Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7261/24.8T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA PINTO DA SILVA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
ÓNUS DA PROVA
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO
PRESCRIÇÃO DE HIPOTECA
Nº do Documento: RP202510137261/24.8T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 10/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os embargos, embora sejam uma ação declarativa, estruturalmente autónoma, encontram-se, por isso, instrumental e funcionalmente ligados à ação executiva, visando o exercício do direito de defesa da executada face à pretensão da Exequente. Sendo assim, recai sobre o executado/opoente o ónus de alegação e prova da inexistência da obrigação exequenda ou dos factos que constituiriam matéria de exceção (factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito).
II - Ainda que expostos na petição de embargos, à qual se aplica com as “necessárias adaptações” (art.551 nº1 CPC) os requisitos da petição inicial da ação declarativa (art.552 CPC), os fundamentos da oposição são todos os que possam ser invocados na defesa, não funcionando para essa defesa o regime da incompatibilidade de causas de pedir, além do mais, porque o embargante opõe factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda (oposição de mérito), funcionando o princípio da concentração.
III - Os requisitos previstos no artigo 730º, alínea b), do Código Civil para a extinção, por prescrição, da hipoteca, são cumulativos, quais sejam: o decurso de vinte anos sobre o registo da aquisição pelo terceiro e o decurso de cinco anos sobre o vencimento da obrigação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 7261/24.8T8PRT-A.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo de Execução do Porto – Juiz 2

Relatora: Des.ª Teresa Pinto da Silva

1º Adjunto: Des. Mendes Coelho

2ª Adjunta: Desª Carla Fraga Torres

Acordam os Juízes subscritores deste acórdão, da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

1. Em 1 de abril de 2024, A... S.A.. intentou execução para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra B... S.A. e Município ..., para pagamento da quantia de €345 279,93 (Trezentos e Quarenta e Cinco Mil, Duzentos e Setenta e Nove Euros e Noventa e Três Cêntimos), tendo por base contrato de mútuo garantido por hipoteca sobre prédios, registada em 21 de agosto de 1995.

Alegou, para tanto, que por contrato de cessão de créditos, assinado em 29 de Junho de 2023, o Banco 1..., S.A cedeu à Exequente os créditos identificados como ..., ..., que detinha sobre a Executada B... S.A. e todas as garantias acessórias a eles inerentes.

O Banco 1..., S.A., anteriormente denominado «Banco 2..., S. A.» e que usou a denominação «Banco 2..., S.A.», resultou da fusão por incorporação do Banco 3..., S.A. e do Banco 4..., S.A. (que anteriormente se denominava «Banco 5..., S.A.»).

Por Deliberação do Banco de Portugal, tomada em 20/12/2015, foi aplicada ao Banco 6..., S.A. uma medida de resolução nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 145.º-E do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12, na redação introduzida pela Lei n.º 23-A/2015, de 26/03, mediante a qual foi determinada a alienação ao Banco 1..., S.A. dos direitos e obrigações que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 6..., S.A., constantes do Anexo 3 da referida Deliberação, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 145.º- M do RGICSF, tendo a generalidade da atividade e do património do Banco 6..., S.A. sido transferida, de forma imediata e definitiva, para o Banco 1..., S.A..

O Banco 1..., S.A., incorporou ainda por fusão o Banco 7..., S.A., mediante transferência global do património desta última, incluindo todos os bens móveis e imóveis, direitos, obrigações e posições contratuais que o integram.

No exercício da sua atividade creditícia o Banco 2... S.A., celebrou com a Sociedade B... S.A., aqui Executada, um contrato de mútuo com hipoteca com o nº de contrato ..., posteriormente sido renumerado para ...-..., na sequência das alterações denominativas e de fusão acima referidas, tendo sido mutuado o capital de 251.354.392,00$ escudos, sendo atualmente o contravalor em euros de €1.253.750,42.

O referido contrato foi garantido por hipoteca sobre o Prédio Misto, sito no lugar ..., Freguesia ..., Concelho da Maia, o qual está inscrito nas matrizes prediais sob os artigos ..., ... (urbanos) e ... (rústico) e descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ..., garantindo essa hipoteca o montante máximo de 397.139.940,00 Escudos, cujo contra valor em euros é de € 1.980.925,67.

Sucede que, conforme AP. ... de 1997/05/08, a Executada B... S.A., entregou em doação dois dos prédios onerados com a hipoteca (os artigos 334 e 336) ao Município ..., sem prévia autorização escrita ou sequer verbal, por parte da Exequente, ou sequer com o seu consentimento, em clara violação com a cláusula nona do contrato de mútuo com hipoteca, pelo que considera que o Município ... é responsável perante a Exequente até ao limite da hipoteca., em virtude da aquisição do imóvel identificado e da posição de titular inscrito dos bens que respondem pela divida da sociedade Executada B... S.A.

