Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13807/22.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: VALOR DA CAUSA
AMPLIAÇÃO DO RECURSO
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM FASE DE RECURSO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RP2024040813807/22.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Da decisão que fixa o valor à ação cabe recurso autónomo – vide artigo 644º nº 1 al a) – já que a verificação do valor da causa configura incidente autónomo tramitado na própria ação.
II - A ampliação do recurso, tem lugar quando a parte não tenha ficado vencida e apenas pretenda ver apreciados fundamentos que tenha invocado e não tenham sido considerados na decisão recorrida, na eventualidade de virem a ser acolhidos os argumentos da parte vencida.
III - Em sede de recurso e como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC, é admitida a junção de documentos após o encerramento da discussão e com as alegações de recurso:
i- Nas situações do artigo 425º do CPC, ou seja, quando a junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão.
Impossibilidade fundada em superveniência do documento por referência ao encerramento da audiência em 1ª instância.
Superveniência objetiva se em causa estiver ocorrência superveniente a tal momento temporal.
Superveniência subjetiva se em causa estiver o não conhecimento pela parte da ocorrência ou do documento em si em momento anterior.
Sobre a parte recaindo o ónus de justificar por que antes não teve de tal conhecimento;
ii- Nas situações em que tal junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artigo 651º nº 1 do CPC).
Necessidade justificada pela novidade da questão tratada na decisão e que assim não visa provar o que foi alegado nos articulados.
IV - Não é admissível a junção de documentos para além do prazo permitido pelo legislador no artigo 651º nº 1 do CPC.
V - Sustentando o autor a obrigação de prestação de contas exigidas ao R. num mandato que alega foi conferido ao mesmo ao abrigo do documento assinado no Porto em 2012, tendo ainda o R. domicílio no Porto, encontra-se justificada a demanda do R. em território Português para prestar contas pelo exercício do mandato que lhe foi conferido e ao abrigo do qual geriu, alegadamente, património do Autor – as participações que alega serem de sua pertença.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 13807/22.9T8PRT.P1
3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade
Adjunto – Miguel Baldaia Morais
Adjunto – Carlos Gil

Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto – Jz. Local Cível do Porto

Apelante/AA (com ampliação do âmbito do recurso requerida por BB)



Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

AA, instaurou a presente ação especial de prestação de contas (em 04/08/2022), ao abrigo do disposto nos artigos 941º e segs. do CPC contra BB, peticionando decisão a:

“1) Ordenar a citação do Réu para, no prazo de 30 dias, apresentar as suas contas ou contestar a ação, sob cominação de não se poder opor às contas que o Autor apresente, seguindo-se os demais termos até final; E

2) Condenar o Réu no pagamento do saldo favorável ao Autor que venha a apurar-se. E

3) Ordenar a entrega pelo Réu dos títulos representativos das ações nominativas tituladas pelo Autor, devidamente endossadas e registadas no livro de ações da sociedade, a favor do Autor. E

4) Condenar o Réu a indemnizar o Autor das quantias em que este incorrer como satisfação de todas as despesas com a presente ação, compreendendo, designadamente, mas sem excluir, taxas de justiça e honorários com Advogados, os quais que desde já se computam em € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros)”

Para tanto e após:

i- justificar a cumulação de pedidos de prestação de contas e de condenação à entrega dos títulos mencionados no ponto 3 do pedido – argumentando serem entre si compatíveis, tratando-se de pretensões interligadas – nos termos dos artigos 6º nº 1 e 547º, 37º nº 2 e 555º do CPC;

ii – invocar a competência internacional e territorial do tribunal por em causa estar o cumprimento de obrigações, emergentes de documento assinado pelo R. na cidade do Porto, onde o R. reside, impondo a propositura da ação no tribunal do domicílio do R.;

Alegou em suma:

- Ser o A. proprietário material de participação correspondente a 27% (vinte e sete por cento) do capital social da sociedade comercial de direito Angolano denominada “A..., S.A.”), inscrita na Conservatória dos Registos da Comarca de ..., com sede na Rua ..., Bairro ..., na Cidade ....

Não obstante sendo a titularidade formal das ações detida pelo Réu;

Titularidade que o R. reconheceu em documento intitulado “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade A..., S.A.”, subscrito pelo próprio Réu, no Porto, aos 8 de maio de 2012, conforme Documento 2 oferecido aos autos (e nos termos em tal documento descritos);

- Sendo o valor real da participação social de 27% de €2.500.000,00;

- O R. obrigou-se a administrar tal participação detida pelo autor, de forma gratuita. O que vem fazendo desde 2012;

- Impende sobre o Réu – que também vem exercendo as funções de administrador da A..., S.A., o dever de informar e de prestar contas da sua administração sobre as ações tituladas pelo Autor.

O que não fez;

- Pelo que requer o autor a citação do R. para prestar as contas por referência ao período que medeia entre 08/05/2012 e o presente;

- Contas que se encontra obrigado a prestar tanto quanto às contas da sociedade A..., S.A. atenta a sua qualidade de administrador desta, quer quanto à administração das ações que pertencem ao Autor.

Relevando as contas da administração da sociedade A..., S.A. para as contas a apresentar pelo R. sobre a administração exercida sobre as ações do autor;

Mais requereu o autor a condenação do R. à entrega dos títulos representativos das ações, devidamente endossadas e registadas no livro de ações da sociedade, a favor do Autor, por das mesmas ser proprietário, nos termos da já mencionada declaração.

Bem como a condenação do R. a indemnizar o Autor das quantias em que este incorrer como satisfação de todas as despesas com a presente ação, compreendendo, designadamente, mas sem excluir, taxas de justiça e honorários com Advogados, os quais que desde já se computam em €25.000,00 (vinte e cinco mil euros).


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Por decisão de 04/10/2022 foi admitida “a cumulação de pedidos, em face dos motivos invocados e considerando o disposto nos artigos 37º, nº 2 e 555º do Código de Processo Civil.”

Bem como foi ordenada citação do R. nos termos do disposto no artigo 942º nº 1 do CPC.


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Devidamente citado, contestou o R. (em 24/01/2023).

Tendo em suma:

- Impugnado a alegada titularidade de qualquer participação social do Autor no capital social da A..., S.A.;

Bem como a existência de uma qualquer convenção celebrada entre A. e R. quanto a “uma putativa representação formal deste relativamente àquele”.

- Realidade de que afirmou ser o A. conhecedor, por nos idos de 2005 ter o R. adquirido por cessão de quotas, 60% do capital social da referida A..., S.A.. Ato no qual o A. interveio enquanto um dos procuradores do até então titular desses 60% do capital social.

Tendo ainda o A. conhecimento de quem eram os titulares dos restantes 40% do capital social – CC e Herdeiros de DD;

- Em 2006 os então sócios da A..., S.A. deliberaram aumentar o capital social desta e transformar a mesma em sociedade anónima. Operação levada ao registo em 2007/08/10 – ap. ...5;

- O autor adultera assim a verdade dos factos, assumindo uma atitude censurável;

- O documento 2 junto aos autos pelo A., cujo teor desconhecia, tem uma assinatura que a ser sua – o que não exclui - não foi por si aposta tendo o documento o teor que tem;

- Tendo o documento sido forjado. O que justificou num contexto de outras relações pessoais e societárias entre vários sócios (e entre 3 sociedades), assentes em elevados graus de confiança.

Sendo uma das manifestações de tal confiança, o facto de no cofre de uma outra sociedade existirem folhas em branco assinadas por cada um dos sócios (habitualmente, em número de cinco por cada sócio), destinadas a serem preenchidas e utilizadas em ocasiões em que um deles não pudesse estar presente para outorgar um qualquer documento que fosse necessário.

Folhas em branco que, das assinadas pelo autor, desapareceram 2 do dito cofre. E das restantes assinadas pelos outros sócios faltavam duas por cada um. Quanto ao aqui R., de cinco folhas em branco, só estavam 3 portanto.

Por tal motivo não enjeitando o R. a possibilidade de a assinatura aposta no doc. 2 ser a sua. A ser o caso, correspondendo então a uma das folhas assinadas em branco e desaparecidas;

- Após 2019/2020 as relações deterioram-se, tendo o autor proposto ações destinadas a impugnar deliberações tomadas nas assembleias gerais das três sociedades, visando incomodar e a melindrar os demais sócios daquelas três sociedades e a causar perturbação no funcionamento das mesmas;


*

Suscitou ainda o R. as seguintes questões:

- O valor da ação atribuído pelo autor, atendendo ao previsto no artigo 298º nº 4 do CPC para a ação de prestação de contas.

Na falta de outro critério mais preciso, pugnando dever ser fixado à ação o valor de € 30.001,00;

- Sobre a cumulação de pedidos, embora expressando o entendimento da sua inadmissibilidade, por já judicialmente admitida, declarou não questionar o assim decidido;

- Invocou a incompetência do tribunal em razão da nacionalidade na medida em que

“o Autor, em rigor, não pretende qualquer prestação de contas, até porque sabe que nenhumas contas há a prestar, até porque sabe que é falso que seja titular de qualquer participação social na A..., S.A. e até porque sabe que inexiste qualquer vínculo entre si e o Réu justificativo de qualquer prestação de contas.”

“ainda que sob a aparência de contas a prestar, tudo o que o Autor visa é o exercício de (putativos) direitos sociais relativamente à A..., S.A..”

“Aquilo que aqui temos é alguém a instaurar em Tribunal português uma ação destinada a fazer valer (putativos) direitos sociais relativamente a uma sociedade comercial estrangeira, de Angola, in casu.”

Concluindo assim o R.

“que os Tribunais portugueses carecem de competência em razão da nacionalidade para a presente ação, o que gera a sua incompetência absoluta e constitui uma exceção dilatória que conduz à absolvição do Réu da instância, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 96º, al. a), 99º, 278º, nº 1, al a), e 577º, al. a), todos do CPC.”.

- Sem prescindir e com base na mesma argumentação, suscitou o R. a incompetência em razão da matéria para a causa. Por serem os Juízos do Comércio os competentes para o exercício dos direitos sociais – artigo 128º nº 1 al. c) da LOSJ.

