer se existia (ou não) qualquer relação de confiança do arguido. 36.º Reitera-se que os factos agora aditados não conformavam o objecto do processo e, como tal, não teve o Arguido oportunidade de inquirir as referidas testemunhas sob o mesmo, assim, demonstrando a verdade material e exercendo os seus direitos de defesa, com assento na Lei Fundamental. 37.º Os meios de prova requeridos relativamente ao ponto c) do factos agora aditados, reputa-se igualmente da maior importância, ao contrário do que sufraga o Acórdão recorrido. 38.º Na verdade, e considerando que o Tribunal espelha a sua convicção sobre os factos, importa a realização de tais meios de prova, por forma a demonstrar quais as funções que estavam efectivamente acometidas ao Arguido. 39.º Com efeito, o facto c) agora aditado visa certamente, em sede de sentença, demonstrar que o Arguido se apropriou de determinadas quantias, o que, com o devido respeito, não corresponde à verdade material. 40.º Sucede, porém, que uma vez mais o objecto do processo conformava as funções que estavam acometidas ao Arguido, dos mesmos decorrendo que não tinha o Arguido poderes para a pratica de todo e qualquer acto, nomeadamente, não tendo poderes para movimentar a conta bancária da Assistente. 41.º Nesta sequência, a inquirição da Testemunha LL, CC e DD, porquanto, acompanhando a equipa da Assistente podem clarificar quais os actos que o arguido praticava, sendo o seu depoimento necessário e essencial à boa decisão da causa e à defesa do arguido. 42.º Prossegue o despacho aqui em crise a demonstrar a exarar a prova positiva dos factos agora aditados. 43.º Versemos, assim, sob a fundamentação expendida quanto ao ponto d) dos factos aditados, no qual o Tribunal consigna que, desde logo, que “cuidando de salientar que a sua eventual inexistência física não preclude a constatação subjacente ao facto em crise, fundada que foi na prova testemunhal acima mencionada.” 44.º No que reporta ao ponto e) dos factos aditados, os meios de prova requeridos reputam-se de elementar importância. 45.º Na verdade, as Testemunhas LL, GG, e NN constam igualmente como seguradas na qualidade de ciclistas, pelo que certamente elucidarão o Tribunal do sucedido. 46.º Sendo certo que, até à adição de factos pelo Douto Tribunal, não havia sido imputado ao arguido qualquer intervenção em contratos de seguro. 47.º Na fundamentação que indefere os meios de prova relativamente ao facto f) agora aditado o tribunal adverte a conduta processual do arguido ao sufragar que “roçam os limites da litigância de má fé”. 48.º Cumpre, pois, salientar que o arguido pautou a sua conduta em juízo com a boa-fé e cooperação que lhe são exigidos, apenas se tendo socorrido dos expedientes legais expressamente previstos no Código de Processo Penal, o que sempre fez de modo licito e em estreito cumprimento dos preceitos legais. 49.º No entanto, o Douto Tribunal uma vez mais ao invés de se pronunciar sobre a pertinência ou não dos meios de prova requeridos encerra a sua convicação da prova positiva dos mesmos. 50.º Atente-se, assim, no despacho aqui em sindicância, que sufraga que “(...) decorre claramente do Facto 8) ter sido dado como provado que foi o legal representante da assistente quem preencheu, assinou e entregou ao arguido os três cheques discutidos nos autos, para que pudesse fazer face ao pagamento de despesas referentes à gestão daquela. À semelhança do já explanado, o facto aditado em sede de ANSF não corresponde a uma qualquer “tese vertida no despacho” (sic), que se limita a enumerar concretizações da factualidade tida como relevante narrada no libelo acusatório. Constituiu, pois, pretensão por parte deste Tribunal, explicitar por que forma lograva o arguido pagar as despesas da equipa com que se via confrontado no quotidiano, (pecando, salvo o devido respeito, por pueril, que o legal representante da assistente CC o não habilitasse com meios de pagamento, a saber, e conforme constatado a partir da prova produzida, o cartão de débito associado à conta bancária daquela e cheques assinados por aquele.” 51.º Relativamente aos factos g), h) e i), foi, entre o demais requerida a inquirição da Testemunha CC, entende o Tribunal que “não incumbe àquele esclarecer os referidos factos, tão pouco pode o arguido argumentar serem factos “alterados” (sic), antes a este Tribunal pronunciar-se nesse sentido, sendo certo constituírem – talqualmente já repetido à exaustão – factos aditados (...)” 52.º Mais sufragando que: “Assente que temos o elenco de meios de prova de que lançámos mão para aditar os factos G) e H) (...)”. 53.º De onde, uma vez mais se constata que estamos perante factos que, na convicção do Tribunal já em 05.07.2022, estavam assentes. 54.º Ora, crê o Arguido que o despacho em sindicância deveria ter versado sobre a pertinência (ou não) das diligências probatórias requeridas. 55.º Ao invés, com o devido respeito, trata-se de um despacho antecipador da sentença mediante o qual o tribunal não só reflecte a prova positiva dos factos aditados, como alicerça a sua convicação em factos “assentes” e “provados”, o que, atenta a inexistência de sentença final, não se compreende. 56.º Torna-se relevante trazer à colação o segmento do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto que determinando que estamos perante uma alteração não substancial dos factos, reconhece que “os factos que foram aditados ao objecto dos autos por via da aludida comunicação revelam diversos graus de relevância. Assim, afigura–se assumirem aqueles relativos à nóvel situação de co–autoria, à adição de modos de execução do crime imputado ou à concretização das circunstâncias de tempo em que cessou a ligação profissional do arguido à assistente, uma relevância em certa medida mais acentuada do que alguns dos demais – como, aliás, vem entretanto a revelar a sentença recorrida nos segmentos em que delimita a dinâmica criminosa que tem por demonstrado haver sido empreendida pelo arguido, e inclusive na concreta graduação da ilicitude do seu comportamento e da censura penal incidente sobre o mesmo.” 57.º Prossegue com probidade o referido Aresto pugnando que “tal ponderação é, neste momento, irrelevante, pois a partir do momento em que existe uma comunicação de alteração de factos, pressupõe–se a sua relevância para a decisão no entendimento do tribunal (se assim não fosse, não teria tido necessidade de a comunicar), e apenas restará verificar se foi seguido o regime processual imposto para a eficácia da sua (desses novos factos) consideração na decisão final – no caso, o do art. 358º do Cód. de Processo Penal.” 58.º Compulsada a fundamentação do despacho em sindicância constata-se que o Tribunal entende que, os factos agora aditados, são assentes e indiscutíveis, tendo proferido despacho do qual decorre, em suma, quais os meios de prova que sustentam tal convicção. 59.º Ademais, ao indeferir os meios de prova requeridos pelo Arguido veda-lhe a possibilidade de, pelo menos, procurar demonstrar que tais factos agora aditados não correspondem à verdade material. 60.º Acresce que não se antecipa, com o devido respeito, a relevância da formulação de considerações acerca do Arguido nomeadamente que “é este quem interpreta de forma deficiente e tendenciosa o alcance do facto em questão (...)” e alusões aos limites da “litigância de má fé”. 61.º Com efeito, a reabertura da audiência foi ordenada pelo Tribunal Superior que reconheceu a sua importância, e determinou que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre o Requerimento do Arguido de 13.07.2022. 62.º Não tendo sido apontada qualquer litigância de má fé ao aqui arguido. 63.º Sem prejuízo, como se depreende da análise do despacho aqui em crise, resulta evidente que o Tribunal na verdade, persiste, na comunicação ao arguido de uma adição de factos à sentença a proferir, já tendo, inclusivamente, anunciado os meios de prova que no seu entendimento sustentam a sua convicção referindo, ainda, os “factos assentes”. 64.º Considerando que o Tribunal encerra um juízo definitivo sobre a prova positiva dos factos agora aditados, e, como tal indefere a maioria dos meios de prova requeridos pelo Arguido, o despacho aqui em sindicância padece de nulidade nos termos do artigo 120.º n.º 2 al. d) do CPP e bem assim de inconstitucionalidade por violação do artigo 32.º n.º 1 da CRP, uma vez que atenta a alteração dos factos operada pelo Tribunal, ainda, que não substancial, a produção dos meios de prova requeridos pelo arguido é essencial à boa decisão da causa e imprescindíveis e necessários à defesa do Arguido. 65.º Note-se que o arguido não renuncia ao seu direito de recorrer do referido despacho. 66.º No entanto, e atenta a divergência jurisprudencial existente quanto à forma de reacção, invoca, desde já, e expressamente a nulidade do despacho proferido. » ;
6º, Decidindo quanto a tal requerimento, veio o tribunal de primeira instância a proferir despacho, datado de 18/10/2023, através do qual conheceu da arguida nulidade e indeferiu a verificação da mesma – despacho esse que é do seguinte teor: «Da nulidade do despacho proferido em 25/09/23 invocada pelo arguido: Por requerimento apresentado em 09/10/23, vem o arguido invocar, para o que convoca a previsão do art. 120.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Penal – em cujos termos [constitui nulidade dependente] de arguição (…) a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade – a nulidade do despacho proferido em 25/09/23 por parte deste Tribunal no cumprimento do oportunamente determinado pelo Venerando TRP – e, assim, tendo como “invalidada toda a tramitação processual subsequente à apresentação do requerimento do arguido de 13/07/22” a reabertura da audiência e a apreciação desse requerimento “na parte do mesmo que se reporta à requerida produção suplementar de meios de prova (considerando-se assente, até por via da presente decisão, estarmos perante a comunicação de uma alteração não substancial de factos), com (eventual) subsequente produção da prova suplementar que se tenha por pertinente (sempre cingida aos factos aditados), seguindo-se a demais pertinente tramitação processual do julgamento – sendo, a final, proferida nova sentença” (sic). Fundamenta essa sua pretensão no facto de “a produção dos meios de prova requeridos pelo arguido [ser] essencial à boa decisão da causa e imprescindíveis e necessários à defesa do arguido” (sic). Salvo melhor opinião – e presente o teor do art. 340.º do Código de Processo Penal –, confunde o arguido o que sejam meios de prova [necessários] à descoberta da verdade e à boa decisão da causa e o que sejam meios de prova irrelevantes, supérfluos ou animados de finalidade meramente dilatória na prossecução de um tal desiderato, apenas deste modo se compreendendo por que se permite reiterar o oportunamente requerido e objecto de anterior indeferimento. Assim como, novamente salvo melhor opinião, descura o teor do acórdão prolatado pelo Venerando TRP, cujo dispositivo se nos afigura claro, no sentido de apenas a tramitação dos autos posterior ao requerimento de produção de prova suplementar apresentado pelo arguido na sequência da comunicação do despacho de ANSF sobrevir invalidada; o mesmo é dizer, por outras palavras, que a tramitação dos autos anterior a um tal requerimento permanece válida, no âmbito desta necessariamente se enquadrando a prova produzida acerca do que – por facilidade de exposição e por contraposição a factos não essenciais, estes entendidos como os discriminados no despacho de ANSF – designaremos por factos essenciais. Ora, no âmbito do despacho antecedente, cremos ter explicitado por que razões entendemos ser de deferir ou indeferir as diligências probatórias requeridas, o que, por definição, assentou na análise crítica da prova até então produzida, que, salvo melhor opinião e considerado o teor do acórdão prolatado pelo Venerando TRP, permanece atendível, sob pena de inexistência de um qualquer critério válido que permitisse dar cumprimento ao superiormente determinado. Reconhecendo-se, no que às preditas razões se reporta, que, quanto aos factos A) e F), para além da convocação da prova produzida em audiência de julgamento, se revestiu de inadequação do ponto de vista formal a referência a outros factos, essenciais e não essenciais, observaremos, porém, que, quanto aos primeiros, estão em causa realidades de facto sufragadas pelo arguido, uma delas com arrimo documental; quanto aos segundos, ter sido nossa pretensão providenciar ao mesmo uma compreensão abrangente da factualidade objecto de aditamento. Não pode o arguido, uma vez mais salvo melhor opinião, pretender que a prova produzida ao longo das mais do que muitas sessões de audiência de julgamento, seja pura e simplesmente desconsiderada – na certeza de, quanto à mesma, sempre ter exercido o contraditório de lei – por parte deste Tribunal, ao qual incumbe operar a destrinça entre a produção de prova suplementar relevante e irrelevante tendo em vista a descoberta da verdade material, o que, cremos, decorrer do despacho antecedente. Termos em que indefiro o requerido. Sem custas.»
7º, No dia imediato, isto é, a 19/10/2023, veio o arguido interpor o presente recurso daquela anterior decisão proferida no dia 26/09/2024 (e elencada no ponto 4º supra).
É à luz de tal elenco de incidências processuais que se perfila a apreciação da questão suscitada pelo arguido/recorrente no âmbito do recurso interlocutório interposto. O que significa, atento o mesmo elenco, que liminarmente se deverá considerar que o recurso aqui em causa incide, afinal, sobre questão já decidida jurisdicionalmente por decisão que, por sua vez, não foi objecto de oportuna impugnação.
