Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1415/16.8T8PVZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: RECONVENÇÃO
ABUSO DO DIREITO
Nº do Documento: RP202411211415/16.8T8PVZ-A.P1
Data do Acordão: 11/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O n.º 1 do artigo 266.º do Código de Processo Civil autoriza o réu a deduzir pedidos contra o autor, através da reconvenção, a qual é configurada como um cruzamento de acções, como uma espécie de contra-acção.
II - A lei impõe, todavia, limites, processuais e substantivos, à admissão da reconvenção, achando-se os segundos tipificados no n.º 2 do referido normativo.
III - A inércia do demandante condomínio perante outras condutas objectivamente infractoras de proprietários de outras infracções do prédio não integra a excepção de abuso de direito por violação do princípio da igualdade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1415/16.8T8PVZ.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível de Vila do Conde – Juiz 2

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.

1. Na acção declarativa com processo comum que Condomínio do Prédio sito na Rua ..., ... e Rua ..., ..., ..., ..., os Réus AA e esposa, BB, e a sociedade Ré A..., Unipessoal, Lda., em sede de contestação deduziram pedido reconvencional contra o Autor, peticionando a segunda Ré a condenação daquele em valor a liquidar em execução de sentença, de montante, todavia, não inferior a € 5.000,00.

Notificada para responder, o Autor nada referiu quanto à admissibilidade da reconvenção, apenas contestando os pressupostos de facto em que o pedido reconvencional assenta.

Foi proferido despacho que admitiu “o pedido reconvencional formulado pelos Réus AA e mulher, BB, bem como o pedido reconvencional formulado pela Ré A..., Unipessoal, Lda., no que tange aos pontos 54.º a 68.º da sua contestação de 13/09/2023, não se admitindo o mesmo quanto aos pontos 69.º a 79.º da aludida peça processual”.

E consta do despacho saneador então proferido:

Questão prévia – da violação do princípio da igualdade

Na sua contestação de 13/09/2023, vem a Ré A..., Unipessoal, Lda. invocar a violação do princípio da igualdade, alegando em síntese que o Autor não tem, perante outros condóminos que efectuam intervenções na fachada, a mesma conduta no sentido de intentar acções contra os mesmos.

Concretiza casos em que outros condóminos tiveram intervenções na fachada.

Vejamos.

Dispõe o art.º 13.º da nossa Lei Fundamental o seguinte:

“1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.”

No caso em análise, para fundamentar a violação do aludido princípio, o Réu invoca a inércia do Autor perante a acção de outros condóminos.

Todavia, a inércia, ou passividade, para condutas igualmente lesivas da fracção autónoma, não viola tal princípio. Por um lado, porque a causa de tal inércia não é indicada pelo Réu. Por outro, mesmo que fosse, a interpretação do princípio constitucional em causa no sentido de permitir um “mal” porque outros existem que não são sancionados redundaria numa desculpabilização social para todas as práticas ilegais e mesmo criminosas.

A invocação da violação do princípio da igualdade surge, assim, no presente caso, como francamente desadequada à matéria em causa – sem prejuízo do eventual mérito dos demais argumentos invocados em sede de contestação.

Por via disso, desde já se julga improcedente a excepção peremptória da violação do princípio da igualdade, e consequente abuso do direito do Autor por violação de tal princípio”.

Não se resignando a Ré A..., Unipessoal, Lda. com as referidas decisões, delas interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

“1- Versa o presente recurso sobre o despacho que não admitiu o pedido reconvencional deduzido pela recorrente no que concerne aos pontos 69º a 79º da contestação, e apenas quanto aos pontos 54º a 68º desse articulado, bem como o despacho que, ainda em sede de saneador, julgou improcedente a excepção peremptória de violação do princípio da igualdade, por os mesmos violarem as normas adjetivas aplicáveis.

