Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5949/23.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANABELA DIAS DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
ENTREGA DO LOCADO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
MORA
Nº do Documento: RP202501285949/23.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 01/28/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Com a cessação do contrato nasce apenas a obrigação de restituição da coisa locada (cfr. art.º 1038.º al. i) do C.Civil), a qual pode ser cumprida pelo inquilino a qualquer momento e exigida pelo senhorio assim que o bem entenda.
II – Trata-se de uma obrigação pura, sem prazo certo (cfr. art.º 805.º n.º 2 al. a) do C.Civil), em que o vencimento da mesma fica dependente da efetiva interpelação para cumprimento, seja por via judicial, seja extrajudicial (cfr. art.º 805.º n.º 1 do C.Civil).
III – Não obstante a senhoria ter feito a interpelação extra-judicial para a entrega do locado aquando da oposição à renovação do contrato de arrendamento, discutindo-se a validade e eficácia dessa oposição, ficam “paralisados” os efeitos e consequências da referida interpelação até decisão final daquela questão jurídica controvertida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação
Processo n.º 5949/23.0 T8VNG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 1

Recorrente – A..., Ld.ª
Recorridos – AA, BB e CC



Relatora – Anabela Dias da Silva
Adjuntos – Desemb. Márcia Portela
Desemb. Alberto Taveira





Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I – A..., Ld.ª, com sede na rua ...-c, ..., ... intentou no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia a presente ação declarativa com processo comum contra AA, BB e CC, pedindo que se:
- declare o contrato de arrendamento objeto desta ação como extinto, por válida e eficaz a oposição à sua renovação;
- condene o primeiro réu a entregar o locado com efeitos imediatos e nos termos contratualmente previstos;
- condene os três réus, solidariamente, ao pagamento da indemnização equivalente ao valor da renda em dobro, desde o dia 1 de junho de 2023 e até à entrega efetiva do imóvel.
Alegou, em síntese, que que é dona e legítima proprietária de uma casa de habitação sita na Rua ..., ..., ..., e que a 1 de junho de 2020 celebrou um contrato de arrendamento habitacional, que teve por objeto tal imóvel e nesse contrato a autora foi senhoria, o primeiro réu foi inquilino e os dois restantes réus foram fiadores. Tal contrato renovava-se anualmente, a 1 de junho de cada ano.
A 9 de janeiro de 2023 a autora enviou uma carta registada com aviso de receção a declarar a oposição à renovação do contrato, consequentemente fazendo-o cessar no último dia de maio de 2023 (data após a qual se renovaria por mais um ano), mas apesar das tentativas dos CTT, esta carta nunca chegou a ser levantada pelo réu e acabou por ser devolvida à remetente.
Uma vez que a carta foi devolvida ao remetente, a autora viu-se obrigada a respeitar o disposto no artigo 10.º, n.º 2, al. c), e n.º 3, do NRAU, ou seja, a esperar 30 dias sobre a data do envio da primeira carta, antes de enviar uma segunda carta registada com aviso de receção, que só foi remetida, devido a esta regra legal, no dia 10 de fevereiro de 2023.Esta segunda carta tinha o mesmo conteúdo da primeira e foi efetivamente rececionada pelo réu, a 13 de fevereiro de 2023.
Considerando que o réu nada respondia a esta missiva, foi este telefonicamente contactado por um representante da autora (Sr. DD), por volta da data do fim do contrato (e da necessária entrega do imóvel), tendo o réu respondido que só havia recebido a carta para oposição à renovação a 13 de fevereiro de 2023, logo sem respeito pelo pré-aviso dos 120 dias, pelo que se recusava a entregar o locado. Face a esta resposta, a autora remeteu nova carta (datada de 7 de junho de 2023) a expor que tinha havido duas comunicações, a primeira devolvida e a segunda remetida com respeito pelos artigos 9.º e 10.º do NRAU, e a exortar à entrega do imóvel até o dia 15 de junho de 2023. Mais informava que a não entrega do locado, até à suprarreferida data, obrigaria a autora a seguir com uma ação de despejo e ainda a cobrar uma indemnização equivalente ao valor da renda em dobro, conforme previsto no artigo 1045º, n.º 2, do C.Civil. O réu também não deu resposta, e fundamentalmente, recusou-se a aceitar a validade e eficácia da oposição à renovação realizada pela autora e afirmou querer manter-se no locado até o fim de maio de 2024.
Até à presente data, o réu continuou e continua a pagar as rendas de 370€ previstas no cessado contrato de arrendamento.
Na tentativa de resolução extrajudicial desta situação e para dar conhecimento aos mesmos, foram os outros dois réus notificados por carta registada.
Desde o dia 1 de junho de 2023 (data em que o réu deveria ter feito a entrega física do locado) este está em mora na sua obrigação de restituição do imóvel, existe um incumprimento culposo do réu nessa restituição, pelo que são devidos mais 370€ por cada mês já decorrido (estando o Réu a pagar os 370€ equivalentes à renda “normal”, todos os meses) e por cada mês a decorrer até à entrega efetiva do locado.
Os restantes réus, porque fiadores, são solidariamente responsáveis pela obrigação do pagamento das indemnizações previstas no artigo 1045º, n.º1 e n.º2, do C.Civil.
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Pessoal e regularmente citados os réus, veio a ré contestar pedindo a improcedência da ação.
Para tanto, impugnam na generalidade todos os factos invocados pela autora, mormente diz o 1.º réu que não recebeu a primeira comunicação e ainda que a oposição a ser válida só produziria efeito no dia 31.05.2024.
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Realizou-se audiência prévia, foi proferido despacho saneador, e identificou-se o objeto do litígio e fixaram-se os temas de prova, do que não houve qualquer reclamação.
