Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14893/19.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA EM SEDE LABORAL
Nº do Documento: RP2024100714893/19.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 10/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO PARCIAL
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Considera-se adequada para compensar os danos não patrimoniais, segundo um juízo de equidade, a quantia de €30.000,00, considerando, o défice de integridade físico-psíquica, o período de internamento hospitalar, tratamentos, dores e incómodos, critérios e valores arbitrados na jurisprudência.
II - Consideram-se como danos diferentes o que decorre da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado no processo de acidente de trabalho e compensado pela atribuição de certo capital de remição e o dano biológico decorrente das sequelas incapacitantes do lesado que - embora não determinem perda de rendimento laboral - envolvem restrições acentuadas à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as atividades da vida pessoal e corrente.
III - Os esforços acrescidos e a eventual limitação na progressão da carreira não são ponderados na indemnização (pensão) arbitrada no processo de acidente de trabalho, inexistindo duplicação de indemnizações, não há lugar ao abatimento da quantia arbitrada no foro laboral a título de capital de remição ao valor fixado a título de indemnização por dano biológico.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Via-Perda Veículo-Dano Biológico-Dano Moral - 14893/19.4T8PRT.P1


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SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como:

- AUTOR: AA, residente em ..., ...; e

- RÉ: «A... – Companhia de Seguros, SA.», com sede em Lisboa,

veio o autor formular o pedido de condenação da ré no pagamento da quantia de € 257.163,19 (duzentos e cinquenta e sete mil cento e sessenta e três euros e dezanove cêntimos), acrescido de juros de mora (não olvidando o art.º 38 e 39 do DL 291/2007 – dobro da taxa prevista na lei – na parte aplicável), com a devida correção monetária.

Alegou, em síntese, que, no dia 30 de outubro de 2014, pelas 7h40m, conduzia o seu motociclo pela Rua ..., na cidade .... Por sua vez, o veículo automóvel seguro na Ré entrou nessa mesma via, provindo da rua ..., sem respeitar um sinal de stop colocado verticalmente na interceção da estrada por onde seguia com a via por onde então circulava o Autor, provocando o embate entre os dois veículos e a consequente queda do Autor.

Da colisão resultaram para o Autor danos de carácter patrimonial e não patrimonial, que o mesmo descreve, os quais devem ser ressarcidos pela aqui Ré, na qualidade de seguradora que assumiu a responsabilidade civil pela circulação do veículo cujo condutor, de forma culposa, provocou o acidente.


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A Ré apresentou contestação onde principia por dizer que assume a responsabilidade pela indemnização dos danos, sendo por isso incontrovertida a dinâmica do acidente.

Invoca, contudo, a exceção de prescrição do crédito indemnizatório do Autor no que concerne aos invocados danos de carácter material.

Subsidiariamente, impugna a extensão e a gravidade dos danos sofridos, alegando que, pelo facto de o acidente em causa nos autos ter sido considerado simultaneamente como acidente de trabalho, o valor com que já reembolsou a seguradora da entidade patronal do Autor, deve ser descontado na indemnização que, a final, venha a ser fixada.


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O autor veio suscitar a incompetência territorial do tribunal, porque indevidamente instaurou a ação no Juízo Central Cível do Porto.

Apreciada a exceção foram os autos remetidos para o competente tribunal – Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim.


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Dispensada a audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, onde foi apreciada, no sentido da improcedência, a exceção de prescrição invocada pela Ré.

Seguiu-se a seleção de temas da prova que não mereceram reclamação das partes.


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Por requerimento apresentado antes da audiência de julgamento, o Autor veio requerer a condenação da Ré como litigante de má-fé.

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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do formalismo legal.

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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:

“Pelo exposto, decide-se:

a) julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

- Condenar a Ré «A... – Companhia de Seguros, SA» a pagar ao Autor global de €52.000,65 (cinquenta e dois mil e sessenta e cinco cêntimos), sendo:

- a quantia de €22,000,65 (vinte e dois mil e sessenta e cinco cêntimos), a título indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação, até integral pagamento e;

- a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), a título de compensação de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, a partir da presente data, até integral pagamento;

c) Mais condeno a Ré a pagar ao autor o valor do veículo sinistrado, descontado o valor do salvado, a liquidar ulteriormente;

d) No mais, absolvo a Ré do pedido.

Custas pelo Autor e pela Ré, na proporção do respetivo decaimento”.


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O Autor veio interpor recurso da sentença.

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Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões:

1. A douta decisão do tribunal a quo manifesta erro(s) de avaliação da prova, porquanto, desde logo, não considera prova documental carreada nos autos.

1.1 existem despesas hospitalares após a entrada da ação;

1.2 não foi considerada toda a medicação necessária, conforme relatórios periciais;

1.3 não foram consideradas as provas documentais da baixa médica da mãe do autor;

2. O que se repercutiu aquando da avaliação do dano patrimonial.

3. A sentença recorrida também como não considera boa parte do que foi dito nos depoimentos de 3 testemunhas da ré. Tendo, ao invés, concluído pela inexistência de prova, o que se repercutiu na avaliação do dano não patrimonial.

3.1 O prejuízo anatomo-funcional – designadamente a existência de 18 cicatrizes, uma delas do tórax à púbis, com 26 cm de comprimento e completamente deformada – nunca foi considerado.

3.2 O prejuízo de afirmação social e o reflexo nas atividades desportivas e de lazer não foram atendidos.

3.3 A Incapacidade Permanente determinada em sede laboral (IPP), não foi levada em conta na determinação do quantum indemnizatório.

3.4 Os valores decididos a nível de indemnização distam da prática jurisprudencial.

4. No que diz respeito ao veículo acidentado existe contradição entre a decisão e a lei e jurisprudência sobre os temas suscitados.

4.1 O valor da indemnização pela perda total do veículo deve ser apresentado pela seguradora, de forma séria e razoável, o que não sucedeu;

4.2 Deverá ser tido em conta montante de 3.950,00€ (três mil novecentos e cinquenta

euros) como valor do veículo;

4.3 Não há razão para relegar tal valor para posterior liquidação, já que existem nos autos elementos suficientes para o avaliar desde já;

4.4 A douta sentença entende que pelo facto de o autor não ter pago (ainda) qualquer valor pelo parqueamento do veículo, este dano patrimonial não deverá ser ressarcido;

4.5 O dano de privação do uso do veículo deverá considerar-se até á data em que o autor adquiriu um automóvel, facto, aliás, por este confessado.

4.6 Também não deve atender-se à data da missiva enviada pela seguradora “como data limite, de indemnização de perda de uso do veículo”. A indemnização será devida, até que a reclamada pague o valor, acrescido de juros de mora.

4.7 Assim, os limites temporais são, por um lado, a ocorrência do sinistro e, por outro, o pagamento efetivo da indemnização.

5. A avaliação do dano biológico não é correta, não só por não considerar todos os fatores, como se por determinar o abatimento do valor pago a título de remição na ação laboral.

5.1 O dano biológico, enquanto lesão da integridade físico-psíquica encontra a sua compensação tutelada no artigo 25º nº 1 da CRP e no artigo 70º do CC, não podendo fazer-se uma interpretação restritiva de tais normativos.

5.2 O défice funcional por perda de capacidade geral não corresponde a um índice de incapacidade parcial para o exercício da profissão habitual.

5.3 A afetação da capacidade para o exercício de profissão habitual é aferida em função dos índices previstos na TNIATDP117 (art.º 566º n.º 2 CC), enquanto a afetação da capacidade geral é aferida em função dos índices da TAIPDC118 (art.º 566º n.º 3 CC).

5.4 Tais danos são avaliados através de critérios diferentes, referem-se a índices diferentes, não havendo qualquer duplicação quando avaliados e indemnizados individualmente.

5.5 Consequentemente, não pode ser abatido o valor do capital de remição pago no âmbito do processo de acidente de trabalho.

5.6 Recentemente tem-se entendido que o dano biológico deve ser aferido a partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, sob pena de violação do princípio da igualdade (o salário médio nacional), sendo este critério mais consentâneo com a justiça, já que o que está em causa é o direito à vida, igual para qualquer ser humano, que nada interfere com os seus rendimentos.

6. Ao não ter em conta prova ínsita nos autos, não pôde considerar de modo completo os danos não patrimoniais.

7. A motivação do tribunal imbuída em erro ressoa na decisão acerca dos juros requeridos pelo autor, contrariando a lei e a jurisprudência.