Senão vejamos. Como resulta de quanto vem de se expor, a situação configurada nos autos e nesta parte sintetiza–se nos seguintes termos esquemáticos: 1º, o tribunal a quo, em sede de audiência de julgamento, proferiu um despacho de alteração não substancial de factos, 2º, o arguido veio requerer a produção de prova complementar no prazo de defesa, 3º, o tribunal, apreciando, profere em 22/09/2023 um primeiro despacho, indeferindo grande parte da prova (testemunhal e documental) requerida, nos termos e com os fundamentos ali invocados, 4º, o arguido veio apresentar requerimento arguindo (em 09/10/2023) a nulidade desse despacho, ao abrigo do disposto no 120º/2/d) do Cód. de Processo Penal, 5º, o tribunal profere então um segundo despacho (em 18/10/2023) onde conhece e decide quanto às nulidades em causa (indeferindo as mesmas), 6º, entretanto o arguido (no dia imediato, isto é, 19/10/2023) vem apresentar o presente recurso daquele primeiro despacho, cujo objecto é exactamente o mesmo que fora suscitado no requerimento de 09/10/2023, isto é, suscitando, com os mesmos exactos fundamentos, a nulidade do aludido (primeiro) despacho, ao abrigo do disposto no 120º/2/d) do Cód. de Processo Penal.
Ou seja, aquilo que o arguido/recorrente, afinal, procura alcançar por via do presente recurso interlocutório é que este Tribunal profira uma decisão que se configuraria como alternativa àquela entretanto proferida pelo tribunal a quo em 18/10/2023 sobre a exacta mesma questão, e que não foi objecto de impugnação, transitando em julgado. Dito de outro modo, a apreciação da questão suscitada no recurso interlocutório aqui em causa equivaleria a desconsiderar em absoluto que sobre a mesma foi entretanto proferida, perante requerimento apresentado pelo arguido, decisão do tribunal a quo. Ora, estipula o art. 613º/1/3 do Cód. de Processo Civil, aqui aplicável ex vi art. 4º do Cód. de Processo Penal, que proferida a sentença ou despacho, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (sendo apenas admissíveis alterações que não importem modificação essencial, de harmonia com a previsão do art. 380º/1/b)/3 do Cód. de Processo Penal) – sem prejuízo, naturalmente, da respectiva impugnação recursória. Estes normativos visam assegurar a estabilidade da decisão judicial, tutelando a segurança jurídica e acautelando a arbitrariedade decisória, em homenagem aos princípios da boa-fé e lealdade processual que também aos magistrados se impõem. In casu, a decisão judicial proferida em 18/10/2023, e que conheceu da nulidade oportunamente suscitada pelo recorrente, não foi objecto de impugnação, sendo–o antes agora aqueloutra decisão anterior relativamente à qual a nulidade fora suscitada. Não se ignora que, no final do seu requerimento de 09/10/2023, o arguido faz referência a que «não renuncia ao seu direito de recorrer do referido despacho [aquele de 26/09/2023]. (…) No entanto, e atenta a divergência jurisprudencial existente quanto à forma de reacção, invoca, desde já, e expressamente a nulidade do despacho proferido». Porém, a verdade é que, no momento em que o arguido apresentou o presente recurso, não havia ainda em bom rigor decisão recorrível quanto á questão suscitada, uma vez que (foi a sua opção processual) impugnara entretanto o mesmo despacho, suscitando as nulidades em causa perante o juiz que o proferiu ; donde, e assim procedendo, então teria de aguardar a decisão que viesse a ser proferida sobre o seu requerimento, para depois decidir como reagir. Não o tendo feito, e desconsiderando em absoluto a decisão que veio entretanto a ser proferida quanto às nulidades suscitadas (de tal forma, aliás, que inclusive se constata haver o presente recurso sido apresentado no dia imediato ao do proferimento daquela decisão, quando ainda mal operara, sequer, a respectiva notificação), o objecto do presente recurso mostra–se irremediavelmente condicionado com o trânsito em julgado do despacho proferido em 18/10/2023 – ou seja, não poderiam ser suscitadas por via de recurso daquele despacho de 26/09/2023 as nulidades que haviam sido invocadas junto da primeira instância, e que foram entretanto já apreciadas e decididas no despacho de 18/10/2023, este não impugnado. Donde, o que se constata, inevitavelmente, é que aquilo que agora o recorrente/arguido pretende ver apreciado (e que corresponde ao objecto, afinal, da decisão entretanto proferida em 18/10/2023) já o foi, pois, e em definitivo, por decisão judicial entretanto transitada em julgado.
Em tais circunstâncias, não pode este Tribunal de recurso apreciar o que já se mostra definitivamente decidido. O caso julgado garante precisamente a impossibilidade de ser decidida a mesma questão por mais do que uma vez, seja de forma diversa, seja da mesma forma.
Deste modo e face ao exposto, facilmente se conclui que o recurso é legalmente infundado por visar matéria já apreciada e decidida com trânsito em julgado e, por consequência, intangível e imutável. Por tais motivos, cumpre julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, em 19/10/2023, do despacho proferido pelo tribunal de primeira instância em 26/09/2023. * II.B. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS DA DECISÃO FINAL
Comecemos por fazer aqui presente o teor da decisão recorrida, no segmento relevante para a apreciação dos presentes recursos.
a. É a seguinte a matéria de facto considerada pelo tribunal de 1ª Instância: «3.1. Matéria de facto provada * Da discussão resultaram provados os seguintes factos, que doravante se elencam por referência às peças processuais de referência nos autos, expurgadas de factualidade repetida e / ou irrelevante para a descoberta da verdade material, tal qual delimitada pelo libelo acusatório, bem como de juízos conclusivos ou de Direito: * 1. Desde data não concretamente apurada, mas que se sabe pelo menos desde 10/05/12, que o arguido exerceu funções de Secretário da Direcção da Associação designada por “A...” (doravante, A...). 2. Em 15/11/12, CC, na qualidade de Presidente da A..., outorgou uma procuração ao arguido, concedendo-lhe poderes para, em sua representação, praticar todos os actos necessários à constituição da equipa profissional continental de ciclismo do clube designado “C...” para a época de .... 3. Incluindo esses poderes, entre outros, os necessários para a assinatura de contratos com patrocinadores, atletas e colaboradores, a instrução e assinatura de toda a documentação necessária junto da UVP/FPC para inscrição da equipa junto da UCI, a inscrição e a representação da equipa em todas as provas em que participasse e toda a direcção da referida equipa profissional de ciclismo. 4. Assim tendo procedido CC, entre o mais, dado participar em competições de ciclismo, como atleta de uma outra equipa. 5. Tendo tais poderes sido exercidos pelo arguido até Julho de 2014. 6. Aquela procuração não lhe permitindo a gestão da conta bancária do Banco 1... n.º..., titulada pela A.... 7. Ao longo do ano de 2013, o arguido transferiu da conta bancária titulada pela assistente no Banco 1...” com o n.º ..., para a sua conta bancária pessoal com o n.º ..., o montante global de € 25.815,00 (vinte e cinco mil, oitocentos e quinze euros), nos seguintes termos: a. Em 01/02/13: a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros); b. Em 06/02/13: a quantia de € 1.200,00 (mil e duzentos euros); c. Em 08/02/13: a quantia de € 600,00 (seiscentos euros); d. Em 13/02/13: € 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta euros); e. Em 22/03/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); f. Em 27/03/13: a quantia de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros); g. Em 17/05/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); h. Em 13/06/13: a quantia de € 110,00 (cento e dez euros); i. Em 19/06/13: a quantia de € 75,00 (setenta e cinco euros); j. Em 21/06/13: a quantia de € 160,00 (cento e sessenta euros); k. Em 19/07/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); l. Em 22/07/13: a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros); m. Em 26/07/13: a quantia de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros); n. Em 23/08/13: a quantia de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros); o. Em 09/09/13: a quantia de € 1.000,00 (mil euros); p. Em 10/09/13: a quantia de € 700,00 (setecentos euros); q. Em 12/09/13: a quantia de € 3.000,00 (três mil euros); r. Em 18/09/13: a quantia de € 440,00 (quatrocentos e quarenta euros); s. Em 25/09/13: a quantia de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros); t. Em 09/10/13: a quantia de € 500,00 (quinhentos euros); u. Em 11/10/13: a quantia de € 1.650,00 (mil, seiscentos e cinquenta euros); v. Em 15/10/13: a quantia de € 130,00 (cento e trinta euros); w. Em 17/10/13: a quantia de € 950,00 (novecentos e cinquenta euros); x. Em 27/11/13: a quantia de € 3.750,00 (três mil, setecentos e cinquenta euros). 8. Em Janeiro de 2013, CC, na qualidade de Presidente da A..., preencheu, assinou e entregou três cheques ao arguido para o pagamento de despesas referentes à gestão daquela, no montante global de € 23.050,00 (vinte e três mil e cinquenta euros), nos seguintes termos: a. Em 04/01/13, o cheque com n.º ..., no montante de € 20.500,00 (vinte mil e quinhentos euros), sacado sobre o Banco 1...”, da referida conta titulada pela A...; b. Em 08/01/13, o cheque com n.º ..., no montante de € 1.300,00 (mil e trezentos euros), sacado sobre o Banco 1...”, da referida conta titulada pela A...; c. Em 17/01/13, o cheque com n.º ..., no montante de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), sacado sobre o Banco 1...”, da referida conta titulada pela A.... 9. O primeiro dos quais foi apresentado a pagamento por QQ a pedido do arguido e tendo-lhe entregue a respectiva quantia e os demais depositados na conta bancária pessoal do arguido. 10. Entre a A... e “D..., SA” foi celebrado um contrato de patrocínio para a época velocipédica de .... 11. Sabia o arguido que as quantias que transferiu da conta bancária da assistente para a sua conta bancária pessoal, no montante global de € 25.815,00 (vinte e cinco mil, oitocentos e quinze euros), lhe não pertenciam. 12. Assim como que as quantias tituladas pelo cheque apresentado a pagamento por QQ, seu primo, e pelos cheques que depositou na sua conta bancária pessoal, no montante global de € 23.050,00 (vinte e três mil e cinquenta euros). 13. Sendo pertença da A..., em cuja conta bancária se encontravam depositados, destinando-se exclusivamente a serem utilizados em proveito daquela e de acordo com a respectiva vontade. 14. Logrando efectuar as referidas transferências por virtude da consideração de que a A... e o próprio arguido beneficiavam junto dos responsáveis do Banco 1...”, no que contava com o auxílio de BB, gerente da conta bancária titulada pela primeira. 15. E os mencionados depósitos por dispor de cheques da conta titulada pela A... assinados por CC. 16. Fazendo seu aquele montante global de € 48.865,00 (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros), que destinou conforme lhe aprouve, ciente de que causava à A... um prejuízo pelo menos equivalente a esse valor. 17. Não ignorava que tal conduta era proibida e punida por lei. 18. Não obstante o que não deixou de actuar como na realidade actuou, agindo livre e conscientemente. 19. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais. * Com relevo, mais se apurou:
20. CC, na qualidade de Presidente da A..., outorgou ao arguido a procuração datada de 15/11/12, por forma a evitar constrangimentos pessoais e institucionais, aquando do seu desiderato de constituir uma equipa profissional continental de ciclismo daquela para a época de 2013/14, sendo ciclista profissional que competia em equipa rival. 21. As datas em que foram efectuadas as transferências da conta bancária da assistente para a conta bancária pessoal do arguido são coincidentes com os períodos antecedentes e contemporâneos das provas em que a equipa de ciclismo da assistente se inscreveu. 22. As quantias transferidas da conta bancária da assistente para a conta bancária pessoal do arguido foram utilizadas no próprio dia ou nos dias seguintes a essas transferências. 23. Anteriormente ao ano de 2013, a assistente não dispunha de uma equipa profissional continental de ciclismo. 24. O arguido fazia as vezes de director desportivo da equipa de ciclismo da assistente, nessa medida lhe cabendo a sua gestão no quotidiano. 25. Tendo sido contratado pela assistente para a prestação desses serviços e o seu salário fixado em € 500,00 (quinhentos euros) mensais. 26. Não obstante o que o próprio ou alguém a seu mando, no seu interesse e com o seu conhecimento, celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com a “B... – Companhia de Seguros, SA”, em que a assistente figurava como tomadora e, de entre as pessoas seguras, constava o arguido, como ciclista profissional e cujo salário ascendia a € 1.071,43 (mil, setenta e um euros e quarenta e três cêntimos). 27. Para o pagamento das despesas relacionadas com a mencionada gestão da equipa de ciclismo da assistente, o arguido dispunha do cartão de débito associado à conta bancária da assistente e de cheques assinados por CC. 28. Nas vésperas da Volta a Portugal de 2014, agendada para o período compreendido entre 30/07/14 e 10/08/14, houve lugar a uma reunião entre os ciclistas e o staff da equipa de ciclismo da assistente, os primeiros se tendo insurgido contra o arguido por falta de pagamento dos seus salários e exigindo que o mesmo abandonasse a respectiva direcção desportiva, sob pena de se não apresentarem para competir naquela prova. 29. Ao que o arguido acedeu, tendo os referidos ciclistas recebido quantias que lhes eram devidas no âmbito de um contrato de patrocínio nessa ocasião celebrado com a “W52” e competido na Volta a Portugal de 2014, da qual saíram vitoriosos. 30. Posteriormente ao abandono de funções por parte do arguido, a assistente, na pessoa de CC, contratou os serviços de um contabilista, o mesmo se tendo deparado com a inexistência de contabilidade organizada e de diversas dívidas. 31. O reconhecimento da assinatura aposta na declaração datada de 22/01/14 como sendo do arguido apenas conheceu formalização em 22/10/14, dada a circunstância de, naquela primeira data, a assistente ignorar a exacta medida das suas dívidas. 32. Essa assinatura pode ter sido produzida pelo seu punho. 33. A assistente, enquanto autora, intentou contra a “D..., SA”, enquanto ré, acção declarativa de condenação que, com o n.