Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | FÁTIMA ANDRADE | ||
| Descritores: | CAUSA DE PEDIR CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE TERCEIRO SUB-ROGAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP202510133161/21.1T8VFR.P2 | ||
| Data do Acordão: | 10/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Os factos que assumem uma função constitutiva do direito invocado pelo autor (ou da exceção deduzida pelo R.) correspondem aos factos essenciais que enformam a causa de pedir (ou em que se baseiam as exceções invocadas) – vide artigo 5º nº 1 do CPC. Esses factos, postos em contacto com a ordem jurídica, é que constituem a causa de pedir, o fundamento ou fundamentos da ação que justificam o consequente pedido formulado [vide ainda al. e) do nº 1 do artigo 552º do CPC] e permitem ao réu contestar ou, caso não seja apresentada contestação, logo ser emitido um juízo de mérito. II - O juiz não está vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – tal qual expressamente o consagra o nº 3 do artigo 5º do CPC. III - Da necessária conjugação do previsto nos artigos 3º, 5º, 552º, 608º e 615º do CPC, temos por correto o entendimento de que a causa de pedir é ainda respeitada quando o juiz com base nos mesmos factos alegados como essenciais subsume estes a uma norma jurídica diversa da invocada pela parte para justificar a sua pretensão. IV - O terceiro que cumpre a obrigação por na mesma ter um interesse direto, fica sub-rogado nos direitos do credor (artigo 592º nº 1) e, na medida da satisfação dada ao direito do credor, adquire os poderes que a este competiam (vide artigo 593º nº 1 do CC). | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº. 3161/21.1T8VFR.P2
3ª Secção Cível Relatora – M. Fátima Andrade Adjunto – Miguel Baldaia Morais Adjunto – Manuel Fernandes Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Jz. Local Cível de Santa Maria da Feira Apelante/ AA Apelada/ BB
Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC): ……………………………… ……………………………… ………………………………
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
I- Relatório BB, instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra AA, peticionando pela procedência da ação a condenação do R. ao “pagamento da quantia de 9.624,013€ (Nove mil seiscentos e vinte e quatro euros e treze cêntimos), fundado no direito de regresso sobre aquele, acrescida de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento, bem como, custas de parte e demais encargos com o processo”. Para tanto e em suma, alegou a A. ter assumido parcialmente uma dívida da responsabilidade do aqui R. perante terceiro, no contexto que descreveu nos autos e, nos termos do contrato que juntou sob doc. 12, reservando-se o direito de exercer contra o devedor originário aqui R., direito de regresso sobre o valor da dívida por si assumida e cujo valor liquidou. Direito de regresso que por via destes autos exerce.
Devidamente citado, o R. contestou. Impugnou parcialmente o alegado pela A.. Mais alegou que a A. prometeu exonerar o R. da sua dívida para com o credor terceiro identificado na p.i., no âmbito do contrato de compra e venda entre A. e R. celebrado e no seu articulado identificado. Como tal, nada tendo a A. a reclamar do aqui R.. Termos em que concluiu pela sua total absolvição do pedido, com a consequente improcedência da ação. * Dispensada a realização de audiência prévia, foi igualmente dispensada a elaboração de despacho saneador. * Foi realizada prova pericial, cujo relatório se mostra junto aos autos em 30/03/2022 * A A. apresentou articulado superveniente, o qual foi rejeitado por decisão de 07/06/2022.
