Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PAULO COSTA | ||
| Descritores: | CRIME DE DANO COM VIOLÊNCIA IMPOSSIBILIDADE DE RESISTIR | ||
| Nº do Documento: | RP20240522660/20.6PSPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/22/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Indicações Eventuais: | 1. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O art. 214º contempla formas de dano com violência, relevando, a acrescer ao dano em coisa, a prática de violência contra uma pessoa a que se equipara a ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir. II - Violência é aquela que põe em causa a liberdade da pessoa- de movimentos e/ou ação e decisão - e a integridade física e a colocação na impossibilidade de resistir também ofende a liberdade individual de movimentos e/ou ação e decisão e em certos casos a integridade física. III - A violência abrange também a violência psíquica e se por meio da violência a vitima deixa de conseguir, mesmo do ponto de vista da sua capacidade física de se opor à provocação dos danos ou se por meio de ameaça ela sente que não pode fazer mais nada senão submeter-se e eventualmente fugir da situação, ficando na impossibilitada de resistir. IV - Preenche tal ilícito a situação em que o ofendido estava no seu automóvel, trancado, sentado e cercado por 3 arguidos estando a sua integridade física em perigo iminente e naquela posição estava em situação de impossibilidade de reagir quer quantos aos danos que estavam a infringir na sua viatura quer quanto à sua pessoa, embora estas duas circunstâncias não sejam cumulativas. (da responsabilidade do relator) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n º660/20.6PSPRT.P1 - Juízo Local Criminal do Porto Relator Paulo Costa Adjuntos Castela Rio Maria Rosário Silva Martins
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório No âmbito do Processo Comum Singular n. º660/20.6PSPRT, a correr termos no Juízo Local Criminal do Porto- Comarca do Porto, por sentença foi decidido:
«Pelo exposto, julgo a acusação pública totalmente procedente, por totalmente provada e, em consequência: A) Condeno a arguida AA pela prática de um crime de dano com violência, p. e p. pelo art.º 214º, n.º1, a), (por referência ao art.º 212º, n.º1) do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão substituída por 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de €1825,00 (mil oitocentos e vinte e cinco euros). B) Condeno o arguido BB pela prática de um crime de dano com violência, p. e p. pelo art.º 214º, n.º1, a), (por referência ao art.º 212º, n.º1) do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão substituída por 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o montante global de €1825,00 (mil oitocentos e vinte e cinco euros). C) Condeno a arguida CC pela prática de um crime de dano com violência, p. e p. pelo art.º 214º, n.º1, a), (por referência ao art.º 212º, n.º1) do C. Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão substituída por 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de €2.190 (dois mil cento e noventa euros). D) Mais condeno os arguidos no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s para cada um (art.ºs 513º e 514º do C.P.P. e art.º 8º, n.º9, do R.C.P., Tabela anexa III) E) Condeno ainda os demandados AA, BB e CC no pagamento, solidário, ao demandante DD, da quantia de €3.000,00 (três mil euros), sendo €2.671,96 a título de danos patrimoniais e o restante a título de danos não patrimoniais por este sofridos com a conduta daqueles. F) Mais condeno os demandados no pagamento das custas cíveis, as quais se fixam no mínimo legal (art.º 527º do C.P.C.)» * Inconformados, os arguidos interpuseram recurso, solicitando a revogação da sentença proferida.
Apresentam nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
CC. “1. O presente recurso visa a impugnação da decisão relativa à matéria de facto dada como provada e, em parte, como não provada, a sua incorreta subsunção dos factos ao Direito, erro no qualificação jurídica do factos, com violação do normativo vertido no artigo 412.º n.º 3 do Código de Processo Penal; 2. A sentença recorrida viola de forma flagrante o princípio presunção de inocência, constitucional plasmado do artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa; 3. Ademais da sentença recorrida resulta que a prova produzida não foi, salvo o devido respeito, submetida a uma análise crítica como impõem as regras da experiência, pelo que violou o princípio da livre apreciação da prova vertido no artigo 127.º do Código de Processo Penal. 4. Não obstante a prova produzida em audiência de julgamento deveria ter sido valorada no sentido de esclarecer o Tribunal quanto á concreta dinâmica da altercação sucedida. 5. Pese embora se exigem especiais cautelas, são de valorar as declarações dos co-arguidos, porque estas apresentam valor de prova, devendo ser apreciadas em respeito pelo critério geral da livre apreciação da prova. 6. É da experiência comum que num cenário de altercação, que envolve várias pessoas, cada uma delas relatará a situação do sue campo de visão, até porque resulta, evidenciado, que todos os Arguidos apareceram junto do alegado Ofendido em momentos diferentes, o que implica que naquela ocorrência os Arguidos estivessem colocados em pontos geográficos diferenciados, com perspetivas não idênticas, o que reflete a própria dinâmica de um desentendimento. 7. A prova produzida assenta essencialmente no depoimento do Assistente que é parte interessada na causa, pelo que a sua falta de isenção e distanciamento em relação à causa deve ser tida em consideração. 8. Foi ainda posto em relevo o testemunho de EE, sendo evidente que este não presenciou altercação absolutamente nenhuma, apresentou um discurso condicionado, até porque referiu que o Assistente o andou a chatear para ser testemunha. Prestou um testemunho sempre com uma postura contrariada e alterada, tendo, forçosamente, que se perspectivar este testemunho com uma análise critica, da qual resulta a conclusão de um discurso enviesado, presidido por falsidades, incoerências e contradições que caracterizaram este depoimento, e que abalam, irremediavelmente a sua credibilidade. 9. A audição atenta e crítica dos depoimentos prestados pelo Assistente e a testemunha EE, são até contraditórias entre si – veja-se a título de exemplo o Assistente disse que quando ia a sair de marcha atrás os Arguidos o atacaram novamente, e a testemunha diz que quando o carro fez marcha atrás foi embora sem ter sido novamente interpelado – o que é inequívoco, é que um dos dois está a faltar à verdade. 10. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não pode basear e fundamentar a acusação proferida em depoimentos que se contradizem e que até se desdizem, uma vez que é sobre a acusação que recai o ónus de uma suficiente actividade probatória. 11. Ainda que as declarações do Assistente e da testemunha por si indicadas sejam válidas e livremente apreciáveis, é notório o erro na apreciação destas, uma vez que as suas contradições e incongruências não são de todo e sem mais, suficientes para sustentar uma acusação, quanto mais uma sentença condenatória. 12. Ademais as suas incoerências foram evidenciados pelo depoimento da testemunha FF, o que não foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo. 13. O Tribunal a quo na livre apreciação da prova desconsiderou a falta de isenção e de distanciamento do Assistente. E se é certo que as declarações dos co-arguidos valem como prova, com especiais cautelas, não é menos certo que essa mesma cautela se exige relativamente às declarações do Assistente. 14. A livre apreciação da prova terá sempre subjacente uma motivação ou fundamentação – o substrato racional da convicção que dela emerge. Ou como escreve o Prof. Figueiredo Dias o Julgador ao apreciar livremente a prova exerce uma liberdade de acordo com o dever, ou seja, o dever de perseguir a chamada verdade material de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, redutível a critérios objectivos…” Em suma, a livre apreciação das provas será circunscrita dentro dos parâmetros legais, não podendo estender essa liberdade até ao ponto de cai no puro arbítrio. 15. Com efeito, nenhuma prova foi produzida perante o Tribunal que permitisse concluir, de forma fundamentada e não arbitrária, no sentido em que o fez a sentença recorrida nos pontos assinalados. 16. Salvo o devido e merecido respeito, o Tribunal a quo, fez uma valoração da prova pouco fundamentada, pouco coerente, absolutamente discricionária e nada vinculada aos princípios jurídicos que a deverão nortear, seguindo a lógica de que tudo o que é dito pelo Assistente corresponde à verdade e tudo o mais não merece credibilidade. 17. Em consequência dessa atitude crítica da prova produzida impõe-se a alteração da factualidade dada como provada. 18. Por se considerar incorretamente julgada a matérias de facto, uma vez que existem fundadas dúvidas acerca da veracidade do depoimento do Assistente e Testemunha por si indicada, existe uma dúvida que apenas e só pode ser valorada a favor da Arguida, aqui Recorrente 19. Não tendo sido produzida qualquer outra prova, sendo o depoimento do Assistente e testemunha por si indicada demasiado comprometidos e interessados, para, com base só neles, se permitir a condenação de todos os Arguidos. 20. O raciocínio do Tribunal a quo encontra-se viciado, saltando aos olhos de qualquer pessoa que a aqui Recorrente e os co-arguidos não podiam ter praticado o crime pelo qual foram condenados, bastaria para tal que o Tribunal a quo tivesse atentado nas impossibilidades físicas evidenciadas pelos relatórios médicos dos arguidos BB e AA para que desse modo tivesse decidido de forma diferente. 21. É materialmente impossível que os arguidos tivessem praticado os factos do modo como a Mm.ª Juiz a quo deu como provados na sentença recorrida. 22. E mesmo que assim não se tivesse entendido – o esclarecimento cabal de que é impossível face às limitações físicas dos arguidos AA e BB terem praticado os factos como vêm descritos na sentença a quo – pelo menos com a dúvida a Mm.ª Juiz a quo tinha de ter ficado, pelo que ao decidir contra os Arguidos, violou o princípio do in dubio pro reo. 23. Só como mero exercício académico, na eventualidade de se darem como provados os factos vertidos na sentença recorrido, entende a Recorrente que os mesmos configuram um crime de dano simples, previsto e punido no artigo 212.º do Código Penal. 24. O dano apenas deve qualificar-se como sendo um dano com violência quando essa violência exercida sobre a coisa, atinja indiretamente a pessoa, o que no caso dos presentes autos não se verificou em momento algum – o Assistente não foi atingido no seu bem estar nem na sua integridade, este encontrava-se em segurança, trancado dentro do seu carro, não tendo os Arguidos tentado entrar no seu veículo, e tendo sido o Assistente que arremessou o veículo contra estes que se afastaram na convicção de que iriam ser abalroados. 25. Assim vista a situação em análise crítica existem duas pessoas em idade avançada com graves problemas de saúde e de mobilidade e uma terceira, a aqui Recorrente, que alegadamente atacam um veiculo, o que não merece a mínima credibilidade como já se supra expôs, e por outro lado, temos uma pessoa, certo que com idade mas perfeitamente capaz na sua locomoção, que se encontra dentro de um veículo, fechado em segurança, e que durante a contenda o arremeteu contra os aqui Arguidos. 26. Assim, a Arguida aqui Recorrente deve ser absolvida da prática do crime de dano com violência, previsto e punido no artigo 213.º do Código Penal. 27. A Arguida deve, ainda, ser absolvida do montante indemnizatório em que foi condenada, por completa ausência de fundamento legal. 28. A douta sentença recorrida viola o consignado nos artigos 127.º e 412.º n.º 3 ambos do Código de Processo Pena, e o artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. 29. A douta sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que absolva a Arguida da prática do crime de dano com violência e, consequentemente, do pagamento de qualquer quantia a título indemnizatório.”
BB
1.- É manifesta a contradição entre os factos dados como provados e a prova produzida. 2.- No que respeita desde logo ao último facto dado como provado, no que concerne com a co-arguida AA, foi notório em sede de audiência e julgamento, que a Arguida AA se apresentou em tribunal com acentuadas artroses em ambas as mãos, mãos visivelmente artríticas e dedos nodosos (o que implica rigidez e dificuldade em movimentos simples, já existente à data dos factos) e dificuldade de locomoção, tendo até inclusive dificuldade em se por a pé, o que foi manifestamente observado por todos os presentes em julgamento, com especial in focu pelo Tribunal a quo. 3.- Este erro de tão notório configura por parte do Tribunal a quo uma violação do próprio princípio da livre apreciação da prova, que melindra qualquer um dos intervenientes processuais. 4.- Não se concebe como pôde o Tribunal a quo entender que os depoimentos dos Arguidos foram contraditórios, pois é da experiência comum que num cenário de altercação, que envolve várias pessoas, cada uma delas relatará a situação do seu campo de visão, até porque resulta, evidenciado, que todos os Arguidos apareceram junto do alegado Ofendido em momentos diferentes, o que implica que naquela ocorrência os Arguidos estivessem colocados em pontos geográficos diferenciados, com perspetivas não idênticas, o que reflete a própria dinâmica de um desentendimento e terem em julgamento versões totalmente coincidentes, passados três anos sobre os factos, só poderia significar terem ensaiado depoimentos. 5.- A Arguida AA – declarações de dia 23/03/2023, das 12 horas e 16 minutos às 12 horas e 53 minutos – esclareceu que foi junto do veículo do Sr.º DD, uma vez que este além de ter atirado lixo para o chão, insultou o seu marido, para o advertir que ali não era o local correto “…começou a ofender, sempre a arrancar com o carro…o meu marido entretanto estava na entrada…eu não fiz nada, ele bateu contra os arbustos…o estacionamento estava cheio…e foi contra um carro dos vizinhos…” 6.- E no que à arguida CC esclareceu, ao minuto 04:58 a 06:58 e minutos 10:00 a 10:09 “…a CC veio em socorro do meu marido…, ela era companheiro do meu neto, ouviu o barulho e veio cá fora…a D. CC só veio ao som do barulho, dois, três minutos depois, ela não fez nada, ela veio ao jardim para levar o meu marido para dentro, a D. CC não abordou o outro senhor…o Sr.º DD estava a pouca distância do meu marido e ia a grande velocidade e subiu o jardim…nem o meu marido nem a CC se aproximaram do veículo. 7.- Ao minuto 19:29 a 24:15 reforça o Sr.º DD estava do lado do condutor e a D. AA do lado do pendura “…o estacionamento é de espinha, ele faz marcha atrás…e a (CC) veio quando eu comecei a dizer foge, sai daí, a CC só chegou naquele momento, a D. CC é que se meteu à frente…” 8.- Resulta destas declarações que a arguida CC abeirou-se do ora Recorrente, o arguido BB, exatamente no momento que que o Senhor DD vinha com o seu carro em direção ao mesmo, o que é plenamente corroborado pelas declarações do próprio Senhor DD, tendo a Arguida AA situado o marido, o aqui Recorrente, no decurso da contenda, minuto 14:58 a 15:45 de forma suficientemente esclarecedora “…a porta do prédio tem aquele bocadinho de passeio e o meu marido desceu aquele bocadinho da soleira da porta, tem um passeio de pedra de meio metro e o meu marido veio para a frente…” 9.- Não se entendendo, em que declarações é que o Tribunal a quo se baseou para afirmar que esta Arguida disse que o marido estava à porta do prédio 10.- De igual modo a arguida AA esclareceu o Tribunal a quo, ao minuto 26:00 a 28:51 que os vizinhos presenciaram tudo pelas janelas do prédio, mas que não viu mais ninguém a circular a pé na avenida, até porque esta se encontrava em obras e os percursos pedonais existentes eram tão só para os residentes e o Recorrente em declarações de dia 23/03/2023, das 12 horas e 53 minutos às 13 horas e 19 minutos – num discurso claro e conciso declarou que chamou a atenção do Senhor DD para este não colocar o lixo no chão e este que o insultou de imediato, e como a sua esposa saiu de casa para ir falar com o vizinho quando alcançou o exterior do prédio viu o “o Senhor (DD) arranca, ele saiu de traseiras, isso eu vi, foi quando bateu num Mercedes e no poste de eletricidade que até arrancou o espelho…nessa altura a CC já lá estava e ele atirou com o carro para cima dela…”minuto 01:58 a 02:28, o que reforça a tese de que efetivamente o veiculo conduzido pelo Senhor DD ia em direção ao Recorrente e só não alcançou o seu intento, uma vez que a arguida CC se colocou à frente deste. 11.- Assim que o Recorrente chegou ao exterior, a arguida AA, sua mulher, ainda estava a sair do estacionamento, local de onde o carro do Senhor DD saiu – minuto 05:10 a 05:54, e “…ele (DD) bateu no poste de eletricidade onde raspou o carro e arrancou o espelho…primeiro bateu no Mercedes e depois é que bate no poste…o Mercedes estava estacionado de frente com a traseira para fora e o do DD tinha o carro estacionado mais à frente e então saiu de marcha atrás e bateu no Mercedes e a sair dsi e raspou no poste e ficou com o espalho do lado direito ao dependuro…” 12.