A partir de 11 de maio de 2017, a Executada B... S.A. deixou de cumprir as suas obrigações para com o Banco originador, tendo o mesmo comunicado o seu incumprimento.

A atual Credora e Exequente igualmente interpelou a Executada a instar o cumprimento das suas obrigações creditícias, mas sem sucesso.

O capital em divida à data do incumprimento era de €154.056,15, e desde essa data até à presente data venceram-se juros moratórios calculados à taxa contratual até à data da propositura da execução (01.04.2024), no valor de € 191223,78, pelo que o valor em dívida ascende à quantia global de €345.279,93, ao qual acrescem juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento.

2. As Executadas foram citadas nos termos do disposto no artigo 726º, do Código de Processo Civil, tendo o Município ... deduzido oposição, mediante embargos de executado, em 14 de maio de 2024, invocando extinção da hipoteca por prescrição, nos termos do artigo 730.º, alínea b), do Código Civil.

Subsidiariamente, alegou ainda o distrate da hipoteca, questões relativas à garantia bancária, falta de interpelação e inexigibilidade de juros moratórios quanto a si.

A Embargada contestou, arguindo a ineptidão da petição dos embargos e pugnando pela improcedência dos mesmos.

3. Em 1 de outubro de 2024, realizou-se a audiência prévia, no decurso da qual o Tribunal a quo tentou a conciliação entre as partes, que não foi possível alcançar, após o que proferiu despacho no qual concluiu que estavam reunidas as condições para conhecer do mérito em sede de despacho saneador, tendo, a requerimento das partes, sido concedido às mesmas o prazo de 20 dias para alegarem por escrito, o que aquelas vieram a fazer por requerimentos de 21 de outubro de 2024.

4. Em 4 de dezembro de 2024, o Tribunal a quo proferiu despacho saneador-sentença do qual consta o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo os embargos procedentes e, em consequência:

- determino a extinção da execução quanto ao Município ....

- determino o cancelamento das penhoras efectuadas sobre bens propriedade do embargante.

Custas pelo embargado.»


*

Inconformado com esta decisão, veio o Embargada/Apelante A..., S.A., em 20 de janeiro de 2025, dela interpor o presente recurso, para o que apresentou alegações que terminou com as seguintes conclusões:

A) A douta sentença recorrida, com o devido respeito, que é muito, descurou o sentido profundo da coerência, apreensibilidade, operacionalidade e justeza dos meios e das soluções de que a atividade interpretativa deve servir-se para encontrar a justa e correta resolução do caso concreto.

B) E atento o manadeiro fáctico e probatório carreado aos autos, impunha-se uma decisão diversa, no sentido da improcedência dos Embargos de Executado deduzidos pela Embargada, nos termos peticionados na ação judicial intentada contra os mesmos.

C) Face ao sobredito na motivação do presente recurso e atendendo à matéria dada como provada:

* Relação contratual e mútuo com garantia bancária;

* Registos e ónus registados nos imóveis;

* As diligências tomadas pelo Banco Originador e ora Recorrente;

D) Atendendo ao exposto e com a devida vénia, urgia uma tomada de decisão diversa da decidida pelo Tribunal “a quo”, o que se pugna desde já a V/Exas. Exmos. Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, revertendo a decisão tomada por outra que verifique a não cumulação alegada e prevista nos termos da alínea b) do artigo 730º do C.C.

E) À contrário do decidido pelo D. Tribunal da primeira instância, em suma decide que a exceção de ineptidão dos embargos de executados deduzidos pela Recorrida, não se verificam porque a ora Recorrente “respondeu” a tudo o alegado na referida peça processual, concluindo:

“Concluímos, pois, que o embargado ao contestar cada uma das excepções arguidas pelo embargante, não só compreendeu o seu sentido e alcance, como em relação aos pedidos (omissão), não se verifica a nulidade apontada.”

F) In casu, é latente que a “omissão” concluída pelo Tribunal da primeira instância, não é de somenos, até porque os “alegados” e “presuntivos” pedidos contrariam-se não só entre si como também a causa de pedir.

G) A título de exemplo, o alegado distrate junto pela Embargante/Recorrida e impugnado pela ora Recorrente na sua contestação como alegação/facto de que adquiriu o imóvel livre de ónus e encargos e por conseguinte a alegada hipoteca inexiste vai em contradição com o pedido de ser reduzida a quantia exequenda a capital e três anos de juros nos termos do nº 2 do artigo 693º do C.C.

