Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2999/21.4T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP202411252999/21.4T8VFR.P1
Data do Acordão: 11/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na avaliação do dano biológico as fórmulas de cálculo servem como mero referencial e seguindo um critério de equidade é de considerar o salário que o lesado auferia de forma regular no período que antecede o acidente.
II - Sendo o autor uma pessoa saudável que sofreu fraturas no punho e lesões no ombro e joelho, sofreu uma concussão, que determinou um tratamento para controlo da pressão intracraniana (introdução de sonda no crânio), com estado de coma induzido, múltiplas fraturas na região dos ossos do olho esquerdo, com alteração temporária da visão, fraturas no nariz e maxilar, apresenta disosmia, a intensidade e gravidade das lesões, as intervenções cirúrgicas e tratamentos a que se submeteu durante um ano, as dores, o estado de medo, quantum doloris de grau 5, numa escala crescente de 1 a 7, vários períodos de incapacidade (total e parcial) para o trabalho, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10,5876 e as sequelas que apresenta, que persistem com fenómenos dolorosos e limitação de movimentos, mostra-se adequado para compensar o dano sofrido em sede de dano não patrimonial a quantia de €35.000,00.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Via-RMF-Dano Biológico-Dano Moral - 2999/21.4 T8VFR.P1

*


SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

…………………………………

…………………………………

…………………………………


---


Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, com pedido de citação urgente, em que figuram como:

- AUTOR: AA, NIF ...03, solteiro, maior, residente na Rua ..., freguesia ..., concelho ..., ... ...; E

- RÉ: A..., S.A, sociedade anónima com o NIPC ...31 e sede na Avenida ..., ..., concelho ..., ... ...,

veio o autor pedir a condenação da ré no pagamento de uma indemnização de:

a) €50.000,00 a título de danos não patrimoniais;

b) €15.679,74, referente a perdas salariais;

c) €50.000,00, a título de danos patrimoniais e danos futuros derivados da incapacidade parcial permanente de que ficou a padecer;

d) juros sobre as quantias peticionadas à taxa legal desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Alegou para o efeito e em síntese, que no dia 16 de outubro de 2018, pelas 03:55h, na autoestrada A1, ao Km ..., na freguesia ..., concelho ..., ocorreu um acidente de viação.

Nesse acidente foram intervenientes o veículo acoplado, composto por um trator e semirreboque com a matrícula L-......, propriedade da sociedade anónima com a firma B..., S.A, conduzido por BB e um automóvel ligeiro de mercadorias, de marca ..., com a matrícula ..-TZ-.., propriedade da sociedade por quotas com a firma C..., Lda., conduzido por CC, seguindo o Autor como passageiro neste último veículo.

Mais alegou que nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas o Autor seguia no lugar do passageiro do veículo TZ, ambos os veículos circulavam na referida AE, no sentido Lisboa–Porto, ou Sul-Norte, na via de trânsito mais à direita, sendo que o TZ seguia imediatamente atrás do L-...... e o condutor do TZ adormeceu, o que fez com que perdesse o controlo da viatura, embatendo na traseira do veículo pesado de mercadorias que seguia à sua frente, entrando posteriormente em despiste, trespassando os 3 eixos da faixa de rodagem em que seguia e acabando por colidir com a berma da esquerda da faixa da AE onde seguia. O tempo estava bom. A via é em asfalto e estava em bom estado de conservação. O pavimento encontrava-se limpo e seco.

O embate ocorreu por culpa única e exclusiva do condutor do TZ, que não observou as regras estradais, porque não guardou a distância adequada em relação ao veículo que o precedia. 23. Não seguia com a atenção e segurança necessárias, pelo facto de ter adormecido, embatendo com a frente do seu veículo na traseira do semirreboque entrando, após isso, em despiste.

O Autor seguia sentado do lado direito da viatura TZ, com a colocação do cinto de segurança.

O condutor do TZ e a própria Ré, assumiram a responsabilidade total e sem reservas pelos danos derivados do sinistro.

Mais alegou que em consequência do acidente o autor sofreu danos não patrimoniais e danos patrimoniais, cuja indemnização vem peticionar.

Logo após o acidente, o Autor recebeu os primeiros tratamentos médicos no próprio local do acidente pelos Bombeiros .... Foi desencarcerado e imediatamente transportado para o Hospital 1..., em .... Chegado a esta Unidade Hospitalar, o Autor foi entubado e iniciou suporte ventilatório mecânico, uma vez que apresentava deterioração do estado neurológico.

Apresentava ainda: uma fratura frontal mediana e base do crânio; uma hemorragia subaracnoídea; fraturas múltiplas na face, nomeadamente tetos orbitários e ptose do olho esquerdo; uma fratura radial; um edema facial; hemossinus; uma ferida suturada no joelho direito; escoriações na perna direita.

O Autor colocou uma tala gessada no braço, devido à fratura radial, sendo posteriormente transferido para o Centro Hospitalar ... para avaliação das especialidades de Neurocirurgia, da Cirurgia Plástica e para monitorização da pressão intracraniana.

No dia 18 de outubro de 2018 foi submetido a TC Crânio–Encefálica. Sendo-lhe diagnosticado: “um diminuto buraco de trépano a nível frontal direito para introdução de cateter diagnóstico cujo topo se situa no parênquima frontal homolateral. Existe área de contusão hemorrágica frontal inferior à esquerda relacionada com as extensas fraturas do andar anterior da base do crânio que abrangem os tetos orbitários e interessam também o seio frontal e as células etmoidais. Não se detetam áreas indiscutíveis de hemorragia subaracnoídea intra ou extra-ventricular. As cisternas da base estão patentes. Ausência de desvios das estruturas da linha ou sinais de hidrocefalia. As amígdalas cerebelosas têm topografia normal”.

Repetiu novamente o TC Crânio-Encefálica no dia 22 de Outubro de 2018, cujo relatório se transcreve: “observa-se traço de fratura linear e sem afundamento localizado na dependência do frontal com topografia mediana e que na sua extensão inferior e lateral envolve as paredes do seio frontal esquerdo, a região etmoidal anterior esquerda e o teto e a parede interna da órbita esquerda. Presença adicional de fratura dos ossos próprios do nariz. Associa-se a presença de prováveis hematomas subperiósteos localizados no teto (acompanhado por fragmentos ósseos) e na vertente interna da órbita e de proptose, com desvio inferior e temporal do globo ocular esquerdo. Observa-se preenchimento de todos os seios peri-nasais por tecidos moles, principalmente no seio frontal esquerdo e das células etmoidais. Observam-se hipodensidades fronto-basais e fronto-orbitárias, com maior extensão à esquerda, provavelmente contusões traumáticas. Sistema ventricular e espaços cisternais com forma e dimensões dentro de valores normais. As cisternas da base estão patentes. Sem sinais de conflito de espaço ao nível do buraco occipital. Correta pneumatização das cavidades antro-timpânicas”.

No dia 19 de outubro de 2018, foi-lhe retirado o cateter de monitorização da pressão intracraniana e extubado no dia 20 de outubro de 2018.

Durante o internamento o Autor foi observado pelas especialidades de Ortopedia, de Neurocirurgia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica.

Permaneceu internado nesta Unidade Hospitalar desde o dia 16 de outubro de 2018 até ao dia 23 de outubro de 2018.

Dada a estabilidade clínica, o Autor foi transferido para o Centro Hospitalar ..., E.P.E (Hospital de ...), para a ala dos cuidados intermédios.

Após chegar ao Centro Hospitalar ..., E.P.E, no dia 24 de Outubro 2018, o Autor foi submetido a um novo TC, sendo-lhe diagnosticado múltiplas fraturas crânio-faciais bilaterais, salientavam-se fraturas cominutivas dos tetos das órbitas que se estendiam às paredes laterais; na órbita esquerda observava-se extracónica subperiosteal, compatível com hematoma, tendo máxima espessura no plano coronal de cerca de 10 mm, desviando inferiormente o músculo reto superior e condicionando proptose do globo ocular; fratura frontal anterior paramediana esquerda, que intersectava as paredes anteriores e exterior do seio frontal e se prolongava para a lâmina crivosa e fóvea do etmoide; fraturas bilaterais da espinha nasal que se prolongavam para a inserção dos ossos próprios do nariz e à direita para o segmento superior e anterior da parede interna da órbita; fratura alinhada pterional esquerda; preenchimentos difusos por tecidos com densidade de partes moles de ambos os seios frontais e celas etmoidais, e de forma parcial, das restantes câmaras sinusais, compatíveis com um misto de fenómenos inflamatórios e hemossinus.

Foi observado pela especialidade de Otorrinolaringologia e Oftalmologia, momento em que verificaram que o olho do Autor estava calmo, mas com desvio inferior, mas uma vez que o acidente já tinha ocorrido há vários dias e o hematoma não comprometia o nervo ótico, não foi necessário proceder à drenagem urgente, porém orientaram o Autor para a especialidade de cirurgia maxilo facial / oftalmologia secção da orbita no Hospital 2.... Ainda nesta Unidade Hospitalar, no dia 25 de outubro de 2018, o Autor foi submetido a análises à hemóstase e coagulação e ainda análises ao sangue (Hematologia). Ficou internado nesta Unidade Hospitalar durante 3 dias e atendendo às orientações médicas, no dia 26 de outubro de 2018, foi transferido para o Hospital 2....

No dia 30 de outubro de 2018, o Autor foi avaliado no Hospital 2..., tendo os médicos recomendado uma cirurgia para drenagem do hematoma que estava a empurrar o olho inferiormente. No dia 05 de novembro de 2018, o Autor foi novamente reavaliado e uma vez que, o seu estado clínico estava a evoluir favoravelmente, não houve necessidade de submete-lo à cirurgia que havia sido proposta. No dia 07 de novembro de 2018, o Autor foi submetido a novos RX, através da qual lhe diagnosticaram uma fratura diáfise do rádio direito e uma deiscência de ferida corto-contusa no joelho direito, mantendo, assim, a tala gessada no braço direito. Realizando curativos no joelho direito. Aconselharam-no ainda a fazer exercícios de flexão/ extensão do joelho direito.

Durante o internamento, o Autor foi ainda avaliado pela especialidade de Otorrinolaringologia devido a uma disfonia pós intubação prolongada. Apresentava ainda um mucocelo na face ventral da língua. Mantendo-se internado nesta Unidade Hospitalar desde o dia 26 de outubro de 2018 até ao dia 13 de novembro de 2018, dia em que teve alta hospitalar, após o que ficou em absoluto repouso e imobilizado na sua habitação.

O Autor foi chamado pela Seguradora D..., S.A, uma vez que o acidente foi considerado igualmente como acidente de trabalho e a responsabilidade infortunística-laboral da Entidade Patronal do Autor, havia sido transferida para esta companhia de seguros, através da apólice ...32 e encaminhado para os seus serviços médicos. Passando a ser tratado sob incumbência destes serviços médicos.

O Autor foi acompanhado em consultas desde o dia da alta hospitalar, 13 de novembro de 2018, até ao dia 3 de abril de 2019, data em que teve alta clínica.

O Autor permaneceu com uma Incapacidade Temporária Absoluta para o Trabalho desde o dia do acidente até 14 de fevereiro de 2019, durante 92 dias.

Desde o dia 15 de fevereiro de 2019 até ao dia 27 de fevereiro de 2019 os serviços médicas da Companhia de Seguros, D..., S.A, atribuíram-lhe uma incapacidade de 20%, durante 12 dias.

Desde o dia 28 de fevereiro de 2019 até ao dia 13 de março de 2019 (14 dias), foi-lhe atribuído uma incapacidade de 40%.

Desde o dia 14 de março de 2019 até ao dia 03 de abril de 2019 (21 dias) atribuíram ao Autor uma incapacidade de 10%.

Não obstante os tratamentos efetuados durante sensivelmente 6 meses, o certo é que a condição físico-motora do Autor não apresentou as melhorias esperadas. O Autor apresenta permanentemente intensas dores no joelho, no braço e no maxilar, que se manifestam sempre que pretende agachar-se ou levantar algum objeto do chão e quando se alimenta, não consegue dobrar o braço, estando os movimentos condicionados. Sente intensas dores no maxilar, o que faz que não consiga comer alimentos rijos, sendo obrigado a cortar os alimentos em bocados pequenos para conseguir ingerir, sem conseguir morder uma maça ou pera.

Mais alegou que o autor perdeu de forma irreversível o sentido do olfato. Não consegue sentir quaisquer aromas. Perdeu igualmente o paladar, não consegue sentir o sabor dos alimentos, deixando, assim, de sentir prazer em fazer as refeições. Alimenta-se simplesmente porque é uma necessidade fisiológica.

Tudo que lhe causa muito desgosto e angústia. Por diversas vezes, o Autor teve necessidade de ser observado por fisioterapeutas e especialistas. Não consegue mexer o seu corpo como sempre o fez, devido às fortes dores que sente no braço e no joelho, impedindo-o de fazer certos movimentos, como levantar pesos, calçar-se, fazer as atividades do quotidiano. Não consegue ficar muito tempo na mesma posição, impedindo-o de conseguir estar muito tempo de pé ou sentado. Sente dores permanentes, que o impedem de descansar normalmente devido ao facto de constantemente ter necessidade de mudar de posição.

O Autor sente muitas dificuldades ao realizar as tarefas do seu dia-a-dia e dificuldades em trabalhar, pelo menos no trabalho que sempre realizou. Não tem comodidade em nenhuma posição. Sentindo o corpo como um fardo que carregará enquanto viver. Encontra-se mais ansioso, recorrendo a condutas de evitamento, situações ou pensamento que evoquem o trauma, o que condiciona o seu bem-estar físico e psíquico no quotidiano.

Em virtude das lesões que padeceu, o Autor sofreu fortes dores, ansiedade e medo, quer no momento do acidente, quer nas sucessivas e longos exames e tratamentos a que foi submetido.

No momento do embate e nos instantes que o precederam, o autor assustou-se e teve consciência de que, em consequência dele, lhe poderiam advir lesões, dada a sua iminência e a incapacidade de lhe escapar e, pela violência do embate, receou pela própria vida e sentiu angústia. Enquanto esteve internado no hospital, por via dos tratamentos a que foi sujeito, sofreu dores, que ainda agora se mantêm, e incómodos e dores nos períodos de acamamento a que foi sujeito. O Autor passou a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante o trabalho, dificuldades na vida de relação, refugiando-se no seu quarto a chorar, em virtude de não poder levar a vida que levava antes do acidente.

Tornou-se numa pessoa triste, sisuda e com tendência para o isolamento, e, com as referidas lesões, ficou facilmente irritável e irascível.

O Autor passou a sentir no dia-a-dia da sua vida o peso da sua deficiência, dizendo, em situações de crise, que preferia ter morrido aquando do acidente.

Antes do acidente o Autor era uma pessoa saudável, não apresentando qualquer defeito físico. Era uma pessoa com grande paixão pela vida, pelos amigos, pela família e pelo seu trabalho. Hoje encontra-se limitado fisicamente e praticamente impossibilitado de trabalhar. Com importantes restrições que afetam de forma irremediável e permanente, o seu bem-estar físico e emocional. Tudo fazendo-o sentir-se muito triste e com constantes crises de ansiedade. Sente-se diminuído por ser uma pessoa incapacitada. Tudo o que acarreta consequências negativas no relacionamento com a família, amigos e, grosso modo, com quem mantém relações pessoais e profissionais. Para além de sentir limitações importantes na sua vida afetiva e sexual.

Aquando do acidente, o Autor tinha apenas 19 anos de idade, por ter nascido no dia 16 de março de 1999. Era um jovem com objetivos ambiciosos de ser feliz e concretizar os seus sonhos, como qualquer outro da mesma idade. Sonhos esses que desapareceram aquando do fatídico acidente. tornou-se uma pessoa desanimada, com medos, traumas e com bastantes complexos. Deixou de viver, passando simplesmente a sobreviver.

As dores, padecimento, tristeza e angústia que o Autor sofreu e continua a sofrer são muito elevados, não devendo, assim, o quantum doloris que lhe vier a ser fixado, ser inferior a 5 pontos numa escala de 7 e o dano estético de 5 valores numa escala de 7.

Da mesma forma, o dano biológico (antes chamada a Incapacidade Parcial Permanente) de que o Autor ficou a padecer não pode ser fixado, segundo a Tabela Nacional das Incapacidades, em menos de 25%, tendo em atenção as repercussões e extensões das lesões que padeceu.

Alegou que os danos não patrimoniais padecidos pelo Autor derivados do acidente não poderão, em prudente arbítrio, ser computados numa quantia inferior a €50.000,00.

Em sede de danos patrimoniais, alegou que a Companhia de Seguros D..., S.A, no âmbito do Acidente de Trabalho, pagou ao Autor parte dos salários durante as Incapacidades Temporárias Absolutas que lhe foram atribuídas.

Aquando o acidente o Autor trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade comercial, C..., LDA, exercia a categoria profissional de praticante de 1º ano. A sua retribuição base era de €600,00 mensais, acrescidas de € 4,00, por cada dia de trabalho a título de subsídio de alimentação (€ 4,00 x 22 dias), perfazendo o montante anual de €9.368,00 (€600,00 x 14 (salário) + € 88,00 x 11 (subsídio de alimentação).

No final dos 6 meses o Autor teria um ganho total de €4.128,00 (€688,00 x 6). A Companhia de Seguros D..., S.A, apenas pagou:

- no dia 14 de março de 2019 a quantia de €129,45;

- no dia 24 de abril de 2019 a quantia de €33,13;

- no dia 16 de maio de 2019 a quantia de €405,68;

Tudo perfaz o montante de €568,26 de onde resulta que o Autor teve uma perda salarial direta no montante de € 3.559,74 (4.128,00 – 568,26 = 3.559,74).

Depois do acidente o Autor, nunca mais conseguiu realizar do mesmo modo a sua atividade profissional, motivo pelo qual, no dia 05 de setembro de 2019, a Entidade Patronal, enviou uma comunicação para o Autor a informar que pretendia fazer cessar o contrato de trabalho outorgado, porque a Entidade Patronal do Autor verificou que o mesmo não conseguia desempenhar mais normalmente as suas funções, em consequência das lesões e sequelas que o Autor padeceu.

A partir do dia 30 de setembro de 2019, o Autor ficou desempregado e sem receber um único cêntimo e não teve direito às prestações do subsídio de desemprego. Manteve-se na situação de desemprego até janeiro de 2021, mês no qual, finalmente, consegui arranjar emprego, situação que não se teria verificado se não tivesse sido interveniente no acidente.

Mais alegou que se o Autor estivesse a trabalhar durante este período receberia a quantia de € 12.120,00 (€ 15 meses (salário) x € 688,00 + férias (€600,00) + subsídio de fárias (€600,00) + subsídio de natal (€600,00), peticionando a título de danos emergentes a quantia de € 15.679,74 (€ 3.559,74 + € 12.120,00).

Maia alegou que se deve levar em conta no cálculo dos danos futuros, o facto do Autor não poder mais exercer a sua atividade habitual da mesma forma com impossibilidade objetiva de progressão na carreira profissional, a idade da Autor quando do acidente (19 anos), à incapacidade permanente geral de que ficou a padecer e que melhor se alcançará da Perícia Médica que se requereu, mas que não é inferior a 25%, ao tempo provável de vida do Autor, e não apenas à sua vida ativa, tudo de forma a representar um capital que se extinga no fim da sua vida e que permita obter um rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior ao facto lesivo e a atual, a corrosão e poder de compra resultante da inflação e o mais do que provável atualização de rendimento por força da progressão salarial. Quantifica a indemnização no montante de € 50.000,00.

Alegou, ainda, que através de contrato de seguro titulado pela respetiva apólice transferiu o proprietário do veículo ..-TZ-.. transferiu para a ré a responsabilidade civil por danos causados com a circulação do seu veículo.


-

Citada a ré, contestou.

Admitiu que assumiu a responsabilidade pela produção do sinistro. Impugnou os danos alegados, por desconhecer e porque o autor não foi seguido em tratamento nos serviços clínicos da ré, na medida em que optou por receber tratamento nos serviços clínicos da seguradora laboral, dado trata-se para o autor, em simultaneamente, de um acidente de viação e de trabalho.

Termina por pedir a intervenção principal provocada da seguradora D..., seguradora laboral, para querendo peticionar o que lhe for devido, reclamando todos os valores já pagos ao aqui autor e em virtude do acidente ocorrido, evitando-se, por um lado, a necessidade de ser instaurada uma ação autónoma e, por outro lado, que o autor venha a ser duplamente ressarcido.


