Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ISABEL PEIXOTO PEREIRA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA DENÚNCIA DOS DEFEITOS DEFEITOS APARENTES EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO | ||
| Nº do Documento: | RP2025111318936/23.9YIPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Existindo defeitos nitidamente aparentes na obra, assim problemas que uma mera inspecção visual simples permite detectar, sem que tenha resultado que a Ré, após a finalização da execução dos trabalhos pela A., denunciou tais desconformidades, estão precludidos os direitos de exigir a respectiva reparação como o de obstar ao pagamento do preço. II - A denúncia apenas produz efeitos em relação aos defeitos abrangidos pela mesma, não se estendendo aos demais que possam existir. III - Finalizadas as obras contratadas e invocadas, mesmo que anteriormente ao termo das obras, deficiências, pelo comitente, não tendo sido extinta a relação contratual, por resolução, afirma-se uma situação de cumprimento defeituoso e não de incumprimento definitivo da prestação, em virtude de a obra ter sido realizada, com deformidades e vícios, não correspondendo o cumprimento efectuado à conduta a cujo resultado o empreiteiro se achava obrigado. IV - Para que a excepção de não cumprimento possa ser eficazmente oposta, basta ao excipiente provar que houve incumprimento, que não se encontra em mora accipiendi e que exerceu (por qualquer meio, não necessariamente por via judicial) um dos direitos conferidos pela lei em virtude desse incumprimento. Não é, pois, obrigatória a dedução de pretensão reconvencional de eliminação de defeitos. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 18936/23.9YIPRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível da Maia - Juiz 3
Relatora: Isabel Peixoto Pereira 1º Adjunto: António Carneiro da Silva (em substituição) 2º Adjunto: Carlos Carvalho
I.
A..., LDA., com sede na Rua ..., ... Maia, apresentou requerimento de injunção contra B..., Unipessoal, Lda., com sede Rua ..., ..., ... Maia, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €22.371,28 e ainda os juros vincendos a partir de 24.02.23 à taxa comercial sobre cada uma das faturas no artigo 7.º da PI aperfeiçoada e até efetivo e integral pagamento. Tendo sido deduzida oposição, por força do valor, os autos passaram a seguir a forma de processo comum.
Reconduziu-se a Autora para fundamentar a sua pretensão à outorga e execução de uma empreitada de reabilitação/remodelação de um armazém, durante a qual foi emitindo as competentes faturas de acordo com a evolução dos trabalhos e com as medições feitas, sendo que a Autora não procedeu ao pagamento de várias facturas enviadas, sendo que ali incluídos trabalhos não previstos inicialmente, mas acordados e sempre retirados ou subtraídos trabalhos que a Ré veio a recusar.
A Ré contestou, impugnando parte dos factos alegados pela Autora, aduzindo que ao orçamento inicial de € 23.670,00 foram retirados os serviços correspondentes à escada metálica, no valor de € 3.980,00 e acrescentada a propriedade antifogo aos painéis sandwich, no montante de €720,00, pelo que o orçamento total e global para execução da obra adjudicada foi de € 20.410,00, a que deveria acrescer o I.V.A., à taxa legal em vigor, que equivale à quantia de € 25.104,30. Mais excepcionou que a obra apresenta desconformidades, posto que parte dos trabalhos não foram integralmente executados e outros foram executados com defeito, conforme descrito nos artigos 26 e 27 da oposição. Sempre se reconduz a facturação de valores contra o acordado e em excesso, concluindo pela improcedência da acção.
Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, a qual julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré B..., Unipessoal, Lda., do peticionado pela Autora A..., Lda.
É desta decisão que vem interposto o presente recurso pela Autora, mediante as seguintes conclusões: 1.ª O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida em 12/03/2025, com referência Citius 468579286, pelo Juízo Local Cível da Maia – J3, que julgou improcedente a ação, absolvendo a Ré do pedido deduzido contra si. 2.ª Entende a Recorrente que a sentença sob recurso padece dos seguintes vícios: d) nulidade, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC; e) erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto; f) erro de julgamento quanto às normas aplicáveis e à subsunção dos factos ao direito. 3.ª Do pedido formulado pela Autora/Apelada, o Tribunal a quo concluiu que nã o é devida a quantia de €22.371,28, mas antes de €3.161,76. Não obstante, julgou a ação improcedente. 4.ª Ora, decorrendo do pedido da Autora o pagamento de determinada quantia e entendendo o Tribunal ser devida uma quantia diferente da pedida, teria de julgar a ação parcialmente procedente, jamais improcedente. 5.ª Há, por isso, uma oposição entre os fundamentos e a decisão que determina a nulidade da sentença. 6.ª Tal nulidade mantém-se mesmo que se considere válida a procedência da exceção de não cumprimento arguida pela Ré/Apelada (erro de julgamento que se analisará adiante), uma vez que, tal exceção não exonera o pagamento, apenas o retarda para o momento em que a contraprestação se mostre concretizada. 7.ª Assim, a sentença sub judice é nula nos termos do art. 615.º, n.º 1 al. c) do CPC. 8.ª Já quanto à fixação da matéria de facto, a Apelante entende que, da prova documental junta aos autos, bem assim da produzida em sede de audiência de julgamento, impunha-se ao Tribunal a quo decisão diferente. 9.ª Assim: -> os factos 12., 13., 14., 15., 19., 21. que foram julgados como provados, deveriam ter sido julgados não provados ou ter redação diferente; -> Os factos g), j) e m) da matéria de facto não provada, deveriam ser julgados como provados; -> Deveriam ser aditados factos à matéria de facto dada como provada, os quais se identificarão de 23 a 26. 10.ª Relativamente aos factos provados 12 e 13 e não provados j), o Tribunal a quo não tomou em correta consideração a prova documental junta aos autos que permite, de forma clara e inequívoca, julgar pela existência do orçamento n.º ..., de €22.490,00 + IVA, num total de €27.662,70, fruto das alterações solicitadas pela Ré ao orçamento inicial de €23.670,00+IVA. 11.ª Na realidade, podemos conjugar o depoimento de parte do legal representante da Autora, que, como se diz na sentença recorrida, “admitiu como verdadeira a matéria dos pontos 10. a 12., embora com a ressalva, que abordaremos adiante, de que após o primeiro orçamento teria sido emitido um segundo, datado de 11/04/2022, que teria sido aceite pela ré.”, com os seguintes documentos juntos aos autos: Doc. 1 junto com o requerimento de 11/09/2023, com referência Citius 36608285, e Doc. 4 junto com o requerimento de 11/09/2023 com referência Citius 36608286, Doc. 4, 5 e 6 juntos com a contestação de 17/05/2023, referência Citius 35656315 e, ainda, o depoimento de parte do legal representante da Ré de 10:18 a 12:03, do min. 56:00 a 01:17:00. 12.ª Conjugada a prova acima referida, temos de concluir que os factos 12 e 13 terão de ser julgados como não provados e o facto j) como provado. 13.ª Quanto aos Factos provados 14 e 15 e não provados g), existe prova documental que permite concluir de forma diferente daquela que o Tribunal a quo decidiu, especificamente: Doc. 4 junto com o requerimento de 11/09/2023 com referência Citius 36608286; Doc. 7 do requerimento de 11/09/2023, com referência Citius 36608286, Doc. 27 do requerimento de 05/05/2023, com referência Citius 35544195 e Doc. 6 do requerimento de 12/09/2023, com referência Citius 36613401, os quais, associados, conjugados com o facto dado como provado 4, no sentido de que a Ré sempre acompanhou a obra levada a cabo pela Ré, é evidente que, em 12/12/2022 a obra foi dada como concluída e nenhuma reclamação existe após essa data por parte da Ré relativamente a defeitos ou trabalhos não executados (com exceção do portão, cuja não execução se deve única e exclusivamente a desistência da Ré). 14.ª Da conjugação da prova acima, mostra-se inequivocamente claro que, aquando da conclusão da obra – 12/12/2022 – a Ré tinha como resolvidas todas as situações que havia relatado na comunicação de 23/09/2022. 15.ª E mais, após a conclusão da obra – 12/12/2022 – não existe qualquer prova nos autos de que os trabalhos descritos em 14 e 15 não tivessem sido realizados (com exceção, como se disse, do portão) ou que tivesse existido denúncia de defeitos quanto aos mesmos e consequente pedido de reparação. 16.ª Assim, tais factos têm de ser dados como não provados e, em consequência, o facto g) deve ser julgado como provado. 17.