Agendada e realizada audiência de discussão e julgamento, foi após proferida sentença, decidindo-se julgar: “a ação parcialmente procedente e, em consequência (…): a) Condenar o réu AA a pagar à autora BB a quantia de 9.040,00€ (nove mil e quarenta euros), acrescida de juros de mora à tal legal civil, contados desde 9 de dezembro de 2021 até integral e efetivo pagamento. b) Absolver o réu do demais peticionado.” * Do assim decidido apelou a R., tendo por Acórdão proferido por este tribunal de recurso sido decidido anular a decisão recorrida, “determinando que o tribunal a quo observe o contraditório omitido quanto à solução jurídica que entendeu ser de aplicar ao caso e alvo de recurso, após seguindo os ulteriores termos processuais tidos por aplicáveis.” * *** Os autos foram na sequência do decidido remetidos ao tribunal a quo, o qual determinou a observância do contraditório. Notificadas as partes, ambas assumiram posição. Tendo o R. se oposto à apreciação da pretensão formulada pelo autor ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, por afrontar o princípio da estabilidade da instância e pelo não preenchimento dos respetivos requisitos do instituto do enriquecimento sem causa. Tendo a A., por sua vez, defendido nada obstar à apreciação da sua pretensão ao abrigo do citado instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que o tribunal não está sujeito às alegações das partes, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito. Defendendo ainda estarem preenchidos os requisitos do enriquecimento sem causa.
Proferiu após o tribunal a quo nova sentença, decidindo: “o Tribunal julga a ação parcialmente procedente e, em consequência, decide: a) Condenar o réu AA a pagar à autora BB a quantia de 9.040,00€ (nove mil e quarenta euros), acrescida de juros de mora à tal legal civil, contados desde 9 de dezembro de 2021 até integral e efetivo pagamento. b) Absolver o réu do demais peticionado.” * *** Do assim decidido apelou o R. de novo, oferecendo alegações e formulando as seguintes “CONCLUSÕES: (…) * Foram apresentadas contra-alegações pela A. em suma tendo pugnado pela improcedência do recurso, face ao bem decidido pelo tribunal a quo, a final apresentando as seguintes (…) *** O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Tendo o tribunal a quo emitido pronuncia sobre a arguida nulidade, manifestando o entendimento da sua não verificação. Foram colhidos os vistos legais. *** II- Âmbito do recurso. Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelo apelante serem questões a apreciar: - se a decisão recorrida padece de nulidade por conhecer de questão que não podia tomar conhecimento, em violação do princípio da estabilidade da instância e alterando a causa de pedir sem acordo do R.; - se merece censura a condenação do R., por não verificados os pressupostos para a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa. *** III- Fundamentação Quanto aos factos provados, o tribunal a quo julgou: “1. Factos provados: 1. A autora BB e o réu AA mantiveram uma união de facto iniciada em março de 2015 e terminada em finais do ano de 2017. 2. Em 6 de junho de 2017, a autora e o réu adquiriram um imóvel sito na Rua ..., fração autónoma designada pela letra "R", destinada a habitação tipo T2 no 1º andar esquerdo, com um lugar de garagem na cave, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira com o n.º ...-R e inscrita na respetiva matriz predial sob o artigo .... 3. O qual foi adquirido na proporção de ½ pela autora e de ½ pelo réu. 4. A autora e o réu declararam adquirir o imóvel referido em 2) pelo preço de 65.000,00€, valor concedido como empréstimo a ambos pela Banco 1..., a ser pago em 540 meses e 4 dias e garantido por hipoteca sobre a referida fração. 5. O Réu foi trabalhador da empresa A... S.A., tendo mantido vínculo contratual com esta entre 13 de abril de 2009 e 2 de março de 2018. 6. Em 2 de março de 2018 o réu AA (designado primeiro outorgante) e a sociedade A... S.A. (designada segunda outorgante) celebraram um escrito denominado “documento particular de confissão de dívida” onde além do mais consta o seguinte: “Cláusula Primeira 1. O PRIMEIRO OUTORGANTE confessa e assume ser devedor da SEGUNDA OUTORGANTE, no montante global de Euros: 8.368,60 (oito mil trezentos e sessenta e oito curos e sessenta cêntimos) e ainda dos respetivos juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento (…)”. 