-

Notificado o autor, não foi deduzida oposição.

-

Proferiu-se despacho que admitiu a intervenção e determinou a citação da interveniente.

-

A interveniente veio, em articulado próprio, alegar que se encontra a correr ação emergente de acidente de trabalho, no qual o aqui Autor figura como sinistrado e a aqui interveniente como Ré. Tal acidente ocorreu no mesmo dia em que se discute o acidente ocorrido nos presentes autos, dando origem à ação que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo do Trabalho de ..., sob o processo n.º ....

Em consequência do acidente de trabalho, a aqui interveniente já pagou ao aqui Autor/ali Sinistrado, a quantia de € 3.401,54 (três mil quatrocentos e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de Incapacidades Temporárias, pelos períodos descriminados no doc. 1, que juntou.

Em sede tentativa de conciliação, não foi alcançada a conciliação unicamente por divergência quanto ao grau de IPP atribuído pelo GML. Em consequência, a ação seguiu para a fase de fixação de incapacidade nos termos e para os efeitos contidos do n.º 3 do artigo 138.º do CPT, com vista à realização de exame por Junta Médica, tendo os Senhores Peritos Médicos, por unanimidade, atribuído ao Autor uma IPP de 10% e considerados os períodos de incapacidade indicados pelo GML.

Aguardam os autos a prolação da douta sentença de fixação de incapacidade, que ordenará o cálculo de capital de remição e a notificação à entidade responsável para demonstração do pagamento das prestações devidas ao Sinistrado.

Atendendo à pendência da ação emergente de acidente de trabalho, a Ré A..., S.A., ainda não liquidou quaisquer quantias à aqui Interveniente, a título de reembolso. Competirá à ora interveniente efetuar os pagamentos devidos ao Sinistrado no âmbito da ação de acidente de trabalho, cujos comprovativos juntará aos presentes autos, a fim da Ré A... proceder ao respetivo reembolso.

Concluiu pedindo o reembolso dos valores que pagou ou venha a pagar ao sinistrado.


-

Notificada a ré, veio contestar, defendendo-se por impugnação, por desconhecer os pagamentos efetivamente realizados ou a realizar.

-

Dispensou-se a realização de audiência prévia.

Elaborou-se o despacho saneador e o despacho que fixou o objeto do litígio e os temas da prova.


-

Procedeu-se à realização de prova pericial, junto do IML.

-

Na sessão de julgamento realizada no dia 04 de maio de 2023, a interveniente veio requerer a atualização do pedido formulado, ficando a constar em ata:

“No seguimento do documento da interveniente principal e após os documentos já juntos vem requerer a atualização dos valores gastos para os seguintes montantes atendendo a que:

- a título de IPP foram gastos 12 843,52€;

- incapacidades temporárias 3 286,64;

- a título de despesas 14.365,64.

Mais requer prazo de 5 dias para juntar outros comprovativos, para além dos já juntos até à presente data. Sendo este o valor que reclama da ré A...”.

Na mesma sessão de julgamento, sobre a dinâmica do acidente ficou consignado, como se passa a transcrever:

“ […]pela ilustre mandatária da ré A... foi dito que esta aceita a dinâmica e assume a responsabilidade pelos danos do sinistro.

Seguidamente pelo ilustre mandatário da interveniente foi dito que, face à posição assumida pela ré, que assumiu a responsabilidade pelos danos emergentes do sinistro, aceita igualmente a dinâmica do mesmo.

Após pelo ilustre mandatário do autor foi dito nada ter a opor […]”.


-

Por iniciativa do tribunal solicitaram-se esclarecimentos ao senhor perito que elaborou o relatório pericial, junto do IML, os quais foram prestados e constam inseridos a páginas 339 do processo eletrónico, sistema Citius.

-

Realizou-se o julgamento, com observância do legal formalismo.

-

Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:

“Pelo exposto:

1. Julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência:

1.1. Condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 4.795,45 (quatro mil, setecentos e noventa e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), a título de perdas salariais e danos emergentes, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 16 de outubro de 2021 até efetivo e integral pagamento;

1.2. Condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de 27.176,48 (vinte e sete mil, cento e setenta e seis euros e quarenta e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais futuros, incluindo dano biológico, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte ao da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

1.3. Condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 27.500,00 (vinte e sete mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o dia seguinte ao da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

1.4. Absolve-se a Ré do demais peticionado;

2. Julga-se procedente o pedido de reembolso deduzido pela Interveniente e, em consequência, condena-se a Ré a pagar-lhe a quantia global de € 30.495,80 (trinta mil, quatrocentos e noventa e cinco euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, sobre o montante de € 3.301,54 (três mil, trezentos e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), desde 27 de Janeiro de 2022, e sobre o restante

montante, desde 17 de novembro de 2023, até efetivo e integral pagamento.

Custas da ação a cargo do Autor e da Ré, na proporção do respetivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o primeiro.

Custas do pedido de reembolso a cargo da Ré”.


-

O Autor veio interpor recurso da sentença.

-

Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:

I. Pretende-se com o presente recurso impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, assim se requerendo a reapreciação da prova documental existente nos autos e da prova gravada e, bem assim, rebater os argumentos de facto e de direito apontados pelo Tribunal a quo que levaram à atribuição ao Autor de um quantum indemnizatório de natureza patrimonial e não patrimonial que o Recorrente não se conforma, nem se poderia conformar, por ser, salvo a melhor opinião, totalmente desajustado;

II. Na verdade, não obstante, constar nos documentos médico-clínicos juntos aos autos, máxime no quadro dos coeficientes previsto na Tabela Nacional das Incapacidades, ínsito nas conclusões do Relatório da Perícia de Avaliação do dano corporal em direito civil, e ser referido na Audiência de Julgamento pelas testemunhas apresentadas pelo Autor, as maiores e mais importantes, logo, mais valorizáveis sequelas que advieram para o Autor em consequência do acidente não foram contempladas na Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo:

III. São elas a disosmia, pois que o Autor ficou com uma perceção alterada do olfato, tanto em resposta a estímulos ambientais, quanto a eventos espontâneos;

IV. E a síndrome pós-concussional (SPC) que consistiu no facto do Autor ficar com uma lesão cerebral traumática, que consiste numa perturbação complexa em que vários sintomas, como cefaleias e tonturas;

V. Os concretos pontos de facto que o Recorrente considera que foram incorretamente julgados na sentença sob recurso (artigo 640.º-1-a), do CPC 2013), são os constantes, na fundamentação de tal sentença, sob o título “Matéria não provada:”

e) Acresce que, o Autor perdeu de forma irreversível o sentido do olfato, não conseguindo sentir quaisquer aromas;

f) O Autor perdeu igualmente o paladar, não conseguindo sentir o sabor dos alimentos;

g) Deixando, assim, de sentir prazer em fazer as refeições;

h) Tudo que lhe causa muito desgosto e angústia;

p) Encontra-se mais ansioso, recorrendo a condutas de evitamento, situações ou pensamento que evoquem o trauma;

u) Acresce que, a perda do olfato e paladar fizeram com que o mesmo nunca mais sentisse o prazer da vida, o prazer simples de saborear uma refeição ou de cheirar os simples aromas que nos rodeiam;

y) Sente-se muito triste e com constantes crises de ansiedade;

z) Sente-se diminuído por ser uma pessoa incapacitada;

cc) Com o sinistro e as lesões, desapareceram os sonhos que tinha, tornando-se uma pessoa desanimada, com medos, traumas e com bastantes complexos;

VI. Os concretos meios probatórios, constantes do processo, ou de registo ou gravação nele, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigo 640.º-1-b), do CPC 2013), são todos os meios probatórios que se encontram nos autos, designadamente, o documento Relatório da Perícia de Avaliação do dano corporal em direito civil e os depoimentos das testemunhas, DD e EE;

VII. Relativamente ao Relatório da Perícia de Avaliação do dano corporal, que atribuiu ao Autor uma desvalorização de 10,58776 pontos, refere o senhor perito médico na tabela dos coeficientes de atribuição das TNI a que correspondem as sequelas, para além do mais:

Na0601 – Síndrome pós-concussional – coeficiente arbitrado – 2

Sb0502 – Disosmia – coeficiente arbitrado – 5

VIII. Ou seja, ao contrário do que o tribunal a quo ajuizou, o recorrente teve como sequelas do acidente a síndrome pós-concussional, que é, como se referiu, uma lesão cerebral traumática, que consiste numa perturbação complexa em que vários sintomas, como cefaleias e tonturas;

IX. Por sua vez, a disosmia descreve uma perceção alterada do olfato, tanto em resposta a estímulos ambientais;

X. O olfato e o paladar estão intimamente relacionados: as papilas gustativas da língua identificam os sabores, ao passo que os nervos localizados no nariz identificam os odores. Ambas as sensações são transmitidas ao cérebro, que integra as informações para que os sabores possam ser reconhecidos e apreciados. Alguns sabores - como o salgado, o amargo, o doce e o ácido - podem ser reconhecidos sem que o sentido do olfato intervenha. No entanto, sabores mais complexos requerem ambos os sentidos, paladar e olfato, para serem reconhecidos;

XI. Tudo que o Tribunal a quo, considerou, erradamente, como matéria não provada, apesar dos coeficientes de atribuição das incapacidades ao Autor constantes no Relatório da perícia médica – repete-se - expressar exatamente o contrário, tudo corroborado com o que foram os depoimentos das testemunhas ouvidas na Audiência de Julgamento;

XII. O Tribunal a quo também não teve em linha da conta no quantum indemnizatório atribuído ao Autor, quer a nível patrimonial, quer a nível não patrimonial, essas sequelas;

XIII. Tão-pouco se referindo às mesmas no que foi a “Motivação do direito” constante na Douta Sentença em crise;

XIV. Portanto, conjugada toda a prova, nomeadamente os relatórios médicos e o Relatório de Perícia de avaliação médica, e, bem assim, os depoimentos das testemunhas, o Tribunal a quo, salvo melhor opinião, deveria ter dado como provados os seguintes factos, todos com influência na indemnização a atribuir ao Autor relativa aos danos patrimoniais e não patrimoniais, devendo assim, em prudente critério e numa melhor avaliação da prova, ser considerada provada por este Venerando Tribunal, a seguinte matéria factual, o que desde já se requer:

a) Em consequência do acidente e das sequelas resultantes do mesmo, o Autor ficou com uma perceção alterada do olfato;

b) O Autor perdeu igualmente o paladar, não conseguindo sentir o sabor dos alimentos;

c) Deixando, assim, de sentir prazer em fazer as refeições;

d) Tudo que lhe causa muito desgosto e angústia;

e) Encontra-se mais ansioso, recorrendo a condutas de evitamento, situações ou pensamento que evoquem o trauma;

f) Sente-se triste e diminuído por ser uma pessoa incapacitada;

g) Tornando-se uma pessoa desanimada e com medos.

XV. Acresce que, considerou o Tribunal a quo que se mostram preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, sendo que tal obrigação impende sobre a Ré, dado que, por contrato de seguro à data vigente, havia assumido a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros e emergentes da circulação rodoviária do veículo por si segurado;

XVI. O Autor não teve qualquer culpa no acidente;

XVII. Como é consabido, o princípio vigente em matéria de obrigação de indemnizar, é o da reconstituição natural, ou seja, o lesante deve repor a situação do lesado no estado em que se encontrava antes da lesão;

XVIII. Quando não seja possível proceder à reconstituição natural, a indemnização será fixada em dinheiro, sendo certo que a obrigação de indemnizar abrange os danos emergentes e os lucros cessantes;

XIX. Por outro lado, os danos sofridos pelo lesado revestem natureza patrimonial ou não patrimonial consoante sejam suscetíveis ou insuscetíveis de avaliação económica; d’ entre estes avultam os danos morais como sendo os que afetam a personalidade moral, nos seus valores específicos;

XX. Ora, como estes danos são insuscetíveis de avaliação objetiva e de reconstituição natural devem ser atribuídos recorrendo a juízos de equidade;

XXI. Para ajudar nesse cálculo, o Tribunal deve-se socorrer de todos os factos que lhe são fornecidos pelos autos, mormente o Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal, a que foi submetido o Autor e que se encontra junto aos autos;

XXII. Com efeito, atenta a matéria de facto dada como provada (e, igualmente a que se pretende ver dada como provada neste Recurso) o Autor não se conforma com as indemnizações que lhe foram atribuídas, quer no que diz respeito aos danos patrimoniais, quer no que concerne aos danos não patrimoniais;

XXIII. No que concerne aos danos de natureza patrimonial, temos que quando do acidente o Autor tinha apenas 19 anos e 20 anos com as consolidações das lesões;

XXIV. Para o cálculo daquela indemnização, tem-se socorrido os Tribunais Superiores, de uma das fórmulas mais simples (como mero critério informador) que tem em conta a idade do lesado, o seu potencial de vida ativa (até aos 78 anos no caso dos homens) e ao seu rendimento;

XXV. Razão pela qual, o potencial de vida ativa aplicável para o cálculo dos danos, in casu, deveria ser de 58 anos;

XXVI. Por outro lado, o Autor, no que foi o seu primeiro emprego e aos 19 anos tinha um rendimento mensal ligeiramente acima do Salário mínimo nacional (€ 600,00);

XXVII. Era ajudante de serralheiro;

XXVIII. Tinha aspirações de, a breve trecho, vir a auferir muito mais;

XXIX. É consabido que um serralheiro aufere em Portugal não menos de € 1500,00 por mês;

XXX. Sendo, por conseguinte, estes fatores que devem ser levados em conta para efeitos do cálculo dos danos patrimoniais, quer na vertente lucros cessantes, mas sobretudo na de danos futuros;

XXXI. O ressarcimento de danos futuros, como é o caso vertente, depende de juízos de previsibilidade e determinabilidade.

XXXII. Sendo certo que o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objetivos;

XXXIII. No caso concreto, o Autor ficou com um défice funcional de 10,58676 pontos;

XXXIV. Para o cálculo daquela indemnização, o Tribunal deve-se socorrer de uma das fórmulas mais simples que tem em conta a idade do lesado, no caso dos presentes autos, 19 anos à data do acidente, o seu potencial de vida ativa (até aos 78 anos) e o seu rendimento;

XXXV. Naturalmente, há a considerar que o lesado vai receber de uma só vez a quantia que deveria receber ao longo de mais de 58 anos, mas em contrapartida também deveria sofrer o aumento de vencimento, inclusive com promoções, pelo que o respetivo quantitativo deve ser ajustado com base na equidade como impõe o art.º 563.º, n.º 3 do CC;

XXXVI. Assim, tomando todas as circunstâncias concretas, prudente e equitativo seria atribuir ao Autor uma indemnização pelos lucros cessantes e danos futuros que, ponderados todos os outros fatores, nomeadamente, a idade (19 anos), o salário (€ 600,00 + 22x5,00/mês x 14 meses), a vida ativa (58 anos), não deveria ser inferior a € 50.000,00, em vez dos €40.000,00, tudo sempre descontados os € 12.823,52 que o Recorrente recebeu no âmbito do acidente de trabalho, devendo assim ser-lhe conferida uma indemnização, a este título de € 37.176,48;

XXXVII. Violou, assim, a Douta Sentença o disposto nos artigos 562º, 563º e 570º do Código Civil.

XXXVIII. Relativamente aos danos de natureza não patrimonial, estes são as dores e os incómodos sofridos pelo Autor em consequência do acidente, a que acresce a desfiguração que as lesões provocadas originaram;

XXXIX. São danos insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não fazem parte do património do lesado, que devem ser compensados mais do que indemnizados;

XL. Impunha-se que os danos não patrimoniais fossem avaliados em quantia equitativa tendo em atenção que são danos atinentes à personalidade do Autor, à sua autoestima, saúde e bem-estar psicossomático;

XLI. Sendo certo que, a jurisprudência, máxime do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria de danos não patrimoniais, tem evoluído no sentido de considerar que a compensação deverá um lenitivo para os danos suportados, não devendo, por isso, ser miserabilista;

XLII. Para além disso, no caso sub judice, na condição das dores e sequelas que, do ponto de vista da qualidade de vida, irão prolongar-se no tempo;

XLIII. Ora, no caso patente nos autos, salvo melhor opinião, os danos padecidos pelo Autor não podem deixar de ser considerados de grau elevado e grave;

XLIV. Compulsada a matéria dada como provada, o Autor andou em tratamentos médicos sensivelmente um ano e meio, mais concretamente, 428 dias, continuando ainda hoje a sofrer dores derivadas das sequelas do acidente;

XLV. Esteve em coma induzido;

XLVI. Esteve em risco de vida e temeu pela sua própria vida;

XLVII. Esteve internado várias vezes em 3 unidades hospitalares, com várias operações e tratamentos cirúrgicos;

XLVIII. As dores padecidas pelo mesmo foram quantificadas pelo Sr. Perito médico em 5 numa escala de 1 a 7;

XLIX. Acresce que, em resultado dos factos que se pretende dar como provados por este venerando Tribunal, os distúrbios do olfato têm ganhado grande importância nos últimos anos;

L. No homem, o sentido da olfação é, provavelmente, o menos compreendido, por ser um fenômeno em grande parte subjetivo;

LI. A disosmia descreve uma perceção alterada do olfato, tanto em resposta a estímulos ambientais - o que é chamado de parosmia - quanto a eventos espontâneos - o que chamamos de fantosmia.

LII. O sentido do olfato contribui fortemente para a perceção gustativa, de tal modo que pacientes têm grande dificuldade em perceber o gosto dos alimentos, perdendo assim o apetite e o prazer com a alimentação;

LIII. Os impulsos da olfação propagam-se para o sistema límbico, bem como para as áreas corticais superiores, podendo certos estímulos olfatórios tanto desencadear respostas emocionais diversificadas quanto criar associação cortical com outros sentidos, estando esse processo atrelado à memória do indivíduo e à perceção da qualidade emocional do estímulo, ou seja, à sensação de agradável ou desagradável;

LIV. Outro fator a se considerar é que a Disosmia pode acarretar impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes, com dificuldade nas atividades de vida diárias, transtornos do humor, diminuição do apetite e até problemas no trabalho;

LV. Para distinguir a maioria dos sabores, o cérebro precisa da informação sobre ambos, cheiro e sabor. Essas sensações são transmitidas ao cérebro a partir do nariz e da boca. São várias as regiões do cérebro que integram a informação, permitindo às pessoas reconhecer e apreciar os sabores;

LVI. Por sua vez, a concussão é uma alteração da função mental ou do nível de consciência, causada por um traumatismo craniano;

LVII. No caso das concussões, não é possível detetar danos cerebrais em exames de diagnóstico por imagem, tais como tomografia computadorizada (TC) ou imagem por ressonância magnética (RM). Ainda assim, as células cerebrais encontram-se temporariamente danificadas ou disfuncionais:

LVIII. Os sintomas de uma concussão incluem um ou mais dos seguintes:

Confusão temporária: Parecer confuso ou atordoado e/ou responder lentamente.

Perda de memória: Não ser capaz de se lembrar do que aconteceu antes da lesão ou logo após. Visão dupla. Sensibilidade à luz. Tontura, movimentos descoordenados e problemas de equilíbrio. Dor de cabeça. Náusea e vômito. Zumbido nos ouvidos (acúfeno). Perda do olfato ou do paladar;

LIX. Tudo que Tribunal não levou em linha de conta na seleção dos factos dados como provados;

LX. Ora, o Tribunal a quo atribuiu ao Autor, a título de compensação pelos não patrimoniais padecidos, a quantia de € 27.500,00;

LXI. Montante esse que não é, na modesta opinião do Recorrente, equitativo e, igualmente, não representa uma compensação condizente com as dores, sofrimentos e sequelas padecidas pelo mesmo em virtude do acidente;

LXII. Entende, assim, o Recorrente ter direito a uma compensação pelos danos não patrimoniais padecidos não inferior a € 50.000,00 que, atendendo a todos os fatores referidos, ao grau de culpabilidade de agente, à situação económica de quem tem o dever de indemnizar e de quem tem o direito de receber é a quantia que, em prudente critério e sempre salvo melhor opinião, melhor representa o quadro fáctico que subjaz à situação em apreço.

LXIII. Violou, assim, a Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo o disposto no artigo 496º do Código Civil, sendo certo que não fez uma concreta apreciação das provas, não as analisou corretamente e, sobretudo, não faz o juízo crítico e entendível sobre as mesmas que pudesse levar à decisão tomada.