- A arguida CC prestou declarações - dia 23/03/2023, das 13 horas e 20 minutos e 13 horas e 33 minutos e exprimiu-se de forma clara ao declarar que “..ouviu uma discussão e veio em socorro dos avós do meu companheiro, os dois arguidos já estavam cá fora e eu vim à porta do prédio e corri para a beira do Senhor BB por causa do carro, que estava no início do caminho, a D. AA estava um pouco mais à frente na estrada…o Senhor BB não estava a fazer nada e a Dona AA estava a falar com o Senhor DD que estava dentro do carro com os vidros fechados” – minuto 00:37 a 02:50, esclarecendo que “naquela altura entrava-se e saíamos sempre pelo mesmo sítio porque a Avenida estava toda em obras e o Senhor DD para sair tinha de ir de marcha atrás….o carro vinha em direcção eu meti-me em frente ao Senhor BB (minuto 04:05 a 04:07)…não me dirigi ao Senhor DD, não toquei em nenhuma parte do veículo do Senhor DD” – minuto 03:39 a 13:08. 13.- As declarações dos Arguidos não se contradizem, antes se completam. 14.-O Assistente, DD, prestou declarações - dia 14/04/2023, das 15 horas e 47 minutos e 16 horas e 39 minutos, tendo logo afirmado “…entrei dentro do carro, fechei o carro, pus o cinto de segurança e veio a turma toda que me caiu no carro…sairam os três ao mesmo tempo, primeiro o Senhor BB, depois a esposa depois a outra senhora…quem se dirigiu primeiro ao carro foi o Senhor BB e que se pôs ao murro no carro no capot…depois a esposa que foi ao retrovisor puxou-o todo para trás e partiu-o, do lado direito e logo a seguir partiram o limpa pára-brisas” – minuto 03:40 a 5:43 e acrescenta, minuto 12:20 a 12:23 “…saíram disparados…”. 15.- Tal afirmação do Assistente não corresponde de todo à realidade fática da ocorrência, em primeiro porque isso resulta das próprias declarações de todos os Arguidos, e pela impossibilidade física que tal facto traduz, atenta a reduzida mobilidade do Recorrente, sendo, assim, impossível, que tenham saído a correr os três ao mesmo tempo. Falta à verdade o Assistente. 15.- Esclareceu o Assistente ainda o Tribuna a quo referindo “…vinham em direção ao carro, o carro estava trancado e tive de fazer marcha atrás porque só conseguia sair assim, tinha uma sebe grande até fui contra a sebe e tive de chegar o carro à frente para manobrar, quando cheguei à frente fugiram porque se calhar tiveram…que eu avançasse com o carro…” minuto 14:42 a 15:20 – o que reitera ao minuto 29:44 a 29:59 “…tive de chegar à frente para corrigir o alinhamento do carro…e eles fugiram porque julgavam que se calhar eu ia em cima deles…” – descrição que se ajusta às palavras da Arguida AA e que é infirmada novamente pelo Assistente de forma explícita e inequívoca ao minuto 40:46 a 41:07 “…a primeira vez eu bati numa sebe, tive de corrigir a trajetória do carro, cheguei à frente julgaram que eu ia atacá-los com o movimento do carro e fugiram…quando fiz marcha atrás atacaram o carro outra vez…” , ficando mais do que provado que efetivamente o Assistente manobrou o seu veículo em direção a todos os Arguidos e que estes sim tiveram medo e temeram pela sua integridade física, sendo perfeita plausível que neste movimento o Assistente tenha embatido com a frente direita na arguida CC que, ao aperceber-se do movimento do veículo se veio colocar em frente do Recorrente, por bem saber que ele, face à sua notória e evidente incapacidade, seria incapaz de fugir. 16.- O Assistente ao minuto 30:30 a 31:30 refere “não, eu não bati em nenhum carro, em nada, eu não bati em carro nenhum, só bati na sebe”…e já mais exaltado reforça de forma hostil até “…vamos lá ver se nos entendemos que eu não bati em carro nenhum…” minuto 33:00 a 33:10, o que se veio a demonstrar ser mentira, pela inquirição da testemunha FF, que prestou depoimento no dia 05/07/2023 das 11horas e 48minutos às 11horas e 57minutos e que esclareceu que “…no dia 10/10/2020 estava em casa…ouvi uma discussão, e o que vi foi o carro sair e a bater no meu carro….vi o carro a embater no meu carro, o meu carro ficou riscado, o carro estava a fazer marcha atrás…” minuto 02:30 a 03:35 e minuto 03:39 a 05:00, não tendo o Tribunal a quo valorado tal depoimento. 17.- Se se impõe cautela na valoração das declarações dos Arguidos, igual cautela tem de presidir às declarações do Assistente, até porque ao Assistente não é alheio o desfecho do processo, este tem sempre algo contra os Arguidos, e é parte interessada na causa e, em bom rigor, o seu depoimento não foi em nada espontâneo, e muitas vezes prestado de forma exaltada perante esclarecimentos pretendidos pela defesa. 18.- O Assistente apresentou uma testemunha que terá alegadamente presenciado os factos – EE prestou depoimento no dia 17/04/2023 das 16horas e 41minutos às 17horas e 06minutos, que começa por referir que nunca viu os Arguidos mas que os conhece minuto 01:01 a 01:10, e que no dia10/10/2020 “…ia a passar a pé e ouviu um surruru, e a cerca de 5, 6 ou sete metros de distância viu um senhor e uma senhora, uma mais velha e outra mais nova agarrados a um carro, ao murro e aos pontapés e a insultá-los”minuto 02:05 a 04:35 19.- A Testemunha em causa não vivia nas redondezas nem era vizinho dos intervenientes, não sendo minimamente plausível que decorridos mais de dois anos da situação fosse capaz de identificar os envolvidos na situação, pessoas que nunca viu nem conheceu na sua vida, pela distância em que se encontrava e porque segundo a descrição dos factos pelo próprio o carro em causa estava de frente para si – minuto 17:10 a minuto 17:18, pelo que consequentemente os Arguidos estariam de costas para ele, sendo assim impossível aferir o rosto dos envolvidos. 20.- Esclareceu que “os Senhores afastaram-se quando o senhor veio com o carro à frente, ele foi para trás e depois foi para a frente novamente e foi ai que eles se afastaram, e depois ele foi embora de marcha atrás…ele saiu de marcha atrás e foi à sua vida…era um espaço curto” minuto 04:48 a 05:00, contrariando o próprio Assistente quando este afirmou que os Arguidos atacaram novamente o seu veículo quando este estava a fazer marcha-atrás, ora, resta a pergunta qual dos dois falha com a verdade – ou o Assistente, ou esta testemunha que, ao que tudo indicia, não viu foi nada. 21.- Refere ainda que estacionou o carro em frente ao ..., tendo-se dirigido a pé à ... – minuto 18:00 a minuto 18:17. O ... é na Rua ... e alegadamente foi a pé para a .../café ... sita na Avenida ..., sendo que para se fazer tal percurso não se passa sequer pela Rua ..., onde ocorreram os alegados factos, para além do que resultou sobejamente provado que a Rua ... estava em obras, com grade e lonas que tapavam a visualização plena do espaço e das pessoas. 22.- Esta testemunha que se encontra sobre juramento quando questionado sobre tal não hesitou e afirmou que “não estava estacionado mais nenhum carro na rua…”, quando na realidade estavam de facto mais veículos estacionados na rua, o que demonstra mais uma vez que esta testemunha prestou falso depoimento em Tribunal, pois a testemunha não presenciou altercação absolutamente nenhuma e o seu discurso foi condicionado, até porque referiu que o Assistente o andou a chatear para ser testemunha. 23.- Até porque não faz qualquer sentido que alguém que mora no ... vá à Av. ..., àquela hora, num sábado, tomar café sem qualquer motivo para tal, quando à data dos factos vivíamos em plena pandemia Covid-19 e embora não fosse proibido circular, nem os cafés estivessem encerrados, havia inúmeras limitações no acesso e na permanência nos mesmos, pois vivíamos em situação de contingência atenta a Resolução do Conselho de Ministros n.º 70-A/2020, de 11 de setembro e era notório o receio que as pessoas, principalmente com mais idade, tinham de andar na rua, muito mais andar em cafés- recorde-se que não havia vacinas, os meios de proteção ainda eram escassos, e por tal caros, e pouco se sabia do vírus e da doença. 24.- Se é certo que o Assistente é pessoa de mais idade, os co- Arguidos AA e BB são também pessoas de idade avançada e, ao contrário do Assistente apresentam limitações físicas que eram já existentes à data dos factos, não tendo o Assistente demonstrado nenhuma dificuldade de motricidade resultando ainda do seu depoimento que estava protegido e fechado dentro do seu veículo, nunca tendo existido em momento algum risco à sua vida e/ou integridade física. 25.- Não se entende sequer como pôde o Tribunal considerar provado que alguém, concretamente o Recorrente, com 66 anos à data dos factos, depois de dois enfartes cerebrais ( Teve um cerebeloso esquerdo em 07.03.2015, tendo sido internado no Centro Hospitalar Universitário de Santo António, de 07 a 17.03.2015; Teve um segundo enfarte cerebral em 25.06.2020, com internamento no Centro Hospitalar Universitário de Santo António de 25 a 29.06.2020.), que em observação a 19.09.2020, seja, menos de um mês antes da data dos alegados factos, “ apresentava défice neurológico sequelar – síndrome cerebelosa cinética do membro superior esquerdo (incoordenação dos movimentos do braço e mão) incapacitante, e síndroma cerebelosa estática, com marcha atáxica (marcha de base alargada e com instabilidade), com mobilidade reduzida e portador de deficiência que lhe confere uma incapacidade de 70, poderá ter desferido vários murros no capot do veículo, amolgando-o e fraturando a sua pintura, como o Tribunal a quo considerou. 26.- É facto notório que alguém com as sequelas que o Recorrente apresenta em resultado dos dois enfartes cerebrais anteriores ( vulgos AVC´s) e que o Tribunal considerou provadas, nunca poderia ter praticado os factos pelos quais foi acusado e condenado, e muito menos do modo e nas circunstâncias descritas pelo Assistente e pela testemunha do Assistente, sendo que o Assistente até viu alguém com marcha atáxica fugir. 27.- O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento, motivo pelo qual aqui se impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada, nos termos do artigo 412.º n.º 3 do Código de Processo Penal, já que os supracitados pontos da matéria de facto não deveriam ter sido dados por provados pelo Tribunal a quo, uma vez que germinaram apenas da convicção íntima do julgador. E este, no apreciar livremente a prova, ao procurar atingir através dela a verdade material, deve observância a regras de experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objetivos, genericamente suscetíveis de motivação e controle, o que não aconteceu. 28.- Não entende o Recorrente como pode o Tribunal a quo basear e fundamentar a acusação proferida com base em depoimentos que se contradizem e que até se desdizem, até porque é sobre a acusação que recai o ónus de uma suficiente atividade probatória, não existindo nunca o ónus do acusado de provar a sua inocência. 29.- Ainda que as declarações do Assistente e da testemunha por si indicada sejam válidas e livremente apreciáveis, é notório o erro na apreciação do depoimento destas, uma vez que as suas contradições e incongruências não são de todo e sem mais, suficientes para sustentar uma acusação, quanto mais uma sentença condenatória. 30.- O Tribunal a quo na livre apreciação da prova desconsiderou a falta de isenção e de distanciamento do Assistente. 31.- A sentença a quo violou o normativo legal plasmado no artigo 127.º do Código de Processo Penal e bem assim, a disposição legal consagra no artigo 412.º n.º 2 do Código de Processo Penal, já que a livre apreciação da prova terá sempre subjacente uma motivação ou fundamentação. 32.- Não obstante o n.º 2 do art.º 374.º do C.P.P. não definir como se deve operar e descrever o exame crítico das provas, deixando ao julgador uma larga margem de critério, deve considerar-se cumprida essa exigência, nos casos em que ainda que de forma simplificada, conste da sentença de forma suficientemente explícita a motivação porque se aceitou como revelador da verdade histórica determinado elemento probatório e/ou se rejeitou outro porque afastado dessa verdade, o que a sentença a quo não faz. 33.- Da decisão a quo não se consegue avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-mental que serviu de suporte ao respetivo conteúdo para que a Mm.ª juiz a quo não considerasse as evidentes contradições do depoimento do Assistente e da sua testemunha, bem como a contraposição destes quer com os depoimentos dos Arguidos e da testemunha FF. 34.- Apesar de no nosso sistema vigorar o princípio da livre apreciação da prova, preceituado no art.127º, do C.P.P., a liberdade do juiz, neste particular, tal liberdade mais não é do que a liberdade para a objetividade, aquela que se concebe e se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objetiva, isto é, a verdade que transcende a pura subjetividade e que se comunique e imponha aos outros. 35.- Nenhuma prova foi produzida perante o Tribunal que permitisse concluir, de forma fundamentada e não arbitrária, no sentido em que o fez a sentença recorrida nos pontos assinalados, tendo o Tribunal a quo, feito uma valoração da prova pouco fundamentada, pouco coerente, absolutamente discricionária e nada vinculada aos princípios jurídicos que a deverão nortear, seguindo a lógica de que tudo o que é dito pelo Assistente corresponde à verdade e tudo o mais não merece credibilidade, encontrando-se o raciocínio do Tribunal a quo viciado, saltando aos olhos de qualquer pessoa que o aqui Recorrente e as co-arguidas não podiam ter praticado o crime pelo qual foram condenados, o que resulta desde logo evidente das impossibilidades físicas evidenciadas pelos relatórios médicos dos arguidos BB e AA que nem sequer foram ponderados e que conduzem à impossibilidade material de os arguidos terem praticado os factos do modo como a Mm.ª Juiz a quo deu como provados na sentença recorrida. 36.- E mesmo que assim não se tivesse entendido – o esclarecimento cabal de que é impossível face às limitações físicas dos arguidos AA e BB terem praticado os factos como vêm descritos na sentença a quo – pelo menos com a dúvida a Mm.ª Juiz a quo tinha de ter ficado, pelo que ao decidir contra os Arguidos, violou o princípio do in dubio pro reo, princípio constitucionalmente consagrado no artigo 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. 37.- Sem conceder, o que por mero dever de patrocínio e de exercício académico se admite sempre cumpre evidenciar que na eventualidade de se darem como provados os factos vertidos na sentença recorrido, entende a Recorrente que os mesmos configuram um crime de dano simples, previsto e punido no artigo 212.º do Código Penal. 38.- Sendo certo que a violência, para a qualificação do dano é hoje um conceito mais abrangente, já que tanto a Doutrina como a Jurisprudência se inclinam para englobar a intervenção sobre coisas como violência, ponto é, no entanto, que balizam essa violência, no sentido de apenas qualificar o dano como tal na medida quem que a violência exercida sobre a coisa, atinja indiretamente a pessoa, o que no caso dos presentes autos não se verificou em momento algum, já que o Assistente não foi atingido no seu bem estar nem na sua integridade, aliás, muito pelo contrário, uma vez que foi este que, segundo palavras do próprio, avançou com o carro contra os Arguidos e que estes até fugiram com medo. 39.- No crime de dano qualificado, o facto só é típico, segundo o artigo 213.º do Código Penal, quando atinge a função da coisa danificada, o que não ocorreu, até porque o concreto valor do dano é diminuto, não sendo possível por esta via a qualificação, uma vez que para que assim fosse a coisa teria de ter sido destruída na sua totalidade, e em concreto, atendendo ao valor global da coisa, o valor do dano, por si só também não é, salvo melhor entendimento, suficiente para qualificar o dano com violência. 40.- Resulta inquestionável que nem a vida nem a integridade física do Assistente esteve alguma vez posta em causa, e que se existiu alguma violência essa foi perpetrada pelo próprio Assistente contra os aqui Arguidos quando imprimiu velocidade ao seu veículo e o direcionou contra as pessoas, só não tendo alcançado o seu intento, porque estas fugiram ou foram protegidas, como foi o caso do ora Recorrente. 41.- Doutrina e a Jurisprudência têm vindo a pugnar pela qualificação do veículo automóvel como um meio particularmente perigoso, uma vez que susceptível de causar danos e lesões corporais e vista a situação em análise crítica existem duas pessoas em idade avançada com graves problemas de saúde e de mobilidade, entre os quais o ora Recorrente, e uma terceira, a arguida CC, que alegadamente atacam um veiculo, o que não merece a mínima credibilidade como já se supra expôs, e por outro lado, temos uma pessoa, certo que com idade, mas perfeitamente capaz na sua locomoção, que se encontra dentro de um veículo e que durante a contenda o arremeteu contra os aqui Arguidos. 42.- Resultou inequívoco que errou o Tribunal a quo em qualificar os factos como um dano com violência previsto e punido nos termos do artigo 214º do Código Penal, quando não conseguiu sequer fazer prova do preenchimento dos requisitos subjacentes ao mesmo. Nestes termos, nos das disposições legais mencionadas e nos melhores de Direito que V.ªs Ex.ªs douta e sabiamente suprirão, deverá ser aceite, por tempestivo e legal, o presente recurso, sendo em consequência e após os ulteriores termos: Deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta sentença e substituída por outra que absolva a Arguida AA do crime de que veio acusado e condenado.
