Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ISABEL PEIXOTO PEREIRA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DANO BIOLÓGICO DANO PATRIMONIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP20240509929/21.2T8PVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/09/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A quantia arbitrada a título de dano patrimonial emergente do défice da integridade físico-psíquica que não se reconduza a uma perda de rendimentos provenientes do trabalho habitual, mas antes a uma maior penosidade deste e a uma expectável não progressão na carreira, não representa imediatamente uma duplicação da indemnização consubstanciada no recebimento do capital de remição. II - O valor pecuniário arbitrado não tem como função e finalidade a compensação das perdas salariais decorrentes do grau de incapacidade laboral fixado ao sinistrado no procedimento de acidente de trabalho, mas antes a compensação do dano biológico inevitavelmente associado às sequelas das lesões sofridas – e nessa medida, totalmente autónomo e diferenciado da problemática das referidas perdas salariais. III - O dano que a indemnização visa ressarcir não é um dano exclusivamente laboral, mas um dano de natureza geral, ou seja, o que corresponde à denominada incapacidade permanente geral, correspondente à afectação definitiva da capacidade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as actividades da vida pessoal e corrente, sem expressão em termos de incapacidade para o trabalho habitual. IV - Não se verifica, pois, o fenómeno da duplicação de indemnizações, com o que não há que abater o capital de remição ao valor indemnizatório arbitrado nos autos de acção de responsabilidade civil. V - Apenas e só a profunda divergência entre o montante da proposta efectuada pela seguradora e o valor da indemnização que vem a ser fixado pelo tribunal não basta para que, em termos objectivos, não se possa qualificar aquela como "razoável", sendo os juros devidos em dobro, para mais quando demonstrado que a proposta o foi de acordo com os critérios e procedimentos previstos na Portaria que estabelece a Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo: 929/21.2T8PVZ. P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim - Juiz 2
Relatora: Isabel Peixoto Pereira 1º Adjunto: Paulo Duarte 2º Adjunto: Isoleta Almeida Costa * Acordam os juízes da 3.ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I. AA veio propor contra a Ré A... – Companhia de Seguros, S. A. acção declarativa de condenação relativa a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofridos de montante nunca inferior a €99.537,96 (Noventa e Nove Mil Quinhentos e Trinta e Sete Euros e Noventa e Seis Cêntimos) e várias indemnizações a liquidar ulteriormente, assim: a) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de acompanhamento médico periódico regular nas especialidades médicas de Neurocirurgia, Ortopedia, Fisiatria, Psicologia, Psiquiatria e Consulta da Dor para superar/tratar/amenizar as consequências físicas e psíquicas das lesões, queixas e sequelas; b) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de realizar tratamento regular e continuado fisiátrico (Medicina Física de Reabilitação) com frequência e programa a definir pelo médico Fisiatra para superar/tratar/amenizar as consequências físicas e psíquicas das lesões, queixas e sequelas supra melhor descritas; c) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de ajudas técnicas permanentes, designadamente ajuda medicamentosa regular – antidepressivos, anti-inflamatórios e analgésicos – para superar/tratar/amenizar as consequências físicas e psíquicas das lesões, queixas e sequelas; d) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de se submeter a vários tratamentos médicos e clínicos, a várias intervenções cirúrgicas e plásticas, a vários internamentos hospitalares com os inerentes Períodos de Défice Funcional Temporário (Total e Parcial) e Períodos de Repercussão Temporária na Atividade Profissional (Total e Parcial) com a consequente perda de retribuição quer no período de clausura hospitalar, quer no período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional (Total e Parcial), para superar/tratar/amenizar as consequências físicas e psíquicas das lesões, queixas e sequelas; e) decorrentes da necessidade atual e futura, por parte do Autor, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para superar/tratar/amenizar as consequências físicas e psíquicas das lesões, queixas e sequelas; f) decorrentes do futuro agravamento do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica. Bem assim reclamou a condenação da Ré a pagar-lhe, quanto a juros, as taxas agravadas previstas no Decreto-Lei n.º 917/2007, caracterizando pedido principal e subsidiário a esse propósito.
A final foi proferida sentença, a qual julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao A: III.a) a quantia de € 57.537,96 (cinquenta e sete mil, quinhentos e trinta e sete euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação quanto ao montante de € 2.537,96 (dois mil, quinhentos e trinta e sete euros e noventa e seis cêntimos) e contados desde a data da prolação desta sentença quanto ao montante de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), até integral pagamento; III.b) juros no dobro da taxa legal, calculados sobre a quantia de € 48.209,82 e contados desde 11-09-2020 e até à data da prolação da sentença. No mais, foi a Ré absolvida do pedido.
Desta sentença interpôs a Ré recurso, concluindo as alegações pelo modo seguinte: 1. A Recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos por entender que não existiu correta aplicação do Direito. 2. Peticionou o Autor, para além do mais, € 60.000,00 a título de dano biológico na vertente de dano patrimonial (perda de capacidade de ganho). 3. Entendeu o Tribunal a quo ser equitativo fixar a indemnização devida pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor em € 15.000,00 e em fixar o dano de natureza patrimonial em € 40.000,00. 4. A Recorrente entende o valor de € 40.000,00 é manifestamente excessivo, incorrendo, inclusive, em erro de julgamento. 5. Dano biológico é aquele que, tendo origem numa lesão corporal, se traduz na afetação da capacidade funcional de uma pessoa declarada pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica ainda que não conduza à perda ou redução da capacidade para o exercício da profissão habitual do lesado, mas que implique um maior esforço e/ou supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal. 6. O valor a arbitrar nos presentes autos não pode englobar a perda de capacidade de ganho pois a Recorrente já pagou o dano patrimonial futuro à Companhia de Seguros de acidente de trabalho, B..., S.A., conforme transação junta aos presentes autos a 13/11/2022, tendo esta por sinal já pago ao Autor tal valor, conforme requerimento apresentado pela Interveniente B..., S.A. e junto aos presentes autos em 07/12/2021, conforme resulta alegado pelo Autor na própria Petição Inicial. 7. Aliás, resulta de tal peça que a perda de capacidade de ganho não está peticionada – dano patrimonial futuro, mas apenas está peticionado o dano biológico, na vertente patrimonial. 8. Sendo certo que a companhia de seguros de acidente de trabalho veio peticionar o pagamento, para além do mais, do capital de remissão que pagou ao Autor de € 18.102,46, tendo a Ré contestante, a propósito, já reembolsado tal valor à sua congénere conforme transação junta aos autos em 23/11/2022. 9. Pelo que, o Autor não peticionou indemnização de dano patrimonial pela perda de capacidade de ganho, pelo que, não pode a Ré ser condenada por tal valor e dano. 10. Ou, caso se admita que deva ocorrer tal condenação (o que apenas por dever de patrocínio se admite) e que o Dano Biológico na vertente de Dano Patrimonial já contém o dano adveniente da Perda de Capacidade de Ganho, então, o Tribunal a quo deveria deduzir aqueles € 18.102,46 (valor do capital de remissão que o Autor já recebeu da seguradora de acidentes de trabalho) ao valor que arbitrou ou seja agora arbitrado, pois, inclusive, percebe-se que o cálculo pela condenação pelo Dano Patrimonial realizado pelo Tribunal a quo está incorreto, precisamente porque na sua fundamentação, recorrendo a juízos de equidade e casos análogos na jurisprudência, acaba por atribuir valor semelhante aos Acórdãos que indica (os quais não consideraram apenas o Dano Biológico na vertente Patrimonial, nem deduziram o valor já recebido do capital de remissão em acidente de trabalho) e referem-se apenas ao Dano Patrimonial relativo à Perda de Capacidade de Ganho. 11. Ocorre, por isso, que o valor atribuído é incorreto, existindo erro de julgamento. 12. O Autor não peticiona a perda de capacidade de ganho e congénere foi já reembolsada pela Interveniente pelo capital de remissão pago ao Autor. Sem prescindir, 13. Em todo o caso, o valor arbitrado a título de danos patrimoniais, na vertente do dano biológico, é manifestamente excessivo. 14. Tanto mais que a Recorrente já pagou o dano patrimonial futuro à Companhia de Seguros de acidente de trabalho, B..., S.A., conforme transação junta aos presentes autos a 13/11/2022, tendo o Autor já recebido tal valor, conforme peticionado por esta Interveniente B..., S.A nos presentes autos. 15. Resulta do recurso às tabelas financeiras que o valor resulta do simples cálculo de 1.483,69 x 14meses x 0,07% x 23 anos = € 33.442,37, sem sequer deduzir o valor que o capital a entregar vai render por si só com a entrega imediata ao Autor, o que se deve verificar 16. Sempre deverá reduzir-se tal valor a, pelo menos, 80% do mesmo, uma vez que tal capital gerará lucro que se esgotará quando o Autor atingir 70 anos, o qual se reporta ajustado de € 26.753,90, ao qual se deve ainda deduzir os montantes já pagos. 17. Não obstante, deve fazer-se um juízo de equidade, ponderando-se todas as circunstâncias do caso e, após, obter-se o valor a indemnizar. 18. Em todo o caso, importa considerar que o dano sofrido pelo Autor, refletido na denominada perda de capacidade de ganho – de apenas 7 pontos, incapacidade que é compatível com o exercício da atividade habitual – deve-se precisamente por inexistir repercussão permanente na atividade profissional do Autor, isto é, inexistir qualquer rebate profissional, por as sequelas sofridas por esta serem compatíveis com o exercício da sua atividade laboral, mas implicarem esforços acrescidos. 19. O Autor irá com certeza continuar a exercer as mesmas atividades que exercia antes do sinistro, ou pelo menos, não as deixará de exercer por causa do sinistro, pelo que, material e objetivamente, inexiste qualquer perda de capacidade de ganho, motivo pelo qual não poderá o Autor ficar beneficiado com a ocorrência do acidente dos autos sob pena de enriquecimento sem causa. 20. Considera-se adequado, para compensar o dano biológico na sua vertente patrimonial, fixar o valor, no seu conjunto, em montante não superior a € 27.000,00, conforme até resulta do cálculo anteriormente indicado, o que se reputa mais do que razoável para a situação concreta (a esse valor há que subtrair o valor pago já pela interveniente a título de capital de remição (€ 18.102,46). Ou seja, condenando-se a Recorrente ao pagamento de apenas € 8.897,54. 21. Deverá, pelo mais, ser arbitrado valor relativo ao Dano Biológico na vertente Dano Patrimonial o montante de € 27.000,00, (devendo subtrair-se a este valor o montante já liquidado pela interveniente a título de capital de remição (€ 18.102,46), tudo no montante de € 8.897,54. DA CONDENAÇÃO EM JUROS NO DOBRO DA TAXA LEGAL 22. Resulta da decisão proferida pelo Tribunal a quo o entendimento de que a proposta apresentada pela Recorrente não pode ser considerada uma proposta razoável, pois o montante proposto pela mesma está muito distante do valor que é devido pela indemnização dos danos em causa, ou seja, a proposta apresentada pela Ré gera um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado, entendimento com o qual a Recorrente não se pode conformar. 23. Pois apresentou ao Autor proposta razoável, em 12/03/2020, com o teor que consta do documento 2 apresentado com a contestação, conforme resulta do facto provado número 44, no valor de € 9.328,14. 24. De facto, Recorrente cumpriu com o disposto no Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. 25. É certo que, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efetuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, ou seja, nos termos da Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio, os juros devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos. 26. Motivo pelo qual não pode a Recorrente aceitar que a diferença verificada entre o montante da proposta efetuada e o valor da indemnização fixado pelo tribunal a quo seja o bastante para que não se possa qualificar a proposta apresentada pela Recorrente como "razoável", aplicando-se a sanção de condenação no pagamento de juros devidos em dobro. 27. Incumbia ao Autor alegar e provar que a proposta apresentada pela Recorrente não corresponde aos valores resultantes da Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio para poder beneficiar dos juros em dobro, como facto constitutivo do seu direito ao pagamento de juros em dobro. 28. Uma vez que, atendendo ao relatório médico de avaliação do dano corporal efetuado e junto com a contestação e a avaliação do dano corporal realizada, que concluiu pela data de consolidação de 17/05/2019, por um défice permanente de 7 pontos e um quantum doloris de 4 numa escala de 7, a Recorrente, em 12/03/2020, apresentou proposta de indemnização ao Autor no valor de € 9.328,14, o que corresponde ao cálculo efetuado nos termos da tabela. 29. Pois constatou-se ITA de 126 dias, tal corresponde ao valor de € 4.803,88; IPP de 7 pontos em 100, tal corresponde ao valor de € 5.498,33; dano estético de 1 ponto em 7, tal corresponde ao valor de € 0,00; e quantum doloris de 4 pontos em 7, tal corresponde ao total de € 0,00; acrescido de outros valores a receber pelo Autor de € 9.200,00 e deduzidos de € 10.287,91 relativo a adiantamentos, apura-se o montante de € 9.328,14 como referência mínima nos termos da proposta, conforme foi oferecido ao Autor e de acordo com a tabela preparada para o efeito. 30. Assim, o valor proposto pela Recorrente resulta exatamente da proposta razoável de acordo com cálculo previsto na supra indicada Portaria, não gerando um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado. 31. Pelo que, tendo a Recorrente assumido a responsabilidade pelo acidente dos autos e efetuado a competente proposta de indemnização, nos termos da Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio (não tendo o Autor logrado provar que aquele valor não corresponde à aplicação deste diploma), não pode ser condenada no pagamento dos juros em dobro, mas apenas de juros à taxa legal a partir da data da decisão, mesmo apesar da divergência que se verifique entre o valor proposto e o valor fixado na decisão final, devendo revogar-se a decisão proferida.
