Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ MANUEL CORREIA | ||
| Descritores: | QUESTÕES NOVAS PRESSUPOSTOS DO DIREITO DE RESOLUÇÃO INCUMPRIMENTO DEFINITIVO | ||
| Nº do Documento: | RP202511136173/22.4T8MAI-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - À Relação, salvo se se tratar de questões de conhecimento oficioso, está vedado, no recurso, o conhecimento de questões novas, isto é, que não tenham sido invocadas pelas partes nos seus articulados como fundamento da ação ou da defesa e que, por isso, não tenham sido apreciadas na sentença recorrida. II - Quando não invocadas anteriormente, são questões novas e de não conhecimento oficioso do tribunal as do erro na declaração ou do dolo (art.ºs 247.º e 253.º do Código Civil) e, bem assim, a da exceção de não cumprimento do contrato (art.º 428.º, n.º 1 do Código Civil), pelo que, não tendo sido anteriormente invocadas em qualquer articulado da causa, está a Relação impedida de conhecer delas em sede de recurso. III - Há incumprimento definitivo do contrato, que legitima a sua resolução pela parte não inadimplente, quando haja da parte desta perda do interesse no cumprimento da prestação a cargo da parte contrária, o que ocorrerá quando, numa apreciação objetiva das concretas circunstâncias do caso, essa perda de interesse se deva a razões legítimas e razoáveis. IV - O direito de resolução do contrato de compra e venda fundado em incumprimento da obrigação a cargo da parte contrária não está sujeito aos prazos de caducidade previstos nos art.ºs 916.º e 917.º do Código Civil, limitados que estão estes ao exercício do direito de anulação por erro ou, por interpretação extensiva, de exigir a reparação ou a substituição da coisa vendida. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 6173/22.4T8MAI-A.P1 - Recurso de Apelação Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução da Maia, Juiz 1 *** .- Sumário……………………………… ……………………………… ……………………………… *** .- Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, I.- Relatório 1.- A..., Lda. instaurou execução, sob a forma de processo comum para pagamento de quantia certa, contra B..., Lda., visando a cobrança coerciva da quantia global de € 12.496,04, sendo € 12.210,00 a título de capital e € 286,04 a título de juros de mora. Sustentou a execução em quatro cheques emitidos pela Executada a seu favor, designadamente: .- cheque n.º ..., emitido em 05.09.2022, no valor de € 2.442,00; .- cheque n.º ..., emitido em 15.09.2022, no valor de € 4.884,00; .- cheque n.º ..., emitido em 05.08.2022, no valor de € 2.442,00; e .- cheque n.º ..., emitido em 15.10.2022, no valor de € 2.442,00. 2.- Citada, opôs-se a Executada à execução através de embargos de executado, pugnando pela sua extinção. Para tanto, e em síntese, alegou o seguinte. Subjacente aos cheques que suportam a execução, está um negócio de compra e venda, feito em 28-11-2020, pelo qual a Embargada acordou vender e a Embargante acordou comprar: (i) um veículo de transporte de mercadorias Volvo, pelo preço de € 17.500,00; (ii) um semirreboque de carga LOHR, pelo preço de 17.500,00; um veículo semi-ligeiro de transporte de mercadorias Renault ... e o correspondente semi-reboque, pelo preço de € 11.500,00. Nos termos do acordo, a Embargada devia entregar os veículos e os semi-reboques até dezembro de 2020, sendo que, após a entrega, a Embargante iniciaria o pagamento devido através de cheque. Ainda assim, iniciou o pagamento acordado em prestações através de: (i) nove cheques pré-datados, todos eles já pagos, perfazendo o valor total de € 34.300,00; (ii) três cheques pré-datados de € 12.210,00, desdobrados em cinco, no valor de € 2.442,00. Os veículos e os semi-reboques que a Embargada entregou eram diferentes do acordado e estavam em mau estado. Por esse motivo, propôs à Embargante a aquisição temporária, em substituição do veículo Volvo, do pesado de mercadorias Renault ..., pelo preço de € 15.000,00, o que, dada a situação em que se encontrava, aceitou. Este veículo, contudo, avariou em 18-10-2021, despendendo a Embargante com a sua reparação o custo de € 2.262,75, que a Embargada se comprometeu a suportar, o que, até à data, não fez. O semi-reboque, por sua vez, só foi entregue em 18-10-2021 e também teve de ser reparado, constatando-se, posteriormente, em fevereiro de 2022, que carecia de nova reparação que demoraria 3 a 4 meses e que teria o custo de € 8.000,00 a € 10.000,00. Em face deste circunstancialismo, por carta registada com a/r de 03-02-2022 que dirigiu à Embargada, resolveu, pondo-lhe termo, o contrato. Ainda assim, em 24-03-2022 o veículo Renault ... avariou outra vez e teve de ser reparado, despendendo com a reparação a quantia de € 883,93, que a Embargada também se comprometeu a suportar mas que, até ao momento, não o fez. Depois de diversas reuniões, em 04-05-2022 remeteu à Embargada nova carta, comunicando-lhe que não podia continuar a pagar prestações de algo de que não usufruía e que ia cancelar cheques, o que fez. Posteriormente, em nova reunião, acordaram na aquisição, pela Embargante, de um outro trator “...”, pelo preço de € 40.000,00 e, bem assim, um outro semi-reboque Lohr, pelo preço de € 30.000,00. Este semi-reboque, contudo, dadas as suas características, não podia ser adaptado ao trator Renault ..., nem tem as dimensões legais para poder circular na via pública. Concluiu, em face do exposto, que a conduta da Embargada configura incumprimento grave e reiterado do acordo celebrado, incumprimento esse que, associado à perda de interesse no negócio, legitimou a sua resolução, não sendo devidos, por conseguinte, os valores constantes dos cheques dados à execução, já que, quando esta foi instaurada, por força da resolução, já não havia contrato. 3.- Admitidos liminarmente e notificada para o efeito, contestou a Embargada os embargos, defendendo-se por exceção e por impugnação. Por exceção, invocou a exceção perentória de caducidade do direito da Embargante. Segundo a mesma, esta última cancelou os cheques, pelo menos, em 05-09-2022, tendo, a partir desta data, o prazo de 6 meses para exercer o seu direito. Como não o fez, caducou o seu direito. Também por exceção, invocou a exceção de não cumprimento do contrato. De acordo com a Embargada, a Embargante não lhe pagou a totalidade do preço que lhe devia, pelo que sempre lhe assistia a possibilidade de não cumprimento de obrigação sua. Por impugnação, direta e motivada, pôs em causa a veracidade de factos alegados pela Embargante, apresentou uma diversa versão dos factos da constante da petição inicial e pôs em causa o efeito jurídico que a Embargante se propunha obter nos embargos. Concluiu, assim, pela improcedência destes. 4.- Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar; fixado em € 12.496,04 o valor da causa; fixado o objeto do litígio; e enunciados os temas da prova, o que não mereceu reclamação das partes. 5.- Teve lugar a audiência de discussão e julgamento. 6.- Foi proferida sentença, julgando os embargos improcedentes. 7.- Inconformada com esta decisão, dela veio a Embargante interpor o presente recurso, pugnando pela sua absolvição do pedido exequendo ou, pelo menos, a redução de € 2.500,00, acrescida dos respetivos juros. Para tanto, formulou as seguintes conclusões: 1.- A decisão recorrida, salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, padeceu de erros na avaliação da prova produzida, conduzindo necessariamente a pontuais conclusões diversas do que efetivamente resulta das inquirições, documentos e peritagens juntas aos autos, concluindo assim por um quadro factual que não condiz devidamente com a densidade das consequências gravosas para a ora recorrente do negócio que celebrou com a recorrida. 2.- De todo o modo, igualmente se diga, que as conclusões tidas de Direito – mesmo que considerando a prova produzida – não se nos afiguram adequadas, decidindo o Tribunal a quo sem a melhor aplicação do regime jurídico da resolução, que nos presentes autos fora devida e fundadamente efetuada. 3.- No que à matéria de facto diz respeito, impõe-se desde logo que quanto aos factos considerados como provados, sem prejuízo da introdução de factos novos como infra se referirá, apenas consideramos não resultarem da prova produzida os factos melhor identificados como factos o), q’) e r’) da lista de factos provados. 4.- Está em causa o caracter temporário ou não da troca do veículo Volvo – que é indiscutivelmente o que se acordou adquirir – pela Renault .... 5.- Atente-se desde logo a este respeito que as únicas faturas emitidas pela exequente à executada – juntas como docs. 1 e 2 com os embargos – são as referentes à venda dos bens efetivamente acordados, onde se encontra o trator Volvo e dos encargos e juros exigidos. 6.