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Realizou-se a audiência de julgamento, após o foi proferida sentença de onde consta: “Pelo exposto, o Tribunal julga a ação declarativa parcialmente procedente e consequentemente:
· Declara-se a inutilidade superveniente da lide apenas quanto ao pedido de desejo e entrega imediata do imóvel arrendado;
· Declara-se cessado, por oposição à sua renovação, o contrato de arrendamento urbano no dia 31.05.2023;
· Absolvem-se os réus do pagamento da indemnização prevista no artigo 1045.º do C.C.;
Custas pelas partes, nos termos acima determinados (artigos 527.º, n.º 1 e 2, 536.º, n.º 3, parte final do Código de Processo Civil, assim como artigo 6.º, n.º 1 e Tabela I–A do Regulamento das Custas Processuais).
Registe e notifique”.


Inconformada com tal decisão, dela veio a autora recorrer de apelação pedindo a sua revogação, e substituição por outra que condene os réus no pagamento da indemnização correspondente ao dobro da renda até à efetiva entrega do imóvel, conforme previsto no artigo 1045.º, n.º 2, do C. Civil.
A apelante juntou aos autos as suas alegações que terminam com as seguintes e prolixas conclusões:
A. O presente recurso tem por objeto a parte da sentença, proferida pelo Tribunal a quo, que absolveu os réus do pagamento da indemnização prevista no artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil.
B. Como abaixo se exporá, estamos perante uma situação perigosa para a estabilidade e certeza jurídica, em desfavor dos senhorios, estando o Tribunal a quo a permitir a perpetuação de um argumento baseado numa alteração legislativa de 2019, que não pode servir eternamente para justificar as ilicitudes cometidas pelos inquilinos ao não desocuparem os imóveis arrendados.
C. Dúvidas doutrinais ou jurisprudenciais num ordenamento jurídico como o português, onde é tão usual existirem inúmeras interpretações jurídicas para o mesmo problema, não podem justificar a isenção de consequências para os infratores.
D. Acompanhar o entendimento do Tribunal a quo significa abalar os pilares legislativos do nosso ordenamento jurídico e abre precedentes permissivos para os inquilinos que queiram arriscar cometer ilicitudes sem sofrerem as consequências previstas na lei (e, in casu, até no contrato).
E. Inclusive podendo vir a justificar uma situação de revista excecional ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Civil.
F. Um entendimento igual ao do Tribunal a quo, neste caso em concreto, inclusive viola os direitos constitucionais à iniciativa económica privada (artigo 61.º da CRP) e à propriedade privada (artigo 62.º da CRP).
G. O contrato em questão foi celebrado a 1 de junho de 2020 pelo prazo certo de um ano, automaticamente renovável por iguais períodos de tempo (pontos 2, 3 e 4 da matéria de facto dada como provada na sentença).
H. Conforme provado, a recorrente procedeu à oposição à renovação desse contrato, com efeitos ao último dia do mês de maio de 2023, tendo tido necessidade de enviar uma segunda carta (esta efetivamente rececionada) em virtude do não levantamento da primeira carta pelos recorridos, e ainda de fazer um telefonema e de enviar uma terceira carta, pela não entrega voluntária do locado (pontos 6 a 12 da matéria de facto dada como provada).
I. Não há dúvidas de que os recorridos forem expressamente interpelados, com uma terceira carta (Doc. 5 junto com a PI) e um telefonema, para a entrega do locado, após o envio das (duas) comunicações legalmente previstas para a oposição à renovação – conforme pontos 10 a 13 da matéria de facto dada como provada.
J. No entanto, os recorridos recusaram a entrega do imóvel com o argumento de que nunca teriam recebido a primeira carta e de que, por isso, a recorrente tinha remetido a comunicação da oposição à renovação fora de prazo (foi este, aliás, a totalidade do depoimento de parte prestado por AA, recorrido, em audiência de julgamento) – conforme ponto 11 da matéria de facto dada como provada.
K. Apesar das alegações dos recorridos resultou da prova produzida em juízo (inclusive das respostas dos CTT aos ofícios do douto Tribunal a quo – página 5 da sentença), que a recorrente deu cumprimento aos trâmites legais (pontos 6 a 12 dos factos dados como provados e conforme fundamentação de Direito da sentença recorrida).
L. O Tribunal a quo deu como verificada a validade e eficácia da oposição à renovação por parte da recorrente, com efeitos a 31 de maio de 2023 (página 8 da sentença).A não entrega do imóvel pelos recorridos obrigou a recorrente a intentar a presente ação de despejo – como, aliás, os recorridos foram previamente avisados, conforme ponto 13 da matéria de facto dada como provada.
M. A recorrente peticionou, além do despejo, o pagamento da indemnização prevista no artigo 1045.º, n.º2, do CC, sendo certo que o contrato de arrendamento em discussão igualmente o estipulava na sua cláusula oitava, e a recorrente expressamente avisou os recorridos, por escrito, que iria exigir a indemnização em dobro – ponto 13 da matéria de facto dada como provada.
N. Apesar da prova produzida e da validade e eficácia da oposição à renovação, ainda assim o Tribunal entendeu não haver lugar ao pagamento da indemnização do artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil, justificando este entendimento com base no sumário do Acórdão do T.R.P. de 23.03.2023.
O. Ora, o Tribunal a quo deu como provado que o contrato em questão cessou no dia 31 de maio de 2023, e desde então que os recorridos faltaram culposamente à entrega do locado na data do término do contrato (31 de maio de 2023), encontrando-se em mora a partir daquela data (tendo entregado o imóvel apenas a 31 de maio de 2024), sem esquecer que a 7 de junho (Doc. 5) foram interpelados para a entrega e das consequências dos seus atos.
P. O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão, mesmo dando esta factualidade exposta como provada, na existência de uma "divergência" quanto ao prazo de renovação do contrato, negando à recorrente o pagamento da renda em dobro – página 8 da sentença.
Q. No entanto, em primeiro lugar, cumpre salientar que há anos que existe jurisprudência e doutrina maioritária a sustentarem que, em caso de mora na restituição do locado, a indemnização devida é o dobro da renda estipulada.
