Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | NÉLSON FERNANDES | ||
Descritores: | CONTRATO A TERMO CERTO ADENDA AO CONTRATO INTRODUÇÃO DE UM NOVO MOTIVO / SUBSTITUIÇÃO DE TRABALHADOR AUSENTE POR DOENÇA. | ||
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Nº do Documento: | RP202502242806/23.3T8PNF.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE. CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato é necessário que se explicitem no seu texto os factos que possam reconduzir ao motivo justificativo indicado e que tais factos tenham correspondência com a realidade, impondo-se que esse motivo, que é indicado, resulte de forma suficientemente circunstanciada, de modo a permitir o controlo da existência ou não da necessidade temporária que é invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, a comprovação de que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade. II - Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo. III - Estando em causa a indicação de um novo motivo, assim de doença do trabalhador, para justificar a contratação a termo, esse traduz-se, não num acontecimento cujo termo ocorre em momento certo e determinado (caso em que, por assim ser, daria suporte a indicação no contrato de um termo certo), e sim, noutros termos, quanto ao seu termo, em algo incerto, do que decorre que, pretendendo-se recorrer à contratação a termo, para operar essa substituição de trabalhador ausente por doença, deixa de ter suporte a indicação, no contrato, de um termo certo. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Apelação / processo n.º 2806/23.3T8PNF.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este Juízo do Trabalho ... - Juiz 2
Autor: AA Ré: A..., S.A. _______
Nélson Fernandes (relator) António Luís Carvalhão Sílvia Gil Saraiva
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I - Relatório 1. AA propôs ação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra A..., S.A., pedindo: - Que se julgue nula a cláusula que estipulou o termo certo do contrato de trabalho celebrado em 3 de junho de 2022 e este convertido em contrato sem termo, sendo o Autor reintegrado no seu posto de trabalho. - Se assim não se entender, que se julgue nula a cláusula primeira da adenda contratual datada de 1 de setembro de 2022 e convertido em contrato de trabalho sem termo, sendo a Ré condenada a reintegrar o Autor no seu anterior posto de trabalho. - Em qualquer dos casos deve a Ré ser condenada a pagar as retribuições e subsídio de alimentação desde trinta dias antes de ter sido proposta a ação até ao trânsito em julgado da decisão final.
Alegou, para tanto e em síntese, que: no dia 3 de junho de 2022, celebrou com a Ré um contrato de trabalho a termo certo, para, sob a autoridade e direção desta, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de carteiro e o grau de qualificação II, no ..., mediante o horário de 39 horas por semana e a retribuição mensal de €705,00; o referido contrato foi celebrado ao abrigo do disposto no n.º 1, alínea a) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho «pelo prazo de 148 dias, com início em 03-06-2022 e término em 28-10-2022, prazo que se prevê necessário à satisfação das necessidades temporárias de serviço por motivo de substituição dos trabalhadores ausentes na situação de férias, conforme escala de férias previstas no Anexo I, que faz parte integrante do presente contrato; nessa escala ficaram a constar os nomes dos trabalhadores que o Autor iria substituir e as datas em que o iria fazer, sendo que, diz, por essa escala não ter sido cumprida, a 1 de setembro de 2022 o Autor e a Ré celebraram uma adenda contratual, nos termos da qual, diz, a Ré alterou a fundamentação, a motivação do contrato inicial, que era para substituir trabalhadores em gozo de férias, e por meio da adenda contratual passou a incluir a substituição de trabalhadores em gozo de férias e por doença; a Ré não podia, por intermédio da adenda contratual, alterar a fundamentação do recurso à contratação a termo, aditando-lhe um novo motivo – doença – como para além disso, a doença não é uma situação ou acontecimento cujo termo ocorre em momento certo e determinado, pois depende sempre da sua evolução e, como tal esta situação, acontecimento ou fundamentação não valida o recurso à contratação a termo certo, pelo que a cláusula que estipula o termo certo da adenda contratual é nula.
Citada a Ré, procedeu-se à Audiência de Partes, não tendo sido possível obter a conciliação das mesmas.
Na contestação que apresentou, a Ré invoca que não há qualquer uso abusivo do regime da contratação a termo, pois que não só os motivos que levaram à contratação do Autor no contrato celebrado são verdadeiros, como tiveram suporte legal na justificação invocada. Conclui pela improcedência da ação, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido. Subsidiariamente, caso venha a ser julgada procedente a ação, deve ter-se em conta, para efeitos da compensação prevista no artigo 390º do Código do Trabalho, as informações obtidas da Segurança Social bem como deve ser descontada a compensação de caducidade auferida pelo Autor no montante de €173,90.
Fixado o valor da ação em €5.000,01, foi proferido despacho saneador, após o que, invocando-se o disposto no artigo 49.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, se afirmou o seguinte: “atenta a manifesta simplicidade dos factos controvertidos, em discussão nos presentes autos, dispenso a enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova, por considerar conveniente a simplificação processual no âmbito dos presentes autos”.