Termina por pedir a alteração da decisão de facto, nos termos referidos, com a revogação parcial da sentença proferida e que acolhendo os argumentos expostos revogue a decisão e atribua ao autor uma compensação de €50.000,00, a título de danos sofridos na vertente de lucros cessantes e danos futuros (descontada a compensação que recebeu no âmbito do processo laboral no montante de €12.853,52) e a quantia de €50.000,00 concernente aos danos não patrimoniais padecidos.


-

A Ré A..., SA apresentou resposta ao recurso e veio interpor recurso subordinado, formulando as seguintes conclusões:

I. A indemnização arbitrada ao Autor para compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo mesmo peca por excesso arbitrando valor muito superior ao devido atentas as consequências do sinistro - quantum doloris de 5/7, sem repercussão nas atividades físicas e de lazer ou dano estético - e tendo por referência decisões de tribunais superiores em situações comparáveis – veja-se os acórdãos da RP de 06.02.2023 (processo 8402/12.3TBMTS.P1) e de 04.04.2022 (processo nº 542/19.4T8PVZ.P1); os Ac.s do STJ de 13.04.2021 (proc. nº 448/19.7T8PNF.P1.S1), de 30.05.2019 (proc. nº 3710/12.6TJVNF.G1.S1), de 29.10.2019 (proc. nº 7614/15.2T8GMR.G1.S1) (relator Henrique Araújo), e de 02.06.2016 (2603/10.6TVLSB.L1.S1) (relator Tomé Gomes).

II. Pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada nesta parte, substituindo-se a mesma por decisão que fixe uma indemnização não superior a € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Termina por pedir que o recurso principal seja rejeitado ou, se assim se não entender, deverá então o recurso subordinado ser julgado procedente, reduzindo-se a compensação a pagar ao Autor a título de danos não patrimoniais nos termos que resulta das conclusões de recurso.


-

O recurso foi admitido como recurso de apelação, bem como, foi admitido o recurso subordinado.

-

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

-

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.

As questões a decidir:

a) Apelação

- reapreciação da decisão de facto;

- do montante da indemnização a arbitrar a título de dano futuro, na vertente de dano biológico e a título de danos não patrimoniais.


-

b) Recurso subordinado

- do valor a arbitrar a título de danos não patrimoniais.


-

2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:

1. No dia 16 de outubro de 2018, pelas 03:55h, na autoestrada A1, ao Km ..., na freguesia ..., concelho ..., ocorreu sinistro, no qual foram intervenientes:

- O veículo acoplado, composto por um trator e semirreboque com a matrícula L-......, propriedade da sociedade anónima com a firma B..., S.A, conduzido por BB; e

- O automóvel ligeiro de mercadorias, de marca ..., com a matrícula ..-TZ-.., propriedade da sociedade por quotas com a firma C..., Lda., conduzido por CC, no qual o Autor seguia como passageiro;

2. Mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...26, a Ré assumiu a responsabilidade civil automóvel emergente de acidente de viação/circulação rodoviária do veículo ..-TZ-..;

3. Após averiguação, a Ré assumiu a responsabilidade do sinistro e pelos danos dele emergentes para o Autor;

4. O Autor nasceu em 16 de março de 1999;

5. O presente sinistro foi, igualmente, para o autor um acidente de trabalho, tendo o mesmo sido seguido nos serviços clínicos da seguradora para a qual se encontrava transferida a responsabilidade laboral, a “D...”;

6. Encontra-se a correr termos ação especial emergente de acidente de trabalho no Juízo do Trabalho de ..., sob o n.º ...;

7. Ambos os veículos circulavam na referida AE, no sentido Lisboa–Porto, ou Sul-Norte, na via de trânsito mais à direita;

8. O TZ seguia imediatamente atrás do L-......;

9. Sucede que, quando o condutor do TZ conduzia o seu veículo, adormeceu, o que fez com que perdesse o controlo da viatura;

10. Embatendo com a frente do seu veículo na traseira do veículo pesado de mercadorias que seguia à sua frente;

11. Entrando posteriormente em despiste, trespassando os 3 eixos da faixa de rodagem em que seguia, e acabando por colidir com a berma da esquerda da faixa da AE onde seguia;

12. O tempo estava bom, a via, em asfalto, estava em bom estado de conservação e o pavimento encontrava-se limpo e seco;

13. O Autor seguia sentado do lado direito da viatura TZ, com a colocação do cinto de segurança;

14. Após o acidente, o Autor recebeu os primeiros tratamentos médicos no próprio local do acidente pelos Bombeiros ...;

15. Foi desencarcerado e imediatamente transportado para o Hospital 1..., em ...;

16. Chegado a esta Unidade Hospitalar, o Autor foi entubado e iniciou suporte ventilatório mecânico, uma vez que apresentava deterioração do estado neurológico;

17. Apresentava ainda: - Uma fratura frontal mediana e base do crânio; - Uma hemorragia subaracnóidea; - Fraturas múltiplas na face, nomeadamente tetos orbitários e ptose do olho esquerdo; - Uma fratura radial; - Um edema facial; - Hemossinus; - Uma ferida suturada no joelho direito; Escoriações na perna direita;

18. O Autor colocou uma tala gessada no braço, devido à fratura radial;

19. Posteriormente, o Autor foi transferido para o Centro Hospitalar ... para avaliação das especialidades de Neurocirurgia, da Cirurgia Plástica e para monitorização da pressão intracraniana;

20. No dia 18 de outubro de 2018 foi submetido a TC Crânio–Encefálica, sendo-lhe diagnosticado: “um diminuto buraco de trépano a nível frontal direito para introdução de cateter diagnóstico cujo topo se situa no parênquima frontal homolateral. Existe área de contusão hemorrágica frontal inferior à esquerda relacionada com as extensas fraturas do andar anterior da base do crânio que abrangem os tetos orbitários e interessam também o seio frontal e as células etmoidais. Não se detetam áreas indiscutíveis de hemorragia subaracnoideia intra ou extra-ventricular. As cisternas da base estão patentes. Ausência de desvios das estruturas da linha ou sinais de hidrocefalia. As amígdalas cerebelosas têm topografia normal.”;

21. Repetiu novamente o TC Crânio- Encefálica no dia 22 de outubro de 2018, em cujo relatório se conclui que: “Observa-se traço de fratura linear e sem afundamento localizado na dependência do frontal com topografia mediana e que na sua extensão inferior e lateral envolve as paredes do seio frontal esquerdo, a região etmoidal anterior esquerda e o teto e a parede interna da órbita esquerda. Presença adicional de fratura dos ossos próprios do nariz. Associa-se a presença de prováveis hematomas subperiósteos localizados no teto (acompanhado por fragmentos ósseos) e na vertente interna da órbita e de proptose, com desvio inferior e temporal do globo ocular esquerdo. Observa-se preenchimento de todos os seios peri-nasais por tecidos moles, principalmente no seio frontal esquerdo e das células etmoidais.

Observam-se hipodensidades fronto-basais e fronto-orbitárias, com maior extensão à esquerda, provavelmente contusões traumáticas. Sistema ventricular e espaços cisternais com forma e dimensões dentro de valores normais. As cisternas da base estão patentes. Sem sinais de conflito de espaço ao nível do buraco occipital.

Correta pneumatização das cavidades antro-timpânicas.”;

22. No dia 19 de outubro de 2018, foi-lhe retirado o cateter de monitorização da pressão intracraniana;

23. E, extubado no dia 20 de outubro de 2018;

24. Durante o internamento o Autor foi observado pelas especialidades de Ortopedia, de Neurocirurgia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica;

25. Permaneceu internado nesta Unidade Hospitalar desde o dia 16 de outubro de 2018 até ao dia 23 de outubro de 2018;

26. Dada a estabilidade clínica, o Autor foi transferido para o Centro Hospitalar ...;

27. Após chegar ao Centro Hospitalar ..., E.P.E, no dia 24 de outubro 2018, o Autor foi submetido a um novo TC, sendo-lhe diagnosticado: - Múltiplas fraturas crânio-faciais bilaterais, salientavam-se fraturas cominutivas dos tetos das órbitas que se estendiam às paredes laterais; - Na órbita esquerda observava-se extracónica subperiosteal, compatível com hematoma, tendo máxima espessura no plano coronal de cerca de 10 mm, desviando inferiormente o músculo reto superior e condicionando proptose do globo ocular; - Fratura frontal anterior paramediana esquerda, que intersectava as paredes anteriores e exterior do seio frontal e se prolongava para a lâmina crivosa e fóvea do etmoide; - Fraturas bilaterais da espinha nasal que se prolongavam para a inserção dos ossos próprios do nariz e à direita para o segmento superior e anterior da parede interna da órbita; - Fratura alinhada pterional esquerda; - Preenchimentos difusos por tecidos com densidade de

partes moles de ambos os seios frontais e celas etmoidais, e de forma parcial, das restantes câmaras sinusais, compatíveis com um misto de fenómenos inflamatórios e hemossinus;

28. Foi observado pela especialidade de Otorrinolaringologia e Oftalmologia, momento em que verificaram que o olho do Autor estava calmo, mas com desvio inferior;

29. Uma vez que o acidente já tinha ocorrido há vários dias e o hematoma não comprometia o nervo ótico, não foi necessário proceder à drenagem urgente, tendo, no entanto, o Autor sido orientado para a especialidade de Cirurgia Maxilo Facial /Oftalmologia secção da orbita no Hospital 2...;

30. Ainda nesta Unidade Hospitalar, no dia 25 de outubro de 2018, o Autor foi submetido a análises à hemóstase e coagulação e a análises ao sangue (Hematologia);

31. Ficou internado nesta Unidade Hospitalar durante 3 dias;

32. E, atendendo às orientações médicas, no dia 26 de outubro de 2018, foi transferido para o Hospital 2...;

33. Assim, no dia 30 de outubro de 2018, o Autor foi avaliado no Hospital 2..., tendo os médicos recomendado uma cirurgia para drenagem do hematoma que estava a empurrar o olho inferiormente;

34. No dia 05 de novembro de 2018, o Autor foi novamente reavaliado e, uma vez que o seu estado clínico estava a evoluir favoravelmente, não houve necessidade de submete-lo à cirurgia que havia sido proposta;

35. No dia 07 de novembro de 2018, o Autor foi submetido a novos RX, através da qual lhe diagnosticaram uma fratura diáfise do rádio direito e uma deiscência de ferida corto-contusa no joelho direito;

36. Mantendo, assim, a tala gessada no braço direito e realizando curativos no joelho direito, sendo ainda aconselhado a fazer exercícios de flexão/ extensão do joelho direito;

37. Durante o internamento, o Autor foi ainda avaliado pela especialidade de Otorrinolaringologia devido a uma disfonia pós intubação prolongada;

38. Apresentava ainda um mucocelo na face ventral da língua;

39. Manteve-se internado nesta Unidade Hospitalar desde o dia 26 de outubro de 2018 até ao dia 13 de novembro de 2018, dia em que teve alta hospitalar;

40. Após o que ficou em absoluto repouso e imobilizado na sua habitação;

41. Posteriormente, o Autor foi chamado pela Seguradora laboral D..., S.A, passando a ser tratado, sob incumbência destes serviços médicos;

42. Assim, o Autor foi acompanhado em consultas desde o dia da alta hospitalar, 13 de novembro de 2018, até ao dia 3 de abril de 2019, data em que teve alta clínica;

43. Esteve a ser acompanhado em consultas no Hospital 3..., na E... e posteriormente na F... (Neurocirurgia);

44. Em virtude do sinistro, o Autor apresenta atualmente as seguintes queixas:

- A nível funcional: dor no punho direito, com os esforços; gonalgia direita e no antebraço direito e punho; medo de andar com outra pessoa no carro;

- A nível situacional: - Atos da vida diária: sem alterações;

- Vida afetiva, social e familiar: Desde o acidente encontra-se bem, não nota alterações. Vive com os pais no domicílio, com quem mantem relação harmoniosa. Começou a andar de moto desde o acidente e teve um acidente de moto tendo tido despiste. Nega alterações de personalidade e/ou ansiedade;

- Vida profissional ou de formação: No exercício da atividade laboral, dificuldade por dores e limitações na mobilidade do antebraço direito;

45. E, apresenta as seguintes lesões e/ou sequelas:

- Membro superior direito: cicatriz com retração no bordo radial da transição do terço médio com o terço distal do antebraço. Sem qualquer limitação na mobilidade do punho, nem do cotovelo;

Membro inferior direito: cicatriz com alguma retração, arciforme de concavidade inferior ao longo da face anterior e lateral do joelho direito, hiperpigmentada que mede 23cm e outra cicatriz com discreta retração dos tecidos moles subjacentes mais distal na face antero-interna do joelho, ao nível da tuberosidade tibial que mede 3 por 2cm de maiores dimensões;

46. As cicatrizes evoluíram favoravelmente, sem causar prejuízo estético significativo;

47. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 15/01/2020;

48. Em consequência do sinistro e das lesões, o Autor teve um défice funcional temporário total fixável num período de 29 dias (entre 16/10/2018 e 13/11/2018);

49. Teve um défice funcional temporário parcial fixável num período total de 428 dias (entre 14/11/2018 e 15/01/2020);

50. Teve um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável num período total de 336 dias (entre 16/10/2018 e 27/02/2019, entre 04/04/2019 e 26/08/2019, entre 29/08/2019 e 23/10/2019);

51. E, teve um período de repercussão temporária na atividade profissional parcial fixável num período total de 121 dias (entre 28/02/2019 e 03/04/2019, entre 27/08/2019 e 28/08/2019, entre 24/10/2019 e 15/01/2020);

52. Em virtude das lesões que padeceu, o Autor sofreu fortes dores, ansiedade e medo, quer no momento do acidente, quer nas sucessivas e longos exames e tratamentos a que foi submetido;

53. Enquanto esteve internado no hospital, por via dos tratamentos a que foi sujeito, sofreu dores, e incómodos e dores nos períodos de acamamento a que foi sujeito;

54. Atualmente, apresenta gonalgia direita e no antebraço direito e punho;

55. E, na atividade laboral, sente dores e tem limitações na mobilidade deste antebraço;

56. Antes do sinistro, era uma pessoa saudável, com paixão pela vida, pelos amigos, pela família e pelo seu trabalho;

57. O Autor vive com os pais;

58. O quantum doloris sofrido pelo Autor é fixável no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente;

59. O Autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10,5876 pontos;

60. As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;

61. Mediante contrato de trabalho a termo certo outorgado em 1 de outubro de 2018, com início nessa data e pelo prazo de 12 meses, renovável por igual período, o Autor trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade comercial C..., Lda., como ajudante de carpinteiro, auferindo o salário mínimo ilíquido mensal de € 600,00, acrescido de € 4,00 a título de subsídio de alimentação, o que lhe permitia auferir, atento o desconto para a Segurança Social de 11% sobre o salário, o rendimento anual líquido de € 8.444,00;

62. Por carta datada de 5 de setembro de 2019, a C..., Lda. rescindiu o contrato de trabalho com efeitos a partir de 30/09/2019;

63. Tendo o A. ficado desempregado até janeiro de 2021;

64. Em janeiro de 2021, arranjou emprego na construção civil, auferindo o salário mínimo;

65. E, atualmente, trabalha por conta de outrem como ajudante de serralheiro, auferindo o salário mínimo;

66. Na ação especial emergente de acidente de trabalho referida em 6., por sentença proferida em 03/02/2022, foi a Seguradora laboral, aqui interveniente, condenada a pagar a pensão anual de € 664,23, desde o dia a seguir à alta (16/01/2020), a que corresponde o capital de remição de € 11.757,54, a que acrescem juros legais à taxa legal de 4% contados desde o dia seguinte à alta até efetivo e integral pagamento, bem como a pagar a quantia de €20,00 a título de despesas de deslocação desde a data da realização da diligência de não conciliação até integral pagamento;

67. Em consequência do acidente de trabalho, a Seguradora laboral, aqui interveniente, pagou ao Autor a quantia de € 12.823,52, a título de IPP, a quantia de € 20,00, a título de despesas de deslocação, e a quantia de € 3.301,54, a título de incapacidades temporárias, tendo ainda pago a terceiros, a título de despesas, a quantia de € 14.350,74.


-

- Factos não provados:

Com relevo para a decisão, nenhuns outros factos ficaram demonstrados, nomeadamente não ficou provado que:

a) O Autor apresenta permanentemente intensas dores no joelho, no braço e no maxilar;

b) O que faz que não consiga comer alimentos rijos;

c) Sendo obrigado a cortar os alimentos em bocados pequenos para conseguir ingerir;

d) Não consegue, por exemplo, morder uma maçã ou pera;

e) Acresce que, o Autor perdeu de forma irreversível o sentido do olfato, não conseguindo sentir quaisquer aromas;

f) O Autor perdeu igualmente o paladar, não conseguindo sentir o sabor dos alimentos;

g) Deixando, assim, de sentir prazer em fazer as refeições, alimentando-se simplesmente porque é uma necessidade fisiológica;

h) Tudo que lhe causa muito desgosto e angústia;

i) Acresce que, por diversas vezes e para além do que consta da matéria provada, o Autor teve necessidade de ser observado por fisioterapeutas e especialistas;

j) Não consegue levantar pesos, calçar-se e fazer as atividades do quotidiano;

k) Não consegue ficar muito tempo na mesma posição, impedindo-o de conseguir estar muito tempo de pé ou sentado;

l) Sente dores permanentes, que o impedem de descansar normalmente devido ao facto de constantemente ter necessidade de mudar de posição;

m) O Autor sente muitas dificuldades ao realizar as tarefas do seu dia-a-dia;

n) Não tem comodidade em nenhuma posição;

o) Sentindo o corpo como um fardo que carregará enquanto viver;

p) Encontra-se mais ansioso, recorrendo a condutas de evitamento, situações ou pensamento que evoquem o trauma;

q) O Autor passou, por via do exposto, a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante o trabalho, dificuldades na vida de relação;

r) Refugiando-se no seu quarto a chorar, em virtude de não poder levar a vida que levava antes do acidente;

s) Tendo-se tornado numa pessoa triste, sisuda e com tendência para o isolamento, e, com as referidas lesões, ficou facilmente irritável e irascível;

t) O Autor passou a sentir no dia-a-dia da sua vida o peso da sua deficiência;

u) Acresce que, a perda do olfato e paladar fizeram com que o mesmo nunca mais sentisse o prazer da vida, o prazer simples de saborear uma refeição ou de cheirar os simples aromas que nos rodeiam;

v) Dizendo, em situações de crise, que preferia ter morrido aquando do acidente.

w) No momento do embate e nos instantes que o precederam, o autor receou pela própria vida;

x) Hoje encontra-se praticamente impossibilitado de trabalhar;

y) Sente-se muito triste e com constantes crises de ansiedade;

z) Sente-se diminuído por ser uma pessoa incapacitada;

aa) Tudo o que acarreta consequências negativas no relacionamento com a família, amigos e, grosso modo, com quem mantém relações pessoais e profissionais;

bb) Para além de sentir limitações importantes na sua vida afetiva e sexual;

cc) Com o sinistro e as lesões, desapareceram os sonhos que tinha, tornando-se uma pessoa desanimada, com medos, traumas e com bastantes complexos;

dd) Deixou de viver, passando simplesmente a sobreviver;

ee) O Autor ficou a padecer de dano estético;

ff) O qual ascende ao grau 5 numa escala até 7;

gg) O Autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 25 pontos;

hh) A C..., Lda. rescindiu o contrato de trabalho porque o Autor não conseguia desempenhar mais normalmente as suas funções, em

consequência das lesões e sequelas que o Autor padeceu;

ii) O Autor ficou desempregado em virtude do sinistro e das lesões e sequelas de que ficou a padecer;

jj) O Autor ficou impossibilitado de progredir na carreira profissional.


-

3. O direito

- Reapreciação da decisão de facto -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos I a XIV, o apelante veio requerer a reapreciação da decisão de facto quanto às alíneas e), f), g), h), p), u), y), z) e cc) dos factos julgados não provados.

Cumpre proceder à verificação dos pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.

O art.º 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:

“ 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3. […]”

Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - e motivar o seu recurso – fundamentação - com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.

Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e o apelante veio impugnar a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos de facto impugnados, prova a reapreciar – prova testemunhal e pericial - e decisão que sugere.

Nos termos do art.º 640º/1/2 do CPC consideram-se reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto.


-

Nos termos do art.º 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:

“[…]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[2].

Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.

Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[3].

Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art.º 396º CC e art.º 607º/5, 1ª parte CPC.

Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[4].

Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art.º 607º/4 CPC).

Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão.

É através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[5] e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida.

Como observa ABRANTES GERALDES:”[s]em embargo da ponderação das circunstâncias que rodearam o julgamento na 1ª instância, em comparação com as que se verificam na Relação, esta deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal”[6].

Ponderando estes aspetos, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, justifica-se alterar, em parte, a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor.

O apelante impugna a decisão dos seguintes factos julgados “não provados”:

e) Acresce que, o Autor perdeu de forma irreversível o sentido do olfato, não conseguindo sentir quaisquer aromas;

f) O Autor perdeu igualmente o paladar, não conseguindo sentir o sabor dos alimentos;

g) Deixando, assim, de sentir prazer em fazer as refeições, alimentando-se simplesmente porque é uma necessidade fisiológica;

h) Tudo que lhe causa muito desgosto e angústia;

p) Encontra-se mais ansioso, recorrendo a condutas de evitamento, situações ou pensamento que evoquem o trauma;

u) Acresce que, a perda do olfato e paladar fizeram com que o mesmo nunca mais sentisse o prazer da vida, o prazer simples de saborear uma refeição ou de cheirar os simples aromas que nos rodeiam;

y) Sente-se muito triste e com constantes crises de ansiedade;

z) Sente-se diminuído por ser uma pessoa incapacitada;

cc) Com o sinistro e as lesões, desapareceram os sonhos que tinha, tornando-se uma pessoa desanimada, com medos, traumas e com bastantes complexos.

Na fundamentação da decisão, apreciou-se a prova produzida, nos termos que se passam a transcrever:

“[…] Quanto aos pontos 14. a 60.: Os elementos clínicos (docs. 3 a 11) e a declaração (doc. 12), juntos pelo Autor e o relatório pericial do IML, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas, DD e EE, pais do Autor, que confirmaram que o Autor vivia e vive com eles, era saudável e com paixão pela vida, pelos amigos, pela família e pelo seu trabalho, aludindo ainda aos receios, ansiedades e dores manifestadas pelo filho;

[…]

No que concerne à matéria não provada, tal resultou da sua insuficiente demonstração, ponderada toda a prova produzida.

É de realçar que, relativamente à dimensão dos danos, para além do que resulta do acima exposto na resposta aos pontos 14. a 60., o Tribunal quedou-se por aquela que resulta dos elementos clínicos e dos relatórios periciais, não obstante as testemunhas DD e EE, nos seus depoimentos, terem emprestado uma maior dimensão dos danos, referindo, por exemplo, a perda de olfato e de paladar, a perda de ânimo de vida, o acompanhamento em terapia da fala e em fisioterapia e a perda do trabalho por causa do acidente. Sucede que, tais depoimentos, nessa medida não lograram convencer o Tribunal, porquanto subjetivos, não isentos e não corroborados pelos elementos clínicos e pelos relatórios periciais (veja-se, por exemplo, o que consta do ponto 44. da matéria provada), sendo certo, ainda, que relativamente ao trabalho, o contrato de trabalho do Autor era a termo certo e motivado “por reforço de pessoal devido ao acréscimo excecional de atividade nesta altura do ano”.

O apelante sustenta a alteração da decisão nos depoimentos prestados pelas testemunhas DD e EE, pais do autor, e no relatório elaborado pelo perito médico-legal, no âmbito da perícia realizada nestes autos pelo Instituto de Medicina Legal.

Sugere, por efeito da reapreciação da prova, que se julguem provados os seguintes factos:

a) Em consequência do acidente e das sequelas resultantes do mesmo, o Autor ficou com uma perceção alterada do olfato;

b) O Autor perdeu igualmente o paladar, não conseguindo sentir o sabor dos alimentos;

c) Deixando, assim, de sentir prazer em fazer as refeições;

d) Tudo que lhe causa muito desgosto e angústia;

e) Encontra-se mais ansioso, recorrendo a condutas de evitamento, situações ou pensamento que evoquem o trauma;

f) Sente-se triste e diminuído por ser uma pessoa incapacitada;

g) Tornando-se uma pessoa desanimada e com medos.

Para melhor compreender o conhecimento que as testemunhas revelaram dos factos, cumpre ter presente uma súmula dos seus depoimentos.

A testemunha DD, operário, pai do autor, referiu que esteve com o filho no dia 16 de outubro e depois no dia 17 à tarde. Visitou-o no hospital em .... Tinha um dreno no cérebro e estava a sair sangue. Tinha os olhos abertos. “Estava em coma induzido para o cérebro não inchar. Esteve assim três dias. Os médicos disseram que não sabiam como é que ele ia ficar. Só depois de sair do coma. Três dias depois conhecia-nos. Estava entubado. Mas não dizia nada”.

Referiu, ainda, que estava “todo inchado. Foi um choque. Esteve 7 a 8 dias no Hospital 4... e depois foi transferido para o hospital de .... Esteve internado neste hospital, 4 a 5 dias, e depois foi para o Hospital 2..., porque tinha um olho desviado, para ser visto por Oftalmologia. Tinha operação marcada, mas depois não foi preciso. Esteve em ... cerca de um mês”.

Sobre os tratamentos, disse que o autor “esteve na terapia da fala – seis sessões”.

Referiu, também, que depois de obter alta no Hospital 2... veio para ... e no Hospital 3..., no Porto realizaram-se tratamentos, pelo seguro de trabalho. Fez fisioterapia, muitas sessões no Hospital 5....

Sobre o estado psicológico do autor, referiu que: “dizia que tinha vontade de morrer; fechava-se no quarto; foi muito complicado”. Andou em tratamentos cerca de um ano.

Não conseguia exercer as funções que tinha. Tentou arranjar trabalho mas doía-lhe o joelho, o pulso e o braço e não conseguia trabalhar.

Referiu que o autor sofreu:” fratura no maxilar. Lesão na perna e no pulso. Perdeu o paladar e o olfato. Não consegue sentir o sabor dos alimentos”.

Perante este quadro, referiu que “agora, sentia uma revolta muito grande”.

Na data do acidente tinha 19 anos era uma pessoa alegre. Gostava de conviver. Jogava futebol. Atualmente não joga futebol, porque tem receio de cair e perdeu o contacto com amigos. Não é a mesma pessoa, parece mais revoltado com a vida.

Esclareceu que o autor estava a trabalhar há 15 dias quando ocorreu o acidente. O patrão não o voltou a contratar, porque não podia exercer as funções que tinha. Esteve sem trabalhar até janeiro 2021. Agora trabalha. Trabalhou na construção civil. Esteve um ano e quatro meses sem ganhar.

Disse, ainda, que quando ocorreu o acidente ganhava 600,00 + 4 €/dia. Tem cicatrizes no joelho. Queixa-se de dores no maxilar e no pulso.

Referiu, ainda, que transportava sempre o autor para as consultas no Porto. Na fase de recuperação ficava com a sua mulher em casa. Não foi autónomo durante 2 a 3 meses – tomar banho e tratar da higiene.

Atualmente, ainda se queixa de dores no joelho. Atualmente sai mais um bocadinho e evita falar do acidente.

Fez uma operação ao joelho no Hospital 3..., no Porto. Esteve um dia no hospital. Usou canadianas nessa altura. Usava cadeira de rodas quando veio para casa. O autor foi tratado pela Companhia de Seguros de acidente de trabalho. Recebeu partes de salário até ter alta.

Esclareceu, por fim, que o autor trabalhou como serralheiro. Acabou o contrato em 2019. Trabalhou na empresa apesar de ter alguma incapacidade. Começou a trabalhar, mas não conseguia pegar em pesos. Depois arranjou trabalho na construção civil, ao ar livre que era o que ele queria. Montar andaimes e assim. Atualmente é serralheiro e trabalha por conta de outrem.

A testemunha EE, mãe do autor, costureira.

Sobre as circunstâncias em que tomou conhecimento do acidente, disse, que o acidente ocorreu em 16 de outubro 2018. Tomou conhecimento do acidente na parte da manhã do dia do acidente. A empresa é que ligou para casa. “O autor estava no Hospital 4..., em coma induzido. Esteve assim 3 dias. Viram-no nesse dia da parte da tarde. Perna engessado; dreno na cabeça. Muito inchado”. Mais referiu que “findo os três dias passou para os cuidados intensivos no andar de cima e depois foi transferido para ... – 3 dias – e depois foi para ... onde esteve internado cerca de 17 dias, porque tinha um problema num olho”.

Referiu que em ... os médicos “não podiam dizer nada porque não sabiam como ia ficar. Só ao fim de três dias podiam pronunciar-se. A médica disse que corria risco de vida, porque tinha o cérebro muito inchado”.

Mais referiu que o autor apresentava um “problema num olho – não conseguia olhar para a frente. Olho inchado”. “Quando acordou, só dizia vou morrer, tenho medo de morrer”.

Sobre os tratamentos, disse: “veio para casa, mas fez terapia da fala, por ter sido entubado, talvez 14 sessões. O marido é que o acompanhava sempre aos tratamentos. Fez fisioterapia e outros tratamentos noutros hospitais no Porto”.

Não conseguia tomar banho sozinho. Veio para casa com o joelho ligado. Esteve assim ainda um mês. “A cirurgia ao joelho foi realizada no Porto, no Hospital 3.... Foi num dia e veio no outro. Andou de canadianas. Fez fisioterapia no Hospital 5.... A seguradora do trabalho é que pagou os tratamentos”.

Sobre a remuneração do autor e valores pagos pela seguradora, disse que o filho ganhava 600,00. A seguradora pagou parte. Andou em tratamento, mesmo depois de ter alta. Trabalhava com incapacidade.

Referiu que foi despedido em setembro de 2019. Esteve sem trabalhar um ano e tal, porque não conseguia pegar em pesos. Atualmente, trabalha como serralheiro, que era a profissão que exercia quando teve o acidente.

Disse, ainda, que o autor queixava de dores durante o tratamento. Dores no maxilar ao mastigar. Hoje não pode comer coisas rijas. Atualmente queixa-se do joelho e do pulso e do braço direito. Não se consegue baixar e queixa-se do joelho.

Disse, ainda: “o meu filho ficou diferente. Hoje não sabe comer. Não tem sabor e não tem cheiro. Se um alimento estiver estragado, come na mesma. Fica deprimido por estar assim. Não consegue sentir o cheiro de uma flor”.

Referiu que: “antes do acidente não tinha qualquer defeito. Hoje diz que é um deficiente, tem cicatrizes. Muitos dias não sai de casa. Tem ataques de pânico e de ansiedade. Fica assim de vez em quando. Tem 24 anos e agora não namora. Muito diferente dos amigos. Não sai de casa. Pessoa triste. Tentamos levar a um psicólogo. Entre o que era e o que é agora não tem nada a haver. Não tem amigos. Jogava futebol com os amigos. Mas agora não joga. No fim-de-semana fica em casa, a ver TV ou a jogar no computador”.

Têm uma filha e na altura do acidente tinha 13 anos.

Atualmente aufere o salário mínimo – 800,00 (salário e acréscimos).

Esclareceu que atualmente é ajudante de serralheiro. Na outra empresa exercia as funções de serralheiro. Na data do acidente, tinha um contrato de trabalho, por um ano e era ajudante de serralheiro. Não exerceu qualquer outra atividade. Chegou a trabalhar na construção civil, mas pouco tempo, porque não queria. Entretanto teve um acidente de mota e fez umas tatuagens.


-

Está em causa apurar se por efeito da colisão e das lesões que sofreu, o autor perdeu de forma irreversível o sentido do olfato e o paladar e os efeitos sobre o seu bem-estar e condição na ingestão de alimentos, matéria alegada pelo autor na petição (alíneas e), f), g) h) e u) dos factos não provados).

Da análise dos relatórios médicos juntos aos autos resulta:

- no Boletim de Alta, com data de 12 de fevereiro de 2020, elaborado pela seguradora D..., seguradora laboral, refere-se a páginas 944 (processo eletrónico, sistema Citius): “[à] data refere anosmia e alteração do paladar”;

- relatório pericial elaborado pelo IML, a páginas 484 (processo eletrónico, sistema Citius), consignou-se “[r]efere perda de olfato e de sabor”;

- no relatório pericial, para efeitos de fixar o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que ficou a padecer o autor, considerou-se de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Dec.-Lei 352/07, de 23/10 Dano Civil):

> “Sb0502 – Disosmia: (coeficiente previsto na tabela) 1 a 10 / (coeficiente arbitrado) 0,05000 / (capacidade restante) 0,94119/ (desvalorização arbitrada) 0,10587”.

Da análise dos elementos clínicos e perícia médico legal resulta que o autor sofre de uma alteração do sentido do olfato - disosmia - e tal situação foi ponderada para efeito de fixar o Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica – 10,58676.

No ponto 59 dos factos provados considerou-se que o autor ficou afetado com um défice funcional permanente de 10,58676 pontos, logo considerou-se o facto de sofrer de uma alteração do sentido do olfato.

As testemunhas, progenitores do autor, referiram que o autor não tem olfato – anosmia -, nem paladar e deixou até de saber comer, porque a comida não tem qualquer sabor.

Porém, no confronto da prova testemunhal com a prova pericial, ainda que ambas se mostrem sujeitas ao princípio da livre apreciação, não podemos deixar de dar prevalência ao juízo pericial, baseado em conhecimento técnicos e na experiência própria do saber médico.

Com efeito, desde logo na Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (Anexo II do Dec.-Lei 352/07, de 23/10) distingue-se as duas patologias: disosmia e anosmia. Portanto, quando o perito opta por uma das lesões, está já a fazer um juízo de avaliação da situação clínica do doente/lesado.

De acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil - Otorrinolaringologia - Ponto 5 - as Perturbações olfativas compreendem as alterações das perceções gustativas. As alterações do paladar não são autonomizadas para efeitos de cálculo da incapacidade.

Desta forma, o juízo pericial respeitou o critério da lei e na avaliação técnica da situação funcional do lesado e da forma como ficou afetado no sentido do olfato/paladar.

Acresce que o relatório pericial não foi objeto de qualquer esclarecimento em relação a esta matéria, conformando-se o autor com a avaliação clínica que foi feita.

Resta referir a respeito da forma como o autor/lesado passou a lidar com esta limitação no sentido olfativo, que apesar das apreciações e comentários que as testemunhas teceram, no exame clínico realizado pelo perito e com base apenas na informação prestada pelo autor, nada foi referido em concreto, que revele condicionamentos na sua vida de relação e em relação à ingestão de alimentos.

Como se refere no relatório pericial “a nível funcional (compreendendo este nível as alterações das capacidades físicas ou mentais (voluntárias ou involuntárias), características de um ser humano, tendo em conta a sua idade, sexo e raça, que surgem na sequência das sequelas orgânicas e são influenciadas, positiva ou negativamente, por fatores pessoais (como a idade, o estado físico e psíquico anterior, a motivação e o esforço pessoal de adaptação) e do meio (como as barreiras arquitetónicas, as ajudas técnicas ou as ajudas humanas), refere: apenas apresenta as seguintes queixas:

− Fenómenos dolorosos: gonalgia direita e no antebraço direito e punho. Não toma medicação antiálgica;

− Outras queixas a nível funcional: refere medo de andar com outra pessoa no carro:

A nível situacional compreendendo este nível (a dificuldade ou impossibilidade de uma pessoa efetuar certos gestos necessários à sua participação na vida em sociedade, em consequência das sequelas orgânicas e funcionais e de fatores pessoais e do meio), refere: “Atos da vida diária: sem alterações”.

Conclui-se que o apelante ficou a padecer de alterações no sentido do olfato, circunstância que foi devidamente ponderada para efeitos de fixação do Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica, mas sem que tal limitação condicione o autor na sua vida de relação ou condicione a regular ingestão de alimentos.

Justifica-se alterar a decisão de facto, em relação à alínea e), que passa para os factos provados, com a seguinte redação:

45-A - O autor ficou com alterações no sentido do olfato (disosmia).

Em relação à restante matéria, alíneas f), g), h), u), a decisão não merece censura, mantendo-se a decisão que julgou não provados os factos.

Quanto aos restantes factos impugnados – alíneas p), y), z) e cc) – que respeitam aos reflexos das lesões na vida de relação do autor/lesado, mais uma vez, o relatório pericial revela que o autor se encontra bem integrado no seio familiar e retomou a atividade profissional.

Refere-se a este respeito:

“− Vida afetiva, social e familiar: Refere que desde o acidente se encontra bem, não

nota alterações. Vive com os pais no domicílio, refere relação harmoniosa.

Começou a andar de moto desde o acidente e teve um acidente de moto tendo tido despiste. Refere também ter feito tatuagens desde o acidente. Nega alterações de personalidade e/ou ansiedade;

− Vida profissional ou de formação: regressou ao seu trabalho mantendo-se na mesma empresa desde 28-02 até ao fim do contrato de trabalho, que não foi objeto de renovação, tendo estado desempregado. Na atualidade trabalha na construção civil, com dificuldade por dores e limitações na mobilidade do antebraço direito”.

O depoimento das testemunhas também não se afasta desta análise. Decorre do depoimento das testemunhas que o autor, numa primeira fase e logo após o acidente, enquanto se encontrava em convalescença, se sentiu deprimido e até revoltado com a situação em que se encontrava. Porém, não deixaram de referir que com o passar do tempo e apesar dos tratamentos o autor passou lentamente a retomar a sua vida normal, retomando o trabalho e o convívio com as pessoas do núcleo de amigos.

Observaram que deixou de jogar futebol por sentir receio em lesionar-se. Contudo, no exame pericial não se faz qualquer observação a tal limitação, por não se referir que o autor por efeito das lesões que sofreu nos membros inferior e superior ficou impedido de praticar desporto.

Não resulta do relatório pericial, nem do depoimento das testemunhas, que o autor tenha desenvolvido um quadro depressivo e de ansiedade.

Conclui-se que a prova indicada não sustenta a alteração da decisão quanto às alíneas p), y), z) e cc) dos factos não provados.

Improcedem, em parte, as conclusões de recurso sob os pontos I a XIV.