R. Vide, neste sentido e a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 12886/20.8T8LSB.L1-8; o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 1697/06-2; ou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 7895/20.0T8LSB.L1.S1, que “Surgindo para o locatário a obrigação de restituição do locado por oposição lícita à renovação do contrato de arrendamento, … a “mora” pressuposta no n.º 2 do art.º 1045º implica omissão de entrega e culposa, conduzindo a uma indemnização por ato ilícito (em conjugação com os art.ºs 804.º, 2, e 805.º, 2, a), do CCiv.).” – omissão culposa esta provada e até utilizada na fundamentação da sentença (pontos 10 a 13 dos factos provados e página 5 da sentença).
S. Não restam dúvidas de que, in casu, tendo ficado provado que os recorridos se recusaram a entregar o locado aquando do término – válido e eficaz – do contrato de arrendamento (com base na não receção de uma carta), a recorrente passou a ter o direito de exigir, daqueles, o pagamento de uma indemnização equivalente ao valor da renda em dobro por força do disposto no artigo 1045.º, n.º2, do Código Civil.
T. Acresce o facto, reforça-se, de que este direito está expressamente previsto na cláusula oitava, alínea 2, do contrato de arrendamento junto como Documento n.º 2 da PI,
U. E a recorrente avisou os recorridos, por escrito, de que iria exigir essa indemnização, já após a oposição à renovação e depois de ter passado o prazo de entrega do locado – pontos 10, 12 e 13 da matéria de facto provada e Doc. 5 junto com a PI.
V. Assim, desde o dia 1 de junho de 2023 (data em que os recorridos deveriam ter feito a entrega física do locado) que estes estão em mora culposa na sua obrigação de restituição do imóvel.
W. Em segundo lugar, no processo do mencionado Acórdão, a que o Tribunal a quo recorre para justificar a sua decisão (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo n.º 3966/21.3 T8GDM.P1), o contrato de arrendamento tinha prazo certo de cinco anos e previa a renovação por prazos de um ano, com duração inicial entre 01.01.2015 e termo a 31.12.2019 (ano da alteração legislativa pela Lei n.º 13/2019, que originou a discussão doutrinária e jurisprudencial subjacente).
X. E os então arrendatários alegavam que a renovação do contrato deveria ser de cinco anos, com base na interpretação do novo artigo 1096.º, n.º 1, do CC, enquanto que por sua vez o senhorio defendia que a renovação deveria ser de um ano, conforme estava estipulado no contrato.
Y. Dado o exposto, e na sequência de tal discussão, a questão a resolver nesse processo rodeava essencialmente em torno do seguinte dilema: da natureza da norma do artigo 1096.º do CC; qual o prazo de renovação do contrato; e se o prazo de envio da comunicação a fim de produzir os efeitos da oposição à renovação deveria ser de 240 dias (caso a renovação fosse considerada de cinco anos) ou de 120 dias (caso a renovação fosse de um ano).
Z. O Tribunal da Relação concordou com o então recorrente, decidindo que o prazo de renovação estipulado no contrato (um ano) era válido e que a cláusula do contrato prevalecia, considerando-se a norma do artigo 1096.º como supletiva. Portanto, o Tribunal concluiu que a comunicação de oposição à renovação enviada pela recorrente foi tempestiva e que a renovação do contrato se daria por períodos de um ano, conforme estipulado no contrato original.
AA. Para o que interessa, nesse acórdão foi utilizado o argumento da dúvida jurisprudencial criada pela alteração legislativa de 2019 – utilizada também pelo Tribunal a quo – para não haver lugar à aplicação do artigo 1045.º porquanto: “…existia e existe uma divergência entre as partes quanto à data da cessação do contrato, por força de diferente entendimento quanto ao prazo de renovação do contrato.”
BB. Voltando ao caso dos presentes autos, estamos perante um contrato celebrado em 2020 e terminado em 2023 e os recorridos recusaram a entrega do locado, a 31 de maio de 2023, apenas com base na alegação de que nunca haviam recebido a primeira carta (ponto 11 dos factos provados).
CC. Em momento algum recusaram entregar o locado porque defendiam que o prazo de renovação era superior a um ano. Entraram em mora pois diziam não ter recebido uma carta, e não por uma qualquer questão de interpretação jurídica (!)
DD. Foi apenas na sua contestação que vieram defender (pela primeira vez) que a renovação teria de ser por três anos, e não por um ano como previsto contratualmente (artigos 18.º a 21.º da contestação),
EE. Assim como também vieram defender pela primeira vez, de forma inusitada e pouco fundamentada, que o artigo 1097.º, n.º 3, do Código Civil, levaria a que a primeira oposição à renovação pelo senhorio tivesse de ser diferida para o fim dos primeiros quatro anos de contrato (em vez dos três anos que a lei prevê) – artigo 44.º da contestação.
FF. Ao contrário da discussão no Acórdão em questão, onde os inquilinos utilizavam o argumento da renovação do contrato por prazo superior para colocar em causa o pré-aviso da oposição à renovação (120 ou 240 dias),
GG. Os inquilinos, aqui recorridos, primeiro só questionaram a receção efetiva da primeira carta, e depois, em Tribunal, também usaram o argumento da renovação do contrato por prazo superior para defenderem que a oposição à renovação só produziria efeitos um ano depois.
HH. Ora, diferentemente dos contratos celebrados antes da alteração da lei em 2019 (como era o caso daquele Acórdão), onde ainda havia alguma dúvida sobre a redação e a interpretação da nova legislação,
II. O contrato do presente processo foi celebrado a 1 de junho de 2020 (Doc. 2 junto com a PI), já sob a vigência clara e consolidada da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro.
JJ. E se à data do contrato aqui analisado (junho de 2020) a lei já havia sido alterada e já muito havia sido debatido e decidido relativamente à alteração legislativa,
KK. À data da oposição à renovação/término do mesmo (maio de 2023) já a dúvida jurídica estava longe de ainda ser colocada.
LL. Não podem os Tribunais continuar a defender a posição dos arrendatários que se recusam a entregar os locados, baseando-se na premissa de que em tempos existiu uma divergência interpretativa quanto aos prazos de renovação e de oposição à renovação, tendo a mesma sido trazida aqui à colação,
MM. Sob pena de esta questão se perpetuar e se transformar numa defesa “fácil” para todos os inquilinos incumpridores, aproveitando-se continuamente de uma antiga incerteza jurídica para evitarem responsabilidades e consequências jurídicas, quando a legislação aplicável já se encontra consolidada.