Respondeu o recorrido quanto ao recurso do Autor e bem assim veio apresentar Recurso Subordinado da decisão, mediante as seguintes conclusões: 1) O Autor não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de “dano biológico”: a) quer enquanto dano patrimonial (perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica 7 pontos que lhe foi fixado compatível com o exercício da actividade habitual, mas que implica esforços suplementares), b) quer enquanto dano moral (para sua vida em geral e a própria saúde). 2) O Autor não concorda com o valor indemnizatório que lhe foi atribuído a título de danos não patrimoniais. 4) O Autor não concorda com o momento até ao qual são devidos pela Ré ao Autor, os juros de mora calculados no dobro da taxa legal e a incidir sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré a titulo de proposta razoável ao Autor (€9.328,14) e os montantes indemnizatórios que vierem a ser concedidos ao Autor na decisão judicial final a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais. 3) O Autor é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, sendo que as sequelas de que o Autor é portador, são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 4) O Autor em consequência do acidente dos autos, apresenta graves queixas e padece de graves sequelas, encontrando-se assim em posição de desvantagem em relação a outros lesados no atual e exigente mercado de trabalho. 5) Esta posição de desvantagem é agravada pela circunstância da taxa de desemprego do cidadão deficiente ser especialmente elevada (pelo menos o dobro da restante população), porquanto os empregadores partem do pressuposto da sua inadaptação ao desempenho profissional. 6) Os elementos estatísticos demonstram que a taxa de pobreza das pessoas com deficiência é 70% superior à média, em parte devido a limitações no acesso ao emprego. 7) Apresentando a vítima graves queixas e tendo ficado a padecer de graves sequelas, prejudicando substancialmente as suas oportunidades de obter novo emprego, justifica-se a elevação do resultado obtido através das tabelas financeiras em cerca de 10%. 8) A indemnização por dano biológico cobre: a) esforço acrescido ou suplementar a que o sinistrado se vê obrigado no desempenho da sua actividade laboral, que mantém em posição profissional (categoria) similar à que antes do acidente detinha, bem como, b) a perda de potencialidade para se alcandorar a um patamar superior de rentabilidade em relação à sua actual prestação, com reflexo necessário na diminuição de nível remuneratório a que poderia, noutras circunstâncias e com razoável probabilidade, ascender. 9) Atenta a matéria de facto dada como provada e constante dos itens n.ºs 16, 24, 27, 28, 33, 40 e 41 dos factos julgados como provados na Douta Sentença e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir ao Autor a título de indemnização pelo dano biológico” quer enquanto dano patrimonial (perda ou diminuição de capacidades funcionais decorrente do Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica 7 pontos que lhe foi fixado), quer enquanto dano moral (para sua vida em geral e a própria saúde), deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €50.000,00 (Cinquenta Mil Euros), quantia essa cujo pagamento o Autor peticiona da Ré. 10) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores: 1. O Autor à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, tinha 46 anos de idade, já que nasceu em nasceu no dia 05-11-1972. 2. Atualmente, o Autor apresenta as seguintes queixas: 1) Queixas a nível funcional: a) Postura, deslocamentos e transferências: dificuldade em manter-se em sedestração durante muito tempo e em subir escadas, por agravamento das lombalgias; dificuldade ao deitar, virar e levantar da cama; dificuldade ao apanhar objetos do chão; b) Fenómenos dolorosos: dores na região da transição dorso lombar bilateral, sem irradiação, com necessidade de recurso a analgesia com Paracetamol, cerca de 3 dias por semana, 2x/dia, em SOS; c) Outras queixas a nível funcional: nega parestesias dos membros inferiores. 2) A nível situacional: a) Atos da vida diária: dificuldades ao pegar em pesos, fazer as compras habituais e conduzir por períodos superiores a 30 minutos; b) Vida afetiva, social e familiar: deixou de fazer ciclismo e BTT como anteriormente ao acidente; ia trabalhar frequentemente de bicicleta e fazia também cicloturismo, pedalava cerca de 1000 km/mês; atualmente só anda de bicicleta ocasionalmente; deixou de praticar “BTT” o que fazia regularmente integrado num clube de ciclismo, o “C...”; deixou de correr porque isso lhe desperta dores nas costas; deixou de ajudar a esposa nas lides da casa principalmente a aspirar; ficou desanimado. 3) A nível profissional ou de formação: a) Dificuldade em subir a andaimes e a escadas e a pegar em pesos. 3. O Autor, à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, exercia e ainda exerce atualmente por conta de outrem, para a sociedade D... Lda., a profissão de eletricista, com a categoria profissional de Eletricista BT; 4. Auferindo uma retribuição mensal ilíquida de cerca de €1.483,69, discriminada da seguinte forma: €850,00 x 14 meses/ano a título de salário base; €169,40 x 11 meses/ano a título de subsídio de alimentação; € 464,29 x 11 meses/ano a título de outras remunerações. 5. Auferindo ma retribuição anual ilíquida na ordem dos €18.870,57 (850,00 x 14 + €169,40 x 11+ €5.107,17 x 1 – salário base, subsídio de alimentação e outras remunerações) 6. Em consequência do acidente, o Autor apresenta as seguintes sequelas: Ráquis: faz movimento de agachamento com alguma dificuldade, por dor referida à região lombar; Cicatriz normocrómica e normotrófica, linear longitudinal, com evidência de pontos de sutura, na transição dorsolombar mediana, com 13,6x1,2cm de maiores dimensões; Dor ligeira à palpação das apófises espinhosas na transição dorsolombar; Contratura paravertebral dorsolombar à direita; Mobilidade da coluna ligeiramente limitada no movimento de rotação direita; Schober 10-11,8cm; sem limitação nos restantes movimentos da coluna lombar; Dor lombar com os movimentos de hiperextensão da coluna lombar. 7. Em consequência do acidente, o Autor é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos. 8. As sequelas de que o Autor é portador, em consequência do acidente, são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 11) No cálculo do valor indemnizatório a atribuir ao Autor a título de danos patrimoniais na vertente do dano biológico, deve ter-se em conta, não exatamente a esperança média de vida ativa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já ultrapassa os 80 anos, e tem tendência para aumentar). 12) Quanto ao rendimento anual do Autor, deve considerar-se o subsídio de alimentação, bem como as gratificações e prémio de produção, as quais não se confundem com ajudas de custo. 13) É de considerar integrado na retribuição do trabalho o subsídio de alimentação, pois que no conceito legal (e laboral) de retribuição abrange-se não só a retribuição base (salário propriamente dito), mas todas as demais prestações pecuniárias ou não, satisfeitas com carácter de regularidade e de continuidade” 14) Relativamente à questão de o acidente dos autos ser simultaneamente de viação e de trabalho, a Jurisprudência do STJ, tendo vindo a decidir de forma esmagadora que em acidente de viação não se deve deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho: a) Em acidente de viação não se deve deduzir a indemnização devida por acidente de trabalho já paga ao sinistrado em processo de acidente de trabalho (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 1456/15.2T8FNC.L1.S1, de 11-07-2019, Relator HENRIQUE ARAÚJO). b) A indemnização devida ao lesado/sinistrado a título de perda da sua capacidade de ganho, mesmo no caso do autor ter optado pela indemnização arbitrada em sede de acidente de trabalho, não contempla a compensação do dano biológico, consubstanciado na diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na sua vida pessoal e profissional, porquanto estamos perante dois danos de natureza diferente. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 1842/15.8T8STR.E1.S1, de 12-07-2018, Relatora ROSA TCHING). c) Não há que deduzir à indemnização pela perda da capacidade de ganho/dano biológico a quantia já paga no processo acidente de trabalho (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º Processo: 30/11.7TBSTR.E1.S1, de 05/05/2020, Relator Raimundo Queirós). d) Sendo o acidente simultaneamente de viação e de trabalho, o recebimento pelo lesado de um certo capital de remissão no âmbito do processo por acidente de trabalho, não exclui o direito à indemnização pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, por serem distintos os danos a ressarcir. O capital de remissão visa ressarcir as perdas salariais associadas à incapacidade laboral fixada no processo por acidente de trabalho; a indemnização pelo dano biológico, além de compensar a perda de capacidade de ganho, visa ainda compensar o lesado pelas limitações funcionais que se reflectem na maior penosidade e esforço no exercício da actividade diária e na privação de futuras oportunidades profissionais. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 3496/16.5T8FAR.E1.S1, de 17-11-2021, Relator Ferreira Lopes). 15) No cálculo do valor indemnizatório a atribuir ao Autor a título de danos patrimoniais na vertente do dano biológico, deve ter-se também em linha de conta que: 1. a perda futura de ganho é calculada tomando em conta o salário do autor á data do acidente (2019) no montante anual de €18.870,57, 2. esse salário, durante a esperança média de vida (atualmente aceite de 80 anos de idade para o sexo masculino) vai, pelo menos duplicar; 3. pois o cálculo acima referido não considerou a progressão na carreira, osaumentos salariais e a taxa de inflação, 4. o juro do capital produtor do rendimento é, a maior parte das vezes, como agora, negativo, pois a inflação mais do que o consome, 5. deve ter-se em conta, não exatamente a esperança média de vida ativa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 80 anos, e tem tendência para aumentar), 6. o Autor em consequência do acidente dos autos, padece de graves sequelas, encontrando-se assim em posição de desvantagem em relação a outros lesados no atual e exigente mercado de trabalho 7. está assim substancialmente prejudicado e limitado nas suas oportunidades de escolha de outras profissões e de obtenção de novo emprego, motivo pelo qual se justifica a elevação do resultado obtido através das tabelas financeiras em cerca de 10%, 8. esta posição de desvantagem é agravada pela circunstância da taxa de desemprego do cidadão deficiente ser especialmente elevada (pelo menos o dobro da restante população), porquanto os empregadores partem do pressuposto da sua inadaptação ao desempenho profissional, 9. os empregadores partem, com frequência, do princípio de que as pessoas com deficiência não são capazes de trabalhar, 10. os elementos estatísticos demonstram que a taxa de pobreza das pessoas com deficiência é 70% superior à média, em parte devido a limitações no acesso ao emprego, e 11. em Portugal noticia-se que a taxa de desemprego entre os portadores de deficiência é cerca de duas a três vezes superior à dos restantes cidadãos. 16) Atenta a matéria de facto dada como provada e constante dos itens n.ºs 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 33, 34, 35, 36, 3,38, 39, 40, 41, 42 e 43 dos factos julgados como provados na Douta Sentença e com interesse para a determinação do montante indemnizatório a atribuir à Autora a título de danos não patrimoniais, deverá o mesmo ser fixado equitativamente em quantia nunca inferior a €30.000,00 (Trinta Mil Euros), quantia essa cujo pagamento o Autor peticiona da Ré. 17) Tal montante indemnizatório, deverá ter em linha de conta, os seguintes fatores: 1. Autor à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos autos, tinha 46 anos de idade, já que nasceu em nasceu no dia 05-11-1972. 