2. Seguindo os autos os seus termos subsequentes, realizada a audiência de julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta: Pelo exposto, julgo procedente a presente acção e consequentemente: I) Declaro nula a cláusula primeira da adenda contratual datada de 1 de Setembro de 2022 e, consequentemente, declaro o contrato de trabalho celebrado em 3 de junho de 2022, convertido em contrato sem termo. II) Condeno a Ré a reintegrar o Autor no seu anterior posto de trabalho, atribuindo-lhe as funções correspondentes à categoria profissional de carteiro e o grau de qualificação II, no mesmo local de trabalho – ..., reconhecendo-lhe a antiguidade desde 3 de junho de 2022. IV) Condeno a Ré a pagar ao Autor as retribuições e subsídio de alimentação que este deixou de auferir desde o dia 30 de agosto de 2023 até ao trânsito em julgado desta decisão, deduzidas das quantias a que se refere o artigo 390º, nº2, do Código do Trabalho, e respeitantes àquele período, a liquidar. Custas pela Ré. Registe e notifique.”
2.1. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, formulando no final das alegações as conclusões seguintes: II. A questão central que se discute no recurso prende-se com a validade do termo aposto no contrato de trabalho, celebrado ao abrigo do n.º 1, da al. a) do n.º 2) do art. 140.º do C.Trab. e respectiva adenda, que altera o motivo de ausência de dois trabalhadores, decorrente de situação de doença. III. Considerando esta questão, entende a Recorrente que são de alterar os factos 5) a 7), atento o documento junto em 09.01.2024 - Ref.ª Citius n.º 9314592, não impugnado, e que corresponde ao mapa de assiduidade do CDP, que não foi devidamente ponderado face ao que foi afirmado pelas testemunhas BB e CC. IV. A testemunha BB, ouvido na sessão de 22.01.2024, (mins. 10:29 * 10:34 - 00:05:10) explica os códigos que aparecem na coluna das horas de entrada e saída referindo de forma peremptória que o código 150 respeita a férias e o 091 a doença. V. A testemunha CC afirmou que no ... as férias são marcadas por escala, rotativamente, sendo que, por vezes, há trocas entre colegas não tendo dúvidas que, naquele ano, teria férias em Setembro; como entrou de baixa, não se sabia bem o que ia acontecer na altura. VI. Portanto, daqui resulta que embora os depoimentos sejam extremamente curtos, a prova é bastante no sentido de que a escala inicial e a estabelecida na adenda foi cumprida pois todos os trabalhadores indicados estavam ausentes por férias (código 150) e doença (código 091). VII. E assim, o ponto 5) devia ser alterado por “A escala de férias inicialmente prevista não foi cumprida, por virtude da situação de doença dos trabalhadores CC e DD” VIII. E do ponto 6), passar a constar “Por via da situação referida no ponto anterior, (…) mantendo-se tudo o mais. IX. Concluindo-se, no ponto 7) que “a escala, assim alterada, foi cumprida” X. Face ao exposto, deve esse venerando Tribunal de recurso modificar a matéria de facto, por manifesto erro na apreciação da prova pois, dos depoimentos das testemunhas e demais elementos de prova constantes dos autos, não pode sustentar-se a convicção formada, pois claramente, não tem suporte razoável naquilo que a prova demonstra.. XI. Assim, não há dúvida que o Autor solicitou a sua mobilidade para a área dos Transportes e a Ré, nessa sequência, informou-o que ficava em lista de espera através da missiva junta na sessão de 8 de Abril, que o Autor recebeu e mostrou ter pleno conhecimento do seu conteúdo. XII. E sem prescindir da alteração da matéria de facto como proposto, a verdade é que dos factos 4), 5) e 6) já resulta que a escala inicialmente anexa ao contrato não doi cumprida e que as partes, precavendo a situação de manutenção de doença de dois trabalhadores, celebraram adenda ao contrato, confirmando que a substituição daqueles se faria por ausência por doença e não por férias. XIII modo, não se compreende a aplicação de Direito ao caso concreto. XIV O Mapa de Férias é estipulado em Março de cada ano, sendo que, no CDP em causa, a marcação é feita mediante escala. XV. Do contrato consta o respectivo período de férias de cada um dos trabalhadores a substituir. XVI Após a marcação de férias, podem ocorrer alterações quer por interesse da empresa quer por iniciativa do trabalhador, como será o caso de este se encontrar impedido por doença. XVII Se tal acontece, e porque não é previsível, esse facto não pode ser imputado à Ré, muito menos, como considerou o Tribunal a quo determinar a invalidade do termo aposto no contrato. XVIII. Em especial, porque a Ré, precavendo a possibilidade dos trabalhadores CC e DD, continuarem doentes, celebrou adenda exactamente para dar respaldo à situação concreta verificada, ou seja, a ausência daqueles trabalhadores não por férias, mas por doença. XIX. Pretendeu-se adequar a situação de ausência definida no contrato para que não houvesse uma divergência entre os fundamentos para a contratação a termo e a realidade verificada. XX. Como entendeu o Tribunal da Relação do Porto, no Ac. do de 24.10.2016, proferido no Processo n.