Com a consequente absolvição da instância do R.;

- Mais arguiu a incompatibilidade das pretensões deduzidas pelo Autor.

Afirmando que a única forma de o Autor ver reconhecido o seu pretenso direito a 27% das ações da A..., S.A., seria peticionar a declaração de invalidade do negócio por via do qual o Réu adquiriu 60% das ações da A..., S.A..

Bem como, peticionar a declaração de invalidade dos restantes negócios, operações e atos por via dos quais os restantes acionistas da A..., S.A. adquiriram as suas próprias participações sociais. O que não fez.

Sendo totalmente infundada a pretensão deduzida.

Termos em que concluiu o R.:

“Devem ser julgadas procedentes as exceções de incompetência absoluta do Tribunal, absolvendo-se o Réu da instância.

Deve ser alterado o valor da causa, fixando-se o mesmo em 30.000,00 €.

Deve ser atendida a demais defesa deduzida, julgando-se a ação totalmente improcedente e absolvendo-se o Réu do pedido.”

Convidado o autor para tanto, respondeu às exceções invocadas pelo R. na sua contestação (em 28/02/2023).

Em suma tendo pugnado:

- pela manutenção do valor da ação por si indicado;

- pela compatibilidade da cumulação de pedidos por si exercida;

- pela competência “internacional e territorial do tribunal”;

- pela competência material do tribunal;

- mais e sobre a impugnação do réu quanto à factualidade descrita na sua petição, nomeadamente quanto à impugnação das obrigações emergentes do documento por si junto sob doc. 2, tendo o autor alegado e informado o seguinte:

“refira-se que o Autor, na pessoa do seu mandatário, tem elementos de prova bastantes para demonstrar que o Réu falta à verdade e que, em bom rigor, reconheceu, num passado recente, a legítima titularidade material da participação ora reclamada pelo Autor.

109.º

Tais meios de prova consistem em comunicações trocadas entre os mandatários do Autor e os mandatários do Réu, encontrando-se, portanto, a coberto do segredo profissional nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados.

110.º

Assim, desde já se dá conta de que o mandatário do Autor diligenciou pelo pedido de dispensa do segredo profissional, nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 4, do Estatuto da Ordem dos Advogados, na medida em que se tem a divulgação do teor daquelas comunicações como absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do Autor e do próprio mandatário (vide Documento 1[1] que ora se junta para os devidos efeitos).

111.º

De facto, o teor daquelas comunicações é de modo a permitir desmentir categoricamente a posição assumida pelo Réu na sua Contestação.

112.º

Desta feita, desde já se protesta proceder à sua junção aos presentes Autos, tão logo o referido pedido de dispensa de segredo profissional seja deferido pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados.”


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Nada mais tendo sido requerido, foi proferido despacho saneador sentença (em 10/03/2023), decidindo:

“julgo improcedente a ação, absolvendo o réu dos pedidos.”


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Do assim decidido, apelou o A. oferecendo alegações e a final formulando as seguintes

VI. CONCLUSÕES

ENQUADRAMENTO DO RECURSO

i. Com relevância para o objeto do recurso, recuperam-se os seguintes pedidos cumulativos formulados pelo Autor:

a. Citação do Réu para, no prazo de 30 dias, apresentar as contas da sua administração ou contestar a ação, seguindo-se os demais termos até final, ao abrigo da ação especial de prestação de contas, prevista nos artigos 941.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC); E

b. Entrega, pelo Réu, dos títulos das ações devidamente endossadas em nome do Autor e apresentação do extrato do livro de registo de ações, atestando o registo dessas mesmas ações a favor do Autor, a que corresponde a ação declarativa com processo ordinário.

ii. Estas pretensões do Autor encontram fundamento no documento intitulado “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade A..., S.A.”, que o Réu subscreveu no Porto, aos 8 de maio de 2012, e que o Autor juntou aos presentes Autos como Documento 2, que aqui se dá por reproduzido para os devidos efeitos legais.

iii. Reproduzindo quanto se refere nesse documento, o Réu declara que, dos 60% da participação social que detém no capital social da A..., S.A., a percentagem de 25%, correspondente a 2.500 ações, pertence “sem quaisquer reservas e na sua totalidade” ao Autor, que detém a “legítima e efetiva propriedade”.

iv. Subscreve, ainda, o Réu que dos 60% da participação social que detém no capital social da A..., S.A., a percentagem de 5%, correspondente a 500 ações, é “legítima e efetiva propriedade” do Autor, de BB e de CC, que distribuíram entre si a seu exclusivo critério, tendo o Autor ficado com 2% desta participação.

v. Daqui decorre que o Autor é o legítimo proprietário de uma participação correspondente a 27% (vinte e sete por cento) do capital social da sociedade comercial de direito Angolano denominada “A..., S.A.”.

vi. Sucede, porém, que, embora o Autor seja o proprietário material da participação referida no artigo precedente, a titularidade formal das ações encontra-se ainda detida pelo Réu, da qual o Réu nunca prestou contas ao Autor.

vii. Não obstante seguirem formas de processo diferentes, aqueles pedidos, contra o mesmo Réu, e no âmbito do mesmo processo, são compatíveis entre si, nos termos do artigo 555.º do CPC conjugado com o artigo 37.º, n.º 2 do mesmo diploma, o que foi confirmado pelo Tribunal a quo no seu despacho com a Referência 440696135.

viii. Salienta-se, ainda, que há uma interligação entre as pretensões do Autor que justifica, por si só, o interesse relevante na sua apreciação conjunta.

ix. No momento de qualificar a ação, aquando da sua propositura, o Autor teve por mais adequado optar pela qualificação como ação especial de prestação de contas, em razão da forma de processo que lhe está associada apresentar especificidades, às quais a forma de processo comum se ajusta facilmente, melhor acautelando os interesses de ambas as partes.

x. Em todo o caso, impõe-se ter em atenção que os pedidos apresentados pelo Autor são autónomos e cumulativos, sem dependência um do outro.

xi. Sucede, porém, que, no entender do Autor, foram violadas normas relativas à tramitação processual da presente ação, conforme subsequentemente se dá nota.

DAS NULIDADES PROCESSUAIS

xii. Em contravenção ao disposto nos artigos 942.º, n.º 3 do CPC, de onde resulta que, na sequência da contestação e da resposta à contestação, deve o Tribunal produzir as provas necessárias, verificou-se que o Tribunal a quo não produziu nenhuma das provas requeridas pelo Autor, a saber, prova testemunhal e depoimento de parte.

xiii. De igual modo, aquele Tribunal violou o disposto no artigo 413.º do CPC, ao incumprir com o dever de tomar em consideração todas as provas produzidas, nomeadamente a prova documental apresentada pelo Autor.

xiv. Como consequência natural, o Tribunal a quo não se pronunciou adequadamente sobre a matéria factual vertida nos articulados do Autor, o que levou o Tribunal a quo a tomar uma decisão que se afigura ininteligível em face dos fundamentos de facto e de direito invocados pelo Autor.

xv. De outra parte, põe-se em causa que o juiz do Tribunal a quo tenha observado o dever de “adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”, nos termos plasmados no artigo 547.º do CPC.

xvi. Atenta a cumulação de pedidos e as especificidades do caso em apreço, deveria o Tribunal a quo ter mandado seguir os termos subsequentes do processo comum, com vista a garantir a justa composição do litígio, conforme previsto no artigo 942.º, n.º 3 do CPC.

xvii. Ainda que assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio se admite, sempre se concluirá que o Tribunal a quo deixou de promover um conjunto de atos prescritos pela lei (por remissão do artigo 942.º, n.º 3 do CPC), como seja a título exemplificativo, a produção de prova (nomeadamente a inquirição de testemunhas e ao depoimento de parte), assim como as alegações orais por parte dos Advogados das partes.

xviii. Conclui-se, assim, em face da sentença proferida, que o douto Tribunal a quo incorreu na omissão de atos e formalidades prescritas pela lei, que influíram necessariamente na decisão da causa (cfr. artigo 195.º, n.º 1 do CPC).

xix. Nestas circunstâncias, e seguindo a posição sufragada, nomeadamente pelo Professor Alberto dos Reis, que sustenta que a violação das normas processuais que esteja coberta ou resulte de uma decisão judicial da qual caiba recurso ordinário, deve ser atacada no âmbito deste recurso, assim procede o Autor, pelo que se requer seja admitida a presente impugnação da sentença, ao abrigo da qual foram cometidas as omissões de atos e formalidades prescritas pela lei.

