Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6018/20.0T8MTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: AQUISIÇÃO DE QUINHÃO HEREDITÁRIO
HERDEIRO LEGITIMÁRIO
REDUÇÃO DE LIBERALIDADES INOFICIOSAS
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP202406036018/20.0T8MTS-A.P1
Data do Acordão: 06/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Por via da aquisição de quinhão hereditário a herdeiro legitimário, o seu adquirente ingressou na titularidade de todo o conteúdo daquele direito de quinhão, podendo acionar todos os direitos que dele fazem parte, designadamente o direito de requerer a redução de liberalidades do autor da sucessão que ofendam a legítima.
II – Estando em causa processo de inventário, consta do seu regime processual próprio a norma do nº1 do art. 1118º do CPC, que possibilita que a redução por inoficiosidade possa ser requerida até à abertura das licitações.
III – Ainda que não seja justificável fazer depender a aplicação da caducidade prevista no art. 2178º do C. Civil consoante o pedido de redução por inoficiosidade seja feito incidentalmente no inventário ou em ação ordinária autónoma, há que excluir da sujeição àquele prazo de caducidade as reduções que sejam requeridas em processo de inventário contra beneficiários de liberalidades que, por também serem interessados na partilha da herança, também têm intervenção no processo de inventário como interessados diretos ou secundários.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 6018/20.0T8MTS-A.P1
(Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Matosinhos – Juiz 1)

Relator: António Mendes Coelho

1º Adjunto: Carlos Gil

2º Adjunto: Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

Por requerimento de 31/12/2020, formulado por AA, foi instaurado processo de inventário por óbito de BB, falecida a ../../2019.

A inventariada deixou como seus filhos CC e DD e, por testamento efetuado no dia 19 de Abril de 2018, legou às suas netas AA e EE, ambas filhas da sua filha CC, por conta da sua quota disponível, o prédio urbano sito à ..., da união das freguesias ..., ... e ..., concelho de Matosinhos, inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...76, bem assim como o recheio da dita casa, e instituiu como herdeiras do remanescente da quota disponível, em comum e partes iguais, aquelas mesmas netas.

Proferido despacho liminar a nomear cabeça de casal o filho DD, este, citado a 10/5/2021, veio comunicar ao tribunal, a 4/6/2021, que cedeu o seu quinhão hereditário, juntando com tal comunicação certidão de escritura pública de “Confissão de Dívida e Dação em Pagamento” celebrada em 10/5/2021, por via da qual deu aquele seu quinhão em pagamento a FF por conta de dívida de que ali se confessou devedor ao mesmo.

A 17/11/2021, a requerente do inventário, prevenindo ser ela a vir ser nomeada cabeça de casal, veio a identificar os interessados diretos na partilha (CC, EE, AA e FF) e apresentar a relação de bens (constituída por 7 verbas de ativo, sendo as primeiras 6 integradas por bens móveis com os valores de, respetivamente, 150 euros, 75 euros, 100 euros, 100 euros, 100 euros e 30 euros, e a verba 7 integrada pelo bem imóvel legado no testamento).

 Foi então proferido despacho a nomear a requerente do inventário como cabeça de casal em substituição do filho DD, e, na sequência de se ter concluído pela impossibilidade de a interessada CC receber a citação, foi posteriormente nomeado curador especial a esta.

Foi depois ordenada a citação dos interessados para os termos do inventário.

O processo seguiu os seus ulteriores termos, tendo entretanto vindo a ser proferida decisão (a 6/2/2023) que julgou improcedente reclamação à relação de bens deduzida pelo interessado FF e, de seguida, a ser proferido despacho a ordenar a notificação dos interessados para se pronunciarem sobre a forma à partilha.

Nesta fase processual, e depois de a cabeça de casal ter vindo a informar a 22/3/2023 que os móveis das verbas 1 a 6 constituem o recheio do imóvel da verba 7, pelo interessado FF, a 1/4/2023, foi deduzido o incidente de redução de legados inoficiosos, alegando para tal, em síntese:

- que a herança é composta por 6 móveis e um imóvel e que a inventariada deixou testamento pelo qual legou às suas netas AA e EE esses 6 bens móveis e esse imóvel;

- que a inventariada deixou dois filhos, pelo que a legítima destes é de dois terços da herança;

- que, assim, é evidente a inoficiosidade dos legados, pois que a inventariada legou todos os seus bens e nenhum outro há no acervo hereditário para além dos legados;

- que face aos valores dos bens móveis e imóvel legados constantes da relação de bens, é o imóvel que deverá ser restituído ao património hereditário para ser partilhado.

