Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3164/23.1T9MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: CONTRA ORDENAÇÃO
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA COIMA
Nº do Documento: RP202502123164/23.1T9MAI.P1
Data do Acordão: 02/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO DO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A reduzida gravidade da infracção a que alude o art. 51.º, n.º 1, do RGCO é aferida pela gravidade abstracta da contra-ordenação, seja por força de classificação expressa como leve, seja pela previsão de aplicação de coimas reduzidas, e não pela diminuta ilicitude da conduta do agente no caso concreto.
II - Diversamente, a possibilidade de atenuação especial da coima rege-se por critérios que consideram as condições do caso concreto.
III - No âmbito da Lei quadro das contra-ordenações ambientais, aprovada pela Lei 50/2006, de 29-08, deve ser ponderada para o efeito de atenuação especial da coima a circunstância de terem decorrido dois anos sobre a prática da contra-ordenação, mantendo o agente boa conduta.
IV - É de atenuar especialmente as coimas aplicadas num caso, como o dos autos, em que decorreram cerca de sete anos desde a prática dos factos, não havendo notícia nos autos de que a recorrente não tem mantido boa conduta, e onde também nunca se apurou que a sua conduta causou algum prejuízo ambiental ou determinou para a mesma qualquer benefício, sendo certo que quanto às contra-ordenações previstas pelo art. 81.º, n.º 2, al. g), da Lei 226-A/2007, de 31-05, estavam em causa apenas atrasos na comunicação periódica das medições de autocontrolo que foram efectivamente realizadas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3164/23.1T9MAI.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal ... – Juiz 2

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

No âmbito dos Processos de Contra-Ordenação n.ºs CO/.... e CO/...., a Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (doravante, IGAMAOT), por decisão notificada à arguida “A...” por carta registada com aviso de recepção, nos termos do disposto no art. 43.º, n.º 3, da Lei 50/2006, de 29-08, expedida a 05-05-2022, foi decidido (transcrição):

«1. Considerados os factos e fundamentos em II, III e IV, e os pressupostos enunciados em V, decide-se:

a) Condenar a Arguida na coima de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, o incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título p.p. pela alínea c) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de malo, sancionável nos termos previstos na alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto.

b) Condenar a Arguida na coima de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, o incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título p.p. pela alínea c) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de malo, sancionável nos termos previstos na alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto.

c) Condenar a Arguida na coima de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, a exploração não licenciada de um aterro, em violação do disposto no artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 183/2009, de 10 de agosto p.p. pelo artigo 12.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 183/2009, de 10 de agosto, sancionável nos termos previstos na alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto.

d) Condenar a Arguida na coima de € 12.000,00 (doze mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental grave, a construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA p.p. pela alínea e) do n.º 2 do artigo 111.º do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, sancionável nos termos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto.

e) Condenar a Arguida na coima de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, o incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título p.p. pela alínea c) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de malo, sancionável nos termos previstos na alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto.

2. Ocorrendo no caso concurso de contraordenações e operando o cúmulo jurídico, a coima a aplicar nos termos do artigo. 27.º. da Lei n.º 50/2006, de 29 de agostoa fixar, como limite mínimo, pelo valor mais elevado concretamente aplicado a uma das contraordenações; e, como limite máximo, pelo valor resultante da soma de todas as coimas parcelarmente aplicadas, nunca podendo exceder o dobro do limite máximo mais elevado aplicável às contraordenações em concurso - tem como limite máximo € 108.000.00 e o limite mínimo de € 24.000,00.

Feito o cúmulo jurídico no caso presente – acompanhando, aliás, a jurisprudência no Ac. STJ de 21/12/1012, segundo a qual, “III. … com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador do dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que o lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e o personalidade do agente.” – e tendo em consideração: i) a concreta coima aplicada para cada uma das imputações que foi pelo valor mínimo; ii) o número de infrações praticadas, 2 contraordenações ambientais graves e 1 contraordenação ambiental muito grave; e, iii) a ponderação dos princípios da prevenção geral e especial no caso em apreço, e para esta melhor concretizados em V supra,

– Vai a Arguida condenada na coima única de € 80.000,00 (oitenta mil euros).

3. Condenar a Arguida em custas de processo no valor de € 75,00 (setenta e cinco euros), ao abrigo do art. 58.º da Lei n.º 50/2006, de 29/08.»


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Notificada da decisão administrativa, a arguida remeteu aos autos impugnação judicial, ao abrigo do disposto no art. 59.º do DL 433/82, de 27-10, pugnando pela anulação da coima única aplicada ou, pelo menos, pela sua atenuação especial.

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A impugnação judicial foi admitida, tendo sido realizada audiência de julgamento e proferida, com data de 18-03-2024, a respectiva sentença, onde, a final, se decidiu, entre o mais (transcrição):
«Em face do exposto, julgo parcialmente procedente por, nessa medida, provado, o recurso interposto, e, em consequência:
- absolver a recorrente “A...” da prática de uma contraordenação prevista pelo art. 12º e 48º, nº 1, alínea e) do Decreto-Lei 183/2009, de 10 de agosto e punível pelo art. 22º, nº 4, alínea b) da Lei 50/2006, de 29 de agosto, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28 de agosto;
- absolver a recorrente “A...” da prática de uma contraordenação prevista pelo art. 81º, nº 3, alínea c) do Decreto-Lei 226-A/2007, de 31 de maio e punível pelo art. 22º, nº 4, alínea b) da Lei 50/2006, de 29 de agosto, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28 de agosto
- pela prática de uma contraordenação prevista pelo art. 81º, nº 3, alínea c) do Decreto-Lei 226-A/2007, de 31 de maio e punível pelo art. 22º, nº 4, alínea b) da Lei 50/2006, de 29 de agosto, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28 de agosto, condeno a sociedade recorrente na coima parcelar de vinte e quatro mil euros;
- pela prática de uma contraordenação prevista pelo art. 81º, nº 3, alínea c) do Decreto-Lei 226-A/2007, de 31 de maio e punível pelo art. 22º, nº 4, alínea b) da Lei 50/2006, de 29 de agosto, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28 de agosto, condeno a sociedade recorrente na coima parcelar de vinte e quatro mil euros;
- pela prática de uma contraordenação prevista pelo art. 111º, nº 2, alínea e) do Decreto-Lei 127/2013, de 30 de agosto e punível pelo art. 22º, nº 3, alínea b) da Lei 50/2006, de 29 de agosto, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28 de agosto, condeno a sociedade recorrente na coima parcelar de doze mil euros;
- em cúmulo, condenar a recorrente “A...” na coima única de quarenta mil euros

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Inconformada, a arguida interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto, solicitando que a sentença recorrida seja substituída por acórdão que a absolva das contra-ordenações imputadas ou, caso assim não se entenda, que substitua a coima de € 40 000 (quarenta mil euros) por uma pena de admoestação, nos termos do art. 51.º do RGCO, aplicável ex vi n.º 2 do art. 1.º da Lei n.º 50 50/2006, de 29 de Agosto.

Apresenta em apoio da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):

«I. Vem o presente Recurso interposto da Sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial da Comarca do Porto, a 18.03.2024, com referência CITIUS 458253362 através do qual aquele digníssimo Tribunal a quo decidiu, por um lado, absolver a Recorrente da prática de uma contraordenação ambiental muito grave, relativa à alegada exploração não licenciada de um aterro, prevista pelo artigo 12.º e alínea e) do n.º 1 do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 183/2009, de 10 de agosto e punível pela alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto – identificada como Contraordenação I-c) nos presentes autos; absolver a Recorrente da prática de uma contraordenação ambiental muito grave, relativa ao alegado incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título, prevista pela alínea c) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio e punível pela alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto – identificada como Contraordenação I-e) nos presentes autos;

II. Por outro lado, o Tribunal a quo decidiu condenar a Recorrente no pagamento de uma coima parcelar de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, relativa ao alegado incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título, prevista pela alínea c) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e punível pela alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto – identificada como Contraordenação I-a) nos presentes autos; condenar a Recorrente no pagamento de uma coima parcelar de € 24.000,00 (vinte e quatro mil euros) pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título, prevista pela alínea c) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e punível pela alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto – identificada como Contraordenação I-b) nos presentes autos; condenar a Recorrente no pagamento de uma coima parcelar de € 12.000,00 (doze mil euros) pela prática de uma contraordenação ambiental grave, relativa à alegada construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na Licença Ambiental, prevista pela alínea e) do n.º 2 do artigo 111.º do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, e punível pela alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto – identificada como Contraordenação I-d) nos presentes autos;

III. Em cúmulo, através da sentença recorrida, o douto Tribunal a quo condenou a Recorrente na coima única de € 40.000,00 (quarenta mil euros), condenando-a, igualmente, em custas;

IV. Relativamente à Contraordenação I-a), limitou-se o Tribunal a quo a, de modo pouco certeiro, referir que os pontos 12 a 14, bem como os pontos 20 e 21 da factualidade provada demonstram um manifesto incumprimento (extemporaneidade do reporte) do estipulado no título, pelo que se impõe a condenação pela prática do vertente tipo contraordenacional, a título negligente;

V. No que concerne com a Contraordenação I-b), o Tribunal a quo considerou demonstrativo do incumprimento do estipulado no título, em concreto, a inobservância da pré-determinada modalidade de envio, os factos vertidos nos pontos 15 a 17, bem como nos pontos 20 a 21 da factualidade provada, pelo que se impõe a condenação pela prática do vertente tipo contraordenacional, a título negligente;

VI. No que tange com a Contraordenação I-d), mais uma vez, o juiz a quo remeteu para os factos provados 7 a 11 e 20 e 21, decidindo, com base numa interpretação manifestamente anti-jurídica, condenar a Recorrente, a título negligente, por não ter dado cumprimento às condições impostas pela Licença Ambiental nº ..., na medida em que alega ter-se verificado um excesso de depósito de resíduos.

VII. Ora, tal como ficará demonstrado, por força dos erros de julgamento sobre os pressupostos de Direito que conduziram à condenação da Recorrente quanto às Contraordenações identificadas nos presentes autos como I-a), I-b) e I-d), não pode a Recorrente com aquela conformar-se, não lhe restando outra alternativa que não seja interpor o presente recurso, pugnando pela procedência, por provado, do mesmo, com a consequente revogação da decisão ora recorrida e a sua substituição por um Acórdão que a absolva pela prática de todas as referidas contraordenações;

VIII. A Recorrente é uma associação de municípios, criada a 12.11.1982, tendo em vista a gestão, valorização e tratamento dos resíduos urbanos produzidos pelos oito municípios que a integram, designadamente ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ...;

IX. A Recorrente figura como entidade responsável pela gestão, tratamento e valorização dos resíduos produzidos e recolhidos pelos oitos municípios que a compõem, tem vindo a desenvolver e implementar, desde a sua criação, uma estratégia integrada estribada nas componentes da valorização energética, orgânica e multimaterial, no confinamento técnico e na educação ambiental;

X. No exercício da sua atividade, pese embora, o escrupuloso e cauteloso cumprimento de todas as obrigações a que a Recorrente está vinculada, esta viu serem-lhe instaurados dois processos contraordenacionais – NUI/CO/.... e NUI/CO/.... –, por via dos quais lhe foram imputadas as contraordenações supra elencadas;

XI. Notificada, por via de Ofício ao qual foi atribuído a referência …, da decisão da Recorrida, datada de 05.05.2022, e inconformada com a mesma, a Recorrente impugnou judicialmente tal decisão administrativa, que deu origem aos presentes autos, bem como à sentença recorrida;

XII. Nesta senda, por considerar que a sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial da Comarca do Porto se encontra eivada de ilegalidade, no que concerne com a apreciação que foi feita relativamente às Contraordenações I-a), I-b) e I-d), a Recorrente interpôs o presente recurso,

XIII. Sob pena de, não o fazendo transitar em julgado uma Sentença que, com todo o respeito que é devido ao douto Tribunal a quo, é atentatória da legalidade, do Direito e, por conseguinte, da própria Justiça de um Estado de Direito;

XIV. Desde logo, cumpre reiterar, de forma transversal, que a fundamentação fornecida pelo Tribunal a quo como sustento para a sua decisão é absolutamente insuficiente para concluir por uma condenação tão gravosa como aquela que se verificou no caso concreto;

XV. Ainda mais gravosa se torna a situação quando se relembra que impende sobre o juiz um dever de fundamentação imposto, num primeiro patamar, pelo n.º 1 do artigo 205.º da CRP, mas também pelo n.º 2 do artigo 374.º e n.º 1 do artigo 375.º ambos do CPP e densificado pela jurisprudência nacional;

XVI. Assim, o douto Tribunal a quo não logrou cumprir o seu dever de fundamentação da decisão ora em causa, na medida em que não explicita o raciocínio lógico que o leva a concluir pela condenação da Recorrente pela (suposta) prática da contraordenação ambiental muito grave;

XVII. Além do mais, parece que o Tribunal a quo, para formular a sua decisão, apenas teve em consideração, de forma leviana, os documentos apresentados pelas partes, não considerando devidamente os argumentos aduzidos pela Recorrente;

XVIII. Ora, naturalmente que estas circunstâncias – o incumprimento do dever legal e constitucionalmente imposto de fundamentação da decisão – conduziram o Tribunal a quo à prática de uma decisão manifestamente anti-jurídica;

XIX. Mais a mais, leve-se em consideração o regime que previsto no n.º 2 do artigo 410.º do CPP, segundo o qual se prevê que, ainda que a lei vede a cognição do Tribunal de Recurso a matéria de Direito, pode constituir fundamento para Recurso uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nos termos da alínea a) do referido preceito;

XX. Isto posto, em primeiro lugar, no que tange com a Contraordenação identificada como I-a), esta encontra o seu sustento na alegada intempestividade do reporte das leituras trimestrais do contador à entidade licenciadora, considerando a Recorrida e também o douto Tribunal a quo que tal intempestividade corporiza um incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título, correspondendo, portanto, a uma contraordenação ambiental muito grave, prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, punível nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto;

XXI. Assim, compulsados o Auto de Notícia n.º ..., bem como o Relatório n.º ..., resulta que a Recorrente deu cumprimento (i) à obrigação de instalar o aparelho de medida que permitisse conhecer com rigor o volume total da água captada, (ii) à obrigação de controlo mensal da água captada e (iii) que a quantidade de água captada respeitou os limites e valores determinados na Autorização de Utilização de Recursos Hídricos, já que naquele documento nada se diz quanto a um eventual incumprimento no que concerne com esta matéria;