- A fatura junta como doc. 1, referindo o pesado Volvo, jamais fora sujeita a qualquer tipo de retificação, nota de crédito, anulação, isto pese embora seja igualmente aceite em uníssono entre as partes que o Renault ... dispunha dum valor €2.500,00 inferior, nunca tendo sido emitida qualquer fatura a titular a transmissão entre as sociedades daquele Renault. 7.- Note-se ainda que todas as comunicações escritas juntas aos autos, enviadas pela recorrente à recorrida, referem sempre expressamente esse incumprimento verificado na não entrega da viatura acordada: o Volvo. 8.- Importará também atentar ao que fora dito em sede de audiência de julgamento, nomeadamente o depoimento do legal representante da recorrida – vide declarações por si prestadas na audiência de discussão e julgamento de 14 de novembro de 2024, correspondente ao primeiro dos ficheiros de áudio do seu dito depoimento, devidamente disponibilizado via Citius, de minutos 00:35:38 a 00:35:48 e 00:41:18 a 00:42:08 – no qual pese embora referir que a troca era definitiva indica diferenças de valores (a Renault ... é €2.500,00 mais barata), diferenças essas que não tiveram acerto contabilístico, nem no valor peticionado na execução. 9.- Por seu turno a testemunha AA, veio, em declarações por si prestadas nos autos a 26 de setembro de 2024 e disponibilizadas em ficheiro de áudio junto ao Citius – vide de minutos 00:02:31 e 00:03:03 a 00:03:35 – onde a dita testemunha, que fora funcionário da recorrente explica os termos que conhece do negócio celebrado, explicando-os precisamente como vêm indicados pela recorrente e resultam já, igualmente, indiciados pelos documentos – e falta de outros – que se encontram juntos aos autos: o negócio entre as partes era, ademais, da compra dum trator Volvo, sendo que, pelo atraso na vinda do mesmo, fora substituído temporariamente por uma Renault .... 10.- Para mais, essa mesma testemunha – vide minutos 00:07:05 a 00:08:02 do dito ficheiro de áudio – descreve uma conversa tida diretamente com o legal representante da recorrida em que o mesmo assume esses concretos termos do negócio. 11.- Por seu turno, a testemunha BB, em declarações que prestou nos presentes autos a 26 de setembro de 2024 e disponibilizadas em ficheiro de áudio junto ao Citius, sendo funcionária da recorrente e companheira do seu legal representante – vide nomeadamente de minutos 00:08:42 a 00:09:16 e 00:09:27 a 00:09:55 – confirma precisamente o que adiantara o dito AA: a Renault ... foi emprestada em virtude do atraso da entrega do Volvo, sendo este o veículo efetivamente acordado e pretendido, pelo qual se aguardava. 12.- Igualmente, de modo pormenorizado o próprio legal representante da recorrente – declarações prestadas a 26 de setembro de 2024 e cuja gravação está disponibilizada no Citius (vide de minutos 00:07:03 a 00:08:59, 00:09:16 a 00:09:38, 00:10:21 a 00:10:37, 00:11:19 a 00:11:46 e 00:27:35 a 00:28:57) – explica os termos do negócio, o porquê de pretender aquela Volvo, que estar a ser alvo de retificações do motor e caixa, que seria uma viatura melhorada, que ocorreram atrasos na sua entrega e por isso, apenas temporariamente recebeu a Renault .... 13.- Conjugados, de todos os sobreditos depoimentos resulta com elevado grau de certeza que efetivamente o negócio inicialmente acordado de aquisição, ademais, do trator Volvo, foi o que sempre foi querido pelas partes e assim se manteve, por isso nunca houve redução do negócio (nem sequer – aí em claro ato de má-fé processual – da cobrança executiva), apenas se tendo verificado o registo, com reserva de propriedade, da Renault ... porque efetivamente para que o trabalho de transporte internacional, que obriga à existência de alvarás, fosse efetuado, era imperioso esse registo, sem o qual não havia possibilidade do empréstimo efetuado ter qualquer valência para atenuar o atraso na entrega do Volvo. 14.- Face a todo o exposto, haveria de ser eliminado da lista de factos provados o facto q’) e, por seu turno, o facto o) deveria passar a ter a seguinte redação: o) Em virtude do atraso na entrega da viatura de marca Volvo, a exequente, a título temporário, até que o Volvo fosse entregue, cedeu à executada o veículo Renault ..., o qual dispunha dum preço inferior, que se fixava em €15.000,00. 15.- Por maioria de razão, os factos da lista de factos não provados descritos como alíneas e), f), h) e m) terão que ser removidos de tal lista, ficando prejudicados pela alteração do facto o) da lista de factos provados, o qual melhor assenta na prova que efetivamente se produziu nos presentes autos. 16.- De igual modo, resulta erroneamente dado como provado que a ora recorrente tenha utilizado por três anos as viaturas vendidas e/ou cedidas pela recorrida – facto provado r’). 17.- Quanto à Renault ..., sem prejuízo de se indicar que a mesma, em virtude de atraso na entrega tenha acabado por ser vendida pela recorrente, não a usando, assim pelos ditos três anos (aliás, acabou por dela apenas fazer o uso da revenda), a verdade é que, quanto à Renault ... e respetivo semirreboque Lhor a sua utilização foi apenas na primeira viagem. 18.- Quanto a este particular indicou o legal representante da recorrente (declarações supra melhor identificadas – vide minutos 00:15:35 a 00:16:20, 00:16:39 a 00:16:47 e 00:18:05 a 00:18:30 – declarações onde resulta patente que em virtude de defeitos na Renault ... (reparada em França logo na primeira viagem) e o Semirreboque, com perdas de óleo e danos estruturais se verificou impossível a sua utilização. 19.- Por seu turno, já a testemunha AA, supra melhor identificada e nos trechos acima transcritos havia indicado que aquele conjunto: Lhor e Renault apenas havia efetuada uma só viagem, a inicial. 20.- Resulta também provado noutra factualidade devidamente considerada que naquela primeira viagem houve avarias, bem assim como inequivocamente demonstra a peritagem efetuada que a estrutura do semirreboque Lhor apresenta defeitos estruturais que impedem a sua normal utilização. 21.- Assim, é certo que não foi possível a normal utilização daquelas viaturas pelo tempo indicado, precisamente em consideração dos defeitos estruturais que as mesmas apresentavam e impediam a sua normal utilização, pelo que deverá tal facto ser eliminado da lista de factos provados identificado como r’). 22.- Quanto aos factos considerados não provados e que cremos resultar da prova produzida deverem ser considerados provados iniciaremos pela sequência indicada e atribuiremos como novas letras de acordo com a sequência já existente de factos provados. 23.- Desde logo o facto dado como não provado como facto b), até pelas declarações prestadas pelo legal representante da recorrida teria que ser considerado como provado – falamos da circunstância dos encargos e despesas bancárias não haverem sido explicadas – veja-se o depoimento por aquele prestado (no primeiro ficheiro de gravação do seu depoimento, nomeadamente minutos 00:07:23 a 00:07:35), assumindo claramente que não ocorreu uma devida explicação daqueles encargos e juros, os quais, em bom abono da verdade, o legal representante da recorrida nem tão-pouco logra explicar, apesar de assumir que foi ele próprio – que não os sabe explicar – quem os comunicou entregando depois uma fatura em que, igualmente, não se vislumbra qualquer explicação. 24.- Atentas a tais declarações, resulta-nos clara a devida eliminação de tal facto como não provado e adição aos factos provados do seguinte: s’) A exequente não explicou à executada, nem lhe apresentou uma descrição pormenorizada dos encargos bancários. 25.- Por seu turno, o facto não dado como provado descrito como alínea d) também o mesmo resulta da prova produzida, sendo certo que a recorrida tinha pleno conhecimento da necessidade para a recorrente das viaturas negociadas e de qual o destino que a recorrente lhes daria. 26.- Aliás, é incompatível inclusivamente dar como provado o conhecimento existente da finalidade dos veículos para a recorrente, como foi dado como provado na alínea g) resultando que a recorrida tinha perfeito conhecimento da atividade de transporte desenvolvida pela recorrida, criou-lhe a expectativa de que os veículos seriam entregues entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, para o transporte internacional – facto provado f) – sabia especificamente que seriam para transporte na Europa e em particular na Alemanha – facto provado m’), pelo que não poderia deixar de reconhecer a sua essencialidade para a atividade desenvolvida pela recorrente. 27.- Assim, o facto não provado descrito como alínea d) deve outrossim ser dado como provado, com essa mesma descrição, como novo facto provado como alínea t’), nos seguintes termos: t’) A exequente tinha conhecimento que os veículos acordados vender eram essenciais para o desempenho da atividade da executada. 28.