2- No que concerne ao despacho concernente à reconvenção – que parcialmente a não admitiu – temos que na contestação apresentada, a interveniente formulou um pedido reconvencional em que peticionou a condenação do autor condomínio a lhe pagar uma indemnização, tanto pelos prejuízos já causados, como pelos prejuízos que a procedência dos pedidos lhe venham a causar.

3- O despacho em crise entendeu que o pedido indemnizatório dos 5.000€ não se enquadrava no disposto no art. 266º nº 2 do CPC, uma vez que os prejuízos invocados nos pontos 69º a 79º da sua contestação, não emergiam “do facto jurídico que fundamenta a ação, mas sim de factos prévios ao mesmo.”

4- Não cremos lhe assista razão, na medida em que o pedido reconvencional é único e decorre, na sua totalidade, dos factos que fundamentam a defesa no seu todo, aliás, como se verifica pela sua merca formulação, trata-se de um único pedido – com uma única causa de pedir – apenas com dois momentos distintos de liquidação.

5- Causa de pedir essa que se refere aos fundamentos da defesa, e não da acção.

6- Como supra se expôs e a jurisprudência, aliás, entende, o facto jurídico que serve de sustentação à defesa envolve essencialmente a matéria de exceção, mas poderá igualmente assentar em factos que integrem a impugnação motivada dos fundamentos da ação. […]

“Nestes casos, o réu aproveita a defesa não apenas para se defender da pretensão do autor, mas ainda para sustentar nos mesmos factos uma pretensão autónoma contra aquele (ac. RG 8-4-2021, P. nº 795/20).”

7- Mal andou mal o tribunal a quo ao rejeitar esta parte do pedido reconvencional deduzido pela recorrente, porque o mesmo, conforme demonstrado, se baseia nos mesmos factos jurídicos invocados pela recorrente na sua contestação e que lhe servem de defesa, em que se baseia a parte do pedido reconvencional admitida, tendo pleno enquadramento legal na última parte do nº 2 do art. 266º do CPC que, assim não concluindo, a decisão recorrida violou.

8- No que concerne ao despacho em que julgou improcedente a invocada excepção, entendemos que o tribunal recorrido violou o disposto no nº 1 do artigo 595º do CPC.

9- Estamos perante uma acção intentada pelo condomínio de um edifício em que é pedida a remoção de respiros, reclamo luminoso, colunas, toldo e chaminé existentes na fracção «O» explorada pela interveniente, ora apelante, na qualidade de arrendatária e a reparar os danos pelos mesmos provocados, com fundamento em que com as indicadas obras o prédio perdeu impermeabilização (item 17º da PI) e o arranjo estético que tinha (item 18º da PI).

10- Na sua contestação, de 40º em diante, a apelante invocou – para além do mais – ser gritante a desigualdade de tratamento pela atual administração de condomínio entre os proprietários da fracção «O» e os condóminos que identificou um, por um, descrevendo, uma a uma, as inovações não autorizadas e pelos mesmos introduzidas nas suas fracções ao nível da fachada, sem que contra os mesmos tenha sido intentada qualquer acção judicial para retirada desses materiais.

11- Não se vislumbrando diferenças que pudessem justificar a grosseira desigualdade de tratamento, a apelante invocou, na sua contestação, para efeitos de abuso de direito, nos termos do artigo 334º do Código Civil, a violação do princípio da igualdade pelo condomínio, alegando, de 42º a 50º da contestação, detalhada matéria, fração a fração, de que pretendia fazer prova, tendo logo junto fotografias com os nºs 3 e 7, bem como arroloado extensa prova testemunhal (os condóminos dessas fracções e outras).

12- Em sede de despacho saneador, o tribunal «a quo» julgou improcedente a excepção peremptória da violação do princípio da igualdade e consequente abuso de direito do autor por violação daquele, por entender que a inércia ou passividade do condomínio para com condutas igualmente lesivas da fração autónoma não viola tal princípio, surgindo tal invocação «no presente caso, como francamente desadequada à matéria em causa».

13- Salvo o devido respeito, que é muito, o Mmo Julgador não poderia ter antecipado o conhecimento desta matéria de excepção, desde logo, por se tratar de matéria controvertida.