AA
A-A Arguida, aqui Recorrente, veio acusada da prática de um crime de dano em co-autoria, p. e p. pelos artigos 26º e 212º n.º 1 do Código Penal. B- Por sentença datada e depositada a 05.012.2023, a Recorrente foi condenado em co-autoria, a uma pena de prisão de 1 (um) ano substituída por 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias de multa pela prática de um crime de dano com violência, p. e p. pelo artigo 214º, n.º 1, por referência ao artigo 212º n.º 1 do Código Penal bem como ao pagamento da quantia de 3.000,00 (três mil euros) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais. C- Face à prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, bem como dos documentos juntos autos, o Tribunal a quo em momento algum poderia ter dado como provado os factos da acusação e do pedido de indemnização, devendo os mesmos constarem no elenco dos fatos não provados. D- Da mesma forma como não poderia dar como não provado os factos da contestação da Recorrente, devendo os mesmos constarem no elenco dos factos provados. E- Entendeu o Tribunal a quo que os depoimentos dos Arguidos foram contraditórios, teoria que não se aceita atendendo o hiato temporal decorrido desde aquela data até à audiência de julgamento. Aliado ao nervosismo da Recorrente, pois nunca havia entrado num tribunal, o que levou a que a recordação e perceção de toda a situação datada de 2020 não fosse tão presente e gerando alguma confusão. F- Não podendo por isso aquele tribunal confundir nervosismo com contradição dos factos no sentido de os deturpar, até porque, está junto aos autos o auto de interrogatório da Recorrente, datado de 12.01.2022 sendo a mesma clara quanto ao relato dos mesmos. H- Ignorou igualmente aquele tribunal o facto de o episódio em questão envolver várias pessoas e naturalmente cada um relatará de acordo com o seu campo de visão, e momento do acontecimento. I- Não obstante, focou-se aquele tribunal em “denotar” contradições entre os depoimentos dos Arguidos, mas desvalorizou a contradição dos depoimentos quer do Assistente quer da sua testemunha EE. J-A Recorrente prestou declarações no dia 23/03/2023, pelas 12 horas e 16 minutos às 12 horas e 53 minutos, onde esclareceu que no dia em questão se abeirou junto do veículo do Ofendido, batendo-lhe ao vidro, alertando-o de que não devia atirar o lixo para o chão, tendo este proferido em ato imediato insultos contra aquela, tal como fez inicialmente com o Arguido BB. K- Que a Arguida CC apenas veio ao exterior após ouvir barulho e foi ter com o seu marido que estava no passeio, para o levar para dentro da habitação e que nunca estes se aproximaram do veículo do Ofendido. L-O Arguido BB, prestou igualmente declarações no dia 23/03/2023, pelas 12 horas e 53 minutos às 13 horas e 19 minutos, tendo relatado que chamou a atenção do Ofendido para não deitar lixo para o chão e que a sua esposa veio ao exterior falar com o Ofendido. M- Nessa sequência veio cá fora e viu o Ofendido a arrancar de traseiras e embater num veículo de marca Mercedes que ali estava estacionado e num poste de eletricidade que até deixou o espelho pendurado. N-E quando chegou ao exterior a sua esposa já estava a sair do estacionamento. O- Mais indicou que a Arguida CC não tocou no Ofendido. P- Já a Arguida CC, que também prestou declarações no dia 23/03/2023, das 13 horas e 20 minutos às 13 horas e 33 minutos exprimiu-se de forma clara ao declarar apenas veio ao exterior após ouvir barulho e se juntou ao Arguido BB, estando a Recorrente a falar com o Ofendido quando este estava dentro do carro com os vidros fechados. Q- O Tribunal a quo, com o devido respeito, não foi consentâneo na apreciação da prova, nem da análise crítica do evento, pois os Arguidos não se contradizem, antes se completam. R- Dúvidas não ficaram, após as declarações dos Arguidos, que a Recorrente foi a primeira a sair do prédio tendo dirigido ao Ofendido, a Arguida CC foi a última a sair e já no exterior estava junto do Arguido BB no passeio, e não na porta como faz crer o douto tribunal. S- Foram concisos quando ouvidos separadamente em afirmar que não cercaram o veículo, não perpetraram qualquer ato sobre o veículo do Ofendido, tendo este batido num outro veículo lá estacionado e num poste de eletricidade (aí ficou com o espelho pendurado). T- Arranjou o Tribunal a quo “contradições” onde não existem, mas ignorou as contradições quer do Ofendido quer da sua testemunha EE. U- Nas declarações prestadas pelo Assistente, no dia 17/04/2023, das 15 horas e 47 minutos às 16 horas e 39 minutos, o mesmo refere que entrou dentro do carro, colocou e veio a turma toda, tendo saído os três ao mesmo tempo, primeiro o Senhor BB minuto 03:40 a minuto 05:43. V- Para além desta afirmação não corresponder à verdade, tal como resultou das declarações de todos os Arguidos, seguidamente pela reduzida mobilidade do Senhor BB. W- Mais esclareceu o Tribunal a quo que fez marcha atrás e que foi contra uma sebe e que teve de manobrar o carro e quando chegou à frente que os Arguidos fugiram porque tiveram medo de que ele os atacasse com o carro. X- Indicou igualmente que apenas bateu na sebe, não tendo batido em nenhum veículo, facto que é mentira e corroborado pela Testemunha FF, proprietária do veículo lesado pelo embate do Assistente, quando ouvida a 05/07/2023 pelas 11horas e 48 minutos às 11 horas e 57 minutos, ao minuto 02:30 a 03:35 e minuto 03:39 a 05:00. Y- Facto que já era corroborado pela prova junta aos autos, mais concretamente, o auto de notícia datado de 11.10.2020 mas que não foi valorado. Z-Quanto ao facto dado como provado de que a Recorrente vergou o espelho do lado direito até o partir, aqui entra novamente o Ofendido em clara contradição quando questionado em que momento é que a Recorrente lhe vergou o espelho, se depois de arrancar ou depois de caírem sobre ele minuto 33.43 a minuto 33.42. AA- Ao que o mesmo responde “eu não disse que arrancou. Eu estava parado quando estava a fazer a manobra” minuto 33.43 a minuto 33.55. BB- Depois quando questionado se era necessária muita força para que a Recorrente conseguisse partir o espelho, o mesmo consente que sim minuto 34:15 a minuto 34:28. CC- Mas estranhamente entendeu o Tribunal a quo, à revelia do próprio Assistente, que não obstante as debilidades de saúde dos Arguidos, salientando que para os danos causados pela DD-Arguida AA não era sequer especial força para o efeito, já que no circunstancialismo apurado o carro estava em movimento, situação que por si só é impensável. EE- Há um claro erro na apreciação das declarações do Assistente. E se se deve impor cautela na valoração das declarações dos Arguidos, igual cautela tem de presidir às declarações do Assistente, o que efetivamente não aconteceu. FF- E a ocorrência desta contradição quanto ao espelho partido, prende-se com a falta de verdade do Ofendido, atendendo a que a quebra do mesmo ocorreu após este ter embatido num poste de eletricidade. GG- Veja-se igualmente as declarações da testemunha EE, que a par das do Assistente, estão repletas de incongruências, mas acima de tudo coincidências – depoimento no dia 17/04/2023 das 16 horas e 41 minutos às 17 horas e 06 minutos. HH- Se por um lado afirma que estava a passar a pé, a cerca de 5/6 metros de distância e que viu a ocorrência dos factos, conseguindo identificar os Arguidos como os autores do crime, mas que segundo a sua própria descrição, os referidos Arguidos estariam de costa para o seu campo de visão Minuto 02:05 a minuto 04:35 e minuto 17:10 a minuto 17:18, estando por se descobrir como reconheceu os arguidos sem lhes ver o rosto. II- E que os Arguidos se afastaram quando o Assistente veio com o carro à frente e que depois se foram embora, contrariando assim a própria versão dos factos do Assistente. Minuto 04:48 a minuto 05:00. JJ- Note-se que a testemunha vive em ..., e que por coincidência assistiu ao ocorrido quando passava ali na zona, quando se deslocava para o café a pé, que fica a 500/600 metros daquele local, quando o mesmo veio da sua habitação no seu próprio veículo. KK- Coincidência ainda ocorreu no dia seguinte quando voltou a se deslocar ao mesmo café e ter encontrado, nada mais e nada menos, que o Assistente naquele café àquela hora e que lhe pediu para ser sua testemunha. Minuto 08:00 a minuto 08:14. LL- Mais mentiu quando afirmou de que não estava estacionado nenhum carro na rua onde ocorreram os factos em discussão, tal como o fez o Assistente, mas como já demonstrado, faltaram ambos com a verdade. MM- Nunca a matéria da acusação dada como provada poderia ser sustentada com depoimentos que se contradizem e que até se desdizem, na medida em que foram adulterados. NN- É notório o erro a apreciação destas, uma vez que a incongruências e contradições não são de todo e sem mais, suficientes para sustentar uma acusação, quanto mais uma sentença condenatória. OO- No que respeita ao temor pela segurança e pela integridade física do Assistente, por se encontrar impossibilitado de resistir, o mesmo se diga. PP- O Assistente estava dentro do seu veículo, trancado, e de acordo com as suas declarações, mal arrancou os arguidos afastaram-se. QQ- Estando dentro do veículo o Assistente detinha uma posição de superioridade em relação aos próprios Arguidos, razão pela qual deveria este facto ter sido dado como não provado. RR- No que aos factos da acusação diz respeito, e por último, entendeu igualmente o Tribunal a quo que os Arguidos haviam traçado um plano previamente com o objetivo de estragar o veículo do assistente. SS- Ora na realidade, e perscrutando a douta sentença a mesma é completamente omissa quanto à motivação deste facto bem como à prova que lhe sustentou. TT- Chegado à impugnação da matéria dada como provada no que refere ao pedido de indemnização civil, a mesma padece do mesmo erro de apreciação, na medida em que, UU- Considerou o Tribunal a quo que os Arguidos causaram medo e pavor ao demandante, mais lhe causando intranquilidade, pois teme, a qualquer momento, pela sua integridade física. VV- Como poderá o demandante temer a qualquer momento pela sua integridade física quando o mesmo nem habita no apartamento onde ocorreram os factos e que apenas lá vai esporadicamente, quando o condomínio o solicita, conforme declarações por si prestadas minuto 11:51 a minuto 12:03 e minuto 26:45 a minuto 26:58. WW- Não faz a sua vida normal ali nem se cruza diariamente com os Arguidos. XX- Quando questionado se temeu pela sua integridade física, o mesmo disseque sim, mas por referência a um episódio que relatou e que terá acontecido no passado minuto 25:00 a minuto 25:34 e 27:10 a minuto 27:44. YY- Ironicamente o Tribunal a quo motivou a sua decisão para dar como provado que o Assistente temeu pela sua integridade física, conferindo-lhe credibilidade, por se mais velho que os Arguidos. ZZ- Salvo o devido respeito, a idade não é nem nunca foi fundamento para conferir credibilidade seja ao que for, pelo que mal andou o doutro tribunal ao dar como provado o facto ora analisado. AAA- Da matéria que deveria ter sido considerada provada dos factos não provados da contestação, mormente quando à doença de que padece a Recorrente (artroses nos dedos das mãos, sendo sintomas associados às dores constantes, mobilidade formou o tribunal a quo a sua convicção pela ausência de prova. BBB- Salvo o devido respeito, não carecia aquele tribunal de prova para um facto que era notório, bastando-se pela comprovação em sede de audiência de julgamento, que era possível, para lograr obter raciocinio/conclusão bem diferente daquela que chegou. CCC- Em conclusão, todos os factos dados como provados e ora indicados, por padecerem de erro notório quanto à apreciação da prova produzida em sede de audiência de julgamento, com a consequente errónea valoração da mesma, impendia sobre o Tribunal a quo uma decisão diversa. DDD- E ao ter-se considerado assim, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação da prova que lhe foi oferecia e violou, designadamente, o Princípio da Livre Apreciação da Prova e o Princípio “in dúbio pro reo”. EEE- Deduziu o assistente um pedido de indemnização civil por alegadamente terem ocorrido danos patrimoniais e danos não patrimoniais, pedindo a final a condenação dos arguidos numa indemnização nunca inferior a 3.000,00€ (três mil euros). FFF- Em face do referido articulado, impendia sobre o Assistente, ali demandante, a obrigação de alegar, descrever e provar os factos que alega. GGG- Não conseguiu aquele provar os danos não patrimoniais, tal como supra exposto, bem como não conseguiu sequer, descrever os danos patrimoniais que sofreu. HHH- Antes cingindo-se a uma alegação vaga e sem qualquer concretização. III- No que ao pedido diz respeito, não conseguiu de igual forma concretizar o mesmo, por ininteligível, entendendo até a Recorrente que não foi efetuado quanto aos danos não patrimoniais qualquer pedido (não obstante a condenação nesse sentido) gerando consequentemente a ineptidão do referido articulado bem como um excesso de pronuncia quanto a estes danos não patrimoniais. JJJ- Ineptidão essa alegada em sede de alegações pela Recorrente, mas que em momento algum foi objeto de pronuncia, ainda que oficiosamente, pelo que entendemos ser nula a sentença por violação do disposto no artigo 379º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal. KKK- Igualmente nula por excesso de pronuncia quando condena os arguidos numa indemnização a titulo de danos não patrimoniais, quando o pedido não foi efetivamente efetuado. LLL- Quanto à alteração substancial dos factos levada a cabo em sede de audiência de julgamento, sempre se dirá que a mesma sofre da mesma nulidade, na medida em que, os Arguidos BB e a Arguida CC se opuseram à comunicada alteração tendo a Recorrente solicitado prazo de defesa e que depois de apresentada pugnou pela oposição da aplicação da alteração substancial dos factos. MMM- Defesa essa que não obteve pronuncia na sentença ora recorrida, gerando assim a sua nulidade nos termos do citado artigo 379º n.º 1 alínea a) do Código de Processo Penal. NNN- Para concluir, verificou-se igualmente pelo Tribunal a quo um erro na aplicação do direito/qualificação jurídica quando vem a Recorrente acusada de um crime de dano p. e p. nos termos do 212º do Código Penal. OOO- Mas em audiência de julgamento entendeu aquele tribunal por verificados factos que consubstanciavam uma alteração substancial dos factos, e condena a Recorrente num crime de dano com violência nos termos do artigo 214º n.º 1 alínea a) do Código Penal. PPP- Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que não foram dados como provados os factos atinentes para que fosse aplicável tal qualificação jurídica, conforme indicado nas motivações. QQQ- O Assistente estava dentro do seu veículo, trancado, numa posição de clara superioridade sobre os Arguidos, não fosse o veículo automóvel um meio particularmente perigoso e suscetível de causar danos, e, portanto, nunca esteve impossibilitado de resistir. RRR- Da mesma forma que a sua vida e integridade física não foi colocada em causa, basta atentar nas suas declarações. SSS- Por esse facto, entende a Recorrente que errou o Tribunal a quo na qualificação jurídico do crime em causa, por não provado os requisitos subjacentes ao mesmo, pelo que devia em última análise, e por mera cautela, a dar-se como provado os factos vertidos na sentença recorrida, sempre configuraria um crime de dano simples, p. e p. nos ermos do artigo 212º do Código Penal. Nestes termos, nos das disposições legais mencionadas e nos melhores de Direito que V.ªs Ex.ªs douta e sabiamente suprirão, deverá ser aceite, por tempestivo e legal, o presente recurso, sendo em consequência e após os ulteriores termos: Deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta sentença e substituída por outra que absolva a Arguida AA do crime de que veio acusada e condenada; Ainda que assim não se entenda e sem prescindir, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser alterada a qualificação jurídica dos factos de que vem acusada a Arguida. “
* O assistente respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da sentença recorrida, sintetizando a sua posição nos seguintes termos (transcrição): «Nestes termos, sempre com o devido respeitos por opinião contrária, pugna-se pela condenação dos arguidos, percebendo-se que a Douta Sentença não enferma de qualquer vicio, erro ou incorreta apreciação, nem de facto, nem de direito. Devendo improceder os respetivos recursos, com o que se fará Justiça.»