XXII. Desta feita, o único incumprimento que poderia ser imposto à Recorrente seria o de não ter dado cumprimento à obrigação de reporte trimestral, uma vez que os dados de janeiro, fevereiro, março e abril de 2018 terão, apenas, sido reportados à entidade licenciadora em 14 de setembro de 2018;

XXIII. Não pode deixar-se de discordar com a contraordenação ambiental muito grave imputada à Recorrente, na medida em que viola cabalmente o princípio da proporcionalidade, previsto no n.º 2 do artigo 266.º da CRP e artigo 7.º do CPA, considerando todas as suas vertentes (i) adequação, (ii) necessidade, (iii) proporcionalidade em sentido estrito;

XXIV. Em primeiro lugar, não seria adequada na medida que a entidade competente para rececionar as leituras dos contadores nunca sequer questionou o prazo em que os dados forma enviados;

XXV. Em segundo lugar, não seria necessária na medida que estaria por demonstrar que surgiram obstáculos à utilização dos dados pela entidade competente;

XXVI. Por fim, não seria proporcional na medida que não pode, nunca, uma mera falha procedimental na comunicação de dados (que foram, efetivamente, recebidos) prefigurar uma sanção ambiental muito grave;

XXVII. Em boa verdade, o n.º 2 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de agosto, considera como contraordenações graves, práticas que implicam um juízo de censura maior do que o caso em apreço, assim como acontece na tipificação de contraordenações leves pelo n.º 1 do artigo 82.º do referido diploma legal, sendo exemplo destas situações, a não instalação do sistema de autocontrolo ou uma efetiva falha na comunicação das informações devidas;

XXVIII. Ademais, no caso em apreço, o que está em causa é uma eventual falha de um procedimento de comunicação, no momento devido, e não de uma falha material, não uma inobservância ou desrespeito perante o bem-jurídico que se pretende acautelar;

XXIX. O que é pretendido preservar com as obrigações impostas pela Autorização é, sem dúvida alguma, que fossem realizadas leituras mensais do contador que indica, com rigor, o volume total de água captada, bem como o reporte dessas leituras à entidade licenciadora, com uma periodicidade trimestral;

XXX. Como é bom de ver, não se tenciona proteger o momento em que a comunicação das leituras do contador é efetuada, mas sim se as leituras são, efetivamente, realizadas com a periodicidade fixada, assim como se as leituras são, de facto, comunicadas à entidade licenciadora com a periodicidade determinada – obrigações essas que a Recorrente, sem dúvida, cumpriu;

XXXI. Além do mais, o entendimento da Recorrente difere do entendimento da Recorrida e do Tribunal a quo noutro aspeto: a Autorização nada refere acerca do momento em que o reporte deve ser realizado, apenas determinando que o mesmo deverá obedecer a uma periodicidade trimestral;

XXXII. Ora, naturalmente, torna-se abusivo sequer conceber a possibilidade de imputar uma contraordenação ambiental muito grave por incumprimento de uma obrigação que não tem suporte na letra da Autorização;

XXXIII. O prazo não existe na Autorização e, não existindo, não poderá haver uma sanção por incumprimento de um dever para o qual a Autorização não definiu prazo – tal representa um corolário lógico do princípio da legalidade aplicado ao direito punitivo;

XXXIV. Caso a entidade licenciadora pretendesse que a Recorrente comunicasse a leitura mensal do contador num determinado prazo, certamente, teria fixado na Autorização,à semelhança do que fez com a Licença de Utilização dos Recursos Hídricos – Rejeição de Águas Residuais n.º ...;

XXXV. Aliás, nunca a Recorrente foi questionada pela entidade administrativa competente, a quem incumbe receber e analisar as medições, quanto a um eventual incumprimento do prazo;

XXXVI. Desta feita, não existe outra possibilidade senão concluir, face a tudo quanto se expôs, que o entendimento do Tribunal a quo face ao alegado incumprimento da Recorrente de obrigações impostas pelo respetivo título, viola veemente tanto o princípio da proporcionalidade, como o princípio da legalidade, sendo, por isso, desprovido de qualquer sentido jurídico, acrescido ao facto de que o Tribunal noa foi capaz de fundamentar a imputação da contraordenação em apreço à Recorrente;

XXXVII. Isto posto, importa, nos termos do artigo 20.º da Lei n.º 50/2006, de29 de agosto, determinar a coima em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e dos benefícios económicos obtido com aprática do facto;

XXXVIII. Descendo ao concreto, (i) a gravidade apresenta-se insignificante, (ii) relativamente à culpa, não poderá apontar-se qualquer comportamento sancionável, nem sequer a título de negligência, (iii) no quetange com a situação económica, é preciso relembrar que a Recorrente é uma pessoa coletiva de direito público, que assegura um serviço público essencial, não visando o lucro, e, (iv) por fim, não foi o Tribunal a quo capaz de elencar quais os benefícios económicos que a Recorrente poderia ter obtido;

XXXIX. Face a tudo quanto se expôs, nunca poderá a Recorrente ser condenada pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e punível pela alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto,

XL. Na medida em que o seu comportamento sempre foi pautado pelo cuidado que lhe era exigível, tendo, para o efeito, montado, em tempo útil, o equipamento de medição, realizado as medições com a periodicidade definida (mensal), cumprido os limites de captação, reportando tais elementos, acrescido ao facto de que não resulta da Autorização qualquer prazo para a comunicação do reporte trimestral;

XLI. Em segundo lugar, no que tange com a Contraordenação identificada como I-b), esta encontra o seu sustento num alegado vício de forma da comunicação, pela Recorrente, à entidade licenciadora dos dados exigidos, tendo o douto Tribunal a quo considerado que tal se materializa num incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título, configurando, assim, a prática de uma Contraordenação ambiental muito grave, prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, punível nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto;

XLII. Mais uma vez, a parca fundamentação – nos exatos termos em que foi descrita supra – concedida pelo Tribunal a quo permite alcançar a conclusão que este formulou;

XLIII. Ainda assim, apreciando a possibilidade de um incumprimento por parte da Recorrente, cumpre referir que a única falha que poderia ser imputada à Recorrente teria somente que ver com a forma ou o modo como a comunicação de informação devida foi realizada,

XLIV. Na medida em que compulsados os elementos constantes do probatório dos presentes autos, resulta claro que a Recorrente cumpriu a obrigação de reportar os resultados do programa de autocontrolo quantitativo e qualitativo, caso contrário, nunca teria a Entidade Recorrida, na sequência de tal comunicação, realizado os procedimentos de autocontrolo, com a periodicidade definida, bem como foram os mesmos feitos por Laboratório acreditado;

XLV. Feito este enquadramento, não se pode deixar de discordar com a contraordenação ambiental muito grave imputada à Recorrente, na medida em que tal juízo viola, de forma clara e ostensiva, o princípio da proporcionalidade, nos exatos termos supra descritos e para os quais expressamente ora se remete;

XLVI. Assim, considerando todas as vertentes do princípio da proporcionalidade, em primeiro lugar, não seria adequada na medida que a Administração sempre aceitou (e deu como boa) a metodologia de comunicação, a qual permitiu definir o valor da Taxa a aplicar e, no limite, contribuiu para preservar o bem jurídico em equação;

XLVII. Por outras palavras, porventura mais diretas, independentemente da forma de comunicação adotada, a entidade administrativa esteve sempre no poder das informações necessárias, estando assim cumprida a ratio legis que presidiu à previsão daquela obrigação;

XLVIII. Em segundo lugar, não seria necessária na medida que estaria por demonstrar que a Administração não conseguiu, única e exclusivamente devido à forma como os dados foram comunicados definir o valor da taxa a aplicar e, no limite preservar o bem jurídico em equação;

XLIX. Por fim, não seria proporcional na medida que não pode, nunca, uma mera falha metodológica na comunicação de dados (que foram recebidos e que foram recebidos no tempo devido pela entidade competente) prefigurar uma sanção ambiental muito grave;

L. Ademais, em boa verdade, o n.º 2 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de agosto, considera como contraordenações graves, práticas que implicam um juízo de censura maior do que o caso em apreço, assim como acontece na tipificação de contraordenações leves pelo n.º 1 do artigo 82.º do referido diploma legal, sendo exemplo destas situações, a não instalação do sistema de autocontrolo ou uma efetiva falha na comunicação das informações devidas;

LI. Entender-se no sentido contrário conduziria a uma consequência perniciosa em que a total ausência de prestação de informações seria mais duramente punida do que a prestação de informações em (suposto) incumprimento de um requisito que, na verdade, é de todo em todo meramente burocrático;

LII. Ora, no caso em apreço, o que está em causa é uma eventual falha de um procedimento de comunicação, a forma que este revestiu, e não de uma falha material, não uma inobservância ou desrespeito perante o bem jurídico que se pretende acautelar;

LIII. Neste sentido, o que é pretendido preservar com as obrigações impostas pela Licença é, sem dúvida alguma, que fosse realizado um trabalho de monitorização, autocontrolo e reporte dos dados obtidos à entidade competente – cujo cumprimento, ressalve-se, é inquestionável: a Recorrente sempre comunicou todas as monitorizações que lhe eram exigidas, por escrito, e no prazo devido, só não o fez a partir da plataforma eletrónica ou por e-mail.

LIV. Contudo, de tal circunstância não se pode retirar as conclusões pretendidas pelo Tribunal a quo e, muito menos, são as mesmas suscetíveis de configurar um sustento para a defesa da prática, in casu, de uma contraordenação ambiental muito grave;

LV. A irrelevância desta circunstância é particularmente notória quando se atenta no facto de que a entidade responsável pela receção de tal informação nunca questionou sequer a Recorrente quanto à forma como a mesma estava a ser enviada, e muito menos deu nota da impossibilidade da mesma poder ser aceite nesses estritos termos – tendo sido, inclusivamente, possível a emissão de guia para pagamento da Taxa de Gestão de Recursos Hídricos –, razão pela qual pode considerar estar-se perante uma aceitação tácita, decorrida do modo utilizado pela Recorrente para reportar tais dados;

LVI. Em suma, como é bom de ver, a previsão da contraordenação ora em causa não tenciona proteger a forma em que as comunicações são efetuadas, mas sim se as monitorizações são, de facto, comunicadas à entidade licenciadora nos prazos exigidos, o que aconteceu no caso vertente;

LVII. Com efeito, tal como já foi exposto anteriormente, não há dúvidas de que a Recorrente cumpriu com o que exigia a Licença, nos termos supra melhor descritos, motivo pelo qual inexiste qualquer tipo de fundamento para que a mesma seja condenada pela prática da contraordenação ora sob escrutínio;

LVIII. Isto posto, importa, nos termos do artigo 20.º da Lei n.º 50/2006, de29 de agosto, determinar a coima em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e dos benefícios económicos obtido com aprática do facto;

LIX. Descendo ao concreto, (i) a gravidade apresenta-se insignificante, (ii) relativamente à culpa, não poderá apontar-se qualquer comportamento sancionável, nem sequer a título de negligência, (iii) no que tange com a situação económica, é preciso relembrar que a Recorrente é uma pessoa coletiva de direito público, que assegura um serviço público essencial, não visando o lucro, e, (iv) por fim, não foi o Tribunal a quo capaz de elencar quais os benefícios económicos que a Recorrente poderia ter obtido;

LX. Face a tudo quanto se expôs, não pode a Recorrente ser condenada pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, prevista na alínea c) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, e punível pela alínea b) do n.º 4 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto;

LXI. Ainda relativamente à Contraordenação I-b), não se pode descurar que o Tribunal a quo, ao corroborar a teoria da Recorrida de que a conduta da Recorrente é suficiente para fundamentar uma contraordenação ambiental muito grave, está a participar ativamente e a incentivar uma atuação administrativa especialmente violadora do princípio da boa-fé (artigo 10.º do CPA), que é tido como um parâmetro norteador da conduta administrativa e contribui, em todas as suas vertentes, para a densificação do princípio da juridicidade;

LXII. Neste sentido, se a Administração agiu e comunicou de forma clara que um determinado comportamento poderia ser executado, não poderá a Recorrente ser sancionada por simplesmente agir em conformidade com o que a entidade competente lhe transmitira;

LXIII. Como é bom de ver, nem sequer a título meramente negligente a Recorrente deve ser condenada, na medida em que isso significaria, passar para o administrado – no caso, a Recorrente – o ónus de questionar praticamente diariamente a Administração se esta tinha mudado de posição;

LXIV. Ora, no caso vertente, há claramente uma situação em que a Autoridade Administrativa competente se conformou, aceitando, a atuação da Recorrente – comportamento este que em nada violou o bem jurídico que se pretende proteger.