2. Em consequência do acidente, o Autor sofreu vários ferimentos e várias lesões traumáticas, tendo sido imobilizado em plano duro e com colar cervical, sendo transportado do local do acidente pelo INEM para o Serviço de Urgências do Hospital ..., no Porto, onde foi internado e examinado, apresentando traumatismo da coluna lombar e fratura de L1. 3. Durante o período em que esteve internado no Hospital ..., no Porto, o Autor efetuou diversos exames, designadamente exames radiológicos e tomografia, e foi submetido a intervenção cirúrgica em 29- 01-2019, para colocação de parafusos transpediculares com controlo fluoroscópico em D12-L1-L2. 4. O Autor esteve internado no Hospital ..., no Porto, entre os dias 28-01-2019 e 31-01-2019, inclusive; 5. Tendo recebido alta hospitalar, 31-01-2019, para o domicílio, e tendo sido orientado para a consulta externa de Ortopedia e os serviços clínicos da seguradora de acidentes de trabalho. 6. O Autor foi observado na Casa de Saúde ..., pelos serviços médicos da Tranquilidade, tendo efetuado novos exames complementares de diagnóstico e tendo-lhe sido prescritos tratamentos de medicina física e de reabilitação. 7. O Autor efetuou tratamentos de medicina física e de reabilitação na Unidade de Medicina Física e Reabilitação da Santa Casa da Misericórdia ..., diariamente, desde o dia 18-02-2019 até meados de maio de 2019. 8. O Autor teve alta 13-05-2019, retomando a sua atividade profissional com limitações por ter dificuldades em subir a andaimes e a escadas exteriores e em pegar em pesos. 9. Atualmente, o Autor apresenta as seguintes queixas: 1) Queixas a nível funcional: a) Postura, deslocamentos e transferências: dificuldade em manter-se em sedestração durante muito tempo e em subir escadas, por agravamento das lombalgias; dificuldade ao deitar, virar e levantar da cama; dificuldade ao apanhar objetos do chão; b) Fenómenos dolorosos: dores na região da transição dorso lombar bilateral, sem irradiação, com necessidade de recurso a analgesia com Paracetamol, cerca de 3 dias por semana, 2x/dia, em SOS; c) Outras queixas a nível funcional: nega parestesias dos membros inferiores. 2) A nível situacional: a) Atos da vida diária: dificuldades ao pegar em pesos, fazer as compras habituais e conduzir por períodos superiores a 30 minutos; b) Vida afetiva, social e familiar: deixou de fazer ciclismo e BTT como anteriormente ao acidente; ia trabalhar frequentemente de bicicleta e fazia também cicloturismo, pedalava cerca de 1000 km/mês; atualmente só anda de bicicleta ocasionalmente; deixou de praticar “BTT” o que fazia regularmente integrado num clube de ciclismo, o “C...”; deixou de correr porque isso lhe desperta dores nas costas; deixou de ajudar a esposa nas lides da casa principalmente a aspirar; ficou desanimado. 3) A nível profissional ou de formação: a) Dificuldade em subir a andaimes e a escadas e a pegar em pesos. 10.A cicatriz que o Autor apresenta, devido às lesões e à intervenção cirúrgica a que foi sujeito, devido ao acidente, causa ao Autor vergonha, constrangimento, desgosto, tristeza, complexos e inibição, desfavorecendo o esteticamente, designadamente no seu dia a dia, quando se desloca no verão à praia, quando veste uns calcões, quando coloca um fato de banho, quando se coloca ao sol. 11.O Autor antes e à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora. 12. Em consequência do acidente, o Autor apresenta as seguintes sequelas: Ráquis: faz movimento de agachamento com alguma dificuldade, por dor referida à região lombar; Cicatriz normocrómica e normotrófica, linear longitudinal, com evidência de pontos de sutura, na transição dorsolombar mediana, com 13,6x1,2cm de maiores dimensões; Dor ligeira à palpação das apófises espinhosas na transição dorsolombar; Contratura paravertebral dorsolombar à direita; Mobilidade da coluna ligeiramente limitada no movimento de rotação direita; Schober 10-11,8cm; sem limitação nos restantes movimentos da coluna lombar; Dor lombar com os movimentosde hiperextensão da coluna lombar. 13.A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente é fixável em 03-06-2019. 14.O período de défice funcional temporário total em consequência do acidente é fixável num período de 4 dias. 15. O período de défice funcional temporário parcial em consequência do acidente é fixável num período de 123 dias. 16. O período de repercussão temporária na atividade profissional total em consequência do acidente é fixável num período de 106 dias. 17.O período de repercussão temporária na atividade profissional parcial em consequência do acidente é fixável num período de 21 dias. 18.As dores e demais sofrimentos sentidos pelo Autor em consequência do acidente são quantificáveis no grau 4, numa escala crescente de 0 a 7. 19.Em consequência do acidente, o Autor é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos. 20.As sequelas de que o Autor é portador, em consequência do acidente, são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 21. Em consequência do acidente, o Autor ficou a padecer de um dano estético permanente quantificável no grau 2, numa escala crescente de 0 a 7. 22.Em consequência do acidente, o Autor ficou a padecer de lesões com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, repercussão essa quantificável no grau 4, numa escala crescente de 0 a 7. 18) O valor da indemnização por danos não patrimoniais deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, tendo por finalidade proporcionar um certo desafogo económico ao lesado que de algum modo contrabalance e mitigue as dores, desilusões, desgostos e outros sofrimentos suportados e a suportar por ele, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida, fazendo eclodir nele um certo optimismo que lhe permita encarar a vida de uma forma mais positiva. 19) A situação de crise económica que se vive atualmente, e que está a conduzir a totalidade da população que vive do salário do seu trabalho por conta de outrem a níveis de empobrecimento não vistos há muitas dezenas de anos e a elevados níveis de desemprego, constitui fator que leva um sinistrado de acidente de viação, que fique afetado pelas lesões sofridas em incapacidade funcional, a sentir uma angústia mais intensa do que sentiria quanto ao seu futuro se, contrariamente ao que se verifica, vivesse num Estado com níveis de bem-estar e onde uma pessoa incapacitada não sentisse particulares dificuldades de obter emprego ou de manter o emprego ou atividade exercida. 20) A Douta Sentença esteve muito bem em condenar a Ré a pagar ao Autor os juros no dobro da taxa legal, calculados sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré na fase extrajudicial em sede de proposta razoável (€9.328,14) e o montante fixado na decisão judicial, contados desde 11-09-2020 (que é o primeiro dia útil seguinte à apresentação do pedido de indemnização apresentado pelo Autor, atendendo a que a Ré havia apresentado a proposta por antecipação). 21) No entanto, salvo melhor, opinião entende o Autor que os mesmos juros calculados no dobro da taxa legal, são devidos pelas Ré ao Autor, não até à data desta decisão, mas sim até integral cumprimento. 22) Verifica-se um “desequilíbrio significativo em desfavor do lesado”, no confronto entre os valores que decorrem da «proposta amigável de indemnização» (€9.328,14), e os valores a que se chegará em sede de decisão judicial final, sendo a mesma, igualmente, “manifestamente insuficiente”, face ao último valor global a que se chegará em sede judicial, nos termos e para os efeitos do disposto pelos artigos 39º, nº 6 e 38º, nºs 3 e 4 do DL 291/2007. 23) Da mera comparação com o valor da indemnização a que se chegará em sede de decisão judicial final, se retirará que efetivamente a proposta feita pela Ré não constitui um valor razoável de ressarcimento dos danos, ou seja, o confronto entre os dois valores revela uma flagrante desproporção entre o valor da proposta da Ré e o valor devido ao Autor, gerando um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado, sendo assim o montante da proposta, manifestamente insuficiente, nos termos daqueles n.°s 3 e 4 do artigo 38.° do DL 291/2007. 24) Os factos - lesões e sequelas que serviram de base à proposta da Ré - , são exatamente os mesmos que estarão na base da futura condenação do tribunal, sendo irrelevante que tenham sido classificados ou interpretados de maneiras diferentes (é essa, alias, a razão pela qual os valores são diferentes). 25) É confrangedor verificar que as seguradoras, sabendo que os valores da Portaria não são vinculativos e que a jurisprudência os tem reiteradamente considerado desadequados por demasiado escassos, persistem em invocá-los. 26) A Douta Sentença recorrida violou as seguintes disposições legais: artigos 483º, 496º, 562º, 563º, 564º, nº1 n.º 2, 566.º, n.ºs1, 2, 3 todos Código Civil, os artigos 36.°, n.°s 1 e) e 5, 37, n.º 1 alínea c), n.º 2, alínea a), 38º, n.º 3 e 4 e 39º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-lei 291/2007 de 21 de Agosto, artigos 805º, nº 3 e 806ºtodos Código Civil. Conclui pelo aumento dos valores das indemnizações arbitradas e sempre pela alteração da data até à qual são devidos os juros à taxa agravada decidida/concedida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (cfr. arts. 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do C.P.C.), são de facto e de direito as questões a tratar. Assim: * Com relevo para a decisão da causa, provaram-se os seguintes factos: 1) No dia 28-01-2019, pelas 06:15 horas, na Variante EN ..., Santo Tirso, na união de freguesias ..., ... e ... e ..., concelho de Santo Tirso, distrito do Porto, ocorreu um embate entre dois veículos, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-TA, conduzido por BB, e o ciclomotor de matrícula ..-JN-.., conduzido por AA (ora Autor). 2) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1), os dois veículos circulavam no sentido de trânsito Porto/Santo Tirso, pela hemi-faixa da direita, atento esse sentido de trânsito;… 3) …Sendo a Variante EN ... constituída por duas hemi-faixas de rodagem, uma destinada ao trânsito do sentido Porto/Santo Tirso e outra ao trânsito do sentido Santo Tirso/Porto, delimitadas por uma dupla linha longitudinal contínua, de cor branca, marcada no pavimento;… 4) …Tendo a hemi-faixa destinada ao trânsito do sentido .../... – pela qual circulavam os dois veículos intervenientes no acidente – 3,30 metros de largura. 5) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1), o ciclomotor de matrícula ..-JN-.. – conduzido pelo Autor – circulava a uma velocidade inferior a 30/40 Km/h; totalmente dentro da hemi-faixa da direita da faixa de rodagem, atento o sentido de trânsito Porto/Santo Tirso, e junto à berma direita; com as luzes de cruzamento dianteiras e com as luzes de presença traseiras acesas;… 6) …O Autor tinha o capacete de proteção colocado na sua cabeça e circulava atento às condições da via e demais trânsito;… 7) …O veículo com a matrícula ..-..-TA – conduzido por BB – circulava a uma velocidade inferior a 90/100 Km/h; totalmente dentro da hemi-faixa da direita da faixa de rodagem, atento o sentido de trânsito Porto/Santo Tirso, na traseira do ciclomotor de matrícula ..-JN-.. – conduzido pelo Autor –; com as luzes de cruzamento dianteiras desligadas;… 8) …BB conduzia o veículo com a matrícula ..-..-TA e circulava distraído, não dispensando atenção ao tráfego automóvel que seguia à sua frente, designadamente ao ciclomotor de matrícula ..-JN-... 9) Antes do embate, BB não travou ou diminuiu a velocidade do veículo com a matrícula ..-..-TA, que conduzia;… 10) …Acabando por embater frontalmente com toda a parte frontal do ..