NN. Para contratos celebrados após a consolidação da Lei n.º 13/2019, como é o caso presente, a aplicação das disposições (que são claras e específicas) da lei devem prevalecer, assegurando que os termos acordados contratualmente sejam respeitados, a menos que haja uma violação de normas imperativas.
OO. Se os Tribunais continuarem a utilizar esta justificação, para isentarem os inquilinos das consequências legais, estarão a incentivar os arrendatários a aproveitarem-se regularmente dessa “estratégia”, por divergência quanto ao prazo de renovação, para escaparem à consequência legal prevista no nº 2 do artigo 1045.º do CC, mesmo quando a lei é clara e o contrato sancione especificamente o arrendatário pelo incumprimento.
PP. Depois, importa sobretudo assinalar que os recorridos sustentam principalmente que a comunicação nunca chegou ao seu conhecimento, desconhecendo o envio de uma primeira carta suscetível de produzir efeitos quanto à oposição da renovação do contrato.
QQ. É que ao contrário da matéria factual subjacente ao Acórdão que o Tribunal de 1.ª Instância mencionou, a discussão jurídica central aqui presente envolve-se em torno da entrega ou não da primeira comunicação de oposição à renovação e se, consequentemente, há oposição válida ao prazo de renovação.
RR. Com o intuito de perdurarem a sua habitação no imóvel, os recorridos sempre alegaram não terem recebido essa primeira carta, enquanto que a recorrente conseguiu demonstrar que a mesma foi enviada via CTT e que houve uma segunda carta rececionada pelos recorridos, produzindo validamente os efeitos relativos à oposição à renovação na sequência da remessa da primeira missiva.
SS. A divergência não é, portanto, sobre uma interpretação jurídica relativamente ao prazo de oposição à renovação e dúvida quanto ao prazo envio da carta registada no sentido de cumprir essa formalidade (tal como deriva do acórdão que o Tribunal a quo cita), mas sim sobre a efetiva entrega ou não da comunicação formal a fim de produzir os efeitos oposição à renovação.
TT. A decisão do Tribunal de 1.ª Instância, de não condenar os recorridos a pagarem a indemnização em dobro da renda, é totalmente injustificada, na medida em que a divergência factual sobre a entrega da comunicação foi resolvida com a segunda comunicação válida e tempestiva.
UU. Do Acórdão do STJ acima citado resulta que, ao contrário da mora por causa justificativa legítima, que ocorre quando o atraso na entrega do imóvel não é imputável ao locatário por causas que lhe sejam externas e não resultem de culpa própria,
VV. Verifica-se mora culposa sempre que há um atraso na entrega do imóvel por negligência ou omissão voluntária do locatário.
WW. Nesta situação, a responsabilidade do locatário é mais grave, gerando como consequência uma indemnização por ato ilícito. Situação essa que se constata aqui nos autos em virtude da conduta dos recorridos,
XX. Pois ao contrário do que entende o mencionado Acórdão, não estamos aqui perante a existência de “uma situação controvertida, não provocada pelo locatário e enquanto ela perdurar”.
YY. Destarte, a recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal de 1.ª Instância que lhe negou o pagamento da renda em dobro, quando, na verdade, são devidos mais 370€ por cada mês já decorrido e por cada mês que decorreu até à entrega efetiva do locado.
ZZ. Com os factos elencados considerados como provados, a falta de entrega do imóvel na data do término do contrato traduz-se numa mora culposa dos requeridos, devendo aplicar-se a indemnização em dobro conforme o artigo 1045º, nº 2, do Código Civil.
AAA. A confirmação do entendimento do Tribunal a quo leva à violação dos direitos constitucionais previstos nos artigos 20.º, 61.º e 62.º, da CRP.

Os réus vieram juntar aos autos as suas contra-alegações onde pugnam pela confirmação da decisão recorrida.


II – Da 1.ª instância chegam-nos assentes os seguintes factos:
1. A autora é dona e legítima proprietária de uma casa de habitação sita na Rua ..., ..., ...;
2. A 01.06.2020 celebrou um contrato de arrendamento habitacional, que teve por objeto o imóvel acima identificado, conforme documento junto com a petição inicial, cujo teor se reproduz;
3. Contrato, no qual, a autora interveio senhoria, o 1.º réu interveio inquilino como e o 2.º e 3.º réus como fiadores;
4. O contrato de arrendamento foi celebrado por um ano, com início de 01.06.2020, renovável por iguais períodos, de forma automática e nos mesmos termos e condições;
5. Mais ficou a constar do aludido contrato que:
a. A renda mensal seria de €370,00;
b. A fiadora obriga-se nos exatos termos do arrendatário e garante o exato cumprimento de todas as obrigações decorrentes para estes do presente contrato, incluindo as suas renovações, sem limite destas, renunciando expressamente ao benefício de excussão prévia;
6. A 09.01.2023, a autora enviou uma carta registada com aviso de receção a declarar a oposição à renovação do contrato para cessar no dia 31.05.2023;
7. Apesar das tentativas dos CTT, esta carta nunca chegou a ser levantada pelo réu e acabou por ser devolvida à remetente autora;
8. Com a devolução acima mencionada, a autora esperou 30 dias sobre a data do envio da primeira carta, antes de enviar uma segunda carta registada com aviso de receção remetida no dia 10 de fevereiro de 2023;
9. Esta segunda carta tinha o mesmo conteúdo da primeira e foi rececionada pelo réu no dia 13.02.2023;
10. Considerando que o réu nada respondia a esta missiva, foi este telefonicamente contactado por um colaborador da autora, DD, por volta da data do fim do contrato e da necessária entrega do imóvel;
11. Tendo o réu respondido que só havia recebido a carta para oposição à renovação a 13.02.2023, logo sem respeito pelo pré-aviso dos 120 dias, pelo que se recusava a entregar o locado;
12. Face a esta resposta, a autora remeteu nova carta, datada de 07.06.2023, a expor que tinha havido duas comunicações, a primeira devolvida e a segunda remetida com respeito pelos artigos 9.º e 10.º do NRAU, e a exortar à entrega do imóvel até o dia 15.06.2023;
13. Mais informava que a não entrega do locado, até à supra referida data, obrigaria a autora a seguir com uma ação de despejo e ainda a cobrar uma indemnização equivalente ao valor da renda em dobro, conforme previsto no artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil;
14. O réu pagou as rendas mensais e sucessivas no montante de €370,00;
15. De acordo com o auto de entrega, datado de 31.05.2024 e junto pelas partes com a referência 39254394, autora e réus acordaram a cessação do contrato e entrega do imóvel no dia 31.05.2024.