LXV. Assim, a única conclusão que se pode formular é a de que aplicar à Recorrente qualquer contraordenação ambiental quanto a esta matéria (ainda que se trate de uma contraordenação ambiental leve) seria sempre violador dos princípios da boa-fé e da confiança – tornando-se ainda mais evidente quando se relembra que a metodologia de comunicação de dados (por escrito e endereçados à Autoridade competente) foi avaliado de forma positiva pela APA/Administração da Região Hidrográfica do Norte e pela CCDR Norte;

LXVI. Tendo estas circunstâncias por base, o Tribunal a quo não poderia decidir noutro sentido que não fosse a absolvição da Recorrente relativamente a esta contraordenação, pelo que se requer o julgamento como procedente do presente recurso e, nessa medida, a substituição da decisão recorrida por um acórdão que absolva a Recorrente da prática da contraordenação ambiental ora em crise;

LXVII. Em terceiro lugar, no que tange com a Contraordenação identificada como I-d), esta encontra o seu sustento na alegada laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na Licença Ambiental, visto que o Tribunal a quo deu como válido que a Recorrente depositou resíduos para lá da quantidade autorizada pela Licença, sendo certo que tal contraordenação ambiental grave encontra-se prevista na alínea e) do n.º 2 do artigo 111.º do Decreto-Lei n.º 127/2013, de 30 de agosto, punível nos termos da alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto;

LXVIII. Mais uma vez, a parca fundamentação – nos exatos termos em que fora descrita supra – concedida pelo Tribunal a quo permite alcançar a conclusão que este formulou;

LXIX. A Licença Ambiental n.º ....fixa, designadamente, a obrigatoriedade da elaboração periódica do Relatório Ambiental Anual (doravante, RAA), anualmente remetido à entidade licenciadora até 15 de abril do ano civil seguinte a que se refere e que constitui um dos mecanismos de acompanhamento da referida Licença, e, para além disso, prevê a atividade de operação e gestão de um aterro para resíduos não perigosos, desenvolvida em dois alvéolos independentes;

LXX. A Recorrida, no seu Relatório n.º ..., concluído a25.10.2018, e no Auto de Notícia n.º ..., rececionado pela Recorrente a 29.03.2019, considerou que a Recorrente estava em incumprimento das condições de exploração fixadas pela aludida Licença, em concreto, por ter depositado uma quantidade em massa superior à capacidade licenciada;

LXXI. Sucede que, o Tribunal a quo, tal como anteriormente já a Recorrida o tinha feito, interpretaram de forma incorreta as Autorizações e Licenças da Instalação e, dessa forma, consideraram ter-se verificado, in casu, a prática, por parte da Recorrente, de uma contraordenação ambiental grave – a qual não se efetivou;

LXXII. No que para aqui releva, cumpre expor que a atividade de exploração do aterro para resíduos não perigosos da Recorrente desenvolveu-se, desde junho de 2001, em dois alvéolos independentes, sendo que o Alvéolo Norte, local de deposição de cinzas inertizadas e resíduos urbanos encontrava-se encerrado, tendo a deposição de resíduos nesse local sido concluída a 30.06.2017, facto que foi comunicado à Equipa Inspetora, assim como consta dos elementos probatórios dos presentes autos, e, a partir desse momento, as cinzas produzidas passaram a ser encaminhadas para outro destino;

LXXIII. Por esta razão, não se consegue compreender porque, no ato inspetivo de 22.05.2018, praticamente um ano após o encerramento do referido Alvéolo Norte, se considere que existia um incumprimento no Alvéolo Norte;

LXXIV. Ademais, nos quantitativos utilizados pela Recorrida para sustentar o incumprimento da Recorrente, são sempre tidas em conta as quantidades, em massa totais, existentes em cada local, compreendendo todas as tipologias e materiais aí colocados para que seja possível controlar de forma sistemática através da topografia (realização de levantamentos topográficos periódicos), as capacidades ocupadas (efetivadas) e disponíveis em cada um dos Alvéolos, esforço que vai ao encontro do princípio consagrado na Licença de Operação n.º ...;

LXXV. Assim sendo, foi autorizada a possibilidade da deposição temporária de resíduos urbanos no Alvéolo Sul, de forma excecional para essa atividade, autorização essa que foi concedida pela Entidade Licenciadora, como se pode depreender do Ofício Ref.ª ......, de 04.06.2012, resultando dos períodos de paragem técnica da Central de Incineração e que são posteriormente recuperados para valorização energética;

LXXVI. No entanto, pese embora se incluam estes quantitativos no RAA, estes resíduos não são, na verdade, depositados em aterro e não poderão ser contabilizados como se tal ocorresse, sendo este, inclusivamente, o entendimento da Entidade Licenciadora e exposto no ofício aludido;

LXXVII. Assim, a Recorrente, até 2019, armazenou, ao abrigo deste regime de exceção, 69.813,06 toneladas de resíduos urbanos, assim como foram internamente transferidas 23.456,32 toneladas de resíduos urbanos do Alvéolo Norte para o Alvéolo Sul, ao abrigo da autorização concedida através do ofício refª. ..., de 12/08/2014,

LXXVIII. Sendo certo que estes materiais, devido ao seu estado de degradação/mumificação e mistura com o material de cobertura intermédia utilizado no momento da sua deposição, não podem ser considerados como um quantitativo de resíduo urbano a depositar, tendo sido associado a materiais de modelação e cobertura final do Alvéolo Sul;

LXXIX. Face a estas circunstâncias, a 31.12.2017, encontravam-se depositados, no Alvéolo Norte, 576.919,08 toneladas – cinzas inertizadas e resíduos urbanos, e no Alvéolo Sul, 391.180,69 toneladas – resíduos urbanos;

LXXX. Ademais, a Recorrida entendeu que entre janeiro e março de 2018, tinha sido depositada mais 14,48 toneladas de resíduos urbanos (admitindo-se no Alvéolo Sul), dando ainda entrada 20.090,96 toneladas de escórias;

LXXXI. Tendo em conta os dados disponíveis, em maio de 2018, mês em que se realizou o ato inspetivo, estavam efetivamente depositadas em aterro, em massa, no Alvéolo Norte, 576.919,08 toneladas (cinzas inertizadas e resíduos urbanos), dado que o alvéolo está encerrado desde junho de 2017, e no Alvéolo Sul, 392.964,53 toneladas (resíduos urbanos);

LXXXII. Ora, à data da inspeção estavam, efetivamente, depositadas 392.964,53 toneladas de resíduos urbanos, num total de 380.000 toneladas previstas na Licença Ambiental (mais 1,03%, em massa);

LXXXIII. Destarte, esta alegada diferença de quantitativos depositados em aterro, referida pela Recorrida no seu Relatório de Inspeção, e de que a sentença equivocadamente se apropria, encontra-se relacionada com (i) a tipologia dos resíduos efetivamente depositados, não sendo tido em consideração que existem resíduos temporariamente armazenados – e que não constituem uma deposição – resíduos que foram internamente transferidos entre os dois Alvéolos, com elevado estado de degradação/mumificação e mistura com o material de cobertura intermédia (resíduo de escória) utilizado no momento da sua deposição, (ii) o facto de o resíduo de escórias constituir um autorizado material de cobertura dos resíduos a depositar em Aterro, não sendo considerado um resíduo depositado.

LXXXIV. Com referência a esta matéria, a Recorrida (e consequentemente o douto Tribunal a quo) entenderam que as escórias provenientes da Central de Incineração anexa utilizadas no contexto existente são um resíduo em si e, nessa medida, devem ser consideradas como tal, e, por isso, devem ser levados em linha de conta no apuramento da quantidade mássica de resíduos depositados em aterro, contudo, este entendimento não é suscetível de ser enquadrado no âmbito das Licenças da Instalação.

LXXXV. Neste sentido, as escórias produzidas na Central de Incineração anexa são o material autorizado em sede de licenciamento para a realização das atividades de cobertura (intermédia e final) dos resíduos depositados, assim como para a consolidação de acessos, caminhos e plataformas de descargas temporárias;

LXXXVI. Ora, no que concerne com o material vindo de aludir, a Agência Portuguesa do Ambiente, na sua faceta de Autoridade Nacional de Resíduos, refere na sua página eletrónica que este tipo de materiais não deve exceder em10%,empeso, a quantidade de resíduos depositados, contudo, este entendimento – contrariamente ao que crê o Tribunal a quo – deve ser tido como uma mera recomendação, sendo tal ainda mais evidente quando a mesma entidade, emissora da LA n.º ..., ter referido no ponto 1.2 do seu Anexo I um valor estimado em cerca de 30%, em peso, para a atividade de cobertura dos resíduos urbanos depositados;

LXXXVII. Todavia, uma parte avultada do quantitativo de escória existente no Alvéolo Sul foi utilizada no início da exploração como uma camada de fundo protetora dos geossintéticos do sistema de impermeabilização passiva, à semelhança do que sucedeu com o Alvéolo Norte, pelo que a putativa ultrapassagem do quantitativo equivalente a cerca de 30% dos resíduos urbanos depositados neste alvéolo não se verifica;

LXXXVIII. Porém, considerando, por mera hipótese académica, que esse valor foi atingido, a metodologia de definição considerado pela Recorrida para estabelecer a classificação de escória depositada, como um resíduo depositado, e o material de cobertura utilizado na atividade de exploração, como previsto nas Licenças da Instalação (coberturas e consolidação de caminhos) não encontra sustento na legislação do setor, nas licenças existentes ou em qualquer metodologia reconhecida e aceite, já que se considerou como base um valor meramente teórico e estimado, como referido no ponto1.2 do Anexo I da LA n.º ... cifrado em cerca de 30%, como se configurasse um requisito legal, concreto e impositivo para um cálculo aritmético de diferenciação entre o que pode ser tido como um resíduo depositado e um material de cobertura;

LXXXIX. Por isso, a Recorrente não compreende, nem pode aceitar, o método seguido pela Recorrida, o qual consente que se determine este requisito ipso facto como uma vinculação legal dos operadores,

XC. Um dos princípios básicos da exploração deste tipo de Instalação é a maximização do seu tempo de vida útil, dado o investimento realizado, bem como a necessidade de depositar resíduos, pelo que não se alcançava que o operador utilizasse, ou tivesse sequer interesse em utilizar na atividade de cobertura dos resíduos uma quantidade significativa deste tipo de materiais, pelo que não se poderá considerar correto o entendimento da Recorrida, o qual foi corroborado pelo Tribunal a quo;

XCI. Esta circunstância é particularmente evidente num relatório elaborado pela ERSAR, segundo o qual, em 31.12.2018, o Alvéolo Sul ainda tinha disponível o volume de 19.814,5 m3!

XCII. Sem prejuízo do antedito, importa ter em atenção que a capacidade de um aterro resulta de uma estimativa efetuada em fase de projeto de conceção e construção, baseando-se na área/configuração disponível, na altimetria definida (cota mínima e cota máxima), na tipologia dos resíduos a depositar e na sua densidade aparente, bem como noutros fatores que se mostrem relevantes para o efeito;

XCIII. Ora, no aterro em apreço, o cálculo dessa capacidade estimada para os dois alvéolos não apresentou qualquer desvio ao regular, tendo sido antecipado um tempo de vida útil de 3,8 anos para o Alvéolo Norte e de 5,7 anos para o Alvéolo Sul (encerramento previsto em 2007), o que demonstra a fragilidade de assumir uma capacidade estimada como uma capacidade obrigatória e rigorosa do seu cumprimento;

XCIV. Ora, como tal, foi possível à Recorrente manter os referidos alvéolos em funcionamento durante mais tempo do que o previsto inicialmente, o que é demonstrativo de dois aspetos: (i) a data prevista ab initio é, efetivamente, somente uma mera previsão e (ii)demonstra, claramente, que a Recorrente geriu os alvéolos de forma plenamente eficiente;

XCV. Desta feita, foi esta metodologia e princípios que estiveram vinculados ao projeto e, consequente licenciamento de ampliação da instalação em 2011, tendo sido estimada uma capacidade adicional de 50.000 toneladas (total de 550.000 toneladas) para o Alvéolo Norte e 180.000 toneladas (total de 380.000 toneladas) para o Alvéolo Sul;

XCVI. A presente estimativa incluiu a existência de uma densidade constante ao longo do tempo, a qual está relacionada com a tipologia dos resíduos a depositar na Instalação, mas sem levar em a real densidade da massa depositada em cada momento e que é influenciada, por fatores externos à operação ou por fatores internos, assim como não a associa à degradabilidade natural dos resíduos urbanos, cujo fator de biodegradabilidade é superior a 40%, em peso;

XCVII. Tendo em conta as circunstâncias, a Recorrente assimila a inexistência de outra forma de licenciar este género de instalações senão a de recorrer a este método, na medida em que a própria legislação obriga a que sejam, por um lado, definidas quantidades em massa e volume em sede de autorização, tal como determinam os elementos instrutórios de pedido de licenciamento referidos no n.º 1, alínea c) do artigo 17. do Decreto-Lei n.º 183/2011, de 10 de Agosto, e, por outro lado, verifica-se a necessidade do Alvará de Licença de Operação expressar a capacidade do aterro, como definido no n.º 2 do artigo 27.º do referido diploma legal;

XCVIII. Porém, atento a esta dificuldade e princípio de incerteza, o próprio Legislador e a Entidade Licenciadora que definiram como instrumento de controlo de enchimento – entenda-se a capacidade ocupada e capacidade disponível – a topografia associada à deposição dos resíduos para verificar o cumprimento (ou incumprimento) das Licenças, tendo entendido a capacidade inicialmente definida em sede de licenciamento como uma previsão/estimativa da capacidade que determinado aterro apresentará;

XCIX. Na realidade, caso assim não fosse e se a capacidade de um aterro estivesse teoricamente definida pela estimativa de projeto, esta obrigação anual seria desprovida de utilidade;

C. Não se pode esquecer, com referência a esta matéria que, em cumprimento com o previsto na LA n.º ..., a Recorrente sempre providenciou periodicamente estes elementos comprovativos do nível de enchimento e disponibilidade no âmbito do respetivo RAA, sempre sem qualquer recomendação ou reparo por parte das entidades licenciadoras;

CI. Além do mais, tendo o aterro de resíduos não perigosos da Recorrente sido objeto da concretização de dois projetos distintos, por duas entidades diferentes, que adotaram uma posição conservadora de modo a garantir a modelação dos espaços e estabilidade global desejada, a capacidade total de cada um dos Alvéolos foi, uma vez mais, estimada, com recurso ao método utilizado em fase de projeto – com as debilidades já referidas – e resultou do somatório destas duas estimativas;

CII. Porém, em termos operativos é inconcebível explorar o novo espaço como algo independente do existente, existindo, por isso, o assentamento dos “dois” espaços físicos para garantir em permanência a sua estabilidade e segurança, já que esta medida libera uma capacidade de deposição superior à soma das capacidades estimadas em sede de projeto;

CIII. Assim, verifica-se que as áreas e cotas de licenciamento no aterro para resíduos não perigosos da Recorrente estão em cumprimento e a densidade real da massa de resíduos depositada, na senda da influência do método e condições de exploração, são muito superiores à prevista no âmbito do projeto inicial – como apresentado no RAA referido pela Equipa Inspetora – ficando aqui explanado mais um motivo que permite que o aterro receba uma quantidade mássica de resíduos superior À estimada no âmbito do projeto;

CIV. Reforçando todo este enquadramento, refira-se que em 23.10.2017, no seio do processo de Licenciamento Único (LUA), a Recorrente submeteu na plataforma SILiAmb o pedido de renovação da Licença Ambiental n.º ..., de 17 de Agosto, e das Licenças de Exploração relativas às atividades desenvolvidas, onde se inclui a Licença de Exploração n.º ..., de 21 de Maio (aterro para resíduos não perigosos);

