Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DO ROSÁRIO MARTINS | ||
Descritores: | SUBSTITUIÇÃO DA MULTA POR TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE QUANDO A REQUERER NOTIFICAÇÃO DO CONDENADO AUDIÇÃO DO CONDENADO | ||
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Nº do Documento: | RP20250226732/20.7GBAMT-B.P1 | ||
Data do Acordão: | 02/26/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL/CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A substituição da multa por trabalho a favor da comunidade pode ser requerida no período em que perdurar o prazo de pagamento diferido ou em prestações autorizadas da pena de multa nos termos previstos no nº 3 do citado artigo 489º ex vi 490º, n.º 1 do CPP. II - A notificação do condenado da promoção do MP sobre a conversão da pena de multa em prisão subsidiária não tem que ser pessoal (ou seja, por contacto pessoal). III - A lei não exige a audição presencial do condenado antes da prolação da decisão de conversão da multa em prisão subsidiária. IV - O despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiária pode ser notificado ao condenado por via postal, com prova de depósito, para a morada do TIR prestado na versão actualmente vigente. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo 732/20.7GBAMT-B.P1 Comarca do Porto Este Juízo Local Criminal de Amarante Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto: I- RELATÓRIO I.1. A arguida AA veio interpor recurso do despacho proferido em 20.05.2024 que decidiu indeferir a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade e converteu a multa em prisão subsidiária. * I.2. Recurso da decisão (conclusões que se transcrevem integralmente)“D.1) Face às circunstâncias do caso concreto, a arguida com 74 anos sem posses, nada impede, salvo melhor opinião em contrário que, que mesmo após o trânsito em julgado da sentença que determinou a pena que a mesma seja substituída por trabalho a favor da comunidade; D.2) Neste sentido, recorda-se o Ac. TRP de 11-06-2014, já citado na fundamentação supra e para a qual se remete; Paralelamente, quanto à notificação por via postal da arguida do despacho que converte a pena de multa em pena de prisão. D.3) A notificação pessoal de tal despacho é o único meio susceptível de garantir o direito de defesa do arguido, consagrado no artigo 32.° da Constituição da República Portuguesa; D.4) O despacho recorrido viola e faz uma errada interpretação das disposições legais constantes dos artigos 49.°, n.° 1 e n,° 3, do C.P., dos artigos 4.°, 61.°, n,° 1, alínea b),afigurando-se-nos, ainda, inconstitucional a interpretação gizada pelo despacho recorrido, por violar o princípio do direito ao processo equitativo, ínsito no artigo 20.°, n.° 4, da C.R.P. e as garantias de defesa do Arguido inscrito no artigo 32.°, n.° 1, da C.R.P D.5) É necessária audição do arguido a propósito da conversão da multa em prisão. Tal diligência mostra-se como absolutamente necessária; D.6) Tal audição é um corolário das "garantias de defesa" e do "princípio do contraditório", salvaguardadas no artigo 32.°, n.° 1 segundo o qual, «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso». - e n.°5 onde se refere que «o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos de instrução que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório», da nossa Constituição; D.7) No caso em apreço o tribunal a quo ordenou a notificação do arguida para, presumivelmente, no prazo de 10 (dez) dias, efectuar o pagamento da pena de multa, com a expressa advertência de que nada sendo dito e subsistindo a falta de pagamento poderia ser a pena de multa convertida em prisão subsidiária; D.8) Como resulta do art. 49 n° 3 do CP, o mero incumprimento não conduz logo e irremediavelmente à aplicação da prisão subsidiária, pois que o condenado pode provar que o não pagamento lhe não é imputável; D.9) A questão da conversão exige a prévia audição do arguido, como decorre do disposto no art. 61° 1 b) CP, norma que impõe a audição do arguido quando se deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, como é manifestamente o caso, de conversão da multa em prisão subsidiária; D.10) No caso em análise a arguida foi notificado, através do defensor, para se pronunciar sobre a conversão da multa em prisão. A arguida, não foi notificada pessoalmente para se pronunciar nomeadamente para apresentar razões que lhe aprouvesse apresentar, para o facto de até àquele momento não ter dado cumprimento à pena de multa que lhe foi fixada; D.11)A preterição da formalidade da audição do arguido quando a lei comina essa obrigatoriedade - como é o caso - integra a nulidade insanável prevista no artigo 119.°, al. c) do Código de Processo Penal, interpretado extensivamente, que é passível de ser suscitada em fase de recurso, nos termos do disposto no artigo 410.°, n.