DAS NULIDADES DA SENTENÇA

a. DA VIOLAÇÃO DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO

xx. Nos termos do artigo 607.º, n.º 2 do CPC deve “A sentença começa[r] por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre solucionar.”

xxi. No que se refere à identificação do objeto do litígio, urge enfatizar que a prestação de contas exigida ao Réu, encerra duas vertentes:

a. Prestação de contas da administração de um bem do Autor (as ações) por parte do Réu, na qualidade de mandante, nos termos do disposto no artigo 1157.º e seguintes do Código Civil;

E, de outra parte,

b. Prestação de contas do exercício das funções de administrador assumidas pelo Réu na sociedade A..., S.A..

xxii. A prestação de contas que integra o pedido do Autor emerge do regime do mandato vigente entre o Autor e o Réu (vide artigo 1161.º, al. b) e d) do Código Civil), e não do contrato de sociedade; sendo a prestação de contas do exercício das funções de administrador da sociedade relevantes para a prestação de contas sobre a administração feita pelo Réu sobre as ações tituladas pelo Autor.

xxiii. Tem-se, assim, que o Réu está obrigado à prestação de contas e que a ação de prestação de contas é o instrumento jurídico adequado para o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas pelo Réu e eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se (artigo 941.º do CPC).

xxiv. Adicionalmente, o Autor pede, ainda, que o Réu proceda à entrega dos títulos das ações devidamente endossadas em nome do Autor e apresentação do extrato do livro de registo de ações, atestando o registo dessas mesmas ações a favor do Autor, o que pressupõe, naturalmente, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre aquelas mesmas ações.

xxv. Pretende-se, com este pedido em particular, exigir do Réu o cumprimento de determinadas obrigações, assumidas pelo Réu na “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade A..., S.A.”, e decorrentes do “Contrato de Compra e Venda de Ações”, a que o Tribunal a quo é, incompreensivelmente, totalmente omisso.

xxvi. De outra parte, decorre, ainda, do artigo 607.º, n.º 3 e 4 do CPC, que o juiz deve discriminar os factos que considera provados e quais os que considera não provados, analisando criticamente as provas.

xxvii. Verifica-se, porém, que o juiz do Tribunal a quo incumpriu este preceito normativo, concluindo-se pela nulidade da sentença, por aplicação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC.

b. DA OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO

xxviii. A sentença evidencia uma contradição entre os fundamentos apresentados e a decisão tomada.

xxix. Em síntese, o Tribunal conclui que o Autor não tem o direito de pedir a prestação de contas por parte do Réu, porque não adquiriu a condição de acionista, acrescentando, ainda, que “ainda que o autor demonstrasse ser um acionista “de facto”, tal não tem qualquer validade, uma vez que a aquisição da qualidade de sócio é um negócio formal (…)”.

xxx. Observa-se, assim, que é o próprio Tribunal que identifica a necessidade de se aferir da qualidade de acionista do Autor, a qual, por sinal, está subjacente num dos pedidos que o Autor formulou.

xxxi. Esperava-se, desta feita, como consequência de um raciocínio lógico, que o Tribunal apreciasse a questão relativa à entrega dos títulos das ações devidamente endossadas em nome do Autor e à apresentação do extrato do livro de registo de ações, atestando o registo dessas mesmas ações a favor do Autor, como decorrência da condição de acionista que é reclamada pelo Autor, com base na documentação junta aos Autos pelo Autor.

xxxii. Assim o sugere a fundamentação apresentada pelo Tribunal na sentença.

xxxiii. Ao invés, o Autor foi confrontado com o absurdo de uma decisão que conclui que o Autor não tem a qualidade de acionista, sem cuidar de apreciar a questão suscitada pelo Autor e que é, precisamente, inerente à qualidade de sócio do Autor.

xxxiv. Com efeito, o Tribunal a quo, decidiu, incompreensivelmente, ficar “prejudicado o conhecimento dos demais pedidos.”

xxxv. Claramente, a fundamentação invocada devia, logicamente, conduzir a uma decisão diferente daquela que a sentença expressa.

xxxvi. Desta feita, a oposição entre a fundamentação invocada e a decisão tomada pelo Tribunal configura uma situação de nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.

c. DA OMISSÃO DE PRONÚNCIA

xxxvii. Não obstante o artigo 608.º, n.º 2, 1.ª parte determinar que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…).”, o Tribunal a quo incumpriu com o dever de pronúncia sobre questões sobre as quais se deveria ter pronunciado.

xxxviii. No caso em apreço, o Tribunal a quo identificou a necessidade de se aferir da qualidade de acionista do Autor, questão esta que se se reconduz, precisamente, à questão da titularidade das ações pelo Autor que configura um dos pedidos cumulativos do Autor.

xxxix. Malogradamente, o Tribunal a quo escusou-se a apreciar este pedido do Autor, sem fundamento legal, conforme se procurou demonstrar nas presentes alegações.

xl. Como consequência, deverá concluir-se pela nulidade da sentença em apreço, por força do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

DOS FACTOS INCORRETAMENTE JULGADOS

xli. Conforme acima mencionado, o Tribunal a quo concluiu, com base no disposto no artigo 304º, n.º 3 da Lei das Sociedades Comerciais Angolana, que o Autor “não adquiriu, dessa forma, a condição de acionista”, o que não merece o acolhimento do Autor.

xlii. O que se verifica, na verdade, é que o Tribunal a quo não soube identificar, nos meios de prova documental juntos pelo Autor na Petição Inicial, o negócio formal que titula a transmissão da posição de acionista assumida pelo Réu a favor do Autor.

xliii. O douto Tribunal também não analisou o regime legal da transmissão de ações entre vivos, previsto no Código dos Valores Mobiliários angolano, aprovado pela Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto, maxime, o artigo 106.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) do referido Código dos Valores Mobiliários, que preveem que “os valores mobiliários titulados nominativos (como é o caso) se transmitem por declaração de transmissão, escrita no título”, efetuada pelo transmitente a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente (da sociedade A..., S.A.).

xliv. Esta declaração de transmissão, escrita no título, efetuada pelo transmitente a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente, tem correspondência no pedido do Autor em que requer a entrega, pelo Réu, dos títulos das ações devidamente endossadas em nome do Autor e apresentação do extrato do livro de registo de ações, atestando o registo dessas mesmas ações a favor do Autor, que, recorde-se, o Tribunal a quo decidiu não apreciar.

xlv. Aqui chegados não se compreende em que fundamentos, nem em que provas se suportou o Tribunal a quo para concluir, sem mais, que o Autor não tem a condição de acionista.

xlvi. No entender do Autor, o Tribunal a quo julgou incorretamente os factos relativos à titularidade da participação societária reclamada pelo Autor, pelo que, também com este fundamento, se impugna a decisão proferida.

xlvii. Em face de quanto se vem de expor, constata-se que a douta sentença proferida nos presentes Autos padece de diversos vícios, todos eles conducentes à sua nulidade, que ora se requer.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, ser declarada nula a decisão recorrida, seguindo-se os seus ulteriores termos legais.

Mas certamente V. Exas. farão a INTEIRA e SÃ JUSTIÇA, como já é habitual.”


*

         Apresentou o R. contra-alegações, nas quais:

        i- Pugnou pela total improcedência do recurso interposto pelo autor, face ao bem decidido pelo tribunal a quo.

         ii- Deduziu ampliação do âmbito do recurso.

         Convocou o disposto no artigo 665º nº 2 do CPC, em caso de eventual provimento do recurso do autor, do qual decorre o conhecimento das questões por si suscitadas em sede de exceção e cujo conhecimento o tribunal a quo considerou prejudicado.

         E suscitou a:

       a) nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto ao valor da ação.

           Como ficou dito, o Réu impugnou o valor da ação indicado na petição inicial e apresentou outro em substituição.

         O Tribunal não se pronunciou sobre este ponto, sendo certo que, face à tramitação observada nos autos e face ao disposto no nº 2 do art. 306º do CPC, isso deveria ter acontecido na sentença.”

         b) delimitação da decisão sobre a competência internacional

         Em suma alegou o recorrido:

         - ter na contestação invocado a incompetência absoluta do Tribunal, seja em razão da nacionalidade, seja em razão da matéria.

         Visto o disposto no nº 2 do art. 665º do CPC, nada há a mencionar aqui acerca da incompetência em razão da matéria;

         - já quanto à incompetência em razão da nacionalidade, afigura-se pertinente, ao menos por cautela de patrocínio, assinalar, tendo presente o por si alegado em 88 a 104 da contestação, que a problemática da competência em razão da nacionalidade tem contornos bem mais elaborados e extensos, do que a remissão para a residência das partes em Portugal assinalada pelo tribunal a quo.

         Não sendo tal suficiente para apreciar tal questão.

         Pelo que:

         “Ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 636º do CPC, serve esta peça para colocar a questão ao Tribunal da Relação, em termos de, no caso de provimento do recurso do Autor, a mesma ser apreciada, reconhecendo-se o bem fundado da arguição de incompetência em razão da nacionalidade e revogando-se a decisão proferida em 1ª instância acerca deste ponto.”

         Assim concluindo:

         “- não ocorrem as nulidades processuais invocadas pelo Autor;

         - não ocorrem as nulidades da sentença invocadas pelo Autor;

         - não se confirma que haja factos incorretamente julgados;

         - as “conclusões” formuladas pelo Autor não respeitam o critério legal;

         Nessa conformidade, o recurso deverá ser julgado totalmente improcedente.

         Por outro lado:

         - a sentença proferida padece de nulidade, por omissão de pronúncia, quanto à questão do valor da causa;

         - em caso de provimento do recurso, deverá reconhecer-se a incompetência do Tribunal em razão na nacionalidade, revogando-se a decisão recorrida, com a consequente absolvição do Réu da instância.”


*

         O recurso (por decisão de 26/05/2023) foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.

         Tendo o tribunal a quo sobre a pelo recorrido/R. arguida nulidade, por omissão de pronúncia quanto ao valor da causa, reconhecido a mesma. Em conformidade sobre tal questão tendo decidido fixar à causa o valor de 2.525.000,00 €.

        Nessa mesma data tendo sido ordenada a subida dos autos a este tribunal de recurso.

         O que ocorreu no próprio dia 26/05/23.


*

         Notificadas, entretanto, as partes quanto ao assim decidido, veio o recorrido/R. (requerimento de 09/06/23) declarar pretender, nos termos do artigo 617º nº 3 do CPC “alargar o âmbito do recurso, em termos de impugnar a decisão proferida quanto ao valor da causa.”, para tanto tendo apresentado alegações e concluído:

         “- o valor da ação indicado pelo Autor, e sancionado pelo Tribunal, não se mostra ajustado ao caso dos autos;

         - o valor da ação deverá ser fixado em 55.000,01 €.”

         A ampliação do recurso por parte do R. quanto ao valor da causa, foi admitida nos termos do artigo 617º nº 3 do CPC (em 14/06/23).

         E ordenado o conhecimento do decidido a este tribunal (o que ocorreu a 15/06/23).


*

         Notificado o autor do despacho de admissão da ampliação do recurso quanto ao decidido sobre a fixação do valor da causa, apresentou requerimento em 29/06/2023 dirigido ainda à 1ª instância (apesar de já distribuídos os autos neste tribunal de recurso).

         Neste pugnou pela inadmissibilidade da pretensa ampliação do recurso (decidida em 14/06/2023).