CV. Na sequência, na fase de esclarecimentos, e como solicitado, foi disponibilizado à entidade licenciadora um novo levantamento topográfico relativo ao Alvéolo Sul (relembre-se que o Alvéolo Norte já se encontrava encerrado desde 30.06.2017) e do qual se apurou que, à data de 31.12.2017, esse mesmo Alvéolo Sul apresentava um volume de deposição ainda disponível de 45.453 m3, à semelhança do expendido no Relatório n.º ... – informação posteriormente validada;

CVI. Em bom rigor, foi a própria entidade licenciadora (APA/CCDR-N) quem considerou (e reiterou o entendimento da Recorrente sobre o assunto) que a capacidade disponível no Alvéolo Sul, em 31.12.2017, era ainda de 45.455 m3, o que permitia depositar uma estimativa em termos de massa de 40.000 toneladas de resíduos, tendo esta validação ocorrido antes do ato inspetivo que levou a Recorrida a imputar à Recorrente uma contraordenação ambiental grave;

CVII. As debilidades, em termos do conceito de massa aplicadas a uma simples comparação aritmética, são reconhecidas pelas próprias entidades licenciadoras, que se referem a esses mesmos quantitativos como “estimativas”, devido às considerações anteriormente apresentadas, em oposição, às capacidades em termos volumétricos que são efetivas e concretas;

CVIII. Na verdade, é este também o reconhecimento da própria Equipa Inspetora da Recorrida que no Auto de Notícia n.º ... considerou como válidas as informações do Relatório Ambiental Anual relativamente ao ano de 2017 e referiu a disponibilidade dos dois alvéolos em unidade de volume: (i) Alvéolo Norte: “Disponibilidade: 0 m3”; (ii) Alvéolo Sul: “Disponibilidade: 45 455,6 m3”;

CIX. Pese embora tudo quanto se expendeu, não se pode descurar que o investimento realizado na Instalação do aterro para resíduos não perigosos da Recorrente teve um auxílio de um cofinanciamento comunitário e de fundos próprios, no valor global de cerca de 10,5 M€ à data da sua construção, sendo o objetivo primordial desta construção, assegurar que a gestão dos resíduos urbanos, produzidos por cerca de 1 milhão de habitantes do Grande Porto, tivesse um encaminhamento ambientalmente correto nos momentos de paragem técnica, programada ou acidental, da Central de Incineração anexa, bem como das cinzas inertizadas aí produzidas;

CX. Assim, não se pode compreender que este tipo de Instalação – dada a relevância no contexto da gestão de resíduos metropolitana (serve 10% da população nacional), ou em outro similar contexto a nível nacional ou comunitário – fosse tecnicamente encerrada ou estivesse em incumprimento legal com fundamento na ultrapassagem de uma capacidade, prevista, estimada e teórica – tendo ainda em consideração as debilidades já apresentadas – e em que as áreas e espaços definidos, o controlo de enchimento autorizado e as cotas de encerramento estão a ser cumpridas,

CXI. Tal como não é compreensível que o investimento numa instalação suportada por dinheiros públicos seja prematuramente encerrada, quando opera de forma diligente e em cumprimento da legislação;

CXII. Deste modo, a conclusão que a Equipa Inspetora verteu no seu Relatório de Inspeção Genérico – ao considerar que não foram cumpridas as condições de exploração definidas na Licença Ambiental n.º ..., nomeadamente no que diz respeito à deposição de quantidades em massa superiores à capacidade licenciada – é absolutamente incorreta, penalizando fortemente a Recorrente ao considerar que se está perante uma infração passível de constituir uma contraordenação grave;

CXIII. Ora, além do mais, nunca o comportamento da Recorrente poderia ser considerado culposo, nem a título de negligência, isto porque a conduta da Recorrente sempre se pautou pelo cuidado, diligência e eficiência no cumprimento das suas obrigações, tendo inclusivamente, potenciado uma infraestrutura de modo que esta tivesse uma vida útil compatível com o investimento público;

CXIV. Razões pelas quais entende que não deve ser condenada, uma vez que sempre norteou a sua atuação com o cuidado que lhe era exigível, perfeitamente identificável no facto de sempre as Entidades Licenciadoras sempre terem estado a par dos termos da operação/exploração do Aterro;

CXV. Além do mais, não se pode deixar de ressaltar o descuido do Tribunal a quo em não ter em conta todos os argumentos aduzidos pela Recorrente quanto a todas as alegadas contraordenações em que esta foi condenada,

CXVI. Tendo-se, pelo contrário, limitado a uma temerária apreciação de alguns dos documentos juntos pelas partes, o que levou a que este não cumprisse com o seu dever de fundamentação da sua decisão, formulando, desta forma, uma decisão totalmente desfasada da Lei quanto a todas as contraordenações em que a ora Recorrente foi condenada;

CXVII. Desta feita, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, sendo a Sentença recorrida substituída por um Acórdão que absolva a Recorrente da prática das contraordenações acima melhor identificadas;

CXVIII. Aqui chegados, caso não entenda pela absolvição da Recorrente, sempre cumprirá equacionar a substituição da coima única de € 40.000,00 (quarenta mil euros) por admoestação, prevista no artigo 60.º do CP e no artigo51.º do RGCO;

CXIX. Estarão reunidos, in casu, os requisitos para que possa haver lugar à substituição da coima única de € 40.000,00 (quarenta mil euros) por uma pena de admoestação, atenta a reduzida gravidade das infrações imputas à Recorrente, bem como a reduzida culpa, nos termos do artigo 51.º do RGCO, o que expressamente se requer para todos os devidos e legais efeitos.»


*

O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela respectiva improcedência e pela manutenção da sentença recorrida.

*

Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de reconhecer parcial razão à recorrente quando invoca a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação no que respeita à atenuação especial da pena e quanto à fixação concreta da medida da coima única aplicada, nomeadamente porque não se aproximou dos seus limites mínimos.

*

Notificada deste parecer, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, a recorrente respondeu, reiterando a sua posição tal como expressa no recurso e, no caso de a mesma não proceder, aderiu à posição assumida no parecer pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta de que havia condições para a atenuação especial das coimas.

*

Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.

*

II. Apreciando e decidindo:

Questões a decidir no recurso

É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].

As questões que a recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes:

- Omissão do dever de fundamentação;

- Vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, com referência ao art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPPenal;

- Qualificação jurídica;

- Medida concreta das coimas parcelares e única excessiva, e possibilidade de aplicação de admoestação.


*

Para apreciação das questões que importa examinar releva o teor da factualidade assente, sua motivação, e bem assim, da análise de direito que na sentença se fez, incluindo fixação das coimas (transcrição):

«II. Fundamentação

Factos provados

Dos factos vertidos na decisão administrativa e no requerimento de interposição de recurso, mostra-se provado, com relevo para a decisão da causa, que:

1. No dia 2/05/2018, pelas 09h40m, foi realizada uma ação de inspeção ao estabelecimento denominado B..., Lda. / A... (Aterro Sanitário Intermunicipal de apoio a Central de Incineração ...)  sito em ..., ... ..., freguesia ..., concelho de ..., pertencente a A...; a A... é uma Associação dos Municípios de ..., de ..., ..., de ..., do ..., da ..., de ... e de ... que tem por objeto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveita final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infraestruturas necessárias para o efeito. Pode ainda dedicar se ao tratamento de outros resíduos sólidos, ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares e à exploração de atividades de natureza energética conexas com o seu objeto. A instalação, em plena laboração à data da inspeção, dedica-se à deposição em aterro de resíduos não perigosos (operado pela empresa B..., Lda., com o NIPC ...);

2. É detentora da Licença Ambiental nº ... emitida pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. em 17/08/ 2011 e com validade inicial até 31/12/2017 (folhas 1 a 46, em anexo ao auto de notícia), cuja validade foi, entretanto, prorrogada até à data de emissão de decisão sobre o processo de renovação da mesma (folha 47, em anexo ao auto de notícia);

3. Possui igualmente a Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n° ... emitida pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional ... em 21/05/2012, e cuja validade caducou em 31/12/2017;

4. Para efeitos de preenchimento do Mapa de Registo de Resíduos Urbanos do estabelecimento em causa, a arguida possui um estabelecimento registado denominado "... Técnico" e com o código de registo ..., que acumula os perfis de Aterro e Eliminação/Valorização Energética;

5. Os registos que constam no Mapa de Registo de Resíduos Urbanos desse estabelecimento para o período compreendido entre os meses de janeiro e março de 2018 (folhas 68 a 84, em anexo ao auto de notícia), concretamente nos Formulários A1 (Resíduos depositados em aterro) e A2 (Utilizado internamente), indicam que nesse período foram depositadas 14,48 toneladas de resíduos urbanos, dando ainda entrada 20 090,96 toneladas de escórias;

6. A arguida mantém em exploração um aterro;

7. De acordo com a Licença Ambiental nº ..., o aterro para resíduos não perigosos da arguida possui dois alvéolos com as seguintes capacidades:

alvéolo norte: capacidade total de 550.000 toneladas, destinado à deposição de cinzas inertizadas e escórias (após triagem), provenientes da laboração da Central de Incineração, bem como de resíduos urbanos após esgotamento do novo alvéolo sul;

alvéolo sul: com uma capacidade total de 380.000 toneladas, destinado à deposição de resíduos urbanos;

8. O aterro apresentava as seguintes capacidades efetivadas em dezembro de 2017:

alvéolo norte:

Cinzas: 476.652,56 toneladas;

Escórias: 74.608,52 toneladas (que corresponde a cerca de 12,9% da quantidade total de resíduos urbanos e cinzas depositados em aterro);

Resíduos urbanos: 100.266,52 toneladas;

Quantidade total de resíduos em aterro: 651.527,6 toneladas;

Quantidade de resíduos urbanos e cinzas: 576.919,08 toneladas;

Disponibilidade: 0 m3

alvéolo sul:

Resíduos urbanos: 484.450,07 toneladas;

Escórias: 211.487,07 toneladas (que corresponde a cerca de 43,7% da quantidade total de resíduos urbanos e cinzas depositados em aterro);

Quantidade total de resíduos em aterro: 695.937,14 toneladas;

Disponibilidade: 45.455,6 m3.

9. As 211.487,07 toneladas de escórias existentes no alvéolo sul correspondem a cerca de 43,7% da quantidade de resíduos urbanos existente naquele alvéolo, que é superior em 13,7 pontos percentuais do valor de 30% estimado no ponto 1.2 do Anexo I da Licença Ambiental nº ...; desta forma, o diferencial da quantidade total de escórias existentes no Alvéolo Sul e 30% dos resíduos urbanos lá depositados (145.355,02 toneladas) consideram-se também como estando depositadas em aterro, quantidade essa que corresponde a 66 152,05 toneladas;

10. Existe um total de 550.602,12 toneladas de resíduos depositados no alvéolo sul (484.450,07 toneladas de resíduos urbanos e 66.152,05 toneladas de escórias);

11. A arguida depositou uma quantidade em massa superior à capacidade licenciada, quer no alvéolo norte quer no alvéolo sul:

alvéolo norte: capacidade total de 550.000 toneladas, tendo sido depositadas até ao final do ano 2017 576.919,08 toneladas de resíduos urbanos e cinzas;

alvéolo sul: capacidade total de 380.000 toneladas, tendo sido depositados até ao final do ano 2017 484.450,07 toneladas de resíduos urbanos e 66.152,05 toneladas de escórias, perfazendo 550.602,12 toneladas de resíduos;

12. A arguida possui a Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos - Captação de Água Subterrânea com o nº ......., para um furo de captação de água com potência de extração de 3 cv;

13. O Programa de autocontrolo a implementar definido na Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos - Captação de Água Subterrânea com o nº ......., impõe que "(...) as leituras do contador terão de ter periodicidade mensal e deverão ser reportadas à entidade licenciadora com uma periodicidade trimestral".

14. Os elementos disponibilizados pela Arguida sobre o autocontrolo desta captação de água com o nº ....... efetuado diretamente na Plataforma SILiAmb - Sistema Integrado de Licenciamento do Ambiente, gerida pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., indicam que a arguida não deu cumprimento à obrigação de reporte trimestral, visto que os dados relativos nomeadamente aos meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 2018 apenas foram reportados à entidade licenciadora em 14/09/2018;

15. A Arguida possui também a Licença de Utilização dos Recursos Hídricos Rejeição de Águas Residuais nº ......., para a descarga em meio hídrico (...) do efluente tratado na sua Estação de Tratamento de Lixiviados;

16. O Programa de autocontrolo a implementar na Licença de Utilização dos Recursos Hídricos - Rejeição de Águas Residuais n° ... define que "os resultados do programa de autocontrolo quantitativo e qualitativo serão enviados à entidade licenciadora, em formato digital, para o e-mail ..........@....., até ao dia 15 do mês seguinte ao trimestre a que respeitam as medições ou serão reportados no Sistema Integrado de Licenciamento do Ambiente (SILiAmb) (...)";

17. Para efeitos de reporte do autocontrolo relativo ao ano 2017 e 1º semestre de 2018, a arguida evidenciou os ofícios enviados à entidade licenciadora datados de 07/04/2017, 19/07/2017 (fora de prazo), 12/10/2017, 12/01/2018 e 10/04/2018, sem demonstrar que o tenha efetuado no formato exigido na Licença de Utilização dos Recursos Hídricos - Rejeição de Águas Residuais nº ... (isto é "em formato digital, para o e-mail ..........@....., até ao dia 15 do mês seguinte ao trimestre a que respeitam as medições ou serão reportados no Sistema Integrado de Licenciamento do Ambiente");

18. Foi contactado AA representante daquele estabelecimento e que exerce as funções de Diretor de Operações (A...);

19. A arguida declarou em sede de IRC (Modelo 22), relativamente ao período de tributação de 2017, um lucro tributável no valor de € 4.669.203,58;

20. A arguida exerce atividade regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma, in casu o Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio, Decreto-Lei n° 183/2009, de 10 de agosto e Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de agosto;

21. Não agiu com a diligência necessária e de que era capaz;


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22. Não tendo sido possível, por razões alheias à recorrente, a emissão do TUA, a APA, I.P., em 14 de fevereiro de 2018, remeteu-lhe um ofício referindo a validade das actuais licenças alvo do pedido de renovação na plataforma siliamb “…até emissão de decisão final sobre o procedimento de renovação simultâneo da LA e da LE.