° 3, do mesmo diploma; D.12) Tendo como consequência a declaração de nulidade do despacho judicial que se seguiu à omissão da audição do arguido em relação à conversão do remanescente da pena de multa na prisão subsidiária correspondente; D.13) Devendo proceder-se agora à formalidade omitida, notificando-se o condenado para exercer o contraditório em relação à promoção para conversão em prisão subsidiária do remanescente da pena de multa não paga; D.14) Divide-se a jurisprudência sobre se essa notificação tem de ser feita só ao defensor ou também ao próprio condenado; bem como quanto à própria modalidade que deve revestir a notificação deste último (pessoal ou por via postal); D.15) Na ausência de norma legal que resolva diretamente estas questões, esgrimem-se argumentos num e noutro sentido. D.16) É nossa posição, sobretudo atendendo ao caso concreto, arguida de 74 anos, iletrada e sem meios financeiros, e como já defendido no acórdão desta Relação de Guimarães, datado de 03.12.2018, proc. 733/09.6PBGMR.G1, defendemos a necessidade da notificação pessoal do condenado, essencialmente com fundamento na natureza da decisão a proferir e suas consequências, por referência aos princípio gerais aplicáveis. D.17) É que sendo a conversão da multa não paga em prisão subsidiária uma verdadeira modificação do conteúdo decisório da sentença e, como tal, uma extensão desta, com efeito direto no bem essencial que é a liberdade das pessoas, é a própria concretização do conceito de processo equitativo, constitucionalmente assegurado no artigo 20.°, n.° 4 da Constituição, que exige a garantia de que a possibilidade de pronúncia prévia sobre esse assunto chegou realmente ao conhecimento do notificando. D.18) Não faria aliás sentido que em situações que não contendem de forma tão relevante com direitos essenciais dos sujeitos processuais a lei impusesse que as respetivas notificações tivessem de ser feitas pessoalmente - como é desde logo o caso da notificação da menos gravosa das medidas de coação ou de garantia patrimonial - e a notificação para ao arguido se pronunciar e poder obstar à conversão da pena multa não paga em prisão subsidiária se bastasse com a notificação no seu defensor que esclareceu o tribunal que não consegue entrar em contacto com a visada; D.19) Decorre do exposto, que a preterição da audição do arguido no incidente de conversão da multa em prisão subsidiária, ocorrida nos autos, integra uma nulidade insanável, que implica que se declare nulo o despacho judicial que se seguiu àquela omissão, devendo o arguido ser pessoalmente notificado para exercer o contraditório relativamente à promoção do Ministério Público para a conversão em prisão subsidiária da pena de multa não paga;” Termina requerendo: “A) Deve ser o douto despacho sob a referência n.° 95335433 de 20 de Maio de 2024, que se seguiu à omissão da audição pessoal do arguido em relação à promoção da conversão da pena de multa em prisão subsidiária correspondente, ser declarado nulo; B) Determinar que a arguida seja notificada para, exercer o contraditório para efectivação das suas garantias de defesa; C) Paralelamente, que ouvido a arguida seja a pena de multa convertida em trabalho ou suspensa a pena através da adopção de regras de conduta, face às circunstâncias do caso concreto supra expostas.” * I.3. Resposta do Ministério PúblicoO Ministério Público na resposta ao recurso, pugnou pela sua improcedência, concluindo (transcrição integral): “i Considera o Ministério Público que o despacho proferido pela Mm.a Juiz (Refa Citius95335381) proferido em 20-05-2024 não é passível de qualquer censura e não viola o disposto nos artigos referenciados pela recorrente. II. O teor dos artigos 489° e 490° do Código de Processo Penal e do artigo 48° n.° 1 do Código Penal aponta no sentido de que a pena de multa não pode ser substituída por trabalho a favor da comunidade decorrido que se mostrem os prazos e se se considerar que não tem qualquer pertinência ou utilidade face às finalidades da punição. III. a recorrente não tem direito nesta fase a requerer que seja dado sem efeito um despacho que converte em prisão subsidiária uma pena de multa não paga no período de quase 3 anos, e ao invés solicitar mais uma "facilidade" e um beneficio imerecido, que não merece face ao desinteresse e desconsideração à condenação sofrida durante todo este período, apenas porque entende que ainda "não se esgotaram todas as possibilidades". IV. Ao contrário do que entende a recorrente, a audição a que alude o art.° 61.°, n.° 1, alínea b) do Código de Processo Penal não tem necessariamente que ser presencial. O que é determinante para assegurar o princípio do contraditório é que ao condenado seja concedida oportunidade de se pronunciar antes de ser determinado o cumprimento da prisão subsidiária. V. Foi a arguida notificada, e foi também o seu defensor, que, apesar de não ser sido contactado nem contactando a arguida avançou com o pedido de substituição da pena de multa não cumprida em trabalho a favor da comunidade e caso tal não fosse deferido - como não foi - se suspendesse a prisão subsidiária, cujaconversão não chega a contestar. VI. Deve ser dada oportunidade ao condenado de se pronunciar sobre a não pagamento da multa, como o foi, tanto é que a arguida, por via do seu defensor o fez. VII. Nada veio a arguida ora recorrente alegar e muito menos fundamentar, que justificasse tal suspensão, já que não basta pedir... é necessário que demonstre que não pagou desde 2021 até à presente data qualquer valor por motivo que não lhe seja imputável, o que como está evidenciado nos autos, não sucedeu. viii E assim, confirmando a legalidade e regularidade do despacho decisório proferido e indeferindo a pretensão da recorrente, se fará...Justiça!” * I.4. Parecer do Ministério PúblicoNesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido da nulidade do despacho recorrido ou, caso assim não se entenda, da sua irregularidade e a substituição por outro que conheça o pedido da arguida da suspensão da execução a pena de prisão subsidiária. * I.4. Resposta ao parecerFoi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo sido apresentada resposta ao parecer. * I.