117 Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais

118 Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil

7.1 O autor faz referência na P.I a ambas as propostas da ré (art.º 90 e 91, e 158º a 161º) distintamente do que se afirma na douta sentença recorrida.

7.2 O autor tinha o direito de não aceitar a indemnização proposta, como não aceitou, inexistindo qualquer mora do credor.

7.3 A proposta da ré não é razoável. O conceito proposta razoável corresponde ao valor de 4 anos de rendimento líquidos.

7.4 A proposta da ré dista, em muito, de tal montante, pelo que deve sujeitar-se ao prescrito na lei, sendo considerada a taxa legal de juros em dobro na equação final.

Termina por pedir o provimento do recurso, com revogação da sentença proferida em 1ª instância, substituindo-se por decisão em harmonia com as conclusões.


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A ré veio apresentar resposta ao recurso, concluindo que a sentença não merece censura.

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O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC.

As questões a decidir:

- reapreciação da decisão de facto; e

- se a indemnização arbitrada a título de dano biológico, perda do veículo, parqueamento do veículo, privação do uso do veículo, danos não patrimoniais, juros de mora, respeita o critério legal.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:

1) No dia 30/10/2014, pelas 07h40m, no cruzamento da rua ... com a Rua ..., ..., ..., concelho ..., ocorreu a colisão entre o veículo motorizado da marca ..., modelo ..., com a matrícula ..-IR-.. e o veículo ligeiro de passageiros da marca BMW, modelo ..., com a matrícula ..-NX-..;

2) O ..-IR-.. é propriedade e era conduzido pelo autor, AA, enquanto o ..-NX-.. é propriedade e era conduzido por BB;

3) Era de dia [manhã – o autor estava a sair do trabalho], estava bom tempo e havia boa luminosidade;

4) A via, com piso betuminoso, estava seca e em bom estado de conservação;

5) Existia um sinal STOP (B2) na rua ..., na zona de intercessão desta última via com a Rua ....

6) Existem também semáforos nessa mesma zona da rua ..., os quais, na altura, estavam intermitentes;

7) O veículo conduzido pelo Autor seguia pela mencionada Rua ...;

8) O ..-NX-.., vindo da rua ..., não respeitou o sinal STOP e avançando, foi colher o ora autor a meio do cruzamento;

9) Como consequência direta e necessária do acidente supra descrito, o Demandante sofreu múltiplas lesões, nomeadamente:

1. Politraumatismo:

a) Trauma torácico: fratura das 5ª a 12ª costelas do arco costal direito (colocados 3 drenos torácicos);

b) Trauma músculo-esquelético: fratura cominutiva do 1/3 inferior da omoplata direita e da asa do ilíaco direito;

c) Traumatismo crânio-encefálico

2. contusões frontoparietais e hematoma na coxa direita;

10) Esteve internado em Hospital cerca 29 dias e foi submetido a 3 cirurgias.

11) Após a alta hospitalar, a 27.11.2014, foi submetido a consulta externa de Cirurgia Vascular e de neuropsiquiatria, psiquiatria e psicologia;

12) Foi ainda seguido em consultas de psicologia e psiquiatria e, em consequência do acidente, ficou com sequelas permanentes do foro psíquico, designadamente perda de interesse e motivação inquietação, nervosismo e tensão emocional;

13) A data da consolidação médico-legal das suas lesões é de 28 de outubro de 2016;

14) O período de défice funcional total é fixável em 29 dias;

15) O período de défice funcional temporário parcial é fixável em 701 dias;

16) O período de repercussão temporária na atividade profissional total foi fixado pelo INML em 436 dias;

17) O período de repercussão temporária na atividade profissional parcial é de 294 dias;

18) Mercê das lesões e das sequelas físicas e psíquicas que o passaram a afetar, padece de um défice funcional permanente na atividade físico psíquica quantificável em 16,52 pontos;

19) Tais sequelas são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares;

20) O quantum doloris de que padeceu fixa-se em 6 pontos, de acordo com uma escala crescente de 1 a 7 pontos;

21) Em consequência das várias cicatrizes que o afetam, em consequência quer das lesões, quer das cirurgias que foi submetido, ficou a padecer de um dano estético de 2 pontos, numa escala crescente de 1 a 7 pontos;

22) A repercussão daquelas sequelas nas atividades desportivas e de lazer do Autor quantifica-se no grau 2, numa escala crescente de 1 a 7 pontos;

23) Durante o período de convalescença esteve inteiramente dependente, para as mais elementares e básicas necessidades, da ajuda de terceiros, mais concretamente da sua mãe;

24) À data do acidente o demandante[2] trabalhava na empresa B..., desempenhando funções de fundidor/moldador/mecânico 2ª;

25) Em consequência das sequelas acima referidas, teve de mudar de posto de trabalho, e adaptar as suas funções à dificuldade em erguer peças pesadas, por dor no ombro direito e na anca direita;

26) O autor nasceu a ../../1986;

27) À data do acidente não tinha problemas de saúde;

28) Uma vez que o acidente aqui em análise se deu no percurso de regresso a casa após a jornada de trabalho do aqui Autor, o mesmo foi considerado acidente de trabalho, tendo corrido termos o competente processo especial por acidente de trabalho, no Tribunal de Trabalho da Maia, sob o n.º 6787/15.9T8MAI;

29) A seguradora de acidentes de trabalho da entidade patronal do Autor era a Companhia de Seguros C... (atualmente D...), com sede na Av. ..., ... Lisboa, com responsabilidade infortunística laboral transferida mediante contrato de seguro com apólice nº ...21;

30) A referida Companhia de Seguros pagou[3] ao autor a quantia global de €26.831,08, a título de indemnizações por incapacidades temporárias, a quantia de €322,97, a título de reembolso de despesas de farmácia e a quantia de €796,80, a título de reembolso de despesas de transporte;

31) No âmbito do referido processo de acidentes de trabalho, por acordo homologado a 21/03/2017, determinou-se o capital a remir pela D..., SA, atinente à pensão anual a que aquele tinha direito, tendo em consideração o valor recebido pelas respetivas incapacidades (IPT e IPP);

32) Na sequência desse acordo, o Autor recebeu da Companhia de Seguros C..., o capital de remição da pensão relativa a uma incapacidade permanente de 19,0232% fixada no referido processo judicial, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito de Trabalho, a quantia de € 37.410,24;

33) A Ré já procedeu em 18/07/2018 ao reembolso à «Companhia de Seguros C..., SA» da quantia global de €92.506,81, correspondente aos valores que esta Companhia de Seguros pagou diretamente ao aqui Autor e às despesas médicas e outras diretamente suportadas pela mesma Companhia de Seguros em consequência do acidente;

34) O Autor auferia, à data, um salário mensal de 945,00€, 14 vezes por ano, acrescido de: a) 250,69€ de subsídio de refeição, 11 vezes por ano e b) 52,50€ de outras remunerações, 12 vezes por ano;

35) Por causa do acidente e das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter esteve sem poder trabalhar até ao dia 8/1/2016, data em que retomou o seu posto de trabalho;

36) Em consequência, em salários e subsídios de férias e de Natal, subsídio de alimentação e outras remunerações deixou de ganhar a, pelo menos, quantia de 19.428,97€ (dezanove mil quatrocentos e vinte e oito euros e noventa e sete cêntimos);

37) A Ré apresentou ao Autor, após o acordo referido em 31), uma proposta para indemnização dos danos não patrimoniais e diferenças salariais, no valor de €30.000,00;

38) A Ré apresentou ao Autor, por carta datada de 20/11/2014 – cuja cópia está junta aos autos com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido - uma proposta de pagamento de € 2.410,00 (dois mil quatrocentos e dez euros) pelo veículo, deduzindo o valor do salvado, ao qual atribuiu € 190,00 (cento e noventa euros), após concluir que os danos provocados no veículo ascendiam a €4.889,08 (quatro mil oitocentos e oitenta e nove euros e oito cêntimos);

39) Após o acidente, o veículo do Autor foi rebocado para as oficinas E..., Lda, onde lhe foi também apresentado um orçamento para o conserto da moto, que ascendia a € 4.986,00 (quatro mil novecentos e oitenta e seis euros), acrescido de IVA;

40) Em consequência do acidente, ficaram danificados os seguintes objetos que o Autor trazia consigo:

- Um capacete;

- As roupas: roupa interior, blusão de couro, calças e sweatshirt;

- Calçado;

- Uma mochila;

- Um telemóvel;

41) Em consequência do acidente, o auto perdeu um dente (dente 2.7) necessitando, por isso, de um implante dentário cujo custo ascenderá a €1.200,00;

42) Despendeu com taxas moderadoras a quantia de € 643,65 (seiscentos e doze euros e vinte cêntimos);

43) A Ré, sob a designação comercial F..., através do contrato de seguro, titulado pela Apólice número ...94, válida e eficaz à data do acidente, assumiu a responsabilidade civil perante terceiros pela circulação do veículo de matrícula ..-NX-..;

44) Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, o Autor necessitará de tomar regularmente medicação analgésica.