º 12655/14.4T8PRT, correu termos no Juízo (J6) Central Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. 34. Na respectiva petição inicial alegando o incumprimento de um contrato de patrocínio celebrado para a época velocipédica de 2014, peticionando a sua condenação no pagamento do montante global de € 225.087,68 (duzentos e vinte e cinco euros, oitenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos). 35. Vindo a ser proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a ré no pagamento do montante global de € 147.600,00 (cento e quarenta e sete mil e seiscentos euros), acrescido de juros moratórios), e, interposto recurso pela ré, acórdão que julgou parcialmente a apelação, condenando a ré no pagamento do montante global de € 72.000,00 (setenta e dois mil euros), acrescido de IVA à taxa legal e de juros moratórios. 36. A assistente, enquanto autora, intentou contra o arguido e PP, enquanto, respectivamente, 1.º e 2.º réus, acção declarativa de condenação, que, com o n.º 12655/14.4T8PRT, corre termos no Juízo (J3) Central Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. 37. Na respectiva petição inicial alegando danos na sua esfera jurídica causados por aquele primeiro, no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos pela procuração outorgada, em 15/11/12, por CC, na qualidade de Presidente da A..., sem o conhecimento e o consentimento do mesmo. 38. E, por aquele segundo, enquanto prestador de serviços de contabilidade àquela no período compreendido entre 12/02/12 a 20/10/14, sem o conhecimento e o consentimento de CC, na qualidade de Presidente da A.... 39. Peticionado a condenação do arguido, enquanto 1.º réu, no pagamento das seguintes quantias: individualmente e por danos patrimoniais, a quantia de € 297.004,07 (duzentos e noventa e sete mil, quatro euros e sete cêntimos), acrescida de juros moratórios; individualmente e por danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros moratórios; solidariamente e por danos patrimoniais, de € 15.395,85 (quinze mil, trezentos e noventa e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros moratórios. 40. Nessa demanda, concretizou os danos imputados ao arguido como: o levantamento de quantias e transferências bancárias da conta bancária da assistente para a sua conta pessoal, no montante global de € 25.815,00 (vinte e cinco mil, oitocentos e quinze euros); a falta de pagamento de salários devidos aos funcionários da assistente, no montante global de € 135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros); a falta de pagamento de portagens e scuts, no montante global de € 45.797,48 (quarenta e sete mil, setecentos e noventa e sete euros e quarenta e oito cêntimos); o recebimento de IVA não entregue ao Estado, no montante global de € 1.847,77 (mil, oitocentos e quarenta e sete euros e setenta e sete cêntimos). 41. Assim como, com o conhecimento e o auxílio do 2.º réu, a falta de apresentação de declarações periódicas de impostos junto da AT, geradora de uma dívida por parte da assistente, no montante global de € 15.395,85 (quinze mil, trezentos e noventa e cinco euros e oitenta e cinco cêntimos). * Do relatório social elaborado acerca das suas condições de vida, resulta que: 42. À data dos factos, tal como no presente, mantém como referência do seu agregado familiar de origem, os pais (octogenários, reformados, residentes em ..., Paredes) dos quais praticamente nunca se autonomizou; refere pernoitar quer em casa dos pais, quer na casa da namorada ou mesmo no apartamento que tem arrendado, há cerca de quatro a cinco anos, em Viana do Castelo. 43. Descreve a dinâmica intrafamiliar, quer no passado, quer no presente, como coesa e suportiva, existindo estreita ligação entre os seus membros (pais e três descendentes, dos quais o arguido é o mais novo); refere ter estabelecido várias relações de namoro, mais ou menos duradouras, mas sem vivência em comum assumida; tem um filho, nascido de uma dessas relações, que terá aproximadamente vinte e sete anos, mas com o qual nunca teve contactos, apenas cumprido com o pagamento da pensão de alimentos que lhe era devida. 44. Concluiu o 6.º ano de escolaridade e abandonou os estudos no decurso da frequência do 7.º ano de escolaridade, contando com várias retenções; descreve-se como um aluno pouco investido nos estudos, canalizando toda a sua motivação para a prática do ciclismo, modalidade em que se iniciou aos nove anos de idade. 45. Ao nível profissional e até à idade dos vinte e nove anos, foi atleta da modalidade, à qual se dedicou exclusivamente, a partir de então mantendo a ligação ao ciclismo através das funções que exerceu junto de várias associações e clubes, como director desportivo; simultaneamente apoiava os pais no trabalho que estes desenvolviam na agricultura. 46. Desde Maio de 2020, começou a trabalhar na empresa “E...”, sedeada em Braga, paralelamente ao que exerce, em regime de part-time, funções de director desportivo da equipa de ciclismo “F...”, em Gondomar; está ainda colectado em nome individual, como prestador de serviços indiferenciados. 47. Dispõe de uma condição económica que considera estável, auferindo vencimento mensal na ordem dos € 1.300,00 (mil e trezentos euros), fazendo referência a outros dois rendimentos, que não quantificou, provenientes da actividade que exerce como director desportivo e por outros serviços prestados em nome individual. 48. No capitulo das despesas, paga € 200,00 (duzentos euros) de renda de casa; € 25,00 (vinte e cinco euros) de consumos de água e luz; € 27,00 (vinte e sete euros) de gás; cerca de € 100,00 (cem euros) com combustível e portagens; € 150,00 (cento e cinquenta euros) de pagamento em atraso da pensão de alimentos devida ao filho; € 50,00 (cinquenta euros) com medicação; anualmente tem encargos com pagamento do seguro do veículo automóvel que utiliza (refere que está registado em nome do seu pai) em € 300,00 (trezentos euros); do IUC em € 200,00 (duzentos euros); licença e seguro de caça em € 100,00 (cem euros); € 20,00 (vinte euros) com a quota que contribui para a Associação “G...”. 49. Para além da modalidade do ciclismo, a que desde sempre esteve ligado, tem como hobby a caça; ao nível da interacção social, dispõe de um vasto leque de conhecidos, na zona de ..., sua área comunitária de referência, onde é considerado uma “figura” de referência, pelo seu percurso como atleta, a par da conduta isenta de reparos que sempre norteou a sua conduta; está ainda referenciado pela pertença a uma família idónea e estimada pela comunidade; em Viana do Castelo, não estabelece interacções significativas, não sendo conhecido na freguesia. 50. Face à natureza dos factos pelos quais está acusado no presente processo, verbaliza em abstracto reconhecimento da sua ilicitude, bem como a existência de vítimas e danos, mas não se revê na prática dos factos, tais como descritos na acusação, responsabilizando terceiros, motivo pelo qual a sua expectativa é a de um desfecho processual favorável; a situação processual do arguido é acompanhada pela família, que lhe presta um apoio incondicional, não identificando qualquer implicação da mesma ao nível da confiança que o arguido lhes merece. * Não se demonstrou que:
A. No âmbito do contrato de patrocínio celebrado entre a A... e “D..., SA” para a época velocipédica de 2014, esta sociedade, ao longo do ano de 2013 e no período compreendido entre os meses de Janeiro e Julho de 2014, através do seu legal representante, entregasse ao arguido o montante global de € 88.516,82 (oitenta e oito mil, quinhentos e dezasseis euros e oitenta e dois cêntimos) e aquele assinasse pelo seu punho a correspondente declaração de recebimento. B. Como consequência directa e necessária das condutas perpetradas pelo arguido, a A... visse perigar a sua situação financeira. C. Assim como experimentasse constrangimento com a “D..., SA” com a instauração, enquanto autora, contra a mesma, enquanto ré, da acção declarativa de condenação que, com o n.º 12655/14.4T8PRT correu termos no Juízo (J6) Central Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. D. CC estivesse ao corrente de todas as despesas efectuadas pelo arguido e as autorizasse. E. As transferências bancárias efectuadas a partir da conta da assistente para a conta bancária do arguido o fossem ao balcão, por CC ou pelo arguido com a autorização prévia daquele. F. Essas transferências bancárias se destinassem a fazer face às despesas tidas com a equipa profissional continental de ciclismo da assistente. G. Fossem avultadas essas despesas dada a mobilização, por altura de cada uma das competições, de três veículos, que importavam gastos com o combustível, portagens e respectivo desgaste. H. O arguido usasse de cada uma das quantias transferidas da conta bancária da assistente para a sua conta bancária pessoal quando a antecedente se esgotasse. I. Os cheques entregues ao arguido por CC, na qualidade de Presidente da A..., no início de 2013, fossem insuficientes para o pagamento de despesas referentes à gestão da equipa profissional continental de ciclismo da assistente. J. O arguido fosse remunerado pela assistente com um salário mensal de € 1.071,43 (mil, setenta e um euros e quarenta e três cêntimos) através de transferências bancárias, não o tendo recebido. * Com interesse para a discussão da causa, não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos. » (…)
c. É como segue a apreciação e qualificação jurídico–penal da matéria de facto que foi efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância: «3.1. Do enquadramento jurídico-penal da conduta
Dispõe o art. 205.º, n.º 1 do Código Penal que quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel ou animal que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. Prevê a al. b) do seu n.º 4 que, se a coisa ou o animal referidos no n.º 1 for (…) de valor consideravelmente elevado, o agente é punido com pena de prisão de um a oito anos. Recorrendo à al. b) do art. 202.º do mesmo Código, entender-se-á por valor consideravelmente elevado aquele que exceder duzentas unidades de conta avaliadas no momento da prática do facto, e, assim, por referência ao valor da UC à data, o montante global de € 20.400,00 (vinte mil e quatrocentos euros). * Em diversas outras ordens jurídicas, configura esta tipificação – diferentemente – a denominada “apropriação indevida”, porquanto se cura, afinal, de uma “violação da propriedade alheia através da apropriação, sem quebra de posse ou detenção” (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, II, Coimbra Editora, 1999, 94). Na verdade, bem jurídico protegido pela incriminação é aqui, única e exclusivamente, a propriedade. Do mesmo passo, é este um autêntico delito de dever, na medida em que o agente do crime há-de deter “uma qualificação determinada, resultante da relação de confiança que o liga ao proprietário da coisa recebida por título não translativo da propriedade e que fundamenta o especial dever de restituição” (Figueiredo Dias, ob. cit., 97). Quanto ao tipo objectivo de ilícito, é indispensável tratar-se de coisa móvel e que esta seja alheia, na medida em que pertence – pelo menos em parte – a outrem, que não o agente. É igualmente necessário que a coisa tenha sido entregue ao agente, por título não translativo da propriedade, o que equivale a dizer que, no momento da apropriação é conditio sine qua non que o agente esteja já investido na posse ou na detenção da coisa, ambas entendidas na perspectiva da relação fáctica de domínio sobre ela. Será, precisamente, na inversão do título de posse ou detenção que se consubstanciará o conceito de apropriação a que alude o tipo: “o agente, que recebera a coisa ut alieno, passa em momento posterior a comportar-se relativamente a ela (...) uti dominus” (Figueiredo Dias, ob. cit., 103). Finalmente, importa que a apropriação se revele ilegítima, ou seja, que encerre uma contradição com o ordenamento jurídico geral da propriedade, neste conspecto urgindo precisar – no caso específico de coisas móveis absolutamente fungíveis, de que constitui exemplo paradigmático o dinheiro – que “o tipo objectivo do ilícito do abuso de confiança não será integrado pela mera confusão ou o simples uso da coisa fungível, mas, mais tarde, pela sua disposição de forma injustificada ou pela não restituição no tempo e sob a forma juridicamente devidos, ao que, claro, terá de acrescer o dolo correspondente” (Figueiredo Dias, ob. cit., 104). Já no que concerne ao tipo subjectivo de ilícito, é este um tipo necessariamente doloso, razão pela qual pressupõe, em termos genéricos, a intencionalidade da conduta, importando “confirmar a vontade de apropriação por um modo objectivamente reconhecível”, e, neste seguimento, “que o animus se exteriorize, através de um comportamento que o revele e execute” (Miguez Garcia e Castela Rio, Código Penal, Parte Geral e Especial, Almedina, 2014, 861 e seguinte). * Da prova produzida, resultou que, em 15/11/12, CC, na qualidade de presidente da assistente outorgou ao arguido uma procuração, em cujo âmbito se encontravam compreendidos poderes para, em sua representação, praticar os actos necessários à constituição de uma equipa profissional continental de ciclismo para a época de 2013, na sequência do que o mesmo assim empreendeu, assinando contratos com patrocinadores, atletas e colaboradores, instruindo e assinando a documentação necessária junto da UVP/FPC para inscrição da equipa junto da UCI, diligenciando pela respectiva inscrição e representação da equipa nas provas em que participasse e assumindo a correspondente direcção. Apurou-se que exerceu os poderes vindos de concretizar até Julho de 2014, uma vez que, nas vésperas da Volta a Portugal de 2014, agendada para o período compreendido entre 30/07/14 e 10/08/14, houve lugar a uma reunião entre os ciclistas e o staff da equipa, aqueles se insurgindo contra o arguido por falta de pagamento dos seus salários e exigindo que o mesmo abandonasse a direcção, sob pena de se não apresentarem para competir naquela prova, ao que aquele acedeu. Comprovou-se que, durante o hiato temporal em que assumiu os discriminados poderes, o arguido, conforme exarado naquele instrumento, assegurou a direcção da equipa de ciclismo da assistente, fazendo as vezes do seu director desportivo, nessa medida, e conforme é apanágio de semelhante cargo na modalidade do ciclismo, lhe cabendo a respectiva gestão no quotidiano. Demonstrou-se que, não se inscrevendo no âmbito dos poderes que lhe foram conferidos pela referida procuração, o de movimentação da conta bancária da assistente, o arguido dispunha do cartão de débito à mesma associado