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Não se provaram, para além ou contrariamente ao que antecede, quaisquer outros factos e designadamente a validade da Licença da Operação de Deposição de Resíduos em Aterro n° ... tenha caducado em 31/12/2017.

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Foram tidos em consideração os seguintes meios de prova, tidos por relevantes:

- autos de contraordenação e respectivos anexos de fls. 1 e ss. e 238 e ss..;

- relatório de inspecção ...;

- documentos apresentados com a defesa em sede administrativa e com o requerimento de interposição de recurso;

- depoimentos de:

AA, chefe de divisão da recorrente, o qual referiu que, à data do acto inspectivo em causa nos autos, era responsável pelas operações na .... Esteve presente no mesmo. Quanto à questão de “aterro sem licença”, referiu exercer funções na recorrente há vinte e sete anos. Nunca teve conhecimento de infraestruturas que não estivessem licenciadas. Até 2015/2016 existiam duas licenças, uma para cada actividade. Com a reformulação do procedimento administrativo de licenciamento, a autoridade nacional tentou uniformizar o processo e dentro de um estabelecimento com mais do que uma actividade não fazer sentido haver licença para uma coisa e para outra. Visou-se colocar todas as licenças numa única. Ocorreu uma mudança legislativa. À data dos factos já tal mudança ocorrera. Uma só licença passou a abranger o estabelecimento e todas as actividades, denomidada título único ambiental. O inspector disse que a licença estava caducada. O depoente foi buscar a licença principal e o inspector não referiu nada mais. A entidade competente disse que a licença estava em curso de emissão e que as anteriores se mantinham em vigor. A APA é a competente para emitir a nova licença. Para as antigas, a APA (incineração) e a CCDR (aterros). Em finais de 2017 já a CCDR estava integrada na APA. Um dos motivos de atraso na emissão do titulo foi a necessidade de a CCDR corroborar certas informações. Em inícios do ano de 2018, há um oficio da APA a dizer que se mantêm válidas as licenças. Em setembro/outubro de 2017 pediram a renovação da licença. Confiaram na declaração emitida pela APA. No mesmo dia tiveram o acto inspectivo e a vistoria para emissão da licença. A recorrente representa cerca de 10% de gestão de resíduos nacional. A gestão do espaço no aterro é diária visando optimizar e maximizar o espaço. Áreas restritas, com condicionantes. Definidas quanto ao volume máximo a colocar. Há cota mínima de escavação e cota máxima de altura. Neste caso, havia proximidade ao aeroporto. A capacidade máxima licenciada depende do projecto. Os valores podem ser ultrapassados em termos de massa em caso de peso decorrente por exemplo da água da chuva. Mas as cotas não podem ser ultrapassadas. Desde 2017 não são colocados novos resíduos no alvéolo norte. Com o tempo, a parte orgânica dos resíduos degrada-se e ganha-se espaço. O alvéolo norte estava encerrado à data da acção inspectiva. As entidades licenciadoras foram informadas do encerramento do alvéolo norte. No alvéolo sul a armazenagem prioritária foi autorizada e não carecia de pagamento de taxas. A APA não considera as deposições transitórias. A escória é o resultado da incineração dos resíduos. A escória como material de cobertura é aconselhada pela própria APA e o seu peso não é contabilizado;

BB, chefe de divisão na recorrente, o qual referiu, no que respeita à obrigação de reporte, que a licença dizia que tinha de haver um controlo mensal da quantidade de água extraída. Instalaram o aparelho. Controlaram a retirada de água. Respeitou os termos da licença quanto à quantidade de água. Reporte de auto controlo de 2017 e primeiro trimestre de 2018: enviaram, não no formato exigido, mas sim por correio físico. Enviaram esses controlos à CCDR dentro do prazo. Numa ocasião passou 2/3 dias. A informação chegou ao destino e foi utilizada. Nunca foram interpelados a propósito da forma como a informação era enviada. A taxa era pela captação e pela descarga;

CC, inspector do IGAMAOT, o qual referiu que se tratou de uma inspecção de rotina no aterro sanitário .... Existiam quatro incumprimentos à legislação em vigor. A licença de ... encontrava-se caducada e era para deposição de resíduos em aterro. O operador não estava a cumprir com os requisitos de licença ambiental porque tinha excedido a capacidade licenciada nos dois aterros, alvéolo norte e sul. O operador tem licença de captação de água subterrânea, estando obrigado a fazer autocontrolo e reporta à agencia do ambiente, tendo de fazer leituras mensais do contador e reporte a cada três meses. Foi verificado que nos meses de janeiro a abril de 2018 apenas foram reportados em setembro. Por fim o operador tinha uma licença de descarga de efluentes sujeito ao reporte trimestral à agencia portuguesa de ambiente por email. Um dos reportes, do segundo trimestre de 2017, foi feito apenas em 2017.07.19, quando devia ter sido feito até 15 de julho. O alvéolo norte tinha uma cobertura com vista ao encerramento. Não estava em actividade mas não estava encerrado. Apenas o sul estava em utilização. No alvéolo norte, não foi contabilizada a quantidade de escoria (12%) para o calculo dos resíduos. Apenas contabilizou cinzas e resíduos urbanos. No alvéolo sul, com capacidade de 380 mil toneladas e só de resíduos urbanos estavam mais de 480 mil toneladas. A licença ambiental autoriza que as escórias utilizadas sejam 30% em relação aos resíduos urbanos. O depoente contabilizou apenas a fracção de escórias que excedeu esses 30% referidos na licença ambiental. O operador fez um pedido conjunto para agregação de licenças mas não sabe o que foi decidido. O operador fez um pedido de renovação dentro do prazo ao gestor do sistema, agencia portuguesa do ambiente, mas naquela data a licença estava caducada. A APA emitiu licença ambiental (permitia incineração e deposição em aterro). Mas também precisa de licença de deposição em aterro, que à data eram licenças diferentes e ambas a emitir pela APA. Quanto ao incumprimento do reporte, a recolha dos dados foi efectuada. Os dados existem mensalmente. A A... deu cumprimento à instalação de contador. A licença diz que tem de ser feitas leituras mensais e reportadas trimestralmente, após o decurso dos três meses. O autocontrolo da licença de captação era de fazer através de uma plataforma. O pedido de renovação de licenças foi por referência à licença ambiental e de deposição. Ofício de 14 de fevereiro de 2018. Referência ....... Não consegue ter o entendimento de que aquele oficio prorrogue a validade das licenças. Mas o depoente acha que foi apenas uma licença. Este aterro foi licenciado para uma capacidade em massa e não em volume. Com o passar do tempo o volume pode reduzir mas a massa é a mesma;

DD, inspectora do IGAMAOT, referiu ter sido a inspectora coordenadora da inspecção de 2018.07.24. Esteve presente nessa acção inspectiva. Existia consumo de água autorizado. Com obrigação e reporte trimestral dos consumos mensais à entidade licenciadora. Não foi demonstrado o cumprimento do reporte. Quanto ao ano de 2017 disseram que o reporte tinha sido na plataforma mas sem comprovativo. Quanto a 2018, foi enviado um print screen mas constatou-se que os reportes do primeiro semestre foram introduzidos em 14 de setembro. Foi este o único incumprimento detectado. A A... tinha um contador que permite com rigor fazer o controlo da água consumida. A recolha foi mensal. A quantidade de água captada respeitou os limites;

EE, anterior inspector do IGAMAOT, actualmente engenheiro do ambiente na APA. Participou nas inspecções. Não foi respeitada a capacidade máxima para cada um dos alvéolos. Não foi respeitada a periodicidade do reporte dos volumes de agua captada prevista na licença. Não foi utilizado o formato digital para o reporte. Não se recorda de ter sido referida a existência de uma prorrogação da licença. As escórias foram consideradas juntamente com os resíduos sólidos urbanos. No alvéolo norte as contas feitas foram 576 toneladas, 476 toneladas de cinzas com resíduos urbanos. 12% de escórias e não consideradas. A superação não foi muito superior e podemos entrar em considerações de volume e massa. Este alvéolo tinha cessado a actividade. No alvéolo sul os valores que estão na licença ambiental não foram respeitados e são muito superiores e não podem ser justificadas por razões de densidade e compactação. Não se recorda da questão das escórias no alvéolo sul. Os dados existiam e foram enviados, ainda que não pela plataforma. A plataforma teve um momento em que não funcionou, mas não sabe dizer quando é que tal aconteceu. Mas não crê que isso tenha sido impeditivo de se fazer uma comunicação. Estava implementada e a funcionar em 2017. No alvéolo norte, a questão do volume crê que não justificaria a diferença. O que está na licença ambiental é massa e não volume. Quando a APA determina a capacidade, ela é uma estimativa. No alvéolo sul nem todos os resíduos estavam depositados a titulo definitivo, com autorização da APA. As percentagens são mera recomendação da APA quanto a escorias;

FF, ex inspector do IGAMAOT em julho de 2018. Terminou em agosto de 2020. À data dos autos estava em funções. Foi ao local. Foi feita inspecção em 24 de julho de 2018. O depoente era participante. Verificou a gestão dos recursos hídricos. Constatou que não foi comunicado o reporte no prazo devido. Não foram apresentados comprovativos de reporte. Depois do acto inspectivo terão apresentado os dados. Os dados foram submetidos em setembro através da plataforma. Pensa que em 2017 e 2018 a plataforma estava a funcionar;

GG, técnica superior na APA, tendo referido que as licenças são emitidas com prazo de validade definido e renovadas mediante avaliação. Consultada documentação em sua posse, referiu que foi prorrogada a validade da licença até decisão final de licença única, pelo averbamento 1/2013. O título único emitido foi emitido. Foi um deferimento condicionado.


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Em sede de discussão dos meios de prova, importa referir que os factos provados decorrem dos autos de contraordenação, dos anexos que os acompanham e dos depoimentos colhidos em sua sustentação, sendo particularmente assertiva a sustentação ocorrida em matéria de explicitação da superação das quantidades de matéria depositada no alvéolo sul do aterro da recorrente. Note-se que os depoimentos colhidos primaram por um registo de objectividade e consistente discorrência. Foi, também, tido em consideração o teor documental com que os autos foram instruídos.

O facto provado 22 foi documental e testemunhalmente evidenciado.

Os factos de pendor subjectivo decorrem da própria materialidade factual objectiva e bem assim das regras da experiência comum que, a seu respeito, se afirmam.

O único facto não provado decorre da sua diametral oposição à consistente evidenciação do facto provado 22.


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Não foram tidas em consideração as asserções ininteligíveis, de pendor probatório (instrumentais), conclusivo (despidas de concretização factual) ou jurídico (co-envolvendo, mais ou menos explicitamente, juízos de enquadramento normativo).

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Enquadramento jurídico do acervo fáctico apurado

- (duas) contraordenações previstas e puníveis pela alínea c) do nº 3 do art. 81º do Decreto-Lei 226-A/2007, de 31 de maio -

Determina a alínea c) do nº 3 do art. 81° do Decreto-Lei 226-A/2007, de 31 de maio que "constitui contraordenação ambiental muito grave (...) o incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título".


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Os pontos 12 a 14 da factualidade provada consubstanciam manifesto incumprimento (extemporaneidade do reporte) do estipulado no referido título, o que, conjugado com o apurado nos pontos 20 e 21, impõe a condenação pela prática do vertente tipo contraordenacional, a título negligente.

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Em 2016.07.12 teve início a vigência da Autorização de Utilização de Recursos Hídricos - Rejeição de Águas Residuais n° ..., de que a arguida era titular, pelo que estava obrigada a cumprir as condições nela impostas.

Os pontos 15 a 17 da factualidade provada consubstanciam manifesto incumprimento (inobservância da pré-determinada modalidade de envio) do estipulado no referido título, o que, conjugado com o apurado nos pontos 20 e 21, impõe a condenação pela prática do vertente tipo contraordenacional, a título negligente.


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- contraordenação prevista e punível pelo art. 12 e alínea e) do nº 1 do art. 48º do Decreto-Lei 183/2009, de 10 de agosto -

O Decreto-Lei 102-D/2020, de 10 de dezembro revogou o Decreto-Lei 183/2009, de 10 de agosto, do que não resultou a despenalização ou desagravamento da conduta em apreço. Do novo diploma não resulta tratamento mais favorável à arguida, pelo que é in casu aplicável a lei vigente à data da prática dos factos.

O nº 1 do art. 12º do Decreto-Lei 183/2009, de 10 de agosto, estabelece que "a operação de deposição de resíduos em aterro está sujeita a licenciamento por razões de saúde pública e de protecção do ambiente (…)".

De acordo com a alínea e) do nº 1 do art. 48º do mesmo diploma, "constitui contra-ordenação ambiental muito grave (...) a exploração não licenciada de um aterro, em violação do disposto no artigo 12°".

In casu, considerando os factos provados 3 a 6 e 22 (e o facto não provado 1) não se mostra preenchido o elemento objectivo do vertente tipo de ilícito contraordenacional, impondo-se absolver a recorrente da sua prática.


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- contraordenação prevista e punível pelo art. 111º, nº 2, alínea e) do Decreto Lei 127/2013, de 30 de agosto -

A alínea e) do nº 2 do art. 111º do Decreto-Lei 127/2013, de 30 de agosto, comina como contraordenação ambiental grave "a construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA".

Dos factos provados 7 a 11, resulta que a arguida era titular da Licença Ambiental nº ..., não tendo dado cumprimento às condições impostas pela mesma (excesso de depósito de resíduos), o que, conjugado com o apurado nos pontos 20 e 21, impõe a condenação pela prática do vertente tipo contraordenacional, a título negligente.


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- contraordenação prevista e punível pela alínea c) do nº 3 do art. 81º do Decreto-Lei 226-A/2007, de 31 de maio -

Em 2014.10.17 teve início a vigência da Autorização de Utilização de Recursos Hídricos - Captação de Água Subterrânea nº ......., de que a arguida era titular.

In casu, considerando os factos provados 2 a 6 e 22 (e o facto não provado 1) não se mostra preenchido o elemento objectivo do vertente tipo de ilícito contraordenacional, impondo-se absolver a recorrente da sua prática.