III – Como é sabido o objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do C.P.Civil), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
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Ora, visto o teor das alegações da autora/apelante é questão a apreciar no presente recurso:
– Do alegado direito à indemnização pela não entrega do locado.
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Como resulta dos autos, a autora peticionou que se declarasse extinto o contrato de arrendamento urbano em litígio, por válida e eficaz a oposição à sua renovação que fosse o 1.º réu condenado a entregar o imóvel em causa e que fossem todos os réus condenados, solidariamente, no pagamento da indemnização prevista no artigo 1045.º, n.º 2, calculada de 1.06.2023 e até efetiva do imóvel.
Resulta dos autos que o 1.º réu procedeu à entrega do imóvel à autora em 31.05.2024, pelo que a 1.ª instância nada mais teve de fazer do que declarar a inutilidade superveniente da lide relativamente aos 1.º e 2.º pedidos formulados.
E assim, a 1.ª instância decidiu declarar cessado, por oposição à sua renovação, no dia 31.05.2023, o contrato de arrendamento urbano em apreço nos autos, e no mais, absolveu o réus do pedido de pagamento da indemnização prevista no artigo 1045.º do C.Civil.
Ora, é quanto a esta última parte decisória que a autora/apelante se insurge.
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Questão – Do alegado direito à indemnização pela não entrega do locado.
Considerou-se relativamente a esta questão na sentença recorrida que: “(…) Verificada a validade e eficácia da oposição à renovação por parte da autora, as partes divergem quanto à data do término do contrato que resulta da manifestação da oposição, entendendo a autora que o contrato terminou a 31.05.2023 e entendendo o 1.º réu que contrato terminaria a 31.05.2024.
O contrato outorgado entre a autora e os réus já o foi ao abrigo da Lei n.º 13/2019, de 12.02.
Isto posto, somos de considerar não assistir razão ao réu, já que seguimos o entendimento de que a norma prevista no artigo 1096.º do C.C., em qualquer uma das suas redações (anterior ou posterior à Lei n.º 13/2019, de 12.02), tem natureza supletiva (neste sentido, Acórdãos do T.R.P. de 12.07.2023, 23.03.2023, T.R.L. de 06.07.2023, 27.04.2023, 17.03.2023 e 10.01.2023, disponíveis em www.dgsi.pt).
No essencial, a posição assumida convoca vários argumentos, destacando-se da nossa parte o seguinte.
O artigo 1095.º do C.C., sob a epígrafe “estipulação de prazo certo”, determina que o prazo certo deve constar de cláusula inserida no contrato e que o prazo certo definido não pode ser inferior a um ano, nem superior a trinta anos, considerando-se automaticamente ampliado ou reduzido aos referidos limites quando não os respeite.
Nessa sequência, o legislador no artigo 1096.º, nas redações recentes que lhe conhecemos, deixou logo consignado no início da redação “Salvo estipulação em contrário”, consagrando a coexistência de duas tutelas legais: a primeira, a da vontade das partes; e a segunda, a legal caso as partes nada convencionem.
Dito isto, admitir interpretação contrária levar-nos-ia a admitir que o legislador, com a redação de 2019, teria consagrado a nova figura do contrato de arrendamento urbano para habitação com prazo certo mínimo de quatro anos, sendo o primeiro ano o imperativo mínimo e os restantes três anos o imperativo da renovação.
Mais se teria de concluir que, ao sustentar essa leitura com o princípio do reforço da estabilidade e duração do contrato, o legislador privilegiara essa estabilidade e proteção no momento da renovação do contrato e não no momento do acordo da sua duração.
Mas não só.
Seríamos levados a concluir que a expressão “salvo estipulação em contrário” seria só para a possibilidade de as partes acordarem sobre a renovação do contrato, mas não já quanto à duração da renovação se a outorgassem.
Com efeito, o legislador optou por introduzir o prazo de renovação automática de três anos nos casos em que as partes não tenham definido, por si, o prazo das renovações contratuais automáticas.
A proteção do arrendatário encontra-se, sim, no disposto no artigo 1097.º, n.º 3 do C.C.
Deve seguir-se e prevalecer, portanto, uma interpretação sistemática.
A ser assim, neste caso, a vigência do contrato terminou a 31.05.2023.
Procede, pois, a ação.
Nessa medida, é devida a indemnização prevista no artigo 1045.º, n.º 1 do C.C., correspondente ao valor das rendas fixadas no contrato, duplicando o valor em caso de mora na entrega. Estamos, conforme letra clara da lei, perante o pagamento de uma indemnização pela ocupação do locado após cessação do contrato. Não se trata de uma renda, mas, repita-se, de uma indemnização. Indemnização essa cujo cálculo o legislador optou por fixar por equiparação ao valor da renda acordado, a dobrar em caso de mora.
Contudo, cremos não ser exigível, neste caso, o pagamento desta indemnização.
Recuperando o Acórdão do T.R.P. de 23.03.2023, “Existindo divergência entre as partes quanto à data da cessação do contrato de arrendamento, por força de diferente entendimento quanto ao prazo de renovação do contrato, apoiado na existência de jurisprudência e doutrina também divergentes quanto a esta questão, e estando pendente ação judicial para dirimir a controvérsia, não existe mora dos arrendatários pela falta de entrega do locado nos termos do n.º 2 do art.º 1045.º do Código Civil”.