A interessada AA, por requerimento de 12/4/2023, pronunciou-se no sentido da improcedência do incidente, defendendo o seguinte: que o requerente não é herdeiro legitimário, tampouco herdeiro, da autora da herança e, por isso, não dispõe de legitimidade para requerer a redução dos legados por ela efetuados em benefício de ambas as netas; que, caso assim não se entenda, o direito a requerer a redução dos mesmos legados, por inoficiosidade, já caducou com o decurso do prazo previsto no art. 2178.º, Cód. Civil.

A interessada EE, por requerimento de 19/4/2023, pronunciou-se naquele mesmo sentido e com a mesma argumentação.

Notificado o interessado requerente do incidente para se pronunciar sobre as exceções de ilegitimidade e de caducidade deduzidas por aquelas interessadas (despacho de 5/6/2023), veio o mesmo, a 16/6/2023, a pronunciar-se pela improcedência das mesmas.

No âmbito do requerido incidente, foi a 20/9/2023 proferida decisão que, considerando improcedentes a ilegitimidade e caducidade invocadas por aquelas interessadas, julgou verificada a existência de inoficiosidade dos legados e determinou a restituição do imóvel relacionado sob a verba nº7 da relação de bens ao património hereditário.

De tal decisão vieram interpor recurso as interessadas AA e EE, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I

O Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do direito.

II

Os artigos 2169.º do Código Civil e 1118.º do Código de Processo Civil limitam o direito de pedir a redução das liberalidades inoficiosas aos herdeiros legitimários do de cujos e aos seus sucessores que sejam, também eles, herdeiros legitimários de quem se tenha finado sem exercer tal direito.

III

No caso em apreço, o requerente do incidente não é herdeiro legitimário da inventariada, tampouco seu herdeiro, decorrendo a sua intervenção no processo da aquisição - por negócio entre vivos -, do quinhão pertencente a quem era herdeiro.

IV

A alienação do quinhão hereditário apenas transmite ao cessionário os direitos de natureza patrimonial pertencentes ao cedente.

V

Sendo a acção de redução das liberalidades inoficiosas de natureza pessoal e não sendo o requerente herdeiro legitimário da inventariada, ou de qualquer herdeiro legitimário previamente falecido, não tem legitimidade para vir requerer a redução dos legados que a autora da herança, em testamento, fez às suas netas, ora recorrentes.

VI

O prazo de caducidade estabelecido no artigo 2178.º do Código Civil para a acção de redução das liberalidades inoficiosas é aplicável tanto à acção declarativa comum como ao processo especial de inventário.

VII

O mesmo prazo de caducidade rege, seja para as liberalidades que beneficiem herdeiros, seja para as que beneficiem terceiros, pois que: por um lado, em ambas as situações concorrem e se mantêm perenes os interesses subjacentes ao instituto e, por outro lado, a lei não faz qualquer distinção, não devendo ser o intérprete a fazê-la.

VIII

Ainda que assim não fosse, as legatárias não são sequer herdeiras legitimárias da autora da herança, pelo que, sempre será aplicável o prazo de caducidade previsto no art. 2178.º do bCód. Civil.

IX

Uma vez que a herança da inventariada se abriu em 26/11/2019 e os efeitos da sua aceitação, expressos na habilitação de 22-01-2020 e na escritura de 04-06-2021, retroagem àquela primeira data (arts. 2031.º, 2052.º/1 e 2056.º/1), aquando da propositura do incidente, isto é, em 01-04-2023, tal prazo de dois anos já se mostrava esgotado.

X

A douta decisão recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação, para além das mais aplicáveis, das normas contidas nos arts. 2169.º e 2178.º, ambos do Cód. Civil, e art. 1118.º, este do Cód. Proc. Civil.

O interessado FF apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.

Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), são as seguintes as questões a tratar:

a) – da legitimidade do interessado FF para pedir a redução por inoficiosidade dos legados;

b) – da caducidade do direito de pedir aquela redução.


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II – Fundamentação

Os dados a ter em conta para o tratamento das questões enunciadas são os constantes do relatório que antecede.

Vamos ao tratamento da primeira questão.

Como se prevê no art. 2169º do C. Civil, as liberalidades inoficiosas são redutíveis a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores.

No caso, o requerente da redução não é, por si próprio, herdeiro legitimário, mas é titular do quinhão hereditário que adquiriu a herdeiro legitimário (ao filho da inventariada, DD).

Será que por essa via tem legitimidade para requerer a redução?

Vejamos.

Como refere Rabindranath Capelo de Sousa[1], antes de se efetuar a partilha, cada um dos herdeiros tem um direito de quinhão hereditário, ou seja, um direito à respetiva quota-parte ideal da herança global em si mesma, direito este de que cada herdeiro tem a propriedade, “pelo que não se deverá estranhar que os art. 2124º e segs. do Código Civil actual admitam a alienação da herança ou do quinhão hereditário, na sequência do direito de disposição de qualquer proprietário em geral (cfr. art. 1305º do CCiv)”.

Pela alienação de quinhão hereditário indiviso, continua aquele autor[2], “transfere-se para o adquirente o direito de quinhão em causa, que abrange v.g., direitos de gestão (art. 2091º do CCiv), direitos à recepção de rendimentos (art. 2092º do CCiv) e direitos de exigir partilha e de composição da quota (art. 2101º do CCiv)” e, em contrapartida, como expressamente previsto no art. 2128º do C. Civil, também se transmitem para o adquirente os encargos de tal quinhão na herança, dos quais faz parte, designadamente, o cumprimento dos legados (art. 2068º do C. Civil).

Deste modo, o requerente, por via da respetiva aquisição, ingressou na titularidade de todo o conteúdo daquele direito de quinhão do herdeiro legitimário alienante, podendo acionar todos os direitos que dele fazem parte, designadamente o direito de requerer a redução de liberalidades do autor da sucessão que ofendam a legítima.

Este direito, ao contrário do sustentado pelas recorrentes, é de evidente conteúdo patrimonial, pois destina-se a assegurar a porção de bens ou quota parte da herança de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários (art. 2156º do C. Civil).

Subscreve-se assim, como se refere na decisão recorrida (dando conta de Acórdão do STJ de 02/11/2004, proferido no proc. nº 04A3093 e disponível em www.dgsi.pt), que o adquirente do quinhão hereditário de um primitivo herdeiro fica, no lugar daquele, investido em relação à herança na sua situação jurídica, e, portanto, na titularidade de todos os direitos de carácter patrimonial que àquele competiam, integrantes do quinhão transmitido.

De resto, diga-se, se o adquirente do quinhão passou a ser titular dos direitos que supra se referiram – onde se contam, como se viu, os direitos de exigir partilha e de composição da quota, quota esta que, no caso, sendo de herdeiro legitimário, contende com a sua composição por via da preservação da legítima –, e, por outro lado, passou também a ser responsável pelos encargos com a herança referidos no art. 2068º na parte atinente ao respetivo quinhão (art. 2128º), tem também o natural direito, inerente ao titular do quinhão, de preservar ao máximo o conteúdo do mesmo e, nesse âmbito, requerer a redução por inoficiosidade de liberalidades que o ofendam.

Como assim, é de concluir pela legitimidade do requerente para pedir a redução por inoficiosidade dos legados em causa.

Deste modo, improcede a questão recursória em apreço.

Passemos à segunda questão enunciada.

Defendem os recorrentes que ocorre a caducidade do direito de pedir a redução por inoficiosidade prevista no art. 2178º do C.Civil.

Preceitua-se neste normativo que “A ação de redução de liberalidades inoficiosas caduca dentro de dois anos, a contar da aceitação da herança pelo herdeiro legitimário”.

Por outro lado, no art. 1118º nº1 do CPC, que integra normativo do processo de inventário, que é o dos autos, preceitua-se que “Qualquer herdeiro legitimário pode requerer, no confronto do donatário ou legatário visado, até à abertura das licitações, a redução das doações ou legados que considere viciadas por inoficiosidade”.