e de cheques assinados por CC, de que deveria fazer uso para fazer face ao pagamento das despesas tidas com aquela. Não obstante, logrou a adesão da prova que, no período compreendido entre 01/02/13 a 27/11/13, o arguido efectuou diversas transferências bancárias da conta bancária da assistente para a sua conta bancária pessoal, no montante global de € 25.815,00 (vinte e cinco mil, oitocentos e quinze euros), assim como depositou naquela última dois cheques, que recebera de CC com a assinatura deste para lidar com as mencionadas despesas, no montante global de € 2.550,00 (dois mil, quinhentos e cinquenta euros), tendo ainda solicitado a um seu primo que procedesse ao levantamento de um outro cheque, de que igualmente dispunha naquelas exactas condições, o mesmo assim procedendo e lhe entregando em mão a quantia titulada de € 20.500,00 (vinte mil e quinhentos euros). Igualmente se deslindou que destinou tais quantias como lhe aprouve, irrelevando, salvo melhor entendimento, a sua tendencial coincidência com os períodos antecedentes e contemporâneos das provas em que a equipa de ciclismo se inscreveu, bem como a sua utilização no próprio dia ou nos dias seguintes a essas transferências. Repercutamos estes factos na tipicidade. Sabe-se que “a apropriação [se materializa] (…) na inversão do título de posse ou detenção, ou seja, o agente, que recebera a coisa uti alieno, assume um comportamento, exteriorizado em actos que tal significam objectivamente, uti dominus, [sendo] exactamente nesta realidade objectiva que se traduz a «inversão do título de posse ou detenção» e é nela que se traduz e se consuma a apropriação”; o mesmo é dizer, o crime apenas se consuma quando se verifica a inversão do título de posse, isto é quando o agente, detentor ou possuidor legítimo, a título precário ou temporário, faz entrar a coisa no seu património ou passa a dispor dela como se fosse sua” (cfr. o Ac. do TRE de 07/02/12, in www.dgsi.pt). Exigindo-se que “a apropriação [seja] «para si»”, donde, a irrelevância de, exemplificativamente, o agente dar a coisa a gratuitamente a outrem, “tem que haver um momento, ao menos lógico, em que o agente se apropria da coisa”, razão pela qual “a prova da apropriação deve ser de tal modo que revele exteriormente a intenção de actuar uti dominus” (cfr. o Ac. do TRP de 15/05/19, in www.dgsi.pt). Do ponto de vista típico, e para além da exigência de apropriação, urge que o objecto da mesma haja sido entregue ao agente por título não translativo da propriedade – esta incluindo “todo e qualquer acto ou negócio jurídico pelo qual o agente é investido no poder de disposição da coisa”, “não [implicando] necessariamente a transmissão física da coisa, nem a exclusão do poder de disposição do transmitente” (Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, 566) – e que a aquela se evidencie ilegítima – não o sendo “quando (…) não contraria as regras do direito civil (Pinto de Albuquerque, ob. cit., 566). Cotejando a factualidade provada com a tipicidade à luz dos ensinamentos vindos de reproduzir, dúvidas não nos assaltam quanto ao seu preenchimento na íntegra. Constituindo entendimento que cremos pacífico estar em causa dinheiro pertença da assistente, reservas não nos merece a identificação dos momentos em que o arguido se passou a comportar como se seu dono fosse e, como tal, consumando o ilícito que lhe vem imputado, a saber, aqueles em que efectuou as transferências das verbas existentes na conta bancária da assistente para a sua conta pessoal, recebeu por interposta pessoa o dinheiro respeitante ao primeiro dos três cheques enunciados no libelo acusatório com o qual se quedou e depositou os restantes dois cheques naquela sua conta pessoal. Na verdade, não dispondo o arguido de poderes de movimentação dessa conta bancária, não lhe incumbia decidir do seu destino, pelo que, ao proceder da forma descrita, privou a dona do dinheiro assim depositado, isto é, a assistente, de o destinar de acordo com a sua vontade. Saliente-se que a mesma poderia, inclusive, pretender afectar uma sua parte a aforro ou investimento, que não, necessariamente, aplicá-lo na sua totalidade às despesas da equipa de ciclismo, considerando, até e entre o mais, os montantes angariados em sede de contratos de patrocínio, como consequência directa e necessária da conduta perpetrada pelo arguido se vendo precludida de exercer o correspectivo direito de propriedade. Retenha-se, ainda, que o destino dado ao dinheiro posteriormente à apropriação em medida alguma obsta à subsunção do feito à previsão do preceito incriminador, sequer constituindo um seu elemento típico dada a consumação do crime aquando da apropriação (no sentido de que “a utilização do dinheiro é indiferente em relação à intenção de apropriação, pois o crime consumou-se antes dessa utilização, sendo irrelevante que o agente que se apropria ilegitimamente de certa quantia a guarde ou a aplique no pagamento de dívidas”, cfr. o Ac. do TRL de 14/12/21, in www.dgsi.pt). Reportando-nos à ilegitimidade da apropriação, temos como clara a sua contrariedade ao ordenamento jurídico em termos de propriedade. Reiterando que a procuração outorgada ao arguido lhe não conferia poderes de movimentação da conta bancária da assistente, comprovou-se igualmente que aquele, com a anuência de CC, dispunha do cartão de débito àquela associado e de cheques pelo mesmo assinados, em ordem a fazer face às despesas tidas com a criação e gestão da equipa de ciclismo da assistente. Por outras palavras, o convénio firmado, que qualificaremos como uma espécie de mandato verbal, entre o arguido e o legal representante da assistente, quanto ao acesso à conta bancária em debate circunscrevia-se ao uso daqueles dois instrumentos – o cartão de débito e os cheques assinados – com uma finalidade determinada – a afectação das verbas assim acedidas aos encargos da equipa de ciclismo. Donde – e entrando já na análise do tipo subjectivo de ilícito –, a necessária ciência por parte do arguido de não poder actuar sobre o dinheiro da assistente de forma diversa, o mesmo, de resto, e ao longo dos autos, sistematicamente afirmando não ter poderes de gestão da conta bancária, não obstante o que efectuou transferências e depósitos de verbas para a sua conta pessoal, assim como se quedou na posse de uma quantia proveniente de um dos cheques assinados por CC, representando, querendo e logrando o feito criminoso. Por fim, resulta verificada a circunstância de facto idónea à qualificação do crime por via da previsão da al. b) do n.º 4 do art. 205.º do Código Penal, consubstanciando a quantia de € 48.865,00 (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros) valor consideravelmente elevado, pois que superior ao de 200 (duzentas) UC. * Não ocorrem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpação. Preenchidos que se encontram os elementos objectivo e subjectivo do ilícito em apreciação, legítima se torna a ilação de que o arguido incorreu na prática de um crime de abuso de confiança qualificado, previsto e punido pelo art. 205.º, n.º s 1 e 4, al. b), do Código Penal. » (…)
e. É como segue a apreciação do pedido de indemnização civil que vem efectuada pelo Tribunal de 1.ª Instância: «4. Do Direito, no seu segmento jurídico-civil
Em conformidade com o disposto no art. 129.º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é disciplinada pela lei civil, mostrando-se assim necessário, para o apuramento da responsabilidade civil do arguido, o recurso ao Código Civil, e, em concreto, aos seus arts. 483.º e seguintes e 562.º e seguintes. Estabelece o art. 483.º, n.º 1 do Código Civil que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Desta forma, são pressupostos da responsabilidade civil pela prática de factos ilícitos: a) o facto do agente – o facto humano dominável ou controlável pela vontade; b) a ilicitude – a antijuridicidade do facto, podendo revestir uma de duas modalidades: a violação de um direito alheio ou a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios; c) o nexo de imputação do facto ao agente – a culpa em sentido amplo, de molde a permitir afirmar que o facto do agente merece a censura do Direito, podendo revestir uma de duas modalidades: o dolo ou a negligência; d) o dano – o prejuízo sofrido em bens jurídicos alheios em virtude do facto; e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano – a afirmação, à luz do Direito, de que o dano é uma consequência directa e necessária do facto. O critério a atender, no tocante à culpa do agente, é o plasmado no art. 487.º, n.º 2 do citado Código, em razão do que a culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, sendo certo que, em obediência ao respectivo n.º 1, é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa. Revertendo ao segmento legal que cuida do direito à indemnização, prevêem os arts. 562.º a 564.º do Código Civil que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, posto que restrita aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, compreendendo o dever de indemnizar não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, neste caso, e ante a possibilidade de danos futuros, podendo o Tribunal desde logo considerá-los desde que sejam previsíveis, na impossibilidade da sua determinação remetendo a fixação da indemnização para decisão ulterior. Ainda que a reconstituição natural seja a forma prioritária de indemnização, as mais das vezes não se evidenciando viável, recorrer-se-á, em conformidade com o preceituado no art. 566.º do mesmo Código, à sua fixação em dinheiro, esta tendo, por via de regra, como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos, obedecendo o seu cálculo a juízos de equidade se não puder ser averiguado o valor exacto destes. Por fim, e na hipótese concreta de obrigações pecuniárias, estatui o art. 806.º, n.º 1 do referido diploma legal que a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, neste conspecto estabelecendo o seu art. 805.º, n.º 3, a regra, quanto à responsabilidade por facto ilícito, do momento da citação. * No caso vertente, pretende a assistente, enquanto demandante cível, ser ressarcida pelo arguido, enquanto demandado cível, no valor global de € 152.381,82 (cento e cinquenta e dois mil, trezentos e oitenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), composto pelas parcelas de € 137.381,82 (cento e trinta e sete mil, trezentos e oitenta e um euros e oitenta e dois cêntimos) a título de danos patrimoniais e de € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais, ambas acrescidas de juros moratórios vincendos, à taxa legal, a primeira desde a data da apropriação e a segunda desde a data da notificação, ambas até efectivo e integral pagamento. Alegou, para o efeito, os prejuízos causados na sua esfera jurídica correspondentes aos montantes de que o arguido se apropriou – consubstanciados nas transferências bancárias, no levantamento e no depósito três cheques e no recebimento do patrocínio por parte da “D..., SA” –, ao que acrescentou o perigo assim determinado na sua situação financeira e o constrangimento experimentado com a instauração de acção declarativa de condenação contra aquela “D..., SA”. Esgrimiu o arguido, em sede de contestação, a decisão por parte da assistente no sentido de deduzir o pedido de indemnização civil em separado, ao qual corresponde a acção declarativa de condenação com o n.º 17373/15.3T8PRT cujos termos se encontram pendentes e subsequente impossibilidade de o fazer igualmente nesta sede; a falta de identificação dos danos não patrimoniais decorrentes de condutas imputadas ao arguido; a impossibilidade de reconhecimento de danos morais causados a pessoas colectivas. Aditou, posteriormente à apresentação de contestação, outros considerandos, como a ilegitimidade da assistente enquanto demandada cível, aduzindo ignorar-se se tem existência jurídica e quem seja o seu representante legal, bem como importar aferir do relacionamento intercedente entre aquela e a associação “H...”. * Sendo condição essencial da obrigação de indemnizar a existência de um dano, enquanto “prejuízo a alguém causado pelo facto”, sabe-se poder aquele assumir as vestes de dano patrimonial ou não patrimonial “conforme seja ou não susceptível de avaliação pecuniária” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, 1987, 475), correspondendo aqueles primeiros “a uma diminuição do património em relação ao seu estado no momento anterior ao evento danoso, quer por diminuição do activo (o objecto destruído), quer por aumento do passivo (a despesa tornada necessária)” – o chamado dano emergente –, como na perda de um ganho ou possibilidade de ganho futuro” – o denominado lucro cessante (Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, 229). * Atentemos primeiramente nas questões suscitadas pelo arguido. Quanto à pendência dos autos de acção declarativa de condenação com o n.º 17373/15.3T8PRT, acompanhamos na íntegra o entendimento no mesmo sufragado no despacho que declarou a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da presente sentença e indeferiu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. Na verdade, e como nessa peça processual se refere, “uma vez que naquele processo crime foi deduzido pedido de indemnização civil pela aqui autora contra o aqui réu AA que, em parte, é aqui repetido (…), dado que na parte do pedido civil em que haja coincidência, a decisão que vier a ser proferida (…) se imporá nesta acção for força da excepção do caso julgado, justifica-se a suspensão da presente acção (…) até ao trânsito em julgado da decisão que apreciar o pedido de indemnização civil”, o que “sempre se justificaria (…) dado que, ainda que não tivesse sido deduzido pedido de indemnização civil, o julgamento quanto à matéria crime incide sobre parte dos factos que aqui são alegados como fundamento da acção” (sic). Do teor deste despacho decorre ser a acção declarativa de condenação a que se encontra vinculada à decisão a proferir nos presentes autos, e não o contrário, aquela se encontrando suspensa até ao trânsito em julgado da presente, na medida em que a mesma fará caso julgado, conquanto que parcial, sobre o seu objecto. Por outro lado, refutamos o princípio preconizado por parte do arguido no sentido de “as pessoas colectivas (…) [serem] destituídas de personalidade física e moral (…), [sendo] naturalmente alheias às dores, físicas e morais, próprias e inseparáveis da pessoa humana” (sic, cfr. art. 131.