-..-TA contra toda a parte traseira do ..-JN-... 11) Após o embate, o Autor e o ciclomotor ..-JN-.., por si conduzido, foram projetados pelo ar e para a sua frente numa distância de cerca de 10 (dez) metros, acabando o Autor por embater no capot do ..-..-TA e, posteriormente, com a sua coluna no piso betuminoso da via por onde seguiam. 12) O embate entre os dois veículos, ocorreu dentro da hemi-faixa destinada ao trânsito do sentido …/…, tendo ambos os veículos acabado por se imobilizar nessa mesma hemi-faixa de rodagem. 13) A Variante EN ..., no momento e no local onde ocorreu o embate, atento o sentido de marcha de ambos os veículos intervenientes (Porto/Santo Tirso), tinha um traçado/configuração em forma de reta, em patamar, com uma extensão superior a 50/100 (cinquenta/cem) metros de extensão, com boa visibilidade, sem existência de obstáculos, com a via devidamente sinalizada e nivelada; tinha iluminação pública de carácter permanente; a velocidade máxima permitida, conforme sinalização vertical existente no local, era de 90 km/h; o pavimento betuminoso/alcatroado encontrava-se regular, em bom estado de conservação e sem buracos; o pavimento estava molhado e escorregadio em face da chuva que na então se fazia sentir. 14) A responsabilidade civil por danos emergentes de acidentes de viação resultantes da circulação do veículo de matrícula ..-..-TA estava transferida para a A... – Companhia de Seguros, S. A., através da apólice n.º ..., em vigor à data do acidente (28-01-2019). 15) O acidente de viação descrito no presentes autos foi, em simultâneo, um acidente de viação e um acidente de trabalho, tendo corrido termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho da Maia - Juiz 2, um processo especial de acidente de trabalho com o n.º 2163/19.2T8MAI, em que foi sinistrado o Autor no presente processo e responsáveis E..., S. A. – atualmente, B..., S. A. – e D..., Lda.. 16) O Autor nasceu no dia 05-11-1972. 17) Em consequência do acidente, o Autor sofreu vários ferimentos e várias lesões traumáticas, tendo sido imobilizado em plano duro e com colar cervical, sendo transportado do local do acidente pelo INEM para o Serviço de Urgências do Hospital ..., no Porto, onde foi internado e examinado, apresentando traumatismo da coluna lombar e fratura de L1. 18) Durante o período em que esteve internado no Hospital ..., no Porto, o Autor efetuou diversos exames, designadamente exames radiológicos e tomografia, e foi submetido a intervenção cirúrgica em 29-01-2019, para colocação de parafusos transpediculares com controlo fluoroscópico em D12-L1-L2. 19) O Autor esteve internado no Hospital ..., no Porto, entre os dias 28-01-2019 e 31-01-2019, inclusive;… 20) …Tendo recebido alta hospitalar, 31-01-2019, para o domicílio, e tendo sido orientado para a consulta externa de Ortopedia e os serviços clínicos da seguradora de acidentes de trabalho. 21) O Autor foi observado na Casa de Saúde ..., pelos serviços médicos da Tranquilidade, tendo efetuado novos exames complementares de diagnóstico e tendo-lhe sido prescritos tratamentos de medicina física e de reabilitação. 22) O Autor efetuou tratamentos de medicina física e de reabilitação na Unidade de Medicina Física e Reabilitação da Santa Casa da Misericórdia ..., diariamente, desde o dia 18-02-2019 até meados de maio de 2019. 23) O Autor teve alta 13-05-2019, retomando a sua atividade profissional com limitações por ter dificuldades em subir a andaimes e a escadas exteriores e em pegar em pesos. 24) Atualmente, o Autor apresenta as seguintes queixas: 1) Queixas a nível funcional: a) Postura, deslocamentos e transferências: dificuldade em manter-se em sedestração durante muito tempo e em subir escadas, por agravamento das lombalgias; dificuldade ao deitar, virar e levantar da cama; dificuldade ao apanhar objetos do chão; b) Fenómenos dolorosos: dores na região da transição dorsolombar bilateral, sem irradiação, com necessidade de recurso a analgesia com Paracetamol, cerca de 3 dias por semana, 2x/dia, em SOS; c) Outras queixas a nível funcional: nega parestesias dos membros inferiores. 2) A nível situacional: a) Atos da vida diária: dificuldades ao pegar em pesos, fazer as compras habituais e conduzir por períodos superiores a 30 minutos; b) Vida afetiva, social e familiar: deixou de fazer ciclismo e BTT como anteriormente ao acidente; ia trabalhar frequentemente de bicicleta e fazia também cicloturismo, pedalava cerca de 1000 km/mês; atualmente só anda de bicicleta ocasionalmente; deixou de praticar “BTT” o que fazia regularmente integrado num clube de ciclismo, o “C...”; deixou de correr porque isso lhe desperta dores nas costas; deixou de ajudar a esposa nas lides da casa principalmente a aspirar; ficou desanimado. 3) A nível profissional ou de formação: a) Dificuldade em subir a andaimes e a escadas e a pegar em pesos. 25) A cicatriz que o Autor apresenta, devido às lesões e à intervenção cirúrgica a que foi sujeito, devido ao acidente, causa ao Autor vergonha, constrangimento, desgosto, tristeza, complexos e inibição, desfavorecendo-o esteticamente, designadamente no seu dia a dia, quando se desloca no verão à praia, quando veste uns calcões, quando coloca um fato de banho, quando se coloca ao sol. 26) O Autor antes e à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, era uma pessoa sem qualquer incapacidade física ou estética que lhe dificultasse a sua normal vida pessoal e profissional, sendo uma pessoa saudável, dinâmica, expedita, diligente e trabalhadora. 27) O Autor, à data da ocorrência do acidente de viação descrito nos presentes autos, exercia e ainda exerce atualmente por conta de outrem, para a sociedade D..., Lda., a profissão de eletricista, com a categoria profissional de Eletricista BT;... 28) …Auferindo uma retribuição mensal ilíquida de cerca de € 1.483,69, discriminada da seguinte forma: € 850,00 x 14 meses/ano a título de salário base; € 169,40 x 11 meses/ano a título de subsídio de alimentação; € 464,29 x 11 meses/ano a título de outras remunerações. 29) Relativamente ao período em que esteve impedido de exercer a sua atividade profissional, devido às lesões e sequelas resultantes do acidente, entre o dia do acidente e 03-06-2019, o Autor recebeu da B..., S. A. e da D..., Lda. a quantia de € 4.027,96. 30) A Ré, por carta datada de 08-02-2019 – com o teor do documento 6 junto ao processo com a petição inicial, cujo teor de dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais –, expressamente reconheceu por escrito perante o Autor a culpa exclusiva (em 100%) do condutor do veículo de matrícula ..-..-TA na produção do acidente de viação descrito nos presentes autos e assumiu assim por escrito perante o Autor a responsabilidade na proporção de 100% pelo pagamento ao Autor de todos os prejuízos que o mesmo sofreu em consequência do acidente de viação descrito nos autos. 31) A Ré procedeu ao pagamento das despesas hospitalares junto das entidades hospitalares que prestaram tratamento médico e hospitalar ao Autor, designadamente ao Hospital ..., no Porto, Casa de Saúde ... e Santa Casa de Misericórdia .... 32) A Ré procedeu, em 14-02-2019, ao pagamento junto do Autor das seguintes quantias: a) € 900,00 a título de objetos pessoais, e b) € 600,00 a título de perda total do ciclomotor ..-JN-.., com o salvado para o Autor. 33) Em consequência do acidente, o Autor apresenta as seguintes sequelas: Ráquis: faz movimento de agachamento com alguma dificuldade, por dor referida à região lombar; Cicatriz normocrómica e normotrófica, linear longitudinal, com evidência de pontos de sutura, na transição dorsolombar mediana, com 13,6x1,2cm de maiores dimensões; Dor ligeira à palpação das apófises espinhosas na transição dorsolombar; Contratura paravertebral dorsolombar à direita; Mobilidade da coluna ligeiramente limitada no movimento de rotação direita; Schober 10-11,8cm; sem limitação nos restantes movimentos da coluna lombar; Dor lombar com os movimentos de hiperextensão da coluna lombar. 34) A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente é fixável em 03-06-2019. 35) O período de défice funcional temporário total em consequência do acidente é fixável num período de 4 dias. 36) O período de défice funcional temporário parcial em consequência do acidente é fixável num período de 123 dias. 37) O período de repercussão temporária na atividade profissional total em consequência do acidente é fixável num período de 106 dias. 38) O período de repercussão temporária na atividade profissional parcial em consequência do acidente é fixável num período de 21 dias. 39) As dores e demais sofrimentos sentidos pelo Autor em consequência do acidente são quantificáveis no grau 4, numa escala crescente de 0 a 7. 40) Em consequência do acidente, o Autor é portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos. 41) As sequelas de que o Autor é portador, em consequência do acidente, são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares. 42) Em consequência do acidente, o Autor ficou a padecer de um dano estético permanente quantificável no grau 2, numa escala crescente de 0 a 7. 43) Em consequência do acidente, o Autor ficou a padecer de lesões com repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, repercussão essa quantificável no grau 4, numa escala crescente de 0 a 7. 44) Em 12-03-2020, a Ré enviou ao Autor uma mensagem de correio eletrónico com o teor que consta do documento 2 apresentado com a contestação, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido. 45) Em 10-09-2020, o Autor, através do seu mandatário, enviou uma mensagem de correio eletrónico, para a Ré, rececionada na mesma data, com o teor que consta do documento 8 apresentado com a petição inicial, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido. * Na sentença recorrida consignou-se, para além do mais, o seguinte: «O Autor peticiona a condenação da Ré a pagar-lhe as seguintes quantias: 1.60.000,00€ a título de dano biológico na vertente de dano patrimonial (perda de capacidade de ganho); 2.10.000,00€ a título de dano biológico na vertente de dano não patrimonial ou do dano moral; 3.26.000,00€ a título de danos não patrimoniais; 4.2.537,96€ a título de perdas salariais; 5.500,00€ a título de despesas médicas e medicamentosas; 6.500,00€ a título de despesas com deslocações e transportes; 7. acrescido ainda, de várias quantias cuja total e integral quantificação/liquidação se relega para posterior incidente de liquidação (cfr. artºs 564º, nº. 2 e 569º do Código Civil e 556º, nº. 1, al. b) e nº. 2, 358º e 609º, n.º 22, do C.P. Civil) ou execução de sentença, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais futuros, na medida em que os mesmos de momento não podem ser determinados ou quantificados na data de propositura da presente ação». E ainda: «consideramos equitativo fixar a indemnização devida pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor em € 15.000,00. Analisemos, agora, a questão dos danos patrimoniais. A questão a analisar e decidir é, em síntese, a questão de saber se tendo o Autor ficado afetado por um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 7 pontos, e sendo as sequelas sofridas compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual, embora impliquem esforços suplementares, tal é suscetível de integrar um dano futuro de natureza patrimonial. Decorre da matéria de facto provada e não provada que, apesar das lesões e sequelas decorrentes do acidente, o Autor teve uma perda ligeira da capacidade de ganho. Ponderando os valores fixados pela jurisprudência em casos que apresentam alguma proximidade com o caso em análise, e tendo presente a factualidade provada no âmbito da questão ora em análise, entendemos que o dano de natureza patrimonial deverá ser fixado, com recurso à equidade, em € 40.000,00».