- Por outro lado, foi ainda dado como não provado que a recorrente tivesse recusado trabalhos por falta de veículos, o que igualmente não se aceita, para mais considerando que está amplamente demonstrado – e dado como provado – que os veículos acordados vender, sobretudo o Volvo e semirreboque Lhor tinham como finalidade o transporte internacional de carros oriundos da Alemanha, que seria valência nova da sociedade comercial recorrente. 29.- Naturalmente, desprovido das viaturas – que sofreram atrasos na entrega (a Volvo nunca veio) e vieram ainda defeituosas – a recorrente não poderia exercer aquela atividade. 30.- Veja-se o que referiu a testemunha AA, supra melhor identificada (vide depoimentos prestados de minutos 00:08:53 a 00:09:05), bem como a testemunha BB, supra melhor identificada, (vide depoimentos prestados de minutos 00:03:33 a 00:04:05), os quais com conhecimento direto dos factos, sendo funcionários da recorrente, atestam essas falhas e até a deficiente situação económica em que se encontra a recorrente, imputando-a à falta das viaturas, que ainda assim foram pagos na sua maioria. 31.- Impõe-se, pois, que seja dado como provado – eliminando-se o facto g) dos factos não provados – e indicando-se outrossim o seguinte como facto provado: u’) A executada em virtude dos atrasos na entrega das viaturas, bem assim como pelos vícios que padeciam a Renault ... e o Semirreboque Lhor viu-se impedida de exercer a atividade de transporte internacional de viaturas. 32.- O ponto que se segue do escrutínio da decisão de facto proferida prende-se com as patologias das viaturas e a sua comunicação, sendo que a generalidade dos factos dados como não provados nas alíneas j) a a’) dos factos não provados, pese embora não com a sua precisa redação, deveriam outrossim ser dados como provados. 33.- Na verdade, foi perfeitamente percetível que a viatura Renault ... (quer se diga que foi cedida temporariamente ou definitivamente) foi transmitida padecendo de vários vícios. 34.- Não podemos olvidar que a recorrida é uma sociedade comercial que compra e vende precisamente aquelas viaturas pesadas, tendo perfeito conhecimento das mesmas e sociedades associadas que se dedicam à verificação e reparação dessas viaturas (vide a mencionada C...), sendo uma entidade especializada, com conhecimentos diferenciados que bem conhecia ou tinha obrigação de conhecer e, sendo o caso, colocar reservas no bem que estavam a ceder. 35.- As faturas de reparações juntas como docs. 6 e 8 com os embargos são ilustrativas desses defeitos e necessidade de reparação que se sucedeu de modo imediato. 36.- Ademais, quanto ao semirreboque Lhor, ademais das questões hidráulicas que foram sujeitas a – digamos parcial – reparação pela recorrida, por intermédio da OTC3, é igualmente certo, desde logo pelo relatório pericial junto aos autos que o mesmo padece de vícios estruturais, concluindo-se que sem intervenções profundas de alteração e melhoria não apresentam condições de segurança para circular na via pública, muito menos para o exercício da sua normal funcionalidade!!! 37.- Notando-se ainda que o relatório denota a ausência dos manípulos de semirreboque, precisamente como vem indicado pela recorrente, que os mesmos haviam sido removidos pela recorrida e não mais colocados. 38.- Ademais, é ainda evidente que os mesmos foram sendo reclamados e foram sendo procuradas soluções para que um negócio que se demonstrou ruinoso para a recorrente pudesse ainda ter alguma salvação. 39.- O legal representante da recorrida, pese embora o seu discurso desculpabilizante, não deixa de – quase despropositadamente – assumir que tomou conhecimento desses vários defeitos, referindo-se até, como certo aborrecimento, ao facto de lhe serem apresentados vários defeitos, mais assumindo que inclusivamente procurou obter uma solução para as reclamações, as quais passavam em parte por vender por €30.000,00 uma semirreboque que assumiu que o preço de venda – que efetivamente vendeu – seria de €47.000,00 (aplicando assim um desconto de €17.000,00 – superior ao valor da execução) – vide a este respeito as declarações prestadas e constantes do segundo ficheiro da inquirição do legal representante da recorrida de minutos 00:38:57 a 00:39:30 e 01:06:57 a 01:07:15. 40.- Por seu turno, a testemunha CC (funcionário da recorrida), inquirida a 21 de janeiro de 2025 – cuja gravação se encontra disponibilizada no Citius – versa sobre as reuniões várias tidas entre as partes indicando que seriam várias por semana – vide minutos 00:25:47. 41.- Ademais o legal representante da recorrente (declarações supra melhor identificadas – vide minutos 00:26:39 a 00:27:04) indicou que foi pagando a maioria das prestações, apenas suspendendo os pagamentos após concluir pela total impossibilidade de os prosseguir em virtude dos reiterados incumprimentos da recorrida. 42.- Assim, ficou claramente demonstrado que, não tendo chegado a ser cumprido o negócio inicial – de venda da Volvo – o veículo que se cedeu (quer se entenda temporária, como definitivamente) padeceu de vícios que eram desconhecidos do recorrente e que a recorrida tinha obrigação de conhecer, sendo ademais certo que o semirreboque Lhor esse sim apresentava vícios absolutamente incompatíveis com qualquer utilização. 43.- Mais se demonstrando que entre as partes ocorreram infindáveis reuniões e que o legal representante foi tendo conhecimento desses vários defeitos que lhe eram relatados, assim o assumindo, mesmo que escolhendo ignora-los ou desvaloriza-los. 44.- Aqui chegados, os factos descritos como alíneas j), l), o), p) q), s) a a’) dos factos não provados devem ser eliminados de tal lista e, em contrapartida, deverão ser dados como provados os seguintes factos: v’) O Renault ... cedido pela exequente à executada padecia de vícios que originaram, nomeadamente, as reparações descritas em r), s), t) e a’); x’) O semirreboque Lhor, ademais das perdas de óleo verificadas, não apresenta a segurança necessária para circular na via pública, nem executar a função a que se destina, havendo a possibilidade de transbordo de carga; z’) Para ter condições de funcionamento o dito semirreboque necessitaria de intervenções profundas de alteração e melhoria; a’’) A peça das manetes fui desmontada pela oficina C..., sociedade comercial do mesmo grupo comercial da exequente, não mais tendo sido montada, não tendo o reboque tal peça; b’’) Ocorreram entre os legais representantes das partes várias reuniões presenciais onde foram dadas a conhecer pela executada à exequente os vários defeitos dos mencionados veículos. 45.- Atenta a realidade factual supra vejamos a sua subsunção ao Direito, sendo que o que está aqui em causa não é meramente uma reclamação de bem defeituoso, como de forma que cremos excessivamente redutora foi considerado pelo Tribunal a quo. 46.- Estamos outrossim perante o incumprimento reiterado e definitivo do núcleo basilar do acordo celebrado entre as partes. 47.- Claro que em torno do negócio celebrado houve motivação para reclamações, tendo as mesmas sido feitas e até – veja-se nomeadamente em relação ao semirreboque Lhor – chegaram a ser parcialmente atendidas e efetuadas reparações (embora manifestamente insuficientes para a extensão dos danos), porém a verdade é que apenas o segmento do negócio relacionado com a venda da Renault ... – o que representava uma parte menor do negócio celebrado – foi minimamente cumprido, mas com mora. 48.- A venda acordada do trator Volvo nunca foi efetivada e o veículo temporário entregue (Renault ...) apresentou defeitos e o semirreboque Lhor, como indiscutivelmente se verifica da peritagem efetuada, mesmo após as reclamações e reparação apresenta-se sem as mínimas condições de segurança para circular na vida pública, muito menos as tendo para as suas normais funções. 49.- Perante o exposto, após várias reuniões e tentativas de resolução amigável, enquanto a recorrente continuava a efetuar os pagamentos das prestações acordadas (mas sem beneficiar dos bens que mais importância para si tinham) comunicou com a recorrida e resolveu o contrato celebrado. 50.- Resolução essa que assenta no culposo, reiterado e gravoso incumprimento contratual da recorrida, culminando em graves consequências para a recorrente, que sendo uma empresa que se dedica ao transporte de veículos e efetuou um investimento para o fazer, foi pagando a maioria dos valores acordados (pagou pelo menos €34.300,00) sem que nunca chegasse a ter condições de exercer devidamente a sua atividade. 51.- Após o não cumprimento do acordado: a recorrida não entregou os veículos à data estipulada, nem sequer entregou os veículos acordados e, pior, entregou o veículo temporário e respetivo semirreboque defeituosos, que necessitaram de reparações mecânicas pouco tempo depois da sua entrega, o último sendo absolutamente inapto para circular em segurança. 