         Defendendo não ser aplicável ao recorrente R. o disposto no artigo 617º nº 3 do CPC, porquanto tal está previsto apenas o recorrente e não também para o recorrido.

         E, perante o suprimento da nulidade de omissão de pronúncia invocada pelo recorrido, dever-se-ia ter concluído pela inutilidade superveniente do recurso do R., que perdeu a qualidade de recorrente quando é suprida a nulidade e fixado o valor da causa.

         Alargamento que, mais defende o recorrente autor, estava vedado ao recorrido por via do previsto no artigo 636º nº 3. Porquanto a decisão recorrida supriu a nulidade arguida pelo R., no despacho de admissão do recurso.

         Concluindo como tal o autor que ao R./recorrido cabia apenas interpor recurso autónomo da decisão que fixou o valor à ação (em suprimento da nulidade invocado pelo próprio já em contra-alegações).

         Recurso que a ter sido interposto, mais alegou, conferiria ao autor o direito a contra-alegar, assegurando-lhe o contraditório.

         Contraditório que sequer o tribunal a quo permitiu ao A. exercer, na medida em que admitiu a ampliação do recurso em causa, mesmo antes de passarem os 10 dias de prazo supletivo para o A. se pronunciar sobre o requerido.

         À cautela, exercendo ainda o A. o seu contraditório ao pedido de ampliação vindo de analisar, tendo pugnado pela manutenção do decidido quanto ao valor fixado à causa pelo tribunal a quo.

         Concluindo a final que com o suprimento do tribunal, seja proferida decisão a:

         “a) Reverter a decisão de admissão do alargamento do recurso requerido pelo Réu, no seu requerimento de 09.06.2023 e ordenar o seu desentranhamento;

         b) Caso assim não se entenda, o que apenas por mero exercício do patrocínio se admite, deverá ser admitido o direito ao contraditório ora exercido pelo Autor.”

         O requerimento ora em menção foi igualmente remetido a este tribunal.


***

*


         Ainda na pendência destes autos de recurso, foram juntos aos autos os seguintes requerimentos:

1- requerimento de 25/01/2024

O recorrente veio requerer que os autos aguardem:

“pela decisão do Presidente do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, considerando que tal decisão deverá ser proferida proximamente, antes da prolação da decisão final de V. Exas..” alegando estar “na posse de elementos de prova fundamentais para a defesa da dignidade, dos direitos e dos de prova fundamentais para a defesa da dignidade, dos direitos e dos interesses legítimos do Recorrente em face das falsidades e das acusações feitas pelo Recorrido, sobre os quais recai o dever de segredo profissional nos termos do disposto no artigo 92.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados;”

        A tal pretensão se opôs o recorrido, alegando ser inadmissível tal junção, atendendo a que “os recursos destinam-se a apreciar decisões proferidas em instância inferior, sendo certo que tais recursos devem recair sobre os elementos constantes dos autos aquando da prolação da decisão recorrida”.

         Para além de a admissibilidade de documentos supervenientes estar sujeita à limitação de acompanharem as alegações, tal como decorre do previsto no artigo 651º do CPC.

2- requerimento de 31/01/2024 (com retificação apontada no subsequente requerimento de 02/02/2024, quanto à numeração dos documentos mencionada no 1º requerimento):

O recorrente veio requerer a junção aos autos dos documentos que foram alvo do pedido de levantamento do sigilo bancário, por deferido este, e relativos a comunicações trocadas por correio eletrónico entre os Exmos. Mandatários (nos termos que descreveu), para prova da veracidade dos factos por si alegados na p.i. e de que o R. mentiu despudoramente na sua contestação e nas contra-alegações de recurso.

Nomeadamente tendo nestas o R. reconhecido a “existência, veracidade, fidedignidade e validade do documento em crise junto com a petição inicial como Documento 2.”

Mais justificou o autor a junção destes documentos (3) apenas nesta sede e momento processual, por só agora se ter tornado possível em virtude da decisão de dispensa de segredo profissional proferida a 25/01/2024, embora por si requerida a 28/02/2023 – e acrescentamos, tendo por objeto documentos (comunicações eletrónicas) trocadas entre novembro de 2021 e junho de 2022.

Invocando para esta admissibilidade tanto o previsto nos artigos 651º nº 1 e 425º do CPC, como também o disposto no artigo 662º nº 2 do CPC, als. b) e c).

Opôs-se, por requerimento de 02/02/2024, o recorrido R. à junção dos documentos oferecidos pelo recorrente, pugnando uma vez mais pela sua inadmissibilidade legal, para além de não terem os mesmos a virtualidade de alterar o decidido em 1ª instância.


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***


II- O tribunal a quo fundou a sua decisão na seguinte argumentação:

“No que se refere à competência dos Tribunais portugueses, e apesar de estar em causa a administração de ações de sociedade registada e constituída em Angola, o que é certo é que as partes têm residência em Portugal, o que torna os Tribunais portugueses competentes, conforme o artigo 62º, a) do CPC.


*

Nos termos do artigo 941º do CPC, “a ação de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. “

Ora, o autor baseia o seu pedido com o facto de ser um acionista “de facto” da sociedade supra identificada.

Contudo, e conforme o artigo 304º, n.º 3 da Lei das Sociedades Comerciais Angolana, aprovada pela Lei n.º 1/04, de 13 de fevereiro (legislação aplicável, atento o facto de estarmos perante uma sociedade constituída de acordo com o direito angolano, “A qualidade de sócio adquire-se com a celebração do contrato de sociedade ou da escritura pública de aumento do capital social, independentemente da emissão e entrega dos títulos ou da inscrição na conta de registo individualizado”.

Ora ainda que o autor demonstrasse ser um acionista “de facto”, tal não tem qualquer validade, uma vez que a aquisição da qualidade de sócio é um negócio formal, sendo que o autor nem alega a causa da alegada aquisição de facto dessa qualidade.

Assim, não se aplica ao autor as disposições dos artigos 23.º, n.º 1, al. c) e 320.º da referida lei, não tendo este também direito a pedir a prestação de contas por parte do réu, nem como administrador da sociedade, nem como mandatário, no âmbito do invocado contrato (repita-se, ainda que fixasse demonstrado), uma vez que não adquiriu, dessa forma, a condição de acionista.

Em consequência, fica prejudicado o conhecimento dos demais pedidos, que eram dependentes da verificação da obrigação do réu em prestar contas, ficando também prejudicado o conhecimento das demais exceções invocadas pelo réu.”


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         Foram colhidos os vistos legais.

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III- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta serem as seguintes as questões a apreciar:

        Recurso do autor

         1) Admissibilidade dos documentos oferecidos pelo recorrente autor (já na pendência deste recurso), de acordo com a tramitação processual que supra deixamos retratada;

         2) Admissibilidade da ampliação do recurso deduzida pelo R., relativa à decisão de fixação do valor da causa proferida pelo tribunal a quo, suprindo a nulidade invocada pelo recorrido em sede de recurso.

         3) Nulidade processual (artigo 195º nº 1 do CPC) – por prolação da decisão, sem tomar em consideração as provas oferecidas e assim não produzidas, com a consequente não pronúncia factual sobre o vertido nos articulados (vide conclusões xii a xviii);

         4) Nulidade da sentença por;

         - falta de fundamentação - por omissão de pronúncia sobre as questões suscitadas pelo autor quanto à obrigação do R. de prestar contas ao abrigo do mandato vigente entre autor e R. que o autor descreveu nos autos, bem como quanto à obrigação do R. de entregar os títulos das ações e o demais pedido pelo autor cumulativamente. Adicionalmente não tendo sido efetuada a discriminação dos factos provados e não provados (vide conclusões xx a xxvii);

         - oposição entre os fundamentos e a decisão – alegando o recorrente uma contradição evidenciada na decisão recorrida entre os fundamentos e decisão tomada, porquanto o tribunal afirma a necessidade de o autor provar a sua qualidade de acionista, sem ter apreciado o pedido relativo à entrega das ações devidamente endossadas ao autor, atestando o registo das mesmas em seu nome como decorrência da condição de acionista reclamada pelo autor, com base nos documentos por si juntos aos autos. A fundamentação da decisão deveria ter conduzido a uma diversa decisão (vide conclusões xxviii a xxxvi);

         - omissão de pronúncia – de novo alega o recorrente que o Tribunal a quo identificou a necessidade de se aferir da qualidade de acionista do Autor, questão esta que se se reconduz, precisamente, à questão da titularidade das ações pelo Autor que configura um dos pedidos cumulativos do Autor e que o Tribunal se escusou de apreciar sem fundamento legal (vide conclusões xxxvii a xl);

         5) Factos incorretamente julgados – o tribunal afirma com base no disposto no artigo 304º, n.º 3 da Lei das Sociedades Comerciais Angolana, que o Autor “não adquiriu, dessa forma, a condição de acionista”, o que não merece o acolhimento do Autor.

         Não tendo o tribunal avaliado nem os documentos juntos pelo autor - o negócio formal que titula a transmissão da posição de acionista assumida pelo Réu a favor do Autor; nem analisado o regime legal da transmissão de ações entre vivos, previsto no Código dos Valores Mobiliários angolano, aprovado pela Lei n.º 22/15, de 31 de Agosto, maxime, o artigo 106.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) do referido Código dos Valores Mobiliários, que preveem que “os valores mobiliários titulados nominativos (como é o caso) se transmitem por declaração de transmissão, escrita no título”, efetuada pelo transmitente a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente (da sociedade A..., S.A.).

         Declaração que correspondia precisamente ao segundo pedido formulado pelo autor.

         6) Erro na subsunção jurídica - concluiu o autor ter o tribunal julgado incorretamente os factos relativos à titularidade da participação societária reclamada pelo Autor, pelo que, também com este fundamento, impugnou a decisão proferida (vide conclusões xli a xvliii).

        Concluindo pela revogação da decisão e prossecução dos ulteriores termos processuais.