ª No que Facto provado 19 concerne, ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, a remoção da cobertura em chapa não se encontrava incluída no orçamento, sendo, por isso, um trabalho realizado cujo valor está para além do orçamentado (Doc. 1 do requerimento de 11/09/2023, com referência Citius 36608285, bem assim o depoimento de parte do legal representante da Ré relativamente a tal matéria - depoimento de 10:18 a 12:03, do min. 56:00 a 01:17:00). 18.ª Analisado o histórico de comunicações trocadas entre as partes, pode ver-se que, em comunicação de 24/03/2022 o legal representante da Ré expressamente questiona se o valor da remoção da cobertura está incluída no orçamento e, por comunicação do mesmo dia lhe é respondido que “Temos de ajustar um valor para remoção da cobertura existente.” 19.ª Tal troca de correspondência eletrónica, que foi confirmada pelo legal representante da Ré, evidencia os termos da negociação do orçamento e espelha o que as partes quiseram ou não incluir no mesmo. 20.ª Não é, pois, verdade que a remoção da cobertura existente estivesse incluída no orçamento, o que, determina que o facto 19 tenha de ser julgado provado com a seguinte redação: Quanto à factura ..., emitida em 13.12.2022, relativa a “Desmontagem de cobertura e remoção cobertura em chapa”, no montante de € 5.501,88, a cobertura antiga estava dividida em duas partes, uma continha amianto e outra não, e no que respeita à área que continha amianto a cobertura foi retirada por uma empresa especializada nesse tipo de trabalho, além de que quanto à parte restante ficou acordado que a remoção seria realizada pela Autora e não estaria englobada no orçamento. 21.ª Quanto ao Facto provado 21, constam documentos que permitem atestar que na data indicada no facto 21 – 30/11/2022- a Ré confirmou a inexistência de entrada de água no local da empreitada (comunicações de 29/11/2022 e 30/11/2022 - Doc. 7 do requerimento de 11/09/2023, com referência Citius 36608286 a Ré vem afirmar a inexistência de entrada de pingas de água no armazém e Doc. 27 do requerimento de 05/05/2023, com referência Citius 35544195 onde veio o legal representante da Ré dizer que “finalmente já não foi detetado de forma visível chuva e água dentro do armazém, mas apenas vamos dar como concluídos os trabalhos, quando a obra for limpa e recolhido por vocês todos os resíduos e restos de obra dos vossos trabalhos.” 22.ª Assim, o facto 21 deveria ter a seguinte redação: O legal representante da Ré informou em 30-11-2022 que não pingava nem foi detetado de forma visível chuva e água dentro do armazém. 23.ª A Apelante entende que deveriam ser inseridos os seguintes factos na matéria dada como provada: 23. Por comunicação de correio eletrónico de 30/11/2022 o legal representante da Ré afirma que “finalmente já não foi detetado de forma visível chuva e água dentro do armazém, mas apenas vamos dar como concluídos os trabalhos, quando a obra for limpa e recolhido por vocês todos os resíduos e restos de obra dos vossos trabalhos.” 24. Por comunicação eletrónica de 12/12/2022 o legal representante da Ré confirmou o levantamento dos materiais do local. 25. Por comunicação eletrónica de 12/12/2022 o legal represente da Autora comunicou que os trabalhos foram dados como terminados. 26. A Ré recebeu e não devolveu as faturas identificadas em 5. da matéria dada como provada. 24.ª Relativamente aos factos de 23 a 25, os mesmos mostram-se provados pela análise da prova documental junta aos autos, especificamente: - Doc. 27 do requerimento de 05/05/2023, com referência Citius 35544195; - Doc. 6 do requerimento de 12/09/2023, com referência Citius 36613401. 25.ª Quanto ao facto 26, o mesmo mostra-se provado pelo depoimento de parte do legal representante da Ré (depoimento de 10:18 a 12:03, do min. 07:00 a 10:48). 26.ª O Tribunal a quo veio a julgar a ação improcedente, apesar de considerar que, atenta a factualidade que deu como provada, a Ré devia à Autora a quantia de €3.161,76. 27.ª Mais julgou procedente a exceção de não cumprimento, por, no seu entender, terem sido denunciados pela Ré à Autora defeitos na obra. 28.ª A Apelante concorda com o enquadramento jurídico que a sentença recorrida adota, quanto à existência de um contrato de empreitada celebrado entre as partes. 29.ª Concorda igualmente que de tal contrato emergem obrigações para ambas as partes. 30.ª Todavia, mesmo com a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo, e com a qual a Apelante não concordou, jamais poderia a sentença ter julgado procedente a exceção de não cumprimento arguida pela Ré. 31.ª Ora, a exceção de não cumprimento do contrato (cf. art. 428.º do CC) é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua contraprestação. 32.ª A dita exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados. 33.ª No caso em apreço, existem trabalhos cuja realização foram solicitados pela Ré à Autora, ainda antes da conclusão da obra, e que pela mesma foram pontualmente realizados, inexistindo qualquer denúncia de defeitos após a conclusão da obra – 12/12/2022, bem como o respetivo pedido para que os mesmos sejam eliminados. 34.ª Ora, ao contrário do que se conclui na sentença recorrida, não se mostram verificados os requisitos para a procedência da exceção de não cumprimento. 35.ª Acresce que, no caso em apreço, a consequência da procedência da exceção de não cumprimento, sempre seria a condenação da Autora na reparação dos alegados defeitos que segundo o Tribunal a quo foram denunciados. 36.ª Contudo, não tendo sido pedida, em sede reconvencional, a condenação da Autora em tais reparações, jamais poderia julgar-se como provada a exceção de não cumprimento. 37.ª Ademais, diga-se que, no contrato de empreitada, o cumprimento defeituoso funda-se no princípio de que o empreiteiro está adstrito a uma obrigação de resultado, estando obrigado a realizar a “obra” conforme o acordado e segundo os usos e regras de arte. 38.ª Ora, uma eventual execução defeituosa da obra, presumir-se-ia imputável ao devedor (neste caso a A.), nos termos do art. 799º do CC, se não tivéssemos, no contrato em apreço, norma especial que afasta tal regime. 39.ª Com efeito, nos termos do art. 1219.º do mesmo diploma, a Autora não responde pelos defeitos da obra executada se o dono da mesma, a Ré, a aceitou sem reserva, com conhecimento deles, sendo certo que se presumem conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido aceitação da obra. 40.ª Assim, perante a execução de obra defeituosa, e demonstrados que fossem tais defeitos (que não foram), resulta da conjugação do regime legal aplicável que a lei concede ao dono da obra cinco meios jurídicos para satisfação dos seus interesses: a resolução do contrato, a redução do preço, a eliminação dos defeitos, a substituição da coisa e o direito à indemnização. 41.ª No sistema jurídico português há uma espécie de sequência lógica: em primeiro lugar, o empreiteiro está adstrito a eliminar os defeitos ou a substituir a prestação; frustrando-se estas pretensões, pode ser exigida a redução do preço ou a resolução do contrato - art. 1222.º, n.º1, do CC. 42.ª O exercício destes direitos não exclui o de ser indemnizado nos termos gerais, pelos prejuízos complementares (art. 1223.º do CC), mas este não é um direito alternativo daqueles e pressupõe a constituição do empreiteiro em mora na eliminação dos defeitos. 43.ª No caso dos autos, a obra foi aceite e tida como concluída em 12/12/2022, inexistindo qualquer denúncia de defeitos e pedido de eliminação dos mesmos à Autora. 44.ª Entendendo a Ré que se verificava uma execução defeituosa da obra objeto do contrato, a lei impunha à Ré que solicitasse à Autora a sua reparação ou que executasse nova obra, o que não sucedeu, 45.ª Pelo que, jamais poderia ter-se por procedente a exceção de não cumprimento. 46.ª Acresce que, atenta a impugnação da matéria de facto acima enunciada, sempre seria de julgar a ação parcialmente procedente e condenar a Ré no pagamento da quantia de €13.937,47. 47.ª Isto porque, da factualidade acima relatada, temos que, pelos trabalhos solicitados à Autora, a Ré deveria ter pagado à Autora a quantia global de €39.350,01 (€27.662,70+€3.075,00+€1.845,00+6.767,31). 48.ª Todavia, “A Ré pagou à Autora as faturas n.º FA ..., FA ..., FA ... e FA ..., no valor total de €25.412,54.” – facto 6. 49.ª Quer isto dizer que, na verdade, a Ré ainda deve à Autora a quantia de €13.937,47 (€39.350,01- €25.412,54). 50.ª Tal valor é inequivocamente devido, considerando a subsunção dos factos ao direito, pelo que, se impõe a alteração da sentença recorrida, também, neste circunspeto. Conclui pela anulação da sentença recorrida, DEVENDO SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE, JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO, CONDENE A RÉ NO PAGAMENTO DA QUANTIA DE €13.937,47, ACRESCIDA DE JUROS DE MORA À TAXA LEGAL SUPLETIVA PARA AS DÍVIDAS COMERCIAIS, TUDO COM AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS DEVIDAS, COM O QUE SE FARÁ INTEIRA JUSTIÇA.