52.- Saliente-se que, à data de 05.05.2022, ou seja, um ano e três meses após o inicio dos pagamentos da recorrente à recorrida, a primeira já tinha pago à última o montante de €34.300,00 (atente-se no preço dos veículos) através dos cheques melhor identificados na lista de factos provados. 53.- Considerada a resolução legitimamente operada a obrigação que estava subjacente ao pagamento de tais cheques extinguiu-se, sendo certo que, quando foram dados á execução tais cheques, essa obrigação, já não subsistia, não existindo qualquer contrato entre exequente e executada quando a execução foi instaurada, pelo que teria sempre a recorrente de ser absolvida do seu pagamento. 54.- Assim não entendendo, atenta a factualidade dada como provada, haveria de considerar-se anulado por erro ou dolo o negócio celebrado entre as partes, de acordo com o previsto no Art.º 905.º “ex vi” Art.º 913.º n.º 1 do C.C., porquanto efetivamente nas circunstancias posteriormente conhecidas não haveria a recorrente de celebrar aquele contrato, sendo certo que a recorrida sabia da essencialidade dos veículos e o destino que teriam, o qual não se coaduna com o estado dos mesmos. 55.- Ainda que assim não se entendesse, sempre seria legítimo o não pagamento pela recorrente à recorrida de acordo com a exceção de não cumprimento, motivada pelo incumprimento do contrato pela recorrida. 56.- Em todo o caso, não existe dívida subjacente aos cheques dados – ilicitamente – a pagamento, pelo que deve a Sentença proferida ser revoga e substituída por uma outra que absolva a recorrente da execução. 57.- Diga-se ainda que, caso assim não se entendesse e fosse outrossim considerado que o veículo Renault ... fosse substituído definitivamente, considerada a confessada diferença de valores entre os veículos Volvo e o sobredito, teria, pelo menos de ser corrigido o valor da execução deduzindo-lhe o valor de €2.500,00 de capital e respetivos juros. 58.- A Sentença Recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, ademais os artigos 289º., 433º., 434º., 798º., 199º., 913º., todos do Código Civil. 8.- Respondeu a Embargada ao recurso, concluindo pela sua improcedência e pela confirmação da sentença recorrida. 9.- O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e assim recebido nesta Relação, que o considerou corretamente admitido e com o efeito legalmente previsto. 10.- Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. *** II.- Das questões a decidirO âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente. Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC). Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes: i.- da impugnação da decisão da matéria de facto; ii.- da resolução do negócio pela Apelante; iii.- da caducidade do direito da Apelante; iv.- da redução do valor da execução. *** III.- Da Fundamentação……………………………… ……………………………… ……………………………… .- Factos provados 1.- A exequente é portadora dos seguintes cheques cruzados emitidos e entregues pela executada: .- no valor de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros), sacado sobre a conta nº ..., titulada pela executada, com data de emissão de 5 de Agosto de 2022, o qual, apresentado a pagamento, veio devolvido com a menção “Devolvido na compensação de Lisboa (…) Motivo: falta de provisão” em 8 de Agosto de 2022; .- no valor de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros), sacado sobre a conta nº ..., titulada pela executada, com data de emissão de 5 de Setembro de 2022, o qual, apresentado a pagamento, veio devolvido com a menção “Devolvido na compensação de Lisboa (…) Motivo: falta de provisão” em 6 de Setembro de 2022; .- no valor de € 4.884,00 (quatro mil e oitocentos e oitenta e quatro euros), sacado sobre a conta nº ..., titulada pela executada, com data de emissão de 15 de Setembro de 2022, o qual, apresentado a pagamento, veio devolvido com a menção “Devolvido na compensação de Lisboa (…) Motivo: falta de provisão” em 16 de Setembro de 2022; .- no valor de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros), sacado sobre a conta nº ..., titulada pela executada, com data de emissão de 15 de Outubro de 2022, o qual, apresentado a pagamento, veio devolvido com a menção “Devolvido na compensação de Lisboa (…) Motivo: falta de provisão” em 18 de Outubro de 2022; 2.- À data de 28 de Novembro de 2020, a exequente acordou vender à executada um veículo de transporte de mercadorias da marca Volvo (€ 17.500,00), um semirreboque de carga LOHR (€ 17.500,00) e um veículo semi-ligeiro de transporte de mercadorias da marca Renault ... e semirreboque (€ 11.500,00). 3.- Ao preço de venda acresciam encargos bancários no montante de € 12.108,00 (doze mil e cento e oito euros), atendendo a que os cheques eram pré-datados e, ainda, juros. 4.- O valor de cada um dos cheques dados à execução inclui os encargos bancários e juros e há cheques que vieram a ser “desdobrados”. 5.- Foi acordado entre exequente e executada que aquela entregaria os veículos e semirreboques a esta até Dezembro de 2020/Janeiro de 2021 e, após a entrega, a executada iniciaria os pagamentos através dos cheques. 6.- A exequente criou na executada a expectativa que esta teria, até àquela data, os veículos e respetivos semirreboques, para o desempenho do exercício da sua atividade e poderia realizar deslocações internacionais de transporte de mercadorias. 7.- A exequente tinha conhecimento e sabia que uma das atividades do objeto social da executada era o transporte rodoviário de mercadorias. 8- A exequente tinha conhecimento que aqueles veículos eram essenciais ao desempenho da atividade da executada. 9.- Em 2 de Novembro de 2022, a ora executada requereu a notificação judicial avulsa da ora exequente, com a Ref.ª 43748867 e que, sob o nº …, correu termos no Juízo Local Cível de Santo Tirso – Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, na qual pediu que ora exequente fosse notificada para, no prazo de quinze dias, pagar a quantia de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros) sob pena de a requerente propor a respetiva ação principal. 10.- O sócio gerente da exequente foi notificado de tal requerimento no dia 11 de Novembro de 2022. 11.- A ação executiva de que os presentes embargos de executado são apenso deu entrada no dia 15 de Novembro de 2022. 12.- Foi acordado verbalmente o modo de pagamento dos veículos, tendo a ora executada iniciado os pagamentos acordados em prestações através dos seguintes cheques pré-datados: .- cheque nº ... para o dia 05/02/2021, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque nº ... para o dia 05/03/2021, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque nº ... para o dia 05/04/2021, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque nº ... para o dia 05/05/2021, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque nº ... para o dia 05/06/2021, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque nº ... para o dia 05/07/2021, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque nº ... para o dia 05/08/2021, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque nº ... para o dia 05/09/2021, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque nº ... para o dia 05/10/2021, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque nº ... para o dia 05/11/2021, que veio a ser desdobrado em três cheques: .- cheque nº ... para o dia 05/12/2021, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque nº ... para o dia 05/01/2022, no montante de € 2.422,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque nº ... para o dia 11/01/2022, no montante de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros); .- cheque nº ... para o dia 05/02/2022, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros); .- cheque para o dia 11/02/2022, no montante de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros); .- cheque nº ... para o dia 05/03/2022, que foi trocado por um outro cheque para o dia 31/03/2022; .- cheque nº ... para o dia 11/02/2022, no montante de € 850,00 (oitocentos e cinquenta euros); .- cheque nº ... para o dia 05/04/2022, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros), os quais vieram a ser pagos à exequente; .- cheques pré-datados, no montante de € 12.210,00 (doze mil e duzentos e dez euros) à data de 30/03/2021, 30/06/2021 e 30/09/2021, desdobrados em cinco, no montante de € 2.442,00 (dois mil e quatrocentos e quarenta e dois euros) cada. 13.- Em Dezembro de 2020, a exequente ainda não havia procedido à entrega dos veículos e semirreboques à executada. 14.- A exequente procedeu à entrega à ora executada de um veículo Renault ... e respetivo semirreboque e de um veículo Renault .... 15.