º da contestação), constituindo jurisprudência que cremos presentemente pacífica que “as pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza, não se encontrando excluídos da sua capacidade de gozo alguns direitos de personalidade, como é o caso do direito à liberdade, ao bom nome e à honra na sua vertente da consideração social” (cfr., o provecto, mas lapidar, Ac. do TRL de 23/09/07, in www.dgsi.pt), “[sendo] passíveis de ressarcimento os danos morais das pessoas colectivas decorrentes de actos ilícitos que atinjam o seu bom nome e reputação, que pela sua gravidade sejam merecedores da tutela do direito (cfr. o Ac. do TRG de 17/12/18, in www.dgsi.pt). Analisadas estas questões, constatamos, tal qual acima salientado, que as restantes suscitadas pelo arguido o foram posteriormente à apresentação de contestação e se prendem com a ilegitimidade da assistente enquanto demandada cível. Ora, sendo aplicáveis a uma acção cível enxertada em acção penal os normativos que disciplinam aquela primeira, “toda a defesa deve ser deduzida na contestação (princípio da concentração da defesa na contestação)”, após o que “só podem ser deduzidas as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente”, determinando “o referido princípio da concentração da defesa na contestação (cfr. art. 573.º do Código de Processo Civil), incluindo na defesa superveniente [como se deduz da conjugação dos arts. 588.º, n.º 1 e 729.º, al. g)], (…) a preclusão de toda a defesa que o demandado não haja oportunamente feito valer contra a concreta causa de pedir invocada pelo autor” (cfr. o Ac. do TRP de 23/11/20, in www.dgsi.pt). O mesmo é dizer, no que directamente contende com a invocada ilegitimidade da assistente enquanto demandada cível, não poderia o arguido vir a questioná-la subsequentemente ao seu articulado de contestação, posto que inexistissem factos supervenientes que assim o legitimassem. Neste particular, insistiu o arguido, entre o mais, na dúvida quanto à existência jurídica da assistente e à identidade do seu representante legal, para o que chamou à colação entendimentos e juízos da sua parte, que não factos propriamente ditos. Na realidade, dúvidas inexistiram ao longo da tramitação dos autos quanto ao facto de a assistente ser uma associação dotada de existência jurídica, encontrando-se ainda inscrita no ficheiro central de pessoas colectivas [cfr. fls. 2972, vol. 12, e fls. 3760, vol. 15], bem como quanto à circunstância de CC ser o seu legal representante, a qual decorre, não apenas do teor da predita inscrição, mas de toda a prova produzida, o mesmo sendo quase que unanimemente reconhecido como tal pelas testemunhas inquiridas em Juízo. As declarações pelo mesmo prestadas a este propósito não legitimam, salvo melhor opinião, a ilação que o arguido das mesmas retirou, por aquele tendo sido sustentado, no essencial, que a assistente se encontrava inactiva em termos de actividade, o que, naturalmente, não acarreta a sua extinção jurídica; tão pouco os documentos juntos pela FPC o avalizam, pois que nos mesmos se elencam os dirigentes da equipa, que não os da assistente, na certeza de que, em qualquer dos casos, o cargo de presidente é atribuído a CC. Por outro lado, o apuramento da relação intercedente entre a assistente e a associação “H...” revela-se-nos absolutamente inócuo para efeitos da descoberta da verdade material e subsequente boa decisão da causa. Na verdade, os presentes autos respeitam unicamente à pessoa da assistente, que não a qualquer outra associação, não permitindo os documentos juntos pela testemunha RR, ademais não considerados no âmbito da presente decisão porquanto alheios ao objecto do processo, intuir o aventado pelo arguido, a saber, e em suma, ter a assistente deixado de existir ou ter transferido os seus direitos para a “H...”, daqueles decorrendo, ainda que sem qualquer relevância para a decisão ora a proferir, que a “I..., Lda.” intentou acção cível contra a assistente, a referida “H...” e três outras pessoas singulares. * Retomemos a factualidade que logrou a adesão da prova. Logrou a adesão da prova a incursão do arguido na tipicidade por que vem acusado, consubstanciada, do ponto de vista que ora releva, na determinação de um prejuízo à assistente relacionado com as quantias monetárias de que se apropriou, pertença daquela, que das mesmas se viu despojada. Comprovou-se ascender esse prejuízo a um montante global de € 48.865,00 (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros), razão pela qual, sem necessidade de acrescidos considerandos, resta proferir sentença condenatória neste segmento. Diferentemente, não se provaram os dois factos alegados pela assistente susceptíveis a uma lesão de foro não patrimonial, o mesmo é dizer, o perigo determinado, como consequência directa e necessária da conduta perpetrada pelo arguido, na sua situação financeira – alegação que cumpre reconhecer como genérica, mas que poderia vir a ser preenchida por factos concretos que implicassem a sua verificação, o que não sucedeu –, assim como o constrangimento experimentado com a instauração de acção declarativa de condenação contra aquela “D..., SA” – em bom rigor não sendo convocados os factos em que se fundaria, tendo em conta a procedência parcial do peticionado nessa demanda. ».
Apreciemos então as questões suscitadas nos recursos interpostos da sentença proferida nos autos.
1. De saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento nos termos do art. 412º/3 do Cód. de Processo Penal.
(…)
1.1. Do erro de julgamento invocado pelo arguido AA.
No que respeita ao recorrente/arguido AA, vem o mesmo invocar o incorrecto julgamento da matéria de facto por parte do tribunal de primeira instância, reportando a sua impugnação à consideração como incorrectamente julgados de grande parte dos factos elencados em sede de matéria de facto provada (aqueles consignados nos pontos 3., 4., 5., 7., 8., 9., 11., 12., 13., 14., 15., 16., 17., 18., 20., 24., 26., 27., 28., 29., 30., 31., 32. e 36. a 41.), e bem assim alguns daqueles enunciados em sede de matéria de facto não provada (a saber, aqueles dos pontos D., E., F. e G.). (…)
1.2. Do erro de julgamento invocado pela assistente/demandante “A...”.
Passemos a apreciar agora quanto respeita à alegação de erro de julgamento na decisão sobre a matéria de facto suscitada pela recorrente/assistente “A...”. Assim, reporta a recorrente A... a sua impugnação à consideração como incorrectamente julgados da factualidade consignada nos pontos A., B. e C. da matéria de facto não provada. (…) * Aqui chegados, e completado, pois, o percurso pela impugnação da decisão sobre a matéria de facto suscitado por via dos presentes recursos, é o momento de fazer funcionar a possibilidade concedida a esta instância de alteração da matéria de facto nos termos do art. 431º/b) do Cód. de Processo Penal – onde se dispõe que a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada, e nomeadamente, «se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º». Assim, e independentemente do relevo substancial que tais alterações revistam, em conformidade com quanto vem de se decidir, e na medida correspondente, será de alterar a matéria de facto provada e não provada consignada em sede de sentença recorrida, nos termos a seguir consignados.
Destarte, determina–se, nos termos do disposto no art. 431º/b) do Cód. de Processo Penal, a alteração da matéria de facto provada em sede de acórdão, no sentido de os seguintes pontos da mesma passarem a ter a redacção que agora vai indicada:
20. CC, na qualidade de Presidente da A..., outorgou ao arguido a procuração datada de 15/11/12, por forma a evitar constrangimentos pessoais e institucionais, aquando do seu desiderato de constituir uma equipa profissional continental de ciclismo daquela para a época de 2013, sendo ciclista profissional que competia em equipa rival. … 36. A assistente, enquanto autora, intentou contra o arguido e PP, enquanto, respectivamente, 1.º e 2.º réus, acção declarativa de condenação, que, com o nº 17373/15.3T8PRT, corre termos no Juízo (J3) Central Cível do Porto do Tribunal Judicial da Comarca do Porto. … 40. Nessa demanda, concretizou os danos imputados ao arguido como: – o levantamento de quantias e transferências bancárias da conta bancária da assistente para a sua conta pessoal, no montante global de €25.815,00 (vinte e cinco mil, oitocentos e quinze euros); – a falta de pagamento de salários devidos aos funcionários da assistente, no montante global de €135.000,00 (cento e trinta e cinco mil euros); – a falta de pagamento de portagens e scuts, no montante global de €45.797,48 (quarenta e sete mil, setecentos e noventa e sete euros, e quarenta e oito cêntimos); – o recebimento de IVA não entregue ao Estado, no montante global de €1.847,77 (mil, oitocentos e quarenta e sete euros, e setenta e sete cêntimos); – e o recebimento do montante de €88.516,82 (oitenta e oito mil, quinhentos e dezasseis euros, e oitenta e dois cêntimos), correspondente ao valor de um patrocínio que lhe havia sido entregue pela sociedade D..., patrocinadora da equipa da “A...” para o ano de 2014 e devido a esta última – sendo que a condenação no pagamento desta quantia havia sido peticionado pela “A...” contra a D... no âmbito do processo nº 12655/14.4T8PRT, em causa nos pontos pontos 33. a 35. desta matéria de facto provada, tendo neste último processo sido considerado não provado que a ali ré D... haja entregue tal quantia à “A...”, sendo assim a mesma considerada no valor em cujo pagamento a D... foi condenada nesse processo (conforme ponto 35. da matéria desta facto provada) e que resultou de uma ponderação de responsabilidades por incumprimento contratual de ambas as partes ali litigantes segundo juízos de equidade.
2. De saber se foi violados, na sentença recorrida, o princípio do in dubio pro reo.
Vem ainda o recorrente/arguido AA alegar que a sentença recorrida «consigna e deixa expressas as dúvidas existentes quanto à sucessão dos acontecimentos», dúvidas essas que deveriam ter sido valoradas em favor do recorrente ao abrigo do princípio do in dubio pro reo. Sendo, adita, que este último deve ser coadunado com o princípio da liberdade de apreciação da prova, de tal modo que sempre que no espírito do Juiz paire dúvida sobre a verificação de determinado facto, deverá decidir favoravelmente ao agente. Ora, conclui, no caso concreto, face à prova produzida não subsistem dúvidas que a sentença não se encontra suportada devidamente nem de forma suficiente, inexistindo prova que sustente a convicção do tribunal a quo que culminou na condenação do arguido.
Julga–se, contudo, e em face de quanto vem de se apreciar e decidir, que também este princípio assim invocado não foi desrespeitado em sede de sentença. Na verdade, também nesta parte o recorrente assenta a sua alegação no pressuposto de que a valoração da prova produzida nos autos deveria ter como resultado os termos por si próprio, enquanto recorrente, invocados em sede da respectiva impugnação. Não pode, manifestamente, acolher–se esta perspectiva.
Na verdade, e como é consabido, decorre do princípio do in dubio pro reo que a condenação de uma pessoa pela prática de qualquer crime exige que a convicção positiva do julgador assente numa certeza que – alicerçada por sua vez em elementos probatórios concretos e seguros o bastante – afaste as dúvidas sobre essa mesma convicção. As exigências de segurança probatória em sede de julgamento criminal exigem um pouco mais do que uma mera indiciação de que o arguido alvo do mesmo estaria envolvido na prática material dos factos consubstanciadores do objecto processual em causa. Donde, a ter-se por afectado o grau de certeza probatória que qualquer condenação penal exige como seu fundamento – quando, por via das circunstâncias ligadas à produção de prova nos autos se tenha por inquinado o processo de formação da convicção do Tribunal na correspondente parte – não será de assacar ao arguido a actuação imputada, sendo certo que é princípio basilar do Direito Penal o de que qualquer dúvida razoável na convicção do julgador deve ser valorada em benefício do arguido (in dubio pro reu). Ou seja, um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido, conforme ensina Figueiredo Dias, em “Direito Processual Penal”, I, pág. 213. O princípio em causa é, pois, violado quando o tribunal decide contra alguém tendo dúvidas consistentes nesse sentido e em relação à fiabilidade da prova. Ora, em sede de recurso, a eventual violação desta manifestação do princípio da presunção de inocência plasmado no art. 32º/2 da Constituição da República Portuguesa, deve resultar do texto da decisão recorrida, seja de forma directa e imediata (decorrendo inequivocamente da motivação da convicção do tribunal explanada naquele texto), seja porque o tribunal considerou assentes factos duvidosos desfavoráveis ao arguido. Porém, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, é, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Como se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2014 (proc. 155/13.4PBLMG.C1)[[3]], «a dúvida relevante de que cuidamos, não é a dúvida que o recorrente entende que deveria ter permanecido no espírito do julgador, após a produção da prova, mas antes apenas a dúvida que o Julgador não logrou ultrapassar». Ora, daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido. Pois bem, no caso vertente, o Tribunal a quo não se quedou por um non liquet de facto, ou seja, não permaneceu na dúvida razoável sobre os factos relevantes à decisão – não se percepcionando a que se refere o recorrente quando alega que a sentença recorrida «consigna e deixa expressas as dúvidas existentes quanto à sucessão dos acontecimentos» e no que tange aos factos que consubstanciam a sua culpa. Pelo contrário, aliás: na parte em que o tribunal a quo revela dúvidas, foi precisamente tal circunstância valorada em favor do arguido, determinando a consideração como não provados de determinada factualidade que lhe era também imputada. Ou seja, analisando a fundamentação e motivação da decisão sobre a matéria de facto, não se detecta qualquer estado de dúvida no julgador, antes se manifestando, no que aos factos assentes que sustentam a condenação do arguido, uma convicção segura. Pelo que não havia que lançar mão do princípio in dubio pro reo, destinado, como vimos, a fazer face aos estados dubitativos do julgador e não a dar resposta às dúvidas da recorrente sobre a matéria de facto, no contexto da valoração probatória por ela efectuada e com base na qual pretende ver substituída a convicção formada pelo tribunal a quo. Fica, deste modo, afastada também a invocada violação do princípio in dubio pro reo.