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2.2 Factos não provados

Não se provaram outros factos entre os alegados pelas partes com relevo para decisão da causa e nomeadamente que:

a) O Autor havia adquirido o supra identificado motociclo em 24 de Abril de 2014, pelo preço de €3.950,00;

b) Para prestar assistência ao Autor, a sua mãe deixou de trabalhar, estando de baixa durante 5 meses, pelo que deixou de auferir o valor de €2.956,80;

c) O Autor sente muito medo de viajar de moto ou automóvel e evitando-o tanto quanto possível;

d) O Autor toma diariamente ansiolíticos;

e) O demandante costumava, ainda, praticar kikboxing, o que teve que deixar de fazer, por completo, aliás, como todos os desportos de impacto;

f) Por causa do acidente, o Autor necessita de tomar, anualmente, a vacina anti-pneumocócica, devido ao facto de ser esplenectomizado, com intuito preventivo, face a infeções causadas por esse agente bacteriano, em vista da diminuição das suas defesas naturais, ocasionadas por essa intervenção realizada;

g) A oficina onde o veículo do autor ficou aparcado cobrou-lhe, pelo parqueamento da moto, €5,00 (cinco euros) por dia e só permite o levantamento da mesma se se efetuar o pagamento do valor em causa;

h) O Autor despendeu com parqueamento do veículo o montante de € 105,00 (cento e cinco euros);

i) O capacete que o autor trazia consigo era da marca HJC, modelo RPHA 10 e tinha o valor de 507,00 € (quinhentos e sete euros);

j) As roupas (blusão de couro, calças e sweatshirt) que ficaram danificados tinham o valor de 300,00 € (trezentos euros);

k) O calçado que trazia consigo na ocasião do acidente eram uns ténis Nike que valiam 120,00 € (cento e vinte euros);

l) O valor da roupa interior que trazia consigo e que ficou danificada era de €20,00 € (vinte euros);

m) A mochila que o Autor trazia consigo e que ficou danificada valia €70,00;

n) O relógio que o Autor trazia consigo e ficou danificado valia €160,00;

o) O Telemóvel que o Autor trazia consigo e ficou danificado era da marca de modelo Samsung Galaxy S III e tinha o valor de 690,00 € (seiscentos e noventa euros);

p) Em consequência do acidente, o Autor suportou gastos com telemóvel (de 31/out a 13/dez 2014 - recibos), no valor de 80,00 € (oitenta euros);

q) O Autor necessitará de despender em assistência médica/medicamentosa futura, o valor anual de 120 €, a que acresce o valor anual de €130, com vacinas;

r) O valor de mercado do motociclo do Autor à data do acidente era superior a €3.000,00;

s) O Autor adquiriu um veículo automóvel 1117 dias após a ocorrência do acidente;

t) O valor venal do motociclo do Autor à data do acidente era de €2.400,00;

u) O Autor recebeu da D..., a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta e incapacidade temporária parcial para o trabalho tão só o montante global de €16.833,39;

v) O Autor ficou a padecer, em consequência do acidente, de uma incapacidade permanente de 43 pontos.


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3. O direito

- Reapreciação da decisão de facto -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 3, a apelante considera que existe erro na apreciação da prova, porque se omitiu a apreciação crítica de determinados meios de prova (documentos e prova testemunhal).

Cumpre ter presente que o tribunal de recurso procede à reapreciação da prova, quando é suscitada e requerida a impugnação da decisão de facto, o que pressupõe a verificação de determinados pressupostos que no caso concreto não se verificam (art.º 640º CPC).

O art.º 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:

“ 1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3. […]”

Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - e motivar o seu recurso – fundamentação - com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.

No caso concreto, realizou-se o julgamento com gravação dos depoimentos prestados em audiência e o apelante limitou-se a tecer considerações sobre os meios de prova produzidos, o que faz de forma sintética, nos pontos 1 a 3 das conclusões de recurso, e de forma mais desenvolvida, na motivação do recurso. Contudo, não indica os concretos factos, cuja decisão impugna, nem a decisão que sugere.

Conclui-se que a mera apreciação crítica da prova não preenche os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto e desta forma rejeita-se, nesta parte, o recurso.

Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 3.


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- Da indemnização -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 4 a 7.4, o apelante insurge-se contra o segmento da sentença que fixou o montante da indemnização, não questionando o segmento que fixou a responsabilidade do condutor da ré, a título de culpa efetiva, pela produção do acidente, matéria que, aliás, não se mostrava controvertida na ação.

Cumpre, assim, reapreciar os fundamentos da decisão, quanto ao critério utilizado e montante arbitrados a título de indemnização para reparação ou compensação do dano biológico, perda do veículo, parqueamento do veículo, privação do uso do veículo, danos não patrimoniais, juros de mora.


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- Da indemnização pela perda do veículo -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 4 a 4.3, o apelante insurge-se contra o segmento da sentença que apreciou o pedido de indemnização formulado, com fundamento na perda do veículo: o veículo motorizado da marca ..., modelo ..., com matrícula ..-IR-...

Refere-se na sentença:

“A título de danos patrimoniais principia por reclamar o valor do seu motociclo que ficou danificado em consequência do embate e que diz ser de €3.900,00.

A este respeito, provou-se que após o acidente, o veículo do Autor foi rebocado para uma oficina automóvel onde lhe foi também apresentado um orçamento para o conserto da moto, que ascendia a € 4.986,00 (quatro mil novecentos e oitenta e seis euros), acrescido de IVA.

Perante este facto, a Ré, entendendo estar-se perante uma situação de perda total do veículo, propôs-se indemniza-lo pelo valor que entende o valor de mercado do veículo à data do sinistro - € 2.410,00 - deduzido o valor do salvado, ao qual atribuiu € 190,00 (cento e noventa euros).

Não obstante reconhecer que o valor da reparação é superior ao valor venal do seu veículo, o Autor impugnou o valor atribuído ao mesmo pela Ré, indicando aquele que entende ser o correto.

Contudo, não se provou qual o valor de mercado do dito veículo à data do acidente, razão pela qual a indemnização pelo dano reclamado terá de ser relegada para momento ulterior, nos termos do art.º 609º. n.º 2 do CPC”.

Argumenta o apelante e passa a citar-se:

“4. No que diz respeito ao veículo acidentado existe contradição entre a decisão e a lei e jurisprudência sobre os temas suscitados.

4.1 O valor da indemnização pela perda total do veículo deve ser apresentado pela seguradora, de forma séria e razoável, o que não sucedeu;

4.2 Deverá ser tido em conta montante de 3.950,00€ (três mil novecentos e cinquenta

euros) como valor do veículo;

4.3 Não há razão para relegar tal valor para posterior liquidação, já que existem nos autos elementos suficientes para o avaliar desde já”.

Entende-se que o critério seguido na sentença não merece censura, por respeitar o critério legal, nos termos do art.º 562º a 566º CC, mostrando-se justificada a decisão de relegar para liquidação, a fixação da indemnização. Acresce que o apelante leva em consideração factos que não se provaram (alínea a) dos factos não provados).

Conforme resulta dos fundamentos da decisão não se questiona a perda total do veículo, questão que se mostra assente entre as partes desde a fase extrajudicial. Está em causa apenas a determinação do valor venal/real do veículo motorizado no momento anterior ao acidente, por ser esse o valor relevante para o cálculo da indemnização.

Com a publicação do DL 291/2007, de 21 de agosto, assistiu-se a um reforço da tutela dos lesados, estendendo-se o regime aos danos corporais e alterando-se a fórmula de cálculo de indemnização por perda total do veículo – cf. art.º 20º-I do DL 83/2006 e o art.º 41º, nºs 1 e 3 do DL 291/2007.