º 3128/15.9T8MTS.P1, a propósito da renovação do contrato a termo, se houver alteração das razões que justificaram a celebração do primeiro contrato a termo, a renovação terá que colher justificação noutro fundamento, devendo dar-se cumprimento à obrigação de indicação do motivo justificativo. XXI. E o mesmo entendimento deverá ser dado no caso em apreço, ou seja, se no decurso do contrato a situação de ausência se modificar, as partes devem celebrar uma adenda que mencione as concretas razões dessa ausência. XXII. Deste modo, pode estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, havendo correspondência entre este e a realidade verificada. XXIII. Acresce que, o Autor esteve a desempenhar as funções de CRT, em substituição dos trabalhadores referidos no contrato, em gozo de férias e por situação de doença, facto que o Autor não põe em causa. XXIV. Na verdade, os trabalhadores referidos no contrato, gozaram férias e estiveram em situação de doença nos períodos aludidos, conforme resulta dos respectivos registos pontográficos. XXV. Por fim, o Tribunal a quo aflora que da prova testemunhal resulta que a contratação a termo é uma necessidade constante e permanente da Ré, face ao serviço que há para realizar, que já se faz sentir há largos anos, mas nada disso resulta dos factos provados. XXVI. Sendo certo que por si só (e genericamente) a contratação a termo por parte da Ré não determina a invalidade do contrato a termo em análise nos presentes Autos. XXVII. A sentença recorrida porque não aplicou correctamente o direito aos factos dados como provados, violou o disposto no art. 53.º da C.R.P., nos arts. 140.º, 141.º, 147.º do C.Trab. e, de igual forma, violou o n.º 2 do art. 9.º do C.Civ., já que as exigências interpretativas plasmadas na fundamentação não têm o mínimo de correspondência nas normas putativamente violadas.” Conclui, na procedência do recurso, pela revogação da sentença recorrida.
2.1.1. Contra-alegou o Autor, começando por invocar que a Ré incumpriu os ónus legais no que se refere à impugnação da matéria de facto, para depois sustentar que o recurso deve improceder, confirmando-se a sentença recorrida.
2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância, como apelação, a subir de imediato nos próprios autos e com efeito suspensivo.
3. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no parecer que emitiu, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, parecer esse que não foi objeto de pronúncia pelas partes.
*** Corridos os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:
II – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso – artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável “ex vi” do artigo 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) impugnação da matéria de facto; (2) saber de a sentença aplicou adequadamente o direito.
*** III – Fundamentação A) Fundamentação de facto O tribunal recorrido fez constar da sentença o seguinte (transcrição): “Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos: 1) A Ré é uma sociedade anónima que tem como objecto a distribuição de correio em Portugal. 2) A 03 de junho de 2022, o Autor e a Ré celebraram um contrato que intitularam de “contrato de trabalho a termo certo”, cuja cópia consta de fls. 12 e 12 verso, nos termos do qual o Autor se comprometeu a prestar à Ré, sob a autoridade e direção desta, as funções correspondentes à categoria profissional de carteiro, grau de qualificação II, com um período normal de trabalho com a duração semanal de 39 horas e a retribuição mensal de €705,00. 3) Consta da cláusula quarta do contrato referido em 2) que «1. O contrato é celebrado ao abrigo do nº1, da alínea a) do nº2) do artigo 140º do Código do Trabalho, pelo prazo de 148 dias, com início em 03-06-2022 e término em 28-10-2022, prazo que se prevê necessário a satisfação das necessidades temporárias de serviço por motivo de substituição dos trabalhadores ausentes na situação de férias, conforme escala de férias previstas no Anexo I, que faz parte integrante do presente contrato». 4) No contrato referido em 2, como anexo, ficou a constar a seguinte escala de férias com os nomes e datas de trabalhadores que o Autor teria que substituir:
5) Esta escala não foi cumprida. 6) Por não ter sido cumprida, a 1 de setembro de 2022, Autor e Ré celebraram uma adenda contratual, cuja cópia consta de fls. 13, da qual se fez constar o seguinte na cláusula primeira: «1. As partes acordam em alterar o disposto no nº 1 da cláusula 4º do contrato a termo certo que a vincula, iniciado em 03-06-2022, relativamente à escala de férias aí prevista, ficando o TRABALHADOR no período de 13-09-2022 a 30-09-2022 a substituir o trabalhador CC (...76) ausente, não por férias, mas por motivo de doença. 2. No período de 19-10-2022 a 26-10-2022 substitui o trabalhador DD ...53) não por férias, mas por se encontra na situação de doença. 3. Caso a situação de doença cesse durante o período a que se refere o número anterior, o trabalhador passará a ser substituído por motivo de férias, conforme inicialmente previsto. 4. No período de 19-10-2022 a 28-10-2022 passa a substituir o trabalhador DD em vez de se encontrar ele próprio de férias.» 7) Apesar desta alteração à escala esta também não foi cumprida. 8) A Ré fez cessar o contrato referido em 2) no dia 28 de outubro de 2022, nos termos da cláusula quinta desse contrato, segunda a qual “As partes manifestam a intenção de não renovar o presente contrato, nos termos do nº 1 do artigo 149º do Código do Trabalho, considerando-se, desde já., realizado o pré-aviso exigido no artigo 344º do mesmo diploma.” 9) A Ré pagou ao Autor a quantia de €173,90 a título de compensação pela caducidade do contrato referido em 2). * Factos não provados Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a descoberta da verdade e boa decisão da causa constantes da petição inicial ou da contestação.”