* O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da sentença recorrida.
* Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer onde acolheu a posição assumida pelo Ministério Público junto do Tribunal recorrido, pugnando, assim, pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença recorrida. * Notificados nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o recorrido e recorrentes não apresentaram resposta. * Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso. * II. Apreciando e decidindo: Questões a decidir no recurso É pelas conclusões que os recorrentes extrai da motivação que apresenta que se delimita o objeto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1]. As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são as seguintes: - Erro notório na apreciação da prova; - Contradição entre factos provados e prova produzida; - Erro de julgamento e na apreciação da prova produzida; - Violação do princípio da inocência e do in dúbio pro reo; - Violação do princípio da livre apreciação da prova; - Falta de Fundamentação e apreciação critica; - Errada qualificação jurídica; - ineptidão do Pedido de Indemnização Civil; - Excesso de pronúncia no pedido cível; - Falta de pronúncia sobre a alegada oposição à alteração substancial dos factos.
* Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente e razões da sua fixação, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e respectiva motivação constantes da sentença recorrida (transcrição): “Da audiência de discussão e julgamento, com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos: (da acusação) No dia 10/10/20, na Rua ..., nesta cidade do Porto, o ofendido DD encontrava-se no interior do seu veículo automóvel de matrícula ..-AC-.., de marca e modelo .... Entretanto, os arguidos cercaram o veículo. O arguido BB desferiu vários murros no capot do veículo, amolgando-o e fracturando a sua pintura. A arguida AA vergou o espelho do lado direito até o partir. A arguida CC desferiu vários pontapés na porta do lado do condutor do veículo, amolgando-a e fracturando a sua pintura, e vergou o limpa pára-brisas até o partir. O assistente encontrava-se dentro do veículo objeto dos danos invocados nestes autos, tendo temido pela sua segurança e pela sua integridade física, encontrando-se na impossibilidade de resistir, tendo os arguidos agido com violência. Em consequência da conduta dos arguidos sofreu o ofendido um prejuízo no valor de €2.671,96, correspondente ao valor da reparação do veículo. Os arguidos agiram do modo descrito, conjugando e concertando as suas condutas, de acordo com um plano que haviam previamente traçado, com o desígnio de estragar, deformar e inutilizar aquele veículo, bem sabendo que o mesmo pertencia ao ofendido, propósito esse que lograram alcançar. Agiram livre, consciente e deliberadamente. Sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei. (do pedido de indemnização civil) Em virtude da conduta dos arguidos, o demandante viu o seu carro danificado e deformado, nos termos expostos. O ocorrido provocou perturbação do equilíbrio socio-psíquico e emocional do demandante. Com a sua conduta, os demandados causaram medo e pavor ao demandante. Mais lhe causaram intranquilidade, pois teme, a qualquer momento, pela sua integridade física. (da contestação da arguida AA) A arguida é uma pessoa respeitável, inserida socialmente e querida por todos os que a rodeiam. Nunca teve qualquer contacto com as autoridades nem com os tribunais, pautando a sua vida pelo respeito pelo próximo e não por conflitos e quezílias. Mais se provou que: Os arguidos não têm antecedentes criminais. Provou-se ainda que: A arguida AA é reformada, auferindo, nessa qualidade, €536,00 mensais. O arguido BB é reformado, auferindo, nessa qualidade, €349,00 mensais. São casados e vivem em casa da Segurança Social, com um neto, maior. A arguida CC é solteira e vive com os pais, em casa camarária. Trabalha como assistente operacional no Hospital de S. João, onde aufere €765,00 mensais. Tem uma filha, com 8 anos, contribuindo, o progenitor – neto dos outros dois arguidos -, a título de alimentos à menor, com €125,00 mensais. Provou-se também, que: O assistente DD nasceu em ../../1947, tendo, portanto, 72 anos à data dos factos. O arguido BB nasceu em ../../1954, tendo, portanto, 66 anos à data dos factos. Teve um cerebeloso esquerdo em 07.03.2015, tendo sido internado no Centro Hospitalar Universitário de Santo António, de 07 a 17.03.2015. Teve um segundo enfarte cerebral em 25.06.2020, com internamento no Centro Hospitalar Universitário de Santo António de 25 a 29.06.2020. Em observação a 19.09.2020, apresentava défice neurológico sequelar – síndrome cerebelosa cinética do membro superior esquerdo (incoordenação dos movimentos do braço e mão) incapacitante, e síndroma cerebelosa estática, com marcha atáxica (marcha de base alargada e com instabilidade). Apresenta mobilidade reduzida. É portador de deficiência que lhe confere uma incapacidade de 70%. A arguida AA nasceu em ../../1956, tendo, portanto, 64 anos à data dos factos. Actualmente, não aparenta incapacidade de mobilidade ou força impeditiva de realizar as suas actividades da vida diária. ** B - FACTOS NÃO PROVADOS: Com relevância para a decisão da causa resultaram não provados os seguintes factos: (da acusação) A arguida AA desferiu vários pontapés no veículo, amolgando e fracturando a sua pintura, (da contestação) A arguida AA tem dificuldade na sua mobilidade. Decorrente de um acidente de trabalho ocorrido no ano de 2014, tendo ficado com lesões na coluna vertebral, mais concretamente na L2 e L3. Lesões essas que ainda persistem ao dia de hoje. Foi igualmente submetida a uma intervenção cirúrgica ao seu joelho, onde lhe foi colocada uma prótese, porém, nunca recuperou totalmente. A arguida sofre de artroses nos dedos das mãos, sendo os sintomas associados as dores constantes, mobilidade reduzida, inchaço e rigidez nas articulações. Os problemas de saúde da arguida AA não permitiam que tivesse a mobilidade e destreza física necessária para efetuar os comportamentos descritos supra. ** C - MOTIVAÇÃO: Para o apuramento da matéria de facto supra dada como provada e não provada, o Tribunal fundou a sua convicção nos elementos juntos aos autos e bem assim nas declarações prestadas em sede de audiência de julgamento. A arguida AA negou a intervenção de qualquer dos arguidos nos danos sofridos no veículo do ofendido. Apenas referiu que, após uma altercação entre o marido BB e o ofendido, por causa do local onde este pôs o lixo quando aquele estava na janela da marquise (o que o marido lhe contou), a própria saiu de casa, dirigiu-se ao carro do arguido e bateu no vidro do lado do pendura, dizendo-lhe que o lixo não era para pôr ali. O ofendido, então, insultou-a, e arrancou com o carro a alta velocidade em relação ao marido BB, já na porta do prédio, tendo a arguida ido protege-lo, “no seu vagar”, pois tem dificuldade de locomoção (corrigiu), para o meter dentro do prédio, momento em que apareceu a CC, também para o proteger, ficando ao seu lado. Em suma, nenhum deles tocou no veículo, o qual sofreu danos ao embater noutro carro já depois de passar por aqueles. Note-se: a arguida afirma ter dificuldades de locomoção, mas saiu de casa para firmar, junto do ofendido, a questão do lixo, que nem tinha ocorrido consigo; diz ter dificuldades de locomoção, mas foi no encalço do marido para o proteger; o marido precisava de proteção (ao que parece), mas também saiu de casa; a arguida veio proteger o marido, mas nada fez; a CC apareceu para proteger o BB, mas ficou ao seu lado, nada fez; o ofendido arrancou em grande velocidade em direção ao BB, mas não tocou em ninguém!!! O arguido BB referiu que se encontrava na marquise quando viu o ofendido sair do prédio com uma “molhada” de papeis, que atirou para o jardim, momento em que o arguido abriu a janela e o chamou a atenção e o ofendido insultou-o. A mulher AA ouviu (versão diferente da própria) e foi ter com o ofendido enquanto este se meteu dentro do carro. Entretanto, o arguido desceu, a CC também apareceu e foi em direção ao carro, mas não a viu aproximar-se dele (versão diferente da de AA e a de BB sem sentido). Viu, então, o ofendido fazer marcha atrás e embater noutro carro e num poste de eletricidade, não o tendo visto andar para a frente. Portanto: a mulher AA ouviu a discussão e foi ter com o ofendido; este meteu-se dentro do carro; o arguido desceu; a CC apareceu e foi em direção ao carro, mas não se aproximou dele!; o ofendido meteu-se dentro do carro (logo quando AA desceu), saiu do estacionamento e fez marcha atrás, não andou em direcção ao arguido. Enfim, uma versão totalmente contrária à apresentada pela arguida AA. A arguida CC, era companheira do neto dos co-arguidos, estava no quarto e ouviu-os aos berros, já fora de casa, e foi em sua defesa. A AA estava junto ao vidro do lado do pendura do carro do ofendido (versão igual à de AA e diferente do BB), vendo os dois aos berros. O BB estava fora do prédio (e não à porta, como disse AA). O condutor estava estacionado de traseira para o BB e saiu de marcha atrás. Depois, passou com a roda dianteira esquerda nos dedos dos pés da arguida (o que nenhum dos outros co-arguidos referiu, e foi contrariado pelo BB). Não viu o carro bater em nada (oposto aos co-arguidos). Em suma: a arguida veio à rua em defesa dos co-arguidos, que ouviu aos berros (defesa de quê se nada viu); viu a AA junto ao vidro do lado do pendura, o que a própria atestou, mas o marido, também cá fora, não viu; o BB estava fora do prédio (e não na porta); o condutor estava estacionado de traseira para o BB e passou com o carro por cima dos dedos da arguida (o que os co-arguidos não viram); não viu o carro bater em nada (contrariamente aos co-argudios) O assistente DD, no dia em causa, foi ao apartamento que tem naquele prédio, a caixa de correio estava cheia de panfletos, que tirou e deitou junto a um saco de lixo que já estava na parte de fora e depois dirigiu-se para o carro. O BB, do r/c, disse “oh porco, corno, leva o lixo para tua casa”. Entrou no carro e nesse momento saíram do prédio, os três arguidos. O BB dirigiu-se ao carro, aos murros ao capot; a AA contornou pela parte lateral direita e puxou o espelho retrovisor até partir e começou a bater no vidro do carro; a CC aproximou-se pelo lado esquerdo, deitou a mão ao limpa para-brisas e pontapeou o carro, metendo a porta do lado esquerdo dentro. O assistente fez marcha atrás porque não podia sair de outro modo e nesse momento os arguidos acompanharam, a fazer força, momento em que a AA partiu o espelho do lado direito. O assistente embateu num arbusto, com a precipitação, andou para a frente, para corrigir a direção, e voltou a fazer marcha atrás para sair dali. Os arguidos atacaram o carro duas vezes. Atestou os danos, que concretizou, e o valor do prejuízo, que não foi ressarcido. Confirmou o teor da fatura de fls. 53 e ss, que escalpelizou. Aditou que enquanto batiam no carro, os arguidos insultavam-no e ameaçavam-no, tendo temido pela sua segurança, pois já tinha sido agredido num outro episódio anterior. Temeu pela sua integridade física, ficou perturbado, sente-se inibido em voltar lá, o que mereceu credibilidade desde logo na medida em que o assistente é mais velho do que os arguidos e encontrava-se, na situação em apreço, dentro do carro, sozinho, com três pessoas do lado de fora, impedindo que o mesmo dali saísse, a investir contra o veículo, exaltadas, nos termos apurados. A testemunha EE ia a passar, a pé, estava a cerca de 5 ou 7 metros, ouviu barulho e parou para ver. Viu um Sr e duas Srªs agarrados ao carro, aos pontapés e a insultar o condutor. O Sr estava aos murros ao capot; a Srª mais velha, do lado direito, agarrada ao espelho, que partiu; ambos estavam aos murros e estalaram o vidro da frente; a mais nova, do lado esquerdo, aos pontapés à porta do carro e a puxar o limpa para-brisas até ficar com ele na mão. O condutor fez marcha atrás, depois andou para a frente, e quando voltou para trás, aqueles voltaram a ataca-lo. No dia seguinte, quando foi ao café onde costuma ir, viu lá o carro, danificado, cheio de adesivos, e abordou o condutor quando o viu de lá sair. Viu, então, o capot amassado, o espelho retrovisor partido, o para brisas estalado, as escovas limpa para-brisas partidas e a porta do lado do condutor amassada. Corroborou, na íntegra, portanto, a versão prestada pelo assistente. A testemunha GG, nora dos arguidos AA e BB, não assistiu ao ocorrido. Atestou os problemas de saúde do arguido BB, afirmando ter uma incapacidade de 80% decorrente de um AVC (sendo que o atestado multiusos junto aos autos atesta, não 80%, mas 70% de incapacidade), já tendo dificuldades há 3 anos. Relativamente à arguida AA afirmou que tem problemas de saúde há muitos anos, sendo, há 3 ou 4 anos, também nas mãos: artroses. Tais problemas de saúde, contudo, não foram concretizados por documentos clínicos que o atestassem. Deixou de fazer a limpeza do condomínio, agora feita pela testemunha, caminha pouco, precisa de ajuda para pesos do supermercado, não sendo ela quem cozinha nem arruma a mesa. A testemunha HH, chefe da PSP, só recebeu a denúncia do assistente na esquadra, mas não foi quem elaborou o auto nem foi chamado para elaborar a participação. Recorda, contudo, tratar-se de denúncia por danos numa viatura. A testemunha FF, massoterapeuta, vizinha dos arguidos, estava dentro de casa e ouviu uma discussão agressiva, gritos, depois viu um carro a sair, a fazer marcha atrás, e a bater no seu veículo, que ficou arranhado no para-choques. Disse nada mais recordar. Ou seja: os danos a que esta testemunha se reporta serão danos ocorridos na parte de trás do veículo do assistente, e não danos ocorridos na frente, estes sim em causa nos autos. De referir, quanto às debilidades de saúde dos arguidos BB e AA que as mesmas não inviabilizaram o sucedido, desde logo se salientando, concretamente quanto aos danos causados pela arguida AA que não era, sequer, necessária, especial força para o efeito, já que, no circunstancialismo apurado, tendo-se aquela agarrado ao espelho retrovisor direito e tendo, entretanto, o assistente, feito manobras de marcha atrás e à frente para sair do local, não é difícil de explicar que o espelho tenha vergado e tenha acabado partido, da mesma forma como sucedeu com o para-brisas agarrado pela arguida CC. As testemunhas prestaram depoimentos isentos e coerentes, dentro do conhecimento que mostraram ter da situação em concreto (de conflito, ou de doença dos arguidos), tendo merecido credibilidade nessa medida. A inexistência de antecedentes criminais resultou dos CRCs juntos aos autos. As condições socioeconómicas dos arguidos resultaram das declarações dos próprios e os problemas de saúde dos arguidos AA e BB dos elementos clínicos e relatórios médicos juntos aos autos. II – A factualidade dada como não provada resultou da ausência de prova nesse sentido, sendo certo que os problemas de saúde da arguida AA, alegados em sede de contestação, não resultaram provados pela ausência de prova cabal nesse sentido, já que os relatórios médicos protestados juntar, nunca chegaram a ser juntos aos autos.” * Vejamos. Desde logo importa referir que como está em causa a mesma realidade factual, todas as considerações que irão ser vertidas nesta decisão a propósito de um dos recorrentes aproveitarão todos os demais recorrentes, na medida em que a mesma questão ou idêntica questão tiver sido suscitada e for pertinente à solução encontrada.