Desta feita, o legislador teve ainda o ensejo de acautelar expressamente - cf. parte final do n.º 3 do art.º 41º - no quadro da indemnização por perda total, o princípio da reparação natural do dano concreto ou real, tal como consagrado no art.º 562º do CC.

Neste enquadramento, o valor venal do veículo – que o legislador de 2007 faz corresponder ao “valor de substituição” – não terá um limite, mas será antes a base de cálculo da indemnização, sem que fique prejudicado o princípio da reposição natural.

Este diploma, conforme resulta do preâmbulo, tal como o que o antecedeu (DL 83/2006), teve como objetivo reduzir a conflitualidade existente entre as seguradoras e os seus segurados e terceiros e reforçar a proteção dos interesses económicos dos consumidores, através da introdução de procedimentos a adotar pelas empresas de seguros e da fixação de prazos com vista à regularização rápida de litígios e do estabelecimento de princípios base na gestão de sinistros.

A intenção foi, portanto, a de se obter uma resolução rápida e simplificada dos litígios entre seguradoras, segurados e terceiros numa fase extrajudicial, visando uma solução amigável e evitando o recurso aos tribunais.

Assim, mediante a apresentação de uma proposta razoável de indemnização apresentada pela seguradora, fundada nos critérios estabelecidos nesse diploma (DL 291/2007 de 21 de agosto), pode o segurado ou o terceiro aceitá-la, resolvendo-se em definitivo o litígio.

Porém, se não houver acordo, e se houver necessidade de recorrer às vias judiciais, a determinação da espécie e o quantum da indemnização passam a ser regulados pelos regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam, de um lado, o princípio da reparação in natura e, de outro, o princípio da reparação integral do dano, ficando afastada a aplicação dos critérios previstos no Capítulo III do DL 291/2007 de 21 de agosto, designadamente o art.º 41º[4].

Como se constata dos termos da ação - ponto 38 dos factos provados -, as partes não lograram obter acordo na fase extrajudicial, pelo que, em fase judicial do litígio, no cálculo da indemnização não cumpre atender ao critério definido no art.º 41ºDL 291/2007 de 21/08, mas aos princípios que regem o direito à indemnização, em conformidade com o regime previsto no Código Civil.

No cálculo da indemnização cumpre, assim, ter presente o critério estabelecido nos art.º 562º a 566º CC.

De acordo com o art.º 562ºCC, que consagra o princípio da reposição natural, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Dispõe o art.º 566º CC que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

Por outro lado, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos.

Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – art.º 566º/3 CC.

A indemnização em dinheiro tem caráter subsidiário, conforme decorre do disposto no art.º 562º CC, motivo pelo qual apenas tem lugar nas situações previstas no art.º 566º CC.

O fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à direta remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes.

Recai sobre o lesado o ónus da prova dos danos, como decorre do art.º 342º/1 CC, conjugado com o art.º 487º /1 CC.

Por outro lado, é ao lesante e não ao lesado que a lei impõe a obrigação de reparar ou mandar reparar os danos produzidos a este[5].

No caso presente declarada a perda total do veículo motorizado, a indemnização deve corresponder à diferença entre a situação hipotética atual e a situação real da mesma data. Desta forma, cumpre apurar o valor objetivo, corrente ou comum da coisa, sem descurar o valor dela no património do lesado, se exceder o valor corrente comum da coisa. Ao valor apurado, uma vez que não se trata de objeto em estado de novo – cf. documento 11, junto com a petição inicial -, cumpre deduzir o do objeto inutilizado, no caso, os salvados[6].

Não é a prova do valor pelo qual foi adquirido o veículo motorizado que releva para este feito, sendo certo que o apelante nem sequer logrou provar tal facto (cf. al. a) dos factos não provados).

Contudo, analisados os factos provados, constata-se que a controvérsia a respeito do valor comercial do veículo à data do sinistro e no momento anterior ao acidente mantém-se, porque apenas se julgou provado a proposta da seguradora ré, na fase extrajudicial – ponto 38 dos factos provados e alínea a) dos factos não provados. Não se apurou o efetivo valor comercial do veículo motorizado (alíneas r) e t) dos factos não provados).

Apurado o dano real - perda total do motociclo -, não resulta dos factos provados, o dano patrimonial - valor suficiente para adquirir um veículo com as mesmas características -, pelo que, nos termos do art.º 564º/2 CC, justifica-se relegar a fixação da indemnização para liquidação, como se decidiu na sentença (art.º 609º CPC).

Com efeito, determina o art.º 609º nº 2 do CPC:

“Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo na condenação imediata na parte que já seja líquida”.

O preceito não tem aplicação quando, na ação declarativa, não tenha resultado a existência de danos.

Nesse caso, formou-se caso julgado material quanto à inexistência de danos, não podendo a questão voltar a ser discutida.

Contudo, provando-se a existência de danos, como acontece no presente caso, mas não existindo elementos que permitam a sua quantificação, surgiram na jurisprudência duas correntes a respeito da aplicação do preceito.

Seguindo um entendimento mais restritivo, defende-se que o preceito em análise, apenas permite remeter a condenação para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, entendendo-se, porém, essa falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova na ação declarativa, mas apenas como consequência de ainda se não conhecerem, com exatidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda se não terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências do facto ilícito no momento da propositura da ação declarativa (neste sentido Ac. STJ de 17 de janeiro de 1995, P.085801, in www.dgsi.pt).

Neste sentido a fase executiva e agora o incidente de liquidação destina-se a uma mera quantificação, não possível anteriormente, seja porque ao autor apenas era possível a dedução de um pedido genérico, nos termos do art.º 556º do CPC, ou, podendo formular um pedido específico, não era, ainda assim, possível, no momento da decisão, fixar a quantidade da condenação, quer por se desconhecerem todas ou algumas das consequências do facto ilícito, por estas ainda não se terem produzido, quer por não se terem produzido ainda todos os factos capazes de determinar o montante a fixar.

Numa outra corrente, mais permissiva, onde se destacam, entre outros, o Ac. STJ de 19 de maio de 2009, Proc. 2684/04.1TBTVD.S1., acessível em www.dgsi.pt, considera-se que: “sempre que o tribunal verificar o dano, mas não tiver elementos para fixar o seu valor, quer se tenha pedido um montante determinado ou formulado um pedido genérico, cumpre-lhe relegar a fixação do montante indemnizatório para liquidação em execução de sentença. Mesmo que se possa afirmar que se está a conceder uma nova oportunidade ao autor do deduzido pedido líquido de provar o quantitativo dos danos, não se vislumbra qualquer ofensa do caso julgado, material ou formal.

É que a existência de danos já está provada e apenas não está determinado o seu exato valor. Só no caso de se não ter provado a existência de danos é que se forma caso julgado material sobre tal objeto, impedindo nova prova do facto no posterior incidente de liquidação”.

Este preceito tanto se aplica no caso de se ter inicialmente formulado um pedido genérico e de não se ter logrado converter em pedido específico, como ao caso de ser formulado pedido específico sem que se tenha conseguido fazer prova da especificação, ou seja, quando não se tenha logrado coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, a quantidade de condenação.

No caso de o autor ter deduzido um pedido específico (isto é, um pedido de conteúdo concreto), caso não logre fixar com precisão a extensão dos prejuízos poderá fazê-lo em liquidação de sentença, pois instaurado o incidente de liquidação dos danos (art.º 378º CPC), ao demandado cabe a possibilidade de contestar a liquidação efetuada pela parte contrária, com o que fica assegurado o contraditório em relação a tal objetivo. Aliás, com a instauração do incidente a instância considera-se renovada.

Neste sentido também se pronunciaram o Ac. Rel. Porto de 19 de dezembro de 2012, Proc. 1662/06.0 TBVFR.P1; Ac. Rel. Coimbra 03 de outubro de 2006, Proc. 497/2000.C1; Ac. STJ de 10 de dezembro de 2013, Proc. 12865/02.7TVLSB.L1.S1; Ac. STJ 30 de abril de 2014, Proc. 593/09.7TTLSB.L1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.

Subjacente a tal jurisprudência está a ideia de que razões de justiça e de equidade impedem se absolva o réu uma vez demonstrada a sua obrigação, mas impedem igualmente uma condenação arbitrária, sem obediência a limites correspondentes com a realidade.