7. Por falta de pagamento, a A... S.A. intentou uma ação executiva contra o aqui réu, no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis sob o n.º de processo .... 8. Em 9 de novembro de 2018 foi penhorada e registada a penhora da quota parte do réu sobre o imóvel descrito em 2). 9. Em 17 de novembro de 2018, entre o réu AA (designado primeiro outorgante) e a autora BB (designada segunda outorgante) foi celebrado um escrito designado “contrato de compra e venda”, autenticado por solicitadora, onde, além do mais, consta o seguinte: “PELO PRIMEIRO OUTORGANTE FOI DECLARADO: Que, vende à segunda outorgante, pelo preço de TRINTA E DOIS MIL E QUINHENTOS EUROS, metade indivisa do seguinte imóvel: ___ Fração autónoma designada pela letra "R", correspondente a habitação no primeiro andar esquerdo, do corpo dois, com um lugar de garagem na cave, assinalado com a respetiva letra, com o valor patrimonial tributário correspondente de 36.125,45€, ___ do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ... e na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira; ___ inscrito na matriz no artigo urbano ...; ___ descrito na Conservatória de Registo Predial de Santa Maria da Feira, sob o número ..., ___ onde se encontra registada na indicada proporção a seu favor, pela inscrição de aquisição com a apresentação dois mil quatrocentos e dezoito, de seis de junho de dois mil e dezassete; (…) ___ incidindo sobre a referida metade indivisa; ___ 1. uma penhora a favor de da sociedade "A..., S.A.", registada pela inscrição com a apresentação dois mil setecentos e oitenta e nove, de nove de novembro de dois mil e dezoito; ___ 2. uma hipoteca voluntária, registada a favor da "Banco 1..., C.R.L", conforme inscrição com a apresentação dois mil e quatrocentos e dezanove, de seis de junho de dois mil e dezassete, que se mantém em vigor. PELA SEGUNDA OUTORGANTE FOI DECLARADO: Que, aceita o presente contrato, e que é dona da restante metade indivisa e que destina a fração a sua habitação própria permanente. PELOS OUTORGANTES FOI MAIS DECLARADO: O capital em divida é de sessenta e cinco mil euros, correspondendo metade desse valor a trinta e dois mil e quinhentos euros, que corresponde ao preço da indicada metade indivisa, que é pago por assunção de metade do capital em dívida, garantida com a mencionada hipoteca, pela segunda outorgante. (…)” – junto como documento 2 da contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 10. No termo de autenticação do contrato de compra e venda referido em 9), além do mais, consta o seguinte: “ADVERTI OS OUTORGANTES: (…) ___ Da inoponibilidade do ato, relativamente à penhora que incide sobre a referida metade indivisa da fração autónoma, identificada no contrato em anexo. (…) ___ De que a assunção de dívida mencionada no contrato anexo, carece de ser ratificada pelo credor hipotecário” – junto como documento 2 da contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 11. Na mesma data foi registada a aquisição da autora na Conservatória de Registo Predial. 12. No processo executivo, na qualidade de comproprietária do imóvel referido em 2), a autora recebeu uma notificação da agente de execução, datada de 7 de dezembro de 2018 e entregue no dia 10, onde, além do mais, consta o seguinte: “Fica V. Exa. notificada, na qualidade de comproprietária e nos termos do art. 781º do Código de Processo Civil (C.P.C.), da penhora da quota-parte de ½ que o executado AA, detém no bem imóvel melhor identificado na verba 1 do auto de penhora em anexo. Mais fica notificada, nos termos do n.º 2 do art. 781º do C.P.C., para, em DEZ DIAS, fazer as declarações que entender acerca do direito do executado na compropriedade do imóvel ora penhorado, bem como dizer se pretende que a eventual venda tenha por objeto a totalidade do bem.” 13. Por carta datada de 18 de dezembro de 2018, a autora comunicou à agente de execução, além do mais, o seguinte: “BB, na qualidade de comproprietária e dando resposta à V/carta com a data de 07/12/2018, vem muito respeitosamente informar que: 1 - Não tem qualquer relação com a pessoa do outro comproprietário que é executado no supracitado processo; 2 - O bem imóvel tem registada uma hipoteca voluntária a favor de um Banco. 