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        Recurso do R. – por ampliação

          - no suprimento por parte do tribunal a quo da nulidade da sentença proferida por omissão de pronúncia quanto ao valor da causa (invocado pelo R. em sede de ampliação do recurso), admissibilidade da ampliação do recurso quanto ao decidido nesta parte;

         - da incompetência em razão da nacionalidade para a apreciação do pedido formulado pelo autor, para além da questão da competência em razão da matéria (para a qual convocou o recorrente o disposto no artigo 665º nº 2 do CPC);


*

1) Em primeiro lugar será apreciada a questão relativa à admissibilidade da ampliação do recurso apresentada pelo R. recorrido quanto à decisão que fixou o valor da causa – assim suprindo a nulidade que este mesmo R. havia arguido por omissão de pronúncia, nas suas contra-alegações

Tal como resulta do relatório supra o R. que se viu absolvido das pretensões contra si deduzidas pelo autor, deduziu ampliação do âmbito do recurso nos termos do artigo 636º do CPC.

Sendo pressuposto subjetivo dos recursos que a parte recorrente tenha ficado vencida (vide artigo 631º do CPC) – sendo o vencimento ou decaimento aferido em função da pretensão formulada e da posição assumida pela parte em relação à decisão final tomada, de tal forma que esta será vencida quando ao seus interesses sejam afetados por aquela – temos que o R. que é absolvido dos pedidos contra o mesmo formulados, não é para este efeito parte vencida e nessa medida não tem legitimidade para recorrer.

Salvaguardando a hipótese de, neste caso, a parte vencida recorrer e virem a ser acolhidos os seus argumentos pelo tribunal de recurso, foi conferida à parte vencedora a hipótese de ampliar o âmbito do recurso, por forma a provocar a apreciação de fundamentos que tenha invocado e não tenham sido considerados ou acolhidos na decisão recorrida. Fundamentos que então se poderão revelar importantes para a defesa dos seus interesses.

O enquadramento deste meio de recurso está consignado no artigo 636º do CPC.

Deste, diferem o recurso autónomo ou subordinado, na medida em que estes pressupõem já o decaimento de um pedido principal ou subsidiário. Sendo que no caso do recurso subordinado não releva a sucumbência (vide artigo 633º do CPC).

Dito isto, nas suas contra-alegações ao recurso interposto pelo autor, o R. alegou ter questionado o valor atribuído à ação pelo autor, indicando outro em substituição.

E, em sede de ampliação do âmbito do recurso, reiterou ter impugnado o valor da causa oferecendo outro em substituição, bem como invocou a incompetência absoluta do tribunal, quer em razão da nacionalidade quer da matéria.

Sem prejuízo do disposto no artigo 665º nº 2 do CPC – obrigatoriedade do tribunal de recurso em conhecer dos fundamentos de defesa que o tribunal a quo não conheceu por considerar prejudicados, face ao por este decidido – invocou o recorrente em sede de ampliação do recurso (para ser apreciado):

- a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia quanto à questão do valor da causa;

- a incompetência do tribunal em razão da nacionalidade.

O tribunal a quo, reconhecendo a omissão de pronúncia quanto ao incidente de impugnação do valor da causa, emitiu pronúncia sobre tal questão, fixando o valor à causa.

Decidindo em contrário do defendido pelo R. na sua contestação, quanto ao valor da causa.

E perante tal decisão, o recorrido R. deduziu ampliação do âmbito do recurso quanto ao assim decidido.

Ampliação que o tribunal a quo admitiu.

Como é pacificamente aceite, o tribunal de recurso não está vinculado pelo decidido pelo tribunal a quo quer quanto à admissibilidade do recurso, quer quanto à propriedade do meio para tanto utilizado (vide artigo 652º do CPC).

Pelo que cumpre apreciar desta questão.

O A. defende, em suma, não ser admissível a ampliação do recurso deduzida pelo R. para este fim. Argumentando que do assim decidido deveria o R. ter interposto recurso autónomo.

Da decisão que fixa o valor à ação cabe recurso autónomo – vide artigo 644º nº 1 al a) – já que a verificação do valor da causa configura incidente autónomo tramitado na própria ação (vide neste sentido Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código do Processo Civil, em anotação ao artigo 644º do CPC).

E efetivamente o R. decaiu quanto à pretensão por si suscitada a propósito do valor da causa – pugnando pela fixação do valor da causa em € 30.000,01 ao invés dos decididos pelo tribunal a quo € 2.525.000,00.

A ampliação do recurso, como mencionado, tem lugar quando a parte não tenha ficado vencida e apenas pretenda ver apreciados fundamentos que tenha invocado e não tenham sido considerados na decisão recorrida, na eventualidade de virem a ser acolhidos os argumentos da parte vencida.

Como mencionado, no que ao valor da causa concerne, o R. ficou vencido e assim deveria do decidido ter interposto recurso autónomo.

Tendo o juiz suprido a nulidade que havia sido suscitada pelo recorrido de omissão de pronúncia – suprimento que poderia e deveria mesmo oficiosamente ter observado, atento o disposto no artigo 306º nº 3 do CPC, previamente à subida do recurso – cabia ao R. que ficou vencido perante o decidido, interpor recurso autónomo.

Não o tendo feito em tempo e pelo meio adequado, ficou prejudicado o conhecimento do decidido quanto à fixação do valor da causa.

Que assim transitou.

Procede nestes termos a questão da inadmissibilidade da ampliação do âmbito do recurso para efeitos de conhecimento do valor fixado à causa.

E consequentemente, fica prejudicado o conhecimento – também peticionado pelo R. recorrido em sede de ampliação do âmbito do recurso - do decidido quanto à fixação do valor da causa.


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2) Em segundo lugar cumpre apreciar da questão relativa à admissibilidade da junção dos documentos oferecidos pelo autor recorrente já na pendência do recurso[2].

Tal como resulta do disposto no artigo 410º do CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, ou quando não houver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.

E a prova tem por função demonstrar a realidade dos factos alegados – 341º do CC (Código Civil).

Àquele que invocar um direito incumbe a prova dos factos constitutivos do mesmo e à parte contrária a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que contra si é invocado (342º do CC). Sem prejuízo das exceções previstas nos artigos 343º e 344º do CC no que concerne ao ónus de prova e da dispensa de prova dos factos notórios, tal como previsto no artigo 412º do CPC.

De entre os diversos meios de prova, definem os artigos 423º e segs. do CPC as regras adjetivas relativas à prova por documentos – definindo os termos em que é admissível a sua produção; encontrando nos artigos 362º e segs. do CC o contraponto em sede substantiva – relativo ao conceito e modalidades de documento e valor/ força probatória da prova documental.

Da leitura conjugada dos artigos 423º n.º 1, 429º n.º 2 ex vi 432º e 443º n.º 1 do CPC extrai-se que aos autos apenas devem ser juntos os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou defesa e que assim têm interesse para a decisão da causa, sendo por referência a estes fundamentos que será aferida a pertinência ou necessidade da sua junção.

Mais e quanto ao momento processual adequado à pretendida junção, regula o artigo 423º do CPC – estando em causa situação anterior ao encerramento da discussão, pois que para o momento posterior preceitua o artigo 425º do CPC – do qual se extrai que o momento processual adequado à junção de documentos aos autos para prova dos fundamentos da ação ou da defesa é por regra o da apresentação do articulado em que se aleguem os factos correspondentes, tal como se infere do nº 1 deste artigo 423º que disciplina o “Momento da Apresentação”.

Fora deste momento próprio, sendo ainda permitida a apresentação de tais documentos, conforme decorre do citado artigo 423º:

“2- (…) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.”.

Após tal limite temporal, apenas sendo “3- (…) admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aquela cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.

Assim e fora da situação regra – junção com o respetivo articulado – apenas é permitida a junção dos documentos pertinentes até 20 dias antes da audiência com multa, salvo se for provado que antes com o respetivo articulado os não pôde oferecer. Após tal momento e até ao encerramento da discussão sendo ainda permitida a junção de documentos quando:

- a apresentação não tiver sido possível até àquele momento ou quando

- a apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

A impossibilidade de apresentação em momento anterior poderá ser fundada em circunstâncias objetivas por o documento se reportar a incidências supervenientes a tal limite temporal, ou em circunstâncias subjetivas por até lá a parte do mesmo ou da situação a que se reporta não ter tido conhecimento.

A necessidade de apresentação em momento posterior tem por sua vez como pressuposto a novidade da questão que o mesmo visa provar, o que não ocorre quando este se destina à prova de questões alegadas nos articulados e que são alvo de prova.

Já em sede de recurso e como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC é ainda admitida a junção de documentos após o encerramento da discussão e com as alegações de recurso:

i- nas situações do artigo 425º do CPC, ou seja, quando a junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão.

Impossibilidade fundada em superveniência do documento por referência ao encerramento da audiência em 1ª instância.

Superveniência objetiva se em causa estiver ocorrência superveniente a tal momento temporal.

Superveniência subjetiva se em causa estiver o não conhecimento pela parte da ocorrência ou do documento em si em momento anterior.

Sobre a parte recaindo o ónus de justificar por que antes não teve de tal conhecimento;

ii- nas situações em que tal junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artigo 651º nº 1 do CPC).

Necessidade justificada pela novidade da questão tratada na decisão e que assim não visa provar o que foi alegado nos articulados.

No caso dos autos, estão em causa documentos que embora alvo de decisão de dispensa do segredo profissional já proferida na pendência do recurso, estão datados de momento anterior à propositura da ação.

E visam, nos termos alegados pelo recorrente provar factualidade por si alegada na petição.

Estes documentos foram oferecidos após as alegações de recurso.

E como tal para além do período máximo permitido pelo legislador no artigo 651º do CPC.

O que determina por si só o indeferimento da pretendida junção, no momento processual mencionado.

Acresce que o tribunal a quo, como decorre da decisão recorrida que acima se deixou reproduzida, decidiu não ter o autor direito a pedir a prestação de contas por parte do R., em função do que o mesmo alegou na sua petição.

E como tal independentemente dos factos alegados de que o mesmo viesse a fazer prova.

Em função do que absolveu o R. dos pedidos contra o mesmo formulados.