Pese embora os réus tenham querido discutir o não recebimento da primeira comunicação, o certo é que trouxeram para a discussão da causa igualmente a divergência jurisprudencial em torno da imperatividade ou não do prazo de renovação em contratos de arrendamento urbano de um ano. Discussão que sempre poderia ter lugar, mesmo que aceitassem factualmente a tempestividade da oposição à renovação.
Desta feita, a autora cumpriu o ónus de alegação e de prova que lhe incumbia, sendo que os réus não afastaram a presunção de incumprimento – artigos 342.º e 799.º do C.C.
Todavia, atenta a circunstância acima apreciada e o facto de o réu ter procedido ao pagamento das rendas, nenhuma quantia há a fixar a este respeito (…)”.
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Conforme decidido em 1.ª instância e não posto em causa pela autora/apelante já que era esse o seu entendimento, o contrato de arrendamento para habitação celebrado em 1.06.2020 entre a autora/apelante, como senhoria, e o 1.º réu, como inquilino, que tinha por objeto a casa de habitação sita na Rua ..., ..., ..., mediante o pagamento de uma renda mensal de €370,00, foi celebrado pelo prazo de um ano, com início de 1.06.2020, renovável por iguais períodos, de forma automática e nos mesmos termos e condições.
Por oposição à renovação levada a cabo pela autora/apelante, julgada válida e eficaz, o contrato de arrendamento terminou em 31.05.2023.
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Como está provado nos autos, o 1.º réu apenas procedeu à entrega do locado à autora/apelante em 31.05.2024, não obstante ter-lhe entregue, mensalmente, as quantias que anteriormente eram devidas à título de renda até essa mesma data.
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1.1. Da alegada mora na entrega do locado e indemnização respetiva.
Como se viu, o contrato de arrendamento em apreço nos autos cessou pela oposição à renovação, manifestada pela senhoria (autora/apelante) e com efeitos reportados a 31.05/2023, nos termos dos art.ºs 1054.º, n.º 1, a contrario, 1055.º, 1096.º e 1097.º, todos do C. Civil. De tal cessação resulta, para o arrendatário (1.º réu), o dever de imediata restituição do imóvel arrendado, dever esse, a cumprir logo que cessa o contrato, nos termos dos art.ºs 1038.º, al. i) e 1081.º, n.º 1 do C.Civil.
Todavia, não se pode olvidar que está provado nos autos que:
- “(…) a autora remeteu nova carta, datada de 07.06.2023, a expor que tinha havido duas comunicações, a primeira devolvida e a segunda remetida com respeito pelos artigos 9.º e 10.º do NRAU, e a exortar à entrega do imóvel até o dia 15.06.2023”.
- “Mais informava que a não entrega do locado, até à supra referida data, obrigaria a autora a seguir com uma ação de despejo e ainda a cobrar uma indemnização equivalente ao valor da renda em dobro, conforme previsto no artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil.”
-“De acordo com o auto de entrega, datado de 31.05.2024 e junto pelas partes com a referência 39254394, autora e réus acordaram a cessação do contrato e entrega do imóvel no dia 31.05.2024”.
Como é sabido, o incumprimento de tal dever cria para o locatário, de acordo com o disposto no 1045.º do C.Civil, a obrigação de “indemnização pelo atraso na restituição da coisa”, ou seja:
“1 – Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2 – Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro”.
Este preceito fixa assim, de forma taxativa, o quantum indemnizatório, considerando que o prejuízo em que incorre o senhorio pela indisponibilidade da coisa locada é equivalente ao valor do respetivo uso, ou seja, a renda estipulada no contrato, afastando as regras gerais dos art.ºs 562.º e segs. do C.Civil, para o seu cálculo. Pois que, como se expressou no Ac. do STJ de 24.01.2006, in www.dgsi.pt, a razão de a razão tal preceito legal “é a de que extinto o contrato continua a renda, apesar de tudo, a ser o referencial de equilíbrio entre as prestações da relação de liquidação. E com base na ideia de que a renda, tendo resultado da auto-regulação das partes, representa, em regra, o justo valor do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada”.
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In casu” entendeu a 1.ª instância que, não obstante os réus tenham querido discutir nos autos o não recebimento da 1.ª comunicação de oposição à renovação do contrato, o certo é que também vieram discutir a divergência jurisprudencial em torno da imperatividade ou não do prazo de renovação em contratos de arrendamento urbano de um ano, aliás o que sempre poderiam legitimamente fazer, mesmo que aceitassem factualmente a tempestividade da oposição à renovação, daí e no seguimento do entendimento inserto no Ac. do T. Rel. do Porto de 23.03.2023, in www.dgsi.pt, tenha decidido que não existia mora dos réus quanto à entrega do locado.
Contra esta posição defende a autora/apelante que os réus se recusaram a entregar o locado aquando do término – válido e eficaz – do contrato de arrendamento (com base na não receção de uma carta), aliás a senhoria avisou os réus, por escrito, de que iria exigir essa indemnização pela mora na entrega do locado – ponto 13 da matéria de facto provada. Assim, desde o dia 1 de junho de 2023 (data em que os réus deveriam ter feito a entrega física do locado) que estes estão em mora culposa na sua obrigação de restituição do imóvel.
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Já deixámos consignado acima que está em causa o pagamento da indemnização pelo atraso na restituição da coisa, que se encontra legalmente fixada no n.º 1 do art.º 1045.º do C. Civil, e que corresponde, de forma perentória, ao valor das rendas que as partes tenham estipulado.
No caso dos autos, a renda estipulada no contrato de arrendamento celebrado por escrito foi de €370,00, tendo o arrendatário pago esse valor até à data da efetiva entrega do locado à autora, ou seja, até 31.05.2024.
O contrato de arrendamento foi celebrado em 1.06.2020, pelo prazo de um ano, com início de 1.06.2020, renovável por iguais períodos, de forma automática e nos mesmos termos e condições.