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.*** II. FUNDAMENTAÇÃOII.1. Objecto do recurso Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do CPP (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95). Assim, da análise das confusas conclusões da recorrente logramos extrair sequencialmente as seguintes questões que importam apreciar e decidir: 1ª Saber se a arguida ainda podia requerer a substituição da pena de multa por prestação de trabalho a favor da comunidade; 2ª Saber qual a forma que deve revestir a notificação à arguida do despacho que converte a pena de multa em prisão subsidiária; 3ª Saber qual a forma que deve revestir a notificação da arguida para se pronunciar sobre a conversão da multa em prisão subsidiária e se a arguida deve ser ouvida presencialmente pelo tribunal; 4ª Saber se deve ser suspensa a execução da pena de prisão subsidiária. * Conheceremos os fundamentos do recurso pela sua ordem lógica das consequências da sua eventual procedência e influência preclusiva.** II.2. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente)“A arguida foi condenada nestes autos, por decisão proferida em 18/11/2021 e, transitada em julgado em 20/12/2021, na pena única de 150 dias de multa à razão diária de 5€, o que perfaz a multa global de 750€ (fls. 100/110). Em 12/01/2022 veio a mesmo requerer, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 47°, n° 3, do Código Penal, o pagamento da pena de multa em que foi condenada em prestações mensais, tendo-lhe sido concedido tal pagamento em 10 prestações por despacho proferido em 2/02/2022 e, sendo a 1a prestação a pagar até 4/03/2022. A condenada não pagou qualquer quantia nem justificou a falta de pagamento nos autos. Notificada para proceder ao pagamento da pena de multa, em 7/06/2022, a condenada nada disse. Instaurado por apenso execução para cobrança coerciva da multa em que AA foi condenada, nada foi possível cobrar, dado que não lhe são conhecidos bens nem rendimentos suscetíveis de penhora. Notificada em 5/07/2023 da promoção da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, veio a arguida requerer que a pena de multa seja substituída por trabalho. Ora, analisando o processado nestes autos, resulta que a condenada se alheou do cumprimento da pena, não tendo pago qualquer quantia até esta data. Somente quando foi notificada da eventual conversão da pena de multa em prisão subsidiária veio requerer a prestação de trabalho. Face ao exposto e, tendo em conta a data do trânsito em julgado, bem como as facilidades já concedidas à condenada, indefere-se o requerido por falta de fundamento legal. * Dispõe o artigo 49.°, n.° 1 do Código Penal que "Se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntária ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão, não se aplicando, para o efeito, o limite mínimo dos dias de prisão constante do n.° 1 do artigo 41.”Assim, encontrando-se verificado o condicionalismo previsto no aludido artigo 49.°, n.° 1 do Código Penal, determino a conversão da multa não paga em prisão subsidiária, e, consequentemente, o cumprimento pela condenada de prisão subsidiária pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, que, no caso em concreto, corresponde a 100 (cem) dias de prisão. Notifique, sendo a condenada advertida de que poderá, a todo o tempo, evitar a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenada (cfr. o artigo 49.°, n.° 2 do Código Penal). * Transitado, emita os competentes mandados de detenção, a fim de cumprir a pena de prisão que lhe foi determinada e remeta boletim, consignando-se que dos mandados de detenção deve expressamente constar, nos termos previstos no artigo 491.°-A, n.° 3 do Código de Processo Penal, a indicação do montante da multa, bem como a importância a descontarpor cada dia ou fração em que a arguida esteve detido.” ** II.3. Factos e ocorrências processuais relevantesCom interesse para a apreciação das questões enunciadas importa ter presente os elementos factuais e as ocorrências processuais que constam dos autos: i) A arguida foi condenada por decisão proferida em 18.11.2021 e transitada em julgado em 20.12.2021, na pena única de 150 dias de multa à razão diária de 5€, o que perfaz a multa global de 750€. ii) Em 12.01.2022 a arguida requereu, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 47°, n.° 3, do Código Penal, o pagamento da pena de multa em que foi condenada em prestações mensais, tendo-lhe sido concedido tal pagamento em 10 prestações por despacho proferido em 02.02.2022, sendo a 1a prestação a pagar até 04.03.2022. iii) A arguida não pagou qualquer quantia, nem justificou a falta de pagamento nos autos. iv) Em 07.06.2022 foi proferido despacho com o seguinte teor: “Atenta a falta de pagamento das prestações já vencidas, declaro vencidas todas as prestações autorizadas para o pagamento da multa criminal nos termos do art.