A este tribunal de recurso cabe, neste momento aferir se o decidido merece censura, em função dos elementos processuais disponíveis perante o tribunal a quo aquando da prolação de decisão e que este levou em consideração.

Pelo que também por esta via, se não justifica a peticionada junção dos documentos nesta fase processual.

Motivo por que se não admite a junção aos autos dos documentos oferecidos em momento posterior à apresentação das alegações de recurso.

Documentos estes a desentranhar dos autos e a restituir ao apresentante (vide artigo 443º nº 1 do CPC).

Vai o apresentante condenado na multa de 1 UC (artigo 443º nº 1 e 27º nº 1 do RCP).

3) Em terceiro lugar cumpre apreciar da arguida nulidade processual – por prolação de decisão sem tomar em consideração as provas oferecidas pelas partes e sem pronúncia factual quanto ao vertido nos factos.

Verifica-se a arguida nulidade processual quando ocorre a prática de atos que a lei não admite, ou a omissão de atos ou formalidades prescritas na lei, cuja nulidade a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa – artigo 195º nº 1 do CPC.

O recorrente invoca a mencionada nulidade por não produção da prova por si oferecida e desconsideração da já junta aos autos, nomeadamente prova documental; pela não adequada pronúncia dos factos vertidos nos articulados do autor.

Levando o tribunal a quo a decidir liminarmente “que o Autor não tinha a condição de acionista, sem que nunca se tenha pronunciado sobre os meios de prova documentais oferecidos pelo Autor e sem nunca ter inquirido qualquer das testemunhas arroladas pelo mesmo, ou ter produzido o depoimento de parte.”.

Mais defendendo que atentos os pedidos cumulados por si formulados, deveria ter o tribunal a quo ordenado a prossecução dos autos sob a forma de processo comum, adotando a tramitação processual às especificidades da causa.

E nomeadamente convocando audiência prévia para os fins do artigo 591º nº 1 do CPC.

Sem que se verifique nenhuma das exceções previstas no artigo 593º do CPC.

Subsequentemente agendando audiência final.

Assim concluindo o autor “a não adoção da tramitação processual adequada ao presente caso, com a consequente omissão de todas as formalidades acabadas de enunciar, influiu necessariamente na decisão tomada pelo Tribunal a quo, que evidencia uma conclusão precipitada em afirmar faltar ao Autor a condição de acionista, sem que tenha promovido as diligências processuais a que estava legalmente obrigado.”

Os autos seguem a forma do processo especial de prestação de contas, regulado nos artigos 941º e segs. do CPC.

O tribunal a quo, entendendo poder conhecer do mérito da pretensão logo findos os articulados, proferiu a decisão recorrida – o que lhe era permitido por via do previsto no artigo 942º nº 3 do CPC, o qual permite ao juiz proferir imediata decisão quando entenda estar na posse de todos os elementos necessários a proferir a mesma, no caso de o R. contestar a obrigação de prestar contas, como foi o caso.

Nesta medida entende-se não se verificar a arguida nulidade processual.

Se tal decisão é merecedora de censura por errada subsunção jurídica do alegado à aplicação do direito (já que não ocorreu fixação da matéria de facto assente entre as partes) é questão que respeita ao mérito da decisão e assim ao erro de julgamento a ser reapreciado nos termos do artigo 663º do CPC.

Termos em que se julga improcedente a arguida nulidade processual prevista no artigo 195º nº 1 do CPC.

4) Em quarto lugar cumpre apreciar se a decisão proferida padece das arguidas nulidades previstas no artigo 615º nº 1 als. b) a d) do CPC.

Tem vindo a ser pacificamente aceite que as causas de nulidade da sentença, previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC[3], respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”[4], pelo que nas mesmas não se inclui quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito[5].

No que ao vício da falta ou insuficiência da fundamentação previsto na al. b) do nº 1 do artigo 615º do CPC concerne, é entendimento dominante na jurisprudência e com apoio na doutrina que a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito, e apenas esta e já não a sua deficiência, em que assenta a decisão, são causa de nulidade da mesma[6].

Atento este conceito, resulta claro que a decisão recorrida não carece de falta de fundamentação, porquanto o tribunal a quo apreciou a pretensão deduzida pelo autor e, em sede de exclusiva análise jurídica, entendeu – pelos motivos nela expostos - ser a mesma claramente improcedente em função do alegado e assim independentemente do que viesse a ser julgado provado ou não provado.

Dispensando nessa medida a fixação da factualidade assente ou impugnada pelas partes.

Se o decidido merece censura, é questão que se prende com o mérito da decisão.

Mas o invocado vício da falta de fundamentação não se verifica.

Quanto ao vício da contradição previsto na al. c) do nº 1 do artigo 615º do CPC, entende-se este verificado quando ocorre a contradição entre a decisão e seus fundamentos ou a ininteligibilidade/obscuridade da decisão. Pressupondo a verificação de um vício expositivo da decisão alvo de censura, na medida em que devendo esta ser, num procedimento silogístico, a conclusão lógica deduzida de premissas anteriores, aquele se verifica quando os fundamentos antes expostos conduzirem a decisão oposta à seguida. Ou a mesma não for percetível.

A argumentação aduzida pelo tribunal a quo de forma lógica conduziu à decisão proferida. O tribunal a quo afirmou a necessidade de o Autor ser acionista formal e não apenas de “facto” para formular o pedido em causa nos autos. Qualidade de acionista formal que o próprio autor reconheceu não ter, nos termos alegados na petição inicial – tanto que o pedido cumulado respeita precisamente a tal questão.

Concluindo por tal não ter o autor direito a pedir a prestação de contas a que estes autos respeitam.

A decisão proferida não padece, como tal de qualquer obscuridade ou contradição.

Se esta merece censura, como já antes dito, é questão que se prende com o mérito da decisão.

Mas do vício da contradição não padece a decisão recorrida.

Vício que assim igualmente se julga improcedente.

Finalmente arguiu o recorrente o vicio da nulidade por omissão de pronúncia a que se reporta a al. d) do mesmo nº 1 do artigo 615º.

Respeita este vício ao não conhecimento [ou conhecimento para além] de todas as questões que são submetidas a apreciação pelo tribunal, ou seja, de todos os pedidos, causas de pedir ou exceções cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento de outra(s) questão(ões). Não se confundindo questões com argumentos ou razões invocadas pelas partes em sustentação das suas pretensões.

Encontra este dever a sua consagração legal no disposto no artigo 608º nº 2 do CPC.

Sendo ainda de distinguir questões a resolver (para efeitos do artigo 608º nº 2 do CPC) da consideração ou não consideração de um facto em concreto que e quando se traduza em violação do artigo 5º nº 2 do CPC, deverá ser tratado em sede de erro de julgamento e não como nulidade de sentença [7].

Ora o tribunal a quo apreciou a pretensão do recorrente e tendo entendido a necessidade de o mesmo ser acionista formal para formular os pedidos em causa nos autos, qualidade que admitiu não deter, concluiu pela improcedência da pretensão do autor.

Consequentemente ficando prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas pelo recorrente.

Se a decisão merece censura, uma vez mais se afirma, é questão que se prende com o mérito da decisão.

Mas perante os argumentos aduzidos pelo tribunal a quo para fundamentar a decisão recorrida, não padece a mesma do vício da omissão de pronúncia.

Improcede, em conclusão, a pelo recorrente invocada nulidade da sentença ao abrigo do disposto no artigo 615º nº 1 als. b) a d) do CPC.

5) Em quinto lugar invocou o recorrente a existência de factos incorretamente julgados.

O que fundamentou na afirmação pelo tribunal a quo de que: “(…) ainda que o autor demonstrasse ser um acionista “de facto”, tal não tem qualquer validade, uma vez que a aquisição da qualidade de sócio é um negócio formal, sendo que o autor

nem alega a causa da alegada aquisição de facto dessa qualidade.”

Em causa não está o julgamento de factualidade provada ou não provada, antes a apreciação do que foi alegado e a subsunção jurídica de tal alegação factual.

Alegação que o tribunal a quo entendeu não ser suficiente para permitir a procedência da pretensão do autor, ainda que viesse a provar tudo o por si alegado.

Em suma, carece de fundamento o invocado erro de julgamento de factos alegados.


***

*


Analisada e julgada improcedente a argumentação do recorrente relativa às nulidades processuais e nulidades da decisão proferida, cumpre apreciar se ocorre erro na subsunção jurídica efetuada pelo tribunal a quo em função da factualidade alegada pelo autor.

Factualidade que de forma conjugada com o pedido formulado, conforma o objeto do processo.

Perante o objeto do processo, sendo ainda apreciada a questão da competência internacional dos tribunais portugueses para a apreciação das questões submetidas à apreciação do tribunal – questão suscitada pelo recorrido R..

Questão que configura exceção dilatória de conhecimento oficioso [vide artigos 59º e 60º, 62º, 63º, 96º al. a), 97º, 99º e 577º al. a), 578º, 595º ex vi 549º, todos do CPC].

Para tanto relembra-se aqui a pretensão formulada pelo autor e respetiva causa de pedir.

Alegou o autor ser o «legítimo proprietário de uma participação correspondente a 27% (vinte e sete por cento) do capital social da sociedade comercial de direito Angolano denominada “A..., S.A.” inscrita na Conservatória dos Registos da Comarca de ..., com sede na Rua ..., Bairro ..., na Cidade ..., com o capital social de Kz 10.000.000,00 (dez milhões de Kwanzas)»

Proprietário material da participação referida, já que «a titularidade formal das ações é detida pelo Réu» (vide 27º da p.i.).

Realidade que alegou estar comprovada pelo constante no documento por si oferecido aos autos e denominado de “Declaração e Reconhecimento de Propriedade da Sociedade A..., S.A.”, subscrito pelo Réu, aos 8 de maio de 2012, na cidade do Porto. R. que reside na mesma cidade do Porto.

Assim concluindo o autor, por este motivo, pela competência internacional e territorial do tribunal a quo para a presente ação.