A 09.01.2023, a autora enviou uma carta registada com aviso de receção a declarar a oposição à renovação do contrato para cessar no dia 31.05.2023, mas apesar das tentativas dos CTT, esta carta nunca chegou a ser levantada pelo réu e acabou por ser devolvida à remetente autora, após esta devolução, a autora esperou 30 dias sobre a data do envio da primeira carta, e decorridos estes, enviou no dia 10.02.2023, uma segunda carta registada com aviso de receção. Esta segunda carta tinha o mesmo conteúdo da primeira e foi rececionada pelo réu no dia 13.02.2023.
Considerando que o réu nada respondia a esta missiva, foi este telefonicamente contactado por um colaborador da autora, DD, por volta da data do fim do contrato e da necessária entrega do imóvel, tendo o réu respondido que só havia recebido a carta para oposição à renovação a 13.02.2023, logo sem respeito pelo pré-aviso dos 120 dias, pelo que se recusava a entregar o locado.
Face a esta resposta, a autora remeteu nova carta, datada de 07.06.2023, a expor que tinha havido duas comunicações, a primeira devolvida e a segunda remetida com respeito pelos artigos 9.º e 10.º do NRAU, e a exortar à entrega do imóvel até o dia 15.06.2023 e mais informava que a não entrega do locado, até à supra referida data, obrigaria a autora a seguir com uma ação de despejo e ainda a cobrar uma indemnização equivalente ao valor da renda em dobro, conforme previsto no artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil.
Perante tal factologia, manifesto é de concluir como se fez em 1.ª instância que o contrato de arrendamento em causa cessou, por oposição válida e eficaz da autora senhoria à sua renovação, em 31.05.2023.
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Sobre esta temática vem sendo recorrente a citação a nível jurisprudencial de vária Doutrina, assim, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. II, pág. 406, refere que: “se findo o contrato, não houver mora do locatário quanto à obrigação de restituição da coisa locada (…), o contrato prolonga-se até à entrega da coisa, devendo o locatário continuar a pagar, agora a título de indemnização, a renda ou aluguer convencionado. Indemnização justa, visto que ele continua a usar a coisa em prejuízo do locador - mas indemnização de natureza claramente contratual.”. Havendo mora do locatário, dizem ainda os mesmos Autores que: “a sua responsabilidade aumenta, fixando a lei como indemnização o dobro da que resultaria no caso previsto no número anterior”.
Já Pedro Romano Martinez, in “Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos”, pág. 202 refere que: “O vencimento da obrigação de entrega da coisa não se dá, de imediato, no momento em que termina o contrato. Extinto o contrato de locação, se o locatário não restituir imediatamente a coisa locada, nos termos do art.º 1045º, n.º 1 CC, deve continuar a pagar a renda ou aluguer ajustadas. Por conseguinte, prevê-se que, extinta a relação contratual, se o locatário não restituir a coisa locada, subsiste uma relação contratual de facto que lhe impõe o dever de continuar a pagar a renda ou aluguer ajustado, como se o contrato continuasse em vigor. Contudo, se o locador interpelar o locatário para este proceder à entrega da coisa, não a restituindo, entra em mora. Assim, o locatário, extinto o contrato de locação, só entra em mora, relativamente à obrigação de restituir a coisa, depois de ter sido interpelado para a entregar. Extinto o contrato, torna-se necessário que o locador interpele o locatário, após o que, se este não restituir a coisa, entra em mora e tem de pagar o dobro da renda ou aluguer devido contratualmente (art.º 1045º, n.º 2 CC)”.
Por seu turno, Menezes Leitão, in “Arrendamento Urbano”, pág. 111, escreve: “Da formulação destas disposições legais resulta que a obrigação de restituição não se vence automaticamente no fim do contrato de arrendamento urbano (…), dado que o decurso desses prazos apenas torna exigível essa restituição, cujo vencimento depende, nos termos gerais, de interpelação à outra parte (art.º 777.º n.º 1). Consequentemente, é apenas a partir dessa interpelação que o arrendatário entra em mora quanto à restituição (art.º 805.º, n.º 1), com as respetivas consequências legais em termos de indemnização (art.º 804.º, n.º 1) e inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa (art.º 807.º)”.
Já Olinda Garcia, in “Arrendamentos para Comércio”, pág. 59, expressa a ideia de que o n.º 1 do art.º 1045.º do C.Civil. não prevê uma sanção para o não cumprimento, dado o arrendatário não estar em mora, mas antes uma compensação pecuniária que afasta a disciplina geral do enriquecimento sem causa, sendo a previsão do n.º 2 do mesmo preceito uma sanção, aplicável em caso de mora, pelo atraso na restituição do locado.
Menezes Cordeiro, in “Tratado do Direito Civil”, Vol. XI, pág.788 aceita que a não-restituição seja lícita quando, por causa não imputável ao locatário, ela não corre no momento em que cesse o contrato, o que pode suceder: “quando o locatário ilida a presunção de culpa pela não-restituição; (b) caso o locador, a título de mera tolerância, admita a manutenção do gozo, na esfera do locatário; (c) quando exista uma situação controvertida (ação de nulidade ou de anulação, ação de resolução ou situação de caducidade), não provocada pelo locatário e enquanto ela não se solucionar, desde que continue a pagar a renda ou aluguer; (d) quando a restituição não possa ter lugar por causa imputável ao locador e, não obstante, o locatário continue no gozo da coisa, sem recorrer à consignação em depósito”. Concluindo, depois que “fora dos casos apontados e não havendo restituição por culpa do próprio locador (…) a presunção de culpa do locatário implica a da mora, por via do artigo 805.º/2, a). Não é necessária nenhuma interpelação (805.º/2), uma vez que há prazo certo. Apenas quando o termo dependa duma iniciativa do locador (denúncia, resolução ou declaração de anulação) se poderia situar o início da mora no da eficácia da competente declaração. Logo que haja mora, a “indemnização” é elevada ao dobro (1045.º/2)”.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, no Ac. de 12.12.2023, in www.dgsi.pt entendeu-se que: “I- Surgindo para o locatário a obrigação de restituição do locado por oposição lícita à renovação do contrato de arrendamento, o atraso relativamente ao dever de entrega que configure uma situação de mora por causa que não lhe seja imputável a título de culpa (mora consentida por causa justificativa legítima: «por qualquer causa») faz aplicar o n.º 1 do art.º 1045º do CCiv. e a correspondente indemnização por ato lícito; ao invés, a “mora” pressuposta no n.º 2 do art.º 1045º implica omissão de entrega voluntária e culposa, conduzindo a uma indemnização por ato ilícito (em conjugação com os arts. 804º, 2, e 805º, 2, a), do CCiv.). II- O adiamento da restituição da coisa locada prevista no n.º 1 do art.º 1045º do CCiv. afigura-se como ato lícito em referência a essa mora consentida, numa espécie de prolongamento da relação locatícia por causa sem culpa do locatário (uma vez autorizado, tolerado ou admitido pelo ordenamento jurídico, por ocorrência de litígio judicial relevante ou decisão de tribunal ou pelas partes), que funda o pagamento das rendas vencidas até à restituição em singelo”.