Temos adotado este segundo sentido interpretativo face aos argumentos que ali são defendidos.

No caso concreto, apesar do autor ter formulado um pedido específico, não se logrou apurar o prejuízo. Provou-se o dano - a perda total do veículo motorizado -, mas não se provou o valor comercial do veículo indicado pelo autor, nem o valor indicado pela ré, justificando-se, ao abrigo do art.º 609º/2 CPC, relegar para liquidação a fixação do montante da indemnização, quanto a tal dano.

Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos 4 a 4.3.


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- Da privação do uso -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 4.5 a 4.7, insurge-se o apelante contra o segmento da sentença, que fixou o montante da indemnização devida com a privação do uso do veículo.

Na sentença apreciando o pedido, considerou-se como se passa a transcrever:

“Também a título de danos de natureza patrimonial, reclama ainda o Autor o direito à indemnização decorrente da paralisação do seu veículo, que corresponderá ao período de privação do uso do seu veículo entre o dia do acidente e a data em que terá adquirido um veículo automóvel (que não especifica, limitando-se a afirmar que esse período de paralisação correspondeu a 1117 dias). Vejamos.

Por regra, o uso e fruição de uma coisa está reservada ao seu proprietário, sendo que a violação desse direito, em caso de dano, importa o dever de indemnização ao proprietário (art.º 1305º e 483º, n.º 1 do Código Civil). A impossibilidade de o proprietário usar e fruir o bem que lhe pertence, por conduta ilícita de terceiro, é já em si um dano, mesmo que, por esse facto, não tenha de suportar outras despesas e/ou se veja privado da obtenção de ganhos/lucros que, por essa causa, viu frustrados. A disponibilidade permanente de um veículo, que pode utilizar-se sempre e quando se precise, confere ao proprietário uma situação de segurança e independência que não tem, quando dele se vê privado, ficando, eventualmente, na dependência de terceiros (ou da realização de despesas) para obter esse grau de satisfação. A privação da disponibilidade do veículo, ficando o proprietário privado da possibilidade de o usar, é em si uma perda que pode gerar a obrigação de indemnizar, independentemente da dificuldade de quantificação do dano (posto que, não se provando a medida exata dos danos, para esse efeito pode o tribunal recorrer à equidade).

E dando a lei primazia à reconstituição natural (artigo 566º, n.º 1 do Código Civil), durante o período da privação do uso da viatura, o modo mais adequado de proceder a essa reconstituição seria o devedor facultar ao lesado um veículo idêntico, para o fim a que normalmente este destinava a viatura de que se viu privado, ou facultando-lhe as quantias necessárias ao aluguer de veículo idêntico, daí que não se procedendo à reparação nesses termos, haverá de reparar pelo equivalente.

Na situação vertente, reclama o montante diário de €11,00, correspondente à privação do uso do seu veículo durante os 1117 dias em que dele ficou privado.

Relativamente a este dano, defende-se a Ré alegando que a sua responsabilidade quanto a este dano terminou com a apresentação ao Autor da sua proposta de indemnização pela perda total do veículo.

No caso em apreço, sendo indubitável que o Autor sofreu o dano que invoca, a questão que se coloca é, então, a da definição do âmbito temporal da privação do uso.

Como se escreveu no Ac. S.T.J. 3/11/2011 (pº 2618/05.06TBOVR.P1, in www.dgsi.pt), “o que na essência define o dano da privação do uso, independentemente de outros prejuízos concretos que possam alegar-se e provar-se associados a essa ocorrência (danos emergentes e lucros cessantes), é a impossibilidade de usar a coisa por virtude da conduta ilícita do lesante, e enquanto essa impossibilidade subsistir”.

Alegava o Autor que esta impossibilidade de utilização do veículo subsistiu até à data em que procedeu à aquisição de um veículo automóvel, o que teria ocorrido mais de 3 anos após a ocorrência do sinistro!

Para além de não ter provado este último facto, cremos que, como defende a Ré, o dano de privação do uso deve ter como limite temporal a data em que a Ré propôs ao Autor o valor indemnizatório que entendeu ser o adequado para reparar a perda total do veículo. Tendo em conta que tal proposta foi feita ao Autor através da carta de 20 de novembro de 2014, teremos de considerar tão só um período de 21 (vinte e um) dias de paralisação do veículo imputável à Ré. Na determinação do quantum indemnizatório correspondente a este prejuízo, a medida da adequada indemnização deverá buscar-se através de um critério de equidade. Ponderando os preços correntemente praticados pelo aluguer de veículos da classe e do tipo tem-se como adequado tal indemnização tendo por base o valor diário de €11,00, indicado pelo próprio Autor e que corresponde ao valor pago pelo autor pelo aluguer de um veículo de características semelhantes, o que perfaz a indemnização total de €231.00 (duzentos e trinta e um euros)”.

O apelante insurge-se contra o período fixado para efeitos de cálculo do dano, com os seguintes argumentos:

“4.5 O dano de privação do uso do veículo deverá considerar-se até á data em que o autor adquiriu um automóvel, facto, aliás, por este confessado.

4.6 Também não deve atender-se à data da missiva enviada pela seguradora “como data limite, de indemnização de perda de uso do veículo”. A indemnização será devida, até que a reclamada pague o valor, acrescido de juros de mora.

4.7 Assim, os limites temporais são, por um lado, a ocorrência do sinistro e, por outro, o pagamento efetivo da indemnização”.

Não se questiona o direito do autor à indemnização peticionada pela privação do uso do veículo, mas apenas o período temporal para efeitos de cálculo da indemnização do dano.

No cálculo da indemnização cumpre ter presente o critério estabelecido nos art.º 562º a 566º CC, como já se referiu.

A indemnização em dinheiro tem carácter subsidiário, conforme decorre do disposto no art.º 562º CC, motivo pelo qual apenas tem lugar nas situações previstas no art.º 566º CC.

Resulta dos factos apurados que o veículo motorizado propriedade do autor, por efeito do acidente de viação ficou danificado e foi declarado em estado de perda total.

O autor ficou privado do veículo e não lhe foi atribuído um veículo de substituição, nem a ré procedeu ao pagamento da indemnização devida pela perda do veículo, inexistindo acordo quanto à indemnização a atribuir para ressarcimento deste dano.

Assiste ao autor o direito a ser ressarcido pela privação do uso do veículo, nos termos do art.º 42º do DL 291/2007 de 21 de agosto.

Prevê o art.º 42º do DL 291/2007 de 21 de agosto, sob a epígrafe “Veículo de Substituição”:

1. Verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de caraterísticas semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores.

2. No caso de perda total do veículo imobilizado, nos termos e condições do artigo anterior, a obrigação mencionada no número anterior cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização.

3. […]

4. […]

5. O disposto neste artigo não prejudica o direito de o lesado ser indemnizado, nos termos gerais, no excesso de despesas em que incorreu com transporte em consequência da imobilização do veículo durante o período em que não dispôs do veículo de substituição.

6. […]”

O preceito prevê e regula as circunstâncias em que se procede à atribuição de veículo de substituição, ocorrendo a imobilização do veículo sinistrado e quando a seguradora assuma a responsabilidade pelos danos causados com o sinistro.

A aplicação do regime previsto no art.º 42º/2 do citado diploma prevê a atribuição de veículo de substituição, no caso de perda total do veículo.

Em conformidade com tal preceito a obrigação de atribuição de veículo de substituição cessa “no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização”.

A obrigação de atribuição de veículo de substituição, nas situações de perda total, pressupõe: que a seguradora assuma a responsabilidade pela indemnização dos danos causados com o acidente, a declaração de perda total do veículo (segundo os critérios do art.º 41º do citado diploma) o não pagamento da indemnização.

A inutilização e perda total de veículo confere ao seu proprietário não só o direito à sua substituição, ou indemnização pelo respetivo valor, como também a ser indemnizado pelo uso de que foi privado no período compreendido desde a data do acidente até à data de entrega do veículo de substituição ou pagamento daquela indemnização privação do uso[7].

Como se observa no Ac. Rel. Porto 27 de janeiro de 2020, Proc. 944/18.3T8PFR.P1 (acessível em www.dgis.pt) “[…]há apenas três possibilidades de pôr termo ao período de privação nas situações de perda total: a aquisição pelo lesado de um veículo de substituição; a entrega pela seguradora de um veículo de substituição; o pagamento da indemnização ao lesado (pelo dano de perda total), que lhe permita adquirir um veículo para substituir o veículo sinistrado”.