Respondeu a Recorrida, pugnado pela improcedência do recurso, nos termos que sinteticamente se apresentam: - não se vislumbram razões — muito menos as que são apontadas pela recorrente — que levem a concluir pela existência de incorrecções de julgamento em concretos pontos de facto ou de provas susceptíveis de impor decisão diversa da decisão recorrida, sendo certo que esta não violou quaisquer disposições legais, pois que do teor conjugado da prova testemunha e documental, a situação fáctica sub judice subsume-se inequivocamente à fundamentação de direito plasmada na sentença recorrida; - inexiste qualquer nulidade por contradição; - sempre inadmissível a apreciação da impugnação da matéria de facto por incumprimento do artigo 640.º, n.º 1, al. b) do código de processo civil; - insubsistente a argumentação recursiva quanto ao erro no julgamento da matéria de facto, bem como quanto à decisão jurídica. Conclui pela manutenção na íntegra da decisão recorrida.
II. São as seguintes as questões a decidir no recurso: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Foram os seguintes os factos provados na sentença recorrida: 1. A Autora é uma sociedade comercial que tem por objeto, entre outros, a construção e produção de estruturas metálicas, montagem e assemblagem de edifícios e estruturas diversas, 2. No exercício da sua atividade, a Autora, a solicitação e no interesse da Ré, realizou a empreitada de reabilitação/remodelação de um armazém sito na Rua ..., ... Maia, no concelho da Maia. 3. No âmbito da referida empreitada, foi, além do mais, realizada a substituição de toda a cobertura do armazém e da estrutura de suporte da mesma, intervencionada a fachada e fornecidos e instalados equipamentos e estruturas metálicas. 4. A Ré acompanhou sempre o evoluir da obra levada a cabo pela Autora. 5. A Autora emitiu e enviou à Ré as seguintes faturas: - Fatura n.º ..., que se junta como doc. n.º 2, emitida em 21.03.2022, no valor de € 12.552,15; - Fatura n.º ..., que se junta como doc. n.º 3, emitida em 11.04.2022, no valor de € 1.279,20; - Fatura n.º ..., que se junta como doc. n.º 4, emitida em 26.05.2022, no valor de € 8.506,29; - Fatura n.º ..., que se junta como doc. n.º 5, emitida em 02.06.2022, no valor de € 3.075,00; - Fatura ..., que se junta como doc. n.º 6, emitida em 02.09.2022, no valor de € 6.604,25; - Fatura ..., que se junta como doc. n.º 7, emitida em 10.11.2022, no valor de €4.849, 56; - Fatura ..., que se junta como doc. n.º 8, emitida em 11.11.2022, no valor de €1.746,16; - Fatura ..., que se junta como doc. n.º 9, emitida em 13.12.2022, no valor de € 6.767,31; e - Fatura ..., que se junta como doc. n.º 10, emitida em 20.12.2022, no valor de € 1.771,20. 6. A Ré pagou à Autora as faturas n.º FA ..., FA ..., FA ... e FA ..., no valor total de €25.412,54. 7. A Autora, a solicitação da Ré, forneceu e instalou janelas no armazém, forneceu e instalou uma escada metálica no armazém identificado, à qual foi adicionado um patamar de aumento, fabricado, fornecido e aplicado pela Autora. 8. A Autora realizou a montagem do patamar de aumento da escada e montagem das vigas de suporte para esse aumento. 9. A Ré pediu cotação para trabalhos de requalificação da pala, material e desmontagem da estrutura existente, mas veio a declinar o valor orçamentado pela Autora que ascendia a €395,00 mais IVA. 10. No seguimento das conversas e das reuniões entre os legais representantes da Autora e Ré, esta enviou à A., no dia 17 de Março de 2022, um e-mail, com os projetos de levantamento topográfico do armazém em causa. 11. Em função dos projectos entregues à A., esta realizou um orçamento para a obra, com o valor total e global de € 23.670,00 (vinte e três mil seiscentos e setenta euros). 12. Entretanto foram realizadas novas reuniões e visitas ao local e decidiu-se, dos trabalhos inicialmente previstos, retirar a escada metálica, no valor de € 3.980,00 e acrescentou-se uma propriedade anti-fogo ao painel sandwich de 40mm (acréscimo de 1,8€/m2), pelo que o painel passou a custar mais € 720,00. 13. Estas alterações foram conversadas, negociadas e aceites pelas partes, tendo a obra sido adjudicada pela R. à A. pelo valor de €20.410,00, o que equivale à quantia de € 25.104,30 (vinte e cinco mil cento e quatro euros e trinta cêntimos), já com o correspondente IVA incluído. 14. Dos trabalhos adjudicados e pagos, a Autora deixou por concluir: - O portão (porta de mecanismo normal, folha chapeada), também ele contratado, orçamentado e pago – não foi instalado, e corresponde ao valor de € 1.450,00; - Os plásticos dos painéis colocados em obra não foram retirados, o que causa o seu apodrecimento; - Não limparam o lixo da obra; - Não foram colocados os caleiros de escoamento de águas pluviais nas laterais do armazém. 15. A obra foi executada com as seguintes desconformidades: - Infiltrações e entradas de água no armazém; - Apoios por soldar; - Chapa não apertada; - Estrutura de ferro da cobertura não soldada; - Estrutura de ferro da cobertura suspensa e não segura; - Utilização de ferro velho e ferrujento; - Rufos não apoiados na estrutura de ferro; - Vedações feitas com cola e veda; - Viga por soldar e não apoiada; - Viga sem apoio; - Viga mestra de suporte da cobertura torta. 16. Quanto à factura ..., emitida em 02.09.2022, referente à “fabricação estrutura cobertura treliça” e “ossatura em réguas” no montante de € 5.369,31, tal serviço já estava incluído do orçamento adjudicado. 17. Quanto à factura ... o “Perfil de fachada chapa lacada”, no montante de € 906,50 e o “Perfil de painel de cobertura”, no montante de € 1202,63 já estavam incluídos no orçamento adjudicado. 18. Quanto à escada metálica foi acordado entre A. e a R., que o valor de € 1.500,00, acrescido de IVA, englobaria a totalidade dos trabalhos relativos ao fornecimento, execução e instalação da escada. 19. Quanto à factura ..., emitida em 13.12.2022, relativa a “Desmontagem de cobertura e remoção cobertura em chapa”, no montante de € 5.501,88, a cobertura antiga estava dividida em duas partes, uma continha amianto e outra não, e no que respeita à área que continha amianto a cobertura foi retirada por uma empresa especializada nesse tipo de trabalho, além de que quanto à parte restante ficou acordado que a remoção estaria englobada no orçamento. 20. Em 27 de maio de 2022, a Ré pediu orçamento para “fornecimento e colocação de janelas na fachada principal com estrutura de armação pré-aros e de chapa de revestimento e remates.”, foi enviado o orçamento ..., no montante de €2.833,60+IVA e após negociação do desconto a ser considerado, a Autora emitiu a fatura ..., em 02/06/2022, no montante de €3.075,00 (€2.500,00+IVA). 21. O legal representante da Ré informou em 30-11-2022 que não pingava água no armazém. 22. Por comunicação electrónica de 23-09-2023 o legal representante da Ré comunicou ao legal representante da Autora que faltava colocar rufos e chapas na frente, faltava colocar caleiras laterais para parar de chover dentro do armazém e faltava o corte de asna.