-

Na apreciação das restantes questões, cumpre ter presente os factos provados e não provados, com as alterações introduzidas por efeito da reapreciação da decisão, que estão inseridas em itálico:

1. No dia 16 de outubro de 2018, pelas 03:55h, na autoestrada A1, ao Km ..., na freguesia ..., concelho ..., ocorreu sinistro, no qual foram intervenientes:

- O veículo acoplado, composto por um trator e semirreboque com a matrícula L-......, propriedade da sociedade anónima com a firma B..., S.A, conduzido por BB; e

- O automóvel ligeiro de mercadorias, de marca ..., com a matrícula ..-TZ-.., propriedade da sociedade por quotas com a firma C..., Lda., conduzido por CC, no qual o Autor seguia como passageiro;

2. Mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...26, a Ré assumiu a responsabilidade civil automóvel emergente de acidente de viação/circulação rodoviária do veículo ..-TZ-..;

3. Após averiguação, a Ré assumiu a responsabilidade do sinistro e pelos danos dele emergentes para o Autor;

4. O Autor nasceu em 16 de março de 1999;

5. O presente sinistro foi, igualmente, para o autor um acidente de trabalho, tendo o mesmo sido seguido nos serviços clínicos da seguradora para a qual se encontrava transferida a responsabilidade laboral, a “D...”;

6. Encontra-se a correr termos ação especial emergente de acidente de trabalho no Juízo do Trabalho de ..., sob o n.º ...;

7. Ambos os veículos circulavam na referida AE, no sentido Lisboa–Porto, ou Sul-Norte, na via de trânsito mais à direita;

8. O TZ seguia imediatamente atrás do L-......;

9. Sucede que, quando o condutor do TZ conduzia o seu veículo, adormeceu, o que fez com que perdesse o controlo da viatura;

10. Embatendo com a frente do seu veículo na traseira do veículo pesado de mercadorias que seguia à sua frente;

11. Entrando posteriormente em despiste, trespassando os 3 eixos da faixa de rodagem em que seguia, e acabando por colidir com a berma da esquerda da faixa da AE onde seguia;

12. O tempo estava bom, a via, em asfalto, estava em bom estado de conservação e o pavimento encontrava-se limpo e seco;

13. O Autor seguia sentado do lado direito da viatura TZ, com a colocação do cinto de segurança;

14. Após o acidente, o Autor recebeu os primeiros tratamentos médicos no próprio local do acidente pelos Bombeiros ...;

15. Foi desencarcerado e imediatamente transportado para o Hospital 1..., em ...;

16. Chegado a esta Unidade Hospitalar, o Autor foi entubado e iniciou suporte ventilatório mecânico, uma vez que apresentava deterioração do estado neurológico;

17. Apresentava ainda: - Uma fratura frontal mediana e base do crânio; - Uma

hemorragia subaracnoídea; - Fraturas múltiplas na face, nomeadamente tetos orbitários e ptose do olho esquerdo; - Uma fratura radial; - Um edema facial; - Hemossinus; - Uma ferida suturada no joelho direito; Escoriações na perna direita;

18. O Autor colocou uma tala gessada no braço, devido à fratura radial;

19. Posteriormente, o Autor foi transferido para o Centro Hospitalar ... para avaliação das especialidades de Neurocirurgia, da Cirurgia Plástica e para monitorização da pressão intracraniana;

20. No dia 18 de outubro de 2018 foi submetido a TC Crânio–Encefálica, sendo-lhe diagnosticado: “um diminuto buraco de trépano a nível frontal direito para introdução de cateter diagnóstico cujo topo se situa no parênquima frontal homolateral. Existe área de contusão hemorrágica frontal inferior à esquerda relacionada com as extensas fraturas do andar anterior da base do crânio que abrangem os tetos orbitários e interessam também o seio frontal e as células etmoidais. Não se detetam áreas indiscutíveis de hemorragia subaracnoídea intra ou extra-ventricular. As cisternas da base estão patentes. Ausência de desvios das estruturas da linha ou sinais de hidrocefalia. As amígdalas cerebelosas têm topografia normal.”;

21. Repetiu novamente o TC Crânio- Encefálica no dia 22 de outubro de 2018, em cujo relatório se conclui que: “Observa-se traço de fratura linear e sem afundamento localizado na dependência do frontal com topografia mediana e que na sua extensão inferior e lateral envolve as paredes do seio frontal esquerdo, a região etmoidal anterior esquerda e o teto e a parede interna da órbita esquerda. Presença adicional de fratura dos ossos próprios do nariz. Associa-se a presença de prováveis hematomas subperiósteos localizados no teto (acompanhado por fragmentos ósseos) e na vertente interna da órbita e de proptose, com desvio inferior e temporal do globo ocular esquerdo. Observa-se preenchimento de todos os seios peri-nasais por tecidos moles, principalmente no seio frontal esquerdo e das células etmoidais.

Observam-se hipodensidades fronto-basais e fronto-orbitárias, com maior extensão à esquerda, provavelmente contusões traumáticas. Sistema ventricular e espaços cisternais com forma e dimensões dentro de valores normais. As cisternas da base estão patentes. Sem sinais de conflito de espaço ao nível do buraco occipital.

Correta pneumatização das cavidades antro-timpânicas.”;

22. No dia 19 de outubro de 2018, foi-lhe retirado o cateter de monitorização da pressão intracraniana;

23. E, extubado no dia 20 de outubro de 2018;

24. Durante o internamento o Autor foi observado pelas especialidades de Ortopedia, de Neurocirurgia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica;

25. Permaneceu internado nesta Unidade Hospitalar desde o dia 16 de outubro de 2018 até ao dia 23 de outubro de 2018;

26. Dada a estabilidade clínica, o Autor foi transferido para o Centro Hospitalar ...;

27. Após chegar ao Centro Hospitalar ..., E.P.E, no dia 24 de outubro 2018, o Autor foi submetido a um novo TC, sendo-lhe diagnosticado: - Múltiplas fraturas crânio-faciais bilaterais, salientavam-se fraturas cominutivas dos tetos das órbitas que se estendiam às paredes laterais; - Na órbita esquerda observava-se extracónica subperiosteal, compatível com hematoma, tendo máxima espessura no plano coronal de cerca de 10 mm, desviando inferiormente o músculo reto superior e condicionando proptose do globo ocular; - Fratura frontal anterior paramediana esquerda, que intersectava as paredes anteriores e exterior do seio frontal e se prolongava para a lâmina crivosa e fóvea do etmoide; - Fraturas bilaterais da espinha nasal que se prolongavam para a inserção dos ossos próprios do nariz e à direita para o segmento superior e anterior da parede interna da órbita; - Fratura alinhada pterional esquerda; - Preenchimentos difusos por tecidos com densidade de

partes moles de ambos os seios frontais e celas etmoidais, e de forma parcial, das restantes câmaras sinusais, compatíveis com um misto de fenómenos inflamatórios e hemossinus;

28. Foi observado pela especialidade de Otorrinolaringologia e Oftalmologia, momento em que verificaram que o olho do Autor estava calmo, mas com desvio inferior;

29. Uma vez que o acidente já tinha ocorrido há vários dias e o hematoma não comprometia o nervo ótico, não foi necessário proceder à drenagem urgente, tendo, no entanto, o Autor sido orientado para a especialidade de Cirurgia Maxilo Facial /Oftalmologia secção da orbita no Hospital 2...;

30. Ainda nesta Unidade Hospitalar, no dia 25 de outubro de 2018, o Autor foi submetido a análises à hemóstase e coagulação e a análises ao sangue (Hematologia);

31. Ficou internado nesta Unidade Hospitalar durante 3 dias;

32. E, atendendo às orientações médicas, no dia 26 de outubro de 2018, foi transferido para o Hospital 2...;

33. Assim, no dia 30 de outubro de 2018, o Autor foi avaliado no Hospital 2..., tendo os médicos recomendado uma cirurgia para drenagem do hematoma que estava a empurrar o olho inferiormente;

34. No dia 05 de novembro de 2018, o Autor foi novamente reavaliado e, uma vez que o seu estado clínico estava a evoluir favoravelmente, não houve necessidade de submete-lo à cirurgia que havia sido proposta;

35. No dia 07 de novembro de 2018, o Autor foi submetido a novos RX, através da qual lhe diagnosticaram uma fratura diáfise do rádio direito e uma deiscência de ferida corto-contusa no joelho direito;

36. Mantendo, assim, a tala gessada no braço direito e realizando curativos no joelho direito, sendo ainda aconselhado a fazer exercícios de flexão/ extensão do joelho direito;

37. Durante o internamento, o Autor foi ainda avaliado pela especialidade de Otorrinolaringologia devido a uma disfonia pós intubação prolongada;

38. Apresentava ainda um mucocelo na face ventral da língua;

39. Manteve-se internado nesta Unidade Hospitalar desde o dia 26 de outubro de 2018 até ao dia 13 de novembro de 2018, dia em que teve alta hospitalar;

40. Após o que ficou em absoluto repouso e imobilizado na sua habitação;

41. Posteriormente, o Autor foi chamado pela Seguradora laboral D..., S.A, passando a ser tratado, sob incumbência destes serviços médicos;

42. Assim, o Autor foi acompanhado em consultas desde o dia da alta hospitalar, 13 de novembro de 2018, até ao dia 3 de abril de 2019, data em que teve alta clínica;

43. Esteve a ser acompanhado em consultas no Hospital 3..., na E... e posteriormente na F... (Neurocirurgia);

44. Em virtude do sinistro, o Autor apresenta atualmente as seguintes queixas:

- A nível funcional: dor no punho direito, com os esforços; gonalgia direita e no antebraço direito e punho; medo de andar com outra pessoa no carro;

- A nível situacional: - Atos da vida diária: sem alterações;

- Vida afetiva, social e familiar: Desde o acidente encontra-se bem, não nota alterações. Vive com os pais no domicílio, com quem mantem relação harmoniosa. Começou a andar de moto desde o acidente e teve um acidente de moto tendo tido despiste. Nega alterações de personalidade e/ou ansiedade;

- Vida profissional ou de formação: No exercício da atividade laboral, dificuldade por dores e limitações na mobilidade do antebraço direito;

45. E, apresenta as seguintes lesões e/ou sequelas:

- Membro superior direito: cicatriz com retração no bordo radial da transição do terço médio com o terço distal do antebraço. Sem qualquer limitação na mobilidade do punho, nem do cotovelo;

Membro inferior direito: cicatriz com alguma retração, arciforme de concavidade inferior ao longo da face anterior e lateral do joelho direito, hiperpigmentada que mede 23cm e outra cicatriz com discreta retração dos tecidos moles subjacentes mais distal na face antero-interna do joelho, ao nível da tuberosidade tibial que mede 3 por 2cm de maiores dimensões;

45-A - O autor ficou com alterações no sentido do olfato (disosmia).

46. As cicatrizes evoluíram favoravelmente, sem causar prejuízo estético significativo;

47. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 15/01/2020;

48. Em consequência do sinistro e das lesões, o Autor teve um défice funcional temporário total fixável num período de 29 dias (entre 16/10/2018 e 13/11/2018);

49. Teve um défice funcional temporário parcial fixável num período total de 428 dias (entre 14/11/2018 e 15/01/2020);

50. Teve um período de repercussão temporária na atividade profissional total fixável num período total de 336 dias (entre 16/10/2018 e 27/02/2019, entre 04/04/2019 e 26/08/2019, entre 29/08/2019 e 23/10/2019);

51. E, teve um período de repercussão temporária na atividade profissional parcial fixável num período total de 121 dias (entre 28/02/2019 e 03/04/2019, entre 27/08/2019 e 28/08/2019, entre 24/10/2019 e 15/01/2020);

52. Em virtude das lesões que padeceu, o Autor sofreu fortes dores, ansiedade e medo, quer no momento do acidente, quer nas sucessivas e longos exames e tratamentos a que foi submetido;

53. Enquanto esteve internado no hospital, por via dos tratamentos a que foi sujeito, sofreu dores, e incómodos e dores nos períodos de acamamento a que foi sujeito;

54. Atualmente, apresenta gonalgia direita e no antebraço direito e punho;

55. E, na atividade laboral, sente dores e tem limitações na mobilidade deste antebraço;

56. Antes do sinistro, era uma pessoa saudável, com paixão pela vida, pelos amigos, pela família e pelo seu trabalho;

57. O Autor vive com os pais;

58. O quantum doloris sofrido pelo Autor é fixável no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente;

59. O Autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10,5876 pontos;

60. As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;

61. Mediante contrato de trabalho a termo certo outorgado em 1 de outubro de 2018, com início nessa data e pelo prazo de 12 meses, renovável por igual período, o Autor trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da sociedade comercial C..., Lda., como ajudante de carpinteiro, auferindo o salário mínimo ilíquido mensal de € 600,00, acrescido de € 4,00 a título de subsídio de alimentação, o que lhe permitia auferir, atento o desconto para a Segurança Social de 11% sobre o salário, o rendimento anual líquido de € 8.444,00;

62. Por carta datada de 5 de setembro de 2019, a C..., Lda. rescindiu o contrato de trabalho com efeitos a partir de 30/09/2019;

63. Tendo o A. ficado desempregado até janeiro de 2021;

64. Em janeiro de 2021, arranjou emprego na construção civil, auferindo o salário mínimo;

65. E, atualmente, trabalha por conta de outrem como ajudante de serralheiro, auferindo o salário mínimo;

66. Na ação especial emergente de acidente de trabalho referida em 6., por sentença proferida em 03/02/2022, foi a Seguradora laboral, aqui interveniente, condenada a pagar a pensão anual de € 664,23, desde o dia a seguir à alta (16/01/2020), a que corresponde o capital de remição de € 11.757,54, a que acrescem juros legais à taxa legal de 4% contados desde o dia seguinte à alta até efetivo e integral pagamento, bem como a pagar a quantia de € 20,00 a título de despesas de deslocação desde a data da realização da diligência de não conciliação até integral pagamento;

67. Em consequência do acidente de trabalho, a Seguradora laboral, aqui interveniente, pagou ao Autor a quantia de € 12.823,52, a título de IPP, a quantia de €20,00, a título de despesas de deslocação, e a quantia de €3.301,54, a título de incapacidades temporárias, tendo ainda pago a terceiros, a título de despesas, a quantia de €14.350,74.


-

- Factos não provados:

Com relevo para a decisão, nenhuns outros factos ficaram demonstrados, nomeadamente não ficou provado que:

a) O Autor apresenta permanentemente intensas dores no joelho, no braço e no maxilar;

b) O que faz que não consiga comer alimentos rijos;

c) Sendo obrigado a cortar os alimentos em bocados pequenos para conseguir ingerir;

d) Não consegue, por exemplo, morder uma maçã ou pera;

e) Eliminado.

f) O Autor perdeu igualmente o paladar, não conseguindo sentir o sabor dos alimentos;

g) Deixando, assim, de sentir prazer em fazer as refeições, alimentando-se simplesmente porque é uma necessidade fisiológica;

h) Tudo que lhe causa muito desgosto e angústia;

i) Acresce que, por diversas vezes e para além do que consta da matéria provada, o Autor teve necessidade de ser observado por fisioterapeutas e especialistas;

j) Não consegue levantar pesos, calçar-se e fazer as atividades do quotidiano;

k) Não consegue ficar muito tempo na mesma posição, impedindo-o de conseguir estar muito tempo de pé ou sentado;

l) Sente dores permanentes, que o impedem de descansar normalmente devido ao facto de constantemente ter necessidade de mudar de posição;

m) O Autor sente muitas dificuldades ao realizar as tarefas do seu dia-a-dia;

n) Não tem comodidade em nenhuma posição;

o) Sentindo o corpo como um fardo que carregará enquanto viver;

p) Encontra-se mais ansioso, recorrendo a condutas de evitamento, situações ou pensamento que evoquem o trauma;

q) O Autor passou, por via do exposto, a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante o trabalho, dificuldades na vida de relação;

r) Refugiando-se no seu quarto a chorar, em virtude de não poder levar a vida que levava antes do acidente;

s) Tendo-se tornado numa pessoa triste, sisuda e com tendência para o isolamento, e, com as referidas lesões, ficou facilmente irritável e irascível;

t) O Autor passou a sentir no dia-a-dia da sua vida o peso da sua deficiência;

u) Acresce que, a perda do olfato e paladar fizeram com que o mesmo nunca mais sentisse o prazer da vida, o prazer simples de saborear uma refeição ou de cheirar os simples aromas que nos rodeiam;

v) Dizendo, em situações de crise, que preferia ter morrido aquando do acidente.

w) No momento do embate e nos instantes que o precederam, o autor receou pela própria vida;

x) Hoje encontra-se praticamente impossibilitado de trabalhar;

y) Sente-se muito triste e com constantes crises de ansiedade;

z) Sente-se diminuído por ser uma pessoa incapacitada;

aa) Tudo o que acarreta consequências negativas no relacionamento com a família, amigos e, grosso modo, com quem mantém relações pessoais e profissionais;

bb) Para além de sentir limitações importantes na sua vida afetiva e sexual;

cc) Com o sinistro e as lesões, desapareceram os sonhos que tinha, tornando-se uma pessoa desanimada, com medos, traumas e com bastantes complexos;

dd) Deixou de viver, passando simplesmente a sobreviver;

ee) O Autor ficou a padecer de dano estético;

ff) O qual ascende ao grau 5 numa escala até 7;

gg) O Autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 25 pontos;

hh) A C..., Lda. rescindiu o contrato de trabalho porque o Autor não conseguia desempenhar mais normalmente as suas funções, em

consequência das lesões e sequelas que o Autor padeceu;

ii) O Autor ficou desempregado em virtude do sinistro e das lesões e sequelas de que ficou a padecer;

jj) O Autor ficou impossibilitado de progredir na carreira profissional.


-

- Do montante da indemnização a título de dano futuro/dano biológico e dano não patrimonial -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos XV a LXIII, o apelante insurge-se contra o segmento da decisão que fixou os montantes da indemnização a título de dano futuro/dano biológico e a título de dano não patrimonial, pretendendo que a indemnização corresponda ao pedido formulado na ação.

Não se questiona a existência dos danos, nem a sua relação com o acidente que os causou, mas apenas o montante arbitrado.

Começando por apreciar do montante da indemnização a título de dano biológico.

Na sentença fixou-se a indemnização no montante de € 40 000,00, valor ao qual se deduziu a quantia de € 12 853,52, que o autor recebeu em sede de processo de acidente laboral, como indemnização pela incapacidade de que ficou a padecer.

Na sentença apreciando da pretensão do autor, fundamentou-se a decisão, como se passa a transcrever:

B.2. € 50.000,00, a título de danos patrimoniais e danos futuros derivados da incapacidade parcial permanente de que ficou a padecer.

É consabido que que as indemnizações em consequência de um acidente simultaneamente de viação e de trabalho, por assentarem em critérios distintos e terem a sua funcionalidade própria, não são cumuláveis, mas complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, assumindo a responsabilidade laboral carácter subsidiário.

E, a indemnização perda efetiva de rendimentos laborais pela incapacidade (total ou parcial) para a profissão habitual é distinta da indemnização pelo dano biológico.

Na situação em apreço, face ao modo como o pedido é deduzido, alicerçado no “facto do Autor não poder mais exercer a sua atividade habitual da mesma forma com impossibilidade objetiva de progressão na carreira profissional”, e atendendo “à incapacidade permanente geral de que ficou a padecer” (art.ºs 173.º a 179.º da p.i.), afigura-se-nos que o Autor reclama, uma indemnização por danos patrimoniais futuros, incluindo o dano biológico na vertente patrimonial.

Ou seja, o Autor peticiona o dano patrimonial laboral e o dano patrimonial extralaboral.

Atender-se, pois, a ambos os danos.

Isto posto, ficou provado que, em consequência do sinistro, o Autor ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10,5876 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicando esforços suplementares.

Tal perda de capacidade de trabalho de 10,5876 pontos, que impõe ao Autor esforços acrescidos no desempenho da sua atividade profissional é indemnizável como dano patrimonial, como é uniformemente entendido na jurisprudência.

E, nestas situações em que as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade, não nos sendo dado pelo legislador um critério definido, para calcular a indemnização temos que recorrer à equidade, nos termos do n.º 3 do art.º 566.º do CC, que não dispensa a observância do princípio da igualdade.

Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 21 de janeiro de 2021, proc. n.º 6705/14.1T8LRS.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, publicado in www.dgsi.pt: “A equidade, todavia, não dispensa a observância do princípio da igualdade; o que obriga ao confronto com indemnizações atribuídas em outras situações. “A prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso (acórdão de 22 de janeiro de 2009, proc. 07B4242, www.dgsi.pt). Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 2013, www.dgsi.pt., proc. n.º 2044/06.0TJVNF.P1.S1)”.

E, a jurisprudência vem fixado os seguintes montantes:

- Ac. STJ de 06.06.2023, proc. 9934/17.2T8SNT.L1.S1, relator Manuel Capelo – É adequada a indemnização de € 60.000,00 por danos patrimoniais futuros na vertente de dano biológico de lesada que tinha 35 anos na data do acidente, a profissão de cabeleireira, cujas sequelas, causadoras de défice funcional permanente de 12 pontos, são compatíveis com a sua profissão, mas implicam esforços suplementares acrescidos, estando desempregada na data do acidente e que iria começar a trabalhar no mês seguinte como cabeleireira, tendo tirado o respetivo curso e trabalhando antes disso a dias em limpezas;

- Ac. STJ de 08/11/2022, proc. n.º 2133/16.2T8CTB.C1.S1, relator António Magalhães: “Tendo o lesado, com 30 anos à data do acidente e que auferia € 750 mês, ficado com um défice funcional permanente de 15 pontos, sendo de admitir a existência de dano futuro, e tendo ficado privado ainda de réditos que auferia de cerca de €6.000/ ano, pela sua atividade de motociclista, que esperava prolongar por mais 10 anos, justifica-se a fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros (dano biológico) em € 60.000 fixada pela Relação”;

- Ac. STJ de 03.02.2022, proc. n.º 24267/15.0T8SNT.L1.S1, relator Tibério Nunes da Silva: 10 pontos, sendo as sequelas sofridas pela autor compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, mas implicando esforços suplementares – 51 anos, professor, salário € 1.053,43 - € 35.000,00;

- Ac. STJ de 18.3.2021, proc. n.º 1337/18.8 - A uma vítima de 50 anos, IPP de 13%, indemnização no valor de € 45 000,00;

- Ac. do STJ de 29-10-2020, proc. n.º 111/17.3T8MAC.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo: 9,71 pontos, 61 anos, salário mensal base de € 2.230,94, sendo as sequelas sofridas pela autora, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da sua atividade habitual, mas implicando esforços suplementares - € 32 000,00;

- Ac. STJ de 29.10.2019, proc. n.º 7614715.2 - A um empresário com 34 anos, IPP de 16 pontos, indemnização de € 36 000,00;

- Ac. STJ de 17/10/2019, proc. n.º 3717/16.4T8STB.E1.S1, relatora Maria Olinda Garcia: “Não é desadequado o montante de € 40 000,00 de indemnização a título de dano biológico do autor que ficou com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico- Psíquica de 11 pontos percentuais, o que implica esforços suplementares e maior penosidade no desempenho de atividades profissionais, bem como restrições à realização de atos normais da vida corrente, familiar e social; à data do acidente, exercia a atividade de motorista de transportes públicos, que não ficou impossibilitado de continuar a exercer”;

- Ac. STJ de 6.12.2018, proc. 652/16.0T8GMR.G1.S2 – 40 anos de idade, 10 pontos, 60.000,00€;

- Ac. RP 14/12/2022, proc. 12616/20.4T8PRT.P1: 60 anos – 11 pontos – salário líquido 3.379,86 - € 40.000,00;

- Ac. RG de 15.02.2018, proc. 535/14.8TBPTL.G1 - 59 anos, 10 pontos, salário de 728€ - 40.000€.