H) Conforme demonstrado nas motivações e nos presentes autos, não nos parece com o respeito que nos é devido, que tal reversão de ónus ou “adivinhar” e tentar salvaguardar da sua posição, entenda-se a aqui Recorrente, sob pena de ver o seu direito ao contraditório precludido e pior confessado por omissão seja o espirito e a letra da Lei no qual possa ser entendido como sanada tal nulidade processual.

Concluindo,

Salvo o devido respeito e mormente por melhor opinião, ao julgar improcedente a presente ação, com a consequente extinção dos presentes autos e cancelamento da penhora que incide sob os referidos e melhor identificados imóveis, fez o(a) Meritíssimo(a) Juíz(a) “a quo” incorreta interpretação dos factos e da lei, tendo sido violados os artigos nº 1, nº 2 alíneas a), b) e c) do art. 193º do C.P.C. e alínea b) do artigo 730º do C.C do Código Civil, pelo que a douta sentença recorrida não poderá manter-se na ordem jurídica.

Deverá assim ser revogada a douta sentença proferida e a ação proceder nos termos constantes dos pedidos formulados na petição inicial.

É o que se pede e espera desse Alto Tribunal, assim se fazendo JUSTIÇA!

Termos em que R. a V. Exas. seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que consequentemente julgue improcedente os Embargos de Executados por Ineptos, caso assim não se entenda, a presente ação devera prosseguir nos termos constantes dos pedidos formulados na petição inicial, com todas as legais consequências, porquanto não existe prescrição nos termos do artigo 730º do Código Civil por ausência cumulativa exigida nos termos da Lei conforme decorre da matéria dada como provada pelo Tribunal “a quo”.»


*

Na resposta às alegações, a Embargante sustentou a improcedência do recurso interposto e a manutenção integral da decisão recorrida, apresentando as seguintes conclusões:

A. O Município ... deduziu a sua defesa, em sede própria e de forma clara e inequívoca, quer no que se refere à matéria de exceção, quer quanto à matéria da impugnação e pedido.

B. Tendo sido claramente invocado como pedido principal e primário, na petição de embargos, a exceção “prescrição da hipoteca nos termos do previsto na alínea b), do artigo 730.º do Código Civil”.

C. Portanto, o Município ..., aqui Recorrido, deu efetivo cumprimento ao ónus de alegação factual que sobre si recai, deduzindo um fundamento de embargos de executado que se enquadra no âmbito de previsão do artigo 731º do Código de Processo Civil.

D. Supervenientemente e como pedidos subsidiários foram aduzidos outros argumentos pelo Embargante, agora Recorrido, como a questão do distrate, da garantia bancária, da falta de interpelação e da inexigibilidade dos juros moratórios.

E. Cuja decisão se revelou ser absolutamente despicienda e mesmo inútil, porquanto estava já decidida a procedência dos embargos e, em consequência a extinção da execução quanto ao Município ... e o cancelamento das penhoras efetuadas sobre bens propriedade do embargante.

F. Tendo anuído ao pedido principal, mediante a procedência dos embargos, não faria sentido o Tribunal se pronunciar quanto aos restantes pedidos, estes subsidiários e realizados, sem prescindir, “por mera cautela e dever de patrocínio”.


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Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata e com efeito devolutivo.

*

Recebido o processo nesta Relação, emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões vertidas pela Recorrente nas suas alegações (artigos 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do artigo 663.º, n.º 2, in fine, ambos do Código de Processo Civil).

Não pode igualmente o Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais prévias, destinando-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não à prolação de decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo Tribunal recorrido.

Mercê do exposto, da análise das conclusões apresentadas pela Recorrente nas suas alegações decorre que no presente recurso deverão ser apreciadas, por ordem lógica, as seguintes questões:

1ª Da exceção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição dos embargos de executado;

Da impugnação da decisão quanto à matéria de facto;

Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao decidir que a hipoteca em causa se extinguiu por prescrição em relação ao terceiro adquirente (Município ...), nos termos do artigo 730.º, alínea b), do Código Civil.