Das questões sob A), 1, 2 e 3 e B) 1 1. Desde logo, reconduz-se a Ré à indevida consideração do défice da integridade físico psíquica do A. na sua vertente de dano patrimonial em termos de arbitramento de indemnização pelo dano patrimonial futuro correspondente à perda da capacidade de dano, por não ter sido peticionado… Nada mais patentemente desconforme ao teor mesmo da petição inicial, quando se considerem os artigos 84 a 93 desta (para além de abundante invocação de matéria de direito a propósito da indemnização deste dano)… Na verdade, o Autor reconduz-se clara e manifestamente ao dano patrimonial futuro emergente do défice funcional permanente do qual ficou a padecer, não impeditivo do exercício da actividade profissional habitual, mas a implicar esforços suplementares e conexiona-o claramente com a perda de rendimentos do trabalho… Certo ainda que alude ao recebimento de capital de remissão no âmbito da acção de acidente de trabalho, mas não há a mínima correspondência literal ou interpretativa a partir da petição inicial a uma renúncia à indemnização do dano patrimonial correspondente à afectação da sua integridade física conexos com o exercício de actividade laboral… Bem ao invés. Pressupondo o A. a diferença de critérios de arbitramento, peticiona e indica o modo de cálculo do prejuízo ou dano correspondente. Manifestamente improcedente, assim, este segmento recursivo.
2. Quanto agora à excessiva liquidação do dano patrimonial correspondente ao défice da integridade físico psíquica, a integrar um erro de juízo/julgamento, pela atendibilidade de decisões dissemelhantes e quanto à liquidação deficitária deste, apreciar-se-ão conjuntamente, como se impõe, por dependerem da apreciação dos mesmos factos e direito. Em causa já a questão da ressarcibilidade da perda de capacidade laboral geral, do denominado dano biológico, sob a vertente patrimonial. Recorre-se já à terminologia de Maria da Graça Trigo, a quem se deve a reflexão mais e completa sobre a jurisprudência portuguesa que sobre este particular vem versando, vg em Adopção do conceito de dano biológico pelo direito português, ROA, Ano 72, I, Jan-Mar 2012 e em Responsabilidade Civil – Temas Especiais, Lisboa, UC, 20015. Os Tribunais superiores têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na vertente de lucros cessantes, porquanto se entende que a existência de incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, pode determinar a necessidade de desenvolver um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. Com efeito, conforme se escreve no já longínquo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2012[1] “a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”. Mais adiante desenvolve “ na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira capitis deminutio num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais”. Neste contexto, os lucros cessantes não decorrem apenas de uma incapacidade que implique uma perda total ou parcial de rendimentos auferidos pelo lesado no exercício da sua atividade profissional, mas igualmente prejuízos que incidem na sua esfera patrimonial[2], relacionados com a frustração de previsíveis possibilidades de desempenho de quaisquer outras atividades ou tarefas de cariz económico, passando ainda pelos custos de maior onerosidade no exercício ou no incremento de quaisquer dessas atividades ou tarefas, com a consequente repercussão de maiores despesas daí advenientes ou o malogro do nível de rendimentos expectáveis[3]. Noutra perspetiva, o dano biológico tem sido configurado como um tertius genus, com autonomia relativamente ao dano não patrimonial, pois se pondera que se trata de um dano de natureza específica, que envolve prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado[4], que implica uma perda genérica de potencialidades funcionais do lesado das quais deriva penosidade acrescida no exercício das tarefas do dia a dia[5]/[6]. Nessa medida, entende-se que mesmo não sendo perspetiváveis perdas patrimoniais próximas ou previsíveis, aquela perda constitui um dano ressarcível, o qual, pela sua gravidade, não poderá deixar de merecer a tutela do direito[7]. Por outras palavras, o dano biológico enquanto dano-evento, integrado por uma lesão de bens eminentemente pessoais, concretamente, da saúde, coloca a ênfase num aspeto importante: tratando-se de uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços, por parte do lesado, traduz-se numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das atividades pessoais, em geral, e numa consequente e, igualmente, previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando (ou podia desempenhar), com regularidade[8]. Este enquadramento permite valorizar o dano biológico em lesados que não entraram ainda no mercado de trabalho ou que, por via da idade ou de outras vicissitudes, não exercem uma atividade profissional. O dano em causa é entendido como tendo um cariz dinâmico compreendendo vários fatores, sejam atividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais[9], tanto mais que se traduz numa “diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”[10]. Por outras palavras, o dano biológico reflete a afetação da potencialidade física do lesado determinando uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará, com perda de qualidade de vida. [Aqui se consigna que o recurso a jurisprudência já longínqua no tempo visa reforçar a noção acima de estar em causa na fixação equitativa da indemnização um complexo de conceitos, noções ou aquisições sedimentadas e fundamentadas ao longo do tempo pela jurisprudência, mormente dos tribunais superiores.] Mais do que a respectiva qualificação — como dano patrimonial, não patrimonial ou como um tertium genus —, o que verdadeiramente se revela complexo é atribuir a soma justa tendente a ressarcir um dano que, na jurisprudência dos tribunais superiores, é tratado de modo díspar. Quando esteja em causa uma incapacidade que não implique abandono da profissão ou perda de capacidade de ganho, mas antes acréscimo dos esforços para o desempenho das mesmas tarefas profissionais, as indemnizações arbitradas divergem substancialmente, apesar de a esmagadora maioria das mesmas recorrer ao mesmo tipo de cálculo e de todas elas se socorrerem da equidade, com a consequente desigualdade no tratamento dos titulares do direito a uma indemnização. Como se refere no Ac. do STJ de 26.01.2012 (na base de dados da dgsi), «[o] conceito de “dano biológico” “dano à pessoa”, “dano à saúde”, “dano corporal” ou ainda “dano à integridade psicofísica” (…) emergiu, com particular relevância, com a sentença 184/86 do Tribunal Constitucional italiano, o qual, em interpretação dos artigos 32.º da Constituição e 2043.º do Código Civil [italiano], o considerou como um tertium genus a demandar indemnização por si, independentemente dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que lhe estejam associados». Essa construção veio a ter tradução legislativa em Itália, sendo que, em Portugal, onde os danos estão codificados como patrimoniais ou não patrimoniais, a jurisprudência foi seguindo um caminho onde, apesar de se ir firmando a ideia da ressarcibilidade do dano biológico independentemente da sua repercussão ou não na capacidade de ganho, não chegou a uma qualificação unânime. Assim se afirma no Ac. do TRL de 22.11.2016 que «(…) inexiste um consenso sobre a categoria em que deve ser inserido e, consequentemente, ressarcido, o dano biológico. Enquanto uma parte da jurisprudência (talvez maioritária) o configura como dano patrimonial, muitas vezes reconduzido ao dano patrimonial futuro; outra parte admite que pode ser indemnizado como dano patrimonial ou compensado como dano não patrimonial, segundo uma análise casuística. Assim, em função das consequências da lesão (entre patrimoniais e não patrimoniais) variará também o próprio dano biológico. Existe também uma terceira posição que o qualifica como dano base ou dano-evento que deve ser ressarcido autonomamente». Ainda assim, com excepção da corrente que defende que a ofensa à integridade física e psíquica da vítima, quando dela não resulte perda da capacidade de ganho, apenas tem expressão nos danos não patrimoniais[11], para as demais correntes, este dano, na vertente patrimonial, deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso consistindo o prejuízo a indemnizar. Sufraga-se, a exemplo do Ac. do TRL de 22.11.2016, na base de dados da dgsi, o pressuposto de que «(…) o dano biológico constitui uma lesão da integridade psicofísica, susceptível de avaliação médico- -legal e de compensação, estando a integridade psicofísica tutelada directamente no artigo 25.º, n.º 1, da Constituição («a integridade moral e física das pessoas é inviolável») e no artigo 70.º, n.º 1, do Código Civil». Assume-se, como naquele mesmo Acórdão, que o dano consiste «[n]uma incapacidade funcional ou fisiológica que se centra, em primeira linha, na diminuição da condição física, resistência e capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduz numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo, no desenvolvimento das actividades pessoais em geral, e numa consequente e, igualmente previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das tarefas que, no antecedente, vinha desempenhando com regularidade». Reconhece-se que tal dano tem expressão patrimonial, por se admitir que a respectiva integração no dano não patrimonial tende à subvalorização do mesmo: é a avaliação médico-legal e o respectivo enquadramento tabelar que fornecem a base para que a jurisprudência possa partir de elementos objectivos para a determinação do valor da indemnização. Reportar o dano da afectação psicofísica à categoria de dano não patrimonial, a mais de desconsiderar que a capacidade de obter rendimento, que fica prejudicada, constitui um dano de natureza patrimonial, acrescenta nas mãos do julgador o encargo de materializar o que não é material, aumentando a álea e, com isso, a potencial desigualdade entre lesados[12]. Quanto à quantificação deste dano, sublinha-se no Ac. do TRP de 30.09.2014 (no mesmo lugar) que tal «(…) constitui uma espinhosa tarefa (…). A percepção das dificuldades e, mais do que isso, a apreciação crítica da diversidade dos resultados decorrente do recurso a critérios rodeados de elevada dose de subjectividade levou a que em alguns sistemas se tenha avançado para a introdução de outros potenciadores de maior objectividade. Assim aconteceu, por exemplo, em Espanha, com a introdução de medidas de “baremacion”, nos termos da Ley n.º 30/1995, de 8-11, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo valor vinculativo, é um tal sistema assente em “barémes” que se encontra implantado em França (…). É de reconhecer também o esforço do legislador português no sentido da uniformização de critérios de cálculo e defesa do interesse das vítimas de acidentes de viação, designadamente através da publicação de vários diplomas, como sejam o Decreto-Lei n.º 83/2006, de 3 de Maio, o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o Decreto-lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro — que introduziu na ordem jurídica portuguesa a Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil —, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, que, complementando-o, estabeleceu os valores orientadores de proposta razoável para indemnização do dano corporal resultante de acidente de automóvel e a Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, que, além do mais, veio actualizar os valores daqueloutra, de acordo com o índice de preços ao consumidor de 2008». No que concerne aos fatores a ponderar no respetivo cálculo, com vista à maior uniformidade na sua quantificação, têm sido apontados os seguintes[13]: - a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; - no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; - os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação que se impõe fundada na equidade; - deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, pelo que há que considerar esses proveitos introduzindo um desconto no valor encontrado; - deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa do lesado, a respetiva esperança média de vida do lesado, enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para além do tempo da reforma[14]; - a idade do lesado; - o grau de défice funcional permanente; - as suas potencialidades de aumento de ganho em profissão ou atividade económica alternativa, aferidas, em regra, pelas suas qualificações. A utilização de critérios de equidade não impede que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, sendo que a prossecução desse princípio implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente incompatível com as circunstâncias do caso (Acórdão do STJ, de 4 de junho de 2015, acessível em www.dgsi.pt). Ora “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição” (Acórdão do STJ, de 21 de fevereiro de 2013, acessível em www.dgsi.pt), cumprindo não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes (Ac. do STJ, de 4 