º 47º, nº5, do Código Penal. Notifique a Arguida para o pagamento integral da pena de multa, sob cominação legal.” v) Notificada do despacho aludido em iv) a arguida nada disse. vi) Em 14.11.2022 o M.P. instaurou execução para cobrança coerciva da multa em que a arguida foi condenada, que foi arquivada em 21.06.2023, com fundamento de inexistência de bens nem de rendimentos susceptíveis de penhora. vii) Em 29.06.2023 o M.P. promoveu o seguinte: “Por sentença transitada em julgado o arguido foi condenado na pena única de 150 dias de multa à taxa diária de 5,00 € a que corresponde a quantia de 750,00€. O arguido requereu, e foi deferida, o pagamento da multa em prestações mas não pagou qualquer quantia. Foi instaurada execução para cobrança da referida multa mas não se logrou cobrar qualquer quantia. Dos autos não resulta que o não pagamento da multa criminal se fique a dever a razão que não seja imputável ao arguido. Pelo exposto promovo que a pena de multa aplicada seja substituída por prisão subsidiária pelo tempo correspondente a dois terços, 100 dias, nos termos do art.º 49º, nº1, do Código Penal.” viii) Na sequência da promoção aludida em vii), em 04.07.2023 foi proferido despacho com o seguinte teor: “Dê o contraditório da promoção que antecede e, após, abra conclusão.” ix) O despacho aludido em viii) foi notificado ao defensor oficioso e à arguida por via postal simples, com prova de depósito, para a morada do Termo de Identidade e residência (doravante TIR). x) Na sequência dessa notificação, em 28.08.2023, a arguida através do seu defensor apresentou requerimento com o seguinte teor: “AA, arguida nos autos referidos em epígrafe, notificada da última promoção do MP, vem, nos termos do artigo 48º e 49.º do CP REQUERER A SUBSTITUIÇÃO DO PAGAMENTO DE PENA DE MULTA EM TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE E SUBSIDIARIAMENTE A SUSPENSÃO DA CONVERSÃO DA PENA DE MULTA NÃO PAGA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA. A arguida é pessoa sem posses, nem bens ou meios económicos para prover ao pagamento de multa, é idosa e doente, de personalidade complexa, pelo que a aplicação da pena de prisão subsidiária não será a melhor alternativa para as necessidades penais de prevenção geral e especial, enquanto não se esgotarem todas as possibilidades; Dos documentos junto aos autos nem a arguida tem bens, nem recebe nenhuma pensão, como fica provado e demonstrado pelos entidades oficiais envolvidas nos autos; Igualmente, a arguida é primária, não constando qualquer outro crime no certificado criminal; Acresce que a mesma não contactou o aqui patrono, apesar de notificada pelo tribunal; Pese embora isso, o artigo 48.º do Código penal prevê a requerimento do arguido que a pena de multa seja substituída por trabalho, Ac. TRP de 11-06-2014: I. Os art.ºs 48º e 58º do C. Penal preveem apenas a substituição das penas de multa e de prisão, aplicadas a título principal, por prestação de trabalho a favor da comunidade, o que, numa interpretação literal e rígida do sistema, impossibilita a substituição da pena de multa substitutiva por trabalho a favor da comunidade. II. Todavia, a finalidade última da aplicação dos fins das penas, impõe a interpretação no sentido de que não se vê qualquer razão material para que as penas de multa, quer sejam aplicadas a título principal quer como penas de substituição, não tenham idêntico regime quanto ao seu cumprimento e possibilidade de substituição por dias de trabalho. III. Consequentemente, pode ser substituída a pena de multa de substituição de prisão por trabalho a favor da comunidade. (sendo que no caso concreto, até a situação é menos gravosa e de polaridade diversa: pena de multa -pena principal e prisão - substitutiva- …) Termos em que face às particulares condições dificeis da arguida, se requer a substituição da pena de multa não paga em trabalho a favor da comunidade. Subsidiariamente, caso não se entenda assim, que seja suspensa a execução da pena subsidiária de prisão, nos termos dos artigos 49 n.º3 º e 50.º do CP, uma vez que se a arguida não pagou a pena de multa é porque não tem bens, nem meios financeiros para o fazer, e por isso não lhe pode ser imputável, nos termos do supracitados normativos e como facilmente se comprova dos documentos já juntos aos autos quanto aos seus bens e rendimentos, ou seja, inexistentes… Pelo que V.Exa fará a Justiça na ponderação do aqui requerido, para o qual se remete,” xi) Na sequência desse requerimento, em 15.05.2024 o M.P., pronunciou-se nos seguintes termos: “I. AA foi condenada nestes autos, por decisão proferida em 18/11/2021 e, transitada em julgado em 20/12/2021, na pena única de 150 dias de multa à razão diária de 5€, o que perfaz a multa global de 750€ (fls. 100/110). Em 12/01/2022 veio a mesmo requerer, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 47º, nº 3, do Código Penal, o pagamento da pena de multa em que foi condenada em prestações mensais, tendo-lhe sido concedido tal pagamento em 10 prestações por despacho proferido em 2/02/2022 e, sendo a 1ª prestação a pagar até 4/03/2022. A condenada não pagou qualquer quantia nem justificou a falta de pagamento nos autos. Notificada para proceder ao pagamento da pena de multa, em 7/06/2022, a condenada nada disse. Instaurado por apenso execução para cobrança coerciva da multa em que AA foi condenada, nada foi possível cobrar, dado que não lhe são conhecidos bens nem rendimentos susceptíveis de penhora. Notificada em 5/07/2023 da promoção da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, requer que a pena de multa seja substituída por trabalho. Ora, analisando o processado nestes autos e, acima resumido, resulta que a condenada se alheou do cumprimento da pena, não tendo pago qualquer quantia até esta