3 - Qualquer venda só poderá ser efetuada tendo por objeto a metade indivisa que pertence ao executado sobre a qual incide a referida penhora. 4 - E que pretende inquirir acerca da possibilidade e dos termos possíveis de se obter acordo de pagamento prestacional da referida dívida exequenda”. 14. Em 7 de maio de 2019, a autora BB (na qualidade de primeira outorgante) e A..., S.A. (na qualidade de segunda outorgante) celebraram um escrito denominado “contrato de assunção parcial de dívida” onde, além do mais, consta o seguinte: “CLÁUSULA TERCEIRA 1. A PRIMEIRA OUTORGANTE é legitima possuidora e proprietária da quota-parte de 1/2 da fração autónoma, designada pela letra "R” (…) do qual o devedor AA era titular da restante quota-parte de 1/2, razão pela qual apresenta um interesse próprio e imediato na assunção parcial da presente dívida. 2. A SEGUNDA OUTORGANTE compromete-se, por força da presente assunção parcial de dívida, e desde que os termos do presente instrumento contratual sejam pontual e integralmente cumpridos, a não promover quaisquer diligências de venda judicial da quota parte de 1/2 do referido imóvel propriedade de devedor AA no âmbito do processo n.° 1982/18.1T8OAZ, dando primazia a outras formas de cobrança coerciva dos valores em dívida que não se relacionem com o direito de propriedade da PRIMEIRA OUTORGANTE sobre aquele imóvel. CLÁUSULA QUARTA 1. Esta assunção parcial de divida reporta-se à divida exequenda do processo executivo n.° ..., pelo que se considera cumprida parcialmente a obrigação de pagamento daquela (correspondente apenas à quantia de 8.500,00 Euros), não correspondendo esta assunção parcial de dívida a qualquer duplicação de responsabilidades do ali devedor, mais se afirmando que inexiste qualquer exoneração do devedor originário AA relativamente aos valores em dívida. 2. A PRIMEIRA OUTORGANTE reserva-se no direito de exercer direito de regresso sobre o devedor originário AA na totalidade da dívida ora parcialmente assumida. 3. Em caso de falta de pagamento da obrigação emergente do presente CONTRATO, será devido pelo devedor originário, bem como solidariamente pela PRIMEIRA OUTORGANTE, durante a mora, juros à taxa vigente à data do incumprimento do Documento Particular de Confissão de Dívida mencionado no Considerando 1. 4. A PRIMEIRA OUTORGANTE irá proceder à liquidação do valor de 8.500,00 Euros (oito mil e quinhentos euros) dos 10.189,67 Euros (dez mil cento e oitenta e nove euros e sessenta e sete cêntimos) em dívida na presente data pelo devedor originário AA, sendo que tal liquidação irá decorrer do seguinte modo: a) mediante pagamento de uma primeira prestação no valor de 5.000,00 Euros a realizar na data de outorga do presente instrumento contratual; b) e o remanescente no valor de 3.500,00 Euros, mediante 24 (vinte e três) prestações mensais e sucessivas, as primeiras 23 (vinte e três) no valor de 150,00 Euros cada e com vencimento no dia 30 de cada mês, com a primeira a vencer-se no mês imediatamente subsequente ao da celebração do presente Acordo, e a última prestação no valor de 50,00 Euros, esta última com vencimento no dia 30 de maio de 2021; (…) O presente CONTRATO foi celebrado em Santa Maria da Feira a 07 de maio de 2019, em duas vias, destinando-se uma a cada uma das Partes” – junto como documento 12 da petição inicial e cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 15. A autora liquidou a quantia de 8.500,00€ referida em 14), inclusivamente antecipando prestações, cujo último pagamento efetuou em 16/10/2019. 16. E uma parte da nota de honorários do agente de execução, no valor de 540,02€. 17. Em 19 de maio de 2020, a agente de execução notificou as partes da extinção da ação executiva. 18. E foi cancelado o registo de penhora que incidia sobre o imóvel identificado em 2). 19. Tendo a autora posteriormente unido esforços junto do banco para exonerar o réu daquele crédito. 20. A autora apenas assumiu o pagamento referido em 15) por estar em risco iminente a venda do imóvel penhorado na parte de ½, do qual ela era a detentora. 21. Em abril de 2017 ou data próxima, a avaliação do imóvel identificado em 2) era de 80.518,00€. 22. Em novembro de 2018, a avaliação do imóvel identificado em 2) era 93.340,00€. 23. O réu foi citado para a presente ação em 09/12/2021.”