Como referem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, a págs. 124 do seu “O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil” (Almedina, 2020), tem sido questão controvertida a articulação entre o incidente de verificação de inoficiosidades no processo de inventário e a ação de redução de liberalidades inoficiosas prevista no art. 2178º do C. Civil, bem como a aplicabilidade do prazo de caducidade estabelecido neste preceito aos pedidos de redução por inoficiosidade enxertados no inventário [vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 18/2/2021 (proc. nº1095/19.9T8VIS.C1), da Relação de Lisboa de 7/3/2024 (proc. nº8169/23.0T8LRS.L1-2), da Relação de Guimarães de 16/3/2023 (proc. nº3594/11.1TJVNF-D.G1), todos no sentido de que o prazo de caducidade previsto no art. 2178º não é aplicável ao processo de inventário mas apenas à ação comum proposta pelo herdeiro contra o beneficiário de liberalidade que não seja herdeiro, e os Acórdãos da Relação de Évora de 18/12/2023 (proc. nº469/20.7T8ENT.E1) e da Relação do Porto de 8/10/2018 (proc. nº2670/11.5TBPNF.P1), que admitem aplicabilidade daquele prazo de caducidade quer em sede da ação comum a que alude o art. 2178º quer em sede de inventário, sendo quanto a este no caso de liberalidade feita a pessoa que não é herdeira do autor da sucessão – todos os arestos disponíveis em www.dsgi.pt].

Por nós, parece-nos que a caducidade prevista no art. 2178º apenas fará sentido ser equacionada no âmbito da ação autónoma ali prevista, a qual, tanto quanto cogitamos, só será pertinente e útil propor no caso de haver um único herdeiro legitimário (pois só este pode requerer a redução – art. 2169º do C. Civil) e ter havido liberalidade a terceiro não herdeiro, pois neste caso não há que proceder à partilha[3]. Diferentemente, se a liberalidade tiver sido feita a outro ou outros herdeiros, só no processo em que se efetua a partilha, que é o processo de inventário, é que, no confronto com os diversos interessados e quotas que lhes cabem, se pode, em vista da redução em referência, proceder à estimação rigorosa dos bens do autor da herança, à determinação exata da sua quota disponível e ao apuramento da ofensa das legítimas, e todos estes dados só são suscetíveis de serem captados através dos termos que são próprios do inventário[4].

Estando em causa processo de inventário, neste, como se referiu acima, consta do seu regime processual próprio a norma do nº1 do art. 1118º do CPC que possibilita que a redução por inoficiosidade, agora objeto de incidente com tramitação e decisão próprias (nºs 2 a 4 daquele mesmo artigo), possa ser requerida até à abertura das licitações. Isto é, havendo inventário, pode ser requerida a redução até àquela fase processual, do que decorre, em tal caso, a inaplicabilidade do prazo de caducidade previsto no art. 2178º do C. Civil.

Como nesta mesma linha de raciocínio dizem os autores acima referidos, ainda a págs. 124 e referindo-se ao incidente agora regulado no art. 1118º do CPC, “Se estiver pendente um processo de inventário, os interessados podem, sem qualquer limitação, fazer uso do incidente regulado no artigo, mesmo no confronto de beneficiários de liberalidades alegadamente inoficiosas que não tenham a qualidade de herdeiros e, por isso, não sejam interessados diretos (isto é, sejam legatários ou donatários)” (sublinhado nosso), salientando depois a este propósito que o nº1 daquele preceito se limita a estatuir que o pedido de redução é formulado no confronto de quaisquer beneficiários de liberalidades sujeitas a redução e que estes beneficiários (onde se incluem legatários e donatários) possuem legitimidade para intervir no processo quanto a tal questão, como expressamente decorre do art. 1085º nº2 a) do CPC [onde se prevê que podem intervir num processo de inventário pendente, “quando haja herdeiros legitimários, os legatários e os donatários, nos atos, termos e diligências suscetíveis de influir no cálculo ou determinação da legítima e de implicar eventual redução das respetivas liberalidades”].   