data. Apenas quando foi notificada da eventual conversão da pena de multa em prisão subsidiária veio requerer a prestação de trabalho. Face ao exposto e, tendo em conta a data do trânsito em julgado, bem como as facilidades já concedidas à condenada, promovo se indefira o requerido por falta de fundamento legal. II. Compulsados os autos verifica-se que a condenada se encontra regularmente notificada da nota de liquidação de fls. 129, cujo prazo para pagamento já terminou em 13/01/2022. O apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo, não abrange a isenção ou dispensa do pagamento de multas processuais. Assim, atento o disposto no nº 1 do artigo 35º da Lei nº 27/2019, de 28/03, promovo que a secção dê cumprimento ao disposto no nº 2 do referido artigo.” xi) Em 20.05.2024 foi proferido o despacho recorrido que foi notificado ao defensor do arguido e à arguida por via postal simples, com prova de depósito, para a morada do TIR. ** II.4. Apreciação do RecursoII.4.1. Da substituição da pena de multa em trabalho a favor da comunidade §1. A recorrente insurge-se contra o indeferimento do requerimento da substituição da pena de multa em trabalho a favor da comunidade, alegando que nada impede que mesmo após o trânsito em julgado da sentença que determinou a pena que a mesma seja substituída por trabalho a favor da comunidade. Invoca o artigo 48º do Código Penal (doravante CP) para sustentar a sua pretensão. * §2. Nos termos do n.º 1 do artigo 48º do CP (com sublinhado aposto)“A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a pena de multa fixada seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho em estabelecimentos, oficinas ou obras do Estado ou de outras pessoas colectivas de direito público, ou ainda de instituições particulares de solidariedade social, quando concluir que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”Por sua vez, o n.º 1 do artigo 490º do CPP dispõe que (com sublinhado aposto) “O requerimento para substituição da multa por dias de trabalho é apresentado no prazo previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo anterior, devendo o condenado indicar as habilitações profissionais e literárias, a situação profissional e familiar e o tempo disponível, bem como, se possível, mencionar alguma instituição em que pretenda prestar trabalho.” A questão de saber até quando o condenado pode apresentar o requerimento do pedido de substituição da multa por trabalho a favor da comunidade tem dividido a jurisprudência dos Tribunais da Relação em duas correntes: 1ª Para uns, o prazo previsto nos artigos 490º, nº 1 e 489º, nº 2, ambos do CPP não é peremptório e, como tal, o decurso do prazo de 15 dias não faz precludir o direito do condenado apresentar o pedido de substituição da multa por trabalho a favor da comunidade, podendo fazê-lo a todo o tempo (neste sentido, entre outros, os acórdãos do TRE de 12.07.2012, relatado por Clemente Lima, 08.01.2013, relatado por João Amaro e de 21.08.2018, relatado por Leonor Botelho, os acórdãos do TRP de 07.07.2016, relatado por Maria Luísa Arantes, de 27.06.2018, relatado por Pedro Vaz Pato, de 24.03.2021, relatado por Élia São Pedro e acórdão do TRL de 18.04.2023, relatado por Carlos de Campos Lobo, todos acessíveis em www.dgsi.pt). 2ª Para outros, o prazo previsto nos artigos 490º, nº1 e 489º, nº 2, ambos do CPP é peremptório e, por isso, o requerimento de substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade deve ser apresentado pelo condenado no prazo de 15 dias para pagamento voluntário da pena de multa (neste sentido, entre outros, os acórdãos do TRG de 19.05.2014, relatado por Ana Teixeira, de 23.01.2017, relatado por Elsa Paixão e de 12.11.2007, relatado por Fernando Monterroso, os acórdãos do TRC de 13.06.2012, relatado por Orlando Gonçalves, de 22.01.2014, relatado por Cacilda Sena, de 07.06.2017, relatado por Alice Santos e de 13.07.2020, relatado por Pedro Cunha Lopes, acórdão do TRE de 17.12.2020, relatado por Nuno Garcia e os acórdãos do TRP de 08.02.2017, relatado por Eduarda Lobo, de 23.06.2021, relatado por Maria do Carmo Silva Dias, de 10.11.2021, relatado por Horácio Correia Pinto, de 23.03.2022, relatado por Maria Deolinda Dionísio e de 19.06.2024, relatado por Paulo Costa, todos acessíveis em www.dgsi.pt.). Na maioria dos arestos indicados para qualquer uma das posições supra identificadas a questão que se colocava era apenas a do esgotamento do prazo inicial dos 15 dias para pagamento voluntário da multa nos termos do artigo 489.º, n.º 2, do CPP. O que não aconteceu no caso presente. Na verdade, dentro do prazo de 15 dias para pagamento voluntário da multa, a recorrente requereu o seu pagamento em prestações, o que lhe foi deferido. Donde, a primeira questão que importa saber é se o condenado requerer o pagamento da multa em prestações dentro do prazo para pagamento voluntário da pena de multa (como aconteceu no caso concreto) pode ainda requerer a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade. A resposta a esta questão tem que ser afirmativa atento o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 489º do CPP para o qual remete o artigo 490º, n.º 1 do CPP. Na verdade, a lei não impõe uma obrigação de escolha inicial preclusiva das restantes medidas de flexibilização do cumprimento da multa reguladas nos artigos 489º e 490º, n.º 1 do CPP e autorizadas pelos artigos 47.º e 48.