Foram, ainda, julgados como factos não provados os seguintes: “2. FACTOS NÃO PROVADOS A. No âmbito da ação executiva que correu termos sob o processo n.º ..., o aqui réu foi citado para deduzir oposição ou pagar, não se tendo manifestado. B. Naquele processo logrou-se penhorar o vencimento do aqui réu durante alguns meses, concretamente parte do seu vencimento e subsídios, contudo, no dia 17 de dezembro a entidade empregadora informou que o réu já não trabalhava naquela empresa desde o dia 30 de setembro de 2019, pelo que não iriam proceder aos descontos no seu vencimento. C. A autora interpelou o réu para proceder ao pagamento do valor referido em 15) e 16) que aquela tinha assumido em seu lugar, mas sem sucesso. D. O réu apenas acedeu em aceitar a venda da sua quota parte no prédio, por um valor meramente indicativo e inferior ao seu valor real, mediante a contrapartida da autora assumir todas as responsabilidades que incidiam sobre o mesmo, incluindo a questão da penhora e do crédito bancário existente.” *** Do direito. I- Em função do supra já enunciado e tal qual decorre das conclusões acima reproduzidas - as quais têm como função delimitar o objeto de recurso - cumpre em primeiro lugar apreciar se a decisão recorrida padece de nulidade por conhecer de questão que não podia tomar conhecimento, em violação do princípio da estabilidade da instância e do dispositivo, operando alteração da causa de pedir sem o acordo do R. [nulidade integrável no previsto no artigo 615º nº 1 al. d) do CPC, como excesso de pronúncia]. As causas de nulidade da sentença, previstas de forma taxativa no artigo 615º do CPC[1], respeitam a vícios formais decorrentes “de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal e que se mostrem obstativos de qualquer pronunciamento de mérito”[2], pelo que nas mesmas não se inclui quer os erros de julgamento da matéria de facto ou omissão da mesma, a serem reapreciados nos termos do artigo 662º do CPC, quando procedentes e pertinentes, quer o erro de julgamento derivado de errada subsunção dos factos ao direito ou mesmo de errada aplicação do direito[3]. Nos termos do artigo 615º nº 1 al. d) do CPC é nula a sentença que deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Sanciona este normativo, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3º do CPC, a violação do disposto no artigo 608º nº 2 do CPC o qual dispõe que o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Sendo ainda de distinguir questões a resolver (para efeitos do artigo 608º nº 2 do CPC) da consideração ou não consideração de um facto em concreto que e quando se traduza em violação do artigo 5º nº 2 do CPC, deverá ser tratado em sede de erro de julgamento e não como nulidade de sentença [4]. É, portanto, em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões / exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. O mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia. Já não sobre «os fundamentos (de facto ou direito) apresentados pelas partes para defender a sua posição, os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, ser tidos como “questões”», mas das mesmas se distinguem, pois, «é diferente “(…) deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (…)”[5] Tendo presentes estes considerandos e observado que foi o contraditório pelo tribunal a quo, analisemos se ao recorrente assiste razão. Para tanto identificando ainda e previamente o conceito de causa de pedir, na medida em que o dever de pronúncia judicial está delimitado precisamente pela causa de pedir delineada na petição (salvo se nos termos processualmente previstos tiver sido alterada), para além do pedido e exceções invocadas nos autos. Definindo causa de pedir, poder-se-á dizer que esta consiste no facto concreto ou composto factual concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido pelo