*** B) Discussão 1. Impugnação da matéria de facto Dirigindo a Recorrente o recurso à impugnação da matéria de facto, começando o Recorrido por sustentar que não foram cumpridos os ónus legais de impugnação, importa verificar se assim é, o que faremos de seguida. Dispondo o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, aí se abrangendo, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente, importa, então, que verifiquemos se fundamento legal ocorre que impeça essa pretendida reapreciação. Dispõe-se no artigo 640.º, do CPC, o seguinte: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”. Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[1]. Contudo, como também sublinha, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”. A respeito do cumprimento do ónus estabelecido na citada alínea c) do n.º 1, se pronunciou, muito recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), no Acórdão de 17 de outubro de 2023[2], uniformizando a Jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações”. Muito embora apenas tenha sido fixada jurisprudência a respeito da referida alínea, resultam, porém, do mesmo Acórdão, assim da sua fundamentação, considerações que temos como claramente relevantes quanto às demais exigências que resultarão do mesmo preceito, nos termos que seguidamente se transcrevem: «(…) Desse modo, impõe-se a respetiva harmonização com os mais ditames no que concerne à admissibilidade do recurso, legitimidade para recorrer, prazos para tanto, bem como as regras no que concerne ao modo de interposição, no que para aqui releva, os recursos interpõem-se por meio de requerimento, devendo conter obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade, artigo 637, n.º 1 e n.º 2, especificando o n.º 1, do artigo 639, que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, artigo 639, n.º 1, preceito legal de cariz genérico, reportando-se assim aos recursos onde sejam apenas suscitadas questões de direito, mas também se pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto(57), procedendo à delimitação do objeto do recurso, como avulta do previsto no artigo 635, n.º 3 e 4. Em conformidade, não surpreende que no artigo 640 não se faça qualquer referência aos aspetos formais, antes enunciados, relevando sim, que sejam dadas essencialmente as indicações previstas na alínea a), na medida em que as mesmas delimitam a atividade de reapreciação junto do Tribunal da Relação, do julgado quanto à matéria de facto. 4 - Não pode, no entanto, ser esquecida a ratio legis, no atendimento dos princípios já enunciados na abordagem do histórico do preceito, que seria despiciendo repisar, mas também, e com eles necessariamente relacionados, os hodiernos vertidos no vigente Código de Processo Civil, caso do princípio da cooperação, enquanto responsabilidade conjunta de todos os intervenientes processuais, numa visão instrumental do processo para a obtenção da solução justa e atempada do litígio, bem como, com as devidas adaptações, o dever da gestão processual na vertente da respetiva adequação, sublinhando a prevalência da matéria em relação à forma, sempre pautados pelo dever de boa-fé, não esquecendo o ónus de alegação, numa pretendida colaboração ativa para a apreciação a realizar pelo Tribunal, inculcada com a inclusão do apontamento da decisão alternativa, e tendo presente a imprescindível consideração da proporcionalidade e razoabilidade que para a causa em concreto seja atendível e se justifique. Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador(58), chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso(59), conforme o n.º 1, alínea c) (60) do artigo 640, apresentando algumas divergências ou em sentido não totalmente coincidente, vejam-se os Autores, Henrique Antunes(61), Rui Pinto(62), Abílio Neto(63). 5 - Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada. (…)» Do que nos afigura resultar da citada fundamentação, consideramos adequado, em face do que resulta da lei, o entendimento de que, para cumprir os ónus legais, o recorrente sempre terá de alegar e levar para as conclusões, sob pena de rejeição do recurso, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, como estabelecido na alínea a) do n.º 1 do preceito citado, enquanto definição do objeto do recurso, sendo que, noutros termos, já quando ao cumprimento do disposto nas alíneas b) e c) do mesmo número, desde que vertido no corpo das alegações, a respetiva não inclusão nas conclusões não determina tal rejeição do recurso. Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”[3], sendo também entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do STJ, que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no artigo 640.º, n.º 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas[4]. Não obstante, como se elucida do Acórdão do STJ de 6 de julho de 2022[5], após enunciar a “jurisprudência do STJ, norteada por critérios de proporcionalidade e de razoabilidade e rejeitando abordagens desta problemática de raiz essencialmente formal”[6], e resulta do respetivo sumário: I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente. II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”). III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo. Ora, no caso, atentos os princípios antes enunciados, cabendo verificar se foram suficientemente cumpridos os analisados ónus legais, tanto mais que o Apelado nas contra-alegações defende que não foi esse o caso, resultando das conclusões quais os pontos da matéria de facto impugnada, como é imposto, também resulta, neste caso também socorrendo-nos do corpo das alegações, qual a decisão que se pretende e, ainda, neste caso é certo de um modo menos rigoroso, os meios de prova em que se suporta a alteração. Dizemos menos rigoroso, pois que, afinal, a Recorrente, desde logo quanto à prova por declarações, quanto ao ónus imposto no n.