de junho de 2015, acessível em www.dgsi.pt). Desde logo, se encararmos o dano biológico como uma lesão da integridade psicofísica, não podemos recusar a premissa de que esta é igual para todos. Princípio da igualdade expressamente assumido, desde logo no Ac. do TRL de 22.11.2016, já citado, e no Ac. do STJ de 26.01.2012, no mesmo lugar, neste último se referindo, aliás, que o desenvolvimento da noção do dano biológico em Itália partia, entre outros, do pressuposto da «(…) irrelevância do rendimento do lesado como finalidade da liquidação do ressarcimento». Na busca do tratamento paritário, no cálculo que efectue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correcção, com base na equidade. Só assim será possível uniformizar minimamente o tratamento conferido aos lesados. Temos como adequada, pois, a consideração do salário médio nacional. Assim é que, quando ao valor de referência para o cálculo, o mesmo critério uniformizador e a ponderação de que idêntico grau de défice funcional permanente não é maior nem menor consoante o valor do vencimento, sucedendo, com frequência, serem as profissões produtoras de menores rendimentos, relacionadas com funções indiferenciadas por via da inexistência de formação técnica ou superior, aquelas onde se encontram os lesados mais afetados, vem-se defendendo que importa partir do valor do salário médio nacional. Nesse sentido, vide Ac. RL de 25.02.2021 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 852/17.5T8AGH.L1-2.; Ac. RC de 29.01.2019 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 342/17.6T8CBR.C1, com os quais concordamos. Ponderando o respectivo valor mensal à data da consolidação médico-legal das lesões, como acessível em www.pordata.pt/Portugal, o défice funcional permanente de 7 pontos, a idade do Autor, a esperança média de vida até aos 83 anos, as taxas de juro das aplicações financeiras e a inflação e recorrendo à equidade (sede em que interfere a ponderação do rendimento demonstradamente obtido, como a susceptibilidade do seu incremento), afigura-se que o montante de € 40.000 é adequado para o ressarcimento do dano em causa. Percorrendo-se ademais algumas situações na jurisprudência, assim os exemplos constantes do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04 de Julho de 2023 [proferido no processo n.º 342/19.1T8PVZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.jstj.pt/], que apresentarão menor gravidade (quanto à incapacidade, ainda quando maior extensão temporal do dano) com a situação em causa nos autos, temos: - a um ciclista, estudante, de 19 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente de 3%, foi atribuída indemnização por dano patrimonial futuro de € 15.000,00 (acórdão do STJ de 11.11.2020, processo 16576/17.0T8PRT.P1.S1); - a um peão de 45 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 5%, atribuiu-se a indemnização de € 12.500,00 (acórdão do STJ de 12.11.2020, 4212/18.2T8CBR.C1.S1); - a dois lesados, de 45 e 51 anos de idade, que ficaram afetados, respetivamente, de défice funcional permanente de 28% e 8%, o STJ atribuiu, respetivamente, indemnização por dano patrimonial futuro, de € 40.000,00 e € 10.000,00 (acórdão do STJ de 12.11.2020, processo 317/12.1TBCPV.P1.S1); - a um lesado com 32 anos de idade, que ficou afetado com défice funcional permanente parcial de 4%, foi atribuída indemnização por dano patrimonial no valor de € 20.000,00 (acórdão do STJ de 14.01.2021, processo 2545/18.7T8VNG.P1.S1). Aqui se consigna que, naturalmente, se ponderaram as concretas circunstâncias da inflação e taxas de juro actuais e ademais a influência do défice da integridade em termos de progressão na carreira e possibilidade de empregabilidade futura, vista ademais a idade do ofendido e a sua profissão. É o que de resto mereceu já uma majoração, sem que se esqueça a escassez em Portugal de técnicos ou operários especializados, como é o caso de electricistas. Ponderada a natureza da actividade profissional concreta exercida e a natureza do agravamento da penosidade desta relacionada com a incapacidade geral (assim as dificuldades de execução de tarefas normalmente compreendidas na profissão habitual). Improcedentes, ambos, os recursos, mantendo-se a indemnização arbitrada a este título. * Quanto já à liquidação dano moral, como posta em causa no recurso do Autor… Quanto aos danos não patrimoniais, correspondem a prejuízos não susceptíveis de avaliação pecuniária e o montante indemnizatório ou compensatório destes danos, que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil), há-de ser fixado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa) ex æquo et bono, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias que, no caso, se justifiquem (arts. 496º n.º 1 e 3 e 566º n.º 3 do Cód. Civil). Podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc. Enquanto os primeiros podem ser reparados ou indemnizados, os danos não patrimoniais apenas poderão ser compensados. A ressarcibilidade dos danos morais foi expressamente reconhecida no nosso ordenamento jurídico, conforme decorre do art. 496º do Código Civil que dispõe que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Do normativo legal ora transcrito resulta claramente que apenas são ressarcíveis os danos não patrimoniais que assumam determinada gravidade, merecedora da tutela do direito. Conforme refere Antunes Varela (op. cit., pág. 606), “a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquando a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos”, referindo, ainda, que a gravidade apreciar-se-á também “em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”. Caso se conclua pela ressarcibilidade dos aludidos danos, a indemnização deverá ser fixada em conformidade com o disposto no n.º 3 do citado art. 496º do Código Civil. Assim, “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”. O montante da indemnização deve, desta forma, ser fixado de forma equitativa, tendo em atenção o grau de culpabilidade, a situação económica do agente e do lesado e as demais circunstâncias do caso. No que respeita aos danos não patrimoniais, importa referir que o Tribunal tem, diferentemente da avaliação dos danos patrimoniais, não que verificar "quanto as coisas valem", mas sim que encontrar "o quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta" possível (Galvão Telles, Direito das Obrigações, pag. 377). O prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, "mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem ou, em todo o caso, compensem esse dano" - Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Setembro 1992, nº 1, 1º ano, APADAC, pag. 20). Como se diz no Ac. STJ 16/04/1991 (BMJ 406-618, Cura Mariano), o art. 496º, do CC, fixou "não uma concepção materialista da vida, mas um critério que consiste que se conceda ao ofendido uma quantia em dinheiro considerada adequada a proporcionar-lhe alegrias ou satisfações que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos, ou outros sofrimentos que o ofensor tenha provocado". Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no art. 496, nº 3, CC, o que, evidentemente "importará uma certa dificuldade de cálculo" (Ac. cit., pag. 621), mas que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão: é um risco assumido pelo sistema judicial. No caso dos autos, temos que, como danos não patrimoniais, surgem as dores sofridas pelo Autor com as lesões e ademais a afectação da vida quotidiana e a incapacidade geral de que padeceu e ainda padece o dano estético, tudo conforme matéria assente. Decisivo se nos afigura ademais o tempo de recuperação e o prejuízo de afirmação pessoal, moderado. Todos estes danos assumem um carácter suficientemente grave para permitir a sua tutela pelo direito, sendo que, neles se pode sublinhar, destacando-se, a dor. A dor, na definição da Associação Internacional para o Estudo da Dor, traduz-se numa "experiência sensorial e emocional desagradável associada a lesão tecidular ou descrita em termos de lesão tecidular" (João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 98), constituindo-se, assim, como uma "experiência subjectiva resultante da actividade cerebral como resposta a traumatismos físicos e/ou psíquicos", ou seja, como resposta, entre outras situações, a um traumatismo de qualquer parte do corpo ou da mente. Esta definição pode ser tomada como "pedra de toque para a aceitação dos seus elementos nucleares, ou seja a dor física e a dor psicológica" (J. Coelho dos Santos, A reparação civil do dano corporal: reflexão jurídica sobre a perícia médico legal e o dano dor, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Maio 1994, Ano III, nº 4, APADAC, IML-Coimbra, pag. 77), devendo - portanto - ter-se em conta, que "o dano-dor abarca a dor física e a dor em sentido psicológico, a primeira resultante dos ferimentos aquando da acção lesiva e das posteriores intervenções cirúrgicas e tratamentos - tendentes à reconstituição natural da integridade física da vítima na situação em que se encontrava antes da lesão, pois, idealmente, procura-se a cura, ou seja, impedir que a lesão corporal deixe sequelas permanentes - integrando a segunda um trauma psíquico consequente do facto gerador da responsabilidade civil, quer resulte duma pura reacção emotiva individual sem relação com qualquer ofensa física, quer seja um reflexo desta" (Coelho dos Santos, ob. cit., pag. 78; cfr., ainda, Mamede de Albuquerque-Taborda Seiça-Paula Briosa, Dor e dano osteoarticular, Revista Portuguesa do Dano Corporal, Novembro 1995, Ano IV, nº 5, APADAC, IML-Coimbra, pag. 73-86). Já se vê, assim, que não é fácil descrever esta experiência sensorial, mesmo para quem usa a palavra como instrumento para criação literária. "Virgínia Woolf lamentava a pobreza da língua quando se tratava de descrever a dor física, e Jonh Updike, (...) dizia que «a doença e a dor ...] interessam muito a quem as sofre, mas a sua descrição cansa-nos ao fim de poucos parágrafos»" (João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 97). A dor (tal como a doença), "é quase sempre uma experiência individual, intransmissível, profundamente solitária" (João Lobo Antunes, Aluno-médico-doente, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 107), sendo o modo como é sofrida e a angústia que a envolve, fenómenos ideosincráticos, com um acentuado componente cultural (João Lobo Antunes, Sobre a dor, in Um Modo de Ser, Gradiva, 2000, pag. 102). A avaliação da dor é, por seu turno, sempre algo complicada, por nela deverem intervir muitos factores, como sejam o sexo, a idade, a profissão, o meio social e cultural. Assim, deve ser levado em conta, na falta de outros dados que infirmem estas constatações, que os limiares e a tolerância individual à dor são mais baixos na mulher que no homem e que no mesmo sexo, são tanto mais baixos quanto maior for a emotividade (Pinto da Costa, O Código Penal e a Dor, Revista de Investigação Criminal). Em termos médico-legais, por seu turno, importa sublinhar que o concreto quantum doloris do Autor em causa, no caso dos autos e na escala valorativa de sete graus (muito ligeiro, ligeiro, moderado, médio, considerável, importante, muito importante), com os dados constantes do processo, deve considerar-se como médio (cfr., Oliveira Sá, Clínica Médico-Legal da Reparação do Dano Corporal em Direito Civil, APADAC, IML-Coimbra, 1992, pag. 135). Considerem-se ademais os défices temporário total e permanente parcial da integridade físico-psíquica. Como os tratamentos e internamentos padecidos. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, como se viu, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e a do lesado – art. 494º ex vi art. 496º, nº3, ambos do Código Civil -, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, etc. Deve ter-se ainda presente que o bem supremo, e por isso o mais valioso, é o bem vida e que, por isso, a indemnização devida por danos físicos e psíquicos deverá calcular-se por referência à que seria arbitrada em caso de privação da vida. É sabido que quanto a tal tipo de danos não há uma indemnização verdadeira e própria mas antes uma reparação ou seja a atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos através do proporcionar de um certo número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer. Ao contrário da indemnização cujo objectivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado, a reparação destina-se a aumentar um património intacto para que, com tal aumento, o lesado possa encontrar uma compensação para a dor, “para restabelecer um desequilíbrio verificado fora do património, na esfera incomensurável da felicidade humana” (Pachioni). Por isso que o valor dessa reparação, como ensina o Prof. Antunes Varela, deva ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. A indemnização reveste, assim, no caso dos danos não patrimoniais uma natureza acentuadamente mista: por um lado visa a compensação de algum modo, mais do que indemnizar as dores sofridas pela pessoa lesada; por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico, com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente- v. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 2ª ed., pág. 486 e nota 3 e pág. 488. Isso mesmo se colhe da lei, nomeadamente dos artigos 495º, 496º, n.º3 e 497º, todos do Código Civil. Tudo isto é conseguido através dos juízos de equidade referidos no art. 496, nº 3, CC, o que, evidentemente "importará uma certa dificuldade de cálculo" (Ac. cit., pag. 621), mas que não poderá servir de desculpa para uma falta de decisão: é um risco assumido pelo sistema judicial. O Ac. STJ de 25 de Novembro de 2009 (in http://www.dgsi.pt/ processo nº 397/03.0GEBNV.S1) elenca, exaustivamente, as seguintes componentes do dano não patrimonial: - o chamado quantum (pretium) doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, com tratamentos, intervenções cirúrgicas, internamentos, a analisar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico; - o “dano estético” (pretium pulchritudinis), que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; - o “prejuízo de distracção ou passatempo”, caracterizado pela privação das satisfações e prazeres da vida, vg., com renúncia a atividades extra-profissionais, desportivas ou artísticas; - o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afetiva, recreativa, cultural, cívica), integrando este prejuízo a quebra na “alegria de viver”; - o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza as lesões muito graves, com funestas incidências na duração normal da vida; os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; - o prejuízo juvenil “pretium juventutis”, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida, privando a criança das alegrias próprias da sua idade; - o “prejuízo sexual”, consistente nas mutilações, impotência ou dificuldades, resultantes de traumatismo nos órgãos sexuais; - o “prejuízo da autossuficiência”, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os atos correntes da vida diária, decorrente da impossibilidade caminhar, de se vestir, de se alimentar. No caso dos autos, temos que, como danos não patrimoniais, surgem, decisivamente: o Quantum Doloris, fixável no grau 4/7; o Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 7 pontos, não sendo de admitir a existência de Dano Futuro, o agravamento das sequelas; os demonstrados dano estético (grau 2) e prejuízo de afirmação pessoal (grau 4). Analisem-se, finalmente, – tendo ainda em conta que no acórdão do STJ de 21 de Janeiro de 2021 (processo nº 6705/14) foi atribuída compensação de € 40 000,00 a lesada com 32 anos de idade que ficou com défice funcional de 27 pontos, tendo sofrido graves lesões (fratura do nariz, sobrolho, testa, traumatismo craniano e fractura dos dentes) e sendo submetida a intervenção cirúrgica; no acórdão do STJ de 07 de Setembro de 2022 (processo nº 5466/15) foi atribuída a compensação de € 60.000,00 a lesado em acidente de viação, com 34 anos, que sofreu esmagamento dos membros inferiores, e que ficou afectado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 67 pontos, com quantum doloris de grau 6 numa escala de 7, entre outras sequelas gravíssimas; no acórdão do STJ de 19 de Setembro de 2019 (processo nº 2706/17) foi atribuída a compensação de € 50.000,00 a lesado de 55 anos, sujeito a uma intervenção cirúrgica, exames médicos e vários ciclos de fisioterapia, que ficou afectado com um défice funcional permanente de 32 pontos, dores quantificáveis em 5 escala de 7, e dano estético de grau 3 escala de 7, impossibilitado de exercer a sua profissão habitual, o que o afectou psicologicamente; no acórdão do STJ de 26 de Maio de 2021 (processo nº 763/17) foi atribuída a compensação de € 35.000,00 a lesado que ficou afectado de défice funcional permanente de 13 pontos, que teve de usar durante 6 meses colete lombar, e que sofreu dores muito intensas; no acórdão do STJ de 19 de Outubro de 2021 (processo nº 2601/19) foi atribuída a compensação de € 45.000,00 a sinistrado com 44 anos, que esteve 2 anos de baixa médica, dos quais 22 dias em internamento hospitalar; quantum doloris de grau 5 numa escala de 7, dano estético de 3 numa escala de 7, e que ficou afectado de um défice funcional permanente de 15 pontos, nunca mais deixando de claudicar [todas as decisões disponíveis em www.dgsi.jstj.pt/], grande parte destas decisões retratando realidades objectivamente menos gravosas, salvo sempre melhor opinião, que o dano sofrido pelo aqui autor; não esquecendo os valores que no entender da administração pública corresponderão a proposta razoável de indemnização aos lesados por acidente de viação (fixados por portaria dos Ministérios das Finanças e da Administração Pública e da Justiça nº 377/08, de 26 de Maio, alterada pela portaria das mesmas entidades nº 679/2009, de 25 de Junho); e sempre tendo em conta a importância que os valores eminentemente pessoais assumem como meio para a realização da pessoa (afinal, o núcleo ético inviolável da nossa sociedade - acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência; 1993; tomo 3; página 181) – não se afigura excessivo fixar em € 20 000,00 o valor pecuniário susceptível de compensar o autor pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente em causa nos autos, sendo-o quer a título de dano emergente, quer em relação ao dano não patrimonial determinado pelo défice funcional do qual ficou afectado.
3. Quanto agora à necessidade de descontar ao valor arbitrado a título de dano patrimonial emergente do défice funcional permanente da integridade físico psíquica o valor já recebido pelo A. a título de capital de remição, pela Seguradora do Acidente de trabalho, como propugnando pela Ré no seu recurso. Aqui nos reconduzimos ao decidido no Acórdão do STJ de 11.12.2012, relatado eximiamente por Lopes do Rego, o qual sintetiza o enquadramento jurídico da questão decidenda. Assim: «As indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto. Constitui entendimento uniforme e reiterado o de que as indemnizações consequentes ao acidente de viação e ao sinistro laboral – assentes em critérios distintos e cada uma delas com a sua funcionalidade própria – não são cumuláveis, mas antes complementares até ao ressarcimento total do prejuízo causado, pelo que não deverá tal concurso de responsabilidades conduzir a que o lesado/sinistrado possa acumular no seu património um duplo ressarcimento pelo mesmo dano concreto. Por outro lado, não é controvertida a conclusão segundo a qual a responsabilidade primacial e definitiva é a que incide sobre o responsável civil, quer com fundamento na culpa, quer com base no risco, podendo sempre a entidade patronal ou respectiva seguradora repercutir aquilo que, a título de responsável objectivo pelo acidente laboral, tenha pago ao sinistrado. Desta fisionomia essencial do concurso ou concorrência de responsabilidades (que não envolve um concurso ou acumulação real de indemnizações pelos mesmos danos concretos) pode extrair-se a conclusão que este figurino normativo preenche, no essencial, a figura da solidariedade imprópria ou imperfeita, já que: - no plano das relações externas, o lesado/sinistrado pode exigir alternativamente a indemnização ou ressarcimento dos danos a qualquer dos responsáveis, civil ou laboral, escolhendo aquele de que pretende obter em primeira linha a indemnização, mas sem que lhe seja lícito somar, em termos de acumulação real, ambas as indemnizações; - no plano das relações internas, a circunstância de haver um escalonamento de responsabilidades, sendo um dos obrigados a indemnizar o responsável definitivo pelos danos causados, conduz a que tenha de se outorgar ao responsável provisório (a entidade patronal ou respectiva seguradora) o direito ao reembolso das quantias que tiver pago, fazendo-as repercutir definitivamente, directa ou indirectamente, no património do responsável ou responsáveis civis pelo acidente. Têm sido, todavia, acentuadas algumas particularidades ou aspectos específicos e peculiares desta relação de solidariedade imprópria. Assim: - no que toca ao regime das relações externas, acentua-se que (ao contrário do que ocorre na normal solidariedade obrigacional – art. 523º do CC ) o pagamento da indemnização pelo responsável pelo sinistro laboral não envolve extinção, mesmo parcial, da obrigação comum, não liberando o responsável pelo acidente de viação: é que, se a indemnização paga pelo detentor ou condutor do veículo extingue efectivamente a obrigação de indemnizar a cargo da entidade patronal, já o inverso não será exacto, na medida em que a indemnização paga por esta entidade não extinguiria a obrigação a cargo do responsável pela circulação do veiculo que causou o acidente (cfr., por exemplo, o Ac. de 19/10)10, proferido pelo STJ no P. 696/07.2TBMTS.P1.S1); e daí que se qualifique como sub-rogação legal (e não como direito de regresso) o fenómeno da sucessão da entidade patronal ou respectiva seguradora nos direitos do sinistrado contra o causador do acidente, referentemente à parcela da indemnização que tiver satisfeito (cfr. Acs. de 9/3/10, proferido pelo STJ no P. 2270/04.6TBVLG.P1.S1, e de 11/1/01, proferido no P. 4760/07.0TBBRG.G1.S1); - no plano das relações internas, tem sido acentuado que o quadro normativo aplicável é o que resulta estritamente do disposto na lei dos acidentes de trabalho em vigor (actualmente, o art. 31º da Lei 100/97), sendo esse direito ao reembolso do responsável laboral efectivado necessariamente por uma de três formas: - substituindo-se ao lesado na propositura da acção indemnizatória contra os responsáveis civis, se lhe pagou a indemnização devida pelo sinistro laboral e o lesado não curou de os demandar no prazo de 1 ano a contar da data do acidente; - intervindo como parte principal na causa em que o sinistrado exerce o seu direito ao ressarcimento no plano da responsabilidade por factos ilícitos, aí efectivando o direito de regresso ou reembolso pelas quantias já pagas; - exercendo o direito ao reembolso contra o próprio lesado, caso este tenha recebido (em processo em que não haja tido lugar a referida intervenção principal) indemnização que represente duplicação da que lhe tinha sido outorgada em consequência do acidente laboral.» Desde logo, o lesado não omite o recebimento de indemnização decorrente do acidente laboral: bem pelo contrário, refere explicitamente tal recebimento, peticionando que lhe seja arbitrada quantia que parece representar uma indemnização adicional à emergente do sinistro laboral, logicamente reportada ao ressarcimento de danos que se não pudessem ter por incluídos ou contemplados no capital de remição que reconhece ter sido recebido. Assim é que à petição inicial, como acto jurídico não negocial se aplicam, por força do artigo 295º do CC, os critérios da interpretação do negócio jurídico e, desde logo, a teoria da impressão do destinatário. Bem assim quanto à sentença recorrida. Ora, por força do princípio dispositivo – que implica a congruência entre a petição e a sentença – não se concebe atribuir esta ao lesado uma indemnização global que compreendesse os danos já ressarcidos no procedimento por acidente de trabalho. Com efeito, a sentença proferida carece naturalmente de ser interpretada em conformidade com o pedido deduzido pelo A. Ora, interpretando adequadamente a sentença proferida e vistas as considerações supra quanto ao dano patrimonial emergente do défice da integridade físico-psíquica de que o A. ficou a padecer, que no caso concreto não se reconduz a uma perda de rendimentos provenientes do trabalho habitual, mas antes a uma maior penosidade deste e a uma expectável não progressão na carreira e consequente aumento de rendimentos (no que concerne directamente ao plano laboral da afectação, sendo que outros domínios, com dimensão imediatamente patrimonial foram ademais ressaltados), não pode efectivamente concluir-se que a quantia arbitrada ao lesado a título de ressarcimento do dano patrimonial futuro represente uma duplicação da indemnização consubstanciada no recebimento do capital de remição: analisando a linha argumentativa nela expendida, e, decisivamente, a que antecede, tem de concluir-se que o valor pecuniário arbitrado não tem como função e finalidade a compensação das perdas salariais decorrentes do grau de incapacidade laboral fixado ao sinistrado no procedimento de acidente de trabalho, mas antes a compensação do dano biológico inevitavelmente associado às sequelas das gravosas lesões sofridas – e nessa medida, totalmente autónomo e diferenciado da problemática das referidas perdas salariais. Saliente-se, em apoio desta interpretação, em reforço do entendimento segundo o qual no valor arbitrado ao lesado se não mostram compreendidas as perdas salariais, ressarcidas através da entrega do capital de remição, mas apenas o dito dano biológico, por as sequelas das lesões sofridas implicarem esforços ou sacrifícios acrescidos, não apenas no exercício de tarefas laborais, mas também na vida pessoal, como fundamento do não abatimento do valor do capital de remição, atenta a diversidade dos danos contemplados que, na verdade, o dano que a indemnização acima fixada