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Determinação da medida concreta das coimas parcelares e única

Nos termos do disposto no art. 23º-A, nº 1 da Lei 50/2006, de 29 de agosto, “1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima”.

In casu, atendendo à qualificação das contraordenações como graves e muito graves, é manifestamente inapropriada a perspectiva da atenuação especial da coima, motivo pelo qual à mesma não se procederá.


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Tendo em consideração, nos termos do disposto no art. 20º, nº 1 da Lei 50/2006, de 29 de agosto, a gravidade das contraordenações, a culpa (negligência) da recorrente, a sua situação económica e os (não apurados) benefícios obtidos com a prática dos factos afigura-se-nos adequada a fixação da medida concreta das coimas parcelares administrativamente definidas por referência às três contraordenações supra consideradas praticadas.

Ante o disposto no art. 27º da Lei 50/2006, de 29 de agosto, e impondo-se reformular a coima única a impor, fixa-se a sua dosimetria concreta em quarenta mil euros.»


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Vejamos.

Do dever de fundamentação

A recorrente coloca em causa o dever de fundamentação por parte do Tribunal a quo, chamando à colação o disposto nos arts. 205.º, n.º 1, da CRP e 374.º, n.º 1, e 375.º, ambos do CPenal.

Não invoca expressamente a nulidade da sentença por força do disposto no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPPenal, embora o faça a Exma. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer, com referência às questões da atenuação especial da pena e da concreta medida da pena única.

De todo o modo, essa questão deve ser apreciada pelo Tribunal de recurso, já que as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso (art. 379.º, n.º 2, do CPPenal, sendo, por isso, questão de conhecimento oficioso.

Nem o regime geral das contra-ordenações (doravante, RGCO), constante do DL 433/82, de 27-10, que instituiu o ilícito de mera ordenação social e respectivo processo, nem a Lei-Quadro das contra-ordenações ambientais, aprovada pela Lei 50/2006, de 29-08, prevê qualquer formalidade quanto à sentença proferida em resultado da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa[2], aplicando-se, por isso, subsidiariamente o regime do processo penal, ex vi arts. 2.º, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29-08, e 41.º, nº 1, do RGCO.

Nesse sentido, vejam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-01-2018, relatado por Orlando Gonçalves no âmbito do Proc. n.º 62/17.1T8CNT.C1, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-06-2019, relatado por Augusto Lourenço no âmbito do Proc. n.º 2/19.3YUSTR.L1-3, ambos acessíveis in www.dgsi.pt.

E no que concerne à fundamentação da sentença penal, dispõe o n.º 2 do art. 374.º do CPPenal, sob a epígrafe “Requisitos da sentença”, que «[a]o relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.»

Por seu turno, determina o art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPPenal que:

«1 - É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F».

Ora, a simples leitura do primeiro dos preceitos citados evidencia que a fundamentação de facto e de direito não tem de ser exaustiva, isto é, não tem de fazer alusão particularizada e pormenorizada a todos os factos e sua interligação com as provas produzidas, antes satisfazendo-se a exigência de fundamentação com uma exposição concisa, ainda que tanto quanto possível completa, que deve conter a indicação e o exame crítico das provas que sustentaram a convicção do Tribunal.

E só na falta destas menções se pode concluir pela nulidade da decisão, como resulta do texto do segundo dos preceitos aqui reproduzidos.

Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-01-2018[3], segundo o qual:

«I - A necessidade de fundamentação da sentença condenatória, nos termos dos artigos 374.º e 375.º do CPP, que concretizam requisitos específicos relativamente ao regime geral estabelecido no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, decorre directamente do art. 205.º, n.º 1, da CRP. A fundamentação das decisões dos tribunais, constituindo um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito, representa um dos aspectos do direito a um processo equitativo protegido pela Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

II - O dever de fundamentação satisfaz-se com a exposição concisa, mas, tanto quanto possível, completa dos motivos de facto que fundamentam a convicção do tribunal, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar tal convicção, não sendo exigível uma indicação das provas que, com especificada referência a cada um dos factos, justificam que cada um deles seja considerado provado ou não provado.

III - A falta de fundamentação implica a inexistência dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e só a falta absoluta de fundamentação determina a sua nulidade[4]

E ainda o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-01-2014[5] que, quanto ao dever de fundamentação, explanou o seguinte:

«XI - O dever de fundamentação da decisão traduz-se em assumir uma síntese intelectualmente honesta e suficientemente expressiva do resultado do exame contraditório sobre as distintas fontes de prova. O juiz examina a prova e depois manifesta uma opção de sentido e valor e essa tarefa não o dispensa de, ao fixar os seus elementos de convicção, o fazer de forma clara, numa exposição das razões de facto e de direito da sua decisão (art. 374.º, n.º 2, do CPP).»

Esta análise, que se impõe que o julgador verta na sua decisão, permite aos destinatários da mesma acompanhar o processo lógico-valorativo da formação da convicção do Tribunal, verificar da legalidade da decisão face às regras de apreciação da prova – como o princípio in dubio pro reo, as regras da experiência comum, as proibições de prova, o valor da prova pericial, o grau de convicção exigível e a presunção de inocência – e, pretendendo, impugná-la especificadamente quanto aos pontos considerados mal julgados, possibilitando ainda ao Tribunal de recurso uma mais clara e efectiva reponderação da decisão da 1.ª Instância.

Como bem se definiu no acórdão desta Relação do Porto de 09-12-2015[6]:

«I - A fundamentação, na sua projecção exterior, funciona como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite da verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão, e na perspectiva intraprocessual, está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos.

II – O exame crítico da prova consiste na enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.

III – A razão de ser da exigência da exposição, dos meios de prova, é não só permitir o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, mas também assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.»

Ora, percorrendo o texto da sentença recorrida não encontramos nele qualquer falha que corresponda à nulidade invocada no que se refere ao elenco dos factos provados e não provados, respectiva motivação e enquadramento jurídico.

A recorrente não concorda com a subsunção dos factos ao direito que o Tribunal a quo realizou, entendendo, no limite, que nenhuma das três situações por que foi condenada constitui contra-ordenação, avançando a sua explicação, muito centrada na diminuta ilicitude das condutas, em comparação até com contra-ordenações classificadas como leves.

Mas isso não significa que a decisão tenha omitido a respectiva fundamentação.

A verdade é que o Tribunal a quo, concorde-se ou não com essa solução, considerou que os factos provados permitiam o enquadramento realizado pela autoridade administrativa quanto a três das cinco contra-ordenações imputadas, explicando de forma suficientemente detalhada na sua motivação por que razão mantinha a factualidade que permitiu a condenação da recorrente por três contra-ordenações e a absolvia das outras duas.

Tanto é assim que a recorrente desenvolveu no recurso o seu raciocínio relativamente ao enquadramento jurídico que considerava mais correcto, sendo capaz de apresentar a sua perspectiva e rebater a da sentença recorrida.

É ao nível da determinação da medida concreta das coimas que se pode suscitar alguma dúvida quanto ao cumprimento do dever de fundamentação, já que o Tribunal a quo foi bastante sucinto.

Porém, quanto às coimas parcelares, uma vez que foi aplicado o mínimo legal para o comportamento negligente, correspondente ao mínimo aplicável a cada uma das contra-ordenações, fica sem sentido a menção a falta de fundamentação.

É verdade que o Tribunal a quo foi bastante conciso a afastar a aplicação da atenuação especial da pena, mas não deixou de referir que a classificação das contra-ordenações como graves e muito graves afasta essa solução, sendo essa uma justificação jurídica, esteja ela correcta ou não.

O grande problema ao nível da fundamentação coloca-se na determinação da coima única, pois a decisão não explica que critério foi adoptado para se chegar a uma coima única de € 40.000, apenas mencionando que ante o disposto no art. 27º da Lei 50/2006, de 29 de agosto, e impondo-se reformular a coima única a impor, fixa-se a sua dosimetria concreta em quarenta mil euros.

No entanto, a nulidade parcial do acórdão nesta parte, face à ausência de fundamentação respectiva, só releva verdadeiramente se as coimas parcelares forem mantidas tal como fixadas pelo Tribunal a quo, já que a procedência da aplicação de admoestações requerida em recurso ou a atenuação especial das coimas, tornará irrelevante a apontada omissão.

Em face do exposto, procede parcialmente a invocação da omissão do dever de fundamentação, que determina a nulidade parcial da sentença, no que concerne à fixação da coima única, embora a verdadeira relevância dessa falha só seja apreensível quando for apreciada a questão da medida concreta das coimas.

Do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

É pacífico o entendimento de que os vícios da decisão previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPPenal, são defeitos que têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, sem apoio em quaisquer elementos externos à mesma, salvo a sua interpretação à luz das regras da experiência comum. São falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão e que são detectáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente perceptíveis à leitura da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios.

Relativamente ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, podemos dizer que o mesmo corresponde a uma «carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura»[7], devendo também ser patente da decisão em causa que o Tribunal a quo podia e devia ter indagado outros factos de modo a tornar o elenco dos factos provados e não provados aptos a uma sustentada solução de direito.

Ora, salvo o devido respeito, a recorrente não identifica que questões o Tribunal a quo deixou de apurar, misturando a qualificação jurídica dos factos com o invocado vício.

A verdade é que na motivação da sentença o Tribunal a quo explica bem as razões pelas quais entendeu ser de manter a matéria de facto provada quanto às três contra-ordenação aqui em causa, com os contornos que foram apurados e nos precisos termos em que o foram.

A recorrente pode não concordar com a análise jurídica do Tribunal a quo, mas não identifica qualquer verdadeira falha que impeça a prolação da decisão nos termos em que foi efectuada, não se mostrando em falta a averiguação de quaisquer factos relevantes relativamente a nenhuma das três situações em apreço.

Improcede igualmente este segmento do recurso.


*

Da qualificação jurídica dos factos

O grande dissenso da recorrente perante a decisão recorrida, e que perpassa ao longo dos vários segmentos do recurso, independentemente da categorização que deles fez, situa-se ao nível da subsunção dos factos ao direito, considerando a recorrente que os factos provados não permitem o enquadramento jurídico realizado na sentença recorrida.

O Tribunal a quo analisou esta matéria nos seguintes termos, como já se viu e que aqui se relembra (transcrição):

«Enquadramento jurídico do acervo fáctico apurado

- (duas) contraordenações previstas e puníveis pela alínea c) do nº 3 do art. 81º do Decreto-Lei 226-A/2007, de 31 de maio -

Determina a alínea c) do nº 3 do art. 81° do Decreto-Lei 226-A/2007, de 31 de maio que "constitui contraordenação ambiental muito grave (...) o incumprimento das obrigações impostas pelo respetivo título".


--

Os pontos 12 a 14 da factualidade provada consubstanciam manifesto incumprimento (extemporaneidade do reporte) do estipulado no referido título, o que, conjugado com o apurado nos pontos 20 e 21, impõe a condenação pela prática do vertente tipo contraordenacional, a título negligente.

--

Em 2016.07.12 teve início a vigência da Autorização de Utilização de Recursos Hídricos - Rejeição de Águas Residuais n° ..., de que a arguida era titular, pelo que estava obrigada a cumprir as condições nela impostas.

Os pontos 15 a 17 da factualidade provada consubstanciam manifesto incumprimento (inobservância da pré-determinada modalidade de envio) do estipulado no referido título, o que, conjugado com o apurado nos pontos 20 e 21, impõe a condenação pela prática do vertente tipo contraordenacional, a título negligente.


--

- contraordenação prevista e punível pelo art. 12 e alínea e) do nº 1 do art. 48º do Decreto-Lei 183/2009, de 10 de agosto -

O Decreto-Lei 102-D/2020, de 10 de dezembro revogou o Decreto-Lei 183/2009, de 10 de agosto, do que não resultou a despenalização ou desagravamento da conduta em apreço. Do novo diploma não resulta tratamento mais favorável à arguida, pelo que é in casu aplicável a lei vigente à data da prática dos factos.

O nº 1 do art. 12º do Decreto-Lei 183/2009, de 10 de agosto, estabelece que "a operação de deposição de resíduos em aterro está sujeita a licenciamento por razões de saúde pública e de protecção do ambiente (…)".

De acordo com a alínea e) do nº 1 do art. 48º do mesmo diploma, "constitui contra-ordenação ambiental muito grave (...) a exploração não licenciada de um aterro, em violação do disposto no artigo 12°".

In casu, considerando os factos provados 3 a 6 e 22 (e o facto não provado 1) não se mostra preenchido o elemento objectivo do vertente tipo de ilícito contraordenacional, impondo-se absolver a recorrente da sua prática.


--

- contraordenação prevista e punível pelo art. 111º, nº 2, alínea e) do Decreto Lei 127/2013, de 30 de agosto -

A alínea e) do nº 2 do art. 111º do Decreto-Lei 127/2013, de 30 de agosto, comina como contraordenação ambiental grave "a construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA".

Dos factos provados 7 a 11, resulta que a arguida era titular da Licença Ambiental nº ..., não tendo dado cumprimento às condições impostas pela mesma (excesso de depósito de resíduos), o que, conjugado com o apurado nos pontos 20 e 21, impõe a condenação pela prática do vertente tipo contraordenacional, a título negligente.


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- contraordenação prevista e punível pela alínea c) do nº 3 do art. 81º do Decreto-Lei 226-A/2007, de 31 de maio -

Em 2014.10.17 teve início a vigência da Autorização de Utilização de Recursos Hídricos - Captação de Água Subterrânea nº ......., de que a arguida era titular.

In casu, considerando os factos provados 2 a 6 e 22 (e o facto não provado 1) não se mostra preenchido o elemento objectivo do vertente tipo de ilícito contraordenacional, impondo-se absolver a recorrente da sua prática.»

Vejamos.

Das duas contra-ordenações muito graves previstas no art. 81.º, n.º 3, al. c), do Decreto-Lei 226-A/2007, de 31-05, e punidas pelo art. 22.º, n.º 4, al. b), da Lei 50/2006, de 29-08, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28-08

Uma destas contra-ordenações resulta, de acordo com o entendimento do Tribunal a quo, do conjunto dos seguintes factos (transcrição):

«12. A arguida possui a Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos - Captação de Água Subterrânea com o nº ......., para um furo de captação de água com potência de extração de 3 cv;

13. O Programa de autocontrolo a implementar definido na Autorização de Utilização dos Recursos Hídricos - Captação de Água Subterrânea com o nº ......., impõe que “(...) as leituras do contador terão de ter periodicidade mensal e deverão ser reportadas à entidade licenciadora com uma periodicidade trimestral”.