º do CP. A segunda questão que se impõe é a de saber até quando o condenado pode requerer a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade quando optou inicialmente por requerer dentro no prazo de 15 dias o pagamento da multa em prestações. A resposta a esta questão é que o requerimento de substituição da multa por dias de trabalho a favor da comunidade pode ser apresentado dentro do prazo previsto no n.º 3 do artigo 489º do CPP ex vi 490º, n.º 1 do CPP: no período em que perdurar o prazo de pagamento diferido ou em prestações autorizadas, isto é, até ao novo termo do prazo para pagamento da multa decorrente das medidas de flexibilização de cumprimento da pena deferidas (neste sentido, veja-se o acórdão do TRP de 11.12.2024, relatado por Maria Joana Grácio, acessível em www.dgsi.pt). Revertendo para o caso vertente, a recorrente, depois do trânsito em julgado da decisão condenatória e no prazo previsto no artigo 498.º, n.º 2, do CPP, isto é, dentro do prazo de 15 dias que dispunha para pagamento da multa, veio requerer o respectivo pagamento em 10 prestações, tendo a sua pretensão sido totalmente deferida. Com o deferimento do pagamento da multa em 10 prestações, a recorrente poderia apresentar o requerimento de substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade dentro do prazo previsto no artigo 489º, n.º 3 do CPP, que se traduz num novo prazo para pagamento voluntário da multa (mesmo para aqueles que defendem que os prazos são peremptórios), prazo esse que corresponde ao do deferimento do pagamento em 10 prestações, estando em tempo de o fazer até se encontrar em situação de incumprimento definitivo. E esse incumprimento definitivo verifica-se com a declaração de vencimento das prestações em falta a que alude o artigo 47.º, n.º 5, do CP (neste sentido, veja-se o citado acórdão do TRP de 11.12.2024). No caso aqui em apreço, a decisão que declarou vencidas as prestações da multa em falta foi proferida no dia 07.06.2022, pelo que, quando em 28.08.2023 a recorrente apresentou requerimento para a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade já há muito que tinha sido ultrapassado o prazo para o fazer nos termos do n.º 3 do artigo 489º ex vi artigo 490, n.º 1 do CPP. Assim, a pretensão da recorrente não poderia deixar de ser indeferida conforme decidido pela 1ª Instância. Improcede, nesta parte, o recurso. ** II.4.2. Da falta de notificação pessoal da arguida para se pronunciar sobre a conversão da multa em prisão e da falta de audição presencial da arguida§1. A recorrente entende que deveria ter sido notificada pessoalmente da promoção do MP sobre a conversão da multa em prisão subsidiária. Alega ainda que devia ter sido ouvida presencialmente em tribunal sobre a conversão da multa em prisão subsidiária, constituindo uma nulidade insanável prevista no artigo 119º, al. c) do CPP a preterição dessa formalidade. * §2. Comecemos pela questão de saber qual a forma que deve revestir a notificação da promoção do MP sobre a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.Importa desde logo referir que da resenha processual acima transcrita resulta que, na sequência da notificação da promoção do MP sobre a conversão da pena de multa em prisão subsidiária, a recorrente veio apresentar requerimento de pedido de substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade ou, subsidiariamente, a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária. Não se tendo insurgido junto do Tribunal de 1ª Instância sobre a forma como essa notificação foi efectuada, afigura-se-nos que ficou precludido o direito de a recorrente suscitar a questão em apreço junto deste Tribunal. Mas sempre se dirá que a recorrente foi regularmente notificada da promoção do MP sobre a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária atento o disposto no artigo 113º, n.ºs 1 e 10 do CPP do qual resulta, à contrário, que a notificação aqui posta em causa não deve ser pessoal (ou seja, por contacto pessoal), bastando o envio de carta, com prova de depósito, para a morada do TIR. Improcede, neste segmento, o recurso. * §3. Avancemos para a questão de saber se é necessária a audição presencial da recorrente.É pacifico que antes da conversão da multa em prisão subsidiária se impõe ouvir a condenada para explicitação das razões do não pagamento voluntário da multa e só depois, se for caso disso, se proceda a tal conversão, como forma de se cumprir o contraditório nos termos do artigo 61º, n.º 1, al. b) do CPP. No caso em apreço, o tribunal a quo procedeu à notificação do ilustre defensor da arguida e da própria arguida através de notificação postal simples, com prova de depósito, para a morada do TIR, para se pronunciar sobre a conversão da pena de multa em prisão subsidiária. Nada na lei processual penal obriga a que a recorrente, na situação em apreço, tenha de ser ouvida oral e presencialmente, para se pronunciar sobre a possibilidade de conversão da multa em prisão subsidiária (neste sentido, veja-se os acórdãos do TRG de 24.05.2021, relatado por Júlio Pinto, de 22.11.2021, relatado por Freitas Pinto e o acórdão do TRL de 02.04.2019, relatado por Cid Geraldo, todos acessíveis em www.dgsi.pt). Aliás, se o legislador tivesse querido que o condenado em multa fosse presencialmente ouvido antes da conversão, tê-lo-ia previsto à semelhança do que ocorre, por exemplo, com a falta de cumprimento das condições de suspensão da pena (artigo 495.