Que saiba a apelante, o autor não confessou os sobreditos pontos da matéria de facto, assistindo à interveniente o direito de produzir prova sobre os mesmos, não sendo manifestamente o caso da sua prova ser apenas documental.

14- Na realidade, no que concerne à factualidade invocada a propósito desta questão, tratava-se de matéria controvertida suscepível de integrar os temas de prova e, como tal, de a audiência final poder versar também sobre esses pontos da matéria de facto, sendo certo que, de acordo com algumas das soluções plausíveis de direito, o apuramento concreto dessa matéria poderia ter interesse.

15- Acresce não se vislumbrar decorrer qualquer vantagem do conhecimento desta exceção, até porque não estamos na presença de um pedido principal e outro acessório, pelo que prosseguindo os autos para julgamento, - como foi decidido que prosseguissem – seria aconselhável e mais equilibrado que o tribunal se abstivesse de conhecer previamente de uma (importante) parte da defesa, impedindo-a de fazer prova sobre matéria que reputava essencial, fragilizando a sua posição na lide.

16- Decorre, com meridiana clareza do disposto no artigo 595º nº 1 do CPC. que o conhecimento imediato do mérito só se realiza no despacho saneador se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito.

17- Pese embora o entendimento do Mmo Julgador da questão de direito concreta, vertido para a mesma, o mesmo não corresponde ao único entendimento possível, existindo outras soluções possíveis e plausíveis de direito, pelo que, em cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efetiva, sempre incumbiria ao Mmo Juiz «a quo» apurar a matéria de facto respetiva, mesmo entendendo que a mesma não iria ter qualquer influência na solução que haveria de dar ao pleito.

18- Salvo o devido respeito, ao despacho saneador não cabe antecipar qualquer solução jurídica e, muito menos, desconsiderar quaisquer factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção (concorde-se, ou não, em abstrato, com eles).

19- A jurisprudência é clara, neste sentido, ressaltando do Ac. RL de 17-12-2001, que o conhecimento do mérito da causa, total ou parcialmente, só deve ter lugar quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não tendo em vista apenas a partilhada pelo juiz da causa.

20- Como tal, o tribunal «a quo» não podia, desde já, proferir decisão e julgar improcedente, sem produção de prova, a excepção peremptória invocada, pelo que violou o disposto no artigo 595º nº 1 al. b) do CPC., que determina se deve atender à necessidade de ponderar a factualidade de acordo com (todas) as soluções igualmente plausíveis da questão de direito.

21- Donde, em respeito do aludido critério de atender às várias soluções plausíveis de Direito, se impunha – e impõe – que a decisão a proferir, em sede de mérito, deva aguardar a produção de todos os meios de prova oferecidos ou que venham a ser produzidos pelas partes, nomeadamente em sede de audiência final, no que concerne, também, à aludida factualidade alegada pela interveniente, ora apelante, que – com a demais invocada na contestação – ainda se mostra controvertida.

22- Com todo o respeito pela solução jurídica dada pela decisão recorrida, cremos humildemente ser de aceitar configurarem-se outras soluções jurídicas igualmente plausíveis da questão de direito, impondo-se a revogação do despacho em crise por violação do disposto no artigo 595º nº 1 do CPC e do princípio da tutela jurisdicional efetiva, e sua substituição por outro que determine a inserção desta matéria nos temas de prova.

Nos indicados termos e nos mais de direito superiormente supridos por V.as Exas. deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogando-se os despachos recorridos, serem substituidos por outro que admite, na totalidade, o pedido reconvencional e outro que determine a inserção da factualidade atinente à matéria da violação do princípio da igualdade/abuso de direito nos temas de prova, com as legais consequências”.

A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. OBJECTO DO RECURSO.