Do erro notório na apreciação da prova É pacífico o entendimento de que quanto à impugnação da matéria de facto pode o recorrente seguir um de dois caminhos: ou invoca os vícios de lógica da sentença previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPPenal, devendo, neste caso, ater-se apenas ao texto da decisão e às incoerências que aí possam ser encontradas, ou apresenta uma impugnação alargada, que lhe permite analisar a prova produzida em julgamento, extrapolando o espaço limitado do texto da decisão recorrida. Em qualquer das opções impõe-se ao recorrente o cumprimento de regras para que o recurso possa ser apreciado e tenha viabilidade de sucesso em termos formais.
Quanto à primeira perspetiva, que abarca, em abstrato, o expressamente invocado vício do erro notório na apreciação da prova, com referência ao art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPPenal, reitera-se que estão em causa defeitos que têm de resultar do próprio texto da decisão recorrida, sem apoio em quaisquer elementos externos à mesma, salvo a sua interpretação à luz das regras da experiência comum. São falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão e que são detetáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente perceptíveis à leitura da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios. O erro notório na apreciação da prova é uma falha que resulta, como se referiu, do próprio texto da decisão recorrida, sem apoio em quaisquer elementos externos à mesma, salvo a sua interpretação à luz das regras da experiência comum, e traduz-se numa deficiência lógica na apreciação da prova, num «erro patente, evidente, percetível por um qualquer cidadão médio.»[2] É o caso, por exemplo, de as provas apontarem em determinado sentido e na decisão se concluir em termos opostos, o que é passível de ser detetado por qualquer pessoa de mediana formação[3]. Importa salientar, todavia, que a mera divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida e a convicção do Tribunal não configura o vício em apreço[4]. Para fundamentar esta pretensão, os recorrentes sustentam-se sobretudo na questão de saúde da arguida AA, evidenciando o seu estado físico à data da audiência de julgamento, olvidando que os factos ocorreram há cerca de três anos e esquecem igualmente a informação clinica que foi solicitada pela própria arguida ao tribunal e que depois o tribunal a quo determinou oficiando ao Centro de Saúde ... e, 10.10.23, informação clinica que chegou em 02.11.23 donde resulta de forma cristalina que a “ utente não aparenta na presente data incapacidade de mobilidade ou força impeditiva de realizar as suas atividades da vida diária”. Ora, perante esta informação clinica, não podia o tribunal a quo concluir como fez na matéria dada como provada e não provada. O tribunal não se se baseou em suposições e incongruências. E lendo na íntegra essa fundamentação, percebemos que não existe qualquer falha de raciocínio por parte do Tribunal a quo. Estando colocado em causa sobretudo a autoria da prática do ilícito em questão e tendo como enquadramento essa motivação, a convicção do Tribunal a quo mostra-se perfeitamente justificada, e de forma clara, compreensível e congruente com as regras da experiência. Mais, depois de sintetizar o depoimento das testemunhas e, designadamente, descrever o que disseram, o Tribunal a quo esclareceu o seu raciocínio e as razões porque deu mais credibilidade a umas do que a outras. As explicações dadas pelo tribunal a quo são plausíveis, tendo em consideração uma realidade incontornável. Houve uma altercação com troca de palavras, com origem numa questão de depósito de lixo (confirmado por todos). Os arguidos, todos eles, saíram da sua casa onde se encontravam e dirigiram-se para o espaço exterior para tirar satisfações ao assistente que entretanto já se encontrava dentro do seu carro. E este carro acabou comprovadamente em face não só do depoimento do assistente, da testemunha que por ali passava e dos documentos relacionados com o conserto da viatura, danificado. O tribunal a quo não inventou os factos. Os mesmos estão sustentados na prova a que deu credibilidade e esta, por si, não apresenta contradição, pelo contrário ajusta-se no sentido da verdade encontrada pelo Tribunal. É uma das verdades possíveis. A verdade que os recorrentes pretendem ver consagrada não impõe versão contrária á encontrada pelo tribunal a quo.
Em face do exposto, nenhuma alteração se impõe, assim, introduzir à matéria de facto provada com base em erro notório. Improcede este segmento do recurso. No que diz respeito ao vício da contradição. Comecemos por saber se a decisão recorrida padece do vício da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. Ao invocado vício que, aliás, é de conhecimento oficioso (tal como o vício do erro notório e o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada mencionados nas alíneas a) e b) do artigo 410º nº 2 do CPP) alude a alínea c) do nº 2 do artigo 410º Código de Processo Penal, conforme decorre do corpo do nº 2 de tal artigo, tem de resultar “do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.” Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e segs.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, a que se reporta a alínea b) do artigo 410.º, do CPP, aquela (contradição insanável da fundamentação) ocorrerá nas situações em que a fundamentação desenvolvida pelo julgador evidencia premissas antagónicas ou manifestamente inconciliáveis, por exemplo, quando se dão como provados dois ou mais factos que manifestamente não podem estar simultaneamente provados ou quando o mesmo facto é considerado como provado e não provado, e esta (contradição insanável entre a fundamentação e a decisão) ocorrerá nas circunstâncias em que os factos provados ou não provados colidem com a fundamentação da decisão, vício que se verifica, por exemplo, quando a decisão assenta em premissas distintas das que se tiveram como provadas. A contradição tem de resultar do texto da sentença e tem que se revelar insolúvel, inultrapassável, implicando ou uma alteração da decisão ou o reenvio do processo para julgamento. Os factos dados como provados e não provados são conciliáveis entre si e a decisão tomada perante os mesmos também é possível e não se mostra inconciliável com a motivação. Falamos do texto da sentença e do modo como foi motivada a decisão de facto e se concluiu pela verificação dos factos. Este vício não se verifica. Os recorrentes discordam, sobretudo, é da credibilidade ou não credibilidade dada pelo tribunal à prova ponderada e da qual a resultou enquadramento jurídico dos factos dados por assentes e do facto do tribunal a quo não ter dado cobertura/credibilidade a um parte importante sobretudo dos depoimentos dos arguidos. Mas essa parte não se encaixa no vício da sentença/acórdão, mas, sim, no âmbito da valoração da prova feita pelo tribunal a quo para dar como provados determinados factos e não provados outros, valoração essa em relação à qual os recorrentes discordam. Por outras palavras, esta questão enquadra-se, não no âmbito dos vícios da sentença, mas, sim, no âmbito da apreciação/valoração da prova, ou seja no âmbito do erro de julgamento. Improcedem, pois, os recursos quanto a estes aspetos dos vícios da sentença.
Nulidade por falta de fundamentação. Alega-se ainda que a sentença não estará devidamente fundamentada, pegando-se a ainda no aspeto associado à alteração substancial dos factos e do enquadramento jurídico dos mesmos. Sempre se dirá a este respeito e no que toca à sentença que a mesma não padece de tal vício. Neste conspecto, a Sentença fundamentou de forma clara e adequada a matéria de facto dada como provada, analisando todos os meios de prova que sustentaram a apreciação feita pelo Tribunal a quo, fazendo uma apreciação, interpretação e valoração dos mesmos, cuja razoabilidade e plausibilidade é, em nosso entender, inatacável, principalmente no descrédito e crédito atribuído aos arguidos que disseram nada ter feito, imputando parte dos danos à condução do assistente que terá batido com a traseira da sua viatura no para-choques da frente doutra viatura ali estacionada, arranhando esta e embate num poste que terá provocado danos no retrovisor e embate numas sebes. Sucede que este tipo de embates não justifica os demais, como o capot amassado, a porta do condutor amassada, o vidro do para-brisas estalado e os limpa para brisas arrancados e partidos. Nem as sebes provocariam tal tipo de danos nem o suposto embate noutro carro o faria igualmente uma vez que não passaram de umas arranhadelas no para-choques do carro estacionado, o crédito atribuído às declarações das testemunhas e ao descrédito das declarações dos arguidos que tiveram sobretudo uma preocupação de se ilibarem uns aos outros, colocando-se sempre numa posição de nada terem feito, quando sabemos que vieram furiosos em direção ao assistente. Da leitura da douta Sentença percebe-se o raciocínio e lógica que determinou o Tribunal a quo a dar como provados os factos aí constantes, respeitando o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal. Pelo que não obstante o alegado, não se vê quais são as concretas provas que impunham decisão diversa da proferida e que evidenciem uma apreciação contrária à logica e experiência comum. Ademais, os recorrentes alegam que o Tribunal a quo formou a sua convicção com base no depoimento prestado pelo assistente e testemunha que por ali passava e não conhecia, mas não podemos esquecer a prova documental que assevera a existência dos danos no automóvel. Os recorrentes transcrevem uma série de passagens das declarações dos arguidos e da testemunhas, para pretender dar como não provados determinados factos ou não provados outros. Pretendem os recorrentes que pesem mais as declarações dos arguidos do que as do assistente e testemunha que relativamente ao comportamento dos arguidos coincide em larga medida com o depoimento do assistente e danos comprovadamente existentes no veículo, enfatizando contradições e incoerências. Insurge-se, por isso contra a convicção formada pelo tribunal mediante as provas produzidas em audiência. No entanto o Tribunal, após a análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência, fixou a matéria de facto provada, valorando-a sob a égide do princípio da livre apreciação. Por isso, o tribunal a quo não formulou o seu juízo com base em incongruências e suposições, mas antes considerando a prova documental e testemunhal produzida, que não deixou margem para dúvidas.
O tribunal a quo a este respeito apresentou a sua justificação que em nada tolhe as regras da experiência «…A arguida AA negou a intervenção de qualquer dos arguidos nos danos sofridos no veículo do ofendido. Apenas referiu que, após uma altercação entre o marido BB e o ofendido, por causa do local onde este pôs o lixo quando aquele estava na janela da marquise (o que o marido lhe contou), a própria saiu de casa, dirigiu-se ao carro do arguido e bateu no vidro do lado do pendura, dizendo-lhe que o lixo não era para pôr ali. O ofendido, então, insultou-a, e arrancou com o carro a alta velocidade em relação ao marido BB, já na porta do prédio, tendo a arguida ido protege-lo, “no seu vagar”, pois tem dificuldade de locomoção (corrigiu), para o meter dentro do prédio, momento em que apareceu a CC, também para o proteger, ficando ao seu lado. Em suma, nenhum deles tocou no veículo, o qual sofreu danos ao embater noutro carro já depois de passar por aqueles. Note-se: a arguida afirma ter dificuldades de locomoção, mas saiu de casa para firmar, junto do ofendido, a questão do lixo, que nem tinha ocorrido consigo; diz ter dificuldades de locomoção, mas foi no encalço do marido para o proteger; o marido precisava de proteção (ao que parece), mas também saiu de casa; a arguida veio proteger o marido, mas nada fez; a CC apareceu para proteger o BB, mas ficou ao seu lado, nada fez; o ofendido arrancou em grande velocidade em direção ao BB, mas não tocou em ninguém!!! O arguido BB referiu que se encontrava na marquise quando viu o ofendido sair do prédio com uma “molhada” de papeis, que atirou para o jardim, momento em que o arguido abriu a janela e o chamou a atenção e o ofendido insultou-o. A mulher AA ouviu (versão diferente da própria) e foi ter com o ofendido enquanto este se meteu dentro do carro. Entretanto, o arguido desceu, a CC também apareceu e foi em direção ao carro, mas não a viu aproximar-se dele (versão diferente da de AA e a de BB sem sentido). Viu, então, o ofendido fazer marcha atrás e embater noutro carro e num poste de eletricidade, não o tendo visto andar para a frente. Portanto: a mulher AA ouviu a discussão e foi ter com o ofendido; este meteu-se dentro do carro; o arguido desceu; a CC apareceu e foi em direção ao carro, mas não se aproximou dele!; o ofendido meteu-se dentro do carro (logo quando AA desceu), saiu do estacionamento e fez marcha atrás, não andou em direcção ao arguido. Enfim, uma versão totalmente contrária à apresentada pela arguida AA. A arguida CC, era companheira do neto dos co-arguidos, estava no quarto e ouviu-os aos berros, já fora de casa, e foi em sua defesa. A AA estava junto ao vidro do lado do pendura do carro do ofendido (versão igual à de AA e diferente do BB), vendo os dois aos berros. O BB estava fora do prédio (e não à porta, como disse AA). O condutor estava estacionado de traseira para o BB e saiu de marcha atrás. Depois, passou com a roda dianteira esquerda nos dedos dos pés da arguida (o que nenhum dos outros co-arguidos referiu, e foi contrariado pelo BB). Não viu o carro bater em nada (oposto aos co-arguidos). Em suma: a arguida veio à rua em defesa dos co-arguidos, que ouviu aos berros (defesa de quê se nada viu); viu a AA junto ao vidro do lado do pendura, o que a própria atestou, mas o marido, também cá fora, não viu; o BB estava fora do prédio (e não na porta); o condutor estava estacionado de traseira para o BB e passou com o carro por cima dos dedos da arguida (o que os co-arguidos não viram); não viu o carro bater em nada (contrariamente aos co-argudios) O assistente DD, no dia em causa, foi ao apartamento que tem naquele prédio, a caixa de correio estava cheia de panfletos, que tirou e deitou junto a um saco de lixo que já estava na parte de fora e depois dirigiu-se para o carro. O BB, do r/c, disse “oh porco, corno, leva o lixo para tua casa”. Entrou no carro e nesse momento saíram do prédio, os três arguidos. O BB dirigiu-se ao carro, aos murros ao capot; a AA contornou pela parte lateral direita e puxou o espelho retrovisor até partir e começou a bater no vidro do carro; a CC aproximou-se pelo lado esquerdo, deitou a mão ao limpa para-brisas e pontapeou o carro, metendo a porta do lado esquerdo dentro. O assistente fez marcha atrás porque não podia sair de outro modo e nesse momento os arguidos acompanharam, a fazer força, momento em que a AA partiu o espelho do lado direito. O assistente embateu num arbusto, com a precipitação, andou para a frente, para corrigir a direção, e voltou a fazer marcha atrás para sair dali. Os arguidos atacaram o carro duas vezes. Atestou os danos, que concretizou, e o valor do prejuízo, que não foi ressarcido. Confirmou o teor da fatura de fls. 53 e ss, que escalpelizou. Aditou que enquanto batiam no carro, os arguidos insultavam-no e ameaçavam-no, tendo temido pela sua segurança, pois já tinha sido agredido num outro episódio anterior. Temeu pela sua integridade física, ficou perturbado, sente-se inibido em voltar lá, o que mereceu credibilidade desde logo na medida em que o assistente é mais velho do que os arguidos e encontrava-se, na situação em apreço, dentro do carro, sozinho, com três pessoas do lado de fora, impedindo que o mesmo dali saísse, a investir contra o veículo, exaltadas, nos termos apurados. A testemunha EE ia a passar, a pé, estava a cerca de 5 ou 7 metros, ouviu barulho e parou para ver. Viu um Sr e duas Srªs agarrados ao carro, aos pontapés e a insultar o condutor. O Sr estava aos murros ao capot; a Srª mais velha, do lado direito, agarrada ao espelho, que partiu; ambos estavam aos murros e estalaram o vidro da frente; a mais nova, do lado esquerdo, aos pontapés à porta do carro e a puxar o limpa para-brisas até ficar com ele na mão. O condutor fez marcha atrás, depois andou para a frente, e quando voltou para trás, aqueles voltaram a ataca-lo. No dia seguinte, quando foi ao café onde costuma ir, viu lá o carro, danificado, cheio de adesivos, e abordou o condutor quando o viu de lá sair. Viu, então, o capot amassado, o espelho retrovisor partido, o para brisas estalado, as escovas limpa para-brisas partidas e a porta do lado do condutor amassada. Corroborou, na íntegra, portanto, a versão prestada pelo assistente. A testemunha GG, nora dos arguidos AA e BB, não assistiu ao ocorrido. Atestou os problemas de saúde do arguido BB, afirmando ter uma incapacidade de 80% decorrente de um AVC (sendo que o atestado multiusos junto aos autos atesta, não 80%, mas 70% de incapacidade), já tendo dificuldades há 3 anos. Relativamente à arguida AA afirmou que tem problemas de saúde há muitos anos, sendo, há 3 ou 4 anos, também nas mãos: artroses. Tais problemas de saúde, contudo, não foram concretizados por documentos clínicos que o atestassem. Deixou de fazer a limpeza do condomínio, agora feita pela testemunha, caminha pouco, precisa de ajuda para pesos do supermercado, não sendo ela quem cozinha nem arruma a mesa. A testemunha HH, chefe da PSP, só recebeu a denúncia do assistente na esquadra, mas não foi quem elaborou o auto nem foi chamado para elaborar a participação. Recorda, contudo, tratar-se de denúncia por danos numa viatura. A testemunha FF, massoterapeuta, vizinha dos arguidos, estava dentro de casa e ouviu uma discussão agressiva, gritos, depois viu um carro a sair, a fazer marcha atrás, e a bater no seu veículo, que ficou arranhado no para-choques. Disse nada mais recordar. Ou seja: os danos a que esta testemunha se reporta serão danos ocorridos na parte de trás do veículo do assistente, e não danos ocorridos na frente, estes sim em causa nos autos. De referir, quanto às debilidades de saúde dos arguidos BB e AA que as mesmas não inviabilizaram o sucedido, desde logo se salientando, concretamente quanto aos danos causados pela arguida AA que não era, sequer, necessária, especial força para o efeito, já que, no circunstancialismo apurado, tendo-se aquela agarrado ao espelho retrovisor direito e tendo, entretanto, o assistente, feito manobras de marcha atrás e à frente para sair do local, não é difícil de explicar que o espelho tenha vergado e tenha acabado partido, da mesma forma como sucedeu com o para-brisas agarrado pela arguida CC. As testemunhas prestaram depoimentos isentos e coerentes, dentro do conhecimento que mostraram ter da situação em concreto (de conflito, ou de doença dos arguidos), tendo merecido credibilidade nessa medida. A inexistência de antecedentes criminais resultou dos CRCs juntos aos autos. As condições socioeconómicas dos arguidos resultaram das declarações dos próprios e os problemas de saúde dos arguidos AA e BB dos elementos clínicos e relatórios médicos juntos aos autos. II – A factualidade dada como não provada resultou da ausência de prova nesse sentido, sendo certo que os problemas de saúde da arguida AA, alegados em sede de contestação, não resultaram provados pela ausência de prova cabal nesse sentido, já que os relatórios médicos protestados juntar, nunca chegaram a ser juntos aos autos.».