- A executada adquiriu à exequente o veículo pesado de mercadorias da marca Renault, modelo ..., com anterior matrícula francesa, pelo preço de €15.000,00 (quinze mil euros), em substituição do Volvo. 16.- O certificado de matrícula do veículo Renault ... foi emitido a favor da ora executada em 27 de Julho de 2021. 17.- A exequente procedeu à transferência de propriedade do Renault ... a favor da ora executada, tendo constituído uma reserva de propriedade a seu favor. 18.- O veículo Renault ... avariou em França em 18 de Outubro de 2021, durante o transporte de mercadorias; 19.- Tendo rebentado o compressor do ar condicionado. 20.- Após a avaria, o veículo Renault foi sujeito a reparação mecânica na oficina D..., sita em AV ..., ..., ..., France, na qual a executada pagou o montante de € 2.262,75. 21.- A exequente comunicou à executada em data não concretamente apurada de 2021 que o veículo Volvo ainda se encontrava numa oficina em ... denominada E... Lda., a ser reparado. 22.- Em data não concretamente apurada do ano de 2021 a exequente entregou o semirreboque da marca Lohr – matrícula SE-.... à ora executada. 23.- Na primeira viagem que a executada fez com o tal semirreboque à Alemanha em Outubro de 2021, o semirreboque começou a verter óleo e teve de ser sujeito a reparação mecânica que veio a ocorrer nas instalações da C... Lda., cujo socio gerente é o mesmo da ora exequente. 24.- O sócio gerente da executada enviou à ora exequente a carta registada com aviso de receção datada de 8 de Fevereiro de 2022, com o número de registo ......, da qual consta o seguinte: “(…) em face do V/ grave, culposo e reiterado incumprimento, somos a comunicar que resolvemos o contrato celebrado em 28.11.2020, que face ao trás descrito abrange as prestações que já efetuamos.”; 25’.- Em 24 de Março de 2022, aos 965.489 quilómetros, o veículo Renault ... avariou, tendo sido necessário proceder a reparação relacionada com o ar condicionado, a qual veio a ser efetuada na F..., S.A., sita na Rua ..., ... Porto e teve um custo no montante de € 883,93 (oitocentos e oitenta e três euros e noventa e três cêntimos). 26’.- A ora executada enviou à exequente a carta registada com aviso de receção datada de 3 de Maio de 2022, que enviou no dia 4 de Maio de 2022 com o número de registo ......, da qual consta o seguinte: “Assim, não só estamos impossibilitados de exercer essa atividade como não podemos estar a pagar uma prestação de algo que não estamos a usufruir, ou seja, quando V/ Exas não cumprem a Vossa. Deste modo damos aqui novamente por reproduzido o teor da comunicação anterior que V/enviamos, bem como a informar que iremos proceder ao cancelamento dos cheques do Banco 1... que V/ foram entregues.”; 27.- A ora executada enviou ao Banco 1... - Agência ..., a carta registada com aviso de receção datada de 9 de Maio de 2022, com o número de registo ......, solicitando o cancelamento dos cheques agora dados à execução e outros. 28.- Em dia não concretamente apurada de Maio de 2022, ocorreu uma reunião entre o sócio gerente da exequente e da ora executada. 29.- Na sequência de tal reunião, a exequente sugeriu à executada a aquisição de um outro trator, denominado camião “...” pelo preço de € 40.000,00 (quarenta mil euros) e a aquisição de um outro semirreboque Lohr, pelo preço de € 30.000,00 (trinta mil euros). 30.- Para tal semirreboque ter o custo de € 30.000,00 (trinta mil euros), o sócio gerente da executada teria de ir à Holanda a fim de trazer o mesmo, caso contrário, o preço deste seria de € 33.000,00 (trinta e três mil euros); 31.- O sócio gerente da executada deslocou-se à Holanda e transportou aquele semirreboque para Portugal em 9 de Agosto de 2022; 32.- Tal semirreboque, modelo ..., tinha a matrícula islandesa com o número .... 33.- O semirreboque Lohr com matrícula islandesa tinha uma estrutura diferente do outro semirreboque Lohr, que não permitia que ficasse atrelado ao trator Renault ...; 34.- A exequente adaptou o kit do trator Renault ... ao semirreboque islandês. 35.- A exequente em 12 de Agosto de 2022, procedeu à emissão da fatura nº ..., no montante de € 453,22 (quatrocentos e cinquenta e três euros e vinte e dois cêntimos) a favor da executada. 36.- A exequente sabia que o semirreboque era para a ora executada trabalhar na Europa, nomeadamente na Alemanha. 37.- A exequente solicitou junto do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, L.P. – IMT -, a inspeção daquele reboque para efeitos de atribuição de matrícula portuguesa, o que veio a ocorrer à data de 25 de Maio de 2022, sendo que, agora, aquele reboque islandês, tem a matricula portuguesa P..... 38.- No certificado de matrícula daquele semirreboque, consta na categoria “semi-reboque”. 39.- Atualmente, os reboques Lohr não podem circular na via pública e estão parados e guardados no armazém da executada; 40.- O semirreboque Lhor, além das perdas de óleo verificadas, não apresenta a segurança necessária para circular na via pública, nem executar a função a que se destina, havendo a possibilidade de transbordo de carga; 41.- Para ter condições de funcionamento o dito semirreboque necessitaria de intervenções profundas de alteração e melhoria; 42.- A peça das manetes foi desmontada pela oficina C..., sociedade comercial do mesmo grupo comercial da exequente, não mais tendo sido montada, não tendo o reboque tal peça; 43.- Ocorreram entre os legais representantes das partes várias reuniões presenciais onde foram dadas a conhecer pela executada à exequente as avarias e problemas de funcionamento dos mencionados veículos. *** .- Factos não provadosa.- Que os juros ascendessem ao montante de cerca de € 990,00. b.- Que a exequente não tivesse explicado à executada, nem lhe tivesse apresentado uma descrição pormenorizada dos encargos bancários. c.- que tivesse sido acordado entre exequente e executada que a entrega dos veículos seria na morada da executada. d.- Que a ora exequente tivesse alterado unilateralmente o acordado com a executada ou que a entrega do Renault ... tivesse ocorrido sem o acordo da ora executada. e.- Que o veículo pesado de mercadorias da marca Renault, modelo ..., tivesse 960768 quilómetros ou que a aquisição do mesmo tivesse sido a título temporário ou até o Volvo estar em condições de circulação; f.- Que a ora executada tivesse recusado quaisquer trabalhos por falta de veículos para efetuar transportes de mercadorias. g.- Que a ora executada tivesse sido obrigada a aceitar o veículo Renault ... em substituição do Volvo. h.- Que a avaria do Renault ... tivesse ocorrido ao quilómetro .... i.- Que o sócio-gerente da executada antes de efetuar a reparação tivesse comunicado o sucedido à exequente ou que esta tivesse dito que aquele mandasse proceder à reparação, ou que posteriormente acertariam contas. j.- Que a exequente tivesse induzido em erro a executada, ou que lhe tivesse prometido que o veículo Volvo lhe seria entregue. k.- Que a entrega do semirreboque da marca Lohr – matrícula SE-.... tivesse ocorrido em 18 de Outubro de 2021. l.- Que em Fevereiro de 2022 o sócio gerente da executada tivesse levado o veículo a uma oficina de reparações especializada em reboques e porta carros para efetuar um “check up”, ou que tivesse sido constatado que aquele semirreboque tem a estrutura empenada, falta de segurança, tem buracos de ferrugem e está mal montado, sendo necessário 3/4 meses para esta reparação e teria um custo, entre € 8.000,00 (oito mil euros) a € 10.000,00 (dez mil euros). m.- Que a carta registada com aviso de receção com o número de registo ...... seja datada do dia 3 de Fevereiro de 2022. n.- Que o sócio gerente da exequente DD tivesse telefonado ao sócio gerente da executada dizendo que já tinha a peça de substituição - distribuidor para o semirreboque - ou que, apesar de ter reparado o distribuidor não o tivesse colocado, ou que o tivesse deixado dentro de uma caixa dizendo para a executada o colocar. o.- Que tivesse sido acordado entre exequente e executada que o semirreboque islandês tivesse que ter uma estrutura igual ao outro Lhor para ser atrelado àquele trator Renault .... p.- Que a exequente tenha conhecimento que com as dimensões do semirreboque não seja possível a circulação no continente europeu. q.- Que tal semirreboque não tenha as dimensões legais para poder circular na via pública ou que esse semirreboque conjuntamente com o trator, tenha dezassete metros de comprimento. r.- Que o Renault ... tenha atualmente 977.705 quilómetros, que a executada tivesse realizado apenas cerca de seis viagens na Europa ou que o mesmo tenha atualmente o valor de mercado de cerca de € 7.000,00 (sete mil euros); que o semirreboque de matrícula P.... tivesse feito uma outra viagem de Portugal/Alemanha e vice-versa, ou que tem um valor de mercado, presentemente, na Holanda, de € 15.000,00 (quinze mil euros). s.