Já os Factos Não Provados foram os seguintes: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Assim, adita-se à matéria de facto assente, sob 23, com a justificação probatória já adiantada[1], o seguinte: Antes do envio da comunicação referida no número que antecede, a Ré, por diversas vezes e ainda durante a execução pela Autora dos trabalhos reclamou junto daquela, ao menos, da entrada de água (infiltrações) no armazém, reconduzindo-se à falta de estanquicidade da obra, solicitando a solução do problema. Bem assim solicitou a retirada de “escombros/lixo” da obra. Na sequência, a Autora realizou alguns trabalhos de retirada de lixo e bem assim outros para impedir/resolver a entrada de água no pavilhão/estrutura, que não resolveram o problema[2].] Retomado agora o excurso que se prende com o objecto da impugnação da matéria de facto pela A., dizer, em conclusão, que os meios de prova convocados nas alegações de recurso, na medida em que, a um tempo, se constituem eles mesmos como insusceptíveis de se reconduzir à prova directa e imediata dos factos pretendidos, prescindindo já da totalidade dos demais meios de prova oportunamente citados/analisados e ponderados na decisão recorrida, ausente outrossim a corroboração periférica dos factos a cuja prova os reconduzia (atomisticamente) a Autora, pela confirmação por outros meios de prova e obnubilando o imprescindível confronto com outra prova de sentido contrário, devidamente elencada, não são minimamente susceptíveis de infirmar a concatenação dos meios de prova convocados na decisão recorrida. Por isso que improcedente, totalmente, a argumentação recursiva no que importa ao erro de julgamento da matéria de facto, mantendo-se nessa parte na íntegra a decisão recorrida, tanto mais que, ouvida a prova produzida em audiência e analisada e pericial e documental, a mesma não determina outro resultado diferente. Sem fundamento bem assim a pretensão de aditamento dos factos como pretendida pela Recorrente. Não estão em causa, desde logo, factos juridicamente relevantes, para além ou para lá da aquisição da existência mesma de comunicações entre as partes com certo teor. Ora estas, ressalvadas situações de confissão (hipótese que se não vislumbra quanto aos termos daquelas cujo aditamento vem pedido, tanto mais que em causa uma “leitura” ou “interpretação” subjectiva e interessada pela Recorrente, sem correspondência real à admissão clara e inequívoca de facto desfavorável perante a contraparte) constituem-se apenas e só como meios de prova de factos, no caso, meio de prova de uma verificação/aceitação da obra pela Ré… Os meios de prova, em boa técnica, não se levam à matéria provada ou não provada, antes o facto que demonstram, com o que desde logo ausente fundamento para o aditamento, como tal. Acresce que sempre as declarações/comunicações cujo teor se pretende seja reproduzido não têm também o relevo ou significado probatório pretendido, na medida da inconcludência a se à aquisição da realização da totalidade dos trabalhos de limpeza e da reparação pela Autora dos problemas de infiltrações existentes, como à aceitação da obra sem reservas pela Ré e da insuficiência à infirmação da realidade adquirida pela totalidade da prova já referida/analisada. Na medida da improcedência do recurso no que tange à matéria de facto quanto ao valor acordado para a obra executada e quanto ao fundamento para a exigência do preço de parte dos trabalhos reclamados por via das facturas sob a alínea f) dos factos não provados, não se antolhe fundamento para considerar outro e maior crédito da Autora sobre a Ré… A soma, pois, do preço dos trabalhos acordados e executados, com a ressalva infra, ascende a €30.024,30. Na medida em que se demonstrou que a Autora não colocou o portão (porta de mecanismo normal, folha chapeada), também ele contratado, orçamentado e que corresponde ao valor de € 1.450,00, deve aquele ser abatido, obtendo-se consequentemente uma diferença de €3.161,76, parte do preço da obra não liquidado[3], visto outrossim o que resultou quanto aos valores efectivamente pagos pela A. No mais, é pacífico que entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de empreitada, instituto jurídico regulado nos artigos 1207.º e seguintes do Código Civil. De acordo com o disposto no artigo 1207.º do referido diploma legal, “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço”. No âmbito desse vínculo obrigacional, incumbe ao empreiteiro a realização da obra objeto do contrato em conformidade com o que foi convencionado, e isenta de vícios que diminuam o seu valor ou comprometam a sua aptidão para o uso normal ou aquele especialmente acordado pelas partes – cfr. artigo 1208.º do Código Civil. A atuação das partes no cumprimento das obrigações emergentes do contrato deve pautar-se pelos princípios da boa-fé e da confiança, nos termos do artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil. Acresce que, conforme preceitua o artigo 406.º do mesmo Código, os contratos devem ser pontualmente cumpridos. A principal obrigação do dono da obra consubstancia-se na entrega do preço convencionado, sendo este, aliás, um dos elementos essenciais do contrato de empreitada, na medida em que, na sua ausência, estaríamos perante uma prestação de serviços de caráter gratuito, e não uma empreitada stricto sensu. No caso sub judice, e conforme decorre do exposto, a Autora veio peticionar o cumprimento da obrigação pecuniária correspondente ao preço convencionado (cfr. artigo 817.º do Código Civil e artigo 10.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Civil), alegando que a Ré não procedeu voluntariamente ao adimplemento dessa obrigação. Em oposição, a Ré invoca a exceção de não cumprimento da obrigação a que ela própria se encontra adstrita, escudando-se no alegado incumprimento, por parte da Autora, da obrigação que sobre esta recaía, ou seja, a realização da obra nos moldes acordados e isenta de defeitos, invocando, assim, o disposto no artigo 428.º do Código Civil. Cumpre recordar que a empreitada é, por natureza, um contrato sinalagmático, do qual emergem obrigações recíprocas para ambas as partes: a do empreiteiro de realizar a obra e a do dono da obra de pagar o preço convencionado. Essas obrigações encontram-se unidas por um nexo de interdependência causal que se manifesta em dois momentos distintos da vida contratual: no plano da formação (sinalagma genético) e da execução (sinalagma funcional). Assim, tais obrigações — de realizar uma obra e de pagar o preço — surgem numa relação de dependência entre si, quer no momento da constituição do contrato (em que a assunção por cada uma das partes das suas obrigações é causa da assunção das obrigações da contraparte: sinalagma genético), quer durante a respetiva execução, até ao cumprimento integral (sinalagma funcional, que permite, designadamente, a invocação da exceptio non rite adimpleti contractus em caso de não cumprimento). O sinalagma a que se faz referência traduz a lógica de correspectividade que caracteriza os contratos bilaterais, como é o caso paradigmático da empreitada, estabelecendo uma interdependência entre a prestação e a contraprestação. O denominado sinalagma genético reporta-se ao momento da formação do contrato, exprimindo a relação causal entre as obrigações recíprocas assumidas pelas partes. Já o sinalagma funcional refere-se à interdependência entre as prestações na fase de execução do contrato, significando que, uma vez nascidas de forma recíproca, as obrigações devem manter essa vinculação até à respetiva extinção, via de regra, pelo cumprimento. A ausência de correspectividade na fase de execução, a quebra dessa relação justifica a atribuição à parte lesada dos instrumentos jurídicos adequados à preservação ou restabelecimento do equilíbrio contratual, nomeadamente através da excepção de não cumprimento ou da resolução contratual por incumprimento. Estas soluções jurídicas assentam, fundamentalmente, em razões de equidade e de justiça comutativa. A admissibilidade da exceção de não cumprimento e da resolução não se funda na mera vontade das partes, mas sim na tutela objetiva do princípio da interdependência das obrigações sinalagmáticas, que impõe o dever de cumprimento simultâneo das mesmas, em consonância com os princípios da boa-fé, da justiça contratual e da segurança jurídica. O contrato sinalagmático deve, pois, espelhar uma realidade contratual justa, o que implica o respeito pela interdependência das prestações que dele emergem. Se, perante o incumprimento de uma das obrigações, a outra parte pudesse ser compelida a cumprir a sua prestação, sem que o desequilíbrio fosse sanado, o contrato deixaria de ser expressão da justiça comutativa, convertendo-se num instrumento de iniquidade. Daqui decorre que o princípio da interdependência das obrigações sinalagmáticas possui um fundamento objetivo e consubstancia uma exigência de justiça e boa-fé nas relações negociais. Um dos mecanismos que permite assegurar a manutenção desse equilíbrio é, precisamente, a excepção de não cumprimento, a qual constitui um “meio de manter a unidade ou interdependência funcional das obrigações sinalagmáticas, com o fim de alcançar a execução do contrato…”[4]. Cabe agora, vistas as conclusões do recurso, no que interessa já à decidida na sentença recorrida operância da excepção de não cumprimento do contrato, afrontar também as seguintes questões: - a da caracterização da aceitação da obra sem reservas; - a da insusceptibilidade de invocação da exceptio por não ter a Ré deduzido pedido reconvencional de reparação dos vícios ou desconformidades[5] da execução da obra; - a do efeito da excepção, no caso de se entender invocável. Antecipe-se que o regime legal a atender vem a sê-lo o regime geral do CC, por não estar em causa um contrato celebrado com consumidor, com o que fora do âmbito de aplicação do regime especial da empreitada de bens de consumo. Segundo o n.º 2 do art. 1209.