Neste sentido, ainda, Ac. Rel. Porto 21 de maio de 2024, Proc. 1583/19.7T8STS.P2 (acessível em www.dgsi.pt).

Porém, na análise da questão não se pode ignorar as circunstâncias em que o lesado contribuiu para o agravamento do dano (art.º 570º CC) ou, se, enquanto credor obstou ao cumprimento da obrigação por parte do devedor/seguradora (Ac. Rel. Porto 04 de julho de 2024, Proc. 223/23.4T8MAI.P1 e Ac. STJ 28 de maio de 2024, Proc. 3587/19.0T8OAZ.P1.S1 (ambos acessíveis em www.dgsi.pt)).

Revertendo tais considerações para o caso concreto.

Em 20 de novembro de 2014 a ré apresentou ao autor uma proposta de indemnização, por considerar o veículo na situação de perda total (ponto 38 dos factos provados).

A ré não disponibilizou veículo de substituição e não pagou a indemnização devida pela perda do veículo, porque o autor não aceitou a proposta, na medida em que optou por instaurar a presente ação, o que fez decorridos cerca de cinco anos sobre a data do acidente.

Não se provou que o autor adquiriu um veículo automóvel 1117 dias após a ocorrência do acidente (alínea s) dos factos não provados).

Contudo, o autor calculou o prejuízo sofrido com a privação do uso do seu veículo motorizado até à data em que adquiriu um novo veículo e volta a afirmar tal facto nas alegações de recurso, porque a partir dessa data passou a dispor de veículo próprio para as suas deslocações.

Daqui decorre que cessa a obrigação de ressarcimento do prejuízo por privação do uso do veículo na data em que a seguradora apresentou a proposta de indemnização, por perda total.

Efetivamente, propondo-se a seguradora pagar a indemnização por perda total estava a atribuir o valor para adquirir uma nova viatura e nessa medida, não se justificaria atribuir um veículo de substituição.

O apelante autor não indicou qual foi a sua reação à proposta da ré e apenas temos como apurado a instauração da presente ação, decorridos cinco anos sobre a data do acidente (e proposta de indemnização), na qual veio refutar o valor proposto e pretendendo a indemnização do prejuízo de privação de uso até à data em que adquiriu um novo veículo.

A seguradora usou da diligência devida, na medida em que apresentou a proposta de indemnização no prazo de cerca de 20 dias a contar da data do sinistro e se dano existiu, a partir da data em que foi apresentada a proposta, é o mesmo imputável ao lesado, por não ter atempadamente reclamado contra o valor proposto exigindo a atribuição de um veículo de substituição. Não se nega que o autor/apelante estava no seu direito de contestar a proposta da seguradora. Contudo, não resulta dos factos apurados o motivo pelo qual apenas o fez na presente ação e decorridos cerca de cinco anos sobre a data do sinistro e da proposta apresentada. O facto de ficar sem veículo para as suas deslocações durante este período de tempo apenas ao lesado é imputável e tal circunstância exclui a indemnização da privação de uso a partir da data em que foi apresentada a proposta pela seguradora.

Desta forma, a decisão que fixou o período de indemnização entre a data do sinistro e a data em que foi apresentada a proposta, não merece censura.

Improcedem, as conclusões de recurso, sob os pontos 4.5. a 4.7.


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- Despesas com parqueamento do veículo -

No ponto 4.4 das conclusões de recurso o apelante insurge-se contra o segmento da sentença que julgou improcedente o pedido de ressarcimento das despesas com parqueamento.

Refere-se na sentença e passamos a citar:

“Peticiona também o valor de €105,00 que diz ter despendido com o aparcamento do seu veículo, enquanto imobilizado na oficina onde foi objeto de perícia.

Sucede que o Autor não logrou demonstrar a verificação deste dano patrimonial, razão pela qual, nesta parte, o seu pedido deverá improceder”.

Argumenta o apelante:

“4.4ª douta sentença entende que pelo facto de o autor não ter pago (ainda) qualquer valor pelo parqueamento do veículo, este dano patrimonial não deverá ser ressarcido”.

Resulta da análise dos factos, que o autor/apelante não logrou provar os concretos factos em causa (cf. ponto h) dos factos não provados), constituindo ónus do autor a prova dos danos (art.º 483º, 487º e 342º/1 CC).

Acresce que o apelante não se insurgiu contra a decisão de facto, nem questiona a decisão de direito, motivo pelo qual a decisão não merece censura.

Improcedem as conclusões de recurso sob o ponto 4.4.


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- Da indemnização do dano biológico -

Nos pontos 5 a 5.6 das conclusões de recurso, o apelante insurge-se contra a decisão que fixou o montante da indemnização devida a título de dano biológico, por considerar que ao valor arbitrado não pode ser abatido o valor do capital de remição pago em sede de processo de acidente de trabalho e no cálculo deve ser considerado o salário médio nacional.

Na sentença, reconheceu-se a existência de dano biológico e avaliou-se na perspetiva de dano patrimonial e uma vez apurado o montante da indemnização deduziu-se o valor do capital de remição, pago em sede de processo de acidente de trabalho, com os seguintes fundamentos:

“Ainda na modalidade de danos patrimoniais, o Autor invoca ainda um lucro cessante decorrente da repercussão das sequelas de que ficou (definitivamente) a padecer na sua capacidade de ganho.

Provou-se, de facto, que, em consequência das sequelas do acidente, ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade de 16,56 pontos numa escala de 1 a 100.

Demonstrou-se, outrossim, que sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente da atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

Na senda do Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 7.04.2016, processo n.º 171/14.9TVPRT, in www.dgsi.pt – cujo entendimento, com a devida vénia, subscrevemos e seguimos de perto – entendemos que “mesmo que a incapacidade permanente/défice funcional permanente não se traduza numa

perda de rendimentos para o lesado, representa sempre um dano específico, autónomo e indemnizável, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial ou não patrimonial”.

Efetivamente, quer esse deficit se venha a repercutir numa eventual perda patrimonial, quer se atenha num agravamento da condição física ou psíquica, desde que (e porque) quantificado, permite um tratamento perfeitamente estanque a nível da indemnização compensatória. Aliás, se assim não fosse, de nada serviria expressá-lo em termos quantitativos. Assim, entendemos que ao dano biológico que afeta o Autor em consequência do acidente, deverá corresponder uma indemnização autónoma.

A incapacidade permanente, de per si, constitui um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços. Sendo, assim, indemnizável (…) quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado (…)”.

Tem-se vindo a consolidar na jurisprudência, como solução para definir os parâmetros da reparação deste tipo de dano, determinar o capital necessário, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida do lesado, lhe proporcione o mesmo rendimento que auferiria se não tivesse ocorrido a lesão.

Entende-se, de todo o modo, que a determinação do montante indemnizatório deve ser obtida com recurso a processos objetivos (fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), servindo para determinar um limite mínimo indemnizatório, o qual, deverá posteriormente ser corrigido com recurso a outros elementos, quer objetivos quer subjetivos, que possam conduzir a uma indemnização justa.

Seja qual for o critério norteador (já que todos os critérios até hoje seguidos não são vinculativos, são meramente indiciários), haverá que ter sempre presente a figura da equidade, a qual visa alcançar “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, de forma que se tenha em “conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida…” (Acórdão do STJ, 10/2/98, CJSTJ, tomo I, pág. 65.).

No caso vertente, na ponderação dos elementos atendíveis haverá que privilegiar fundamentalmente a natureza, extensão e gravidade das sequelas funcionais resultantes do acidente para o Autor, a qual, como dos factos provados, que lhe determinaram um défice funcional permanente de 16,52 pontos numa escala crescente de 1 a 100, as quais, não sendo impeditivas do exercício da sua atividade profissional, lhe exigem, no entanto, esforços suplementares, dada a natureza das sequelas físicas de que ficou a padecer e a profissão que exerce.

Ficou demonstrado que, à data do acidente, o Autor auferia o rendimento anual bruto de €13.860,00 (€945,00 x 14 + 52,50 x 12).