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II – FUNDAMENTAÇÃO
Fundamentação de facto
No saneador-sentença recorrido consideraram-se, com interesse para a decisão, os seguintes:
Factos provados
1.Banco 1..., S.A., anteriormente denominado «Banco 2..., S.A.» e usou a denominação «Banco 2..., S.A.», conforme registo identificado sob o Av. ..., ... constante da certidão comercial permanente com o código de acesso ..., resultou da fusão por incorporação do Banco 3..., S.A. e do Banco 4..., S.A. (que anteriormente se denominava «Banco 5..., S.A.»), conforme registo de fusão identificado sob a AP. ..., constante da certidão comercial permanente com o código de acesso ....
2. Por outro lado, por Deliberação do Banco de Portugal, tomada em 20/12/2015, foi aplicada ao Banco 6..., S.A. uma medida de resolução nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 145.º-E do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31/12, na redação introduzida pela Lei n.º 23-A/2015, de 26/03, mediante a qual foi determinada a alienação ao Banco 1..., S.A. dos direitos e obrigações que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco 6..., S.A., constantes do Anexo 3 da referida Deliberação, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 145.º- M do RGICSF, tendo a generalidade da atividade e do património do Banco 6..., S.A. sido transferido, de forma imediata e definitiva, para o Banco 1..., S.A..
3. Acresce que, o Banco 1..., S.A., incorporou ainda por fusão o Banco 7..., S.A., mediante transferência global do património desta última, incluindo todos os bens móveis e imóveis, direitos, obrigações e posições contratuais que o integram, conforme registo de fusão identificado com a AP. ... constante da certidão comercial permanente com o código de acesso ....
4. Por Contrato de Cessão de Créditos, assinado em 29 de Junho de 2023, o Banco 1..., S.A cedeu o(s) crédito(s) identificados como: ...-..., que detinha sobre o(s) requerido(s) e todas as garantias acessórias a ele(s) inerentes, à A..., S.A., conforme documento n.º 1 que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
5. São parte integrante do mencionado documento n.º 1 os seus documento complementar um e documento complementar dois, nos quais se encontra a identificação da globalidade dos créditos cedidos e a identificação das garantias que se transmitem conjuntamente com os créditos.
6. No que concerne ao documento complementar dois, aí estão identificados com discriminação por verbas das garantias e respetivas hipotecas cedidas que se transmitem conjuntamente com os créditos.
7. A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos, garantias e acessórios inerentes ao(s) crédito(s) cedido(s), designadamente da(s) hipoteca(s) constituída(s) sobre o(s) prédio(s) em causa, tendo a ora Exequente e Cessionária promovido o pedido de transmissão do(s) respetivo(s) registo(s) conforme Documento n.º 3 a 5 anexos ao requerimento executivo.
8. No exercício da sua atividade creditícia o Banco 2... S.A., celebrou com a Sociedade B... S.A., aqui Executada, um contrato de mútuo com hipoteca com o nº de contrato ..., posteriormente sido renumerado para ...-... com as subsequentes alterações denominativas e de fusão constantes nos pontos 1 a 3, tendo sido o capital mutuado de 251.354.392,00$ escudos sendo atualmente o contravalor em euros de 1.253.750,42€. Cfr. doc. 2.
9. Foi o referido contrato garantido por hipoteca sobre o prédio misto, sito no lugar ..., Freguesia ..., Concelho da Maia, prédio este inscrito nas matrizes prediais sob os artigos ..., ... (urbanos) e ... (rústico) e está descrito na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o nº ....
10. A referida hipoteca encontra-se registada com a AP. ... de 1995/08/21 – Hipoteca Voluntária sob os três imóveis, com um montante máximo assegurado: 397.139.940,00 Escudos, cujo contra valor em euros é de € 1.980.925,67.
11. Sem prévia autorização escrita ou verbal, por parte da Exequente, ou sequer com o seu consentimento, através da AP. ... de 1997/05/08 a Executada B... S.A., entregou em doação os referidos imóveis ao Município ....
12. Decorre da Cláusula Terceira, o referido contrato prevê uma taxa de juro de 14% ano, acrescido de 4% em caso de mora de sobretaxa, a título de cláusula penal.
13. Ao sobredito é ainda responsabilidade da Executada, tudo nos termos da cláusula quarta, as despesas que a Exequente venha a ter com os presentes autos.
14. Subjacente ao contrato supra referido foi emitida a Garantia Bancária ..., tendo a mesma sido acionada pelo Município ..., tendo o Banco Originador entregue a quantia de 160.114,12€. Cfr. Doc. 6 anexo ao requerimento executivo.
15. A partir de 2017-05-11, a Executada B... S.A. deixou de cumprir as suas obrigações para com o Banco Originador tendo o mesmo comunicado o seu incumprimento.
16. A atual Credora e Exequente igualmente interpelou a Executada “B... SA”, por carta de Janeiro de 2024, para o cumprimento das suas obrigações creditícias, conforme doc. 7 mas sem sucesso.
17. O capital em divida à data do incumprimento era de 154.056,15€, desde essa data até à presente data venceram-se juros moratório calculados à taxa contratual até à data de 01.04.2024, o que contabiliza o valor de € 191223,78.
18. Do referido prédio hipotecado foram destacadas três parcelas de terreno:
a. Lote ..., correspondente ao atual prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ... e inscrito na matriz sob o artigo ...;
b. Parcela A, correspondente ao atual prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...;
c. Parcela B, correspondente ao atual prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob o n.º ...;
19. A 22 de abril de 1997, a B... S.A. cedeu ao Município ..., livres de quaisquer ónus ou encargos, para integração no património privado do município, as suprarreferidas parcelas – cfr. Documento nº 1, anexo ao requerimento inicial de embargos e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
20. Para tanto e conforme decorre do teor da escritura de cedência, “para efeitos de cancelamento de tais hipotecas, o título particular outorgado pela Banco 2..., Sociedade Anónima, também designada por Banco 2..., Sociedade Anónima, […], pelo qual renuncia, nos termos dos artigos 730.º e 731.º do Código Civil, à referida hipoteca, mas tão somente à que incide sob os artigos 334.º e 336.º, da Freguesia ...” – cfr Documento nº 1 e 2, anexos ao requerimento de embargos
21. Esta transferência de propriedade foi registada pela AP. ... de 08 de agosto de 1997, mantendo-se atualmente as parcelas descritas em 3. b) e c) propriedade do Município ....
22. A embargante foi citada para a execução em 01.04.2024.
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Fundamentação de direito