º do CC, a fiscalização efetuada pelo dono da obra, ou por comissário deste, não livra o empreiteiro da responsabilidade pelos defeitos da obra, podendo o comitente continuar a fazer valer os seus direitos contra o empreiteiro. Resulta daqui que os direitos do comitente não findam, mesmo que os vícios sejam aparentes ou de notória má execução por parte do empreiteiro, excepto no caso de concordância expressa com a obra defeituosamente executada. Assim sendo, quando o dono da obra, no uso do seu direito de fiscalização, se aperceba de um defeito, pode, após a verificação, recusar a aceitação da obra, ou aceitá-la com reserva e exigir qualquer dos direitos previstos nos arts. 1221.º e ss do CC. Não existe, pois, em princípio e sem prejuízo de situações “limite” implicadas pelo princípio da boa fé (sempre não invocadas na situação decidenda), uma obrigação de o dono da obra denunciar e exigir ao empreiteiro a correcção de defeitos ou vícios ao longo da/durante a execução da obra, sob pena de preclusão… De todo o modo, o art. 1219º, nº1 do CC estabelece que o empreiteiro não é responsável por quaisquer defeitos existentes na obra, se o dono da obra procedeu à sua aceitação sem reserva, mas com conhecimento da sua existência. Assim, se o dono da obra, mesmo que proceda à aceitação da construção, tiver denunciado ao empreiteiro os defeitos existentes com o intuito de este os eliminar, reduzir o valor da empreitada ou obter uma indemnização, o construtor não se exonera de responsabilidade. A denúncia dos defeitos, mesmo no acto de aceitação, é válida ainda que o comitente tenha realizado regulares fiscalizações no decurso de execução da obra, sendo já então os vícios aparentes ou notória a má execução do contrato (art. 1209.º, n.º 2, do CC). Neste sentido, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Coimbra, 2001, nº 35. A declaração de denúncia é válida independentemente da forma que revestir (art. 219.º do CC) e para ser eficaz basta que chegue ao poder do empreiteiro, ou que seja dele conhecida (art. 224.º, n.º 1, do CC) ou que por sua culpa não seja oportunamente recebida (art. 224.º, n.º 2, do CC). Na denúncia têm de se indicar os defeitos concretos de que a obra padece, mas não se torna necessário especificar qual dos direitos conferidos nos arts. 1221.º e ss. do CC se pretende exercer. A opção entre a eliminação dos defeitos, a construção de obra nova, a redução do preço e a resolução do contrato, bem como o pedido de indemnização, pode ser exercida posteriormente, tendo em conta as circunstâncias do caso. A denúncia constitui mera condição de que depende o exercício dos direitos do dono da obra estabelecidos nos arts. 1221.º e ss. do CC; como mera condição, ela pressupõe o exercício posterior desses direitos. Se a obra não é aceita em razão dos defeitos, ou se os mesmos são denunciados atempadamente, a prestação não se considera plenamente realizada. Por outro lado, como é sabido, depois de concluída a obra, o empreiteiro deve avisar o dono de que ela está em condições de ser verificada, devendo este proceder a essa verificação, nos termos do disposto no art. 1218º CC. «A verificação do n.º 1 tem por finalidade permitir ao dono da obra assegurar-se pessoalmente de que esta foi executada nas condições convencionadas e sem vícios» - Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., p. 814. Mas esta verificação é obrigatória e a sua falta equivale à aceitação da obra sem reserva (art. 1218º, n.º 5). Por isso se diz que a verificação é, por um lado, um direito e, por outro lado, um ónus do dono da obra. A verificação ou vistoria configura-se, em simultâneo, como um direito do dono da obra — ao facultar-lhe a possibilidade de confirmar se a execução corresponde ao acordado — e como um ónus que sobre ele recai, na medida em que a sua omissão implica a aceitação da obra sem reservas, consubstanciando uma presunção legal absoluta de aceitação. Tal presunção não se fundamenta numa presunção da vontade do dono da obra em aceitar o resultado, mas antes numa sanção decorrente da inércia injustificada, não obstante ter-lhe sido concedida a oportunidade de manifestar a sua vontade, conformemente ao previsto no artigo 1218.º, n.º 5, do Código Civil. Trata-se, pois, de uma renúncia abdicativa legalmente presumida, cuja finalidade é proteger o empreiteiro de eventuais prejuízos decorrentes da indefinição do comitente[6]. Na falta de caracterização de uma vistoria, o mero silêncio do comitente não pode valer como uma aceitação tácita da obra. Essa conclusão deverá sempre ser ponderada à luz das circunstâncias específicas do caso concreto, de modo a aferir se a conduta do dono da obra se traduz, de facto, numa aceitação implícita[7]. Seria, por isso, ilógico considerar inválida a denúncia de defeitos apenas por não ter sido antecedida por uma vistoria formal, concluindo-se, de forma absoluta, pela aceitação sem reservas da obra. Com efeito, o único silêncio do dono da obra ao qual a lei atribui um valor jurídico ficcionado diz respeito à ausência de qualquer manifestação sobre a aceitação ou rejeição da obra, independentemente da realização ou não de exame prévio, presumindo-se, nessa hipótese, a intenção de a aceitar. Em suma, a omissão da verificação ou vistoria apenas conduz à aceitação presumida da obra quando cumulativamente se verifique a ausência de qualquer comunicação dirigida ao empreiteiro que revele a existência de defeitos ou exprima a vontade de rejeitar a obra, ou de aceitá-la com reservas. Se o dono da obra se limitar a comunicar que esta não apresenta vícios, tem-se a obra como aceita sem reserva, desresponsabilizando-se o empreiteiro pelos vícios de que ela padeça (1219º, n.º 1). No entanto, se a obra padecer de vícios ocultos nos termos supra descritos, que naturalmente não serão comunicados, e sendo a obra aceita, não ficarão precludidos os direitos do dono da obra (art. 1219º, n.º 1, a contrario, e 1220º). Existindo defeitos aparentes, a sua comunicação ao empreiteiro equivale a denúncia (que também não está sujeita a qualquer forma especial, submetendo-se às regras gerais dos arts. 217º ss.), tendo-se a obra como não aceita ou aceita sob reserva (neste último caso o dono da obra aceita-a mas não prescinde dos direitos que lhe são conferidos pelos arts. 1221º ss.). Cfr. Pedro Romano Martinez, ob. cit.. p. 152 e 156 e Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., p. 815 e 818. Refira-se que a comunicação (simples declaração de ciência) não se confunde com a aceitação. «Esta corresponde a um acto de vontade pelo qual o comitente declara que a obra foi realizada a seu contento, ao mesmo tempo que reconhece a obrigação de a receber e de pagar o preço» - Pedro Romano Martinez, ob. cit., p. 153. Também a aceitação pode ser expressa ou tácita (art. 217º), sendo, nos casos já aludidos, presumida pela lei. Será tácita a aceitação, verbi gratia, quando o dono da obra procede à sua recepção material, sem reclamação. Inexistindo aceitação da obra, se houver comunicação dos defeitos ou se estes foram denunciados, atempadamente, o que equivale a recusa, a prestação do empreiteiro não se considera, plenamente, realizada, sendo certo que, nesta hipótese, o comitente só é obrigado a aceitá-la, depois de a mesma se encontrar concluída, e desde que tivesse sido executada, sem efeitos e nos termos acordados. A comunicação consiste numa declaração, mediante a qual o dono da obra transmite ao empreiteiro os resultados da sua verificação, sendo certo que quando nela se indicam os defeitos concretos de que a obra padece, o comitente está a proceder a uma denúncia, devendo, então, a obra considerar-se como não aceita, salvo indicação em contrário. A aceitação não deve confundir-se outrossim com a entrega material da obra, porque importa a declaração negocial do comitente de que a obra foi efectuada, nos termos contratuais, a seu contento, correspondendo, simultaneamente, à entrega material, acrescida do reconhecimento de que a obra foi realizada, nos termos acordados. Da pura entrega material da coisa, sem ter sido, previamente, verificada ou vistoriada, não se pode concluir ter a obra sido concluída sem defeito, porquanto ela não representa uma declaração de execução tácita, conforme ao contrato, no que respeita à inexistência de vícios. Ora, à luz do regime assim sumariamente elencado, uma leitura dos factos provados quanto aos vícios ou problemas da obra e quanto à denúncia pela Ré, à luz bem assim de considerações de boa fé no cumprimento dos contratos, mormente no que importa ao prazo razoável para a verificação pelo dono da obra e comunicação dos vícios ou defeitos, evidencia que: Há defeitos nitidamente aparentes na obra (conforme de resto elucidativas fotografias juntas pela Ré na sua contestação), que não provou a Ré terem sido oportunamente denunciados. Assim, manifestamente, os apoios por soldar; chapa não apertada; estrutura de ferro da cobertura não soldada; utilização de ferro velho e ferrujento; rufos não apoiados na estrutura de ferro; viga por soldar e não apoiada; viga mestra de suporte da cobertura torta… Tudo isto são problemas que uma mera inspecção visual simples evidencia (novamente as fotos juntas o atestam), sem que tenha resultado que a Ré, ao menos após a finalização da execução dos trabalhos pela A., tendo-se por suficiente um prazo não superior a 30 dias, denunciou tais desconformidades. Como é unanimemente reconhecido, a denúncia apenas produz efeitos em relação aos defeitos abrangidos pela mesma, não se estendendo aos demais que possam existir “porque isso contrariaria a ratio da norma que impõe tal dever”[8]. Quanto agora à falta de vedação/estanquicidade (admitindo-se que a falta de colocação dos caleiros e o uso apenas de veda e cola se reconduzam a esse problema como tal denunciado), os problemas de infiltrações e falta de vedação pela estrutura provou-se terem sido denunciados e a sua reparação solicitada pela ré à autora (empreiteira) e mesmo que alguns deles foram reconhecidos na medida até que foram objecto de tentativa, ainda que não bem-sucedida, de reparação por esta última (assim a entrada de água, por execução defeituosa do