º, nº 2 do CPP), e não o fez. O que naturalmente não leva a que não exista contraditório, que foi feito no caso dos autos, tendo sido ordenada e efectuada a notificação quer da recorrente, quer do seu ilustre defensor, ficando assim salvaguardado o direito de defesa. Nestes termos, não se verifica a invocada nulidade. Improcede, igualmente, nesta parte, o recurso. ** II.4.3. Da falta de notificação pessoal da arguida do despacho que converteu a pena de multa em prisão subsidiáriaEsta questão foi largamente discutida na doutrina e jurisprudência antes da alteração legislativa da Lei nº 20/2013, de 21/02/2013, que veio dar uma nova redacção aos artigos 196º, nº 3 al. e) e 214º, nº 1 al. e), ambos do CPP e que incidia principalmente sobre a notificação da decisão que procedia à conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária, e em que maioritariamente se entendia que tinha que ser efectuada uma notificação por contacto pessoal, sendo o argumento predominante o facto de o TIR se extinguir com o trânsito em julgado da decisão e, portanto, não se poderia efectuar validamente, uma notificação para a morada do TIR, sendo esta uma medida de coação que já se havia extinguido, daí a necessidade de ser efectuada uma notificação por contacto pessoal (neste sentido, veja-se, entre outros, os acórdãos do TRC de 06.07.2011, relatado por José Eduardo Martins e de 09.05.2012, relatado por Luís Ramos, o acórdão do TRL de 15.09.2011, relatado por Almeida Cabral, os acórdãos do TRP de 18.05.2011, relatado por Lígia Figueiredo e de 14.12.2011, relatado por Alves Duarte e o acórdão do TRE de 30.10.2012, relatado por Maria Cristina Cerdeira, todos acessíveis em www.dgsi.pt). Sucede que, por via da alteração legislativa verificada em 2013, com a nova redacção dada aos artigos 196º e 214º do CPP, inverteu-se a situação jurisprudencial, sendo maioritárias as decisões dos tribunais superiores no sentido de que basta a notificação por carta, aviso postal, enviada para a morada do TIR (neste sentido, veja-se, entre outros, os acórdãos do TRG de 24.05.2021, relatado por Júlio Pinto e de 22.11.2021, relatado por Freitas Pinto, os acórdãos do TRC de 22.05.2013, relatado por Elisa Sales e de 27.10.2021, relatado por Elisa Sales, os acórdãos do TRP de 06.04.2011, relatado por Maria Carmo Silva Dias, de 04.06.2014, relatado por Pedro Vaz Pato, de 27.09.2017, relatado por Neto Moura, de 12.09.2018, relatado por Maria Ermelinda Carneiro e de 13.06.2018, relatado por Maria Luísa Arantes e acórdãos do TRE de 11.5.2021, relatado por Martinho Cardoso e de 25.05.2023, relatado por João Carrola, todos acessíveis em www.dgsi.pt). Concordamos com a corrente jurisprudencial que defende ser bastante a notificação por via postal simples, na morada indicada no TIR, prestado na versão actualmente vigente no CPP pelas razões infra explanadas. Em primeiro lugar, cumpre salientar que com as alterações introduzidas pela Lei n.º 20/2013, de 21.02, na redacção dos artigos 196° e 214° do CPP, é actualmente líquido que o TIR apenas se extinguirá com a extinção da pena, e não com o trânsito em julgado da decisão condenatória, como ocorria anteriormente. Em segundo lugar, quando presta TIR “o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha” para o efeito de ser notificado pela via postal simples (artigo 196 n.º 2 do CPP). Donde, enquanto se mantiver o TIR (ou seja, até à extinção da pena) o arguido sabe que as notificações serão para a última morada que indicou exactamente com esse propósito. Em terceiro lugar, a notificação em causa não cabe no elenco taxativo do artigo 113º nº 10, 2ª parte, do CPP (sendo que o intérprete não deve distinguir o que o legislador não distinguiu), não existindo outra disposição legal que preveja expressamente a forma que deve revestir a notificação do despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária. Em quarto lugar, tendo o acórdão do STJ n.º 6/2010, de 15.04.2010 (in DR, Serie I, de 21.05.2010), fixado jurisprudência no sentido de que a notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de “contacto pessoal”, como a “via postal registada, por meio de carta ou aviso registados”, ou, mesmo, a “via postal simples, por meio de carta ou aviso”, não se descortina por que há-de ser-se mais exigente quando se trata de notificação da decisão de conversão da multa em prisão subsidiária. Na verdade, por um lado, as consequências da revogação da suspensão da execução de uma pena prisão são indubitavelmente mais graves do que as da conversão da pena de multa em prisão subsidiária, pois a pena de multa convertida em pena de prisão subsidiária não perde a natureza originária de pena pecuniária, nem desaparece para dar lugar à prisão subsidiária, já que o condenado pode sempre evitar o cumprimento dessa prisão, quer pagando a multa em que foi condenado, quer alegando e provando factos susceptíveis de configurar um incumprimento não culposo, caso em que o juiz pode suspender a execução da prisão subsidiária (n.º 3 do artigo 49.