A., consubstanciando-se numa indicação de factos suficientes para individualizar o facto jurídico gerador da causa de pedir. Esta definição está conforme, desde logo, ao que o legislador definiu como requisito da petição inicial no artigo 552º nº 1 al. d) do CPC – a “enunciação “dos factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação” [6] Para que o tribunal reconheça ao autor o direito que o mesmo invoca, há de este alegar factos suscetíveis de gerar esse direito, segundo a ordem jurídica constituída, numa relação de causa-efeito. Os factos que assumem uma função constitutiva do direito invocado pelo autor (ou da exceção deduzida pelo R.) correspondem aos factos essenciais que enformam a causa de pedir (ou em que se baseiam as exceções invocadas) – vide artigo 5º nº 1 do CPC. Esses factos, postos em contacto com a ordem jurídica, é que constituem a causa de pedir, o fundamento ou fundamentos da ação que justificam o consequente pedido formulado [vide ainda al. e) do nº 1 do artigo 552º do CPC] e permitem ao réu contestar ou, caso não seja apresentada contestação, logo ser emitido um juízo de mérito[7]. Dito isto, certa é também a reconhecida não vinculação do juiz às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – tal qual expressamente o consagra o nº 3 do artigo 5º do CPC. Da necessária conjugação dos normativos em análise [mormente os artigos 3º, 5º, 552º, 608º e 615º do CPC], temos por correto o entendimento de que a causa de pedir é ainda respeitada quando o juiz com base nos mesmos factos alegados como essenciais subsume estes a uma norma jurídica diversa da invocada pela parte para justificar a sua pretensão[8]. “A causa de pedir enquadra os factos principais, sendo que a delimitação de quais são estes factos principais se faz através das normas alegadas pelo autor. A decisão do juiz tem de enquadrar-se nestes termos: podem aplicar-se regras diferentes desde que os factos principais sejam idênticos, não podem aplicar-se regras que utilizam como principais factos que o autor alegou como instrumentais ou, em evidência, como principais factos que o autor nem sequer alegou”.[9] Tendo como pressuposto o entendimento exposto, analisemos se a decisão recorrida padece do vício que lhe é imputado pelo recorrente.
A A. aqui recorrida instaurou a presente ação contra o aqui R., alegando: - ser deste credora já que assumiu uma dívida daquele junto do respetivo credor, na sequência de acordo firmado com o mencionado credor, como forma de salvar o seu património: em causa o imóvel que identificou nos autos e de que era coproprietária. Imóvel este alvo de penhora no âmbito de execução instaurada pelo dito credor contra o aqui R.. Assim justificando e invocando também um interesse próprio e imediato na assunção parcial de tal dívida (vide artigos 23º e 38º da p.i.); - nos termos de tal acordo, intitulado “Contrato de Assunção de Dívida Parcial” que a A. juntou como doc. 12 ficou estipulado: - a autora reserva-se o “direito de exercer o direito de regresso sobre o devedor originário (réu), na totalidade da dívida ora parcialmente assumida.” (cláusula 4ª nº 2). Da cláusula 4ª desse mesmo contrato [no qual o aqui R. não interveio] mais tendo ficado a constar que em caso de falta de pagamento pela aqui A. recorrida da obrigação pela mesma assumida no contrato, será devido pelo devedor originário, bem como solidariamente pela A. e durante a mora, juros à taxa acordada no documento particular de confissão de dívida do aqui R. perante o seu credor; - ao abrigo de tal contrato a A. procedeu ao pagamento da quantia a que se obrigou; - foi interpelado o R. a proceder ao seu pagamento, sem sucesso. - à A. assiste o direito de regresso contra o aqui R., nos termos do artigo 524º do CC (vide 44º e 45º da p.i.). Termos em que terminou peticionando a condenação do R. nos termos supra já enunciados.