Em face do exposto foi feita uma correta análise critica da prova produzida, mostrando-se a decisão devidamente motivada Invoca ainda uma das recorrentes que o tribunal omitiu pronúncia sobre a posição por si expendida quanto à alteração fáctica ao abrigo dos arts- 358º e 359º do CPP. Não tem razão, o tribunal não tinha que fundamentar ou se pronunciar sobre a posição por si apresentada no requerimento onde se opôs a tal alteração. Vejamos. Em audiência datada de 12.09.23, o tribunal entende o seguinte: “DESPACHO Ponderada toda a prova produzida, entende o Tribunal proceder à alteração de factos e qualificação jurídica constantes da acusação pública. De facto, como resultou da prova produzida, nas circunstâncias de tempo e lugar constantes da acusação, o assistente encontrava-se dentro do veículo objeto dos danos invocados nestes autos, tendo temido pela sua segurança e pela sua integridade física, encontrando-se na impossibilidade de resistir, tendo os arguidos agido com violência. Nestes termos, os factos em causa, pela violência que incorporam, enquadram, não um crime de dano simples, p. e p. pelo art.º 212º, n.º1, do C. Penal, mas sim um crime de dano com violência, p. e p. pelo art.º 214º, n.º1, a), do C. Penal. Desta alteração de factos e de qualificação jurídica se dá conhecimento aos Ils Defensores dos arguidos e ao MP, nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 359º, n.º3, e 358º, n.º1 e 3, do C.P.P. * Dada a palavra à Digna Magistrada do MPª, pela mesma foi dito nada ter a opôr. Dada a palavra aos Ilustres Defensores dos arguidos, pelos mesmos foi dito nada terem a opôr, requerendo um prazo de 10 dias, para preparação da defesa. De seguida, a Mmª Juiz proferiu o seguinte: DESPACHO Atenta a alteração de factos e da qualificação jurídica efectuados e o requerido prazo para preparação da defesa, designo para continuação da presente audiência, após concertação de agendas com os presentes, o próximo dia 20 de Setembro de 2023, pelas 14:00 horas.”
Donde resulta que os defensores oficiosos não deduziram oposição, afirmando nada terem a opor. Ora a arguida recorrente AA estava devidamente representada nesta audiência pelo Sr. Dr. II cfr. atesta a própria ata : “PRESENTES: Arguido: CC Defensor Oficioso: Dra JJ Arguido: BB Arguido: AA Defensor Oficioso: Dr. II Arguido: DD”
O Drº II havia sido previamente indicado para substituir a Srª drª KK, cfr. :
“Substabelecimento: COM RESERVA, substabeleço no Senhor Dr. II, Advogado, com a cédula profissional n.º ...41..., com domicílio profissional na Rua ..., ..., ... (...) Porto, os poderes que me foram conferidos ao abrigo da nomeação como patrona de AA, no processo n.º 660/20.6PSPRT a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto – juiz 2. Porto, 11 de Setembro de 2023. “
Portanto, nesta sede o Sr. Defensor Oficioso devidamente subestabelecido não se opôs à alteração indicada pelo tribunal. Foi apenas concedido prazo para apresentação de defesa quanto a este novo enquadramento, ou seja, junção prova que entendessem adequada e não para se deduzir oposição. Em face do exposto, não tinha nem podia a agora drª KK, fazer tábua rasa do ocorrido em sede de julgamento e aproveitar o prazo concedido para apresentação de defesa, para vir opor-se àquilo para o qual já alguém em representação da arguida já havia dito não se opor. Consequentemente o tribunal não tinha necessariamente que se pronunciar na sentença sobre a substância de tal requerimento, pelo que inexiste qualquer nulidade a respeito mormente a prevista no art. 379º, n º 1, als. b)e c) do CPP. Inexiste, pois qualquer tipo de nulidade * O que os recorrentes pretendem é invocar erro de julgamento.
Ora, dispõe o artigo 428º do Código de Processo Penal que as relações conhecem de facto e de direito. E segundo decorre do artigo 431º podem modificar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pela via da denominada “revista alargada” quando se verifiquem os vícios a que aludem as alíneas do nº 2 do artigo 410º e/ou através da impugnação ampla da matéria de facto de acordo com o disposto no artigo 412º nº 3. Optou o também recorrente pela impugnação ampla da matéria de facto. Contudo, não indicam os pontos concretos da matéria fáctica que pretendem impugnar, apontando para cada um deles a prova concreta que pudesse impor versão contrária. Fazem uma impugnação por atacado, incidindo sobre toda a matéria. Ora, tal abordagem não é legalmente permitida. Na impugnação ampla da matéria de facto, a sua apreciação alarga-se à prova produzia em audiência (se documentada), mas com os limites assinalados pelo recorrente em face do ónus de especificação que lhe é imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º, nos quais é expressamente estabelecido: “3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.” São estes os passos a cumprir em caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto. Na especificação dos factos o recorrente deverá indicar os concretos pontos de facto (ou os factos individualizados ou segmentos dos factos) que consta(m) da sentença recorrida e que considere incorretamente julgado(s). Quanto às provas, terá que especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (ex: quando o recorrente se socorra da prova documental tem que concretizar qual o concreto documento que demonstra o erro da decisão; quando se socorra de prova gravada tem que indicar o depoimento (ou depoimentos) em questão (por identificação da pessoa ou pessoas em causa), tem de mencionar a passagem ou passagens da gravação desse depoimento que demonstra erro em que incorreu a decisão e tem, conforme decorre no nº 4 atrás transcrito, que localizar esse excerto de depoimento no suporte que contém a gravação da prova, por referência ao tempo da gravação. A exigência da lei ao estabelecer os requisitos da impugnação da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido deve-se à circunstância de o recurso sobre matéria de facto, apesar de incidir sobre a prova produzida e o seu reflexo na matéria assente, não configurar um novo julgamento. Se estivéssemos perante um novo julgamento as especificações/requisitos seriam, obviamente, destituídos de fundamento. Mas, sendo o recurso um remédio, então o que se pretende é corrigir concretos erros de julgamento respeitantes à matéria de facto. Por isso a lei impõe que os erros que o recorrente entende existirem estejam especificados e que as provas que demonstrem tais erros estejam também elas concretizadas e localizadas, tanto mais que segundo estabelece ainda o nº 6 de tal artigo 412º que “No caso previsto no nº 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.” De todo o modo, o tribunal nesta instância ouviu toda a provada e analisou a documentação junta aos autos e resulta que percorrendo a motivação dos recursos a prova indicada pelos recorrentes consubstancia-se numa interpretação possível dos testemunhos prestados, dando mais peso a uns que o tribunal a quo e nos documentos também ponderados pelo tribunal a quo No seguimento da sua impugnação, tentam os recorrentes mostrar incongruências do depoimento de testemunhas às quais o tribunal deu mais credibilidade, fazendo a sua apreciação crítica diferente daquela que fez o Tribunal. Não basta, pois, que as provas permitam, dentro da liberdade de apreciação das provas, uma conclusão diferente; a decisão diversa a que aludem os artigos 639.º e 640.º n.º 1 b) e 712.°, todos do Código de Processo Civil, terá que ser a única possível ou, concede-se, no mínimo, a possível mas com elevada probabilidade, e não apenas uma das possíveis dentro da liberdade de julgamento. Por outras palavras: a sindicância da decisão de facto deve limitar-se à aferição da sua razoabilidade em face das provas produzidas. O julgamento da matéria de facto, sendo um juízo eminentemente subjetivo, “objectiva-se” nos meios de prova devidamente interpretados, valorados e apreciados que o fundamentam e o erro na apreciação das provas consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto quando a conclusão deveria ter sido manifestamente a contrária, seja por força de uma incongruência lógica, seja por ofender princípios ou leis científicas, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas (e em todos estes casos o erro será mesmo notório e evidente) seja também - e para o que ora nos ocupa - quando a valoração e apreciação das provas produzidas apontarem num sentido diverso do acolhido pela decisão judicial, mas - note-se - excluindo este. As concretas provas que apontam foram provas apreciadas pelo Tribunal, que e sobre as mesmas efetuou a sua apreciação, tal qual estava obrigado nos termos do disposto no artigo 127º do CPP, tendo fundamentado a sua convicção de forma clara e de acordo com as regras da experiência comum.