No caso em apreço, é de realçar que, tendo o sinistro ocorrido em 16 de outubro de 2018, o Autor ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10,5876 pontos. As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

Tendo o Autor nascido em 16 de março de 1999, à data da consolidação médico-legal das lesões (15/01/2020) tinha 20 anos de idade.

Indemnizando-se a dificuldade de ação e não a perda de rendimentos, não importa a vida ativa, mas a esperança de vida. E, a esperança de vida para os homens em Portugal é de cerca de 78 anos.

À data do sinistro e da consolidação médico-legal das lesões, o Autor era ajudante de carpinteiro, sendo atualmente ajudante de serralheiro.

No cálculo das indemnizações por danos patrimoniais (perdas salariais e/ou dano biológico futuro), conforme já referido, deve atender-se à remuneração líquida do lesado, correspondente à efetiva perda sofrida pelo mesmo.

Enquanto ajudante de carpinteiro, ganhava o salário líquido anual de € 8.444,00.

Atualmente, aufere o salário mínimo.

Assim, ascendendo o salário anual do Autor, à data do sinistro e da consolidação das lesões, a € 8.444,00, subtraindo ao mesmo a percentagem resultante do défice funcional permanente de integridade físico-psíquica, obtemos € 894,02 (€ 8.444,00 x 10,5876%). E, multiplicado este valor pelo número de anos de esperança de vida que ainda sobram a partir da idade do Autor (78-20), atinge-se o montante de € 51.853,16 (€ 894,02 x 58). Subtraindo a tal montante uma percentagem de 25% (atenta idade do Autor e por forma a evitar um enriquecimento sem causa pelo mesmo, assim compensando o facto de receber de uma só vez um valor monetário que pode aplicar como bem lhe aprouver), chega-se ao valor de € 38.889,87.

Partindo daí, considerando, também, aqueles esforços suplementares e dificuldades, à luz dos critérios enunciados e atentos os padrões da jurisprudência, ponderados os demais realçados elementos e não olvidando o restante quadro factológico demonstrado, julga-se adequado fixar a indemnização, a título de danos patrimoniais futuros, incluindo o dano biológico, na vertente patrimoniais, tendo por referência a presente data, no montante de € 40.000,00.

Assim sendo e tendo o Autor já recebido da Interveniente, a Seguradora Laboral, o montante de € 12.823,52, sob pena de um injustificado enriquecimento, por cumulação indevida de indemnizações, deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor, a este título de danos patrimoniais futuros, incluindo o dano biológico, a quantia de € 27.176,48”.

Considera o apelante que o montante a arbitrar a título de indemnização deve corresponder à quantia de € 50 000,00, à qual deve ser deduzido o valor já pago pela seguradora laboral de € 12 853,52, devendo ser atribuída a indemnização de € 37 176,48 (ponto XXXVI das conclusões de recurso).

Sustenta a alteração nos seguintes fundamentos:

XXIII. No que concerne aos danos de natureza patrimonial, temos que quando do acidente o Autor tinha apenas 19 anos e 20 anos com as consolidações das lesões;

XXIV. Para o cálculo daquela indemnização, tem-se socorrido os Tribunais Superiores, de uma das fórmulas mais simples (como mero critério informador) que tem em conta a idade do lesado, o seu potencial de vida ativa (até aos 78 anos no caso dos homens) e ao seu rendimento;

XXV. Razão pela qual, o potencial de vida ativa aplicável para o cálculo dos danos, in casu, deveria ser de 58 anos;

XXVI. Por outro lado, o Autor, no que foi o seu primeiro emprego e aos 19 anos tinha um rendimento mensal ligeiramente acima do Salário mínimo nacional (€ 600,00);

XXVII. Era ajudante de serralheiro;

XXVIII. Tinha aspirações de, a breve trecho, vir a auferir muito mais;

XXIX. É consabido que um serralheiro aufere em Portugal não menos de € 1500,00 por mês;

XXX. Sendo, por conseguinte, estes fatores que devem ser levados em conta para efeitos do cálculo dos danos patrimoniais, quer na vertente lucros cessantes, mas sobretudo na de danos futuros;

XXXI. O ressarcimento de danos futuros, como é o caso vertente, depende de juízos de previsibilidade e determinabilidade.

XXXII. Sendo certo que o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objetivos;

XXXIII. No caso concreto, o Autor ficou com um défice funcional de 10,58676 pontos;

XXXIV. Para o cálculo daquela indemnização, o Tribunal deve-se socorrer de uma das fórmulas mais simples que tem em conta a idade do lesado, no caso dos presentes autos, 19 anos à data do acidente, o seu potencial de vida ativa (até aos 78 anos) e o seu rendimento;

XXXV. Naturalmente, há a considerar que o lesado vai receber de uma só vez a quantia que deveria receber ao longo de mais de 58 anos, mas em contrapartida também deveria sofrer o aumento de vencimento, inclusive com promoções, pelo que o respetivo quantitativo deve ser ajustado com base na equidade como impõe o art.º 563.º, n.º 3 do CC.

XXXVI. Assim, tomando todas as circunstâncias concretas, prudente e equitativo seria atribuir ao Autor uma indemnização pelos lucros cessantes e danos futuros que, ponderados todos os outros fatores, nomeadamente, a idade (19 anos), o salário (€ 600,00 + 22x5,00/mês x 14 meses), a vida ativa (58 anos), não deveria ser inferior a € 50.000,00, em vez dos €40.000,00, tudo sempre descontados os € 12.823,52 que o Recorrente recebeu no âmbito do acidente de trabalho, devendo assim ser-lhe conferida uma indemnização, a este título de € 37.176,48;

Entendemos que não se justifica a alteração da indemnização, porque ponderando os factos provados, a indemnização arbitrada respeita o critério legal e faz uma análise ponderada dos critérios e montantes que têm sido considerados na jurisprudência, para efeitos de fixar a indemnização segundo um critério de equidade.

Dispõe o art.º 566º CC que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

Por outro lado, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos.

Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – art.º 566º/3 CC.

Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior, conforme decorre do art.º 564º/2 CC.

Consagram-se, assim, a teoria da diferença e a equidade como critério de compensação de danos futuros.

O recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade (cf. art.13º, nº1, da CRP), o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso. Quer isto significar que as decisões judiciais devem ter em consideração os critérios jurisprudenciais adotados em casos idênticos por forma a obter, tanto quanto possível, uma interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. art.º 8.º, n.º 3, do CC).

Neste sentido, entre outros, se tem pronunciado a jurisprudência nos Ac. STJ 30 de maio de 2019, Proc. 3710/12.6TJVNF.G1.S1 (www.dgsi.pt ), Ac. STJ 10 de maio de 2020, Proc. 3907/17.2T8BRG.G1.S1 (ECLI:PT:STJ:2020:3907.17.2T8BRG.G1.S1-(www.dgsi.pt)), Ac. STJ 30 de abril de 2020, Proc. 370/16.9T8BGC.G1.S1 (ECLI:PT:STJ:2020: 370/16.9T8BGC.G1.S1 (www.dgsi.pt)), Ac. STJ de 10 de setembro de 2019, Proc. nº 16/13.7TVPRT.P1.S1 e Ac. STJ 05 de novembro de 2019, Proc. nº 7053/15.5T8PRT.P1.S1, in Sumários dos Acórdãos do STJ – Secções Cíveis, e de Ac. STJ 01 de outubro de 2019, Proc. nº 683/11.6TBPDL.L1.S2, www.dgsi.pt),

A perda de capacidade de ganho representa: “o efeito danoso, de natureza temporária ou definitiva, que resulta para o ofendido do facto de ter sofrido uma dada lesão impeditiva da obtenção normal de determinados proventos certos, em regra até ao momento da reforma ou da cessação da atividade como paga do seu trabalho, e que se inclui na categoria dos prejuízos diretos, embora com uma importante vertente de danos futuros”[7].

A desvalorização física que afete a capacidade de aquisição do lesado constitui um dano patrimonial por se traduzir na redução ou extinção da possibilidade de obtenção de valores patrimoniais.

Mesmo a diminuição da capacidade laboral genérica, independentemente da produção de prejuízo patrimonial, é reparável enquanto dano corporal.

Como refere, a este respeito ARMANDO BRAGA: “[a] redução da capacidade laboral genérica, enquanto lesão de um modo de ser, de estar e de agir da vítima, embora possa não comportar efeitos diretos e imediatos na capacidade de produção de rendimentos, funda-se numa diminuição da saúde, entendida num sentido lato, reparável enquanto tal, isto é, como dano à saúde”[8].

O “dano biológico” constitui um conceito criado pela jurisprudência e doutrina italiana, habitualmente classificado como “tertium genus” em relação à dicotomia dano patrimonial/dano moral.

Revelou-se determinante para a conceção e estruturação do conceito a decisão do Tribunal Constitucional Italiano nº 184 de 14 de julho de 1986 que consagrou a distinção entre dano-evento e dano-consequência.

O dano biológico constitui a lesão do bem da saúde como dano evento, enquanto o dano moral e o dano patrimonial pertencem à categoria do dano consequência em sentido estrito.

Como refere ARMANDO BRAGA esta distinção: “permite clarificar que o dano corporal (dano-evento) existe independentemente das consequências de ordem patrimonial (dano-consequência). Assim, o dano corporal existe sempre que haja lesão da integridade físico-psíquica. E reconhecida a sua existência como dano-evento, sempre terá de ser reparado. Já as consequências patrimoniais do dano corporal revelam-se, no plano ontológico, sucessivas, ulteriores a este e meramente eventuais. A eventual existência e contornos das consequências patrimoniais não pode nem deve confundir-se com o dano corporal que está na sua génese. Dito de outra forma, o dano corporal (dano evento) não depende da existência e prova de efeitos patrimoniais, estes é que se apresentam como consequência (ulterior) do primeiro. Assim, o dano corporal existe sempre que haja lesão da integridade físico-psíquica”[9].

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o conceito de dano “biológico” tem sido acolhido como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, o qual é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial[10].
Assim, quem pretenda obter uma indemnização a título de lucros cessantes, em consequência de lesão sofrida, terá de fazer prova do pressuposto médico-legal sem o qual não há lugar a lucro cessante, isto é, provar que da lesão resultou uma determinada incapacidade durante a qual o lesado não esteve em condições – total ou parcialmente – de trabalhar, e, além disso, se tal for o caso, a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho, por exigir esforços acrescidos.
Acolhendo esta interpretação, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[11] tem defendido “que o lesado que fica a padecer de determinada incapacidade permanente geral (IPG) – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, a incapacidade parcial geral é, consequentemente, um dano patrimonial - tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis – art.º 564º, nº 2”.
Sendo os danos previsíveis a que a lei se reporta, essencialmente, os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva ou até o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá de passar a desenvolver para obter os mesmos resultados.
A incapacidade permanente constitui um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.

Sendo, assim, indemnizável, como já dissemos, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter o mesmo nível dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado[12].

Como melhor se observa no Ac. STJ 07.06.2011[13]:

“[…] a incapacidade permanente integra aquilo que comummente se designa por dano ou incapacidade funcional.

Efetivamente, essa incapacidade, que se reflete na impossibilidade de uma vida de completa normalidade, com repercussões no intelecto, na vontade e em toda a capacidade em sentido lato, pode configurar-se como uma incapacidade permanente sofrida pelo lesado.

Haverá que considerar, pois, as capacidades funcionais, tanto reais como potenciais.

Realce-se, além disso, que a incapacidade funcional, mesmo que não determine efetiva e imediata perda ou diminuição de rendimentos ou de proventos por parte do lesado, importa necessariamente dano patrimonial (futuro), que deve ser indemnizado.

[…]

Na verdade, a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida capaz de propiciar rendimentos.

Logo, a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afetados.

A repercussão negativa que a incapacidade funcional tem para o lesado centra-se, assim, na diminuição da sua condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.

E é precisamente, neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.

Por outras palavras, a incapacidade funcional implica sempre uma inferioridade na condição física do lesado, quanto à sua resistência e capacidade de esforço, na medida em que o dano físico decorrente dessa incapacidade exige, ou exigirá, do lesado um esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado.

A incapacidade funcional constitui, desde modo, um dano patrimonial futuro, que os artigos 562º e 564º impõem se indemnize, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, não tendo o lesado, pois, sequer de alegar ou provar qualquer perda de rendimentos.

Por conseguinte, a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de «um dano patrimonial, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão».

Resulta do exposto que a incapacidade permanente de que o lesado fique a padecer em consequência de um facto danoso é, além do mais, suscetível de afetar e diminuir a potencialidade de ganho, por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o ofendido de um esforço acrescido para manter os níveis de ganho.

Mas essa mesma incapacidade permanente pode, igualmente, afetar o lesado, quando implica para ele um esforço ou sacrifício suplementar para exercer as várias tarefas e atividades gerais quotidianas.

Com efeito, a incapacidade funcional, afetando o corpo humano ou um seu órgão (no sentido médico-legal deste termo), representa uma alteração da pessoa, que afeta a sua integridade física, impedindo-a de exercer determinada atividade corporal ou sujeitando-a a exercitá-la de modo deficiente ou doloroso.

Realmente, a incapacidade funcional de que o lesado tenha ficado a padecer pode traduzir-se numa incapacidade para a generalidade das profissões, numa incapacidade genérica para utilizar o corpo enquanto prestador de trabalho e produtor de rendimento ou numa possibilidade de o utilizar em termos correspondentemente deficientes ou penosos.

Por isso, a incapacidade funcional, na medida em que a precede e consome, tem, em princípio, uma maior abrangência do que a perda da capacidade de ganho, podendo não coincidir com esta, tudo dependendo do tipo ou espécie de trabalho efetivamente exercido profissionalmente.

É que, em alguns casos, uma elevada incapacidade funcional pode não ter repercussão na retribuição (o que não é raro em profissões de incidência intelectual), ao passo que, noutras situações, uma pequena incapacidade funcional geral pode ocasionar uma enorme incapacidade profissional”.

Temos, assim, que “a afetação da integridade física do lesado traduz-se num dano patrimonial, por ser previsível que, no futuro, a incapacidade funcional de que ficou a padecer tenha repercussão negativa na sua capacidade de ganho.

Esta diferença resultante da lesão da integridade física do lesado importa uma previsível redução da sua capacidade para o trabalho e, consequentemente, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da sua repercussão imediata nos rendimentos da sua atividade profissional.

Basta a alegação dessa incapacidade para uma vez demonstrada, servir de fundamento ao pedido de indemnização pelo dano patrimonial futuro, cujo valor, por ser indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do preceituado no artigo 566º, n.º 3 CC”.

No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ de 10 de outubro de 2012, Proc. 632/2001.G1.S1 (acessível em www.dgsi.pt ), considerou que:

“ […] a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais[…]”.

E, no mesmo aresto, se acrescenta que:

“Nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela “capitis deminutio” de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal […]”.

Neste sentido, entre outros, podem citar-se o Ac. STJ 23 de outubro de 2018, Proc. 902/14.7TBVCT.G1.S1, Ac. STJ 06 de dezembro de 2018, Proc. 652/16T8GMR.G1.S2, Ac. STJ 29 de fevereiro de 2024, Proc. 2859/17.3T8VNG.P1.S1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Como se observa no Ac. STJ 10 de Março de 2016, Proc. 1602/10.2TBVFR.P1.S1 (www.dgsi.pt ) as sequelas podem projetar-se em dois planos:

- a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;

- na perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.

Na presente ação está em causa a avaliação do dano nesta dupla vertente, segmento da decisão que o apelante não questiona.

De acordo com as normas da experiência e partindo de um juízo de mera probabilidade, somos levados a concluir que as limitações de que ficou a padecer, ainda que não tenham uma expressão direta no seu salário, acabarão por criar uma limitação futura na sua atividade profissional, na medida em que condiciona a sua produtividade e este aspeto tem efeitos patrimoniais relevantes na medida em que condiciona a progressão na carreira profissional e pode mesmo vir a gerar uma situação de pré-reforma e por isso, o dano sofrido, qualificado como “dano biológico” deve ser objeto de ressarcimento em sede de danos patrimoniais, por representar uma efetiva perda de ganho.

Como se refere no Ac. STJ de 07 de outubro de 2010[14]: “Trata-se, em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 [integridade psicossomática plena], e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos”.

Conclui-se, assim, que se justifica a avaliação em sede de dano patrimonial do défice funcional permanente atribuído ao Autor, sem prejuízo da ponderação em sede de dano moral, atendendo às limitações na vida social e de relação.

Estando em causa proventos futuros pela privação da respetiva fonte na avaliação do dano cumpre fazer apelo a critérios de probabilidade, em termos de normalidade de vida e ponderando o caso concreto[15].

Na jurisprudência, até 1993, optou-se por proceder ao cálculo da indemnização segundo as tabelas financeiras, à taxa de 9%, tendo por base a perda de ganho anual e o tempo provável de vida ativa da vítima[16].

Posteriormente, tendo presente a diminuição da inflação e das taxas de juro, foram propostas novas fórmulas entre as quais se destaca a fórmula utilizada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 05.05.1994 (CJ STJ II, II, 86 ) e ainda, a fórmula proposta no Acórdão da Relação de Coimbra de 4.04.95 (CJ XX, II, 23 ) onde se ponderava a tendência para o crescimento dos salários e ganho de produtividade.

Presentemente no que toca à avaliação da perda de rendimentos provenientes da atividade profissional habitual, tem a jurisprudência[17] considerado como parâmetros a atender os seguintes:

a) – o capital produtor do rendimento que a vítima deixará de auferir e que se extinguiria no período de vida profissional provável;

b) – no cálculo a equacionar de forma equitativa, o relevo das regras da experiência que, segundo o curso normal das coisas, seja razoável atentar;

c) – as tabelas financeiras como mero instrumento auxiliar, sem substituição da equidade;

d) – o facto de ocorrer a antecipação, de uma só vez, do pagamento de todo o capital, o que permite ao beneficiário rentabilizá-lo financeiramente, introduzindo-se, para o efeito, uma dedução de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem e que se poderá situar entre 1/3 e 1/4.

Em todos os critérios surgem como elementos comuns a ponderação da idade do lesado, a incapacidade de que ficou afetado, o salário que auferia na data em que ocorreu o evento danoso e ainda, o tempo de vida ativa e a esperança média de vida.

Na sentença arbitrou-se a indemnização de € 40 000,00.

O apelante considera que para o cálculo da indemnização se deve atender a uma fórmula, como mero critério informador, na qual se pondere a idade do lesado, o potencial de vida ativa (até aos 78 anos nos homens) e o rendimento do lesado.

Na sentença ponderaram-se tais aspetos, servindo-se o juiz de uma fórmula, como referencial, sem ignorar as caraterísticas do caso concreto, o que se mostra conforme com o critério seguido na jurisprudência.

A jurisprudência tem considerado que a aplicação de fórmulas matemáticas se mostra uma operação redutora, porque não refletem a real situação do lesado quando está em causa a indemnização do dano biológico, devendo ser completada por outros aspetos do caso concreto, servindo a fórmula apenas como referencial.

Neste sentido, entre outros, o Ac. STJ 07 de dezembro de 2023, Proc. 1393/21.1T8PNF.P1.S1 e Ac. STJ 16 de janeiro de 2024, Proc. 3527/18.4T8PNF.P2.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt .

De igual forma, na sentença, atendeu-se à idade do lesado na data em que ocorreu o acidente – 19 anos – e que à data da consolidação médico-legal das lesões (15/01/2020), altura em que já tinha 20 anos de idade.

Contrariamente, ao afirmado pelo apelante, não se ponderou o período de vida ativa, mas a esperança de vida para os homens em Portugal, que se situa nos 78 anos, por estar em causa a indemnização pelo dano funcional e não apenas pela perda de rendimentos. Considerou-se, assim, que o autor teria uma esperança média de vida de 58 anos, a partir da consolidação definitiva das lesões e foi tal índice considerado nos cálculos realizados, o que também respeita os critérios jurisprudenciais na avaliação do dano.

Nesse sentido, podem consultar-se, entre outros, os Ac. STJ 06 de fevereiro de 2024, Proc. 2012/19.1T8PNF.P1.S1, Ac. STJ de 12 julho 2018, Proc. 1842/15.8T8STR.E1.S1, Ac. STJ 29 de outubro de 2019, Proc. 7614/15.2T8GMR.G1.S1, 19 de maio de 2020, Proc. 3907/17.2T8BRG.G1.S1 e Ac. STJ 10 de dezembro de 2019, Proc. 32/14.1TBMTR.G1.S1(todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Considera, ainda, o apelante que o autor, no que foi o seu primeiro emprego e aos 19 anos tinha um rendimento mensal ligeiramente acima do salário mínimo nacional (€ 600,00). Era ajudante de serralheiro. Tinha aspirações de, a breve trecho, vir a auferir muito mais, sendo consabido que um serralheiro aufere em Portugal não menos de € 1500,00 por mês.

Na sentença ponderou-se apenas o rendimento líquido que o autor/lesado auferida regularmente no período que antecedeu o acidente, por ser esse o único facto provado a respeito dos rendimentos do lesado e por corresponder à efetiva perda sofrida pelo mesmo.

É este o valor a considerar tendo presente o critério legal de acordo com o qual a indemnização visa a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão. Com esse objetivo e de acordo com um juízo de equidade, deve ser levado em consideração o salário que o lesado auferia na data em que ocorreu a lesão.

Acresce que a consideração do valor do salário médio mensal nacional tem sido ponderando na jurisprudência[18] para situações em que o lesado é jovem, estudante e não exerce qualquer atividade profissional, circunstâncias que não se verificavam no caso concreto.

Por outro lado, não se apurou que o salário médio de um ajudante de serralheiro ascendia ao montante de € 1 500,00, por mês.

Conclui-se, que a sentença usou o critério que é seguido para situações idênticas e nessa medida não merece censura o facto de ter ponderando a situação profissional do lesado e o salário que auferia regulamente no período que antecedeu o acidente, tal como resulta dos factos provados.

Como refere o apelante não se ponderou na avaliação do dano a possibilidade de evolução na carreira profissional, com repercussão no salário, porque os factos provados não justificam tal juízo de avaliação. Com efeito, como resulta dos factos provados, o autor tinha celebrado um contrato de trabalho a termo certo para satisfazer pontuais necessidades da entidade patronal. Não se provou que o autor possuísse habilitações especificas e um projeto profissional. Trabalhou na construção civil e recentemente retomou a atividade laboral, como ajudante de serralheiro. No mercado de trabalho, enquanto mão-de-obra indiferenciada, a respetiva remuneração será tendencialmente correspondente ao salário mínimo e por isso, não se justifica ponderar uma evolução salarial.

Refira-se, ainda, que na sentença seguindo um juízo de equidade, ponderou-se os valores praticados na jurisprudência para situações idênticas.

Podemos citar, ainda, o Ac. STJ 30 de novembro de 2023, Proc. 315/20.1T8PVZ.P1.S1 (acessível em www.dgsi.pt):

- Provado que:

“Em consequência do acidente, o autor é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos”.

“As sequelas de que o autor é portador, em consequência do acidente, são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares”.

- Considerou-se: “adequada e justa a indemnização, a título de compensação pelo dano biológico, de 60.000 Euros, sendo 20.000 Euros na vertente de dano moral e 40.000 Euros a título de dano patrimonial, atribuída ao Autor, de 16 anos, estudante de um Curso Profissional de Técnico de Manutenção de Industrial, trabalhando também a tempo parcial, auferindo uma retribuição mensal ilíquida na ordem dos € 250,00, que teve de ser transportado ao hospital onde permaneceu 9 dias, tendo sofrido várias lesões, com tratamentos por vários meses, apresentando várias queixas a nível funcional e a nível situacional, que sofre e continuará a sofrer no futuro, de dores físicas, incómodos e mal-estar, designadamente a nível do punho e mão esquerdos e do membro inferior esquerdo”.

- Ac. STJ 16 de janeiro de 2024, Proc. 3527/18.4T8PNF.P2. S1 (acessível em www.dgsi.pt):

“É adequado fixar uma indemnização de €180.000,00 (cento e oitenta mil euros) para ressarcir dano patrimonial futuro sofrido por um jovem de 27 anos, que, por virtude das sequelas de que ficou a padecer como consequência das lesões que lhe resultaram de uma colisão estradal, ficou impossibilitado de exercer a sua profissão habitual (carpinteiro de cofragem), na qual auferia retribuição anual global de €20.636,70, ainda que continuando a poder trabalhar, com menor remuneração, noutro ramo de atividade (motorista), com uma incapacidade funcional de 15 pontos”.

- Ac. STJ 16 de janeiro de 2024, Proc. 3571/21.4T8VNG.P1.S1, (acessível em www.dgsi.pt):

“Não é desconforme com os atuais parâmetros indemnizatórios, correspondentes à aplicação de critérios de equidade, a decisão de atribuir 29.925,00 Euros, a título de dano biológico (vertente patrimonial) a um lesado (vítima de acidente de viação) de 22 anos de idade, licenciado em Gestão de Turismo, que sofreu fratura do terço médio da clavícula esquerda (tendo sido submetido a cirurgia), ficou com Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 3 pontos, tem dificuldade em erguer ou transportar uma carga superior a 5 Kg com o braço esquerdo, sendo-lhe difícil suportar peso sobre a clavícula esquerda”.

- Ac. STJ 06 de fevereiro de 2024, Proc. 2012/19.1T8PNF.P1.S1, (acessível em www.dgsi.pt):

“ Em relação a jovem com 14 anos, na data em ocorreu o acidente, considerou-se: a “data da consolidação médico-legal é fixada em 13/01/2017, tendo um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de seis pontos, que é compatível com a atividade que tinha à data do acidente, de estudante, mas implica esforços suplementares, que se estendem à atividade que empregada de restaurante que exerce ou de educadora de infância, para a qual está a estudar” adequada para indemnizar o dano sofrido a quantia de € 39 810,00”.

- Ac. STJ 17 de setembro de 2024, Proc. 2481/20.7T8BRG.G1.S1, (acessível em www.dgsi.pt):

“Atendendo a que a lesada tinha 17 anos à data do acidente de viação, uma expectativa de vida de 66 anos (para uma esperança de vida de 83 anos), que ficou a padecer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 35 pontos e que, com a sua futura licenciatura na área de Gestão, ganhará, futura e previsivelmente, uma remuneração mensal de cerca de €1.250,00, afigura-se adequada, equitativa e proporcional, uma indemnização de € 200.000 pelo dano biológico”.

- Ac. STJ 10 de abril de 2024, Proc. 987/21.0T8GRD.C1.S1 (acessível em www.dgsi.pt):

“I- Não é desconforme com os atuais parâmetros indemnizatórios seguidos pelo STJ quanto à aplicação de critérios de equidade, previstos nos artigos 566.º, n.º 3 e 496.º, n.º 4 do CC, a decisão de atribuir 70.000 euros (para indemnizar tanto o dano moral como o dano biológico) a uma lesada, de 45 anos, que sofreu múltiplas fraturas e lesões em consequência do acidente de viação (no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálicas), foi submetida a intervenção cirúrgica e necessitou de múltiplas consultas médicas e tratamentos, teve um défice funcional temporário total superior a 3 meses e um défice funcional temporário parcial de cerca de 8 meses, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7 e continua a padecer de dores, necessitando de medicação diária. Ficou ainda com um dano estético permanente de grau 2 em 7. Ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7; não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares”.

Constata-se pela análise comparativa dos doutos acórdãos que apesar de estar em causa jovens e adultos jovens, as indemnizações arbitradas de valor superior ao que foi fixado na sentença em recurso, correspondiam a situações em que o défice funcional permanente é superior ao que foi atribuído ao autor, com uma extensão de lesões muito superior e grave, e ainda, que o salário auferido pelo lesado no período que antecede o acidente era superior e se verifica a perspetiva de evolução profissional, com salário situado no nível médio, situações que não se verificam no caso concreto.

Nas situações em que o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica se situa entre 10 e 11 pontos, os valores arbitrados aproximam-se do montante da indemnização arbitrada.

Conclui-se, que a sentença seguindo um juízo de equidade, usou o critério que é seguido para situações idênticas e nessa medida, não merece censura o facto de ter ponderando a situação profissional do lesado e o salário que auferia à data do sinistro, tal como resulta dos factos provados.

Desta forma, mantém-se o valor arbitrado.

Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos XV a XXXVII.


-

Passando à reapreciação da decisão que fixou o montante da indemnização a título de danos não patrimoniais.

Por uma questão prática apreciam-se de forma conjunta os fundamentos do recurso de apelação e do recurso subordinado, que nesta parte têm o mesmo objeto e que consiste em aferir se o montante arbitrado se mostra adequado para compensar os danos sofridos a título de dano não patrimonial.

Nos pontos XXXVIII a LXIII das conclusões de recurso da apelação, o apelante insurge-se contra o montante arbitrado no pressuposto da alteração da decisão de facto, mas também, por entender que na avaliação do dano não se ponderou de forma adequada a extensão das lesões sofridas, salientando o facto do autor ter sofrido uma concussão.

Considera que a indemnização arbitrada no montante de €27.500,00, não se revela adequada para compensar os danos sofridos – dores, sofrimentos e sequelas – e renova o pedido inicial, no sentido de ser arbitrada a indemnização de €50 000,00.

Por sua vez, a apelada, no recurso subordinado, considera que o valor arbitrado se mostra excessivo se comparado com os valores arbitrados na jurisprudência e sustenta como adequado para compensar os danos sofridos o montante de €15 000,00.

Na sentença após enquadramento legal e doutrinal do dano não patrimonial, citando-se, ainda, jurisprudência dos tribunais superiores, para sustentar o juízo de equidade, fixou-se o montante da indemnização em €27.500,00, com os fundamentos que se passam a transcrever:

“[…]No caso em apreço, estamos perante um acidente de viação, ocorrido já em 16 de outubro de 2018, por culpa exclusiva do Segurado da Ré, em nada tendo contribuído o Autor para o mesmo.

O Autor nasceu em 16 de março de 1999.

Como consequência direta e necessária do sinistro, o Autor recebeu os primeiros tratamentos médicos no próprio local do acidente pelos Bombeiros ....

Foi desencarcerado e imediatamente transportado para o Hospital 1..., em .... Chegado a esta Unidade Hospitalar, o Autor foi entubado e iniciou suporte ventilatório mecânico, uma vez que apresentava deterioração do estado neurológico; Apresentava ainda: - Uma fratura frontal mediana e base do crânio; - Uma hemorragia subaracnóidea; - Fraturas múltiplas na face, nomeadamente tetos orbitários e ptose do olho esquerdo; - Uma fratura radial; - Um edema facial; - Hemossinus; - Uma ferida suturada no joelho direito; Escoriações na perna direita. O Autor colocou uma tala gessada no braço, devido à fratura radial; Posteriormente, o Autor foi transferido para o Centro Hospitalar ... para avaliação das especialidades de Neurocirurgia, da Cirurgia Plástica e para monitorização da pressão intracraniana.

No dia 18 de outubro de 2018 foi submetido a TC Crânio–Encefálica, sendo-lhe diagnosticado: “um diminuto buraco de trépano a nível frontal direito para introdução de cateter diagnóstico cujo topo se situa no parênquima frontal homolateral. Existe área de contusão hemorrágica frontal inferior à esquerda relacionada com as extensas fraturas do andar anterior da base do crânio que abrangem os tetos orbitários e interessam também o seio frontal e as células etmoidais. Não se detetam áreas indiscutíveis de hemorragia subaracnoídea intra ou extra-ventricular. As cisternas da base estão patentes. Ausência de desvios das estruturas da linha ou sinais de hidrocefalia. As amígdalas cerebelosas têm topografia normal.”.

Repetiu novamente o TC Crânio- Encefálica no dia 22 de outubro de 2018, em cujo relatório se conclui que: “Observa-se traço de fratura linear e sem afundamento localizado na dependência do frontal com topografia mediana e que na sua extensão inferior e lateral envolve as paredes do seio frontal esquerdo, a região etmoidal anterior esquerda e o teto e a parede interna da órbita esquerda. Presença adicional de fratura dos ossos próprios do nariz. Associa-se a presença de prováveis hematomas subperiósteos localizados no teto (acompanhado por fragmentos ósseos) e na vertente interna da órbita e de proptose, com desvio inferior e temporal do globo ocular esquerdo. Observa-se preenchimento de todos os seios perinasais por tecidos moles, principalmente no seio frontal esquerdo e das células etmoidais. Observam-se hipodensidades fronto-basais e fronto-orbitárias, com maior extensão à esquerda, provavelmente contusões traumáticas. Sistema ventricular e espaços cisternais com forma e dimensões dentro de valores normais. As cisternas da base estão patentes. Sem sinais de conflito de espaço ao nível do buraco occipital. Correta pneumatização das cavidades antro-timpânicas.”.

No dia 19 de Outubro de 2018, foi-lhe retirado o cateter de monitorização da pressão intracraniana e foi extubado no dia 20 de outubro de 2018.

Durante o internamento o Autor foi observado pelas especialidades de Ortopedia, de Neurocirurgia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia Plástica. Permaneceu internado nesta Unidade Hospitalar desde o dia 16 de outubro de 2018 até ao dia 23 de outubro de 2018.

Dada a estabilidade clínica, o Autor foi transferido para o Centro Hospitalar .... Após chegar ao Centro Hospitalar ..., E.P.E, no dia 24 de outubro 2018, o Autor foi submetido a um novo TC, sendo-lhe diagnosticado: - Múltiplas fracturas craniofaciais bilaterais, salientavam-se fraturas cominutivas dos tetos das órbitas que se estendiam às paredes laterais; - Na órbita esquerda observava-se extra-cónica subperiosteal, compatível com hematoma, tendo máxima espessura no plano coronal de cerca de 10 mm, desviando inferiormente o músculo reto superior e condicionando proptose do globo ocular; - Fratura frontal anterior paramediana esquerda, que intersectava as paredes anteriores e exterior do seio frontal e se prolongava para a lâmina crivosa e fóvea do etmoide; - Fraturas bilaterais da espinha nasal que se prolongavam para a inserção dos ossos próprios do nariz e à direita para o segmento superior e anterior da parede interna da órbita; - Fratura alinhada pterional esquerda; - Preenchimentos difusos por tecidos com densidade de partes moles de ambos os seios frontais e celas etmoidais, e de forma parcial, das restantes câmaras sinusais, compatíveis com um misto de fenómenos inflamatórios e hemossinus. Foi observado pela especialidade de Otorrinolaringologia e Oftalmologia, momento em que verificaram que o olho do Autor estava calmo, mas com desvio inferior.

Uma vez que o acidente já tinha ocorrido há vários dias e o hematoma não comprometia o nervo ótico, não foi necessário proceder à drenagem urgente, tendo, no entanto, o Autor sido orientado para a especialidade de Cirurgia Maxilo Facial / Oftalmologia secção da orbita no Hospital 2.... Ainda nesta Unidade Hospitalar, no dia 25 de outubro de 2018, o Autor foi submetido a análises à hemóstase e coagulação e a análises ao sangue (Hematologia). Ficou internado nesta Unidade Hospitalar durante 3 dias. E, atendendo às orientações médicas, no dia 26 de outubro de 2018, foi transferido para o Hospital 2....

Assim, no dia 30 de outubro de 2018, o Autor foi avaliado no Hospital 2..., tendo os médicos recomendado uma cirurgia para drenagem do hematoma que estava a empurrar o olho inferiormente.

No dia 05 de novembro de 2018, o Autor foi novamente reavaliado e, uma vez que o seu estado clínico estava a evoluir favoravelmente, não houve necessidade de submete-lo à cirurgia que havia sido proposta. No dia 07 de novembro de 2018, o Autor foi submetido a novos RX, através da qual lhe diagnosticaram uma fratura diáfise do rádio direito e uma deiscência de ferida corto-contusa no joelho direito. Mantendo, assim, a tala gessada no braço direito e realizando curativos no joelho direito, sendo ainda aconselhado a fazer exercícios de flexão/ extensão do joelho direito. Durante o internamento, o Autor foi ainda avaliado pela especialidade de Otorrinolaringologia devido a uma disfonia pós intubação prolongada. Apresentava ainda uma mucocelo na face ventral da língua. Manteve-se internado nesta Unidade Hospitalar desde o dia 26 de outubro de 2018 até ao dia 13 de novembro de 2018, dia em que teve alta hospitalar. Após o que ficou em absoluto repouso e imobilizado na sua habitação.

Posteriormente, o Autor foi chamado pela Seguradora laboral D..., S.A, passando a ser tratado sob incumbência destes serviços médicos. Foi acompanhado em consultas desde o dia da alta hospitalar, 13 de novembro de 2018, até ao dia 3 de abril de 2019, data em que teve alta clínica.

Esteve a ser acompanhado em consultas no Hospital 3..., na E... e posteriormente na F... (Neurocirurgia).

Em virtude do sinistro, o Autor apresenta atualmente as seguintes queixas:

- A nível funcional: dor no punho direito, com os esforços; gonalgia direita e no antebraço direito e punho; medo de andar com outra pessoa no carro;

- A nível situacional: - Atos da vida diária: sem alterações; - Vida afetiva, social e familiar: Desde o acidente encontra-se bem, não nota alterações. Vive com os pais no domicílio, com quem mantem relação harmoniosa. Começou a andar de moto desde o acidente e teve um acidente de moto tendo tido despiste. Nega alterações de personalidade e/ou ansiedade;

- Vida profissional ou de formação: No exercício da atividade laboral, dificuldade por dores e limitações na mobilidade do antebraço direito.

E, apresenta as seguintes lesões e/ou sequelas:

- Membro superior direito: cicatriz com retração no bordo radial da transição do terço médio com o terço distal do antebraço. Sem qualquer limitação na mobilidade do punho, nem do cotovelo;

- Membro inferior direito: cicatriz com alguma retração, arciforme de concavidade inferior ao longo da face anterior e lateral do joelho direito, hiperpigmentada que mede 23cm e outra cicatriz com discreta retração dos tecidos moles subjacentes mais distal na face antero-interna do joelho, ao nível da tuberosidade tibial que mede 3 por 2cm de maiores dimensões. As cicatrizes evoluíram favoravelmente, sem causar prejuízo estético significativo.

Em virtude das lesões que padeceu, o Autor sofreu fortes dores, ansiedade e medo, quer no momento do acidente, quer nas sucessivas e longos exames e tratamentos a que foi submetido.

Enquanto esteve internado no hospital, por via dos tratamentos a que foi sujeito, sofreu dores, e incómodos e dores nos períodos de acamamento a que foi sujeito.

Atualmente, apresenta gonalgia direita e no antebraço direito e punho. E, na atividade laboral, sente dores e tem limitações na mobilidade deste antebraço.

Antes do sinistro, era uma pessoa saudável, com paixão pela vida, pelos amigos, pela família e pelo seu trabalho.

A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 15/01/2020.

O Autor teve os aludidos períodos de défice funcional e de repercussão temporária.

O Autor ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10,5876 pontos.

O quantum doloris sofrido pelo Autor é fixável no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente.

Destarte, à luz dos critérios acima enunciados, ponderados todos esses elementos e atento o restante acervo factual provado, julga-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais sofridos pelo jovem Autor, tendo por referência a presente data, no montante global de € 27.500,00”.