1ª Da exceção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição dos embargos de executado

Alega a Recorrente que, diferentemente do decidido pelo Tribunal a quo, os embargos padecem de ineptidão, nos termos do artigo 193.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPC, por falta de pedido específico relativamente a cada uma das matérias alegadas e por contradição entre os pedidos formulados, invocando para fundamentar tal alegação o disposto no artigo 193º, nº2, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Civil, alegação que terá ocorrido certamente por lapso, pois que desde logo o nº 2 daquele preceito não tem qualquer alínea, estando antes em causa o disposto no artigo 186º, nº2, alíneas a), b) e c), do citado diploma fundamental, artigo que, aliás, é referido na transcrição efetuada pela Recorrente no ponto 25 das suas alegações de recurso.

Dispõe o artigo 186.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que a petição inicial é inepta quando:

a) Falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;

b) O pedido esteja em contradição com a causa de pedir;

c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

A respeito desta questão, o Tribunal a quo fundamentou a sua decisão nos seguintes termos:

«Os embargos de executado são uma verdadeira ação declarativa e que visa a extinção da execução, mediante o reconhecimento da atual inexistência do direito exequendo ou da falta de um pressuposto, específico ou geral, da ação executiva.

A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo. Ou seja, é exigência legal a existência de um documento que formaliza a faculdade de realização coativa da prestação não cumprida (artº 10º, .ºs 4 e 5, do C.P.C.).

(…) Nos embargos de executado, as regras que presidem à distribuição do ónus da prova, e que se baseia em normas de direito substantivo, não se alteram, cabendo ao executado que deduz embargos a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do exequente e a este a prova dos factos constitutivos do direito exequendo, por força do preceituado no artº 342º, do C.C.

Em síntese, a sentença a proferir em sede de embargos não visa a constituição de direitos ou a sua extinção, antes a extinção da execução por via da prova de factos que impeçam, modifiquem ou extingam a obrigação exequenda.

Daí que o pedido que corresponde a todas as exceções arguidas e previstas no artº 729º, do C.P.C é o de extinção da execução.

Concluímos, pois, que o embargado ao contestar cada uma das exceções arguidas pelo embargante, não só compreendeu o seu sentido e alcance, como em relação aos pedidos (omissão), não se verifica a nulidade apontada.»

Concordamos, no essencial, com esta decisão.

Nos termos do art.10º Código de Processo Civil toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva.

Daqui resulta que o título executivo assume uma função delimitadora (por ele se determinam o fim e os limites, objetivos e subjetivos), probatória e constitutiva, estando sujeito ao princípio da tipicidade.

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 3 de março de 2020, proferido no âmbito do processo nº 289/19.18SRE-A.C1, disponível in www.dgsi.pt, na ação executiva «a causa de pedir não se confunde com o título, sendo antes a obrigação exequenda (pressuposto material) nele certificada ou documentada, pelo que a desconformidade objetiva e absoluta entre o pedido e o título situa-se ao nível da inviabilidade por inexistência de título, o que significa a ausência de direito à prestação e consequentemente a absolvição, não da instância, mas do pedido.»

No caso, a Executada Município ... veio opor-se ao pagamento coercivo exercitado pela Exequente, funcionando os embargos como uma contra-ação do devedor contra o credor para impedir a execução ou destruir os efeitos do título executivo.

Os embargos, embora sejam uma ação declarativa, estruturalmente autónoma, encontram-se, por isso, instrumental e funcionalmente ligados à ação executiva, visando o exercício do direito de defesa da executada face à pretensão da Exequente.

Sendo assim, recai sobre o executado/opoente o ónus de alegação e prova da inexistência da obrigação exequenda ou dos factos que constituiriam matéria de exceção (factos impeditivos, modificativos ou extintivos daquele direito).