- Que aquando da substituição do veículo Volvo pelo veículo Renault as partes tivessem acordado manter o preço. t.- A substituição do veículo Volvo pelo veículo Renault foi solicitada pela executada depois de ver o referido veículo estacionado nas instalações da exequente e por se encontrar disponível de imediato; u.- Que a embargante tenha utilizado os veículos durante três anos. *** 2.- Do enquadramento jurídico dos factos Começaremos, no sentido de delimitar o objeto do recurso àquilo que nele verdadeiramente importa decidir, por dizer o seguinte. A Apelante sustenta o seu recurso, entre o mais, por um lado, nos vícios do erro ou do dolo como fundamento da anulação do negócio celebrado com a Apelada; por outro lado, na exceção do não cumprimento do contrato com base no incumprimento desta. Trata-se, contudo, de questões cujo conhecimento nos está vedado no âmbito deste recurso. Com efeito, o recurso, em si mesmo considerado, é um mecanismo processual com o qual se visa a reapreciação, por um tribunal de hierarquia superior, de uma decisão proferida por um tribunal de hierarquia inferior. Exige, assim, “por definição (…) uma prévia decisão desfavorável, incidente sobre uma pretensão colocada pelo recorrente perante o Tribunal recorrido”, na certeza de que “[s]ó se recorre de uma decisão que analisou uma questão colocada pela parte e a decidiu em sentido contrário ao pretendido” (v., neste sentido, Acórdão da Relação de Guimarães de 08-11-2018, proferido no processo 212/16.5T8PTL.G1, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt; v., também, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 07-04-2015, no processo n.º 3468/03 e de 08-10-2020, no processo n.º 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1 e da Relação de Coimbra de 22-10-2013, no processo n.º 221/12.3TBTMR-A.C1, todos disponíveis no mesmo local). Só assim não será, de acordo com o mesmo aresto, em se tratando de questões de conhecimento oficioso, relativamente às quais tem o tribunal superior o dever de as conhecer. Mas tal não sendo o caso, não pode haver apreciação da “questão nova” por “pura ausência de objecto”, tanto mais que, “em bom rigor, não existe decisão de que recorrer”. Ora, quer a anulação do negócio celebrado entre a Apelante e a Apelada fundada em erro ou dolo, quer a exceção de não cumprimento do contrato não foram suscitadas pela Apelante no seu articulado inicial, nem noutro. Não sendo assim suscitadas, não integraram os fundamentos dos presentes embargos, pelo que também não foram apreciados na sentença recorrida. E não tendo sido apreciados na sentença recorrida, a sua invocação em sede de recurso mais não constitui do que uma questão nova, que, pela razões acima expendidas, nele não pode ser conhecida. Isto, ademais por se tratar de questões que não são do conhecimento oficioso do tribunal. Quanto à anulação por erro ou dolo por se tratar do vício da anulabilidade (v. art.ºs 247.º, 251.º e 254.º, n.º 1 do Código Civil), para cuja arguição só têm legitimidade as pessoas em cujo interesse a lei a estabelece (art.º 287.º, n.º 1 do Código Civil). Quanto à exceção de não cumprimento do contrato, por se tratar, como referido no Acórdão da Relação de Guimarães de 21-03-2024, de exceção perentória “de natureza disponível e [que] por isso não é de conhecimento oficioso, devendo a respectiva factualidade integradora ser alegada na contestação, sob pena de preclusão” (Acórdão proferido no processo n.º 3158/22.4T8VCT.G1, relatado por Carla Oliveira, citando o Acórdão do STJ de 22-11-2018, relatado, por sua vez, por Bernardo Domingos). Em suma, estamos perante questões novas e questões novas que não são do conhecimento oficioso, pelo que, neste recurso, não há como conhecê-las. Debrucemo-nos, pois, perante aquele que é o fundamento nuclear do recurso, a saber: a resolução, pela Apelante, do negócio que celebrou com a Apelada. * 2.1.- Da resolução do negócio pela Apelante A Apelante pretende a extinção da execução com fundamento na resolução da relação negocial estabelecida com a Apelada, resolução essa que fez operar por via da carta referida no facto provado n.º 24. O direito de resolução, cujo regime está previsto nos art.ºs 432.º a 436.º do CC, é um direito potestativo de extinguir um contrato. Pode fazer-se, de acordo com o n.º 1 do art.º 436.º do CC, mediante declaração à outra parte, o mesmo é dizer que pode operar por simples comunicação extrajudicial, comunicação essa que, por força do princípio da liberdade de forma previsto no art.º 219.º do CC, poderá ser feita de forma verbal. Enquanto direito potestativo extintivo, configura, como referia Vaz Serra, um “ato jurídico unilateral que opera através de uma decisão de um dos contraentes e que não carece (nem fica sujeita ao) consentimento da contraparte” (in Resolução do Contrato – Trabalhos Preparatórios do Código Civil, BMJ, n.º 68, 1957, p. 236). Uma vez operada, e a menos que tal contrarie a vontade das partes ou a sua finalidade, tem, nos termos do n.º 1 do art.º 434.º, efeito retroativo, o mesmo é dizer que implica a destruição do contrato. A resolução é admitida, de harmonia com o n.º 1 do art.º 432.º do CC, se fundada na lei ou em convenção, ou seja, só pode operar se a parte que pretenda pôr termos ao contrato tiver fundamento para tal. Como se refere no Acórdão do STJ de 09-11-1999, “[a] resolução, seja fundada na lei, seja fundada na convenção das partes, nunca é ad nutum, é sempre motivada, isto é, só está legitimada desde que demonstrados o fundamento legal ou o evento erigido pelas partes em causa de resolução” (apud Abílio Neto, in Contratos Comerciais, Ediforum, Lisboa, 2004, p. 148). O fundamento da resolução é o incumprimento do contrato, ou seja, como refere Menezes Leitão, “a não realização da prestação devida, por causa imputável ao devedor, sem que se verifique qualquer causa de extinção da obrigação”, definição esta que surge por contraposição com a definição de cumprimento prevista no art.º 762.º, n.º 1 do CC – o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (in Direito das Obrigações, Volume II, p. 223 e seguintes). Esse incumprimento tem de ser o incumprimento definitivo de uma das partes contratantes e não a simples mora. Perante uma falta contratual de algum dos contratantes, o outro só poderá validamente pôr termo ao contrato celebrado a partir do momento em que essa falta traduza um incumprimento definitivo, não bastando para o efeito que tal falta represente a mora do incumpridor. O incumprimento definitivo pode advir, em geral, de uma de cinco formas diferentes. A primeira é aquela em que, não cumprindo o devedor a prestação em tempo oportuno e, portanto, verificada a mora deste, o credor, tendo interesse legítimo em pôr termo ao vínculo contratual, pode, nos termos do n.º 1 do art.º 808.º do CC, fixar ao devedor um prazo para que este satisfaça a prestação em falta, sob pena de considerar definitivamente não cumprida a obrigação. Trata-se aqui da denominada interpelação ou intimação admonitória, com a qual, como refere Antunes Varela, se concede “ao devedor uma derradeira possibilidade de manter o contrato (e de não ter, além do mais, que restituir a contraprestação que eventualmente tenha já recebido)”, mediante a fixação de “uma dilação razoável, em vista dessa finalidade”, no que se afirma “um ónus imposto ao credor que pretenda converter a mora em não cumprimento definitivo” (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, Coimbra, 1992, p. 123 e 124). Uma outra forma passa pela situação em que há mora do faltoso, mas essa mora acarretou, por força das circunstâncias, objetivamente consideradas, a perda do interesse do credor na satisfação da prestação pela contraparte – v. os n.ºs 1 e 2 do art.º 808.º do CC. Abrange-se aqui os casos em que o retardamento do cumprimento da prestação retira ao credor qualquer interesse em que ainda venha a ser prestada ulteriormente. Não é suficiente, contudo, como também refere Antunes Varela, “uma perda subjetiva de interesse na prestação”, pois que, como decorre do n.º 2 do art.º 808.