Assim delineada a causa de pedir e formulado o consequente pedido de pagamento à aqui A. do valor que esta invocou ser do R. credora – pretensão que justificou ao abrigo de um invocado “direito de regresso”, contestou o R. impugnando nomeadamente a existência do crédito identificado pela autora, sem contudo questionar o pagamento dos valores descritos na p.i. e que se vieram a apurar.
Apreciando a pretensão da A. o tribunal a quo, após julgar provado o crédito reclamado pela autora, como consequência do pagamento parcial da dívida (já em execução) do aqui R. pela autora, concluiu não ser a obrigação nas relações entre A. e R. solidária, já que o R. foi alheio ao acordo celebrado entre a A. e o inicial credor do aqui réu. E, por tanto, julgou a pretensão formulada pela A. com base no direito de regresso improcedente. Não obstante, com base exatamente nos mesmos factos essenciais alegados - convocando o disposto no artigo 5º nº 3 do CPC e entendendo demonstrado o crédito da A. sobre o R. – apreciou o tribunal a quo a pretensão da A. enquadrando-a no instituto do enriquecimento sem causa, após observado o prévio contraditório quanto à sua intenção de conhecer da pretensão do autor ao abrigo de tal instituto – nos termos acima assinalados e já como consequência do determinado por este tribunal. Tendo o tribunal a quo declarado a pretensão da autora procedente ao abrigo do citado enriquecimento sem causa, por entender verificados os respetivos requisitos. Ou seja, o tribunal a quo, com base nos mesmos factos jurídicos alegados e apurados, entendeu enquadrar os mesmos em norma diversa. Tal atuação, respeitou o previsto no artigo 5º nº 3, sem que tenha ocorrido violação do princípio do pedido e do impulso processual. Respeitando, na medida em que para a decisão foram considerados os factos essenciais alegados pela autora, a causa de pedir e assim não tendo conhecido de questão não submetida à sua apreciação. Implicando a improcedência da arguida nulidade da sentença por excesso de pronúncia.
Diversa é a questão de erro de julgamento. De que se conhecerá em seguida.
II- Em segundo lugar, cumpre apreciar se ocorreu erro na subsunção jurídica dos factos ao direito. Erro que o recorrente fundamenta na não verificação dos pressupostos necessários à sua condenação ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa. Condenação que a recorrida defendeu deve ser mantida. Porquanto nada obsta a que o tribunal a quo analise os factos alegados e provados mediante uma outra qualificação jurídica. Nada tendo sido questionado quanto à decidida improcedência da pretensão formulada com fundamento no direto de regresso que assim transitou.
Analisemos então se merece censura a decisão proferida pelo tribunal a quo. Para tanto recordando os requisitos de que depende a sua aplicação. Dispõe o art.º 473º do C.C. "1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustificadamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou". O enriquecimento sem causa, enquanto fonte autónoma de obrigações depende da alegação e prova por parte daquele que o invoca, do enriquecimento patrimonial do demandado à custa do empobrecimento do património do demandante e sem causa para tal. Acresce a natureza subsidiária deste instituto, conforme decorre do art.º 474º do C.C., o qual assim preceitua: “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”
A nosso ver, resulta in casu evidente a falta do preenchimento deste último requisito – o da subsidiariedade, pelos motivos em seguida expostos, justificando a dispensa da análise dos demais pressupostos, por inútil.
Dispõe o artigo 592º do CC, sob a epígrafe “Sub-rogação Legal” “(…) o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver diretamente interessado na satisfação do crédito.”