Dado o disposto no art.731º Código de Processo Civil, porque a execução não se baseia em sentença condenatória, além dos fundamentos de oposição especificados no art.729 CPC, na parte em que sejam aplicáveis, pode invocar-se quaisquer outros que seria lícito deduzirem-se como defesa no processo de declaração.

A embargante alegou como fundamentos para a oposição a extinção da hipoteca por prescrição, nos termos do artigo 730.º, alínea b), do Código Civil e, subsidiariamente, o distrate da hipoteca, questões relativas à garantia bancária, falta de interpelação e inexigibilidade de juros moratórios quanto a si.

Ora, uma vez que através dos embargos de executado o que o Município ... pretende é “obstar ao prosseguimento da ação executiva mediante a eliminação por via indireta da eficácia do título executivo enquanto tal” (Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª ed., pág. 189), os fundamentos de oposição à execução (art.731 CPC) não estão subordinados a nenhuma hierarquia, nem a lei impede a sua cumulação, porque “podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração”. Ou seja, como se afirma no Acórdão da Relação de Coimbra acima citado, que aqui seguimos de perto, “ainda que expostos na petição de embargos, à qual se aplica com as “necessárias adaptações” (art.551 nº1 CPC) os requisitos da petição inicial da ação declarativa (art.552 CPC), os fundamentos da oposição são todos os que possam ser invocados na defesa (sistema não restritivo ), não funcionando para essa defesa o regime da incompatibilidade de causas de pedir, além do mais, porque o embargante opõe factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação exequenda (oposição de mérito), funcionando o princípio da concentração.

A este propósito, entende-se que “na oposição à execução o embargante tem o ónus de concentrar na sua petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado nos embargos (isto é, que podem justificar a concreta exceção deduzida). A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados nessa petição” (Ac. STJ de 19/3/2019 (proc. nº 751/16), em www.dgsi.pt).

Na verdade, no plano formal a petição dos embargos de executado tem a estrutura e conteúdo de uma petição da ação declarativa, mas no plano material a oposição consubstancia uma reação à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação. Por isso, opera o princípio da concentração da defesa, sendo legitimo cumular os fundamentos de oposição (tanto no sistema restritivo, como não restritivo) e o prazo de 20 dias para os embargos tem natureza processual, semelhante ao contestação.

Neste contexto, abrindo-se com os embargos de executado uma fase declarativa, não é, porém, uma ação declarativa pura, pois ainda que não se alterem regras da distribuição da prova, trata-se de uma ação de cariz especial, peculiar, porque quer se alegue “oposição de mérito”, quer seja “oposição de forma”, a finalidade é sempre de reação à pretensão executiva, porque funcionalmente conexa, demonstrando o executado que se trata de uma execução injusta. Como também já se afirmou, “ o embargado, ao defender-se, ou seja, ao explicar a emergência do título e as suas razões de sustentação, não está a acrescentar qualquer causa de pedir antes está, apenas, como se enunciou, a defender-se” (Ac RL de 5/7/2018 (proc. nº 09/15), em www dgsi.pt).

Nesta medida, sendo os embargos de executado um meio de defesa, embora formalmente através de petição, em fase declarativa, a verdade é que neles o executado exercita o direito subjetivo processual de contraditar a pretensão executiva, sem que possa opor um pedido autónomo diferente.».

Neste contexto, resulta manifesto no caso sub judice que a finalidade primordial dos embargos – a extinção da execução por via de facto impeditivo, modificativo ou extintivo da obrigação exequenda – foi claramente expressa pela Embargante, não ocorrendo a ineptidão da petição dos embargos de executado, improcedendo, nesta parte a pretensão recursiva.

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Da impugnação da decisão quanto à matéria de facto

No ponto 2 das suas alegações a Recorrente alega que:

“O presente recurso tem como objeto a apreciação de facto e de direito sobre as questões que se passam a elencar:

a) Impugnação da matéria de facto dada como provada e não provada.”

E nos pontos 4) a 17), sob a epígrafe “Da matéria dada por provada, I - Fundamentos de facto“ tece algumas considerações quanto aos factos provados sob os pontos 16 a 22, chegando em relação ao ponto 19, a afirmar que “ao contrário do alegado pela Recorrida esta adquiriu a titularidade do imóvel com ónus e não sem ónus como alegado, senão aquela data teria o I. Conservador extinto previamente a hipoteca que impendia sob os imóveis”.

Com tais afirmações parece ser intenção da Recorrente impugnar a decisão da matéria de facto.

No entanto, posteriormente, escalpelizadas as suas alegações e conclusões de recurso, concluímos que o que a Recorrente faz é manifestar a sua divergência em relação à decisão de mérito do Tribunal a quo, sem impugnar o respetivo pressuposto factual, isto é, o julgamento da matéria de facto.

