Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
431/21.2T9OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RAQUEL LIMA
Descritores: MULTA
CUSTAS PROCESSUAIS
Nº do Documento: RP20240925431/21.2T9OAZ.P1
Data do Acordão: 09/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECUSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo havido um pagamento por parte da arguida destinado ao cumprimento da dívida respeitante a custas processuais é legalmente possível afectar tal montante ao pagamento da pena de multa.
II - Tal já acontece no âmbito da execução coerciva de uma multa- cfr. 511º do CPP.
III - A harmonia do sistema impõe a mesma solução mesmo quando não se está perante uma execução coerciva. Como defender que o sistema permitisse que o arguido fosse para a cadeia pela falta de pagamento da totalidade da pena de multa, havendo dinheiro, pago pelo próprio, no processo?

(da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 431/21.2T9OAZ.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Departamento de Investigação e Ação Penal
- Secção de ...





ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

Tendo a arguida deixado de proceder ao pagamento das prestações da multa penal em que foi condenada, consideraram-se vencidas as restantes e foram encetadas diligências com vista a apurar a situação económico-financeira da condenada.
Foi proferido despacho concordante com a promoção que o antecedia que dizia “ Encontra-se, assim, em dívida, a quantia de 200 € que, atendendo à taxa diária fixada equivale a 40 dias de multa. Não é viável proceder à cobrança coerciva da multa, nos termos do art. 491.º do Código de Processo Penal, uma vez que não são conhecidos à condenada bens, móveis ou imóveis, ou rendimentos, susceptíveis de penhora.”
Ora, “Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão...” – cfr. art. 49.º nº 1 do Código Penal.
Pelo exposto, promovo que:
- Se determine a conversão do remanescente da pena de multa em 26 dias de prisão subsidiária, ao abrigo do disposto no art. 49.º nº 1 do Código Penal;
- Após trânsito em julgado do despacho que vier a recair sobre a presente promoção, se passem e remetam à GNR ... mandado de captura da condenada para cumprimento do tempo de prisão subsidiária, fazendo expressa menção do disposto no art. 49.º nº 2 do Código Penal”

Nesse mesmo despacho acrescentou-se: “Informe a secção de processos do pagamento de valores a título de custas. Em caso afirmativo se proceda em conformidade com o entendimento perfilhado, informando-se do valor da pena da e multa em dívida.”

De seguida foi proferido o seguinte despacho. “Cumpra o determinado no despacho que antecede – conforme o entendimento perfilhado nesta secção - e informe em conformidade, quanto a eventual valor ainda em dívida a título de pena de multa.”
A informação prestada foi a seguinte: “com informação de após transferência do valor correspondente ao pagamento das custas processuais (€102,00) para pagamento da multa penal, encontra-se ainda em dívida o montante de €98,00.”
Foi determinada a notificação do arguido e Defensor para, em 10 dias proceder ao pagamento da quantia em falta – indicando valor e remetendo guia para o efeito, com a advertência legal .

O MP, não se conformando com o despacho que determinou a imputação de quantia paga a título de custas processuais no pagamento da pena de multa, veio recorrer.
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Depois da motivação apresentou as seguintes