O terceiro que cumpre a obrigação por na mesma ter um interesse direto, fica sub-rogado nos direitos do credor (artigo 592º nº 1) e, na medida da satisfação dada ao direito do credor, adquire os poderes que a este competiam (vide artigo 593º nº 1 do CC). Sendo à sub-rogação aplicáveis as regras dos artigos 582º a 584º com as necessárias adaptações (ex vi artigo 594º do CC). Destes artigos se transcrevendo, por ter relevo para o mérito dos autos, o previsto no artigo 583º do CC: “1. A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite. 2. Se, porém, antes da notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão.” A A. ao assumir o pagamento da dívida do R., ao qual era alheia – nos termos que constam do facto provado 14 – justificou claramente nesse mesmo contrato a causa da sua decisão, com um interesse próprio e direto, atenta a sua qualidade de coproprietária do imóvel – vide cláusula 3ª de tal contrato. À data da penhora da ½ indivisa do R. (vide fp 8), a autora era efetivamente apenas coproprietária de ½ indivisa (vide fp’s 2 e 3). Apenas posteriormente tendo adquirido a outra metade, devidamente advertida no ato da aquisição da inoponibilidade do ato relativamente à penhora em vigor à data (vide facto provado 10). Acresce que o interesse direto na satisfação do crédito por parte da autora foi pela mesma expressamente invocado e julgado provado – vide para além de todo o demais circunstancialismo que vem julgado provado sobre os termos em que a autora procedeu à liquidação das quantias que nos autos peticiona, o que concretamente consta sob o facto provado nº 20 – a autora apenas assumiu o pagamento da quantia referida em 15 (e consequentemente em 14) dos factos provados por estar em risco iminente a venda do imóvel penhorado na parte de ½ da qual era a detentora. Por via do aludido pagamento da dívida do R., a A. sub-rogou-se nos direitos do credor nos termos do artigo 592º nº 1 do CC. O R. se antes o não foi, considera-se notificado da sub-rogação operada com a citação para os presentes autos – vide nº 2 do artigo 591º. Note-se, aliás, que o R. em sede de contestação reconheceu a operação levada a cabo pela autora que culminou no pagamento das quantias peticionadas nos autos. Antes e apenas tendo invocado nada dever na sequência de acordo estabelecido com a autora, o que não provou. O cumprimento não vem questionado e, como já referido, o direto interesse da autora no cumprimento da obrigação do R. perante o credor deste é evidente – a mesma visou obviar à venda do direito penhorado – penhora de ½ indivisa que então pertencia ao R., sendo então a A. coproprietária da outra metade. Posteriormente (mas antes do acordo de assunção de dívida celebrado) tendo adquirido a propriedade da outra ½ penhorada. Por essa via passando o imóvel em questão a ser de sua total propriedade, sem prejuízo da penhora em vigor à data da aquisição da outra ½ por inoponibilidade do ato. Por via da referida assunção de dívida e subsequente pagamento, evitou a autora a venda da ½ penhorada e que entretanto adquirira do R., assim evitando o consequente prejuízo derivado de tal venda com vista ao pagamento de dívida que não era sua. A sub-rogação em análise opera automaticamente por efeito da lei e ocorre independentemente do consentimento do credor ou do devedor[10].
Enquadrada a pretensão da autora no regime da sub-rogação legal e ao abrigo da mesma encontrando proteção legal, resulta afastada desde logo e pela não verificação do requisito da subsidiariedade a aplicação à situação sub judice do enriquecimento sem causa.
Convocando de novo a norma acima citada – artigo 5º nº 3 do CPC – não estando o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – resulta que a pretensão da recorrida deve proceder, nos precisos termos determinados pelo tribunal a quo, mas com fundamento no previsto no artigo 592º do CC, por via da sub-rogação legal. Nessa medida sendo de manter a decisão recorrida ainda que com base noutros fundamentos. Note-se que a qualificação jurídica que assim se assumiu, aplicando o regime da sub-rogação legal ao invés do pela autora identificado e não reconhecido direito de regresso, não é deste manifestamente diversa de tal forma que possa ser considerado uma decisão surpresa que justifique a observância do prévio contraditório nos termos do artigo 3º nº 3 do CPC[11]. *** IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto. Custas do recurso pelo recorrente. |