º 2, alínea a), do artigo 640.º, limita-se a indicar, não o início e o fim da passagem, e sim, noutros termos, apenas uma referência a minutos e segundos. Não obstante, tratando-se claramente de depoimentos de curta duração, tal indicação permite que esta relação, a ser esse o caso, possa localizar o que se pretende, sem prejuízo, naturalmente, da verificação, aquando da apreciação, do demais exigido, nos termos anteriormente mencionados – âmbito em que se inclui, diga-se, na consideração de que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[7] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, então, a impugnação que é feita não se deve bastar com a mera alegação de que não concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova[8], artigo 607.º, nº 5 do CPCivil[9]. Em face do exposto, de seguida procederemos à necessária análise.
Apreciação Pontos 5.º a 7.º, da factualidade provada: “5) Esta escala não foi cumprida. 6) Por não ter sido cumprida, a 1 de setembro de 2022, Autor e Ré celebraram uma adenda contratual, cuja cópia consta de fls. 13, da qual se fez constar o seguinte na cláusula primeira: «1. As partes acordam em alterar o disposto no nº 1 da cláusula 4º do contrato a termo certo que a vincula, iniciado em 03-06-2022, relativamente à escala de férias aí prevista, ficando o TRABALHADOR no período de 13-09-2022 a 30-09-2022 a substituir o trabalhador CC (...76) ausente, não por férias, mas por motivo de doença. 2. No período de 19-10-2022 a 26-10-2022 substitui o trabalhador DD ...53) não por férias, mas por se encontra na situação de doença. 3. Caso a situação de doença cesse durante o período a que se refere o número anterior, o trabalhador passará a ser substituído por motivo de férias, conforme inicialmente previsto. 4. No período de 19-10-2022 a 28-10-2022 passa a substituir o trabalhador DD em vez de se encontrar ele próprio de férias.» 7) Apesar desta alteração à escala esta também não foi cumprida.” Sustenta a Recorrente que os citados pontos devem passar a ter a redação seguinte: - 5) “A escala de férias inicialmente prevista não foi cumprida, por virtude da situação de doença dos trabalhadores CC e DD.” - 6), “Por via da situação referida no ponto anterior, (…) mantendo-se tudo o mais. - 7) “a escala, assim alterada, foi cumprida” Em termos de prova, para suportar a alteração, sustenta que o documento junto em 09.01.2024 - Ref.ª Citius n.º 9314592, não impugnado, e que corresponde ao mapa de assiduidade do CDP, não foi devidamente ponderado, face ao que foi afirmado pelas testemunhas BB e CC – em face do corpo das alegações, apenas indica, quanto à primeira, em termos de localização no registo da gravação, “mins. 00:03:40” e, no que se refere à segunda, “mins 00:00:00 a 00:01:06” e “mins 00:03:44”). Pugnando o Apelado pela manutenção do julgado, resulta da motivação constante da sentença nomeadamente o seguinte: “(…) Os factos provados sob os pontos 2), 3), 4),5), 6), 7), 8) e 9) resultaram do acordo das partes, expresso nos respetivos articulados, conjugado com os documentos juntos a fls. 12 a 13 verso, 37 verso, 43 a 71, 85 a 87 verso, 95, 101 a 105. Teve-se ainda em consideração o depoimento das testemunhas ouvidas em sede de audiência de discussão e julgamento, das quais resultou também a convicção do Tribunal para dar como não provados os factos nos termos acima consignados. Assim, do depoimento das testemunhas EE, carteiro, funcionário da Ré há 24 anos, a exercer funções em ...; FF, carteiro, funcionário da Ré desde 1990, a exercer funções no ...; BB, gestor do Centro de Distribuição Postal ... da Ré desde 2007 e CC, funcionário da Ré durante 30 anos, onde exerceu as funções de carteiro, tendo saído em Novembro de 2022, resultou claro que a necessidade de contratação de carteiros, incluindo do Autor, é uma necessidade constante e permanente da Ré, face ao serviço que há para realizar, que já se faz sentir há largos anos. Em concreto, quanto às escalas de férias e às substituições de trabalhadores que o Autor realizou pouco ou nada sabiam. (…).” Por referência à citada motivação, constata-se, desde logo, que o Tribunal de 1.