E com base no constante em tal documento, mais alegou o A. que o R. nele declarou obrigar-se a administrar a participação detida pelo autor sob o regime de mandato que qualificou de “mandato com representação” (vide artigo 34º da p.i.).

Sendo que no documento em causa consta:

- para além da imputada ao R. declaração de que a “titularidade sob a forma de participação que detém como cidadão angolano em seu nome particular de 60% (...) no capital social da empresa A..., S.A. (...) pertence sem quaisquer reservas e na sua totalidade nas seguintes proporções a (...):

25% da participação (...) são legítima e efetiva propriedade de BB (...);

(...)

5% da participação (...) são legítima e efetiva propriedade de BB, AA e CC, estando a sua distribuição ao critério dos três.”

 (...);

- também a declaração de que “Neste âmbito também a posição para a qual foi nomeado nos Órgãos Sociais da Empresa, conforme definido na Ata Número 1 da sociedade de 25 de agosto de 2007, é exercida exclusivamente em representação dos legítimos proprietários acima indicados, cessando de imediato, por livre renúncia do próprio, logo que estes o entendam”.

Com base na declaração que em parte acima deixámos transcrita, alegou ainda o autor que o R. vem a exercer desde maio de 2012 a administração de facto da participação social de 27% do capital social da A..., S.A., de que é o legítimo proprietário.

Por tal estando o R., que vem exercendo as funções de administrador da A..., S.A., obrigado a prestar contas da sua administração sobre a participação detida pelo autor, ao mesmo.

Ainda alega o autor que este mesmo R. enquanto administrador da A..., S.A. tem a obrigação de apresentar contas da sociedade A..., S.A. ao A., por relevarem estas para a administração do R. das ações tituladas pelo autor (vide 49º da p.i.).

Sendo a ação de prestação de contas o meio processual adequado para o apuramento e aprovação das receitas e despesas realizadas pelo R. e eventual condenação no saldo que venha a apurar-se.

Cumulativamente peticionou o A. a condenação do R. à entrega dos títulos representativos das ações, devidamente endossadas e registadas no livro de ações da sociedade, a favor do Autor, por serem de sua pertença e como tal estar legitimado a exigir judicialmente o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente entrega, pelo Réu, dos títulos representativos das ações nominativas tituladas pelo Autor, devidamente endossadas e com o registo corretamente averbado a favor deste, no Livro de Registo de Ações da sociedade A..., S.A..

Obrigação de entrega do R. que deriva da execução do seu mandato.

Do alegado e que acima em parte reproduzimos, com relevo para a questão da competência em razão da nacionalidade, importa realçar que o autor demanda o R. na cumulativa qualidade de mandatário constituído ao abrigo da declaração que juntou e convocou, bem como na qualidade de administrador da A..., S.A..

Enquanto mandatário alegadamente constituído nos termos que resultam da declaração junta aos autos datada de 2012, o R. em nome pessoal reconheceu a propriedade da participação que o autor invoca ser sua e mais declarou exercer a posição para a qual foi nomeado na A..., S.A., exclusivamente em representação dos legítimos proprietários das participações e assim também em representação do autor.

Realça-se desta declaração o reconhecimento de que o R. foi nomeado para os órgãos sociais da A..., S.A. – alegando o autor nomeadamente que o mesmo foi nomeado administrador da A..., S.A..

A ser assim, afigura-se-nos que a declaração de representação que acima deixámos reproduzida, associada à detenção formal das participações por parte do mandante, deve ser interpretada no sentido de que o mandato que alegadamente foi conferido ao R., foi um mandato sem representação.

Por contraponto ao mandato com representação – no qual o mandatário atua em nome do mandante (vide artigo 1178º do CC); verifica-se o mandato sem representação quando o mandatário atua em nome próprio, adquirindo os direitos e assumindo as obrigações decorrentes dos atos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos atos ou sejam destinatários destes (artigo 1180º do CC).

Sendo obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato – artigo 1181º do CC.

Na definição de Pessoa Jorge in “Mandato Sem Representação”, este é o contrato «pelo qual uma pessoa  (mandante) confia a outra (mandatário) a realização, em nome desta mas no interesse e por conta daquela, de um ato jurídico relativo a interesses pertencentes à primeira, assumindo a segunda a obrigação de praticar esse ato; ou, dada a noção de interposição de pessoas, como o contrato pelo qual alguém se obriga para com outrem a intervir, como interposta pessoa, na realização de um ato jurídico que ao segundo respeita»[8].[9]

Atendendo a que o aqui R. de acordo com o alegado era o detentor formal da participação social e o administrador nomeado da sociedade A..., S.A., atuando, contudo, de acordo com os interesses do autor, é de entender que a afirmada “representação” do autor (e dos demais), não foi redigida no rigoroso sentido jurídico de conferir ao mandatário poderes de “representação”. Antes impondo o contexto da declaração a sua interpretação no já mencionado sentido do mandato sem representação – ou seja atuação do R. em seu nome, com a obrigação de transferir para o mandante os direitos adquiridos pela execução do mandato.

Seja como for – tanto com poderes de representação ou sem tais poderes, como entendemos ser o caso de acordo com alegado e sustentado em documento analisado – por via do mandato conferido, se e quando demonstrada a veracidade do alegado – estará o R. obrigado a prestar contas do exercício do seu mandato perante o autor (vide artigo 1161º do CC).

Sustentando o autor a obrigação de prestação de contas exigidas ao R. num mandato que alega foi conferido ao mesmo ao abrigo do documento assinado no Porto em 2012, tendo ainda o R. domicílio no Porto, encontra-se justificada a demanda do R. em Território Português para prestar contas pelo exercício do mandato que lhe foi conferido e ao abrigo do qual geriu, alegadamente, património do Autor – as participações que alega serem de sua pertença.

Sendo quanto a este pedido, que assim deverá prosseguir para apreciação do mesmo, de acordo com a tramitação processual que ao caso couber, improcedente a arguida incompetência internacional do tribunal.

Adicionalmente, alegou o autor estar o R. igualmente obrigado a prestar contas da sociedade A..., S.A. ao A., para tanto invocando a qualidade de administrador da dita sociedade A..., S.A..

Justificando-o com o relevo que estas terão para o apuramento da administração do R. das ... tituladas pelo autor.

Em causa estão realidades diferentes.

O autor, enquanto alega ser o proprietário das ações ou participação social na A..., S.A. que identifica nos autos e de que o R. por via de mandato conferido é apenas o formal detentor, com obrigação de lhe prestar contas justifica a sua pretensão ao abrigo de um contrato entre si e R., em nome pessoal (deste R.) celebrado.

Já quando pretende que lhe sejam prestadas contas da sociedade A..., S.A. pelo R., necessariamente e agora na qualidade de administrador de tal sociedade, pois de outro modo não teria legitimidade para prestar tais contas, em causa está a própria sociedade e a sua vida social.

O mesmo ocorrendo, desde já se adianta com o pedido formulado de condenação do R. à entrega dos títulos representativos das ações, devidamente endossadas e registadas no livro de ações da sociedade, a favor do Autor.

Em causa estão atos a praticar necessariamente com a intervenção da sociedade e na sua sede [registo no livro de ações da sociedade do endosso das ações a entregar ao autor].

Por tal motivo estes pedidos justificam uma diferente análise da pretensão formulada, por referência à competência internacional do tribunal.

A competência dos tribunais judiciais na ordem interna, no âmbito da jurisdição civil, é regulada conjuntamente pelo estabelecido nas leis de organização judiciária e pelas disposições do CPC, repartindo-se pelos diferentes tribunais segundo a matéria, o valor da causa, a hierarquia judiciária e o território (vide artigo 60º do CPC).

Por sua vez e na medida em que o objeto do litígio apresente conexão com mais do que uma ordem jurídica, preceituam os artigos 59º a 63º do CPC as regras processuais que permitirão estabelecer qual a jurisdição nacional competente para apreciar o litígio submetido aos tribunais.

Destinam-se portanto estas regras a definir, não a própria competência do tribunal, mas antes qual a jurisdição nacional que definirá pela aplicação das suas regras de competência o tribunal competente para essa apreciação.[10]

Definição que para o efeito - e com salvaguarda do estabelecido em regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais, quando aplicáveis - levará em consideração os critérios de atribuição de competência definidos no seu próprio direito interno, aferidos de acordo com a lei do Estado em que a ação está pendente, ou seja, a lex fori.

Assim e para se determinar, por exemplo, se o réu tem domicílio no Estado do foro, recorrer-se-á ao direito interno do Estado no qual a ação está pendente[11].

Fazendo uso dos critérios de atribuição de competência definidos no nosso direito interno, importa convocar o disposto nos artigos 62º do CPC e 81º do CPC o qual regula a competência territorial para as pessoas coletivas e sociedades, reportada à sede da administração principal, sucursal, agência ou filial, delegação ou representação conforme contra quem a ação for dirigida.

A sociedade A..., S.A. tem sede em Angola.

Como já referido, o pedido formulado de prestação de contas pelo R., necessariamente enquanto administrador de tal sociedade colide com a vida societária da mesma.

Também a pretensão de entrega das ações após endosso e registo destas no livro de ações da sociedade, implica a prática de atos a praticar com a intervenção da sociedade em causa.

A que acresce, não resultar diretamente do alegado mandato conferido ao R. a título pessoal, tal obrigação.

Nos termos do artigo 62º do CPC, os “tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;

c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.”

A nosso ver nenhum dos critérios definidos neste artigo se preenchem.

Sendo a sede da sociedade em Angola, fica afastada a aplicação da regra da coincidência – al. a); a gestão da sociedade cuja prestação de contas é solicitada, é executada em território angolano e só esta sociedade ou o seu administrador nessa qualidade as pode prestar ou ser demandado para tal, por quem para tal demonstre ter legitimidade. Não resulta do mandato invocado pelo autor a obrigação de serem prestadas contas a este autor pela sociedade. Nem do mesmo resulta a obrigação de ser efetuado o registo e averbamento peticionados que são pressuposto da peticionada entrega das ações.