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:

- Admissibilidade da reconvenção relativamente aos factos alegados nos artigos 69.º a 79.º;

- Conhecimento no saneador da execpção do abuso de direito por violação do princípio de igualdade.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Os factos/incidências processuais relevantes ao conhecimento do objecto do recurso são os descritos no relatório introdutório.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

1. Da admissibilidade da reconvenção.

O n.º 1 do artigo 266.º do Código de Processo Civil autoriza o réu a deduzir pedidos contra o autor, através da reconvenção. Esta é configurada como um cruzamento de acções, como uma espécie de contra-acção[1]; com ela modifica-se o objecto da acção.

Como esclarecem Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto[2], “a reconvenção, consistindo num pedido deduzido em sentido inverso ao formulado pelo autor, constitui uma contra-acção que se cruza com a proposta pelo autor (que, no seu âmbito, é réu, enquanto o réu nela toma a posição de autor – respectivamente, reconvindo e reconvinte). Não sendo razoável admiti-la independentemente de qualquer conexão com a acção inicial, o n.º 2 estabelece os factores de conexão entre o objecto da acção e o da reconvenção que tornam esta admissível”, sendo que “a qualificação como reconvenção não está tanto dependente da classificação que lhe seja dada pelo réu, antes da apreciação do teor do pedido formulado”[3].

De modo o obviar ao retardamento da concessão da tutela judiciária reclamada pelo autor, o legislador não permitiu ao réu a formulação incondicional de pedidos contra aquele, sujeitando, ao invés a admissibilidade da reconvenção a específicos condicionalismos formais e substanciais.

Segundo o Prof. Alberto dos Reis[4], “os limites postos pela lei à admissão da reconvenção podem classificar-se em objectivos e processuais”, traduzindo-se os primeiros “na exigência duma certa conexão ou relação entre o objecto do pedido reconvencional e o objecto do pedido do autor”, enquanto os limites processuais se relacionam com a forma de processo e com a competência do tribunal.

Dos requisitos substanciais cuida o n.º 2 do artigo 266.º do Código de Processo Civil, enumerando, de modo taxativo, os casos em que a reconvenção é admissível:

- Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa – alínea a);

- Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida – alínea b);

- Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor – alínea c);

- Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter – alínea d).

Partindo do pressuposto irrefutável que toda a acção tem como causa de pedir um certo acto ou facto jurídico, para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da referida alínea a) exige-se que o pedido reconvencional tenha a mesma causa de pedir que serve de suporte ao pedido da acção ou emirja do acto ou facto jurídico que serve de fundamento à defesa, embora desse acto ou facto jurídico se pretenda, nesse caso, obter um efeito distinto, naturalmente favorável ao réu, reduzindo, modificando ou extinguindo o pedido do autor[5].

Na previsão da alínea a) cabem duas hipóteses: o pedido reconvencional pode fundar-se na mesma causa de pedir – ou em parte dessa mesma causa de pedir – que o pedido do autor, ou pode fundar-se nos mesmos factos – ou parcialmente nos mesmos factos – em que o próprio réu funda uma excepção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial[6].

Segundo o acórdão desta Relação de 10.02.2020[7], “I - A conexão exigida para efeitos de admissibilidade da reconvenção traduz-se no justo equilíbrio entre os interesses da economia processual e da economia de meios – que postula a resolução de todos os eventuais litígios entre as partes através de um único processo e um único julgamento – e o interesse na ordenada tramitação do processo – acautelando o interesse do autor e do sistema judicial na obtenção tão célere quanto possível de uma decisão quanto a esse litígio. II - Para que a reconvenção seja admissível ao abrigo da al. a), do n.º 2 do artigo 266º, do CPC, é necessário que o pedido reconvencional, enquanto pretensão material autónoma em face da pretensão do autor, tenha a mesma causa de pedir da acção ou decorra da causa de pedir (ato ou facto jurídico) que serve de fundamento à defesa do réu perante a pretensão deduzida pelo autor (...)”.

Ora, apenas se pode considerar que a reconvenção emerge do facto jurídico que serve de fundamentação à acção ou à defesa quando o réu invoque, como meio de defesa, qualquer acto ou facto jurídico que afecte o pedido do autor, reduzindo-o, modificando-o ou extinguindo-o”[8].