visa ressarcir não é um dano laboral, mas um dano de natureza geral, ou seja, o que corresponde à denominada incapacidade permanente geral, correspondente à afectação definitiva da capacidade física e/ou psíquica da pessoa, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares, sociais, de lazer e desportivas, a qual não tem sequer expressão em termos de incapacidade para o trabalho habitual, apenas exigindo ao autor esforços acrescidos nesse domínio. Esta interpretação conduz a que se não tenha por demonstrada a acumulação real de indemnizações referentes a um mesmo dano, já que se verifica estar em causa não o dano consubstanciado na perda de rendimentos salariais decorrente do grau de incapacidade fixado ao sinistrado no processo de acidente de trabalho (compensado pela entrega do capital de remição), mas antes o dano biológico decorrente das sequelas das lesões sofridas, perspectivado não como fonte de uma perda de rendimentos laborais, mas antes como diminuição global das capacidades gerais do lesado, envolvendo uma verdadeira capitis deminutio para a realização de quaisquer tarefas, que passam a exigir-lhe um esforço acrescido, compensado precisamente com o arbitramento desta indemnização. E, não estando, deste modo, demonstrada a existência do referido fenómeno da duplicação de indemnizações, é evidente que cai pela base a pretensão de abater o capital de remição ao valor indemnizatório arbitrado nos presentes autos. Voltando ao Acórdão do STJ, que vimos seguindo de muito perto, «São de considerar como danos diferentes o que decorre da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado no processo de acidente de trabalho e compensado pela atribuição de certo capital de remição, e o dano biológico decorrente das sequelas incapacitantes do lesado que – embora não determinem perda de rendimento laboral - envolvem restrições acentuadas à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as actividades da vida pessoal e corrente.» Improcedente bem assim este segmento do recurso da Ré. * Decidiu-se na sentença recorrida, no que às assinaladas questões sob recurso importa: “O Autor peticiona juros no dobro da taxa legal, defendendo que a Ré não apresentou proposta de indemnização dentro dos prazos legais previstos e que a proposta apresentada pela Ré não é uma proposta razoável. No caso em análise, verifica-se que o Autor apresentou o pedido de indemnização em 10-09-2020 (documento 8 apresentado com a petição inicial), pelo que a Ré teria 45 dias para apresentar a sua proposta (art. 37.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de agosto. Sucedeu que a proposta da Ré havia sido já apresentada em 12-03-2020 (documento 2 apresentado com a contestação), ou seja, foi apresentada em momento oportuno por antecipação, digamos assim. Porém, a proposta apresentada não pode ser considerada uma proposta razoável, pois o montante proposto pela Ré (€ 9.328,14) está muito distante do valor que é devido pela indemnização dos danos em causa (€ 57.537,96), ou seja, a proposta apresentada pela Ré gera um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado (art. 38.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 291/2007). Consequentemente, são devidos juros no dobro da taxa legal, calculados sobre a diferença entre o montante oferecido (€ 9.328,14) e o montante fixado na decisão judicial (€ 57.537,96), ou seja, calculados sobre a quantia de € 48.209,82; e contados desde 11-09-2020 (que é o primeiro dia útil seguinte à apresentação do pedido de indemnização apresentado pelo Autor, atendendo a que a Ré havia apresentado a proposta por antecipação) até à data desta decisão (art. 38.º, n.º 4 por remissão do art. 39.º, n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 291/2007).» Ora, vejamos. O Dec.-Lei nº 291/2007 de 21 de Agosto, diploma que aprovou o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, entretanto alterado pela Rectificação nº 96/2007 de 19/10 e Dec.-Lei nº 153/2008 de 06 de Agosto, introduziu, nos art. 35º a 40º, regras novas relativamente às participações dos sinistros e à resposta da seguradora impondo a estas uma postura activa e colaborante, sob pena de lhe serem aplicadas sanções cíveis. No que concerne à resposta da seguradora, esta deve contactar o tomador do seguro ou com o terceiro lesado no prazo de 2 dias úteis a contar da participação do sinistro marcando as peritagens que devam ter lugar (art. 36º nº 1 a)) e comunicar a assunção ou a não assunção de responsabilidade no prazo de 30 dias úteis a contar do termo do prazo para contacto do tomador ou do terceiro lesado (e)). No caso de assunção de responsabilidade, que é o que aqui importa, e o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte, a sua posição consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização que é “aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado” - art. 38º nº 1 e 4. Preceitua o nº 2 deste artigo que a seguradora, caso incumpra os deveres previstos no nº 1, deve pagar juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo. E, nos termos do nº 4 do mesmo preceito, se o montante proposto for manifestamente insuficiente são devidos juros no dobro da taxa legal sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na sentença contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos no nº 1 desse artigo até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida nesta. No caso de sinistros que envolvam danos corporais há que atender às normas especiais correspondentes aos art. 37º e 39º referentes, a primeira à diligência e prontidão da seguradora na regularização de sinistros, e a segunda à proposta razoável. O nº 1 do artigo 39º remete para o art. 37º nº 1 c) que dispõe que a seguradora tem o prazo de 45 dias a contar da data do pedido de indemnização para comunicar a assunção ou não da responsabilidade no caso de entretanto haver sido emitido o relatório de alta clínica e o dano ser totalmente quantificável informando, por escrito ou por documento electrónico, daquele facto o tomador ou o segurado e o terceiro lesado. Remete igualmente para o art. 37º nº 2 b), nos termos do qual, sempre que neste prazo de 45 dias, não tenha sido emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável, deve formular proposta provisória e, no caso desta ser aceite, deve assumir a responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar do conhecimento pela seguradora do relatório de alta clínica ou da data a partir da qual o dano deva considerar-se como totalmente quantificável se posterior. Assim, no caso de assunção de responsabilidade e o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte, esta posição consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização (art. 39º nº 1 e 6). O agravamento dos juros previsto no art. 39º nº 2 pressupõe que a responsabilidade não seja objecto de controvérsia, que o dano seja quantificável, no todo ou em parte e que a quantia constante da proposta apresentada seja razoável e não manifestamente insuficiente. São estes os pressupostos desta sanção civil. Todavia, os juros são devidos à taxa legal sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na sentença quando a proposta tenha sido efectuada “nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanente em Direito Civil” (i.e., nos termos da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio cfr. nº 5), sendo que quanto aos danos não patrimoniais os juros são apenas devidos a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos (nº 3 do art. 39). No que concerne aos danos futuros a proposta razoável pode ser limitada ao prejuízo provável para os três meses seguintes, excepto se já for conhecido o quadro médico e clínico do lesado (nº 4 do art. 39º). A lei não precisa ou concretiza o que deve ter-se por proposta manifestamente insuficiente. Deve notar-se, contudo, que o artigo 39º, nº 3 do Decreto-Lei n.º 291/2007 estabelece que:” Todavia, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros nos termos do número anterior são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos.” E foi emitida a Portaria n.º 377/2008 de 26 de Maio para densificar a “proposta razoável de indemnização” a apresentar aos lesados no âmbito dos acidentes de viação. Esta Portaria veio fixar critérios e valores orientadores estabelecendo em anexo tabelas relativas às indemnizações a arbitrar em caso de morte e por danos corporais. No preâmbulo diz-se que o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas. Alguma jurisprudência tem vindo a entender que a profunda divergência entre o montante da proposta efectuada pela seguradora e o valor da indemnização que vem a ser fixado pelo tribunal é quanto basta para que, em termos objectivos, não se possa qualificar aquela como "razoável", nada mais precisando o lesado de provar para poder beneficiar do estabelecido no artigo 38, nº2 ex vi artigo 39.º n.º 2 do Decreto-Lei 291/2007. Querendo a seguradora beneficiar do regime do n.º 3 do referido artigo 39.º tem o ónus de alegar factos que, uma vez provados, permitam concluir que efectuou a proposta "nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil". – V. g. acórdão da Relação de Guimarães de 07-05-2020, proc. nº 8404/15.8T8GMR.G1 in www.dgsi.pt. Reconheça-se que os critérios orientadores da tabela passaram a ser tomados à letra pelas seguradoras e respaldam propostas miserabilistas, em nada contribuindo para o desiderato da almejada “proposta razoável de indemnização”, para mais quando é jurisprudência unânime a ressarcibilidade de danos que a tabela desconsidera. A pretendida resolução extra judicial do litígio fica comprometida e proliferam as acções instauradas em tribunal onde não é discutida a dinâmica do acidente (pois a seguradora assume a responsabilidade pela obrigação de indemnizar o lesado) mas apenas os danos e essencialmente o quantum indemnizatório. Não obstante, quanto à interpretação do que seja uma proposta razoável a jurisprudência encontra-se dividida. Uns entendem que a profunda divergência entre o montante da proposta efectuada pela seguradora e o valor da indemnização que vem a ser fixado pelo tribunal é quanto basta para que, em termos objectivos, não se possa qualificar aquela como "razoável" sendo os juros devidos em dobro, nada mais precisando o lesado de provar para poder beneficiar do estabelecido no art. 38, nº 2 ex vi art. 39.º nº 2 do diploma em análise. Querendo a seguradora beneficiar do regime do nº 3 do referido art. 39.º tem o ónus de alegar factos que, uma vez provados, permitam concluir que efectuou a proposta "nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil". Neste sentido vide, entre outros, para além do já citado, os Ac. da R.P. de 19/11/2020 (Filipe Caroço), de 23/2/2021 (Ana Lucinda Cabral) e da Relação de Guimarães de 07/12/2017 (António Beça Pereira) e de 07/05/2020 (Jorge Teixeira)[15]/[16]. Outros referem que tal fosso não basta para qualificar a proposta como “irrazoável” incumbindo ao lesado o ónus de alegar e provar que a mesma não corresponde aos valores resultantes da Portaria nº 377/2008 para poder beneficiar dos juros em dobro. Neste sentido vide, entre outros, Ac. do S.T.J. de 07/04/2016 (Maria Graça Trigo), da Relação de Guimarães de 25/05/2017 (João Diogo Rodrigues), de 02/11/2017 (António Barroca Penha), de 22/02/2018 (Anabela Tenreiro). Inclinamo-nos para esta segunda posição. Os valores constantes da mencionada Portaria são meras referências, critérios de orientação, de que as seguradoras lançam mão em sede extrajudicial com vista a dar cumprimento ao propósito de pronta regularização dos sinistros, sendo que o legislador não cuidou de proceder a actualização dos mesmos. Entendemos que as mesmas não estão obrigadas a apresentar propostas por valor superior aos aí previstos. Assim sendo, a eventual discrepância de valores não permite por si só qualificar a proposta de não razoável, incumbindo ao lesado provar que a proposta não corresponde aos critérios da Portaria como facto constitutivo do seu direito ao pagamento de juros em dobro. Revertendo ao caso em apreço, como sustenta a Recorrente, o valor por si proposto “resulta exactamente da proposta razoável de acordo com a respectiva portaria”[17]. Assim, tendo a ré assumido a responsabilidade, tendo inclusive indemnizado parte dos danos patrimoniais, verificamos que, não obstante existir uma divergência muito significativa entre o valor proposto e o valor fixado na sentença, o autor não logrou provar que aquele valor não corresponde à aplicação da Portaria nº 377/2008 (bem pelo contrário), pelo que não são devidos juros em dobro, mas tão-só à taxa legal a partir da data da decisão judicial que tornou líquidos os montantes (art. 39º nº 3 e 4). Por todo o exposto, procede a apelação parcialmente e torna-se desnecessário afrontar a questão do momento até ao qual são devidos os juros agravados, como pedido no recurso do Autor; sem prejuízo dos juros legais.
III. Tudo visto, concede-se parcial provimento aos recursos interpostos e, em consequência, Custas na proporção do decaimento, nos autos e nos recursos. |