As provas indicadas pelos recorrentes não alcançam o mérito de impor uma decisão diversa, sendo de referir com clareza que assim o teria de obter, não bastando a mera possibilidade de permitir uma decisão diversa, tanto mais que o tribunal a quo está alicerçado noutra prova. Estamos perante uma nova interpretação e uma nova análise crítica da prova produzida de iniciativa dos recorrentes e que não permitem afastar a que o Tribunal efetuou, revelando-se esta devidamente fundamentada e suficientemente explícita e compreensível, ajustada às regras da experiência comum, não nos merecendo qualquer censura, razão pela qual o recurso não pode ser provido. Neste conspecto, a douta Sentença fundamentou de forma clara e adequada a matéria de facto dada como provada, analisando todos os meios de prova que sustentaram a apreciação feita pelo Tribunal a quo, fazendo uma apreciação, interpretação e valoração dos mesmos, cuja razoabilidade e plausibilidade é, em nosso entender, inatacável, principalmente no descrédito e crédito atribuído aos depoentes, nomeadamente o crédito atribuído às declarações das testemunhas e ao descrédito das declarações dos arguidos. Da leitura da douta Sentença percebe-se o raciocínio e lógica que determinou o Tribunal a quo a dar como provados os factos aí constantes, respeitando o disposto no n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal. Pelo que não obstante o alegado, não se vê quais são as concretas provas que impunham decisão diversa da proferida e que evidenciem uma apreciação contrária à logica e experiência comum. Não foi violado o princípio da livre apreciação da prova. Pretendem os recorrentes que pesem mais as suas declarações dos arguidos do que do ofendido e da testemunha que disse ter visto o incidente insurgindo-se, por isso contra a convicção formada pelo tribunal mediante as provas produzidas em audiência. No entanto o Tribunal, após a análise crítica e conjugada de toda a prova produzida em audiência, fixou a matéria de facto provada, valorando-a sob a égide do princípio da livre apreciação. O tribunal a quo não formulou o seu juízo com base em incongruências e suposições, mas antes considerando a prova documental e testemunhal produzida, que não deixou margem para dúvidas e as supostas contradições, per si, normais em face do decurso do tempo e da posição de cada um dos intervenientes e interpretação que fizeram e processaram dos factos, não só de molde a questionar a verdade encontrada pelo tribunal a quo. Senão vejamos. Os recorrentes enfatizam as debilidades físicas dos arguidos. Relativamente a AA estamos esclarecidos relativamente à informação clinica entretanto junta aos autos que dá conta da sua capacidade para as lides diárias, pelo que podia perfeitamente ter-se deslocado para junto do veículo, como a mesma admitiu e bater nos vidros do carro, como a própria também admitiu. Assim como podia ter contornado o carro para o lado do passageiro da frente, como o afirmou o assistente corroborado pela testemunha ouvida. As invocadas artroses poderiam ter algum significado em termos de motricidade fina, mas são irrelevantes para agarrar um retrovisor e arrancá-lo do seu sitio, bastaria a força muscular do braço e mãos e o impulso com o peso do seu corpo e a movimentação do veículo no sentido de sair do estacionamento, como aconteceu, para que que se danificasse o retrovisor. Relativamente a BB invocam-se os Avcs que teve, mas tal não o impediu de sair de casa pelo seu próprio pé e também não o impediram de se deslocar para junto do veículo do assistente que se a encontrava a pouco mais de 25 m da entrada do prédio e lhe desferisse murros no capot como referiu a demais prova em que se sustentou o tribunal. Os problemas de saúde de que padecia à data dos factos não tolhiam a sua força motriz. Não resultou provado que tivesse ficado, em resultado dos problemas de saúde, imobilizado do braço e mão direitos que o impedissem de dar murros no capot a ponto de provocar mossas. A demais como se explicam os outros danos? CC afirmou nada ter feito queixou-se que foi pisada nos pés pelo rodado da viatura. Não temos dúvidas que esteve junto do carro do assistente e conforme prova produzida foi a que destruiu os limpa para-brisas, deu pontapés na porta do condutor. Estes danos não se explicam nem pelo poste nem pelos arbustos nem pelo alegado toque noutra viatura que aliás terá sido pelo lado traseiro. A argumentação que visou colocar em causa a credibilidade da testemunha EE não tem sustentação nenhuma, explicando até que nem queria ser testemunha, que se deslocava a pé em direção a um café onde era costume ir para confraternizar com conhecidos e fazia-o aos fins de semana, sábados e domingos. Tudo perfeitamente normal e aceitável. Quantos de nós nos deslocamos a pé para os mais variados sítios para o nosso local preferido, que não tem que ser próximo da nossa residência, para confraternizar. Estamos a falar de um reformado e para mais num local onde havia constrangimentos por obras na rua pelo que é plausível que estivesse ali a passar a pé em jeito de passeio a caminho do estabelecimento de café da sua preferência e desse com o incidente. Aliás a explicação que o próprio dá para ali se encontrar no momento dos factos é absolutamente plausível e consonante com as regras da experiência. Relativamente à questão da localização junto à entrada, a questão é absolutamente inócua em face do que atrás se disse a propósito da capacidade de mobilização dos arguidos e distância entre o local de estacionamento da viatura e entrada do prédio. Relativamente ao momento em que apareceram os arguidos, também a consideramos inócua e pouco relevante a questão. Para o assistente, que já se encontrava dentro do carro foi numa questão de minutos que foi rodeado pelos arguidos. De todo o modo descreve que se apercebeu primeiro da arguida AA que bateu no vidro e que logo depois se apercebeu do arguido BB a bater no capot e que viu aquela a contornar o veículo em direção ao lugar do passageiro da frente onde danificou o retrovisor e a seguir a arguida CC que deu pontapés na porta do condutor para além de se ter agarrado aos limpa para-brisas danificando-os, o que aliás coincide em parte com a versão dos arguidos. O primeiro confronto foi verbal e com BB. Este dá conta à mulher AA que se desloca para fora em direção ao assistente, BB vem para fora e mais tarde, ouvindo discussão CC sai igualmente de casa. Portanto, na perspetiva do assistente sentado no automóvel de costas viradas para o prédio, a impressão que transmitiu ao tribunal é que lhe apareceram todos praticamente ao mesmo tempo. Isto em nada coloca em questão o cerne dos factos em discussão, tanto mais que a primeira abordagem danosa ocorreu de forma muito rápida. Ainda relativamente às manobras feitas com o veículo, a versão do assistente é perfeitamente plausível tanto mais que a testemunha EE referiu claramente que o assistente fez marcha atrás, bateu numas sebes e veio para a frente e volta a fazer marcha atrás altura em que os arguidos voltaram à carga, saindo depois em marcha atrás do local. Relativamente à existência de outro carro no qual a viatura ... do assistente teria tocado de raspão em nada acrescenta aos factos, tendo presente a localização dos danos provocados e reclamados pelo assistente em nada coincidem com eventuais danos pois a terem existido estariam na traseira do ... e aqueles reclamados situam-se na parte da frente deste veículo. Em face do exposto o tribunal a quo a este respeito apresentou a sua justificação que em nada tolhe as regras da experiência. Tal decisão é perfeitamente normal e está dentro dos poderes discricionários objetivados do juiz, com base na livre apreciação da prova que lhe compete, e ainda na prova documental que foi junta aos autos. Tendo, por isso, o tribunal a quo andado bem ao dar como provados os factos questionados. Os danos resultantes da prova testemunhal e documental adequam-se aos comportamentos relatados pelo ofendido. O tribunal não ficou com qualquer dúvida e não agiu numa perspetiva justiceira. A prova produzida sustenta a sua decisão. Nos recursos que interpuseram vêm os recorrentes invocar que o tribunal a quo valorou as declarações do ofendido/assistente e desconsiderou as declarações dos arguidos. Acontece que tal faculdade está prevista na lei, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, que confere ao juiz poderes para decidir, e foi isso que a Meritíssima Juíza de primeira instância fez, depois de ouvir todas as testemunhas e de ponderar as circunstâncias do caso e a forma como o mesmo foi relatado na audiência de discussão e julgamento. Preceitua o citado artigo 127° do Código de Processo Penal que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. De acordo com Teresa Beleza (in Revista do Ministério Público, Ano 19°, pág. 40) “... o valor dos meios de prova (...) não está legalmente pré-estabelecido. Pelo menos tendencialmente, todas as provas valem o mesmo: o tribunal apreciá-las-á segundo a sua livre convicção. O mesmo é dizer: a liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação dada pelo treino profissional, o saber de experiência feito e honesto estudo misturado; ou, na expressão feliz de Castanheira Neves, trata-se de uma liberdade para a objectividade (...) “. Com efeito, e de acordo com o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal (livre apreciação da prova), salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. De “convicção do tribunal” fala-se igualmente no artigo 374º, nº 2, in fine, do mesmo diploma legal, a propósito da obrigação de fundamentação. De acordo com este princípio (da livre convicção ou da prova moral) o julgador tem pois a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, respostas e meios de prova utilizados, etc.). Para tanto, a decisão deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou dos critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência. Por outro lado, e na esteira de Cavaleiro Ferreira, a apreciação da prova está vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório, pelo que a liberdade que é concedida ao juiz não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva, devendo, ao invés, traduzir-se numa valoração racional e crítica, de acordo com as já mencionadas regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar, sempre, a apreciação feita à prova carreada durante a audiência de discussão e julgamento. A convicção do Juiz há-de ser sempre pessoal, mas também “(…) objectivável, e motivável, portanto capaz de se impor aos outros” (cfr. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, I, pág. 202). A este propósito refere Germano Marques da Silva que “a livre valoração da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão... Com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não e assim. A convicção do julgador há-se ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre "uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros". “O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (vg. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência..." (in Curso de Processo Penal, II, pág. 126 e ss.). Ora, os recorrentes pretendem colocar em crise, nem mais nem menos, a convicção em que o tribunal se baseou para proceder ao julgamento da matéria de facto, segundo o princípio da livre apreciação da prova a que alude o dispositivo legal supra (como impõe a lei). Neste sentido, “se o recorrente se limita a discutir o processo lógico do julgamento de facto baseado no princípio da livre apreciação da prova, invocando a violação do art. 127°do CPP, é manifesta a improcedência do recurso, pelo que deve ser rejeitado” (cfr. Acórdão do STJ de 28 de Maio de 1992, processo 42748, in www.dgsi.pt). Ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30 de Maio de 2005 (in www.dgsi.pt) cujo sumário se parcialmente se transcreve, “I – Na frase lapidar do Prof. Castanheira Neves, ao expor o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127°), o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base apenas “no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, respostas e meios de prova utilizados, etc.)”, sendo certo que outra coisa não decorre da actividade do Tribunal recorrido. II – Anote-se ainda, para melhor compreensão, que aquilo que o tribunal de recurso pode essencialmente censurar “é a violação de todo o conjunto de princípios que estão subtraídos à livre apreciação da prova (que limitam o ‘”arbítrio” na sua apreciação): as regras de experiência comum, o princípio “in dubio pro reo”, o principio de presunção de inocência e, em especial, aquele que está directamente ligado à afirmação de uma culpabilidade pelo facto, isenta a qualquer referência a características pessoais do arguido. V – Como escrevia Eb. Schmidt, e depois foi inúmeras vezes repetido, só existe convicção do juiz quando ele próprio já não tem dúvidas, pois que se ao juiz se apresentam várias possibilidades sobre a conformação factual, sem poder fixar-se apenas numa delas, encontra-se ainda na incerteza, isto é, na dúvida, impondo-se- lhe então aplicar o “in dubio pro reo”. A esta luz, não poderemos de deixar de considerar inócuos os considerandos tecidos pelos ora recorrentes sobre o que disse ou deixou de dizer a testemunha e o próprio arguido, cuja convicção não coincidiu com a convicção crítica, isenta e objetiva do julgador, apreciada à luz das faladas regras da experiência comum. No fundo, o que está em causa é uma diferente convicção ou valoração da prova feita por este necessariamente em conflito, tão só porque lhe é desfavorável. Assim, e neste contexto, cabe dizer que, o Tribunal a quo indicou com rigor os meios de prova de que se serviu para formar a sua convicção e objetivou, racionalizou e motivou de forma exaustiva as razões que o levaram a dar como provados os factos que suportaram a condenação dos arguidos ora recorrentes.
DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO: Existe violação do princípio in dubio pro reo, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção. Ora, se certo é que se apresentaram em sede de audiência de discussão e julgamento, duas versões contraditórias dos factos, sendo uma a alegada pelos arguidos e outra a constante da acusação, certo é que não resulta, em qualquer momento da douta decisão recorrida que se tenha na mente do julgador formado qualquer dúvida, muito menos uma dúvida razoável que pudesse infirmar o seu raciocínio lógico e, consequentemente, impor a absolvição do arguido com base no principio in dubio pro reo. Com efeito a prova produzida permite afirmar sem qualquer dúvida que os arguidos praticaram o ilícito pelo qual foram condenados não tendo permanecido qualquer dúvida que haja sido julgada contra mesmos. Assim, inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual fica afastado o princípio do in dubio pro reo, sendo que tal juízo factual não teve por fundamento uma imposição de inversão da prova, ou ónus da prova a cargo do arguido, mas resultou do exame e discussão livre das provas produzidas e examinadas em audiência, como impõe o artigo 355.º n.º 1 do CPP, subordinadas ao princípio do contraditório, conforme art. 32.º n.º 1 da Constituição da República. Os recorrentes invocam partes da prova que poderiam suscitar alguma dúvida, porém, resulta claro da prova que a conduta dos arguidos foi a descrita nos factos dados como provados na Sentença do Tribunal a quo, sendo que o depoimento das testemunhas ouvidas nos autos e prova documental recolhida merecem toda a credibilidade, não sendo colocadas em causa no seu conteúdo e alcance pelas alegações dos arguidos. Aliás, os depoimentos das testemunhas cotejadas com as regras da experiência comum e com a demais prova, não ofereceram qualquer dúvida da veracidade dos factos que o Tribunal a quo deu e bem como provados, não merecendo assim a Sentença a quo qualquer censura.
Pelo exposto não se vê quais são as concretas provas que impunham decisão diversa da proferida e que evidenciem uma apreciação contrária à logica e experiência comum.
Da qualificação jurídica. Insurgem-se os recorrentes contra a aplicação do crime de dano com violência.
A este respeito refere o tribunal a quo: “Vinham os arguidos acusados da prática, em co-autoria, de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 213º, n.º1, do C. Penal, sendo que, após produção de prova, o tribunal entendeu a que a conduta dos arguidos se enquadrada, antes, na prática de um crime de dano com violência, p. e p. pelo art.º 214º, n.º1, a), do C.P., alteração da qualificação jurídica que efectuou. De harmonia com o estipulado no art.º 212º, n.º1, do Código Penal “Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.” O bem jurídico em causa neste ilícito penal é a propriedade, sendo certo que o direito de propriedade qua tale não é atingido, sendo-o apenas uma dimensão ou direito decorrente daquele. O dano é um crime comum, de sujeito passivo indeterminado, de ação ou omissão, material, de resultado e uniofensivo. Pode ser cometido por qualquer pessoa, bastando, em termos objetivos, que incida sobre coisa alheia, e em que é condição de realização do ilícito a ocorrência de um resultado final de destruição, danificação, desfiguração ou inutilização de uma coisa, assim se ofendendo o bem jurídico propriedade.1 1 Cfr. José António Barreiros, in Crimes contra o património, p. 179 e ss., e CP Anot., Simas Santos e Leal-Henriques, II.º, Vol. p. 506 e ss. Relativamente ao seu elemento subjetivo, o dano só é punível a título de dolo - exigindo-se que o agente represente que a sua ação sacrifica coisa alheia - sendo bastante o dolo eventual. Por seu turno, nos termos do disposto no art.º 214º, n.º1, a), do C.P., “Se os factos descritos nos artigos 212.º e 213.º forem praticados com violência contra uma pessoa, ou ameaça com perigo iminente para a vida ou a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, o agente é punido: a) No caso do artigo 212.º, com pena de prisão de 1 a 8 anos” Neste âmbito, o n.º1 deste preceito protege, não apenas o bem jurídico da propriedade, mas também a vida, a integridade física e a liberdade de ação e decisão. Trata-se de um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objeto da ação). Importa, portanto, existir uma imputação objetiva do resultado à ação. Como já se pronunciava o STJ no Acórdão de 23.01.2003, proferido no proc. n.º 02P4098, disponível in www.dgsi.pt, e aqui com total cabimento, “VII - A «violência contra pessoas”, qualificativa do crime de dano prevista no artigo 214º do Código Penal, é hoje, doutrinal e jurisprudencialmente, um conceito abrangente, englobando não apenas a violência física sobre o corpo das pessoas, como a violência psíquica. VIII – A violência ali tipificada também pode consistir numa intervenção física sobre coisas (que tanto podem sem do ofendido como de terceiro) por via indireta. IX – No caso sujeito, tendo o arguido, em reação contra um dos ofendidos (…) e com o objetivo de danificá-la, arremetido com o seu veículo automóvel contra a roulotte de farturas dentro da qual eles se encontravam e permaneceram, obrigando (…) e, com a violência do impacto fazendo oscilar e arrastando a roulotte do local onde aquela se encontrava (…), configura-se a qualificativa «violência contra pessoas». X – Com efeito, (…), encontrando-se os donos no interior da roulotte, é apodítico, pelo menos, que, juntamente com ela, foram arrastados contra a vontade e por ação violenta do arguido. XI – E não se pode, sequer, alegar inexistência do elemento subjetivo da infração quando se provou que o arguido agiu voluntaria e conscientemente, investindo com o seu automóvel contra a roulotte, arrastando-a violentamente, com as pessoas lá dentro, sabendo que elas lá se encontravam.” Face à matéria de facto apurada, dúvidas não restam, portanto, de que os arguidos, com a sua conduta, preencheram os elementos típicos deste ilícito penal pelo que, inexistindo quaisquer causas de desculpação ou de exclusão da ilicitude, se impõe a sua condenação.”