Para que a conexão prevista no n.º 2 al. a) do artigo 266º, não basta que a reconvenção emerja dos factos alegados na petição e/ou contestação; exige-se que estes tenham a virtualidade de extinguir, reduzir ou modificar o direito alegado pelo autor.
Só há lugar a reconvenção quando o pedido formulado for um pedido substancial (não apenas formal) e autónomo, isto é, que transcenda a simples defesa conducente à improcedência da pretensão do autor, algo efectivamente acrescentando à matéria da defesa deduzida
[9].

Nos artigos 69.º a 79.º da reconvenção alega a Ré A... Unipessoal, Lda. o seguinte:

“69º: Tudo por via da atitude persecutória que a administração do condomínio, ou seja, os condóminos CC e DD, tem tomado contra a reconvinte e que culmina nesta acção.

70º: De facto, os administradores do condomínio desde o ano de 2013 são os proprietários das fracções «Q» e «S», que se localizam por cima do estabelecimento e a quem não agrada a sua existência, por motivos estritamente pessoais.

71º: Assim, obstinaram na ideia de que o estabelecimento explorado pela reconvinte haveria que encerrar e desde aí “disparam em todas as direcções” no sentido de a forçar a sair.

72º:Tudo tendo feito, ao longo destes anos, para intimidar e «forçar» a reconvinda.

73º: Desde chamar lá a polícia, à mínima coisa.

74º: Até requerer Vistorias e apresentar reclamações junto mais diversas autoridades, tal como a Câmara, a Autoridade Nacional de Protecção Civil, a Junta de Freguesia, ASAE, etc,

75º: O que tudo tem sido feito, instrumentalizando o condomínio aos seus mesquinhos interesses particulares.

76º: Ocasionando, com isso, despesas à reconvinda atinentes à sua defesa junto dessas entidades, e que se computam em quantia nunca inferior a 5.000,00€. Pois,

77º: Só de dias em que não puderam abrir o estabelecimento, para tratar desses assuntos, foram pelo menos 5 neste tempo todo, calculando o prejuízo por cada dia em que está fechada e a pagar salários, sem rendimento, em quantia nunca inferior a 200,00€, num sub-total de 1.000,00€.

78º: Em despesas de deslocações para ... e Porto, para tratar desses assuntos, gastou quantia nunca inferior a 300,00€.

79º: Com taxas de justiça e honorários, até ao presente, a chamada gastou a quantia de 1.238,00€ até ao momento, prevendo gastar quantia nunca inferior a 2.500,00€, pelo que estimou esse prejuízo no cômputo global de 5.000,00€”.

A falta de conexão com a petição inicial ou com a contestação é notória, não se configurando, quanto ao elenco factual transcrito, nenhum dos pressupostos enunciados no artigo 266,º n.º 2 do Código de Processo Civil, designadamente o previsto na sua alínea a).

Como bem precisa a decisão sob recurso, os danos descritos naquele segmento do articulado recorrente “prendem-se com as condutas previamente levadas a cabo pelos administradores do condomínio, a título aparentemente pessoal, e que, de qualquer modo, não advêm directamente da presente acção.

Ou seja, o pedido da aludida Ré, fundamentado pelos pontos 69.º a 79.º da sua contestação, não emerge do facto jurídico que fundamenta a acção, mas sim de factos prévios ao mesmo”.

Acresce que, como é pacificamente aceite na jurisprudência, as despesas com processos judicias e o reembolso de honorários de advogados estão sujeitas a regime específico, só podendo ser compensadas em sede de custas de parte, nos termos fixados pelo Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais.

Por conseguinte, não merece reparo a decisão que, nesta parte, não admitiu o pedido reconvencional formulado pela aqui recorrente.

2. Do conhecimento no despacho saneador da excepção peremptória de abuso de direito do Autor por violação do princípio da igualdade.