º do CC, impõe-se que “essa perda de interesse transpareça numa apreciação objectiva da situação” (ibidem, p. 122). Significa isto, como refere Baptista Machado, “que o credor não deve rejeitar a prestação a seu bel-prazer, mas apenas com fundamento em interesses ou motivos dignos de tutela” (in Obra Dispersa, I, p. 151, apud Acórdão do STJ de 20-05-2015, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt). Na aferição da perda objetiva de interesse do credor decorrente da mora do devedor deve-se, assim, como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 29-01-2013, considerar o valor da prestação em falta “em função das utilidades que a prestação teria para aquele, tendo em conta, a justificá-lo, um critério de razoabilidade comummente aceite na devida correspondência com a realidade das coisas, isto é, tendo em atenção elementos capazes de serem valorados pela generalidade das pessoas, evitando-se que o devedor fique sujeito aos caprichos do devedor”. Não há, por conseguinte, perda objetiva de interesse relevante nos casos de “mera mudança de vontade do credor”, ou em que há “invocação de um motivo que embora o mesmo repute de fundado, não o é em termos razoabilidade numa apreciação objetiva da situação, sempre se impondo o necessário atendimento das circunstâncias do caso concreto, nomeadamente da conduta do devedor até então, se conducente a uma fundamentada e razoável dúvida sobre a atuação futura do obrigado no respeitante ao cumprimento da prestação, conforme o acordado” (Acórdão proferido no processo n.º 3350/07.1TBOER.L2-7, disponível na internet, no sítio acima referido; v., ainda, porque citados no mesmo Acórdão, os Acórdãos do STJ de 20-03-2004, de 08-06-2006 e de 22-09-2005, disponíveis no mesmo local). Outra situação em que a falta contratual redunda num incumprimento definitivo é aquela em que, no próprio contrato, se estabeleceu um termo certo comummente designado “essencial”. Será o caso em que as próprias partes contratantes, aquando do contrato, estabeleceram que o contrato deveria ser cumprido num determinado prazo, sob pena de, não o sendo, o contrato ter-se por definitivamente não cumprido, porque violada a essencialidade do termo. A quarta situação suscetível de gerar a resolução do contrato é aquela em que se verifica uma impossibilidade de cumprimento da prestação, seja ela objetiva - por facto não imputável ao credor (art.º 790.º, n.º 1 do Código Civil) -, ou subjetiva - por facto relativo à pessoa do devedor (art.º 791.º do Código Civil). Finalmente, o incumprimento do contrato que legitima a resolução também pode advir da recusa perentória do devedor em cumprir o contrato ou da sua declaração de que não o pode cumprir. Trata-se daquelas situações em que o inadimplemento do contrato não afasta a possibilidade do seu cumprimento, por não se verificar qualquer uma das situações acima referidas, mas em que o devedor adota um comportamento do qual se depreende claramente que não o quer cumprir ou que entende que não o pode fazer. Como se referiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-01-2012 (disponível na internet, no sítio supra referenciado) “uma das situações que tipificam o não cumprimento do contrato é a declaração, expressa ou tácita, do devedor de não querer ou não poder cumprir, equiparada pela doutrina e jurisprudência à falta definitiva de cumprimento”. Segundo o mesmo aresto (citando o referido no acórdão do mesmo tribunal de 20-05-2010), “quando o devedor toma atitudes ou comportamentos que revelem inequivocamente a intenção de não cumprir a prestação a que se obrigou, porque não quer ou não pode, o credor não tem de esperar pelo vencimento da obrigação (se ainda não ocorreu), não tem de alegar e provar a perda de interesse na prestação do devedor, nem o tem de interpelar admonitoriamente, para ter por não cumprida a obrigação”. Nesses casos, o comportamento do devedor basta para que se considere o contrato definitivamente não cumprido, estando então aberta a porta para que, além do mais, o credor possa pôr termo ao contrato, também ele, por resolução. No caso, antes de se avaliar se a resolução da Apelante foi juridicamente operante, importa tecer as seguintes considerações sobre a concreta relação negocial que esta estabeleceu com a Apelada. Está em causa, como resulta da factualidade apurada, uma relação contratual de compra e venda, no âmbito da qual ambas acordaram, a Apelada vender à Apelante e esta, mediante o pagamento de um preço, comprar àquela: (i) um veículo de transporte de mercadorias da marca Volvo; (ii) um semirreboque de carga LOHR; (iii) e um veículo semi-ligeiro de transporte de mercadorias da marca Renault ... e semirreboque. Esta relação contratual foi, posteriormente, alterada no seu objeto negocial no que diz respeito ao primeiro veículo, isto é, ao Volvo, que foi substituído por um outro veículo, o Renault .... A Apelante alegou, nos embargos, e reiterou a alegação, em recurso, de que se tratou de “aquisição temporária” deste último veículo e que o que sempre quis foi o Volvo; contudo, não o provou (e era a si que competia essa prova – art.º 342.º, n.º 2 do Código Civil), pelo que, para a questão aqui em apreço, é inequívoco que o Renault ... passou a constituir o objeto do negócio celebrado entre as partes. Foram, portanto, três as coisas que constituíram objeto do negócio jurídico de compra e venda celebrado entre Apelante e Apelada: (i) o Renault ...; (ii) o semirreboque de carga LOHR; (iii) e o semi-ligeiro de transporte de mercadorias Renault ... e semirreboque. Ora, não resulta da factualidade apurada, nem, de resto, tal foi alegado por qualquer das partes, que a celebração do negócio compreendesse necessariamente todos os veículos, a ponto de, não se logrando a transação de algum deles, o negócio não ser realizado. Ou seja, não há quaisquer elementos nos autos que permitam concluir que a vontade real de qualquer das partes fosse a de celebrar o negócio, desde que este abrangesse a totalidade dos veículos nele contemplados. Ademais, Apelante e Apelada fixaram, não um preço global para o negócio, mas um preço individual e específico para cada um dos veículos nele compreendidos, inclusive, para o Renault ..., apesar de a transação deste ter ocorrido em substituição do Volvo. O quadro com que nos deparamos no recurso é, pois, tendo por base as regras da interpretação da declaração negocial previstas no art.º 236.º do Código Civil, o da celebração, não de um, mas de três contratos de compra e venda tendo por objeto cada um dos veículos em causa (v. o art.º 874.º do Código Civil). Ora, na carta de resolução contratual que a Apelante, nos termos do art.º 436.º do Código Civil, remeteu à Apelada, aquela aludiu indiscriminadamente ao contrato celebrado em 28-11-2020. Considerando, contudo, a pluralidade de contratos de compra e venda celebrados entre as partes, a operatividade da resolução contratual em causa terá, pois, de ser reportada a cada um dos veículos individualmente considerados. Ora, neste pressuposto, há que dizer, desde já, que a Apelante não tinha fundamento para resolver o contrato de compra e venda tendo por base o Renault ... e respetivo semi-reboque. Com efeito, é a própria Apelante quem, no recurso, admite, não só que o negócio correspondente foi minimamente cumprido, como que a única vicissitude que pautou esse cumprimento foi a mora da Apelada. Por conseguinte, pressupondo a resolução, como se viu, o incumprimento definitivo da Apelada, a resolução efetivamente empreendida pela Apelante não produziu, quanto a ele, quaisquer dos efeitos a que tendia. De resto, a Apelante, segundo diz no recurso, já vendeu o veículo a terceiro, o que, significando que se prevaleceu do negócio realizado quanto a ele, afasta qualquer ideia de ter pretendido pôr-lhe termo mediante resolução. Vejamos, então, quanto aos restantes veículos. É reportando-nos à data da carta de resolução remetida pela Apelante à Apelada – 8 de fevereiro de 2022 – que temos de aferir se se verificavam ou não os seus pressupostos. Tudo o mais entretanto ocorrido, porque posterior ao exercício do direito de resolução, não constitui facto constitutivo deste, pelo que não pode ser considerado aqui. Quanto ao veículo ..., verificou-se que, em 18 de Outubro de 2021, este avariou em França, durante o transporte de mercadorias, tendo rebentado o compressor do ar condicionado. Após a avaria, foi sujeito a reparação mecânica naquele país, suportando a Apelante o seu custo no valor de € 2.262,75. Quanto ao semi-reboque Lohr, na primeira viagem que fez à Alemanha em outubro de 2021, começou a verter óleo e teve de ser sujeito a reparação mecânica, que veio a ocorrer em oficina cujo sócio gerente é o mesmo da Apelada. Por outro lado, além das perdas de óleo verificadas, não apresenta a segurança necessária para circular na via pública, nem executar a função a que se destina, havendo a possibilidade de transbordo de carga, sendo que para ter condições de funcionamento necessitaria de intervenções profundas de alteração e melhoria. Tratando-se de eventuais vícios da coisa vendida, a haver incumprimento relevante da Apelada que tivesse legitimado a resolução dos contratos de compra e venda relativos a cada um dos veículos pela Apelante, seria da obrigação daquela de diligenciar pela sua reparação ou substituição (art.º 914.