sistema de vedação, desde logo). Face a isto, a reparação deste vício ou desconformidade da obra, oportunamente denunciado, nos termos assentes, não pode ter-se por realizada. Não pode, assim, falar-se de aceitação da obra pela Ré. Muito menos sem reservas…[9] Finalizadas as obras contratadas e invocadas, mesmo que anteriormente, deficiências, pelo comitente, não tendo sido extinta a relação contratual, por resolução, tem-se por segura a existência de um caso de cumprimento defeituoso e não de incumprimento definitivo da prestação, em virtude de a obra ter sido realizada, com deformidades e vícios, não correspondendo o cumprimento efectuado à conduta a cujo resultado o empreiteiro se achava obrigado. Nos contratos de prestações recíprocas, a exceção do não cumprimento do contrato é um instituto que pode ser adotado, como se tem repetido, para além da situação do não cumprimento definitivo da prestação, igualmente, nas hipóteses de cumprimento defeituoso ou do não cumprimento parcial, onde goza a designação da exceptio non rite adimpleti contratus, de modo a conferir ao comitente o direito de recusar o pagamento que lhe é exigido pelo empreiteiro, excecionando o pagamento do preço, em virtude do não cumprimento, por este último, da prestação de conclusão da obra, deformidades ou vícios, mostrando-se, consequentemente, paralisado o direito do empreiteiro, enquanto este não corrigir as deformidades e vícios que a obra ainda regista. Independentemente da existência de prazos diferentes para o cumprimento das prestações, ainda assim, o comitente goza da faculdade de invocar a «exceptio», enquanto o empreiteiro não cumprir, correctamente, por, então, dever efetuar a prestação depois desta, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que deva cumprir primeiro. Não estando o contrato concluído/cumprido, pela reparação cabal deste vício oportunamente denunciado, cabe agora aferir de impedimento a que a Ré faça uso, como fez, da excepção de não cumprimento do contrato de empreitada, por não ter exercido, nesta acção, o direito de exigir do empreiteiro a reparação (ou qualquer dos outros direitos que lhe assiste nos termos da lei, à excepção, obviamente, da resolução do contrato). Perante a existência de defeitos, a lei concede ao dono da obra vários direitos, o primeiro dos quais é o de exigir a sua eliminação. A exigência de eliminação dos defeitos é uma forma de execução específica característica do contrato de empreitada; pretende-se exigir o cumprimento do acordado. O dono da obra deve começar por exigir que o defeito seja eliminado pelo próprio empreiteiro (art. 1221.º, n.º 1, do CC). Sobre este ponto, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, cit., n.º 35, p. 374. Mas, se os defeitos não puderem ser eliminados, cabe ao comitente o direito de exigir do empreiteiro a realização de uma nova obra (art. 1221.º, n.º 1, 2.ª parte, do CC). Justifica-se esta solução porque, se o dono da obra não obteve o resultado pretendido, o empreiteiro continua adstrito a uma prestação de facto positivo. Enquanto o defeito não for eliminado, o dono da obra pode recusar-se a pagar, parte ou a totalidade do preço, usando a excepção de não cumprimento dos contratos (arts. 428.º e ss. do CC). A empreitada, vimos já, configura-se como um contrato bilateral ou sinalagmático: a obrigação de pagar o preço é o correspectivo das obrigações do empreiteiro de executar a obra. No caso específico da empreitada, é unânime o entendimento segundo o qual o dono da obra pode, em caso de não cumprimento da obrigação de facere a cargo do empreiteiro, suspender o cumprimento da sua prestação principal, utilizando a faculdade que lhe é proporcionada pela citada norma. Igual faculdade é reconhecida ao dono da obra em caso de um defeituoso cumprimento da obrigação do empreiteiro, surgindo então como exceptio non rite adimpleti contractus[10]. Como se adiantou, além dos demais direitos emergentes do artigo 1222º do Código Civil, o dono da obra também pode excepcionar o cumprimento defeituoso do empreiteiro para suspender o cumprimento da sua prestação principal – o pagamento do preço – utilizando a faculdade que lhe é concedida pelo artigo 428º do Código Civil. Assim, Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso…, p. 324; Rui Sá Gomes, Breves Notas Sobre o Cumprimento Defeituoso no Contrato de Empreitada, Ab uno ad omnes – 75 anos da Coimbra Editora, p. 619 a 621 e, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STJ de 18.02.2003, CJSTJ, ano XI, tomo I, p. 103. Na verdade, como desde logo sustentava Vaz Serra, em Excepção de Contrato Não Cumprido, p. 37-41 e defendem ainda Meneses Cordeiro, em Violação Positiva do Contrato, Estudos de Direito Civil, volume I, p. 138 e 139 e José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, p. 92 a 118, a possibilidade legal de suspender o pagamento do preço é também concedida aos credores de prestações sinalagmáticas, em que se verificou o cumprimento defeituoso de uma delas. Necessário é que a obrigação de pagamento do preço não seja de vencimento anterior ao da entrega da obra e que a parte do preço cujo pagamento se recusa seja proporcional[11] à desvalorização da obra provocada pela existência do defeito, sendo que o primeiro requisito resulta expressamente do artigo 428º do Código Civil e o segundo é exigido pelos ditames da boa fé no cumprimento das obrigações, conforme artigo 762º, n.º 2 do mesmo Código. Assim, nos casos em que o preço não tenha de ser integralmente pago em momento anterior ao da entrega da obra, o dono desta pode suspender o pagamento duma parte, proporcional à desvalorização provocada pela existência de defeitos, enquanto estes não tenham sido eliminados ou não tenha sido realizada nova obra ou o dono da obra não tenha sido indemnizado dos prejuízos sofridos. Por seu turno, a determinação da necessária proporcionalidade deve ter idêntico critério de referência ao apuramento do valor de redução do preço da obra, por defeitos não supridos. A exceptio só pode ser oposta após o dono da obra ter denunciado os defeitos e manifestado a sua opção pelo direito que pretendia exercer, salvo o direito de resolução, cujos efeitos não são compatíveis com aquele meio de dilação do pagamento. A possibilidade de dedução desta excepção de não cumprimento mantém-se, enquanto não forem ressarcidos todos os danos que determinem uma responsabilidade contratual do empreiteiro, resultantes da existência de defeitos na obra. Neste sentido, Pedro Martinez, Cumprimento Defeituoso, loc. cit.. É igualmente pacífico, como se referiu já, na doutrina e na jurisprudência que a referida exceção pode ser oposta não apenas em casos de incumprimento total, mas também nos casos de cumprimento parcial ou defeituoso da prestação, desde que a sua invocação não colida com os princípios gerais da boa-fé, previstos, nomeadamente, nos artigos 227.º e 762.º, n.º 2, do Código Civil[12]/[13]. Nesta medida, sobre a Ré recaía apenas o ónus de prova da existência de um cumprimento defeituoso da prestação a cargo da Autora, assim como da vontade de ver corrigidos os vícios da obra — sendo tal exigência elemento essencial para a formação do seu crédito à pretensão correspondente[14]. É nesse sentido que Pedro Romano Martinez esclarece: “Para que o dono da obra se torne credor de qualquer dos direitos referidos no parágrafo anterior (nestes se incluindo a excepção de não cumprimento), não basta que os defeitos tenham sido denunciados; torna-se necessário que o devedor fique ciente da pretensão (ou pretensões) a que está adstrito. Nestes termos, após o credor ter indicado por qual ou quais dos direitos é que opta, é que nasce o crédito à pretensão e, só a partir desse momento, se pode deduzir a exceptio”[15]. Ou seja, não basta alegar e provar a existência dos defeitos e a sua respetiva denúncia. Exige-se, adicionalmente, que o dono da obra indique expressamente qual o direito que pretende exercer (v.g., eliminação dos defeitos, execução de nova obra, redução do preço, resolução do contrato ou indemnização), sendo que só após esta manifestação inequívoca nasce o direito de oposição à exigência da contraprestação pecuniária, mediante a invocação da excepção de não cumprimento. Essa orientação foi, aliás, acolhida pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão de 10.12.2009 (na base de dados da dgsi), onde se afirmou: “(…) 5 – A exceção do não cumprimento do contrato pode também ser utilizada quando a outra parte cumpre a obrigação, mas defeituosamente (exceptio non rite adimpleti contractus), desde que os defeitos que a prestação padeça prejudiquem a integral satisfação dos interesses do credor. 6 – Cabe à parte que pretende utilizar a exceptio perante o cumprimento defeituoso a demonstração de que os defeitos existentes tornam inadequada a prestação em termos de justificarem o recurso a tal instituto. 7 – A exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem”. Também o Acórdão da Relação de Coimbra de 29.01.2013 (no mesmo lugar) confirma este entendimento ao referir: “II – Num contrato de empreitada, o dono da obra pode opor a excepção de não cumprimento do contrato (art. 428.º do CC), recusando-se a pagar o preço, se a obra apresentar defeitos. IV – Para funcionar a exceptio é necessária a demonstração da denúncia dos defeitos e a exigência do direito que pretende exercer.” Nessa conformidade, resulta claro que competia à Ré alegar e provar (nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil) não apenas a existência e denúncia dos defeitos, mas também a formulação da correspondente pretensão dirigida à Autora, o que efetivamente se verificou nos autos, conforme resulta dos factos provados sob 22 e 23 (aditado)… É que esta exigência ou opção não está sujeita a forma especial, nem tem de sê-lo por via reconvencional[16], bastando apenas a demonstração de que a invocante da exceptio manifestou ao inadimplente, desde logo, uma vontade de correcção dos vícios ou defeitos da obra… E é o que resulta caracterizado na matéria assente, por via do facto sob 22.