Considerando, desta forma, a atividade profissional exercida e o valor salarial auferido, a idade do lesado à data da alta – 30 anos de idade – uma expectativa de vida média de 78 anos (de acordo com os índices do INE), o défice funcional, de natureza permanente, que as lesões resultantes do acidente lhe provocaram – 16,52 pontos percentuais numa escala crescente de 1 a 100 -, que, não o impedindo de exercer as suas atividades diárias, lhe exigem um acréscimo de esforço físico, mas sem qualquer rebate profissional ou afetação da sua capacidade de ganho, considerando ainda os valores atribuídos para casos similares pela jurisprudência nacional, entendemos equilibrada, perante o circunstancialismo fáctico descrito, uma indemnização de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros).

No entanto, a este valor há que subtrair, sob pena de dupla indemnização, o montante de €37.410,00 que o Autor recebeu da seguradora de acidente de trabalho, a título de capital de remição da pensão por incapacidade a que tem direito (valor pelo qual a mencionada seguradora foi reembolsada pela aqui Ré).

Assim, a título desde dano futuro, o autor apenas terá direito a receber da Ré o valor de €17.590,00 (dezassete mil, quinhentos e noventa euros)”.

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 5 a 5.6, insurge-se a apelante contra o decidido, com os seguintes argumentos:

5. A avaliação do dano biológico não é correta, não só por não considerar todos os fatores, como se por determinar o abatimento do valor pago a título de remição na ação laboral.

5.1 O dano biológico, enquanto lesão da integridade físico-psíquica encontra a sua compensação tutelada no artigo 25º nº 1 da CRP e no artigo 70º do CC, não podendo fazer-se uma interpretação restritiva de tais normativos.

5.2 O défice funcional por perda de capacidade geral não corresponde a um índice de incapacidade parcial para o exercício da profissão habitual.

5.3 A afetação da capacidade para o exercício de profissão habitual é aferida em função dos índices previstos na TNIATDP117 (art.º 566º n.º 2 CC), enquanto a afetação da capacidade geral é aferida em função dos índices da TAIPDC118 (art.º 566º n.º 3 CC).

5.4 Tais danos são avaliados através de critérios diferentes, referem-se a índices diferentes, não havendo qualquer duplicação quando avaliados e indemnizados individualmente.

5.5 Consequentemente, não pode ser abatido o valor do capital de remição pago no âmbito do processo de acidente de trabalho.

5.6 Recentemente tem-se entendido que o dano biológico deve ser aferido a partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, sob pena de violação do princípio da igualdade (o salário médio nacional), sendo este critério mais consentâneo com a justiça, já que o que está em causa é o direito à vida, igual para qualquer ser humano, que nada interfere com os seus rendimentos”.

Ponderando os fundamentos da apelação em confronto com os factos provados, consideramos que o valor arbitrado respeita o critério legal e respeita os critérios atendidos na jurisprudência dos tribunais superiores, situando-se dentro dos valores médios arbitrados em situações idênticas. Contudo, entendemos não se verificar a apontada duplicação de indemnização do mesmo dano, porque o esforço acrescido no desempenho da profissão habitual não se identifica com o dano consubstanciado na perda de rendimentos salariais decorrente do grau de incapacidade fixado ao sinistrado no processo de acidente de trabalho (compensado pela entrega do capital de remição).

Na indemnização peticionada e atribuída, trata-se, antes do dano biológico decorrente das sequelas das lesões sofridas, perspetivado não como fonte de uma perda de rendimentos laborais, mas antes como diminuição global das capacidades gerais do lesado, envolvendo uma verdadeira “capitis deminutio” para a realização de quaisquer tarefas, que passam a exigir-lhe um esforço acrescido e constitui um dano autónomo e pode ter como consequência danos patrimoniais e danos de natureza não patrimonial, como se passa a demonstrar.

Dispõe o art.º 566º CC que a indemnização é fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

Por outro lado, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e que teria nessa data se não existissem danos.

Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados – art.º 566º/3 CC.

Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior, conforme decorre do art.º 564º/2 CC.

Consagram-se, assim, a teoria da diferença e a equidade como critério de compensação de danos futuros.

A perda de capacidade de ganho representa: “o efeito danoso, de natureza temporária ou definitiva, que resulta para o ofendido do facto de ter sofrido uma dada lesão impeditiva da obtenção normal de determinados proventos certos, em regra até ao momento da reforma ou da cessação da atividade como paga do seu trabalho, e que se inclui na categoria dos prejuízos diretos, embora com uma importante vertente de danos futuros”[8].

A desvalorização física que afete a capacidade de aquisição do lesado constitui um dano patrimonial por se traduzir na redução ou extinção da possibilidade de obtenção de valores patrimoniais.

Mesmo a diminuição da capacidade laboral genérica, independentemente da produção de prejuízo patrimonial, é reparável enquanto dano corporal.

Como refere, a este respeito ARMANDO BRAGA: “[a] redução da capacidade laboral genérica, enquanto lesão de um modo de ser, de estar e de agir da vítima, embora possa não comportar efeitos diretos e imediatos na capacidade de produção de rendimentos, funda-se numa diminuição da saúde, entendida num sentido lato, reparável enquanto tal, isto é, como dano à saúde”[9].

O “dano biológico” constitui um conceito criado pela jurisprudência e doutrina italiana, habitualmente classificado como “tertium genus” em relação à dicotomia dano patrimonial/dano moral.

Revelou-se determinante para a conceção e estruturação do conceito a decisão do Tribunal Constitucional Italiano nº 184 de 14 de julho de 1986 que consagrou a distinção entre dano-evento e dano-consequência.

O dano biológico constitui a lesão do bem da saúde como dano evento, enquanto o dano moral e o dano patrimonial pertencem à categoria do dano consequência em sentido estrito.

Como refere ARMANDO BRAGA esta distinção: “permite clarificar que o dano corporal (dano-evento) existe independentemente das consequências de ordem patrimonial (dano-consequência). Assim, o dano corporal existe sempre que haja lesão da integridade físico-psíquica. E reconhecida a sua existência como dano-evento, sempre terá de ser reparado. Já as consequências patrimoniais do dano corporal revelam-se, no plano ontológico, sucessivas, ulteriores a este e meramente eventuais. A eventual existência e contornos das consequências patrimoniais não pode nem deve confundir-se com o dano corporal que está na sua génese. Dito de outra forma, o dano corporal (dano evento) não depende da existência e prova de efeitos patrimoniais, estes é que se apresentam como consequência (ulterior) do primeiro. Assim, o dano corporal existe sempre que haja lesão da integridade físico-psíquica”[10].

Na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça o conceito de dano “biológico” tem sido acolhido como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, o qual é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial[11].
Assim, quem pretenda obter uma indemnização a título de lucros cessantes, em consequência de lesão sofrida, terá de fazer prova do pressuposto médico-legal sem o qual não há lugar a lucro cessante, isto é, provar que da lesão resultou uma determinada incapacidade durante o qual o lesado não esteve em condições – total ou parcialmente – de trabalhar, e, além disso, se tal for o caso, a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho.
Acolhendo esta interpretação, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[12] tem defendido “que o lesado que fica a padecer de determinada incapacidade permanente geral (IPG) – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, a incapacidade parcial geral é, consequentemente, um dano patrimonial - tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis – art.º 564º, nº 2”.
Sendo os danos previsíveis a que a lei se reporta, essencialmente, os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva ou até o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados.
A incapacidade permanente constitui um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.

Sendo, assim, indemnizável, como já dissemos, quer acarrete para o lesado uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter o mesmo nível dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado[13].

Como melhor se observa no Ac. STJ 07.06.2011[14]:

“[…] a incapacidade permanente integra aquilo que comummente se designa por dano ou incapacidade funcional.

Efetivamente, essa incapacidade, que se reflete na impossibilidade de uma vida de completa normalidade, com repercussões no intelecto, na vontade e em toda a capacidade em sentido lato, pode configurar-se como uma incapacidade permanente sofrida pelo lesado.

Haverá que considerar, pois, as capacidades funcionais, tanto reais como potenciais.

Realce-se, além disso, que a incapacidade funcional, mesmo que não determine efetiva e imediata perda ou diminuição de rendimentos ou de proventos por parte do lesado, importa necessariamente dano patrimonial (futuro), que deve ser indemnizado.

[…]

Na verdade, a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida capaz de propiciar rendimentos.

Logo, a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afetados.

A repercussão negativa que a incapacidade funcional tem para o lesado centra-se, assim, na diminuição da sua condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.

E é precisamente, neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico) para a execução, com regularidade e normalidade, das tarefas próprias e habituais de qualquer múnus que implique a utilização do corpo, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização por danos patrimoniais futuros.