Se era sua pretensão impugnar a matéria de facto, haverá que concluir que a Recorrente incumpriu o ónus de impugnação previsto no artigo 640º, do Código de Processo Civil.

De acordo com este preceito, para que o Tribunal ad quem tenha de se pronunciar sobre a eventual pretensão de impugnação da matéria de facto incumbe à Recorrente:

a) Indicar claramente os concretos pontos de facto constantes da decisão que considera afetados por erro de julgamento. Não cabe ao Tribunal escolher de entre a matéria de facto provada e não provada os factos que a Recorrente pretenderia impugnar, atividade que, aliás, lhe está vedada por força do princípio do dispositivo.

b) Fundamentar as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios. A Recorrente tem que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos, constantes do processo ou da gravação que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da recorrida sobre os pontos da matéria de facto impugnada.

c) Discriminar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

d) Enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. A Recorrente deve deixar expressa a decisão que, no seu entendimento, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada.
O citado artigo 640.º impõe, pois, um rigoroso ónus à Recorrente, cujo incumprimento implica a rejeição imediata do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, rejeição essa que pode ser total ou parcial, conforme o caso, e que deverá ocorrer, como evidencia António Santos Abrantes Geraldes[1], em alguma das seguintes situações:
«a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc).
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação». Quanto a esta situação importa, no entanto, ter presente que o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão nº 12/2023, de 17 de outubro de 2023[2], uniformizou a seguinte jurisprudência: «Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações».
Revertendo ao caso dos autos, apreciadas as alegações de recurso, é patente que a Recorrente não deu cumprimento às referidas exigências legais, pelo que sempre seria de rejeitar a impugnação da matéria de facto, caso fosse essa a sua intenção, por incumprimento do ónus previsto no artigo 640º, do Código de Processo Civil.
Concretizando, a Recorrente não indica quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente provados, para o que deveria ter remetido para os únicos factos obrigatoriamente a considerar para esse efeito, quais sejam, os contidos na sentença recorrida, não faz menção aos específicos meios probatórios que impunham decisão diversa, verificando-se também uma total ausência de referência à decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre os factos julgados provados em primeira instância.
Pelo exposto, sempre será de rejeitar o recurso na parte relativa à impugnação da decisão do Tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, caso tenha sido intenção da Recorrente impugnar aquela parte da decisão, pelo que também quanto a esta questão improcede o recurso.