Posto isto, não temos dúvidas que o assistente foi e cercado pelos arguidos que tentaram a todo o custo chegar ao mesmo. Para tal não se coibiram de danificar o carro provocando-lhe danos da ordem dos 2.600,00€ (valor não insignificante). O arguido estava no seu automóvel, trancado, sentado e naquela situação estava naturalmente impedido de reagir se de alguma forma a ele tivessem chegado. Três pessoas contra um e na situação em que se encontrava não estava em condições de se defender. Alegam os recorrentes que ele podia fugir como fez, mas repare-se a sua saída daquela situação também não foi fácil teve que fazer manobras para tal e sempre que as acabou de fazer foi novamente atacado. A sua integridade física esteve em perigo sem dúvida e naquela posição estava com impossibilidade de reagir, embora estas duas circunstâncias não sejam cumulativas. O art. 214º contempla formas de dano com violência, relevando, a acrescer ao dano em coisa, vem a prática de violência contra uma pessoa a que se equipara a ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física ou pondo-a na impossibilidade de resistir. A título de exemplo temos o Ac. RP de 08.01.98, (9840249), mencionado no Código Penal, Parte Geral E Especial com Notas e Comentários, 2015, 2ª ed. Miguez Garcia R Castela Rio (situação que retrata umas machadadas num veículo onde se encontravam duas pessoas). E ainda Ac STJ de 23.01.2003, proc. 4098/02. Por violência pode entender-se aquela que põe em causa a liberdade da pessoa-de movimentos e/ou ação e decisão- e a integridade física e a colocação na impossibilidade de resistir também ofende a liberdade individual de movimentos e/ou ação e decisão e em certos casos a integridade física. A violência abrange também a violência psíquica e se por meio da violência a vitima deixa de conseguir, mesmo do ponto de vista da sua capacidade física de se opor à provocação dos danos ou se por meio de ameaça ela sente que não pode fazer mais nada senão submeter-se e eventualmente fugir da situação, faz sentido dizer-se que ela fica impossibilitada de resistir. Foi exatamente o que aconteceu neste caso. Para além do mais claramente o assistente foi ameaçado na sua integridade física pois todo o comportamento dos arguidos sustentou-se em o constranger através da provocação do medo, inquietação, insegurança ao agirem do modo como fizeram destruindo partes do automóvel. A situação de perigo foi iminente e simultânea aos danos provocados. Posto isto, concordamos com o tribunal a quo no enquadramento jurídico que fez. Pelo que improcede o recurso nesta parte.
Do Pedido cível. Da ineptidão da petição inicial. Diz a recorrente AA que “(…) Analisando o articulado em crise, é notório o seguinte, No que concerne aos danos patrimoniais invocados no pedido de indemnização cível deverão os mesmos ser discriminados, não bastando a alegação da existência dos mesmos, sob pena de não podem ser atendidos no processo em causa. Porém, em momento algum o Assistente conseguiu descrever os danos patrimoniais que teve, apenas e tão só alegando que os teve. Mas se os teve, competia-lhe discriminá-los de forma clara, e não com referências vagas, como o fez. Depois invocou danos não patrimoniais que não resultaram provados em sede de audiência de julgamento, conforme já devidamente explanado, entre eles, atentado contra autoestima, contra a imagem pública, contra a tranquilidade, sossego, o seu descanso (não se percebe quando o mesmo nem reside no apartamento onde ocorreram os factos) teme a qualquer momento pela sua integridade física (igualmente não se percebe quando não se cruza diariamente com os arguidos e tem a sua residência em Vila Nova de Gaia). É um rol de danos não patrimoniais (ao contrário dos danos patrimoniais que não indica) que não conseguiu provar, mas mesmo assim, entendeu o Tribunal a quo dar como provado o seguinte: “Em virtude da conduta dos arguidos, o demandante viu o seu carro danificado e deformado, nos termos expostos. O ocorrido provocou perturbação do equilíbrio socio-psiquico e emocional do demandante. Com a sua conduta, os demandados causaram medo e pavor ao demandante. Mais lhe causaram intranquilidade, pois teme, a qualquer momento, pela sua integridade física. “ Não se consegue entender como aquele tribunal dá provimento a tal pedido quando o mesmo encontra-se desprovido da indicação dos reais danos patrimoniais alegadamente sofridos bem como dos danos não patrimoniais que não resultaram provados, o qual desde já se remete tais considerações e explicações para a impugnação da matéria de fato quanto aos factos dados como provados no pedido de indemnização civil. Mas vamos mais além, o próprio pedido/causa de pedir efetuado pelo Assistente, é por si só ininteligível, na medida em que, para além da clara confusão, parece-nos, salvo o devido respeito, que nem formula pedido para os danos não patrimoniais, mas não obstante condenou o Tribunal a quo quanto ao mesmo. Veja-se que o Assistente apenas peticionou 3.000,00€ (três mil euros) a título de danos patrimoniais, mas o douto tribunal condenou os arguidos em danos não patrimoniais, quando aquele não formula pedido nesse sentido. Tais vícios supra relatados e expostos levariam sempre, por um lado, à ineptidão do pedido de indemnização civil, ineptidão essa alegada e invocada em sede de alegações, mas que em momento algum na douta sentença há uma pronúncia quanto ao mesmo, ainda que oficiosamente. (…) Por outro lado, e salvo entendimento em contrário, entende-se que, condenando o Tribunal a quo num pedido de indemnização civil por danos não patrimoniais no valor de 328,04€, (trezentos e vinte e oito euros e quatro cêntimos) peca por excesso de pronúncia. Face a tudo o quanto exposto, entende a Recorrente que deveria ser considerado inepto o pedido de indemnização civil do Assistente, por ferido de vários vícios alegados em sede de alegações, mas que não foram objeto de pronuncia na douta sentença, bem como pelo excesso de pronuncia quanto à condenação referente aos danos não patrimoniais, consubstanciando assim a nulidade da sentença por violação do disposto no artigo 379º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal.”
O tribunal a quo decidir relativamente a esta matéria da seguinte maneira: “DD deduziu pedido de indemnização civil contra AA, BB e CC, peticionando a condenação deste no pagamento em valor não inferior a €3.000,00, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos com a conduta daqueles. Da factualidade apurada resulta que em consequência da conduta dos arguidos, o demandante viu o seu carro danificado e deformado, sofreu um prejuízo no valor de, pelo menos, €2671,96, correspondente ao valor da reparação do veículo. Mais se apurou que, com a sua conduta, os demandados provocaram perturbação do equilíbrio socio-psíquico e emocional do demandante, causaram-lhe medo e pavor e também intranquilidade, pois teme, a qualquer momento, pela sua integridade física. Dispõe o art.º 129º do Cód. Penal que “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil” Da factualidade apurada e toda a exposição antecedente conclui-se que os demandados, com o seu comportamento doloso, violaram disposição legal destinada a proteger o património de outra pessoa, o que fizeram pondo em causa a tranquilidade e integridade daquela (cfr. art.º 214º do C. Penal) Não existem dúvidas acerca da verificação da responsabilidade civil por factos ilícitos prevista no art.º 483º, n.º1, do C. Civil, a qual dá origem à obrigação de indemnizar, nos termos do art.º 562º e segs do mesmo diploma, entendendo-se tal como uma compensação, pelos danos sofridos. Tal compensação terá de ser sempre fixada através do recurso à equidade, tendo por base a factualidade apurada (cfr. art.º 566º, n.º3, do C. Civil). A reparação dos danos não patrimoniais não configura uma genuína indemnização, mas sim uma compensação atribuída ao lesado tendente a proporcionar-lhe alguma satisfação em contrapartida do sofrimento que o facto danoso lhe tenha infligido. Em rigor, os danos morais são insuscetíveis de serem apagados ou reparados de forma exatamente quantificada, em espécie ou em equivalente pecuniário, mas podem ser compensados, sem que isso seja imoral, com a satisfação, o bem-estar ou a utilidade que o dinheiro possibilita.4 In casu, os demandados AA, BB e CC causaram ao demandante DD danos de natureza patrimonial relativos aos danos provocados no veículo do demandante, no valor apurado de €2.671,96, e danos de natureza não patrimonial, traduzidos no medo sentido com a situação de que foi vítima e na intranquilidade por tal poder voltar a acontecer. Sucede que, em sede de pedido de indemnização civil foi indicado, como pedido total, um valor de €3.000,00 e nada mais. Assim, considerando os danos sofridos, já apurados nestes autos, por um lado, e o peticionado, por outro, por se entender devido, fixa-se também um valor a título de danos não patrimoniais, mas, atendendo ao pedido formulado, apenas no montante restante do peticionado, ou seja, €328,04, a pagar, solidariamente, pelos demandados AA, BB e CC. Procede, portanto, o pedido de indemnização, nos termos expostos.” O pedido cível tem este teor: “PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL Contra: AA, BB e CC, arguidos nos presentes Autos, com sinais nos autos. QUESTÃO PRÉVIA: Apesar de ser considerado extemporânea a constituição de assistente no que concerne ao crime particular, sempre terá o mesmo pedido e taxa de justiça paga que ser atendida quanto ao crime semipúblico. DO PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CÍVEL: 1º o Ofendido dá, para todos os legais efeitos, por integralmente reproduzida a Douta Acusação do Ministério Público, 2º da qual resulta, em suma, que os Arguidos, em co-autoria material, na forma consumada, um crime de dano, p. e p. pelos artigos 26º e 212º, n.º 1 do Código Penal, 3º atuação típica que causou danos patrimoniais e não patrimoniais ao ora ofendido, 4º sendo os Arguidos os únicos responsáveis, por terem agido ilicitamente, de forma culposa e com absoluto nexo causal entre a atuação e o resultado típico adequado pelos danos no veiculo do ofendido, 5º incorrendo em responsabilidade civil subjetiva, 6º sobre eles impende o dever de indemnizar o ofendido pelos danos sofridos. 7º Danos que se calculam em valor nunca inferior a € 3.000,00 (três mil euros) a título de danos não patrimoniais. DOS DANOS, 8º em virtude da factualidade referida na acusação, o ofendido, viu o seu património a ser danificado, deformado e inutilizável, 9º tal realidade (descrita por referência à acusação pública) produziu uma forte e estigmatizante perturbação do equilíbrio socio-psíquico e emocional do ofendido, 10º percebendo-se como constitutiva e grave atentado à sua personalidade física e moral. 11º De forma gratuita e sem qualquer razão de ser causaram medo ao assistente e até pavor, o que impediu de prosseguir o seu caminho. 12º O que lhe causa danos ainda não determináveis e só determináveis em sede de execução de sentença, 13º determinaram também, a) um forte atentado contra a autoestima do ofendido, b) contra a sua imagem pública, c) impedem a sua tranquilidade, d) o seu direito ao sossego, e) perturbam fortemente o seu descanso, f) constrangem a sua capacidade de dormir e de circulação, g) pois teme, a qualquer momento, pela sua integridade física.
Carecem de ser ressarcidos, I – os danos patrimoniais e não patrimoniais, ainda que não mensuráveis, porque causaram danos no veículo do arguido, que se requerem imputados aos arguidos; danos a apurar em sede de execução de sentença. II – Danos não patrimoniais, perda de autoestima, saúde, tranquilidade e descanso, que devem ser quantificados em valor nunca inferior a € 3.000,00 (três mil euros). Recorrendo-se ao sereno arbítrio de V. Exa., para que o presente pedido seja julgado provado e procedente em consequência condenando-se os arguidos na obrigação de ressarcir os danos patrimoniais e não patrimoniais (ainda não quantificáveis, apurados), decorrentes do dano provocado no veículo, danos a apurar em sede de execução de sentença; ainda, a título de danos patrimoniais já apurados, diretamente decorrentes do dano, em valor nunca inferior a € 3.000,00 (três mil euros). Valor: € 3.000,00 (três mil euros). Prova: a dos autos de Inquérito: documental e testemunhal.”
A recorrente apresentou contestação em 06.10.22 com o seguinte teor: “AA, Arguida nos autos à margem referenciados, e aí devidamente identificada, notificada do douto despacho de fls…., vem junto de V. Exa, nos termos e para os efeitos do artigo 311-B.º do C.P.P. apresentar a sua: CONTESTAÇÃO Nos termos e com os seguintes fundamentos: 1. A Arguida vem acusada, em co-autoria da prática de um crime de dano, previsto e punido pelos artigos 26º e 212º n.º 1 do Código Penal, porquanto, alegadamente, no dia 10 de outubro de 2020, ter desferido vários pontapés no veículo de matrícula ..-AC-.., amolgando-o e fraturando a sua pintura. 2. E ainda de ter vergado o espelho do lado direito até o partir. 3. Salvo o devido respeito é falso o que consta da acusação. 4. A Arguida AA, não praticou os factos que lhe são a si imputados, isto porque, 5. A Arguida tem bastante dificuldade na sua mobilidade. 6. Decorrente de um acidente de trabalho ocorrido no ano de 2014, tendo ficado com lesões na coluna vertebral, mais concretamente na L2 e L3. 7. Lesões essas que ainda persistem ao dia de hoje. 8. Foi igualmente submetida a uma intervenção cirúrgica ao seu joelho, onde lhe foi colocada uma prótese, porém, nunca recuperou totalmente. 9. Acresce ainda, o facto de a Arguida sofrer de atrozes nos dedos das mãos, e como é do conhecimento geral, os sintomas associados à referida doença, para além das dores constantes, é a mobilidade reduzida, inchaço e rigidez nas articulações. 10. Conforme relatórios médicos que se protestam juntar em 10 (dez) dias. 11. E como tal, todas estas lesões, não permitiam que a aqui Arguida tivesse a mobilidade e destreza física necessária para efetuar os alegados comportamentos descritos na acusação. 12. A Arguida é uma pessoa respeitável, inserida socialmente e querida por todos os que a rodeiam. 13. Nunca teve qualquer contacto com as autoridades nem com os tribunais, pautando a sua vida pelo respeito pelo próximo e não por conflitos e quezílias. 14. E em abono da verdade se diga que, foi o aqui Ofendido quem teve comportamentos incorretos para com a Arguida. 15. Tendo inclusivamente injuriado a Arguida com várias expressões impróprias. 16. Neste sentido, como se entende não haver lugar a responsabilidade penal, consequentemente não será imputável qualquer responsabilidade civil. TERMOS EM QUE e nos demais de direito deve a Arguida ser absolvida da prática do crime de dano de que vem acusada. II – DO ROL DE TESTEMUNHAS (a apresentar)(…)
Posto isto, apreciados os requerimentos cumpre desde logo referir que em matéria cível o recurso está dependente da alçada e da sucumbência. Daí resulta que não é admissível recurso na parte cível, quando o valor do pedido, não é superior à alçada do tribunal de que se recorre ou sendo o pedido superior, o decaimento não é desfavorável em valor superior a metade da alçada. Assim, atualmente, atento o valor da alçada do tribunal de 1ª instância, para haver recurso para a Relação na parte cível, o pedido terá de ser superior a 5,000,00€, o pedido neste autos não é superior a 3.000,00€, e o decaimento/sucumbência terá de ser superior a 2.500,00€. Como não se verifica o primeiro pressuposto, o recurso nesta parte não é legalmente admissível.
III. Decisão: Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar total provimento ao recursos interpostos pelos arguidos CC, BB e AA e em confirmar a sentença recorrida nos seus precisos termos. Custas crime por cada um dos recorrentes, fixando-se em 4 UC para a taxa de justiça (arts. 513.º, n.ºs 1 e 3, do CPPenal e 8.º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa). Custas do pedido cível a cargo exclusivo da recorrente AA artigo 4º, n.º 1, al. n) do RCP), com taxa de justiça que fixo em 1UC, calculada nos termos da tabela I-B do RCP (artigo 523º do CPP e artigo 527º do CPC)
Sumário da responsabilidade do relator. ………………………………………. ………………………………………. ……………………………………….
Porto, 22 de maio de 2024 (Texto elaborado e integralmente revisto pelo relator, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas eletrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página) Paulo Costa Castela Rio Maria Rosário Silva Martins _____________________________ [1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção. [2] Cf. acórdão do STJ de 28-06-2018, relatado por Souto de Moura no âmbito do Proc. n.º 687/13.4GBVLN.P1.S1 - 5.ª Secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Acórdãos/Sumários de Acórdãos). [3] Cf. acórdão do TRL de 01-06-2016, relatado por Albertina Pereira no âmbito do Proc. n.º 24 781/15.8T8LSB.L1-4, acessível in www.dgsi.pt. [4] Cf. acórdão do STJ de 15-01-2015, relatado por Helena Moniz no âmbito do Proc. n.º 92/14.5YFLSB, acessível in www.dgsi.pt. |