Nas conclusões de recurso, sob os pontos XXXVIII a LXIII, o apelante sustenta a alteração da decisão, com os seguintes fundamentos:

XXXVIII. Relativamente aos danos de natureza não patrimonial, estes são as dores e os incómodos sofridos pelo Autor em consequência do acidente, a que acresce a desfiguração que as lesões provocadas originaram;

XXXIX. São danos insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não fazem parte do património do lesado, que devem ser compensados mais do que indemnizados;

XL. Impunha-se que os danos não patrimoniais fossem avaliados em quantia equitativa tendo em atenção que são danos atinentes à personalidade do Autor, à sua autoestima, saúde e bem-estar psicossomático;

XLI. Sendo certo que, a jurisprudência, máxime do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria de danos não patrimoniais, tem evoluído no sentido de considerar que a compensação deverá um lenitivo para os danos suportados, não devendo, por isso, ser miserabilista;

XLII. Para além disso, no caso sub judice, na condição das dores e sequelas que, do ponto de vista da qualidade de vida, irão prolongar-se no tempo;

XLIII. Ora, no caso patente nos autos, salvo melhor opinião, os danos padecidos pelo Autor não podem deixar de ser considerados de grau elevado e grave;

XLIV. Compulsada a matéria dada como provada, o Autor andou em tratamentos médicos sensivelmente um ano e meio, mais concretamente, 428 dias, continuando ainda hoje a sofrer dores derivadas das sequelas do acidente;

XLV. Esteve em coma induzido;

XLVI. Esteve em risco de vida e temeu pela sua própria vida;

XLVII. Esteve internado várias vezes em 3 unidades hospitalares, com várias operações e tratamentos cirúrgicos;

XLVIII. As dores padecidas pelo mesmo foram quantificadas pelo Sr. Perito médico em 5 numa escala de 1 a 7;

XLIX. Acresce que, em resultado dos factos que se pretende dar como provados por este venerando Tribunal, os distúrbios do olfato têm ganhado grande importância nos últimos anos;

L. No homem, o sentido da olfação é, provavelmente, o menos compreendido, por ser um fenômeno em grande parte subjetivo;

LI. A disosmia descreve uma perceção alterada do olfato, tanto em resposta a estímulos ambientais - o que é chamado de parosmia - quanto a eventos espontâneos - o que chamamos de fantosmia.

LII. O sentido do olfato contribui fortemente para a perceção gustativa, de tal modo que pacientes têm grande dificuldade em perceber o gosto dos alimentos, perdendo assim o apetite e o prazer com a alimentação;

LIII. Os impulsos da olfação propagam-se para o sistema límbico, bem como para as áreas corticais superiores, podendo certos estímulos olfatórios tanto desencadear respostas emocionais diversificadas quanto criar associação cortical com outros sentidos, estando esse processo atrelado à memória do indivíduo e à perceção da qualidade emocional do estímulo, ou seja, à sensação de agradável ou desagradável;

LIV. Outro fator a se considerar é que a Disosmia pode acarretar impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes, com dificuldade nas atividades de vida diárias, transtornos do humor, diminuição do apetite e até problemas no trabalho;

LV. Para distinguir a maioria dos sabores, o cérebro precisa da informação sobre ambos, cheiro e sabor. Essas sensações são transmitidas ao cérebro a partir do nariz e da boca. São várias as regiões do cérebro que integram a informação, permitindo às pessoas reconhecer e apreciar os sabores;

LVI. Por sua vez, a concussão é uma alteração da função mental ou do nível de consciência, causada por um traumatismo craniano;

LVII. No caso das concussões, não é possível detetar danos cerebrais em exames de diagnóstico por imagem, tais como tomografia computadorizada (TC) ou imagem por ressonância magnética (RM). Ainda assim, as células cerebrais encontram-se temporariamente danificadas ou disfuncionais:

LVIII. Os sintomas de uma concussão incluem um ou mais dos seguintes:

Confusão temporária: Parecer confuso ou atordoado e/ou responder lentamente.

Perda de memória: Não ser capaz de se lembrar do que aconteceu antes da lesão ou logo após. Visão dupla. Sensibilidade à luz. Tontura, movimentos descoordenados e problemas de equilíbrio. Dor de cabeça. Náusea e vômito. Zumbido nos ouvidos (acúfeno). Perda do olfato ou do paladar;

LIX. Tudo que Tribunal não levou em linha de conta na seleção dos factos dados como provados;

LX. Ora, o Tribunal a quo atribuiu ao Autor, a título de compensação pelos não patrimoniais padecidos, a quantia de € 27.500,00;

LXI. Montante esse que não é, na modesta opinião do Recorrente, equitativo e, igualmente, não representa uma compensação condizente com as dores, sofrimentos e sequelas padecidas pelo mesmo em virtude do acidente;

LXII. Entende, assim, o Recorrente ter direito a uma compensação pelos danos não patrimoniais padecidos não inferior a € 50.000,00 que, atendendo a todos os fatores referidos, ao grau de culpabilidade de agente, à situação económica de quem tem o dever de indemnizar e de quem tem o direito de receber é a quantia que, em prudente critério e sempre salvo melhor opinião, melhor representa o quadro fáctico que subjaz à situação em apreço.

Entendemos que se justifica alterar o montante da indemnização, atendendo à alteração que se verificou na decisão de facto e ponderando a natureza e extensão das lesões e tratamentos a que se sujeitou o autor, com o inerente sofrimento, face aos valores arbitrados em situações idênticas na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, fixando-se o montante da indemnização em € 35 000,00, pelos motivos que se passam a expor.

Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, tendo presente o art.º 496º/1CC, verificamos que tão só, são indemnizáveis, a título de danos morais, os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e a indemnização, neste âmbito, visa compensar o dano sofrido, pois pela sua natureza o dano não é suscetível de restituição natural.

Em conformidade com o nº4 do art.º 496º CC o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º do CC e de acordo com um critério objetivo.

Na decisão segundo a equidade terá de se considerar essencialmente as particularidades que o caso concreto apresenta.

No recurso à equidade devem observar-se as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso[19].

Deve atender-se, assim, nos termos do art.º 496º/4 CC, conjugado com o art.º 494º CC, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, do lesado e do titular de indemnização e às demais circunstâncias do caso. Nestas, podem incluir-se a desvalorização da moeda, bem como os padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência[20].

No caso presente na sentença seguiu-se o critério legal, considerou-se a natureza das lesões sofridas e a gravidade das lesões e tratamentos, bem como, a incapacidade de que ficou a padecer o apelante, o quantum doloris e todos os danos com reflexo na sua integridade física e psíquica, bem como, ponderou-se os valores arbitrados na jurisprudência para situações idênticas.

Contudo, considerando os valores praticados na jurisprudência e a extensão das lesões sofridas pelo autor e o período de tratamento, consideramos que o valor arbitrado não se mostra adequado para compensar o dano sofrido.

Com efeito, na jurisprudência, considerando a extensão das lesões sofridas, internamento hospitalar e tratamentos, quantum doloris de grau 5 numa escala crescente de 1 a 7, na sequência de acidente de viação, com culpa exclusiva do condutor do veículo segurado, arbitraram-se as seguintes indemnizações:

- Ac. STJ 30 de maio de 2019, Proc. 3710/12.6TJVNF.G1.S1(acessível em www.dgsi.pt):

“IV - Resultando dos factos provados que a autora: (i) tinha 17 anos, completados no dia do acidente que a vitimou, ocorrido em 01-01-2010; (ii) em virtude desse acidente, ficou encarcerada no veículo, com perda de consciência; (iii) foi transportada para o serviço de urgência do Hospital, no qual ficou internada, tendo sido submetida a tratamentos e a operação ao fémur e ao punho; (iv) recebeu acompanhamento das especialidades de ortopedia, odontologia e psicologia, foi submetida a fisioterapia e a novas cirurgias, tendo tido alta definitiva em 31-03-2011; (v) devido às lesões e aos tratamentos, sofreu dores de grau 5 numa escala de 1 a 7; (vi) ficou a padecer de edema de ambos os calcanhares necessitando de usar calçado com um número acima; (vii) apresenta cicatrizes que determinam dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7; (viii) perdeu o ano letivo 2009/2010, mudando para o curso de técnica de receção no ano letivo seguinte, sem que tenha ingressado no ensino superior como idealizara antes do sinistro; (ix) deixou de praticar futsal, o que lhe traz desgosto, valorizado como repercussão permanente as atividades desportivas e de lazer de grau 1 numa escala de 1 a 7; (x) dependeu de terceiros na realização das suas tarefas diárias, passou a isolar-se, deixou de ter vontade de conviver com os amigos, tornou-se facilmente irritável, de trato difícil, ansiosa e sente medo de andar de automóvel quando circula a velocidade superior a 90km/hora; (xi) devido a cansaço, deixou de poder correr e fazer caminhadas como anteriormente e ganhou peso por não poder praticar desporto, tendo de fazer dieta para o manter controlado; considera-se adequado o montante de € 25 000,00 fixado, pela Relação, a título de indemnização por danos não patrimoniais (arts. 496.º, n.os 1 e 3, e 494.º, do CC)”.

- Ac. STJ 10 de abril 2024, Proc. 987/21.0T8GRD.C.S1, (acessível em www.dgsi.pt):

“I- Não é desconforme com os atuais parâmetros indemnizatórios seguidos pelo STJ quanto à aplicação de critérios de equidade, previstos nos artigos 566.º, n.º 3 e 496.º, n.º 4 do CC, a decisão de atribuir 70.000 euros (para indemnizar tanto o dano moral como o dano biológico) a uma lesada, de 45 anos, que sofreu múltiplas fraturas e lesões em consequência do acidente de viação (no tórax, coluna, membros superiores e crânio-encefálicas), foi submetida a intervenção cirúrgica e necessitou de múltiplas consultas médicas e tratamentos, teve um défice funcional temporário total superior a 3 meses e um défice funcional temporário parcial de cerca de 8 meses, sofreu um quantum doloris de nível 5 em 7 e continua a padecer de dores, necessitando de medicação diária. Ficou ainda com um dano estético permanente de grau 2 em 7. Ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 11,499 pontos, com existência de possível dano futuro; sofreu uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 2 em 7; não pode levantar pesos e o exercício da sua atividade profissional exige esforços suplementares”.

- Ac. STJ 16 de janeiro de 2024, Proc. 3571/21.4T8VNG.P1.S1, (acessível em www.dgsi.pt):

“Também não é desconforme com os atuais padrões indemnizatórios a compensação de 15.000 Euros por danos morais conferida a esse jovem, que antes do acidente era saudável e escorreito, o qual ficou com uma cicatriz de 13 cm sobre a clavícula esquerda, o que lhe causa desgosto; ficou com uma placa com 9 cm de comprimento aplicado sobre o corpo da clavícula; ficou com um dano estético de 2 em 7; suportou um quantum doloris de grau 4 numa escala de 7, em consequência das lesões e dos tratamentos a que foi submetido”.

- Ac. STJ 29 de fevereiro de 2024, Proc. 2859/17.3T8VNG.P1.S1(acessível em www.dgsi.pt):

Considerou-se no citado acórdão, em relação a acidente ocorrido em 2015, tendo sido atribuído um défice funcional permanente de 16 pontos à lesada, que o valor de € 30 000,00 se mostrava adequado para compensar os danos sofridos a título de dano não patrimonial, com os seguintes fundamentos:

“(...) sofreu dores intensas aquando do acidente e no período de tratamento, sendo que as dores cervicais persistem, com limitações em relação ao transporte de pesos, passou a ter receio de conduzir, sofre de stress pós-traumático, alterações de humor e irritabilidade fácil, tendo passado a usar medicação ansiolítica. Para além do que resulta provado em relação a sofrimento físico, imobilização, medos e limitações, importa ter em conta, como fator particularmente relevante, que a autora vivenciou uma experiência traumática, tendo sido embatida violentamente, de forma inesperada, com subsequente capotamento do veículo, que se veio a imobilizar a 45 metros do local do embate, tendo atingido o talude que ladeia a estrada. A idade da autora à data do acidente e a particular consciência que esta traz em relação à própria fragilidade, permite com facilidade compreender o temor que terá sentido de perder a vida naquele acidente, vivenciando o que se antecipa ser um estado de terror no período que perdurou até à imobilização do veículo. Sendo o parâmetro ou critério normal para aferir a dimensão da dor física a extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico, haverá que reconhecer a presença, no caso concreto, de um dano não patrimonial digno de tutela compensatória -o relatório pericial fixou o quantum doloris no grau 4, numa escala de 1 a 7, o que revela a indiscutível relevância da dor sofrida. Já o dano estético foi fixado no grau 1 de 7. (...) Atendendo aos critérios oferecidos pelo art.º 494, que são o grau de culpabilidade do agente responsável pelo acidente -culpa efetiva -, a situação económica dos envolvidos, a idade da autora e o facto de ter ficado a padecer de diversas sequelas, a incidência das lesões, o medo intenso que se antevê ter sido sofrido pela natureza do acidente, afetando a vida futura da autora em relação à sua confiança na condução de veículos, bem como dada a intensidade das dores sofridas”.

Decorre da análise comparativa dos acórdãos citados que foram arbitradas indemnizações no montante de €30.000,00 e €70.000, (esta para dano biológico e dano não patrimonial), nas situações em que os lesados para além de sofreram lesões nos membros superiores ou inferiores, sofreram também traumatismo craniano de diferente natureza, ficaram afetados com síndrome pós-comocional, para além de múltiplos internamentos hospitalares e tratamentos. Acresce as perturbações psicológicas que sofreram, com estado de ansiedade e medo. Existe uma grande analogia com a concreta situação destes autos.

No caso concreto, o autor era uma pessoa saudável (ponto 56 dos factos provados) para além das lesões no pulso, ombro e joelho, há a considerar que o lesado sofreu uma concussão, que determinou um tratamento para controlo da pressão intracraniana (introdução de sonda), múltiplas fraturas na região dos ossos do olho esquerdo, com alteração temporária da visão, fraturas no nariz e maxilar, apresenta disosmia, com alteração no sentido do olfato, a intensidade e gravidade das lesões, as intervenções cirúrgicas e tratamentos a que se submeteu durante um ano, as dores, o estado de medo e as sequelas que apresenta, que persistem com fenómenos dolorosos e limitação de movimentos (pontos 14 a 60 dos factos provados), justifica que se fixe a indemnização num montante superior ao fixado na sentença, ainda que inferior ao peticionado pelo apelante, mas superior ao indicado pela apelada.

Aliás, o valor indicado pela apelada - €5.000,00 -, não se mostra sustentado na jurisprudência que indicou, porque mesmo em situações em que se fixou um défice funcional de integridade físico-psíquica de 10 pontos, o montante da indemnização ascende a 20.000,00[21] ou €22.500,00[22]. Por outro lado, as lesões não têm a mesma extensão, nem o grau de gravidade daquelas que sofreu o autor.

Também, ponderando os pontos L) a LIX das conclusões de recurso, é de referir que não resulta dos factos apurados que o autor sofreu por efeito da disosmia e da síndrome pós-concussional as lesões que ali se descrevem.

A síndrome pós-concussional foi considerada para efeitos de apurar o défice funcional permanente de integridade físico-psíquica.

Não se provaram, em concreto, qualquer das manifestações indicadas os pontos L) a LV) das conclusões de recurso.

Acresce que o autor não alegou ter sofrido outras sequelas para além das que se julgaram apuradas, motivo pelo qual não releva para este efeito as considerações tecidas sob os pontos LVI a LIX das conclusões de recurso, a respeito dos sintomas e efeitos de uma concussão.

Daí entendermos, considerando os factos apurados, face ao critério legal, natureza compensatória da indemnização e valores fixados na jurisprudência, ponderando-se a culpabilidade do responsável, a situação económica do lesado e do lesante, as lesões sofridas, as sequelas de que o lesado ficou afetado, que se mostra equilibrado e ajustado de acordo com um juízo de equidade, fixar-se a indemnização no montante de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros).

Procedem, em parte, as conclusões de recurso sob os pontos XXXVIII a LXIII da apelação e improcedem as conclusões de recurso, no recurso subordinado.


-

Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas:

- na apelação, pelo apelante e apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em ¼ e ¾, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o apelante;

- no recurso subordinado, pela apelada.


-

III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e improcedente o recurso subordinado e nessa conformidade, revogar, em parte, a sentença e condenar a ré A..., SA a pagar ao autor AA, a título de danos não patrimoniais, a indemnização de € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros), confirmando-se, no mais, a sentença.


-

Custas:

- na apelação, pelo apelante e apelada, na proporção do decaimento, que se fixa em ¼ e ¾, respetivamente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o apelante;

- no recurso subordinado, pela apelada.


*


Porto, 25 de novembro de 2024

(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)


Assinado de forma digital por

Ana Paula Amorim

Juiz Desembargador-Relator

Maria Fernanda Almeida

1º Adjunto Juiz Desembargador

Miguel Baldaia de Morais

2º Adjunto Juiz Desembargador


____________________________________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.        
[2] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-335.
[3] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Temas da Reforma de Processo Civil, vol. II, Coimbra, Almedina, janeiro 2000, 3ª ed. revista e ampliada, pág. 272.
[4] JOSÉ ALBERTO DOS REIS Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, Coimbra Editora, Coimbra, pág. 569. 
[5]  Ac. Rel. Guimarães 20.04.2005, Proc. 577/05-1 - www.dgsi.pt.
[6] ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES Recursos em Processo Civil, 7ª edição atualizada, Coimbra, Almedina, 2022, pág. 333-334.
[7]  SOUSA DINIS “Dano Corporal em Acidente de Viação” – CJ STJ IX, I, pág.6.
[8] ARMANDO BRAGA A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 108.
[9]  ARMANDO BRAGA A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, ob. cit., pág. 44. 
[10]  Neste sentido, entre outros, Ac. STJ 16 novembro 2010 – Proc. 1612-05.1TJVNF.P1.S1; Ac. STJ 23 de novembro 2010 – Proc. 456/06.8 TBVGS.C1.S1; Ac. STJ 16 dezembro 2010 – Proc. 270/06.0TBLSD.P1 – www. dgsi.pt..
[11] Ac. STJ 19 abril 2012, Proc. 3046/09.0TBFIG.S1; Ac. STJ 16 dezembro 2010, Proc. 270/06.0TBLSD.P1, acessível em www.dgsi.pt 
[12] Ac. STJ 19 abril 2012, Proc. 3046/09.0TBFIG.S1; Ac. STJ 16 novembro 2010, Proc. 1612-05.1TJVNF.P1.S1; Ac. STJ 17 de maio 2011 Proc. 7449/05.0TBVFR.P1.S1., Ac. STJ 20 outubro 2011 – Proc. 428/07.5TBFAF.G1.S1  – www.dgsi.pt.
[13] Ac. STJ 07 de junho de 2011, Proc. 160/2002.P1.S.1  e no mesmo sentido se têm pronunciado entre outros os Ac. STJ 03 de março de 2016, Proc. 4931/11.4TBVNG.P1.S1-A; Ac. STJ 03 de dezembro de 2015, Proc. 3969/07.0TBBCL.G1.S1; Ac. STJ 04 de junho de 2015, Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1; Ac. 07 de abril de 2016, Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1; Ac. STJ 10 de março de 2016, Proc. 1602/10.2TBVFR.P1.S1; Ac. STJ 21 de janeiro de 2016, Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1; Ac. STJ 26 de janeiro de 2016, Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1; Ac. STJ 28 de janeiro de 2016, Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[14] Ac. STJ 07 de outubro de 2010, Proc. 2171/07.6TBCBR.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[15] Cf. Ac. STJ 02 outubro 2007, CJ STJ Ano XV, III, 68 e Ac. STJ 14 setembro 2010, Proc. 797/05.1TBSTS.P1 – www.dgsi.pt .
[16] Cf.  Ac. STJ 15.05.86, BMJ 357, 412. 
[17] Ac. STJ 19 de abril 2012, Proc. 3046/09. 0TBFIG.S1, Ac. STJ 10 de março 2016, Proc. 1602/10.2TBVFR.P1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.    
[18] Ac. STJ 12 de setembro de 2019, Proc. 3710/12.6TJVNF.G1.S1 e Ac. STJ de 09 julho 2015, Proc. 3724/12.6TBBCL.G1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[19] Ac. STJ 30 de setembro de 2010, Proc. 935/06.7TBPTL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[20]   Ac. Rel. Porto de 07 julho 2005 - JTRP00038287 - www.dgsi.pt 
[21] Ac. Rel. Porto 06 de fevereiro 2023, Proc. 8402/12.3TBMTS.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[22]  Ac. Rel. Porto 04 de abril 2022, Proc. 542/19.4T8PVZ.P1, acessível em www.dgsi.pt.