CONCLUSÕES

a. Nos termos do art. 511.º do Código de Processo Penal, com o produto dos bens executados, efectuam-se os pagamentos pela ordem seguinte: as multas penais e as coimas, a taxa de justiça, os encargos liquidados a favor do Estado e do Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, IP, os restantes encargos, proporcionalmente e as indemnizações.
b. Essa é uma norma exclusiva da acção executiva, para cobrança coerciva de multas, coimas, custas processuais e indemnizações, instaurada no âmbito do processo penal, que estabelece a ordem de pagamentos a efectuar com os valores que tenham sido depositados ou obtidos com o produto da venda de bens penhorados, em sede executiva.
c. Sendo efectuados pagamentos, de modo voluntário, não é admissível que os valores sejam afectos ao pagamento de dívidas a que não se destinavam, nomeadamente, destinando-se quantias pagas para liquidação de custas processuais ao pagamento da pena de multa.
d. A condenada AA, de modo voluntário, pagou uma prestação da pena de multa no montante de 50 € e as custas processuais no montante de 102 €.
e. Pelo que não podia o Tribunal decidir como decidiu, determinando a imputação da quantia de 102 €, paga a título de custas processuais, no pagamento da pena de multa em dívida, no montante de 200 € e fixando esta no montante de 98 €. O despacho recorrido, por errónea interpretação e aplicação, violou o art. 511.º do Código de Processo Penal.
Pedido
Em conformidade com o que vem de ser alegado, peticiona-se que
- Seja revogado o despacho recorrido;
- Seja substituído por outro que: considerando que a quantia de 102 € paga pela condenada AA respeita a custas processuais, dê sem efeito a sua imputação no pagamento da pena de multa e determine a notificação da condenada para proceder ao pagamento do remanescente da pena de multa, que corresponde ao montante de 200 €.
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A arguida não respondeu ao recurso.
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Já nesta Relação, o Ex. Sr.º Procurador Geral Adjunto emitiu Parecer concordando com o teor do recurso apresentado pelo MP em 1ª instância.
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Cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP não houve resposta ao Parecer.

Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, onde deve ser julgado, de harmonia com o preceituado no artº. 419º, n.º3 al. c), do diploma citado.

2. Fundamentação

A) Delimitação do Objecto do Recurso

Como tem sido entendimento unânime, o objecto do recurso e os poderes de cognição do tribunal da Relação definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deve sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - artigos 402º, 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (cfr. Silva, Germano Marques da, Curso de Processo Penal, Vol. III, 1994, p. 320; Albuquerque, Pinto de, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª ed. 2009, pag 1027 e 1122, Santos, Simas, Recursos em Processo Penal, 7.ª ed., 2008, p. 103; entre outros os Acs. do S.T.J., de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242; de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271; de 28.04.1999, CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, p. 196).


No caso vertente, em face das conclusões do recurso, a questão a apreciar é a seguinte:
- tendo havido um pagamento por parte da arguida destinado ao cumprimento da dívida respeitante a custas processuais é legalmente possível afectar tal montante ao pagamento da pena de multa?

B) Decisão Recorrida
A decisão recorrida já foi supra referida. A Sr.ª Juiz considerou que o valor pago, pela arguida, a título de custas processuais, podia ser imputado ao pagamento da pena de multa.

C) Apreciação da questão em recurso.

Nos termos do disposto no art. 410º do CPP, com a epígrafe “fundamentos do recurso” 1 - Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. 2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova. 3 - O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.