º do CP). E, por outro lado, “por uma questão de coerência e unidade do sistema jurídico”, deve considerar-se aplicável à situação aqui em apreço o princípio subjacente à jurisprudência fixada no citado acórdão 6/2010. Com efeito “as duas situações são (independentemente da diferente natureza das penas em causa) substancialmente equiparáveis: da mesma forma que numa condenação em pena de prisão suspensa pode distinguir-se entre a condenação na pena suspensa substituta, que transita em julgado de imediato, e a condenação em pena de prisão efetiva, que é eventual e não transita em julgado antes do despacho de revogação dessa suspensão, também numa condenação em pena de multa pode distinguir-se entre essa condenação em si mesma, que transita em julgado de imediato, e a condenação na pena de prisão subsidiária, que é inerente a tal condenação em multa, mas também é virtual e não se torna efectiva antes da conversão dessa multa (e, portanto, não transita em julgado antes dessa conversão)” – veja-se o citado acórdão do TRP de 13.06.2018. Em suma, a notificação ao arguido/condenado do despacho de conversão da pena de multa em prisão subsidiária pode ser efectuada por qualquer das formas previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 113.º do CPP. Resta concluir que este entendimento não é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 60º e 61º, ambos do CPP, nomeadamente o direito do arguido a ser ouvido quando o Tribunal deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, nem do exercício do contraditório, consagrado no artigo 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa (veja-se o acórdão do TC n.º 109/2012, D.R., II, n.º 72, de 2012-04-11, que já decidiu “não julgar inconstitucional a norma dos artigos 113.º, n.º 3, e 196.º, n.º 3, alíneas c) e d) do CPP, interpretados no sentido de que a notificação do despacho revogatório da suspensão (da execução da pena de prisão…) ao arguido (situação equiparável à dos presentes autos), por via postal simples, com depósito na morada fornecida aquando da prestação de termo de identidade e residência, a par da notificação ao defensor nomeado, é suficiente para desencadear o prazo dos meios de reacção contra o despacho revogatório”. Revertendo para o caso vertente, tendo a notificação do despacho de conversão da pena de multa para pena de prisão subsidiária sido notificado à recorrente por via postal simples, com prova de depósito, para a morada que a arguida indicou no TIR, entende-se que a arguida foi correctamente notificada. Por isso, o despacho recorrido não padece da nulidade invocada. Improcede igualmente, nesta vertente, o recurso. ** II.4.4. Da suspensão da execução da prisão subsidiáriaDa confusa argumentação recursória, afigura-se-nos que na parte final do recurso a recorrente pugna pela suspensão da execução da prisão subsidiária. Ora, do requerimento apresentado na 1ª instância na sequência da notificação da promoção do MP sobre a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária acima transcrito, constata-se que a recorrente requer, subsidiariamente, a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária. Sucede que, tal como assinalado pelo MP desta Relação no seu douto parecer, o tribunal a quo nada disse sobre tal pretensão. Trata-se, com efeito, de questão sobre a qual a decisão recorrida não se pronuncia, mas cuja apreciação se impõe ao Tribunal recorrido em face da pretensão expressamente formulada pela recorrente no referido requerimento. Esta omissão de pronúncia no caso dos despachos (como o caso dos autos), não estando expressamente sancionada na lei como nulidade (artigos 119º e 120º, ambos do CPP, a contrário), configura apenas uma irregularidade enquadrável no artigo 123º do CPP, que determina a invalidade do acto. No caso concreto, pese embora a recorrente não tenha arguido, em momento algum, a irregularidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia sobre esta particular questão, consideramos que a mesma é susceptível de conhecimento oficioso por este tribunal estar impedido de sindicar a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a questão em causa. Por conseguinte, a sobredita omissão de pronúncia, que se verifica no caso em apreço, origina uma irregularidade que, por afectar nesta parte a validade do despacho proferido, é susceptível de conhecimento oficioso por este Tribunal nos termos do artigo 123º, n.º 2 do CPP. A cometida irregularidade decorrente da mencionada omissão de pronúncia, não poderá ser reparada por este tribunal de recurso, sob pena de se coarctar a possibilidade dos sujeitos processuais recorrerem da decisão que versar sobre tal questão. Assim, deverá o tribunal da 1ª instância pronunciar-se sobre a verificação ou não das condições de que depende a requerida suspensão da execução da pena de prisão subsidiária, suprindo desta forma a apontada irregularidade. *** III- DECISÃOPelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em: a) Negar provimento ao recurso interposto pela arguida AA e, consequentemente, manter a decisão recorrida que indeferiu a substituição da pena de multa por trabalho a favor da comunidade e converteu a pena de multa em pena de prisão subsidiária; b) Julgar verificada a irregularidade por omissão de pronúncia no que respeita à apreciação da possibilidade da requerida suspensão da execução da pena de prisão subsidiária prevista no artigo 49º, n.º 3, do CP; c) Determinar que o tribunal da 1ª instância proceda à reparação da referida irregularidade, pronunciando-se sobre a possibilidade da requerida execução da pena de prisão subsidiária nos termos sobreditos. * Custas criminais pela recorrente, fixando a taxa de justiça em 3 UCS (artigo 513º, nº 1, do CPP e artigo 8º, nº 9, do RCP, com referência à Tabela III).* Porto, 26.02.2025Maria do Rosário Martins Maria Ângela Reguengo da Luz Paula Guerreiro |