A Ré/Recorrente, para efeitos de abuso de direito, invoca na sua contestação a violação, por parte do Autor, do princípio da igualdade, com fundamento em desigualdade de tratamento em relação a outros condóminos, argumentando que “outros condóminos têm feito uma série de intervenções nas fachadas e arranjo exterior do edifício, algumas, como se verá, de monta, e contra esses não foi intentada qualquer acção judicial para retirada desses materiais”, descrevendo, no artigo 42.º e seguintes algumas das condutas infractoras.

No despacho saneador foi julgada improcedente a invocada excepção, afirmando-se, para o efeito: “No caso em análise, para fundamentar a violação do aludido princípio, o Réu invoca a inércia do Autor perante a acção de outros condóminos.

Todavia, a inércia, ou passividade, para condutas igualmente lesivas da fracção autónoma, não viola tal princípio. Por um lado, porque a causa de tal inércia não é indicada pelo Réu. Por outro, mesmo que fosse, a interpretação do princípio constitucional em causa no sentido de permitir um “mal” porque outros existem que não são sancionados redundaria numa desculpabilização social para todas as práticas ilegais e mesmo criminosas.

A invocação da violação do princípio da igualdade surge, assim, no presente caso, como francamente desadequada à matéria em causa – sem prejuízo do eventual mérito dos demais argumentos invocados em sede de contestação”.

Insurge-se a recorrente contra tal decisão sustentando que “o tribunal «a quo» não podia, desde já, proferir decisão e julgar improcedente, sem produção de prova, a excepção peremptória invocada, pelo que violou o disposto no artigo 595º nº 1 al. b) do CPC., que determina se deve atender à necessidade de ponderar a factualidade de acordo com (todas) as soluções igualmente plausíveis da questão de direito”.

Dispõe o invocado normativo: “O despacho saneador destina-se a:

[...];

b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória”.

Assim, de acordo com o referido dispositivo, o despacho saneador é a sede própria para “conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória”.

No caso em análise, continham os autos, sem necessidade de produção de prova, os elementos necessários ao conhecimento imediato da invocada excepção de abuso de direito por violação do princípio de igualdade.

Com efeito, a factualidade invocada pela recorrente, ou seja a inércia do Autor perante actuações infractoras de outros condóminos do prédio, não é passível de consubstanciar a invocada excepção, pelo que não só se justifica o seu conhecimento no despacho saneador, como esse conhecimento imediato se impunha, não fazendo sentido relegar tal conhecimento para sentença e produzir prova sobre o alegado circunstancialismo fáctico quando daí nunca poderia resultar solução diferente.

Como tal, também nesta parte não merece censura a decisão impugnada, sendo, por isso, de manter.

Improcede globalmente a apelação.


*


Síntese conclusiva:

……………………………

……………………………

…………………………….


*


Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em julgar improcedente o recurso, confirmando, na parte em que é impugnado, o despacho recorrido.

Custas da apelação: pela apelante nos termos do disposto no artigo 527,º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

Notifique.

Porto, 21.11.2024

Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.

Judite Pires

Isoleta Almeida Costa

Francisca Mota Vieira

__________________________
[1] cf. Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. III, pág. 194 e jurisprudência citada na nota de rodapé 120 e Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 669.
[2] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, págs. 529, 530.
[3] António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa , “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2018, pág. 301.
[4] “Comentário ao Código do Processo Civil”, vol. 3º, págs. 98 e 116.
[5] Jacinto Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 2º, 3ª ed., pág. 32.
[6] Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, ob. citada, pág. 530.
[7] Processo n.º 426/13.0TBMLD-E.P1, www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, cfr. Acórdão do STJ de 19.07.63, BMJ n.º 129, pág. 410 e STJ de 5.3.96, B.M.J. n.º 455, pág. 391.
[9] Neste sentido, cfr. cf. acórdãos do STJ de 29.04.86, BMJ 356/310 e de 27.11.2003, processo n.º 03B3126, www.dgsi.pt.