Do preceituado nos artigos 368.º e 369.º do CPP pela remissão que é feita pelo art. 424º nº 2 CPP, o Tribunal da Relação deve conhecer das questões que constituem objecto do recurso pela ordem seguinte:
Em primeiro lugar, das que obstem ao conhecimento do mérito da decisão;
Em segundo lugar, das questões referentes ao mérito da decisão, desde logo, as que se referem à matéria de facto, começando pelos vícios enumerados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, a que se segue impugnação alargada, se deduzida, nos termos do art.º 412.º, do mesmo diploma;
Por último, as questões relativas à matéria de Direito.
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No presente recurso cumpre, apenas, analisar a divergência que se prende com a possibilidade de afectar o pagamento voluntário das custas ao valor em dívida relativo à pena de multa. A Sr. Juiz entendeu possível, o MP assim não considerou.
O Acórdão da Relação do Porto de 04-11-2015, tirado no processo número 38/09.2GCSJM-A.P1, relativo a uma situação em tudo semelhante à ora em apreço, considerou que “ A ordem de pagamentos estabelecida no artº 511º CPP é exclusiva da execução de bens em processo penal, pelo que não permite que pagamentos voluntariamente efetuados para liquidação de custas em dívida sejam reportados ao pagamento da pena de multa. (…) não se confunde com a matéria antes enunciada a execução de bens e a regra que, nesse âmbito, determina a ordem dos pagamentos (artigos 510.º a 512.º do Código de Processo Penal); especificamente, o artigo 511.º estipula que, com o produto dos bens executados efectuam-se os pagamentos pela ordem seguinte: as multas penais e as coimas; a taxa de justiça; os encargos liquidados a favor do Estado e do Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, IP; os restantes encargos, proporcionalmente; as indemnizações. Em qualquer caso, acolhe-se o entendimento expendido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Novembro de 2007, disponível em www.dgsi.pt, processo 149.01.2GCPBL-A: O regime ou ordem de pagamentos inserto no artigo 511.º do Código de Processo Penal é absolutamente interdito a qualquer interpretação analógica ou integração de lacunas previstas no Código Penal, nomeadamente para suprimento de lacuna que possa ocorrer relativamente a situações em que o condenado deixe de pagar as prestações em que haja sido subdividida a pena de multa de substituição; é admissível que às penas de substituição sejam aplicadas algumas das prerrogativas ou modalidades de cumprimento estipuladas às penas de multa principais, como sejam o pagamento em prestações mas é absolutamente inadmissível que possa ser afecto o pagamento das custas do processo à pena de multa de substituição.»
Assim sendo, não se aceita a perspectiva do despacho recorrido, na medida em que se baseia numa norma que é exclusiva da execução de bens instaurada em processo penal e que, nessa medida, define uma ordem dos pagamentos para tal execução, não podendo, por isso, ser interpretada analógica ou extensivamente, no sentido de permitir que pagamentos efectuados para liquidação de custas em dívida sejam reportados ao valor da multa criminal.
Esta norma está pensada para uma execução em curso em sede de processo penal, com bens penhorados, em que deles decorra a existência de quantias susceptíveis de serem afectas ao pagamento de várias dívidas, situação que não é, manifestamente, a dos autos, na medida em que neles não ocorre qualquer execução, não havendo assim lugar à aplicação do invocado Artº 511 do CPP.
O que com este preceito se pretende impedir, é que no âmbito de uma acção instaurada para a execução coerciva de uma multa, sejam imputados, em primeiro lugar, às custas processuais, os valores que tenham sido obtidos com o produto da venda dos bens penhorados ou tenham sido depositados no processo, e isto, para defesa do próprio arguido, na medida em que se assim não for, este corre o risco de sofrer as consequências de se considerar a multa culposamente incumprida e vê-la convertida em prisão subsidiária.
In casu, o arguido limitou-se a proceder ao pagamento daquilo para o qual foi notificado, com as guias em causa a identificarem, devidamente, aquilo que assim se liquidava: as custas processuais, que foram pagas em prestações no âmbito do que, judicialmente, havia sido definido.
Ora, o entendimento do tribunal recorrido, para além de violar o espírito da norma em causa e o princípio do contraditório, pois não deu oportunidade ao arguido para se pronunciar sobre o que veio a ser decidido, é, de forma clara, profundamente prejudicial ao ora recorrente, na medida em que, imputando os valores por este pagos à multa em que foi condenado, remanesce ainda por liquidar uma determinada importância a título de custas, sendo certo que o arguido, tendo pago, na íntegra, as custas que eram devidas, pode beneficiar da prescrição da multa criminal – para a qual, aparentemente, em nada contribuiu – podendo ver assim os autos arquivados, sem mais.”