3. De saber se o arguido preencheu os pressupostos do crime de abuso de confiança e do pedido de indemnização civil pelos quais vem condenado. [questão suscitada pelo recorrente/arguido AA]
Vem entretanto o recorrente/arguido AA, alegar que a sentença recorrida é omissa relativamente à narração dos factos caracterizadores do dolo, mais concretamente ao dolo-do tipo exigido para o preenchimento do crime abuso de confiança, sendo certo que enquanto elemento constitutivo do crime em presença, o dolo não se presume. Alega, pois, que a sentença não descreve circunstâncias de tempo, lugar e modo ou sequer indicia em que medida ou de que forma é que o arguido se teria alegadamente apropriado das quantias, quando é certo que no crime de abuso de confiança a apropriação é a situação que revela, externa e materialmente, a inversão do título de posse, em que o agente passa a dispor da coisa como se fosse o verdadeiro proprietário. Nesta sequência, propugna ser imperativa a absolvição do arguido.
Complementarmente aduz que, devendo concluir–se que a materialidade consubstanciadora da sua condenação no pedido de indemnização civil não encontra sustento na factualidade a ter assente nos autos, deverá o mesmo pedido de indemnização ser julgado totalmente improcedente, por não provado.
Vejamos, começando pela primeira vertente da impugnação exposta.
Tem razão o recorrente quando afirma que a inversão do título de posse que traduz tipicamente o crime de abuso de confiança se revela por actos positivos que demonstrem que o agente não está apenas a usar e fruir abusivamente um bem que considera alheio, mas, mais do que isso, que os integrou no seu património. Porém, não se vislumbra em que medida a sentença ora recorrida se revela omissa na concreta consideração como demonstrados de uma actuação objectivada, e subjectivamente determinada, por parte do arguido, que exactamente consubstancia aquela apropriação patrimonial que se exige como elemento típico do crime pelo qual o arguido vem condenado no art-. 205º/1 do Cód. Penal – onde se estatui que incorre na prática do crime de abuso se confiança «Quem ilegitimamente se apropriar de coisa móvel ou animal que lhe tenha sido entregue por título não translativo da propriedade». Como se consigna no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20/02/2019 (proc. 8083/15.2TDLSB.E1)[], «A apropriação, que implica a inversão do título de posse, extrai-se de actos concludentes de que resulte a intenção do agente fazer sua a coisa, sendo exemplo de tal apropriação a recusa de restituição ou a omissão da recusa depois de interpelação para o efeito, ou ainda a mera omissão de devolução decorrido um tempo razoável e, tratando-se de coisa fungível como o dinheiro, ocorre quando o agente não a restitui a tempo e sob a forma combinada com o seu proprietário, ou dispõe dele de forma injustificada». Pois bem, na sentença recorrida, além de se descrever a esclarecida ciência por parte do arguido de que os valores transferidos da conta bancária da assistente “A...” para a sua própria conta bancária, e bem assim aqueles titulados pelos três cheques em causa na matéria de facto provada, eram pertença daquela A... e não se destinavam a ser integrados no seu (do arguido) património – antes visando especificamente serem utilizados para fazer face às despesas de gestão da equipa de ciclismo da A... –, mais se descreve que o arguido, tendo recebido esses valores e títulos pela forma assente nos pontos 7., 8. e 9. da matéria de facto provada, fez seus esses mesmos valores conforme descrito nos pontos 9. e 16., utilizando–os também em conformidade com o exposto no ponto 22. – tudo, portanto, em seu proveito e sem que lhes haja dado o destino devido. Crê–se que tal descrição cumpre de forma adequada e cabal a exigência típica do citado nº1 do art. 205º do Cód. Penal, não se vislumbrando que mais se mostre necessário para o respectivo preenchimento. Na verdade, para consumar a apropriação ali tipificada basta que a aludida inversão do título da posse ou detenção tenha lugar através da prática de um ou mais actos concludentes do agente, de que resulte inequivocamente a intenção deste de fazer sua a coisa, disso sendo exemplo a simples omissão da utilização devida do valor em causa e a sua não restituição ao legítimo e originário titular. No caso claramente se mostram verificadas tais «circunstâncias inequivocamente reveladoras de um arbitrário animus rem sibi habendi ou de que inexiste fundamento legal ou motivo razoável para a recusa», a que alude por exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/12/2009 (proc. 542/08.0TAVRL.P1)[[4]], pois que, reportando os factos já ao ano de 2013, provado se mostra que o arguido se apossou de tais quantias dando–lhes o destino que lhe aprouve, mas que não foi o de as utilizar no interesse da assistente nem o de lhas restituir, e sendo ademais certo não se demonstrar qualquer legítimo título que tutelasse uma tal actuação. Como se escreveu no Ac da RP de 15/05/2019, processo 73/14.9T9VLG.P1, «Em caso de coisa de máxima fungibilidade como é o dinheiro e em situações de preexistência de relação contratualmente formatada, é necessário que a exteriorização de comportamentos que se afastem manifestamente do domínio ainda próximo das disfunções de cumprimento e mora, revelem, claramente, que a confundibilidade patrimonial e a utilização de quantias monetárias ocorram com a plena e determinada intenção de não restituir». Precisamente, no presente caso, a actuação do arguido deve ter–se por concludentemente reveladora exteriormente da intenção do arguido em agir uti domini. Em tais termos julga–se claro que da matéria de facto provada resultam suficiente e adequadamente descritos os actos típicos, de ilicitude e culpa, que determinam a condenação criminal do arguido nos termos em que vem decidida.
Já no que tange à propugnada, pelo recorrente/arguido, improcedência do pedido de indemnização civil formulado pela assistente “A...”, e sua correspondente absolvição – na parte de tal pedido em que mereceu acolhimento, claro está –, não pode também ter a mesma sucesso. Na verdade, e sucintamente, se dirá que tal pretensão recursória assentava, como aliás logo o próprio recorrente bem delimita, em pressupostos que não se verificam, e que passavam, naturalmente, pela procedência das alterações pelas quais pugnava em sede de matéria de facto assente, por via da impugnação que nessa parte o seu recurso efectuava. Era, pois, a inversão do sentido pelo qual os pontos da matéria de facto impugnados se mostram considerados na sentença recorrida (no rumo da sua não demonstração), que sustentaria o não preenchimento dos pressupostos da correspondente condenação no aludido ressarcimento indemnizatório à demandante “A...”. Ora, com relação a tais factos vimos já não merecer censura a sentença recorrida, devendo assim ser mantida integralmente a sua decisão quanto a tal matéria. Donde, naturalmente, daí decorre, e tal como decidido pelo tribunal a quo, mostrarem–se ainda e sempre preenchidos pelo arguido os pressupostos típicos do crime de abuso de confiança aqui em causa, e, por via destes, da sua responsabilidade indemnizatória. Pelo que não merece censura a decisão de condenação do recorrente nesse âmbito – e na medida em que vem decidida, naturalmente.
Improcede, assim, também esta parte do recurso interposto pelo arguido AA.
4. De saber se devem ser reformulados os termos da condenação indemnizatória do arguido. [questão suscitada pela recorrente/demandante “A...”]
Vem a recorrente “A...”, agora enquanto também demandante nos autos, propugnar pela alteração da sentença recorrida agora no que tange à decisão adoptada quanto ao pedido de indemnização civil por si formulado nos autos contra o arguido. O que faz sob duas vertentes, que passam a analisar–se sucessivamente.
4.1. Da adequação do valor da indemnização a pagar pelo arguido AA.
Em primeiro lugar, vem a recorrente/demandante “A...” propugnar pela reversão da decisão de absolvição do arguido/demandado AA relativamente a parte do pedido de indemnização civil pela primeira formulado. Assim, conclui que o erro na apreciação da prova por si a montante invocado inquina a decisão absolutória proferida nesta parte, pois que: – por um lado, deverá ter–se por demonstrado que o arguido/demandado cível se apropriou também (isto é, para além do valor tido como assente na sentença) da quantia de €88.516,82 que lhe terão sido entregues no âmbito do contrato de patrocínio celebrado entre a A... e D...,S.A. para a época velocipédica de 2014, valor (acrescido de juros) que deverá acrescer à indemnização por danos patrimoniais em que o arguido vem condenado, – por outro lado, deve ter–se por provado que a conduta do arguido/demandado causou prejuízo sério e incómodos vários à assistente/demandante, nomeadamente séria instabilidade financeira e séria lesão da sua imagem, bom nome e reputação, deverá ser o mesmo condenado no pagamento de justa indemnização pelos danos não patrimoniais por si assim sofridos, e que computa na quantia simbólica de €15.000, conforme oportunamente peticionado nos autos.
Também esta pretensão do recurso da demandante A... não pode ser merecer provimento, sendo desde logo certo que também ela se mostra assente em pressupostos não verificados. Tais pressupostos passavam, naturalmente, pela procedência das alterações pelas quais a recorrente A... pugnava em sede de matéria de facto não provada – em específico dos pontos A., B. e C. desta última –, e por via da impugnação da respectiva decisão a montante desta fase. Era, pois, a inversão do sentido pelo qual os pontos da matéria de facto ali impugnados se mostram considerados na sentença recorrida – no rumo da sua demonstração –, que sustentaria, a jusante, o preenchimento dos requisitos da responsabilidade indemnizatória nos segmentos ora propugnados. Ora, com relação a tais factos vimos já não merecer censura a sentença recorrida, devendo assim ser mantida integralmente a sua decisão quanto a tal matéria. Donde, naturalmente, daí decorre, e tal como decidido pelo tribunal a quo, não se mostrarem preenchidos pelo arguido/demandado dos requisitos da correspondente responsabilidade civil. Pelo que não merece censura a decisão de absolvição do arguido também do pedido de indemnização civil contra si formulado na parte relativa ao ressarcimento quer de um dano patrimonial também correspondente ao valor de €88.516,82, quer de quaisquer danos não patrimoniais, devendo manter–se a correspondente decisão absolutória nessa parte.
Improcede, pois, também esta parte do recurso interposto pela assistente/demandante “A...”.
4.2. Da reformulação da condenação indemnizatória do arguido no que tange aos juros fixados.
Depois, mais vem a mesma recorrente/demandante “A...” insurgir–se contra a decisão recorrida na parte da mesma em que determinou a condenação do arguido no pagamento, sobre o valor da indemnização civil fixada, de juros vincendos (calculados à taxa legal até integral pagamento). Refere a recorrente/demandante que se viu privada, ao longo de mais de 9 anos – isto é, desde 2013 até à data – das quantias de que o arguido/demandado se apropriou ilicitamente por via da prática de um crime de abuso de confiança qualificado. Donde, alega e conclui, deverá nessa parte a sentença recorrida ser revogada e substituída por decisão que determine a condenação do arguido arguido/demandado no pagamento de indemnização civil acrescida de juros de mora calculados á taxa legal, sim, mas sendo estes últimos aqueles vencidos desde a data da apropriação de tais montantes pelo mesmo, e calculados até efectivo e integral pagamento – ou, não procedendo tal pretensão, pelo menos desde a data da denúncia criminal efectuada nos presentes autos.
Apreciando se dirá que nesta questão se considera assistir razão à recorrente A....
Nesta matéria, rege desde logo o art. 804º do Cód. Civil, que, no seu nº1, prevê que «A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor», esclarecendo o nº2 da mesma disposição que «O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido». Porque estamos perante uma obrigação (de indemnização civil) de natureza pecuniária, e como se assinala em sede de sentença recorrida, determina–se no art. 806º/1 do Cód. Civil que em tal caso «a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora». O que, por sua vez, nos remete para a determinação do momento em que no caso houve constituição em mora por parte do arguido/devedor. O que nos remete para o regime do art. 805º cciv, em cujo nº1 se estatui a regra segundo a qual «o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir»(nº1) – é a denominada mora ex persona, isto é, dependente de um acto de natureza não negocial - a interpelação - a praticar pelo credor. Há, porém, mora, independentemente de interpelação, nas situações, excepcionadas no nº2 do mesmo artigo: a de a obrigação ter prazo certo (al. a)), a de a obrigação provir de facto ilícito (al. b)), a de o próprio devedor impedir a interpelação (al.c)), e ainda a de o próprio devedor declarar que não vai cumprir a obrigação – casos em que a mora do devedor depende apenas destes factores objectivos, pelo que consubstancia a designada mora ex re, que assim surge independentemente de interpelação. Porém, e como se adverte no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/11/2019 (proc. 7402/16.9YIPRT.P1)[[5]] – que aqui seguimos de perto –, «em qualquer destas situações, o nº3, do mencionado artigo, exige, para que ocorra uma situação de mora, que a obrigação seja líquida, ou seja, que o seu quantitativo já se encontre determinado, uma vez que enquanto tal não suceder, a mora não se verifica (in illiquidis non fit mora). São, assim, ressalvadas as hipóteses de iliquidez do crédito mesmo na sequência da verificação de qualquer uma das situações que, em princípio, desencadeariam a mora ex re, esta poderá não sobreviver em função da falta de liquidez, por o credor não adotar o comportamento necessário ao cumprimento. O fundamento e acerto desta solução residem na consideração de que, sendo o crédito ilíquido, não se pode, em princípio, considerar o atraso imputável ao devedor por não ser razoável exigir-lhe “que ele cumpra, enquanto não souber qual o montante ou o objeto exacto da prestação que lhe cumpre realizar”(Pires de Lima /Antunes Varela, 1997:65)». Na verdade, estipula o nº3 do art. 805º do Cód. Civil, que «Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número». Donde, a exigência de a obrigação ser líquida para que ocorra situação de mora, só é quebrada em duas circunstâncias: - a falta de liquidez ser imputável ao devedor, caso em que não deixa de se considerar verificada a mora para evitar que o devedor beneficie de uma situação pela qual ele próprio é responsável, - tratar-se de uma situação de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, caso em que, apesar da iliquidez, se considera ocorrer mora a partir da citação para a acção de responsabilidade, e ainda assim a menos que já ocorra mora com base na situação anterior.