ª instância não fez constar propriamente uma análise crítica da prova que foi produzida por expressa referência, no que aqui importa, aos pontos de facto que aqui se reanalisam, resultando antes, dessa motivação, uma análise meramente global. Não obstante, ainda assim, extrai-se que faz expressa menção à circunstância de a sua convicção ter resultado, no que à prova testemunhal diz respeito, aos depoimentos de EE, FF, BB e CC, sendo que, no presente recurso, a Recorrente apenas pretende basear a convicção que defende em duas dessas testemunhas, assim BB e CC, a que acresce, importa aqui esclarecê-lo – mesmo esquecendo-se que se limita, em termos de localização no registo da gravação desses depoimentos, a indicar, não início e o fim da passagem ou passagens que invoca e sim, noutros termos, apenas uma referência a minutos e segundos –, que, ouvidos que foram nesta sede recursiva tais depoimentos – de resto na sua totalidade, até porque pouco extensos –, apenas quanto à primeira se encontra alguma correspondência com o que diz nas alegações que teria dito (já não, salvo o decido respeito, no que se refere à segunda), mas, acrescente-se, desde logo a propósito do documento a que alude a Recorrente para também suportar a sua posição, sem que resultem elementos relevantes para o efeito – limita-se a fazer referência, em resposta a perguntas sobre códigos, que o 150 seria de férias, o 170 não sabia de cabeça, o 91 que julgava ser doença, o 171… que também não recordaria. Neste contexto, com relativa facilidade se extrai que a Recorrente, diversamente do que lhe era imposto, não fundamenta, em termos concludentes, quer as razões da sua discordância, como também não concretiza, muito menos criticamente, por que razão os meios de prova que indica imporiam a decisão diversa que defende – quer quanto à prova documental que indica, pois que para essa se limita a remeter, sem explicar nomeadamente em que parte do documento se suporta, em termos dos factos que pretende evidenciar, quer ainda testemunhal, neste caso como já antes evidenciado –, quando, como antes já o dissemos, a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo, é certo, que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, não se tratando, porém, de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, a impugnação não se deve bastar com a mera alegação de que não concorda com a decisão dada, exigindo antes, da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção. Sendo deste modo, importando afinal ter aqui presente que vigora neste âmbito o princípio da livre apreciação da prova – esse que, por apelo a Lebre de Freitas[10], “significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova”, a verdade é que não encontramos, no caso, razões para considerarmos que a decisão recorrida não tenha motivado e analisado, de forma ponderada, a globalidade da prova produzida, não se evidenciando, nomeadamente, a ocorrência de desconformidades efetivas com os elementos probatórios disponíveis, tanto mais que, como antes dito, essa decisão não resulta a nosso ver infirmada na alegação da Recorrente. Improcede, em face do exposto, o recurso na parte dirigida à impugnação da matéria de facto.
2. Dizendo de Direito Em face das conclusões que apresenta, afirmando que a sentença “violou o disposto no art. 53.º da C.R.P., nos arts. 140.º, 141.º, 147.º do C.Trab. e, de igual forma, violou o n.º 2 do art. 9.º do C.Civ.”, avança a Recorrente, no âmbito da aplicação do direito, nomeadamente, com os argumentos seguintes: - sem prescindir da alteração da matéria de facto como proposto, dos factos 4), 5) e 6) já resulta que a escala inicialmente anexa ao contrato não foi cumprida e que as partes, precavendo a situação de manutenção de doença de dois trabalhadores, celebraram adenda ao contrato, confirmando que a substituição daqueles se faria por ausência por doença e não por férias; - do contrato consta o respetivo período de férias de cada um dos trabalhadores a substituir, sendo que, após a marcação de férias, podem ocorrer alterações, quer por interesse da empresa quer por iniciativa do trabalhador, como será o caso de este se encontrar impedido por doença e, se tal acontece, e porque não é previsível, esse facto não pode ser-lhe imputado, muito menos, como considerou o Tribunal a quo, determinar a invalidade do termo aposto no contrato – em especial, porque, precavendo a possibilidade dos trabalhadores CC e DD continuarem doentes, celebrou adenda exatamente para dar respaldo à situação concreta verificada, ou seja, a ausência daqueles trabalhadores não por férias, mas por doença / pretendeu-se adequar a situação de ausência definida no contrato para que não houvesse uma divergência entre os fundamentos para a contratação a termo e a realidade verificada / pode deste modo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, havendo correspondência entre este e a realidade verificada. Contra-alegou o Autor, começando por invocar que a Ré incumpriu os ónus legais no que se refere à impugnação da matéria de facto, para depois sustentar que o recurso deve improceder, confirmando-se a sentença recorrida. Pugna o Apelado, por sua vez, pela adequação do julgado. Pronunciando-se o Ministério Público junto desta Relação, no parecer que emitiu, no sentido da improcedência do recurso, para efeitos de apreciação, constata-se que da sentença recorrida, depois de variadas considerações tendentes a enquadrar a questão a decidir, foi considerado válido o motivo aposto no contrato celebrado por Autor e Ré em 3 de junho de 2022 – sendo que, não sendo essa parte da sentença objeto de recurso, transitou assim em julgado –, extraindo-se que, porém, sendo então esta a questão que nos importa aqui apreciar (por ser então essa o objeto do recurso), no que se refere à adenda contratual, datada de 1 de setembro de 2022, a solução foi diversa, fazendo-se constar, assim a propósito da sua cláusula 1.