No mesmo sentido o Acórdão da Relação de Évora de 07-10-2010, tirado no processo nº 469/05.7GCFAR.E1 onde se pode ler” 1. A lei prevê os procedimentos a adoptar quando ocorre a omissão de pagamento voluntário da multa – artigos 47.º a 49.º do Código Penal e 489.º a 491.º do Código de Processo Penal. 2. O regime ou ordem de pagamentos inserto no artigo 511º do Código de Processo Penal constitui uma regra privativa da execução de bens em processo penal. 3. É absolutamente inadmissível que possa ser afecto ao pagamento da pena de multa, deferido em prestações mensais, o valor correspondente às custas pagas pelo arguido, se o mesmo deixou de pagar as referidas prestações e nenhuma execução foi instaurada contra ele. (…) «No elenco das penas – cuja aplicação visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – integra-se a pena de multa, fixada em dias, a cada um dos quais corresponde uma quantia, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (artigos 40.º e 47.º do Código Penal). A relevância da multa, como ocorre na generalidade das penas, pressupõe o seu efectivo cumprimento – de modo voluntário ou coercivo. A multa é paga – voluntariamente – após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nesta fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais, em princípio no prazo de quinze dias a contar da notificação para o efeito – artigo 489.º do Código de Processo Penal.
Sem prejuízo disso e no âmbito do cumprimento voluntário, a lei prevê que, sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não pode exceder um ano, ou permitir o pagamento em prestações, sem que a última delas possa ir além dos dois anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação – artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal.
Ainda no âmbito do cumprimento voluntário, a requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 48.º do Código Penal. As regras relativas a tal substituição, bem como o prazo para pagamento da multa, caso aquela venha a ser indeferida, estão expressas no artigo 490.º do Código de Processo Penal. Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial; se o condenado tiver bens suficientes e desembaraçados de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução, que segue os termos da execução por custas – artigos 491.º e 469.º do Código de Processo Penal. Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.º 1 do artigo 41.º; o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado – artigo 49.º do Código Penal.
O quadro legal que se deixou sumariamente traçado evidencia, em relação à pena de multa e respectivo cumprimento, voluntário e coercivo, a inexistência de lacuna – entendida como “uma incompleição do sistema normativo que contraria o plano deste” (Oliveira Ascensão, “O Direito, Introdução e Teoria Geral”, 2.ª edição, página 391) – seja em termos de previsão, seja em termos de estatuição. Não se confunde com a matéria antes enunciada a execução de bens e a regra que, nesse âmbito, determina a ordem dos pagamentos (artigos 510.º a 512.º do Código de Processo Penal); especificamente, o artigo 511.º estipula que, com o produto dos bens executados efectuam-se os pagamentos pela ordem seguinte: as multas penais e as coimas; a taxa de justiça; os encargos liquidados a favor do Estado e do Instituto de Gestão Financeira e das Infra-Estruturas da Justiça, IP; os restantes encargos, proporcionalmente; as indemnizações.
Em qualquer caso, acolhe-se o entendimento expendido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de Novembro de 2007, disponível em www.dgsi.pt , processo 149.01.2GCPBL-A: O regime ou ordem de pagamentos inserto no artigo 511.º do Código de Processo Penal é absolutamente interdito a qualquer interpretação analógica ou integração de lacunas previstas no Código Penal, nomeadamente para suprimento de lacuna que possa ocorrer relativamente a situações em que o apenado deixe de pagar as prestações em que haja sido subdividida a pena de multa de substituição; é admissível que às penas de substituição sejam aplicadas algumas das prerrogativas ou modalidades de cumprimento estipuladas às penas de multa principais, como sejam o pagamento em prestações mas é absolutamente inadmissível que possa ser afecto o pagamento das custas do processo à pena de multa de substituição. Posto isto, o artigo 511º do Código de Processo Penal prescreve a ordem de pagamentos na execução de bens instaurada no âmbito do processo penal – trata-se de regra privativa da execução de bens relativa ao processo penal.
As multas penais, face ao disposto no artigo 49º do Código Penal, não substituídas por trabalho a favor da comunidade e não pagas voluntária ou coercivamente, são convertidas em prisão. De regresso ao processo, há que concluir que o Arguido, devidamente notificado para o efeito, se limitou a proceder ao pagamento voluntário do montante liquidado a título de custas processuais e de uma das seis prestações referente à pena de multa em que foi condenado. Omitiu, assim, o pagamento das restantes cinco prestações referentes à pena de multa. Não está em curso qualquer execução de bens instaurada no âmbito dos presentes autos. Pelo que nada justifica que opere a regra do artigo 511º do Código de Processo Penal.
A lei prevê os procedimentos a adoptar quando ocorre a omissão de pagamento voluntário da multa – artigos 47.º a 49.º do Código Penal e 489.º a 491.º do Código de Processo Penal. Ao considerar extinta a pena, com recurso ao disposto no artigo 511.º do Código de Processo Penal, a decisão recorrida violou o disposto naquelas normas, pelo que se mostra procedente o recurso interposto.”