Recorda-se que foi em nome pessoal que o R. assumiu a obrigação de gerir o património do A. – a sua participação social na dita sociedade. Pelo que se entende afastada a aplicação do critério da causalidade a que alude a al. b) deste mesmo artigo 62º quanto a estas duas pretensões em análise.

Finalmente nada foi alegado para os fins do terceiro critério, o da necessidade a que corresponde a al. c) deste artigo e que tem aplicação apenas em situações excecionais e a título subsidiário.

Nada tendo sido alegado para o seu preenchimento, tem-se o mesmo igualmente por não verificado.

Consequentemente é de concluir pela incompetência internacional dos tribunais portugueses para o conhecimento destas duas pretensões formuladas pelo autor, com a consequente absolvição da instância do R. quanto às mesmas.

Procede nestes termos parcialmente o recurso apresentado pelo Autor e a ampliação do pedido de recurso deduzida pelo R..

Uma última análise se impõe efetuar nos autos, considerando o valor fixado à ação.

Nos termos do artigo 6º nº 7 do RCP[12], foi concedida ao juiz a possibilidade de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça a ser considerado a final para as causas de valor superior a € 275.00,00, em função da especificidade da situação, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes.

Servindo esta possibilidade como instrumento de adequação do valor efetivamente cobrado aos serviços prestados, analisado caso a caso.

Na verdade e não impondo a Constituição da República Portuguesa (CRP) que “o serviço de administração da justiça seja gratuito, apenas proibindo que o acesso aos tribunais seja contrariado pela insuficiência de meios económicos (Acórdão n.º 495/96, in www.tribunalconstitucional.pt)”, visa o sistema das custas judiciais distribuir de forma razoável os encargos resultantes do funcionamento da justiça, em consonância com o que estipula o artigo 527º do C.P.C.. Respondendo em matéria de custas, aquele que a elas dá causa e na respetiva proporção[13].

Por tal e como expresso no preâmbulo do DL 34/2008 que aprovou o RCP a “taxa de justiça é, agora com mais clareza, o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço”, adequando-se a mesma “ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respetivos utilizadores.”

É esta proporção entre o serviço prestado e os custos que o valor da ação em abstrato implicam em termos de taxa de justiça a cobrar que se entende ser de reduzir.

Tal como resulta do artigo 529º do CPC, «As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de partes».

Correspondendo a taxa de justiça (vide nº 2 deste mesmo artigo) “ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (…) fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais».

No que à complexidade da causa concerne, forneceu o legislador critérios orientadores para a aferição deste conceito por referência ao que preceitua o nº 7 do artigo 530º do CPC:

“7- Para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que:

a) Contenham articulados ou alegações prolixas;

b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou

c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas».

         Será por referência a estes critérios orientadores que será aferida a complexidade da causa, espelho do serviço prestado e avaliada a adequação em termos proporcionais, entre este e a taxa de justiça devida em função do valor da causa.

Da definição destes critérios e no confronto com as vicissitudes processuais que acima deixámos elencadas e nomeadamente e no que ora repeita, às que concernem aos termos do recurso, entende-se não ter o mesmo revestido especial complexidade, nem ser o comportamento das partes merecedor de censura. Não derivando da parcial (im)procedência das pretensões formuladas qualquer juízo de desavalor às mesmas imputável.

Ponderados estes elementos e tendo presente os custos que o valor da ação em abstrato implicam em termos de taxa de justiça, afigura-se-nos demonstrado que o valor da taxa de justiça remanescente a pagar pelo recurso interposto é, desadequada ao serviço prestado, justificando a dispensa da taxa de justiça remanescente no que ao recurso ora apreciado respeita.

O que desde já se declara.


*
***


IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo autor e parcialmente procedente a ampliação do recurso deduzida pelo autor, consequentemente e revogando parcialmente a decisão recorrida, decidindo:

- Ordenar a prossecução dos autos de acordo com a tramitação processual aplicável, para apreciação da pretensão formulada pelo autor relativa ao pedido formulado contra o R. para prestar contas pelo exercício do mandato que lhe foi conferido e ao abrigo do qual geriu, alegadamente, património do Autor – as participações que alega serem de sua pertença.

- Quanto ao demais pedido pelo autor, absolver o R. da instância por verificada a incompetência internacional dos tribunais portugueses para apreciação de tais pretensões.

Custas do recurso por recorrente e recorrido, na proporção do vencimento e decaimento, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida no que ao recurso concerne.

Porto, 2024-04-08.
Fátima Andrade
Miguel Baldaia de Morais
Carlos Gil

_________________
[1] Doc. 1 que corresponde a cópia de envio de mail datado de 28/02/2023 dirigido ao CROA de Lx, relativo a pedido de Levantamento do Sigilo Profissional mencionado nesta parte do articulado que transcrevemos.
[2] Vide requerimentos de 25/01/2024 e 31/01/2024.
[3] Preceitua o artigo 615º nº 1 do CPC
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.”
[4] Cfr. Ac. STJ de 23/03/2017, Relator Manuel Tomé Gomes, in www.dgsi.pt
[5] Vide Ac. STJ de 30/05/2013, Relator Álvaro Rodrigues, in www.dgsi.pt sobre a distinção entre nulidade da sentença (no caso por oposição entre os fundamentos e decisão) versus erro de julgamento.
[6] Vide neste sentido Ac. TRP de 11/01/2018, Relator Filipe Caroço; Ac. TRL de 03/12/2015, Relator Olindo Geraldes; Ac. TRG de 21/05/2015, Relatora Ana Duarte in http://www.dgsi.pt.
[7] Neste sentido Francisco Almeida in ob. cit., p. 371; Ac. STJ de 30-09-2010, Relator Álvaro Rodrigues, Ac. STJ de 06/12/2012, Relator João Bernardo e mais recentemente Ac. STJ de 23/03/2017, Relator Tomé Gomes (ambos in www.dgsi.pt/jstj), este último convocando o ensinamento de José Alberto dos Reis in CPC anotado, vol. V, 1981, p. 144-146 sobre a distinção entre erro de julgamento e nulidade de sentença nos seguintes termos (ainda por referência ao anterior 664º do CPC, hoje artigo 5º do CPC e no caso considerando o excesso de pronúncia, mas aplicável por identidade de razões à omissão): “(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.»
[8] Citação extraída do Ac. TRL de 17/12/2014, nº de processo 448/07.0TBRMR.L1-2 in www.dgsi.pt
[9] Ainda no mesmo sentido e fazendo a distinção entre mandato com representação e sem representação, vide Ac. TRC de 28/06/2022, nº de processo 84/20.5T8CBR.C1 84/20.5T8CBR.C1, in www.dgsi.pt onde é feita a seguinte distinção:
“O mandato implica, para o mandatário, uma prestação de facere: a prática de um ou mais atos jurídicos - por conta da outra (art.º 1157.º do Código Civil).
É elemento essencial do contrato de mandato que o mandatário esteja obrigado, por força do contrato, a praticar um ou mais atos jurídicos (art.º 1157.º do Código Civil). A natureza do seu objeto - prática de atos jurídicos é, de resto, o que o mandato tem de específico em relação aos demais contratos de prestação de serviço(...). Esse ato jurídico é um ato alheio, o que faz com que o mandato surja nitidamente como um contrato de cooperação jurídica entre sujeitos e, além disso, um contrato gestório (art.º 1161.º, b), do Código Civil)(...).
É igualmente elemento essencial do mandato que o mandatário atue por conta do mandante. Um negócio jurídico é praticado por conta de outrem, sempre que os seus efeitos ou parte deles se devam projetar ou repercutir na esfera jurídica de pessoa que nele não interveio. Por conta de outra, significa que os atos a praticar pelo mandatário se destinam á esfera do mandante.
(...)
Estruturante, neste domínio, é, por outro lado, a distinção entre mandato sem representação e mandato com representação.
Pelo mandato simples, os efeitos do ato jurídico praticado pelo mandatário repercutem-se na sua própria esfera jurídica (art.º 1180.º do Código Civil); quando o mandato seja representativo, repercutem-se na esfera jurídica do mandante nos mesmos termos em que os atos praticados pelo representante se repercutem diretamente na esfera do representado. A representação não faz, portanto, parte da essência do mandato: é algo que se lhe pode acrescentar, mas que não lhe é estrutural; com poderes de representação, o mandatário atua contemplatio domini, em nome do mandante.
(...)
Note-se que a obrigação de prestação de contas que vincula o mandatário se verifica, quer o mandato seja representativo quer não.”
[10] Vide Miguel T. de Sousa in “Estudos sobre  Novo Processo Civil”, ed. 97 p. 93.
[11] Miguel T. de Sousa in ob. cit. dá nota de esta ser a orientação dominante, versus a qualificação da lex causae. Orientação que defende a qualificação dos elementos de conexão de acordo com a lei que as normas de conflitos do foro determinam (p. 92/93).
Realça ainda este autor que a esta regra se costuma excecionar – tal como o legislador o consagrou no artigo 59º do CPC - a qualificação dos elementos de conexão utilizados nas convenções internacionais (quando aplicáveis), em relação aos quais e a fim de assegurar uma aplicação das regras uniforme das regras convencionais se defende uma qualificação autónoma desses elementos, independente de qualquer relação com os direitos internos dos Estados; vide ainda e sobre a questão da competência internacional Ac. TRE de 15/12/2016, nº processo 1330/16.5T8FAR.E1; Ac. TRL de 20/09/2011, nº processo 546/09.5TMLSB.L1.1; Ac. TRP de 11/07/18, nº processo 1933/18.3T8VNG.P1, todos in www.dgsi.pt
[12] Na redação dada pela Lei 7/2012 de 13/02.
[13] Vide Ac. T. Constitucional nº 421/2013 de 15/07/2013, Relator Carlos Cadilha in www.tribunalconstitucional.pt (citado pelo Ac. do STJ acima referido), onde e apreciando a constitucionalidade do RCP, artigos 6º e 11º na redação anterior à Lei 2012 que introduziu o instrumento de adequação em análise se afirmou «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efetivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adoção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efetivo exercício de um tal direito»