ª, o seguinte: (…) Isto porque nessa cláusula a Ré alterou a fundamentação, a motivação do contrato inicial, que era para substituir trabalhadores em gozo de férias e por força da adenda passou a incluir a substituição de trabalhadores em gozo de férias e por doença. Ora, a doença não é um acontecimento cujo termo ocorre em momento certo e determinado, pois depende sempre da sua evolução, e, como tal, essa fundamentação não valida o recurso à contratação a termo certo, Facilmente será assim de concluir que a Ré também não logrou demonstrar que a contratação do Autor através dessa adenda se devia a uma situação de suprir necessidades temporárias e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. Logo, concluímos pela nulidade da cláusula primeira da adenda contratual datada de 1 de setembro de 2022 e, consequentemente, pela nulidade do termo aposto no contrato. Há agora que apurar da consequência jurídica da invalidade do termo resolutivo aposto nessa adenda contratual. (…)» Em face da citada posição, com a natural salvaguarda do respeito devido pelos argumentos da Recorrente, desde já adiantamos que à mesma não assiste razão. Não obstante termos por bastante, para demostrar a solução a que se chegou, o que se fez constar da sentença, permitimo-nos, ainda assim, esclarecer o seguinte: No caso, tendo sido o contrato objeto dos autos celebrado no âmbito da sua vigência, será aplicável o Código do Trabalho de 2009 (CT/2009), assim o regime nesse estabelecido, no que ao caso importa a respeito dos requisitos de validade fornal para a celebração de contrato de trabalho a termo – que, diga-se, são no essencial similares ao que já constava do CT/2003. Avançando-se na apreciação, importa também relembrar que, tal como é reconhecido, a contratação a termo assume no nosso ordenamento jurídico natureza excecional – como a tinha anteriormente, seja no âmbito do pretérito DL 64-A/89 (LCCT), seja no âmbito do CT/2003 –, apenas sendo admissível desde que, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: um primeiro, de natureza formal, nos termos do qual o contrato terá de ser celebrado por escrito, dele devendo constar as indicações previstas no artigo 141.º, n.º 1, do CT/2009, entre as quais, no que aqui poderá interessar, a indicação do termo estipulado e do respetivo motivo justificativo [nº 1, al. e)], dispondo ainda o nº 3 que para efeitos da alínea e) do nº 1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado; um segundo requisito, este de natureza material, nos termos do qual apenas é admissível a sua celebração se verificada alguma das situações previstas no artigo 140.º do CT/2009. Também como é comummente reconhecido, a lei atribui à inobservância dos requisitos de forma, bem como a celebração de contrato de trabalho a termo fora das situações legalmente previstas, a consequência de que o contrato de trabalho celebrado a termo seja considerado como sem termo (artigo 147.º, n.º 1, als. b) e c), do CT/2009), sendo que, a propósito, importa do mesmo modo salientar que a fundamentação formal do contrato se constitui neste caso como formalidade de natureza ad substantiam, o que é afirmado face a ratio que a ela preside, assim a de permitir que possam ser sindicadas as razões invocadas pela empregadora para justificar a contratação a termo[11]. A respeito da exigida menção do motivo justificativo no contrato, como o fizemos no recente acórdão de 9 de setembro de 2024[12], socorrendo-nos do que a seu propósito se fez constar do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017[13], pelo que diremos também, seguindo esse Aresto, que essa menção do motivo deve ser feita “com a menção expressa dos factos que o integram, por forma a estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme estabelece o artigo 141º, nº 1, alínea e), e nº 3”, visando-se com este requisito “um duplo objectivo: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a hipótese legal ao abrigo da qual se contratou, por um lado; e por outro, a averiguação acerca da realidade e adequação da justificação invocada face à duração estipulada, porquanto o contrato a termo – nas palavras de Monteiro Fernandes[1] – …só pode ser (validamente) celebrado para certos (tipos de) fins e na medida em que estes o justifiquem”. Daí que, como mais uma vez se refere no citado Acórdão, ocorra “a invalidade do termo se o documento escrito omite ou transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, face à prescrição do artigo 147º, nº 1, alínea c)” – citando-se, ainda: “Por isso, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades[3], cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º”. Do exposto decorre que um qualquer contrato a termo em que não seja mencionado o motivo que o justifica do modo antes indicado, assim para dar cumprimento aos termos prescritos na lei, deve então ser considerado sem termo, sendo absolutamente irrelevantes, importa esclarecê-lo também, os fundamentos que a entidade empregadora possa porventura vir a invocar na ação judicial, mas que não tenha feito constar daquele motivo, assim como irrelevante será, do ponto de vista material, que pudesse ocorrer uma qualquer outra justificação bastante para a contratação a termo, razão pela qual, ainda em conformidade, apenas o motivo justificativo que é invocado no