Quanto agora e finalmente ao efeito da exceptio. A excepção de não cumprimento pressupõe uma inexecução não definitiva, com efeitos meramente suspensivos, pois que visa suspender a exigibilidade da prestação do excipiente até que a contraparte cumpra ou satisfaça adequadamente a obrigação em falta, constituindo, como sublinha José João Abrantes[17], uma “garantia conservatória” que coloca o contrato “em suspensão”. No caso concreto, temos para nós que a Ré alegou e provou os elementos essenciais ao exercício da exceção: a existência de defeitos na obra, a sua denúncia à Autora e a formulação de uma pretensão clara — no caso, a eliminação dos referidos defeitos (os que se prendem com os vícios que determinam as infiltrações ou falta de estanquicidade da obra). Aliás, tampouco se demonstrou uma eventual situação de mora accipiendi da Ré — única circunstância que poderia obstar à admissibilidade da excepção, nos termos do artigo 813.º do Código Civil. Conclui-se, assim, que para que a excepção de não cumprimento possa ser eficazmente oposta, basta ao excipiente provar que houve incumprimento, que não se encontra em mora accipiendi e que exerceu (por qualquer meio, não necessariamente por via judicial) um dos direitos conferidos pela lei em virtude desse incumprimento. Em conclusão: A exceptio só pode proceder se for invocada no momento do cumprimento da obrigação a cargo do excipiens. Todavia, esta causa de justificação do incumprimento (que afasta o ilícito contratual) só opera “enquanto o outro” contraente “não oferecer o seu cumprimento”, pelo menos em simultâneo – cfr. o art. 428.º, n.º 1, do Cód. Civil. No âmbito do contrato de empreitada, a exceptio non rite adimpleti contractus só pode ser exercida pelo dono da obra se este tiver já, junto do empreiteiro, denunciado os defeitos da obra e exigido a sua eliminação – Ac. do STJ de 26-11-2009, proc. n.º 674/02.8TJVNF.S1. Destes pressupostos deve o excipiens fazer prova em juízo. No caso dos autos assim o logrou fazer (ver ponto 22. dos factos provados). Provado o defeito e a sua reclamação, caberia à autora provar que o eliminou definitivamente ou que ofereceu o cumprimento desta sua obrigação, não tendo a outra parte aceitado a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não tendo praticado os atos necessários ao cumprimento da obrigação (art. 813.º do Cód. Civil). Não o logrou fazer nem resulta dos factos provados que tenha oferecido o cumprimento da sua obrigação, tendo este sido recusado (art. 813.º do Cód. Civil). Procede, pois, a exceptio non rite adimpleti contractus. Verificados esses requisitos, como sucedeu no caso dos autos, a Ré tinha pleno direito de invocar a excepção de não cumprimento do contrato.
Quanto agora e finalmente às consequências da procedência da excepção, importa relembrar que, sendo esta qualificada como exceção dilatória de natureza material, o seu acolhimento processual, desde logo não extingue o direito substancial que a credora do preço pretende exercer. A excepção, como refere José João Abrantes, loc. cit., “tem como efeito principal a dilação do tempo de cumprimento da obrigação de uma das partes até ao momento do cumprimento da outra parte”. Cumpre aqui considerar a natureza da excepção de não cumprimento do contrato, para se aferir dos efeitos quanto à pretensão do autor, de pagamento do preço. Pedro Romano Martinez, na obra já citada Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, pág. 325, configura a excepção de não cumprimento do contrato como uma excepção dilatória. Assim ainda o Acórdão da Relação do Porto de 18.10.93, www.dgsi.pt. Contudo, numa análise mais profunda, impõe-se reconhecer que aquela excepção só é dilatória na fase de execução, porquanto a pretensão relativa a quaisquer das prestações devidas no contrato bilateral ou sinalagmático tem como facto constitutivo - repita-se só no processo de Execução - a realização ou oferecimento da respectiva contraprestação (Cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, pág. 298). Trata-se e como sufragam os professores supra citados, de uma excepção diferente das normais excepções dilatórias de direito material e que não se integra, a nível de consequências, nessas excepções. A questão desloca-se, então, para o plano adjectivo e, nele, somos conduzidos ao artº 610º, nº1 do Código de Processo Civil, assim redigido: o facto de não ser exigível, no momento em que a acção foi proposta, não impede que se conheça da existência da obrigação, desde que o réu a conteste, nem que este seja condenado a satisfazer a prestação no momento próprio. Visto, assim, este regime de cumprimento obrigacional, há quem entenda dever ser o caso da excepção de não cumprimento integrado na abrangência do mencionado artº 610º, nº1 do Código de Processo Civil[18]. Os casos ali subsumíveis, em primeira linha serão os de obrigações a prazo certo. Pede-se a condenação de alguém a pagar de imediato, a obrigação é contestada e, da factualidade apurada, resulta que o vencimento daquela só virá a ocorrer depois da data da sentença. No caso, porém, das obrigações cujo cumprimento pode não ser levado a cabo, em virtude da dita excepção de não cumprimento do contrato, o que se passa é que "a exigibilidade da obrigação fica entretanto suspensa" (Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., 452). Verifica-se, no dizer de Almeida Costa (Direito das Obrigações, 6ª ed. 305), "um simples retardamento da prestação". Discute-se, porém, quais os seus efeitos: Absolvição do pedido (como sucedeu na decisão sob recurso) ou condenação a prestar em simultâneo (como defende a recorrente). Para determinada orientação, a procedência da “exceptio” tem como efeito a condenação do réu a prestar ao mesmo tempo que o autor, argumentando-se que a excepção é um meio de defesa destinado a assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo, pelo que a condenação do réu fica subordinada à condição de cumprimento por parte do autor. Uma vez feito o cumprimento pelo autor, dispensa-se uma nova acção a pedir a condenação do réu, ficando desde logo o autor com uma sentença que o legitima a tornar efectiva a obrigação do réu; a aplicação analógica do art.662 do CPC (cf. Vaz Serra, in A Excepção do Contrato Não Cumprido, B.M.J. nº 67, pg. 33 e ss.). Para Calvão da Silva (in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pg. 335), “se é verdade que, em virtude das excepções materiais dilatórias, o direito do autor não existe ou não é exercitável no momento em que a decisão é proferida, por falta de algum requisito material, mas pode vir a existir ou a ser exercitável mais tarde”, parece que a “exceptio non adimpleti contractus” não deve obstar ao conhecimento do mérito da acção. “O Juiz deve, isso sim, condenar à realização da prestação contra o cumprimento ou o oferecimento de cumprimento simultâneo da contraprestação, em consonância com o “indirecto pedido de cumprimento” co-envolto na arguição da “exceptio” e salvaguarda do equilíbrio contratual”. No plano jurisprudencial, vejam-se, por exemplo, o Acórdão do S.T.J. de 26/10/2010, e o Acórdão da Relação de Lisboa de 26/6/2008, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt. Outra tese aponta no sentido de que a procedência da “exceptio” implica a absolvição (temporária) do pedido, porque a lei não permite a condenação condicional, sendo que inexiste caso julgado quanto à posterior acção (cf. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, pg. 80 e ss.). Neste sentido, escreve Miguel Mesquita (in “Reconvenção e Excepção no Processo Civil”, pg. 95): “Afastada no nosso sistema, como resulta do art.º 673º, a figura da condenação condicional, o tribunal não deve, uma vez provada a “exceptio non adimpleti contractus”, condenar o réu a cumprir a prestação se e quando o autor realizar a correspondente contraprestação. Ficando o juiz convencido de que também o autor se encontra em falta, deverá proferir uma sentença absolvendo temporariamente o réu do pedido”. A nível jurisprudencial veja-se o Acórdão do S.T.J. de 30/9/2010, e o Acórdão da Relação do Porto de 30/1/2012, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt. Ora, Em termos processuais, entendemos que o legislador não admite a figura da condenação condicional – i. é, da condenação em que o direito reconhecido fica dependente da verificação de determinada condição, ainda não ocorrida à data do encerramento da discussão de facto (cfr. art. 610/1 do Código de Processo Civil). Donde, se o tribunal se depara, na altura em que decide o mérito da causa, com situações em que a pretensão do autor (ou do reconvinte) está na dependência de um evento condicionante, do decurso de um prazo ou da prática de um determinado facto, não pode deixar a decisão em suspenso, até que a condição se verifique, o prazo se esgote ou o facto seja praticado. Tais manifestações de incerteza influem apenas no âmbito do caso julgado material, consoante resulta do art. 621 do Código de Processo Civil. O legislador foi sensível à ideia de que o processo de formação das decisões judiciais obedece a parâmetros específicos que nada têm a ver com o modo como se desenvolve a actividade jurídico-negocial. Como escreve Almeida Costa (RLJ, ano 129, p. 196, nota 6), “deve, pois, concluir-se que o espírito do sistema se mostra avesso a soluções que, na realidade, obrigam o tribunal a apreciar