Pelo contrário, no Ac. TRL de 27-02-2008, CJ, 2008, T1, pág.143 é dito que “ a harmonia do sistema processual penal impõe que o cumprimento da decisão judicial nuclear se sobreponha ao cumprimento das questões consideradas menores, como seja, o pagamento da taxa de justiça. Não tendo o condenado pago a totalidade do montante global da pena de multa que lhe foi aplicada e das custas judiciais, deverá ser afecto àquela pena de multa e em primeiro lugar, o efectivamente depositado”.


Preceitua o artigo 491.º do CPP com a epígrafe “ Não pagamento da multa” que: “ 1 - Findo o prazo de pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial. 2 - Tendo o condenado bens penhoráveis suficientes de que o tribunal tenha conhecimento ou que ele indique no prazo de pagamento, o Ministério Público promove logo a execução, que segue as disposições previstas no Código de Processo Civil para a execução por indemnizações.”

Os Acórdãos que citámos referem a existência de uma lacuna na lei e o recurso à analogia em situações nas quais não há execução em curso, mas existe dinheiro pago, pelo arguido, no processo.
Entendem que há que recorrer ao disposto no artigo 511º do CPP.
Ora, o citado artigo visa, de forma clara, determinar a ordem dos pagamentos, no processo, quando existe uma execução e é obtido dinheiro provindo da penhora e subsequente venda, dos bens do arguido.
Na verdade, correndo uma execução, estando os meios do Estado a ser utilizados, podia entender-se que as custas processuais seriam pagas em primeiro lugar.
Como foi escrito no Acórdão que citamos supra” O que com este preceito se pretende impedir, é que no âmbito de uma acção instaurada para a execução coerciva de uma multa, sejam imputados, em primeiro lugar, às custas processuais, os valores que tenham sido obtidos com o produto da venda dos bens penhorados ou tenham sido depositados no processo, e isto, para defesa do próprio arguido, na medida em que se assim não for, este corre o risco de sofrer as consequências de se considerar a multa culposamente incumprida e vê-la convertida em prisão subsidiária.”
Ora, se assim é quando estamos no âmbito de uma execução, por maioria de razão, a ordem dos pagamentos terá que ser a mesma quando já existe, no processo, dinheiro pago voluntariamente pelo arguido.
Concordamos inteiramente com o Acórdão da Relação de Lisboa supra citado.
A harmonia do sistema impõe essa solução. Como defender que o sistema permitisse que o arguido fosse para a cadeia pela falta de pagamento da totalidade da pena de multa, havendo dinheiro, pago pelo próprio, no processo?
Situando-se numa ordem de grandeza diametralmente diferente, parece-nos seguro que a liberdade é um valor incomparavelmente superior ao pagamento das custas processuais.
No caso em apreço é claramente mais favorável ao arguido imputar a quantia existente no processo ao pagamento da multa, porque evita a cadeia.
A solução que o Recorrente pretende contraria o espírito da Lei.
A nosso ver, qualquer outra solução, que não a tomada pela Sr.ª Juiz, não teria sentido.
Deste modo, decide-se julgar improcedente o recurso


3. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 1º Secção do Tribunal da Relação do Porto, em julgar o recurso interposto totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Sem custas por não serem devidas – artigo 522º do CPP.

DN




Porto, 24 de Setembro de 2024.

(Elaborado e revisto pela relatora, revisto pelos signatários e com assinatura digital de todos)
Por expressa opção da relatora, não se segue o Acordo Ortográfico de 1990.
Raquel Correia Lima (Relatora)
Paula Natércia Rocha (1º Adjunto)
Paulo Costa (2º Adjunto)