contrato, e só ele, poderá ser considerado, sendo também irrelevante que, caso ele não se prove, outro motivo possa existir, ainda que substantivamente pudesse justificar a contratação – ainda que fosse esse o caso, não se poderia igualmente atender a esse motivo, havendo que concluir-se pela inexistência do fundamento que consta do contrato, com a consequente conversão do contrato a termo em contrato sem termo. Em conformidade com o que antes dissemos, diremos então, como no acórdão de 9 de setembro de 2024[14], que se impõe, como exigência legal, que a indicação do motivo seja feita de forma suficientemente circunstanciada, de modo a permitir, afinal, precisamente, o controlo da existência ou não da necessidade temporária que é invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, a comprovação de que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, sem esquecermos, ainda, conforme decorre do n.º 5 do artigo 140º do CT, que cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo[15]. E, sendo assim, o que se constata é que, de facto, no caso que se aprecia, aquando da celebração da adenda ao contrato inicial, tal como o salienta o Tribunal recorrido, a Ré, aqui recorrente, alterou efetivamente o fundamento / motivo que se tinha feito constar inicialmente, pois que, sendo então o de substituir trabalhadores em gozo de férias, já naquela adenda, para além desse motivo, incluiu-se um outro, sem dúvidas diverso, com a relevante agravante de este novo motivo se traduzir, não num acontecimento cujo termo ocorre em momento certo e determinado, como em tese se verificaria com a situação das férias a serem gozadas pelos trabalhadores – e que, por assim ser, daria suporte a indicação que se fez constar do contrato de um termo certo –, e sim, noutros termos, como mais uma vez se refere na sentença, tratando-se de situação de doença, quanto a essa, dependendo da sua evolução, não se traduz, quanto ao seu termo, em algo certo, e antes incerto, razão pela qual, pretendendo-se recorrer à contratação a termo, assim para operar essa substituição de trabalhador ausente (por doença), deixa de ter suporte a indicação, no contrato, de um termo certo – o trabalhador não está nessa situação ausente por um período certo e determinado, como ocorre quando está de férias, e sim enquanto se mantiver a situação de doença que justifica tal ausência. Ou seja, impondo-se, como já o dissemos, como exigência legal, que a indicação do motivo seja feita de forma suficientemente circunstanciada, de modo a permitir, precisamente, o controlo da existência ou não da necessidade temporária que é invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto a essa necessidade temporária, a comprovação de que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à respetiva satisfação, tal não entendemos ter sido o caso. Por decorrência de todo o exposto, claudicando os argumentos da Recorrente, improcede o presente recurso.
As custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente (artigo 527.º do CPC) * Sumário – artigo 663.º, n.º 7, do CPC –, da responsabilidade exclusiva do relator: …………………………………………….. …………………………………………….. ……………………………………………..
*** IV - DECISÃO Acordam os juízes que integram esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso, confirmando-se, por decorrência, a sentença recorrida. Custas pela Recorrente.
Porto, 24 de fevereiro de 2025 (assinado digitalmente)
Nélson Fernandes António Luís Carvalhão Sílvia Gil Saraiva
____________________________ [1] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222. [2] Relatora Conselheira Ana Resende – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, Processo n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (Recurso para Uniformização de Jurisprudência), publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, páginas 44 - 65 [3] cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt. [4] Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt], consignou-se no respectivo sumário o seguinte: I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos. [5] Proc.º 3683/20.1T8VNG.P1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt [6] Como nele se refere, consolidada, entre outros, nos acórdãos de 13.01.2022 [Proc. nº 417/18.4T8PNF.P1.S1], 27.10.2021 [Proc. n.º 1372/19.9T8VFR.P1-A.S1], de 14.07.2021 [Proc. n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1], de 19-05-2021 [Proc. n.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1] e de 14.01.2021 [Proc. nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1] [7] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt [8] Artigo 607.º, nº 5 do CPC [9] Cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt [10] em “Introdução ao Processo Civil, 3.ª edição, p. 196 [11] Entre outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2017 – Processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt.: “(…) Assim, e conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/12/2013, Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1.S1, 4ª Secção, consultável em www.dgsi.pt, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova.[2]” [12] Apelação / processo n.º 5848/23.5T8MAI.P1, Relatado pelo também aqui relator. [13] Já antes identificado. [14] Relatado pelo também aqui relator - processo n.º 5848/23.5T8MAI.P1. |