Note-se, no mesmo sentido, como referem ainda aqueles autores (págs. 124 e 125), que ainda que não seja justificável fazer depender a aplicação da caducidade prevista no art. 2178º consoante o pedido de redução por inoficiosidade seja feito incidentalmente no inventário ou em ação ordinária autónoma (pois a caducidade atinge não um determinado meio processual, mas o próprio direito potestativo de produzir, como efeito jurídico, a redução da liberalidade inoficiosa, sendo certo, por outro lado, que o incidente regulado no art. 1118º tem uma estrutura semelhante à de uma ação), “há que reconhecer o bem fundado da orientação que exclui da sujeição ao prazo de caducidade as reduções que sejam requeridas em processo de inventário contra beneficiários de liberalidades que, por também serem interessados na partilha da herança, também têm intervenção no processo de inventário como interessados diretos ou secundários”, pois “[n]este caso, os donatários e os legatários atingidos pela redução não podem deixar de ignorar que, na partilha da herança indivisa, não podem deixar de ser tomadas em conta as liberalidades de que beneficiaram, quando tal seja indispensável para a tutela da intangibilidade da legítima dos herdeiros”.

Ora, respeitando os autos a processo de inventário em que as legatárias têm intervenção quer nessa veste quer na veste de herdeiras testamentárias (nesta última como herdeiras do remanescente da quota disponível) e tendo o requerimento de redução por inoficiosidade sido formulado antes daquela fase processual referida no nº1 do art. 1118º do CPC, é de considerar o mesmo perfeitamente tempestivo.

De qualquer modo, para finalizar, sempre é de referir que ainda que se equacionasse a aplicação ao caso vertente do prazo de caducidade previsto no art. 2178º – o que, como se veio de referir antes, não se perfilha –, o mesmo, à data do requerimento de redução de inoficiosidade, ainda não tinha decorrido.

Na verdade, a aceitação da herança por parte do herdeiro legitimário DD ocorreu a 10/5/2021 – pois a alienação que nesta data fez do seu quinhão hereditário a favor do interessado e ora requerente da redução FF traduz uma aceitação tácita da mesma (art. 2056º nº1 do C. Civil) – e o requerimento de redução deu entrada nos autos a 1/4/2023, data em que, face à previsão do art. 2178º, ainda não tinham decorrido 2 anos contados desde a aceitação da herança por aquele herdeiro.

Note-se que, ao contrário do que decorre do entendimento das recorrentes vertido sob a conclusão IX do recurso, embora os efeitos da aceitação da herança se retrotraiam ao momento da abertura da sucessão (art. 2050º nº2 do C. Civil), o que releva para a contagem do prazo em causa é, como expressamente se prevê naquele preceito, a data da aceitação da herança.

Aliás, só com a aceitação da herança e a partir desta é que se podem passar a exercer os direitos para com a mesma reconhecidos ao herdeiro.

Assim, por quanto se veio de referir, improcede também esta questão recursória.

Por tudo o que se vem de expor, é de julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

As custas do recurso ficam a cargo das recorrentes, que nele decaíram (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).


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Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):

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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelas recorrentes.


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Porto, 2024/6/3.

Mendes Coelho

Carlos Gil

Eugénia Cunha

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[1] Lições de Direito das Sucessões, Volume II, 2ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1990, págs. 90 e 91.
[2] Obra referida na nota anterior, págs. 98 e 100.
[3] Neste sentido, Acórdão da Relação de Coimbra de 10/2/2021, proc. nº1095/19.9T8VIS.C1, em cujo texto se refere que “quando o autor é único herdeiro legitimário e não há dívidas a liquidar – caso em que não há lugar à partilha, mas, tão só e unicamente, à avaliação do património para efeito de determinar da eventual inoficiosidade da doação –  poderá, eventualmente, ser adequado o recurso a uma ação autónoma”; vide também o Acórdão da Relação de Guimarães de 14/1/2016, proc. nº 31/14.3T8VPC.G1, no qual se refere que “A acção declarativa comum, e não o processo de inventário, é o meio processual adequado para o autor, único herdeiro legitimário do de cujus, pedir a redução/revogação de liberalidades por inoficiosidade”.
[4] No sentido por último referido, vide João António Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, Volume I, Almedina, 4ª edição, 1990, pág. 142.