o mérito da causa em termos provisórios, deixando o sentido da decisão final na dependência da prática de certo acto por uma das partes”. E, assim, que o art. 621 prevê, como fundamento da absolvição do pedido, a situação em que o facto condicionante do direito não está verificado, considerando-a impeditiva da constituição de caso julgado que obste à renovação do pedido quando a condição se verifique. Como notam Lebre de Freitas / Montalvão Machado / Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 684), “quando o juiz constate que a condição suspensiva, estipulada pelas partes (art. 270 do Código Civil) ou estabelecida por lei (…), de que depende o direito invocado, não está verificada, na última data a que pode atender (…), o direito não pode ser reconhecido ou constituído e o réu há-de ser absolvido do pedido. Em nova acção com o mesmo objecto, ou com objecto relativamente ao qual este seja prejudicial, o caso julgado é invocável se a situação se mantiver, continuando por verificar a condição. Mas, se esta entretanto se verificar, já o caso julgado não obsta a que o tribunal profira nova decisão de mérito, reapreciando a questão anteriormente decidida com base em pressupostos que se revelam alterados. Tal acontecerá, quer o autor tenha, na primeira acção, alegado a verificação da condição, quer não o tenha feito; no primeiro caso, a causa de pedir da nova acção é integrada exactamente pelos mesmos factos (designadamente, o negócio jurídico e a verificação da condição), enquanto que, no segundo, sendo a mesma a causa de pedir (o negócio jurídico), um novo facto constitutivo (que a complementa) surge de novo.” Regime idêntico vale quando, depois do encerramento da discussão de facto em 1.ª instância, se verifique um facto em cuja falta se tenha fundado a absolvição do pedido. Lebre de Freitas / Montalvão Machado / Rui Pinto (ibidem) dão um exemplo desta situação: “Se (…) for julgada improcedente uma acção de prestação de contas entre ex-cônjuges, proposta com fundamento em mandato exercido por um deles (art. 1161, d), do Código Civil) relativamente a bens móveis que tenham sido comuns e de que o mandatário tinha a administração (art. 1682/2 do Código Civil), o que levaria a ter por aplicável o dispostos nos arts. 1682/4 e 1689/3 com fundamento em não ter sido revista e confirmada em Portugal a sentença de divórcio decretada em tribunal estrangeiro (…), a absolvição do pedido não impede a ulterior propositura de nova acção de prestação de contas, após a revisão e confirmação da sentença em Portugal”. O mesmo acontece quando seja julgada procedente uma excepção dilatória de direito material, como é o caso dos exemplos referidos por Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1983, ps. 132 – 133) da excepção de não cumprimento do contrato ou do direito de retenção, previsto no art. 754 do mesmo diploma (o autor realizou a sua prestação ou pagou a prestação devida). É que, o critério de distinção entre excepções dilatórias e peremptórias é o de ser ou não definitiva a recusa de atendimento da pretensão do autor. Perante as primeiras, tal recusa é definitiva; quando se trate das segundas, então a acção pode vir a ser repetida com êxito. Foi a esta posição que se reconduziu a sentença recorrida, sendo numerosas decisões a acolhem, sendo-o desde logo o Acórdão desta Relação e Secção de 25.01.2024, no processo 39515/22.2YIPRT.P1, acessível na base de dados da dgsi, no qual a relatora foi Adjunta e no qual se decidiu que: O art. 610.º do Cód. Proc. Civil não é aplicável, nem sequer por analogia, ao caso de procedência da exceção de não cumprimento do contrato, o que conduz a que, numa tal eventualidade, haja lugar a uma absolvição do pedido – assim, ver o Ac. do TRP de 26-10-2017, proc. n.º 49228/15.6YIPRT.P1. Se procedente a exceção, “conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva (cfr. o artigo 673º do Código de Processo Civil [atual art. 621.º], quanto ao alcance do caso julgado formado), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária; sendo por este motivo doutrinalmente qualificada como exceção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando, no contexto do Código de Processo Civil, como exceção perentória (cfr. artigo 493.º, n.º 2 [atual art. 576.º])”, conforme é referido no Ac. do STJ de 30-09-2010, proc. n.º 184/06.4TBTND.C1.S1. No mesmo sentido, mais descritivamente, é referido no sumário do Ac. do TRP de 30-01-2012, proc. n.º 3341/08.5TBVCD.P1, que, não sendo “admissível a figura da condenação condicional”, “verificada a exceção [material] dilatória de não cumprimento do contrato, a decisão será de absolvição do pedido, que será temporária, sem que se forme caso julgado, caso a outra parte venha a cumprir integralmente a obrigação”, pelo que, “havendo alteração de circunstâncias, nomeadamente pelo cumprimento pela outra parte, cessa a eficácia da exceção (…), podendo ser proposta outra ação contra a que [a] invocou” – cfr., ainda, os recentes acórdãos deste TRP de 15-12-2021, proc. n.º 40421/19.3YIPRT.P1, e de 23-10-2023, proc. n.º 348/21.0T8VCD.P1. Concluímos, assim, pela procedência da exceção material dilatória invocada, improcedendo o pedido da autora, com os limites agora sublinhados, podendo a autora propor nova ação, se não for integralmente pago o preço, se concluir a obra sem defeitos ou se oferecer o cumprimento (recusado pela ré) dos trabalhos em falta, referidos nos fundamentos de facto deste acórdão”. Não se vê razão para alterar a posição ali acolhida e sufragada de resto também no Acórdão da Relação de Coimbra, já citado, de 21.02.2018, no Acórdão da Relação do Porto de 15.12.2021, no Processo 40421/19.3YIPRT.P1 e nos Acórdãos do STJ de
Cabe apenas ressaltar, nessa parte assistindo razão à Recorrente, que a exigência pela Autora do preço que resultou estar em falta está dependente apenas e só do cumprimento da obrigação de reparação dos vícios quanto aos quais demonstrou a Autora a denúncia respectiva. Assim, apenas e só os problemas de falta de vedação/estanquicidade (aqui incluída a falta de colocação dos caleiros e o uso apenas de veda e cola nas vedações e isolamentos), infiltrações e falta de vedação das águas pluviais pela estrutura (que não também da totalidade dos vícios ou defeitos apurados, por não resultar quanto aos demais a condição de invocação da exceptio, a denúncia e exigência do direito à reparação). Bem assim que também a extinção do direito à reparação por outra causa (v.g., impossibilidade não imputável ou caducidade[19]) permitirá a propositura da acção respectiva pela Autora, tendente ao pagamento do crédito que nestes autos vai afirmado[20]. A exceptio é o exemplo nítido de uma excepção dilatória de direito material: de direito material porque é um “contra-direito” que permite recusar o cumprimento de uma prestação; dilatória porque apenas o faz por um algum tempo: os seus efeitos cessam quando a contraprestação é oferecida (cf. António Menezes Cordeiro, ob. cit., ps. 735 – 736).[21] Daí que apresente, como pressuposto do seu exercício, que a subsistência da relação contratual ainda seja possível. Neste sentido, escreve Júlio Gomes (“Da excepção de não cumprimento parcial e da sua invocação de acordo com a boa fé”, Cadernos de Direito Privado, n.º 25, Janeiro – Março de 2009, ps. 61 – 62), que “face a um incumprimento definitivo, a uma prestação que já não pode ser, em rigor, realizada ou corrigida, não é legítimo [diríamos antes lícito] exercer a excepção, devendo antes recorrer-se à resolução do contrato. Em todo o caso, o instituto da excepção de não cumprimento tutela e exprime o interesse de quem a invoca no cumprimento exacto do contrato, persistindo o interesse do excipiente no cumprimento pela contraparte”. Trata-se, portanto, de um mecanismo de coerção ao cumprimento da contraparte, que não de uma forma de exoneração definitiva da obrigação de pagar o preço. De todo o modo, na situação decidenda, não tendo sido convocada, em tempo, qualquer causa de extinção da obrigação de reparação que se entendeu ter sido reclamada pela Ré e incumprida pela A, cabe ter por verificadas as condições de invocação da excepção de cumprimento defeituoso ou inexacto da prestação, quanto aos concretos e já referidos vícios denunciados, com o que parcialmente procedente o recurso (pela falta de verificação parcial dos pressupostos de invocação da excepção), sem alteração, contudo, da improcedência da pretensão decidida, frustrando-se, na totalidade, o pedido.
III. Pelo exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, mantendo-se, não obstante, a ali decidida absolvição do pedido, tendo o caso julgado que sobre aquela se forma os limites previstos no art. 621.º do Cód. Proc. Civil; donde podendo a autora propor nova ação, se não for integralmente pago o preço que se concluiu em falta, ascendendo a €3.161,76, se concluir a obra sem os defeitos ou se oferecer o cumprimento (recusado pela ré) dos trabalhos de correcção/reparação dos problemas de falta de vedação/estanquicidade (aqui incluída a falta de colocação dos caleiros e o uso apenas de veda e cola nas vedações e isolamentos), infiltrações e falta de vedação das águas pluviais pela estrutura, como no caso de se extinguir a obrigação de correcção dos vícios. Custas da acção e do recurso pela A./Recorrente, vista a improcedência total da pretensão principal. |