Assim, e revertendo o regime legal assim configurado ao presente caso concreto, atenta a circunstância de na origem da obrigação pecuniária (indemnizatória) do arguido se encontrar a prática de um facto ilícito, temos que deverá considerar–se o mesmo arguido/demandado constituído em mora a partir do momento em que se tenha essa obrigação por líquida ou, não revestindo a mesma tal segurança de liquidez, a partir do acto que no processo consubstancie a sua citação (o que, in casu, se traduziria na data em que ao arguido/demandado foi notificado pedido de indemnização civil formulado pela assistente/demandante). O que, desde logo, significa que sempre se imporia a alteração da decisão assim recorrida, pois que do respectivo teor resulta haver o tribunal a quo considerado como data de termo inicial da mora do arguido, enquanto devedor indemnizatório, a da prolação da Sentença condenatória – pois que apenas determina o cálculo legal de juros vincendos sobre a quantia em dívida. A questão está, pois, em aferir se no caso se deve fixar esse termo inicial «da constituição em mora» (e, assim, da contagem dos juros) na data daquela notificação/citação, ou se deverá antes – como propugna a recorrente A... – considerar–se que já antes dessa data a obrigação do arguido se deverá considerar, no que ao respectivo valor diz respeito, líquida, caso em que a mora (e os juros) contarão desde esse momento anterior. E julga–se, efectivamente, que no caso deverá considerar–se verificada esta segunda alternativa. Continuando a citar o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04/11/2019, «Para que se considere a obrigação ilíquida é necessário que o seu valor não esteja apurado ou não seja conhecido das partes (ou pelo menos do devedor), quer porque está dependente de factos ou operações adicionais que ainda não ocorreram ou não foram realizadas, quer porque esses factos ou operações ainda não foram levados ao conhecimento do devedor, de tal forma que este não está em condições de saber qual o exacto conteúdo da sua obrigação. Como decidiu o STJ [Ac. STJ de 15/10/2013, Proc. 665/07] “I. Considera-se ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante, mas cujo montante não se encontra ainda fixado, por não estar apurado o quantitativo da prestação. II. Se o montante a prestar não estiver apurado, não haverá mora, por não haver, e na medida em que não haja, culpa do devedor no retardamento do que for devido. (…) IV. Se o devedor está em condições de saber o que deve e quanto deve, não há motivos juridicamente relevantes para o considerar isento de culpa, sendo, então, a iliquidez meramente aparente ou subjetiva e, como tal, não coberta pelo princípio in illiquidis non fit mora, apenas válido e invocável em situações que configurem iliquidez objetiva ou real.”». Ora, no presente caso, temos que resulta claro da matéria de facto assente nos autos que ao arguido dúvida alguma se poderia suscitar quanto ao conteúdo dos actos em que se traduziu a sua apropriação ilícita dos valores que agora deve indemnizar, e nem, naturalmente, quanto ao respectivo valor concreto. Acresce que o valor da obrigação de indemnização aqui em causa não foi objecto de quantificação ou actualização posterior ao momento daquela apropriação. No fundo, tem no presente caso pleno cabimento, ainda que a contrario sensu, a jurisprudência do AUJ nº 4/02, de 09/05/2002 (proc. 1508/2001 – 1.ª Secção)[[6]], que determina que «Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do artº 566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artºs 805º, nº 3 (interpretado restritivamente) e 806º, nº 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação». Ora, no caso, o valor da indemnização fixada, e na parte em que o é, corresponde exactamente àquele que era peticionado e de que o arguido ilicitamente se apropriou ao longo do ano de 2013 – isto é, o valor global de €48.865,00, correspondente aos montantes de que o arguido se apropriou por via das transferências bancárias e do levantamento dos três cheques em causa na matéria de facto provada. A circunstância de haver sido julgada improcedente as também peticionadas partes de indemnização reportadas quer a uma outra parcela de alegados danos patrimoniais, quer de alegados danos de natureza não patrimonial, não traduz qualquer actualização do valor indemnizatório nos termos e para os efeitos daquela jurisprudência, pois que aquele em que o arguido vai condenado é precisamente aquele que, na correspondente parte, já vinha determinado e se deve ter por liquidado logo a parir do momento em que se consubstanciou a actuação do arguido – isto é, em momento prévio quer ao da citação, e, por clarividente maioria de razão, ao da decisão recorrida. Neste exacto sentido se decidiu no Acórdão do STJ de 21/01/2016 (proc. 621/06.8TAPRG.P1.S1)[[7]], escrevendo nos seguintes termos, que aliás encontram óbvio paralelismo com o caso dos autos: «III – Para efeitos do disposto no art. 803 do CC, estaremos perante uma obrigação ilíquida quando a indefinição do valor da obrigação resulta da circunstância de não terem ainda ocorrido ou serem desconhecidos de alguma das partes algum ou alguns dos factos que são necessários para o apuramento e conhecimento desse valor. IV – Filiando-se a responsabilidade do arguido numa obrigação pecuniária inerente a um subsídio que recebeu e que se demonstrou que não deveria ter recebido inexiste qualquer situação de indeterminabilidade e, pelo contrário, e, tal como se evidencia dos autos, o arguido desde a eclosão dos factos sabia que tinha recebido uma quantia certa e determinada e que não era devida, pelo que, os juros devem ser computados desde o momento em que as quantias foram colocadas na disponibilidade do arguido e não desde a data em que o arguido foi notificado para contestar o pedido de indemnização civil respeitante àqueles danos» ; e que mais adiante resultando ali realçado que «Como se refere no Acórdão deste STJ de 29/11/2005 [Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., pág. 115, nota] “Não é pelo simples facto de ser controvertido o montante da dívida que ela se torna ilíquida, isto é, de montante incerto e por isso desconhecido do devedor”; “Para efeito da aplicação do princípio in illiquidis non fit mora constante da 1ª parte do nº3 do art. 805º C.Civ. só releva a iliquidez objectiva, e esta só se verifica quando o devedor não estiver em condições de saber quanto deve”; “O princípio referido não tem cabimento quando, dispondo o devedor dos elementos necessários para saber o montante do seu débito, ocorra, afinal, iliquidez tão só aparente ou subjectiva”». E, assim, como se disse, devem os juros indemnizatórios da obrigação pecuniária em causa ser fixados desde o momento que se tenha por correspondente – com a necessária segurança probatória assente em sede de fundamentação – à consumação da apropriação pelo arguido do valor global em cujo pagamento indemnizatório vai condenado. Significa isto que os juros de mora devem aqui ser calculados sobre o valor em causa (€48.865,00) a partir do final do ano de 2013, atendendo também ao limite objectivo resultante do requerido recursóriamente pela assistente/demandante “A...” nesta parte. Devendo ser determinada a revogação da decisão recorrida nesse segmento, e substituída pela presente em conformidade com o exposto.
Em suma, merece assim provimento esta parte do recurso da assistente/demandante “A...”.
5. De saber se se mostram adequados os termos em que se mostram fixadas as consequências penais ao arguido.
Um último tema a ocupar ambos dos recursos interpostos nos autos é o da adequação das consequências penais fixadas ao arguido AA em resultado da responsabilidade criminal por que vem condenado. Assim, da parte do arguido suscita–se a desadequação, por excessiva, da pena que lhe vem em concreto fixada; já da parte da assistente, propugna–se, em sentido oposto, a agravação da condição penal do mesmo arguido. Tudo em termos que passam de seguida a analisar–se.
5.1. De saber se a medida concreta da pena de prisão aplicada ao arguido é desadequada por excessiva. [questão suscitada pelo recorrente/arguido AA]
Vem, pois, o arguido AA alegar que a pena em que vem condenado se mostra desajustada, por excessiva, considerando não haverem sido aplicados os limites definidos na lei quanto à determinação da medida da pena. Assim, alega, o tribunal a quo, na determinação do quantum da pena «violou as regras da experiência comum» quando, «concatenados todos os elementos probatórios juntos aos autos», não aplicou a pena por um valor manifestamente próximo do mínimo legal previsto, e isto porquanto o arguido se encontra enquadrado socialmente, evidenciando uma satisfatória situação social, familiar e laboral, tem trabalho fixo e fonte de subsistência própria, apresenta o seu registo criminal imaculado, e regista um percurso de vida conforme às normas sociais vigentes e beneficiando de boa reputação junto da comunidade. Pelo que, conclui, sempre seria de lhe aplicar uma pena pelo seu limite mínimo (isto é, de 1 ano de prisão) por desta forma se realizarem adequada e suficientemente as finalidades da punição, a protecção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na sociedade. Vejamos.
Muito sucintamente se dirá que no exercício de escolha e concretização da pena a aplicar como consequência da prática de um crime, há a levar em linha de conta desde logo quanto estipula o art. 40º/1 do Cód. Penal, onde se previne que as finalidades das penas são a protecção de bens jurídicos e a socialização do agente do crime, determinando-se no nº2 que a culpa do agente constitui o limite da punição concreta. Como, por todos, se resumiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/12/2014 (proc. 52/14.6GTCBR.C1)[[8]], «A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração). A prevenção geral negativa ou de intimidação da generalidade, apenas pode surgir como um efeito lateral da necessidade de tutela dos bens jurídicos. A reintegração do agente na sociedade está ligada á prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.» O grau de exigência na protecção dos valores jurídicos que estejam em causa em determinada criminalização, deverá ser objecto de ponderação a partir de dois vectores complementares e indissociáveis: por um lado, e em termos gerais, do respectivo relevo em termos de hierarquia axiológica legal e constitucionalmente estipuladas, e por outro lado, em termos concretos, da intensidade do respectivo desrespeito em que a actuação ilícita do agente se traduziu. Trata–se de vectores que, naturalmente, já se mostram omnipresentes na própria definição a montante dos critérios de estatuição da punibilidade aplicável em cada tipo criminal, mas que mantém, agora em sede de determinação punitiva concreta, o seu relevo por via da sua devida densificação. Quanto às necessidades de ressocialização, na avaliação do grau da respectiva necessidade haverá de se atentar na medida em que os actos do agente são um reflexo quer da sua personalidade, quer das suas circunstâncias – e, estas, quer as específicas verificadas no momento do acto, quer as relativas ao seu percurso e situação de vida –, por forma a aquilatar a medida de exigência punitiva à salvaguarda de um eficaz processo de recondução do agente à conduta de normatividade que é exigência comunitária. Por sua vez, como factores de graduação da pena concreta – sendo certo não se colocar nos autos a questão da escolha entre penas de diversa natureza – há a considerar os parâmetros e critérios que resultam prima facie do disposto no aludido art. 71º do Cód. Penal. Assim, aí se estabelece que a determinação da medida concreta da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção da prática de condutas criminalmente puníveis, devendo atender-se a todas as circunstâncias que - não fazendo parte do tipo de crime - depuserem a favor ou contra o arguido. Na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve, pois, atender à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar ; ao mesmo tempo, considerando que as finalidades de aplicação das penas incidem fundamentalmente na tutela dos bens jurídicos e na reintegração do agente na sociedade, o limite máximo da moldura do caso concreto deve fixar-se na medida considerada como adequada para a protecção dos bens jurídicos e para a tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas, ainda consentida pela culpa do agente, enquanto o limite inferior há-de corresponder a um mínimo, ainda admissível pela comunidade para satisfação dessas exigências tutelares. Por fim, entre tais balizas assim determinadas, o tribunal deve fixar a pena num quantum que traduza a concordância prática dos valores decorrentes das necessidades de prevenção geral com as exigências de prevenção especial que se revelam no caso concreto, quer na vertente da socialização, quer na de advertência individual de segurança ou dissuasão futura do delinquente
Uma nota mais, para salientar que, como resulta de pacífico critério jurisprudencial, o recurso dirigido à concretização da medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso. Donde, e em tal sede, a intervenção correctiva do Tribunal Superior, no que diz respeito à medida da pena aplicada, só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada. Neste sentido, citem–se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 02/10/2013 (proc. 180/11.0GAVLP.P1)[[9]] onde se escreve que «o recurso dirigido à medida da pena visa tão-só o controlo da desproporcionalidade da sua fixação ou a correcção dos critérios de determinação, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso», o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/07/2017 (proc. 17/16.3PAAMD.L1-9)[[10]], ou o acórdão do S.T.J. de 18/05/2022 (proc. 1537/20.0GLSNT.L1.S1)[[11]], que consigna que «A sindicabilidade da medida concreta da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”».
Adentrando na alegação do recorrente, a liminar nota que cumpre consignar, e que decorre clara das considerações genéricas acabadas de percorrer, é a de que, em sede de determinação das concretas consequências penais aplicáveis ao agente de um crime, surge em absoluto deslocadas as referências efectuadas pelo recorrente às «regras da experiência comum» e a concatenação «[d]os elementos probatórios juntos aos autos». Na verdade, a consideração de tais conceitos respeita tão só e apenas ao momento da decisão sobre a matéria de facto a considerar como relevante no caso – situando–se, pois, alguns passos a montante da presente fase de determinação punitiva, em que tal matéria de facto já se mostra em definitivo assente. Não faz, pois, sequer qualquer sentido tal alusão assim efectuada pelo recorrente nesta sede.