14. Os elementos disponibilizados pela Arguida sobre o autocontrolo desta captação de água com o nº ....... efetuado diretamente na Plataforma SILiAmb - Sistema Integrado de Licenciamento do Ambiente, gerida pela Agência Portuguesa do Ambiente, I.P., indicam que a arguida não deu cumprimento à obrigação de reporte trimestral, visto que os dados relativos nomeadamente aos meses de janeiro, fevereiro, março e abril de 2018 apenas foram reportados à entidade licenciadora em 14/09/2018;

(…)

20. A arguida exerce atividade regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma, in casu o Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio, Decreto-Lei n° 183/2009, de 10 de agosto e Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de agosto;

21. Não agiu com a diligência necessária e de que era capaz».

Já para a recorrente, tendo presente o princípio da proporcionalidade, nenhuma contra-ordenação foi praticada.

Começa por salientar que cumpriu todas as condutas a que estava obrigada pelo título de autorização, como instalar aparelho de autocontrolo do volume de água captada, realizar a respectiva leitura mensal e respeitar os limites de captação permitidos pelo título.

Concluiu, assim, que o único incumprimento a apontar seria o de reporte trimestral da leitura mensal à entidade licenciadora.

Contudo, considera que a censura a realizar a tal comportamento não pode conduzir ao enquadramento de contra-ordenação muito grave, identificando, nessa perspectiva, contra-ordenações graves e até leves que cariz muito mais censurável.

Por outro lado, alega a recorrente, a autorização não indica o momento em que o reporte deve ser realizado, apenas determinando que deverá obedecer a uma periodicidade trimestral, razão pela qual, em bom rigor, a autorização não define qualquer prazo de cumprimento daquela obrigação, violando o princípio da legalidade.

Na identificação de eventual contra-ordenação em cuja previsão se enquadre a conduta imputada à arguida recorrente e supratranscrita, importa apenas atender à tipicidade legal.

O princípio da proporcionalidade poderá ser chamado à colação para a determinação da medida concreta da coima, mas não para a subsunção da conduta apurada à norma contra-ordenacional que a preveja.

E neste sentido, é verdade que a conduta do recorrente se enquadra genericamente na previsão do art. 81.º, n.º 3, al. c), do DL 226-A/2007, de 31-05, onde se prevê que seja punido como contra-ordenação muito grave o incumprimento das obrigações impostas pelo respectivo título.

Todavia, o n.º 2 do mesmo art. 81.º do referido diploma legal também prevê, como contra-ordenação grave, a falta de envio dos dados do sistema de autocontrolo de acordo com a periodicidade exigida, nos termos do artigo 5.º(al. g)).

Neste último preceito, sob a epígrafe “Autocontrolo, programas de monitorização e planos de emergência” prevê-se, entre o mais, que:

«1 - O titular de licença ou o concessionário deve instalar um sistema de autocontrolo ou programas de monitorização adequados às respectivas utilizações sempre que essa instalação seja exigida com a emissão do respectivo título.

2 - As características, os procedimentos e a periodicidade de envio de registos à autoridade competente fazem parte integrante do conteúdo do respectivo título.»

Resulta da análise conjugada das duas referidas normas que entre elas existe uma relação de especialidade, que ocorre quando existem «duas normas, sendo uma delas geral (lex generalis) e outra, especial (lex specialis). Esta contém todos os elementos da norma penal geral (tipo fundamental do crime), com o acrescento de certos elementos especializadores, quer relativos ao facto, quer ao agente (tipo especial), pelo que a aplicação desta norma exclui a aplicação daquela, sob pena de violação do princípio constitucional ne bis in idem. A lei especial derroga a lei geral (lex specialis derrogat legi generali[8].

A situação dos autos que ora se aprecia respeita unicamente ao incumprimento da obrigação de reporte trimestral das leituras realizadas em sistema de autocontrolo, especificamente prevista no art. 81.º, n.º 2, al. g), do DL 226-A/2007, de 31-05, e não ao incumprimento de outras obrigações decorrentes do título de autorização e que não encontram específica previsão legal noutras normas para além da inicialmente imputada à recorrente, pelo que se impõe convolar a qualificação jurídica da conduta em análise e, consequentemente, absolver a recorrente da prática de uma contra-ordenação muito grave prevista no art. 81.º, n.º 3, al. c), do DL 226-A/2007, de 31-05, por que vinha acusada, e condená-la pela prática de uma contra-ordenação grave prevista no art. 81.º, n.º 2, al. g), do mesmo diploma legal.

Por fim, quanto a esta primeira contra-ordenação, no que se refere à falta de indicação de prazo de reporte no título, não assiste razão à recorrente.

O título de autorização define que o reporte das leituras é realizado trimestralmente, sendo que na ausência de prazo especificamente definido há que entender que a recorrente tinha o prazo subsidiário de 10 (dez) dias após termo de cada trimestre para remeter a informação a que estava obrigada, prazo previsto no art. art. 86.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 07-01, mas também no art. 105.º, n.º 1, do CPPenal, ex vi art. 41.º, n.º 1, do RGCO.

Em face do disposto no ponto 14 dos factos provados, o reporte não cumpriu a periodicidade estabelecida no título.

Vejamos agora a segunda contra-ordenação por que vem condenada a recorrente com base na previsão do art. 81.º, n.º 3, al. c), do DL 226-A/2007, de 31-05.

São os seguintes os factos respectivos (transcrição):

«15. A Arguida possui também a Licença de Utilização dos Recursos Hídricos Rejeição de Águas Residuais nº ......., para a descarga em meio hídrico (...) do efluente tratado na sua Estação de Tratamento de Lixiviados;

16. O Programa de autocontrolo a implementar na Licença de Utilização dos Recursos Hídricos - Rejeição de Águas Residuais n° ... define que “os resultados do programa de autocontrolo quantitativo e qualitativo serão enviados à entidade licenciadora, em formato digital, para o e-mail ..........@....., até ao dia 15 do mês seguinte ao trimestre a que respeitam as medições ou serão reportados no Sistema Integrado de Licenciamento do Ambiente (SILiAmb) (...)”;

17. Para efeitos de reporte do autocontrolo relativo ao ano 2017 e 1º semestre de 2018, a arguida evidenciou os ofícios enviados à entidade licenciadora datados de 07/04/2017, 19/07/2017 (fora de prazo), 12/10/2017, 12/01/2018 e 10/04/2018, sem demonstrar que o tenha efetuado no formato exigido na Licença de Utilização dos Recursos Hídricos - Rejeição de Águas Residuais nº ... (isto é "em formato digital, para o e-mail ..........@....., até ao dia 15 do mês seguinte ao trimestre a que respeitam as medições ou serão reportados no Sistema Integrado de Licenciamento do Ambiente");

(…)

20. A arguida exerce atividade regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma, in casu o Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio, Decreto-Lei n° 183/2009, de 10 de agosto e Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de agosto;

21. Não agiu com a diligência necessária e de que era capaz».

A argumentação da recorrente é similar à que usou para a contra-ordenação que se conheceu anteriormente, salientando ainda que a forma utilizada, por via não digital, não impediu que a comunicação fosse efectuada e chegasse ao seu destino.

Valem aqui exactamente as mesmas apreciações antecedentes e que conduziram ao enquadramento da conduta prevista nos pontos 12 a 14 e 20 e 21 dos factos provados no âmbito da previsão do art. art. 81.º, n.º 2, al. g), do DL 226-A/2007, de 31-05, posto que está em causa o reporte trimestral, por e-mail, das leituras resultantes do autocontrolo, ou seja, tendo em conta as características, procedimentos e periodicidade de envio de registos à autoridade competente de acordo com o título de autorização (cf. art. 5.º, n.º 2, do referido diploma legal).

Em face do disposto no ponto 17 dos factos provados, o reporte não cumpriu a periodicidade e procedimentos estabelecidos no título.

Assim, também aqui deve a recorrente ser absolvida da prática de uma contra-ordenação muito grave prevista no art. 81.º, n.º 3, al. c), do DL 226-A/2007, de 31-05, por que vinha acusada, e condenada pela prática de uma contra-ordenação grave prevista no art. 81.º, n.º 2, al. g), do mesmo diploma legal.

Por fim, no que respeita à contra-ordenação grave prevista no art. 111.º, n.º 2, al. e), do DL 127/2013, de 30-08, ou seja, a construção, alteração ou laboração de uma instalação que explore uma ou mais atividades constantes do anexo I com inobservância das condições fixadas na LA, a argumentação da recorrente visa a alteração da matéria de facto provada, por diferente consideração de critério de medição e quantificação, que já não cabe a este Tribunal de recurso avaliar, posto que apenas conhece de direito (art. 75.º, n.º 1, do RGCO), sendo certo que na sua motivação o Tribunal a quo apreciou com o detalhe suficiente essa matéria.

É do seguinte teor a factualidade em apreço:

«7. De acordo com a Licença Ambiental nº ..., o aterro para resíduos não perigosos da arguida possui dois alvéolos com as seguintes capacidades:

alvéolo norte: capacidade total de 550 000 toneladas, destinado à deposição de cinzas inertizadas e escórias (após triagem), provenientes da laboração da Central de Incineração, bem como de resíduos urbanos após esgotamento do novo alvéolo sul;

alvéolo sul: com uma capacidade total de 380 000 toneladas, destinado à deposição de resíduos urbanos;

8. O aterro apresentava as seguintes capacidades efetivadas em dezembro de 2017:

alvéolo norte:

Cinzas: 476.652,56 toneladas;

Escórias: 74.608,52 toneladas (que corresponde a cerca de 12,9% da quantidade total de resíduos urbanos e cinzas depositados em aterro);

Resíduos urbanos: 100.266,52 toneladas;

Quantidade total de resíduos em aterro: 651.527,6 toneladas;

Quantidade de resíduos urbanos e cinzas: 576.919,08 toneladas;

Disponibilidade: 0 m3

alvéolo sul:

Resíduos urbanos: 484.450,07 toneladas;

Escórias: 211.487,07 toneladas (que corresponde a cerca de 43,7% da quantidade total de resíduos urbanos e cinzas depositados em aterro);

Quantidade total de resíduos em aterro: 695.937,14 toneladas;

Disponibilidade: 45.455,6 m3.

9. As 211.487,07 toneladas de escórias existentes no alvéolo sul correspondem a cerca de 43,7% da quantidade de resíduos urbanos existente naquele alvéolo, que é superior em 13,7 pontos percentuais do valor de 30% estimado no ponto 1.2 do Anexo I da Licença Ambiental nº ...; desta forma, o diferencial da quantidade total de escórias existentes no Alvéolo Sul e 30% dos resíduos urbanos lá depositados (145 355,02 toneladas) consideram-se também como estando depositadas em aterro, quantidade essa que corresponde a 66 152,05 toneladas;

10. Existe um total de 550 602,12 toneladas de resíduos depositados no alvéolo sul (484 450,07 toneladas de resíduos urbanos e 66 152,05 toneladas de escórias);

11. A arguida depositou uma quantidade em massa superior à capacidade licenciada, quer no alvéolo norte quer no alvéolo sul:

alvéolo norte: capacidade total de 550 000 toneladas, tendo sido depositadas até ao final do ano 2017 576 919,08 toneladas de resíduos urbanos e cinzas;

alvéolo sul: capacidade total de 380.000 toneladas, tendo sido depositados até ao final do ano 2017 484.450,07 toneladas de resíduos urbanos e 66 152,05 toneladas de escórias, perfazendo 550 602,12 toneladas de resíduos;

(…)

20. A arguida exerce atividade regulada por lei, pelo que tinha obrigação de conhecer e cumprir com o ali prescrito para o exercício da mesma, in casu o Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio, Decreto-Lei n° 183/2009, de 10 de agosto e Decreto-Lei nº 127/2013, de 30 de agosto;

21. Não agiu com a diligência necessária e de que era capaz».

Ora, em face desta factualidade, é inequívoco que a recorrente explorou actividade prevista no anexo I do DL 127/2013, de 30-08 – depósito em aterro de resíduos não perigosos – e que no exercício dessa actividade excedeu as condições fixadas na Licença Ambiental, nos termos fixados na matéria de facto provada.

Cometeu, pois, a contra-ordenação grave por que foi condenada.


*

Da medida concreta das coimas

A alteração da classificação de duas das contra-ordenações por que vinha condenada a recorrente de muito graves para graves determina, desde logo, a reformulação das respectivas coimas parcelares e, consequentemente, da coima única aplicada, tornando irrelevante a falta de fundamentação que se apontou a tal propósito, posto que caberá a este Tribunal de recurso essa reformulação.

Começando pelas coimas parcelares.

Como se vê quer da decisão da autoridade administrativa quer da sentença recorrida, foi aplicada à recorrente o mínimo legal previsto para as condutas negligentes relativamente às contra-ordenações imputadas, tendo em conta, segundo a sentença recorrida «a gravidade das contraordenações, a culpa (negligência) da recorrente, a sua situação económica e os (não apurados) benefícios obtidos com a prática dos factos».

Como ponto de partida da avaliação em curso, não vemos razões para alterar esse critério no que concerne às contra-ordenações previstas pelo art. 81.º, n.º 2, al. g), do DL 226-A/2007, de 31-05, tendo por base o disposto no art. 20.º da Lei 50/2006, de 29-08, segundo o qual:

«1 - A determinação da coima e das sanções acessórias faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto.

2 - Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção.

3 - São ainda atendíveis a coação, a falsificação, as falsas declarações, simulação ou outro meio fraudulento utilizado pelo agente, bem como a existência de atos de ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da infração.»

Estando em causa três contra-ordenações graves, confrontamo-nos, pois, com a aplicação à recorrente de três coimas no valor de € 12 000 cada, conforme decorre do disposto no art. 22.º, n.ºs 1 e 3, al. b), da Lei 50/2006, de 29-08.

A questão que se coloca de seguida é se é possível aplicar à recorrente sanções de admoestação.