É nosso entendimento, que a melhor interpretação dos preceitos legais em análise em relação, é a de que, o que resulta do art.º 1038.º al. i) do C.Civil é apenas a obrigação de o locatário restituir a coisa locada depois de findo o contrato. Não obstante resultar de tal preceito que, a cessação do contrato “torna imediatamente exigível” a desocupação e a entrega do locado. Todavia, uma coisa é a “exigibilidade”, dessa entrega, o que é tão só o nascimento para o senhorio do poder de obrigar o inquilino a entregar de imediato o locado, que pode exercer ou não, outra coisa, é o efetivo exercício de tal poder, a respetiva interpelação para fazer a entrega, situação em que ocorre o “vencimento” dessa obrigação para o arrendatário e não a cumprindo, necessariamente entra em mora, cfr. art.ºs 805.º n.º 1 e/ou 777.º n.º 1 do C.Civil.
Pelo que entendemos que, a obrigação de restituição da coisa locada, findo o prazo estipulado pelas partes e manifestada a oposição à renovação, não tem como consequência necessária a constituição em mora por parte do inquilino, pois pode até vir a acontecer uma renovação legal do contrato de arrendamento. Em suma, estamos assim perante uma obrigação pura, sem prazo certo, cfr. art.º 805.º n.º 2 al. a) do C.Civil, em que o vencimento da mesma fica dependente da efetiva interpelação para cumprimento, seja por via judicial, seja extrajudicial, cfr. art.º 805.º n.º 1 do C.Civil.
Em conclusão, a mora constituir-se-á pela mera comunicação ao devedor da exigência efetiva do cumprimento da obrigação de entrega da coisa.
No caso dos autos, o réu arrendatário contestava perante a autora senhoria a validade e eficácia da comunicação à oposição da renovação do contrato, dizendo, além do mais que … só havia recebido a carta para oposição à renovação a 13.02.2023, logo sem respeito pelo pré-aviso dos 120 dias, pelo que se recusava a entregar o locado.
Mas, face a esta posição do réu arrendatário, a autora senhoria remeteu nova carta, datada de 07.06.2023, a expor que tinha havido duas comunicações, a primeira devolvida e a segunda remetida com respeito pelos artigos 9.º e 10.º do NRAU, e a exortar à entrega do imóvel até o dia 15.06.2023, e mais informava que a não entrega do locado, até à supra referida data, obrigaria a autora a seguir com uma ação de despejo e ainda a cobrar uma indemnização equivalente ao valor da renda em dobro, conforme previsto no artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil.
Daqui resulta, segundo é nosso entendimento que a autora senhoria, não só reafirmou perante o réu arrendatário a validade e eficácia da oposição à renovação do contrato de arrendamento, como ainda interpelou o mesmo para cumprir a obrigação de entrega do locado até ao dia 15.06.2023.
Como se viu, a 1.ª instância veio a julgar válida e eficaz a oposição à renovação do contrato efetuada pela autora senhoria, todavia, a validade e eficácia de tal oposição – situação controvertida nos autos – até ao momento da sua decisão em sede do presente processo “paralisava” a interpelação para entrega do locado feita pela autora senhoria até ao dia 15.06.2023, e consequentes efeitos do seu não cumprimento, ou seja, a situação ilegítima de mora do réu arrendatário na entrega do locado.
Pelo que a conduta do réu arrendatário após a cessação do contrato de arrendamento por oposição lícita à renovação da autora senhoria, judicialmente definida, não se reflete, no atraso relativamente ao dever de restituição do locado após a extinção jurídico-formal do contrato, cfr. art.ºs 1038.º, al. i), e 1081.º, n.º1, do C.Civil, em termos de poder esse atraso ser qualificado como mora.
Aliás sempre se dirá ainda que, estando nós em sede de contratos fundados na autónoma e livre vontade das partes, não se pode olvidar que, como está provado nos autos e resulta do respetivo auto de entrega, datado de 31.05.2024 e junto pelas partes com a referência 39254394, - autora e réus acordaram a cessação do contrato e entrega do imóvel no dia 31.05.2024.
Ora, se autora senhoria e réu arrendatário acordaram, não obstante o que se viesse a julgar provado e consequentemente decidido nos presentes autos quanto à validade e eficácia da oposição à renovação do contrato, que o mesmo cessava em 31.05.2024, logo e como resulta dos preceitos acima citados, apenas a partir de tal data nascia para o réu arrendatário o dever de entregar o locado e para a autora senhoria a exigibilidade da devolução do mesmo locado.
Destarte e sem necessidade de outros considerandos, inexiste situação de mora do réu arrendatário, nos termos do n.º2 do art.º 1045.º do C.Civil, caindo a situação em apreço tão só na previsão do n.º1 do art.º 1045.º do C.Civil, o que se mostra cumprido, uma vez que o réu arrendatário pagou à autora senhoria e até à data da entrega efetiva do imóvel as quantias mensais idênticas às que tinham sido estipuladas como rendas.
Logo, improcedem as conclusões da apelante, havendo de se confirmar a decisão recorrida.


Sumário:
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IV – Pelo exposto acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela autora/apelante.







Porto, 28.01.2025

Anabela Dias da Silva
Márcia Portela
Alberto Taveira