Prosseguindo, e tendo, pois, presentes, as considerações supra exaradas, começa por se recordar que nos autos vem o arguido AA condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de abuso de confiança qualificado, p. e p. pelo art. 205º/1/4/b) do Cód. Penal (crime punível com pena de 1 a 8 anos de prisão), na pena de 3 (três) anos de prisão (suspensa na respectiva execução). E a verdade é que, muito claramente se verifica que na sentença recorrida o tribunal a quo referencia, de forma que se reputa de absolutamente judiciosa, as essenciais circunstâncias pertinentes na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido, e que não se devam considerar já valorados na tipificação do crime objecto de punição. Precisamente sob tal perspectiva, constata–se que os aspectos focados pelo ora recorrente não deixaram também de ser sopesados pelo tribunal a quo em sede de determinação da medida punitiva a aplicar–lhe – é, aliás, o próprio recorrente quem logo o reconhece quando apela a tais circunstancialismos «como referido na douta sentença ora em crise». E se todos os factores realçados pelo recorrente são susceptíveis de peso atenuativo, a verdade é que não pode olvidar–se por outra parte que o crime de abuso de confiança aqui em causa reveste ilicitude assinalável, quer à luz do modo de actuação do arguido – desrespeitando ademais a confiança pessoal e profissional que nele foi especialmente depositada pela assistente –, quer pelas respectivas consequências, atento o montante com que se locupletou, cujo valor se situa bem assim do limiar mínimo da punição agravada do crime em causa. O crime praticado pelo arguido demanda, assim, e como na sentença recorrida se assinala de forma bem vincada, elevadas necessidades de prevenção geral e especial, justificando-se uma adequada resposta punitiva
Em suma, julga–se que todas as considerações aqui pertinentes (entre as quais aquelas realçadas pelo recorrente) encontram adequado respaldo no teor da sentença recorrida, e denotam que o grau de censura incidente sobre o comportamento do arguido não se mostra inflacionado na avaliação do tribunal a quo, e que também as exigências de prevenção geral e especial devem guindar–se a um plano que não é de desprezar. Assim sendo e tudo ponderado, tendo em atenção a moldura penal para o ilícito aqui causa, a pena de prisão aplicada não se julga desproporcionada ou desajustada na sua medida concreta – situando–se, aliás, próxima do limite mínimo da moldura penal aplicável. Tendo em conta a gravidade dos factos, a sua correspondência nas necessidades de protecção dos bens jurídicos atingidos pelos mesmos, e o grau de censura penal incidente sobre a actuação do arguido, muito claramente se entende a fixação da pena em medida concreta inferior à aplicada – mormente se o fosse pelo limite mínimo punível, como vem proposto – corresponderia a uma reacção absolutamente desajustada à salvaguarda das necessidades da punição aqui impostas.
Não tem, pois, acolhimento a censura que o recurso do arguido efectua aos fundamentos em que se estriba a determinação da pena aplicada e a esta última, devendo o mesmo improceder nesta parte.
5.2. De saber se deve ser subordinada ao pagamento da indemnização civil a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido. [questão suscitada pela recorrente/demandante “A...”]
Vem, finalmente, a recorrente “A...” alegar que a simples suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido vem condenado, subordinada a regime de prova, não é suficiente para acautelar os interesses da justiça e da assistente/demandante cível, designadamente no que concerne ao cumprimento da sentença no que tange ao pedido cível em que o arguido/demandado cível foi condenado. Pelo que propugna dever essa suspensão da execução da pena de prisão aplicada ser subordinada ao pagamento da indemnização civil que lhe é devida enquanto demandante, e fixada a título de pedido cível, nos termos do regime previsto no art. 51º/1/a) do Cód. Penal.
Apreciando se dirá que não pode proceder esta pretensão da recorrente/demandante “A...”. Na verdade, esta alteração das consequências penais do crime traduzir–se–ia numa violação do princípio da proibição do reformatio in pejus, prevenido no art. 409º do Cód. de Processo Penal, em cujo nº1 expressamente se estipula que «Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes».
É verdade, e comecemos por aqui, que não se suscitam dúvidas sobre a circunstância de se mostrar verificado o requisito do «interesse em agir» por meio de recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 401º/2 do Cód. de Processo Penal, quando o assistente ou o demandante recorre da decisão condenatória do arguido visando, como aqui se pretende, a alteração das consequências penais do facto através da imposição como condição de suspensão da pena de prisão do pagamento do valor indemnizatório que o mesmo arguido haja sido condenado a pagar–lhe. Porém, no presente caso, tal pretensão não se mostra viável por força da aludida proibição do reformatio in pejus em virtude de um efeito à distância decorrente do histórico processual dos presentes autos – e que, assim, cumpre recopilar.
Assim, recorda–se que, tendo sido no presente processo proferida uma primeira sentença condenatória do arguido (em 14/07/2022), desta decisão mesma veio a ser interposto recurso por parte deste último, sendo nessa sequência interposto um recurso subordinado por parte da demandante “A...”. E se é certo que, no âmbito de tal recurso subordinado, a demandante suscitava esta mesma questão por que agora pugna em recurso autónomo, a verdade é que tal pretensão então deduzida não poderia ser atendida. Na verdade, o recurso subordinado somente pode ter por estrito objecto a matéria relativa ao pedido de indemnização civil deduzido nos autos, e não qualquer questão com incidência penal. É isso que desde logo decorre do disposto no art. 404º/1 do Cód. de Processo Penal, onde se prevê que «Em caso de recurso interposto por uma das partes civis, a parte contrária pode interpor recurso subordinado». Neste sentido se pronuncia António Gama em “Comentário Judiciário do CPP – Tomo V”, ed. Maio 2024, pág. 134, escrevendo que «o recurso subordinado não pode abranger matéria criminal (…) ; o recurso subordinado em relação à matéria penal é inadmissível», ou também Pereira Madeira em “CPP Comentado, ed. 2014, pág. 1320, e ainda Paulo Pinto de Albuquerque, em “Comentário do CPP à Luz da CR e da CEDH – Vol. II”, 5ª ed., pág. 598 ; vide também Acórdão do STJ de 11/04/2002 (proc. 02P1073)[[12]], onde se consigna que «Em processo penal só é possível interpor recurso subordinado relativamente à matéria da acção cível exercida conjuntamente e apenas no caso de uma das partes cíveis ter interposto recurso principal, não havendo recurso subordinado em relação ao recurso interposto da matéria criminal», e do Tribunal da Relação do Porto de 03/02/1999 (proc. 213/97)[[13]], Ou seja, o recurso subordinado então apresentado pela demandante “A...” não tinha a viabilidade de alterar as consequências penais aplicáveis ao arguido no sentido ali propugnado. O que significa, portanto, que tendo então sido apresentado apenas recurso autónomo pelo arguido, a matéria relativa às consequências penais decidida naquela primeira sentença condenatória e que se encontre no âmbito do aludido nº1 do art. 409º do Cód. de Processo Penal, deve ter–se por salvaguardada como correspondendo ao cenário punitivo mais gravoso susceptível de afectar o arguido a partir dali, e sejam quais forem as decisões adoptadas a jusante da mesma – donde, nunca o arguido poderá ver a sua situação agravada no que à espécie e medida da pena decidida diz respeito.
E assim sucede mesmo na contemplação de que aquela primeira sentença foi abrangida pela declaração de nulidade oportunamente decidida por esta instância, no âmbito do Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto datado de 12/07/2023 (e proferido no recurso aqui autuado com o nº 492/15.3T9VLG.P1). Isto é, essa anulação processual então determinada não afecta os efeitos que venham a colocar–se em toda e qualquer decisão condenatória posterior à mesma (anulação) e no que tange ao âmbito da devida ponderação da proibição do reformatio in pejus. Como se escreveu nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 29/02/2012 (proc. 896/11.0PAMGR.C1)[[14]] (onde se consigna que «Declarada, pelo Tribunal de Recurso, a nulidade da sentença do Tribunal de 1ª Instância, determinando que aí se proceda à elaboração de nova decisão final, no caso de só o arguido ter interposto recurso desta decisão, por força do princípio da proibição de reformatio in pejus, as penas (principal e acessória) em que o arguido venha a ser condenado na nova sentença não podem ultrapassar os limites já fixados na sentença agora anulada») e de 20/06/2012 (proc. 325/07.4GCVIS.C2)[[15]], do Tribunal da Relação do Porto de 14/05/2014 (proc. 158/10.0GBLMG.P2)[[16]], ou o do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/10/2019 (proc. 700/16.3PHLRS.L2-5)[[17]]. Aliás, também o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão 502/2007 de 10/10/2007 (proc. 826/2007)[[18]] decidiu «Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 409º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não proibir o agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado na sequência de recurso unicamente interposto pelo arguido». Neste exacto sentido, e por todos, Paulo Pinto de Albuquerque (ob. citada, pág. 608) resume que «Esta proibição é ainda aplicável ao agravamento da condenação em novo julgamento a que se procedeu por o primeiro ter sido anulado ou por ter sido determinado o reenvio na sequência de recurso unicamente interposto pelo arguido (acórdãos do TC n.ºs 236/2007 e 502/2007, acórdão do STJ, de 5.7.2007, in CJ, Acs. do STJ, XV, 2, 239, e acórdão do STJ, de 17.2.2005, in CJ, Acs. do STJ, XIII, 1, 204, e, na doutrina, SIMAS SANTOS e LEAL HENRIQUES, 2001: 85 e 85, nota 93, DAMIÃO DA CUNHA, 2002a: 659, JORGE DUARTE, 2004: 221, MARA LOPES, 2010: 991, e HELENA MORÃO, 2017: 15, mas contra, acórdão do STI, de 9.4.2003, processo 4628/ 02.3), assim como ao agravamento da condenação em nova decisão proferida após declaração de nulidade da sentença em recurso unicamente interposto pelo arguido (acórdão do TRC, de 20.6.2012, processo 325/07.4GCVIS.C2)».
O que significa, como acima se disse, que a viabilidade processual de a assistente/demandante suscitar a alteração das consequências penais do arguido no sentido do respectivo agravamento, se mostra precludida desde o momento em que não apresentou recurso autónomo da primeira sentença condenatória proferida nos autos pelo tribunal a quo, independentemente da anulação desta última.
Em face de quanto fica exposto, não pode ser atendida a pretensão da recorrente “A...”, por a mesma violar o princípio da proibição do reformatio in pejus tal como se mostra consagrado no art. 409º/1 do Cód. de Processo Penal.
Improcede, assim, este derradeiro segmento do seu recurso. * * III. DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em:
1º, negar provimento ao recurso interlocutório interposto pelo arguido AA do despacho proferido em 26/09/2023 (refª citius 451965658). Custas da responsabilidade do recorrente/arguido, fixando-se em 3 (três) UC´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º/1 do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último).
2º, conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença pelo arguido AA, e, em conformidade decide–se: i. alterar os pontos 20., 36. e 40. da matéria de facto provada considerada na sentença recorrida, nos termos decididos a final do ponto 1. da presente decisão ; ii. confirmar a sentença recorrida, sem prejuízo do infra determinada alteração relativa aos juros de mora devidos com a indemnização fixada. Custas da responsabilidade do recorrente/arguido – considerando que o provimento parcial do recurso não reveste qualquer influência na decisão, em particular não determinando a procedência sequer parcelar de qualquer das pretensões do mesmo recorrente –, fixando-se em 5 (cinco) UC´s a taxa de justiça (cfr. art. 513º/1 do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último).
3º, conceder parcial provimento ao recurso interposto da sentença pela assistente/demandante “A...”, e, em conformidade decide–se: i. revogar a sentença recorrida no segmento relativo aos juros de mora devidos com a indemnização fixada, substituindo–se o ali decido pela decisão de condenar o arguido AA no pagamento à demandante “A...” do valor global de €48.865,00 (quarenta e oito mil, oitocentos e sessenta e cinco euros), acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos, a contabilizar à taxa legal desde 01/01/2014 (inclusive) até efectivo e integral pagamento; ii. confirmar no mais a sentença recorrida. Custas (na parte criminal) da responsabilidade da recorrente/assistente, fixando-se em 3 (três) UC´s a taxa de justiça (cfr. art. 515º/1/b) do Cód. de Processo Penal e 8º/9 do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este último). As custas na parte cível serão repartidas entre demandante e demandado na proporção do respectivo decaimento. * Pedro Afonso Lucas Maria do Rosário Martins Pedro M. Menezes Donas Botto (Texto elaborado pelo primeiro signatário como relator, e revisto integralmente pelos subscritores – sendo as respectivas assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo da primeira página) ________________ [1] Relatado por Nuno Gomes da Silva, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf [2] Relatado por Arménio Sottomayor, acedido em https://www.stj.pt [3] Relatado por Vasques Osório, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf [4] Relatado por Vasco Freitas, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf [5] Relatado por Eugénia Cunha, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf [6] Relatado por José Garcia Marques, acedido em https://www.stj.pt/uniformizacao-de-jurisprudencia/jurisprudencia-uniformizada-civel-ano-2002/ [7] Relatado por Santos Cabral, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf [8] Relatado por Orlando Gonçalves, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf [9] Relatado por Joaquim Gomes, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf [10] Relatado por Filipa Costa Lourenço, acedido em www.dgsi.pt/jtrl.nsf [11] Relatado por Ana Barata de Brito, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf [12] Relatado por Simas Santos, acedido em www.dgsi.pt/jstj.nsf [13] Relatado por Costa Mortágua, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf [14] Relatado por Alberto Mira, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf [15] Relatado por Orlando Gonçalves, acedido em www.dgsi.pt/jtrc.nsf [16] Relatado por Maria Deolinda Dionísio, acedido em www.dgsi.pt/jtrp.nsf [17] Relatado por Anabela Cardoso, acedido em www.dgsi.pt/jtrl.nsf [18] Relatado por Maria Lúcia Amaral, acedido em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/ |