Os critérios para aplicação de admoestação apenas se encontram definidos no RGCO, em cujo art. 51.º, n.º 1, se dispõe que quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

Sobre esta matéria, embora em contexto contra-ordenacional diverso, a aqui relatora já se pronunciou no acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 08-03-2023, prolatado no âmbito do Proc. n.º 369/22.6Y4PRT.P1[9], em cujo sumário se firmou que «[a] reduzida gravidade da infracção a que alude o art. 51.º, n.º 1, do RGCO é aferida pela gravidade abstracta da contra-ordenação, seja por força de classificação expressa como leve, seja pela previsão de aplicação de coimas reduzidas, e não pela diminuta ilicitude da conduta do agente no caso concreto.»[10]

Aí se entendeu que «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9.º, n.º 3, do CCivil).

Um sancionamento acrescido, é do senso comum, apenas pode significar maior gravidade da conduta que abstractamente se prevê. Uma contra-ordenação sancionada de forma mais ligeira é seguramente menos grave do que uma outra sancionada com coima mais elevada.

É assim no âmbito do direito das contra-ordenações, como do direito penal, aplicável subsidiariamente por força do art. 32.º do RGCO.

E na verdade, não encontramos diploma algum em que a previsão, por referência a uma mesma escala de classificação de contra-ordenações, de uma contra-ordenação classificada como leve seja sancionada de forma mais grave do que uma contra-ordenação classificada como grave ou muito grave, nem uma contra-ordenação grave sancionada de forma mais pesada do que uma contra-ordenação muito grave.

Do mesmo modo, no âmbito do direito penal, um tipo de ilícito simples é sempre punido de forma mais leve do que o tipo agravado ou qualificado.

Não há segundas leituras para esta realidade.

Por isso, quando a lei prevê uma escala de sancionamento de contra-ordenações com três níveis de diferentes molduras abstractas de coimas a aplicar, só podemos interpretar que os mesmos representam uma graduação da gravidade abstractamente considerada daquele tipo de conduta, sendo menos grave aquele a que corresponde a moldura abstracta da coima mais baixa e mais grave aquele a que corresponde a moldura mais elevada.

No caso em apreço, a contra-ordenação em causa está sujeita a uma moldura abstracta de coima intermédia, não é a mais baixa, mas também não é a mais elevada.

Com este parâmetro, e de acordo com uma interpretação que vê no texto do art. 51.º, n.º 1, do RGCO – quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação – a referência a uma gravidade abstracta da infracção, é que afastar a possibilidade de aplicação de admoestação no caso concreto, posto que uma gravidade mediana não é equivalente a reduzida.

E optámos por nem recorrer à terminologia habitual no direito contra-ordenacional, entre infracções leves, graves e muito graves, utilizando antes o termo mediana gravidade, para que não houvesse dúvidas de que não se está a assimilar qualquer tipo de solução assumida posteriormente por lei.

Resta, então, analisar se a reduzida gravidade da infracção a que alude o art. 51.º do RGCO se deve aferir pela gravidade abstracta da conduta prevista na lei ou pela concreta gravidade da conduta praticada dentro da previsão legal, no fundo se se trata da gravidade da tipicidade do facto se da gravidade da ilicitude do facto, nas palavras do Senhor Conselheiro Santos Cabral no voto de vencido que subscreveu no âmbito do acórdão para fixação de jurisprudência n.º 6/2018[11], de 26-09-2018, invocado pela recorrente, que entende ser esta última solução a correcta.

Como bem se refere no indicado aresto – ainda que aí esteja em causa contra-ordenação expressamente qualificada por lei como grave - não se pode considerar que, atento o caso concreto, a ilicitude da conduta diminua de gravidade, depois de o legislador a ter classificado como sendo uma contraordenação grave, porque portadora de uma ilicitude considerada grave. Na verdade, sempre que o legislador, de forma geral e abstrata, classifica a infração como sendo grave, não poderá o julgador modificar a lei atribuindo menor gravidade àquela ilicitude. Por isto, não pode deixar de se entender que a classificação legal de uma contraordenação como grave afasta logo a possibilidade de o julgador considerar que aquela mesma contraordenação grave afinal é de “reduzida gravidade”.

No caso de que nos ocupamos, apesar de não estarmos perante uma classificação em termos de gravidade abstracta da infracção expressa por lei, estamos inequivocamente perante uma infracção à qual o legislador reconheceu mediana gravidade, reflectindo esse entendimento na moldura abstracta da coima aplicável, como vimos.

Uma infracção de mediana gravidade em termos de previsão legal, nunca deixa de corresponder a essa classificação, ainda que em concreto a conduta do agente possa revelar uma menor ou maior ilicitude, mas sempre dentro do quadro de gravidade da infracção que o legislador desenhou.

Assim como um homicídio será sempre um crime de elevada gravidade ao nível da tipicidade, ainda que em concreto a ilicitude do agente seja diminuta, justificando a aplicação do mínimo legal da pena, mas nunca atingindo o desvalor de uma mera ofensa à integridade física, também uma contra-ordenação à qual o legislador atribuiu, expressa ou implicitamente, aqui pela severidade da sanção prevista, como no caso dos autos, uma gravidade abstracta de mediano ou elevado grau nunca poderá ser considerada uma infracção de reduzida gravidade, a justificar a aplicação de medida prevista para contra-ordenações de efectiva reduzida gravidade abstracta, ainda que a conduta do agente, pela diminuta ilicitude revelada, justifique a aplicação do mínimo da moldura abstracta da coima.

O legislador é o legislador e o julgador é o julgador.»

No caso concreto a classificação como graves das três contra-ordenações que a recorrente cometeu torna inequívoco o raciocínio exposto, que aqui se acolhe, logo a impossibilidade de aplicar nas situações em apreço sanções de admoestação.

E será que impede a atenuação especial da coima, por que pugnou a recorrente na sua impugnação judicial e o Tribunal a quo rejeitou?

Cremos que não e que em concreto estão reunidas as condições para o efeito.

Neste sentido, determina o art. 23.º-A, da Lei 50/2006, de 29-08, aditado pela Lei 114/2015, de 28-08, sob a epígrafe “Atenuação especial da coima” que:

«1 - Para além dos casos expressamente previstos na lei, a autoridade administrativa atenua especialmente a coima, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contraordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da coima.

2 - Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:

a) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados e o cumprimento da norma, ordem ou mandado infringido;

b) Terem decorrido dois anos sobre a prática da contraordenação, mantendo o agente boa conduta.

3 - Só pode ser atendida uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.»

Ora, no caso em apreço já decorreram, não dois, mas cerca de sete anos desde a prática dos factos, não havendo notícia nos autos de que a recorrente não tem mantido boa conduta.

Por outro lado, também não há notícia de que a conduta da recorrente tenha causado algum prejuízo ambiental, nem há demonstração de que teve qualquer benefício com o cometimento das contra-ordenações em causa, sendo certo que quanto às contra-ordenações previstas pelo art. 81.º, n.º 2, al. g), da Lei 226-A/2007, de 31-05, estavam em causa atrasos na comunicação periódica das medições de autocontrolo que foram efectivamente realizadas.

Cremos, pois, que à luz do apontado preceito estão reunidas as condições para que se atenuem especialmente as coimas aplicadas à recorrente, o que determina que os limites mínimos e máximos da coima são reduzidos a metade (art. 23.º-B da Lei 50/2006, de 29-08), ou seja, o limite mínimo das coimas, tendo por base a conduta negligente subjacente, passa de € 12 000 (art. 22.º, n.º 3, al. b), da Lei 50/2006, de 29-08), para € 6000 para cada uma delas.

Da medida concreta da coima única

Determina o art. 27.º do Lei 50/2006, de 29-08, sob a epígrafe “Concurso de contraordenações”, à semelhança aliás, do art. 19.º do RGCO, que:

«1 - Quem tiver praticado várias contraordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso.

2 - A coima a aplicar não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso.

3 - A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contraordenações.»

Tendo presente estes critérios, apuramos que a coima única a aplicar se fixa entre um mínimo de € 6000 e um máximo de € 18.000, que não excede o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso, que no caso é de € 144.000 (€ 72.000x2), conforme decorre do disposto no art. 22.º, n.º 3, al. b), da Lei 50/2006, de 29-08, que determina quanto às contra-ordenações graves, se praticadas por pessoas coletivas, uma coima de (euro) 12.000 a (euro) 72.000 em caso de negligência.

No que concerne à medida concreta da coima única, acompanhamos Paulo Pinto de Albuquerque[12], quando afirma que «a coima única é fixada em função da apreciação conjunta dos factos e da responsabilidade social-adscritiva do agente (…)», devendo, «[e]m regra, (…) aproximar-se dos limites máximos da soma das coimas concretamente aplicadas, devendo ser ponderadas em favor do agente quaisquer circunstâncias atenuantes ainda não avaliadas aquando da determinação do valor concreto de cada coima.»

Importa aqui, na apreciação global da conduta, atender aos factores relevantes inscritos no art. 20 da Lei 50/2006, de 29-08, isto é, a gravidade da contraordenação, a culpa do agente, a sua situação económica e os benefícios obtidos com a prática do facto., para além da conduta anterior e posterior do agente que possa influir na decisão, e bem assim as exigências de prevenção.

A avaliação global dos factos conduz-nos a uma mediana gravidade da conduta, onde sobressaem com maior pendor negativo os factos inscritos nos pontos 7 a 11 e 20 a 21 da matéria de facto provada, a uma actuação negligente relativamente a toda a conduta apurada, onde, naturalmente, não se detectou o recurso a expedientes mais elaborados, e à ausência de consequências conhecidas de sequelas ambientais.

Por outro lado, as exigências de prevenção geral são muito elevadas, em face da evidente degradação dos recursos naturais, incluindo o hídrico, que são finitos e que é preciso preservar, mostrando-se necessária a aplicação de medidas que acautelem a vertente preventiva da protecção ambiental.

Na ponderação global destes factores, entende-se ser adequada às finalidades em apreço e proporcional à gravidade das condutas a aplicação à arguida aqui recorrente de uma coima única no valor de € 12.000.


*

III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida “A...” e, em consequência:

a) – Convolar a qualificação jurídica subjacente às duas contra-ordenação ao disposto no DL 226-A/2007, de 31-05, absolvendo a arguida da prática de duas contra-ordenações muito graves previstas pelo art. 81.º, n.º 3, al. c), do referido diploma legal e condenando-a pela prática, a título negligente, de duas contra-ordenações graves previstas pelo art. 81.º, n.º 2, al. g), do aludido diploma legal;

b) – Determinar a atenuação especial das coimas a aplicar à arguida e nessa sequência condená-la nas seguintes coimas parcelares:

b1) – Pela prática de uma contra-ordenação grave prevista pelo art. 81.º, n.º 2, al. g), cometida a título negligente (factos provados 12 a 14 e 20 e 21), e punida nos termos dos arts. 22.º, n.º 3, al. b), e 23.º-A da Lei 50/2006, de 29-08, numa coima de € 6000 (seis mil euros);

b2) – Pela prática de uma contra-ordenação grave prevista pelo art. 81.º, n.º 2, al. g), cometida a título negligente (factos provados 15 a 17 e 20 e 21), e punida nos termos dos arts. 22.º, n.º 3, al. b), e 23.º-A da Lei 50/2006, de 29-08, numa coima de € 6000 (seis mil euros);

b3) – Pela prática de uma contra-ordenação grave prevista pelo art. 111.º, n.º 2, al. e), do DL 127/2013, de 30-08, cometida a título negligente (factos provados 7 a 11 e 20 e 21), e punida nos termos dos arts. 22.º, n.º 3, al. b), e 23.º-A da Lei 50/2006, de 29-08, numa coima de € 6000 (seis mil euros);

c) – Condenar a arguida numa coima única que se fixa em € 12.000 (doze mil euros);

d) – Manter no mais a decisão recorrida.

Sem custas em sede de recurso (art. 94.º, n.º 3, do RGCO).


Porto, 12 de Fevereiro de 2015
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)
Maria Joana Grácio
Maria Ângela Reguengo da Luz
Madalena Caldeira
_________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Embora o n.º 4 do art. 64.º do RGCO, respeitante à decisão condenatória por despacho judicial, preveja que em caso de manutenção ou alteração da condenação deve o juiz fundamentar a sua decisão, tanto no que concerne aos factos como ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, e o n.º 5 do mesmo preceito, relativo à decisão absolutória por despacho judicial, estabeleça que em caso de absolvição deverá o juiz indicar porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contra-ordenação.
[3] Relatado por Lopes da Mota no âmbito do Proc. n.º 388/15.9GBABF.S1 – 3.ª Secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos).
[4] Realce a negrito da relatora.
[5] Relatado por Armindo Monteiro no âmbito do Proc. n.º 7/10.0TELSB.L1.S1 – 3.ª Secção, acessível in www.dgsi.pt.
[6] Relatado por Eduarda Lobo no âmbito do Proc. n.º 9/14.7T3ILH.P1 – 1.ª Secção, acessível in www.dgsi.pt.
[7] Cf. acórdão do STJ de 20-12-2006, Proc. n.º 3379/06, citado no acórdão do mesmo Supremo Tribunal de 05-12-2007, relatado por Raul Borges no âmbito do Proc. n.º 07P3406, acessível in www.dgsi.pt.
[8] Cf. acórdão do STJ de 29-10-2008, relatado por Rodrigues da Costa no âmbito do Proc. n.º 1612/08 - 5.ª Secção, acessível in www.dgsi.pt.
[9] Acessível in www.dgsi.pt.
[10] No mesmo sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contraordenações, Universidade Católica Editora, 2.ª edição actualizada (Julho de 2022), anotação 13 ao art. 51.º, pág. 274, citando António Augusto Costa e José Miguel Figueiredo in Regime Geral das Contraordenações Económicas anotado, AALDL, 2021, pág. 142.
[11] Relatado por Helena Moniz (Relator) e publicado no DR n.º 219 I Série, de 14-11-2018, tendo fixado a seguinte jurisprudência: «A admoestação prevista no art. 51.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, não é aplicável às contraordenações graves previstas no art. 34.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 78/2004, de 03.04.»
[12] In Comentário do Regime Geral das Contraordenações, Universidade Católica Editora, 2.ª edição actualizada (Julho de 2022), anotação 10 ao art. 19.º, pág. 119.