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3ª Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao decidir que a hipoteca em causa se extinguiu por prescrição em relação ao terceiro adquirente (Município ...), nos termos do artigo 730.º, alínea b), do Código Civil
Verdadeira questão central neste recurso é a de determinar se o crédito exequendo se encontra prescrito relativamente à Embargante, tal como concluiu na decisão recorrida ou se, diversamente, haverá que reconhecer razão à Recorrente ao sustentar que ainda não decorreu o prazo de prescrição aplicável.
Dispõe o artigo 730.º, alínea b), do Código Civil, que a hipoteca se extingue “por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco anos sobre o vencimento da obrigação".
Trata-se de causa extintiva autónoma da hipoteca, que opera exclusivamente a favor do terceiro adquirente do prédio hipotecado, independentemente da extinção ou subsistência da obrigação principal.
Como ensina ANTUNES VARELA (Das Obrigações em Geral, Vol. II, 5.ª ed., Almedina, p. 563): "No que respeita à hipoteca, pela natureza dos bens em causa, entendeu-se que devia proteger-se a situação do terceiro adquirente do prédio hipotecado, quando a garantia não seja exercida para além de certo período de tempo. Esse período, para acautelar em termos razoáveis o direito do credor e para justificar a tutela excecional do adquirente do imóvel onerador, define-se por uma dupla coordenada temporal. Para que esta espécie de favor libertatis funcione em favor do terceiro adquirente, é efetivamente necessário que tenham decorrido, por um lado, vinte anos sobre o registo da aquisição e, por outro, cinco sobre o vencimento da obrigação.
Enquanto se não tiverem verificado, conjuntamente, os dois prazos, a hipoteca persiste.”
Os requisitos são assim, nos termos da lei, cumulativos, quais sejam:
- Decurso de vinte anos sobre o registo da aquisição pelo terceiro;
- Decurso de cinco anos sobre o vencimento da obrigação.
No caso concreto:
a) Quanto ao prazo de 20 anos sobre o registo da aquisição: Resulta provado (ponto 21 da matéria de facto) que a aquisição da propriedade por parte do Embargante dos dois prédios – descritos na 1ª Conservatória do Registo Predial da Maia sob os números ... e ..., destacados do prédio hipotecado – mostra-se inscrita no registo a seu favor desde 8 de agosto de 1997, através AP. ... de 08.08.1997.
Entre esta data e a data de entrada da execução em juízo (01.04.2024) decorreram 26 anos, 7 meses e 24 dias, pelo que este requisito está indubitavelmente verificado.
b) Quanto ao prazo de 5 anos sobre o vencimento da obrigação, resulta da factualidade provada sob o ponto 15) que o incumprimento da obrigação por parte da Executada ocorreu em 11 de maio de 2017, data que se deve ter como a data de vencimento de todas as obrigações em dívida à data daquele incumprimento, sendo certo que a execução deu entrada em juízo em 01.04.2024, ou seja,, 6 anos, 10 meses e 21 dias depois.
A Embargada chamou à colação a suspensão dos prazos de prescrição e caducidade a que alude a Lei n.º 1-A/2020, que ficaram suspensos a 9 de março de 2020.
É certo que por força do regime excecional do art. 7.º, n.º 3, da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03 (com a redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06.04) que decretou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e pela doença COVID-19, a contagem dos prazos de prescrição e de caducidade ficou suspensa a partir de 09.03.2020, sendo a duração máxima desses prazos prolongada pelo período de tempo em que vigorou a situação excecional.
Por sua vez, a Lei n.º 16/2020, de 29.05, ao revogar o art 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19.03, terminou, com efeitos a partir de 03.06.2020, com a suspensão generalizada dos prazos processuais, suspensão que veio a ser reintroduzida pelo n.º 1 do art. 6.º-B aditado à Lei n.º 1-A/2020 pela Lei n.º 4-B/2021, de 01.02.
Quer isto dizer que o prazo em causa esteve suspenso de 9/03/2020 a 02/06/2020, num total de 86 dias (Lei n.º 1-A/2020) e de 22/01/2021 a 06/04/2021, num total de 74 dias (Lei n.º 4-B/2021), o que significa que quando a execução entrou em juízo a 01.04.2024 o prazo de prescrição mostrava-se esgotado (desde a data do incumprimento - 11 de maio de 2017 – até á data da entrada em juízo da execução – 1 de abril de 2024, descontados os 160 dias de suspensão desse prazo, tinham decorrido 6 anos, 5 meses e 11 12 dias.
É certo que em sede de contestação a Embargada alegou que interpelou extrajudicialmente a devedora, com o que se interrompeu o prazo em curso.
No entanto, nos termos do artº 323º, do Código Civil, para que a prescrição se tenha por interrompida, é necessário que o credor manifeste judicialmente ao devedor a intenção de exigir a satisfação do seu crédito e que este, por esse meio, tenha conhecimento daquele exercício ou daquela intenção.
Como já resulta da decisão do Tribunal a quo, decorre do citado preceito (artº 323º do Código Civil) que não basta o exercício extrajudicial do direito para interromper a prescrição: é necessária a prática de atos judiciais que, direta ou indiretamente, deem a conhecer ao devedor a intenção de o credor exercer a sua pretensão, não sendo o envio de comunicações extrajudiciais meio idóneo para operar a interrupção da prescrição.
Verificam-se, assim, cumulativamente, os dois requisitos da alínea b) do artigo 730.º do Código Civil:
- Decorreram mais de 20 anos sobre o registo da aquisição;
- Decorreram mais de 5 anos sobre o vencimento da obrigação.
A hipoteca extinguiu-se, por isso, por prescrição a favor do terceiro adquirente (Município ...), nos precisos termos do artigo 730.º, alínea b), do Código Civil.
Verificada a prescrição da hipoteca a favor do terceiro adquirente, extingue-se a garantia real sobre os prédios de sua propriedade.
Nos termos do artigo 818.º do Código Civil, o terceiro adquirente do bem hipotecado pode ser demandado executivamente, mas apenas responde com o bem onerado, dentro dos limites da garantia.
Extinta a garantia por prescrição, cessa o fundamento da sua intervenção na execução.
Daí que bem decidiu o Tribunal a quo ao determinar a extinção da execução quanto ao Município ... e o cancelamento das penhoras sobre os seus bens, improcedendo na totalidade o recurso interposto.

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Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.

Como a apelação foi julgada improcedente, mercê do princípio da causalidade, as custas serão da responsabilidade da Apelante/Embargada.


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Síntese conclusiva (da exclusiva responsabilidade da Relatora – artigo 663º, nº7, do Código de Processo Civil)
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes subscritores deste acórdão da 5ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente, confirmando integralmente a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
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Porto, 13 de outubro de 2025
Os Juízes Desembargadores
Teresa Pinto da Silva
Mendes Coelho
Carla Fraga Torres
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[1] In Recursos em Processo Civil, 7ª edição, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 200-201.
[2] Publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.