º do Código Civil). Neste pressuposto, das cinco causas de incumprimento definitivo do contrato acima enunciadas, é apodítico que não se verificam, no caso, a primeira, a terceira, a quarta e a quinta. Com efeito, não há prova de que a Apelante tenha alguma vez fixado um prazo à Apelada para cumprimento da obrigação de reparação ou de substituição dos veículos, isto é, que lhe tenha feito uma interpelação admonitória. Não há, outrossim, elementos que permitam concluir que tenha sido previsto um termo essencial para o cumprimento dos contratos, a ponto de, não sendo respeitado, estes se extinguirem. Também não há prova de que tenha ocorrido impossibilidade de cumprimento da prestação a cargo da Apelada. Finalmente, não há factos que permitam concluir que a Apelada se tenha perentoriamente recusado a cumprir a sua obrigação ou tenha adotado uma conduta que, em si mesma, o evidenciasse (pelo contrário, como resulta dos factos provados, mesmo depois do envio da carta de resolução, Apelante e Apelada desenvolveram diligências em busca de soluções alternativas). A questão que se coloca é a de saber se se verifica a segunda causa de incumprimento definitivo acima exposta, consubstanciada na perda objetiva de interesse da Apelante na manutenção do vínculo – que, de resto, se nos afigura ser, bem interpretado o recurso da Apelante, o fundamento de que a mesma se serve para sustentar a eficácia da resolução que fez operar. A este respeito, afigura-se-nos que se impõe fazer uma distinção entre o semi-reboque Lohr e o Renault .... Quanto ao primeiro, em função do que acima se disse, este, não só sofreu uma avaria logo na primeira utilização, como padece de vícios de natureza estrutural que põem em causa a sua própria circulação na via pública e, por conseguinte, que prossiga o fim a que foi destinado. Tal veículo destinava-se a ser utilizado pela Apelante no exercício da sua atividade de transporte rodoviário internacional, facto que, de resto, era do conhecimento da Apelada, sendo que, dado o estado em que se encontra, de nenhuma utilidade se reveste para a Apelante. Finalmente, apesar das reuniões havidas entre os legais representantes das partes a respeito dos problemas de funcionamento dos veículos, a situação manteve-se inalterada. Numa apreciação objetiva de todo este quadro factual, forçoso é reconhecer à Apelante perda do interesse na manutenção do contrato que celebrou com a Apelada, tendo por objeto o dito semi-reboque. Não se trata aqui da recusa da Apelante em cumprir o negócio ‘a seu bel-prazer’ ou por pura “mudança de vontade’ da sua parte. Pelo contrário, trata-se de uma recusa de manutenção do vínculo contratual perante a total impossibilidade de retirar da coisa adquirida, mercê dos defeitos desta, qualquer utilidade e, portanto, uma recusa perfeitamente legítima e razoável. A resolução da Apelante operou, pois, relativamente a ele, os efeitos a que tendia. O mesmo não se pode dizer do negócio que envolveu o Renault .... É um facto que este, como se viu, avariou em país estrangeiro logo após a sua entrega e que foi sujeito a reparação mecânica em oficina sita naquele país, suportando a Apelante o seu custo. Além destes factos, contudo, nada mais de relevante resultou apurado relativamente ao veículo em causa (a avaria descrita no facto provado n.º 25 foi posterior ao envio da carta resolução pela Apelante, pelo que não a pode fundar). Ora, tais dados são manifestamente escassos para que se conclua que a Apelante perdeu objetivamente o interesse na manutenção do vínculo contratual relativamente a este veículo. Este, apesar das avarias, foi submetido a reparação. Por outro lado, não há elementos que permitam concluir que, apesar dessa reparação, tivesse ficado comprometida irremediavelmente a sua utilização futura. De referir, ainda, que se trata de veículo com um passado de significativa utilização e, portanto, com maior risco de avarias em deslocações, para mais deslocações ao estrangeiro e em transporte de mercadorias. Não há, por isso, nesta parte, perda objetiva do interesse da Apelante que legitimasse a resolução do contrato. Quanto ao Renault ..., a Apelada, por força das avarias por cuja reparação era responsável, estava em mora e não em incumprimento definitivo, pelo que não operou a resolução do contrato da Apelante quanto a tal veículo. Em suma, a Apelante resolveu válida e eficazmente o negócio de compra e venda do semi-reboque Lohr, mas não o fez relativamente ao Renault ... e ao Renault ... e respetivo semi-reboque. Atento o efeito retroativo da resolução, não deve, por conseguinte, o pagamento do preço acordado para a aquisição do semi-reboque Lohr. * 2.2.- Da caducidade do direito da Apelante A Apelada, na resposta ao recurso, invocou que o direito da Apelante sempre se teria extinguido por caducidade, atento o disposto nos art.ºs 916.º e 917.º do Código Civil. Segundo a mesma, a existirem defeitos, caberia à Apelante exercer os seus direitos no prazo de 6 meses após a denúncia. O cancelamento dos cheques (que, se bem se percebe a posição da Apelada, equivaleria à denúncia) pela mesma ocorreu, pelo menos, em 05-09-2022, pelo que lhe competia propor a competente ação até 05-03-2023. Tal, porém, não sucedeu, vindo a mesma a deduzir os presentes embargos em data posterior. Não há, contudo, caducidade a atender, mais não assentando a posição da Apelada, aliás, acolhida na sentença recorrida, num claro equívoco. Com efeito, o que aqui está em causa não é o direito da Apelante de anular o contrato celebrado com a Apelada com fundamento em erro nos termos do art.º 917.º do Código Civil, ou, por interpretação extensiva deste preceito, de exigir a reparação ou substituição da coisa vendida pelo vendedor. O que está em causa é o direito da Apelante de, em função do incumprimento definitivo do contrato pela Apelada, pôr-lhe termo mediante resolução. Não lhe é aplicável, por conseguinte, o prazo de caducidade previsto no sobredito preceito. Ademais, a resolução do contrato pela Apelante operou através de carta remetida por esta à Apelada, pelo, sendo este o facto que materializou o exercício do direito pela mesma, sempre seria em torno dele e não da instauração de qualquer ação que o decurso de qualquer prazo de caducidade deveria ser perspetivado. Em suma, não há caducidade atendível, improcedendo a pretensão da Apelada. * 2.3.- Da redução do valor da execuçãoPugna a Apelante, ainda, tendo presente a diferença de valores estipulada para a venda do veículo Volvo - € 17.500,00 – e para o veículo Renault ... - € 15.000,00 – a redução do valor da execução em € 2.500,00. E claramente com razão. Viu-se já que Apelante e Apelada acordaram inicialmente na venda, por esta àquela, do Volvo, mas, posteriormente, substituíram o veículo objeto desse negócio pelo Renault .... O preço da aquisição do Volvo era de € 17.500,00 (v. facto provado n.º 2), ao passo que o do Renault ... era o de € 15.000,00 (v. facto provado n.º 15). O preço a cujo pagamento a Apelante ficou adstrita nos termos do art.º 879.º, alínea c) do Código Civil era, por conseguinte, este último de € 15.000,00 e não o primeiro. Assim, tendo a Apelada incluído na quantia exequenda os € 17.500,00 correspondentes ao preço acordado pela transação do Volvo, forçoso é reduzir tal valor ao preço correspondente ao negócio efetivamente realizado, que foi o que envolveu o Renault .... Procede, pois, tal pretensão da Apelante. *** .- Reportando tudo o que acaba de ser dito à questão da subsistência da execução, temos o seguinte.A Apelada pretende nos autos o pagamento do remanescente do preço de aquisição dos veículos inicialmente acordado ainda não supostamente pago pela Apelante. Isto é, o valor inicialmente acordado para a aquisição dos veículos era de € 46.500,00, dos quais a Apelante pagara € 34.300,00, pedindo a Apelada, por conseguinte, a cobrança coerciva da diferença destes valores. Ao referido valor de € 46.500,00 há que deduzir, contudo, o valor de aquisição do semi-reboque Lohr e o cobrado a mais pelo Renault ..., o que perfaz o total de € 20.000,00. É, pois, de € 26.500,00 o valor efetivamente devido pela Apelante. Ora, o valor efetivamente pago por esta ultrapassa já, manifestamente, este valor, inclusive considerando-se os juros. Os cheques dados à execução, tendo presente a relação que lhes subjaz, não titulam, por conseguinte, uma dívida existente. Procede, pois, ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes, a apelação, com a consequente extinção da execução. * Porque vencida no recurso, suportará a Apelada as custas da apelação (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).*** IV.- DecisãoTermos em que acordam os Juízes Desembargadores da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso e, consequentemente, revogando a sentença recorrida, julgar extinta a execução. Custas da apelação pela Apelada. Notifique. *** Porto, 13-11-2025(assinado eletronicamente) José Manuel CorreiaIsabel Silva Ana Luísa Loureiro |