Por outras palavras, a incapacidade funcional implica sempre uma inferioridade na condição física do lesado, quanto à sua resistência e capacidade de esforço, na medida em que o dano físico decorrente dessa incapacidade exige, ou exigirá, do lesado um esforço suplementar, físico e psíquico, para obter o mesmo resultado.

A incapacidade funcional constitui, desde modo, um dano patrimonial futuro, que os artigos 562º e 564º impõem se indemnize, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, não tendo o lesado, pois, sequer de alegar ou provar qualquer perda de rendimentos.

Por conseguinte, a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de «um dano patrimonial, já que a força do trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão».

Resulta do exposto que a incapacidade permanente de que o lesado fique a padecer em consequência de um facto danoso é, além do mais, suscetível de afetar e diminuir a potencialidade de ganho, por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o ofendido de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho.

Mas essa mesma incapacidade permanente pode, igualmente, afetar o lesado, quando implica para ele um esforço ou sacrifício suplementar para exercer as várias tarefas e atividades gerais quotidianas.

Com efeito, a incapacidade funcional, afetando o corpo humano ou um seu órgão (no sentido médico-legal deste termo), representa uma alteração da pessoa, que afeta a sua integridade física, impedindo-a de exercer determinada atividade corporal ou sujeitando-a a exercitá-la de modo deficiente ou doloroso.

Realmente, a incapacidade funcional de que o lesado tenha ficado a padecer pode traduzir-se numa incapacidade para a generalidade das profissões, numa incapacidade genérica para utilizar o corpo enquanto prestador de trabalho e produtor de rendimento ou numa possibilidade de o utilizar em termos correspondentemente deficientes ou penosos.

Por isso, a incapacidade funcional, na medida em que a precede e consome, tem, em princípio, uma maior abrangência do que a perda da capacidade de ganho, podendo não coincidir com esta, tudo dependendo do tipo ou espécie de trabalho efetivamente exercido profissionalmente.

É que, em alguns casos, uma elevada incapacidade funcional pode não ter repercussão na retribuição (o que não é raro em profissões de incidência intelectual), ao passo que, noutras situações, uma pequena incapacidade funcional geral pode ocasionar uma enorme incapacidade profissional”.

Temos, assim, que “a afetação da integridade física do lesado traduz-se num dano patrimonial, por ser previsível que, no futuro, a incapacidade funcional de que ficou a padecer tenha repercussão negativa na sua capacidade de ganho.

Esta diferença resultante da lesão da integridade física do lesado importa uma previsível redução da sua capacidade para o trabalho e, consequentemente, um dano patrimonial indemnizável, independentemente da sua repercussão imediata nos rendimentos da sua atividade profissional.

Basta a alegação dessa incapacidade para uma vez demonstrada, servir de fundamento ao pedido de indemnização pelo dano patrimonial futuro, cujo valor, por ser indeterminado, deve ser fixado equitativamente, nos termos do preceituado no artigo 566º, n.º 3 CC”.

No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ de 10 de outubro de 2012, Proc. 632/2001.G1.S1 (acessível em www.dgsi.pt ), considerou que:

“ […] a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais[…]”.

E, no mesmo aresto, se acrescenta que:

“Nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela “capitis deminutio” de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal […]”.

Neste sentido, entre outros, podem citar-se o Ac. STJ 23 de outubro de 2018, Proc. 902/14.7TBVCT.G1.S1, Ac. STJ 06 de dezembro de 2018, Proc. 652/16T8GMR.G1.S2, Ac. STJ 29 de fevereiro de 2024, Proc. 2859/17.3T8VNG.P1.S1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Como se observa no Ac. STJ 10 de Março de 2016, Proc. 1602/10.2TBVFR.P1.S1 (www.dgsi.pt ) as sequelas podem projetar-se em dois planos:

- a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;

- na perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual.

A questão objeto do recurso coloca-se no ressarcimento deste segundo grupo de danos.

Em sede de processo laboral, como decorre dos pontos 28 a 33 dos factos provados, o apelante recebeu as indemnizações por incapacidade temporária absoluta e incapacidade parcial permanente, bem como o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia. O apelante obteve uma indemnização pela perda parcial de capacidade para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir.

Na presente ação apenas está em causa aferir se as sequelas em consequência das lesões sofridas originaram também uma perda ou diminuição de capacidade funcional (art.º 183º a 185º da petição).

Como decorre dos factos provados:

18) Mercê das lesões e das sequelas físicas e psíquicas que o passaram a afetar, padece de um défice funcional permanente na atividade físico psíquica quantificável em 16,52 pontos;

19) Tais sequelas são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual, mas implicam esforços suplementares;

20) O quantum doloris de que padeceu fixa-se em 6 pontos, de acordo com uma escala crescente de 1 a 7 pontos;

21) Em consequência das várias cicatrizes que o afetam, em consequência quer das lesões, quer das cirurgias que foi submetido, ficou a padecer de um dano estético de 2 pontos, numa escala crescente de 1 a 7 pontos;

22) A repercussão daquelas sequelas nas atividades desportivas e de lazer do Autor quantifica-se no grau 2, numa escala crescente de 1 a 7 pontos;

Verifica-se, assim, uma perda de capacidade funcional que afeta o apelante em todas as atividades em geral e que na sua concreta atividade profissional implica esforços suplementares, para além de ter repercussões nas atividades desportivas e de lazer, quantificado no grau de 2, numa escala de 1 a 7. Constitui um dano autónomo, suscetível de ser ressarcido em sede de dano patrimonial.

A afetação da sua capacidade funcional vai afetar o seu desempenho profissional com repercussão na evolução da sua carreira profissional, o que necessariamente importará perdas salariais que não estão contabilizadas na remição da pensão que lhe foi atribuída.

De acordo com as normas da experiência e partindo de um juízo de mera probabilidade, somos levados a concluir que as limitações de que ficou a padecer, ainda que não tenham uma expressão direta no seu salário, acabarão por criar uma limitação futura na sua atividade profissional, na medida em que condiciona a sua produtividade e este aspeto tem efeitos patrimoniais relevantes na medida em que condiciona a progressão na carreira profissional e pode mesmo vir a gerar uma situação de pré-reforma e por isso, o dano sofrido, qualificado como “dano biológico” deve ser objeto de ressarcimento em sede de danos patrimoniais, por representar uma efetiva perda de ganho.

Como se refere no Ac. STJ de 07 de Outubro de 2010[15]: ” Trata-se, em suma, de indemnizar, «a se», o dano corporal sofrido, quantificado por referência ao índice 100 [integridade psicossomática plena], e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos“.

Acresce que o recurso a fórmulas de cálculo não inclui, como é evidente, o dano biológico sofrido pelo lesado, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre - e, portanto, sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.

Conclui-se, assim, que se justifica a avaliação em sede de dano patrimonial do défice funcional permanente atribuído ao Autor, sem prejuízo da ponderação em sede de dano moral, atendendo às limitações na vida de relação e sem dedução dos valores atribuídos com a remição da pensão, em sede de processo por acidente de trabalho.

Na sentença arbitrou-se a indemnização de € 55 000,00.

O apelante considera que no cálculo se deveria atender ao valor do salário médio mensal nacional.

Na avaliação do dano, a jurisprudência, partindo de um juízo de equidade tem apontado vários critérios, sendo certo que o que melhor reflete o princípio geral enunciado no art.º 562º CC – reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão – segue basicamente a ideia, que o montante da indemnização em dinheiro deve corresponder a um capital gerador de rendimento equivalente ao que o lesado deixará de receber, durante o período em que poderia trabalhar, de forma a esgotar-se no tempo provável de vida ativa. O critério utilizado para a avaliação da perda de ganho será o que melhor se aproxima do critério legal para avaliar o dano.

Estando em causa proventos futuros pela privação da respetiva fonte na avaliação do dano cumpre fazer apelo a critérios de probabilidade, em termos de normalidade de vida e ponderando o caso concreto[16].

Na jurisprudência, até 1993, optou-se por proceder ao cálculo da indemnização segundo as tabelas financeiras, à taxa de 9%, tendo por base a perda de ganho anual e o tempo provável de vida ativa da vítima[17].

Posteriormente, tendo presente a diminuição da inflação e das taxas de juro, foram propostas novas fórmulas entre as quais se destaca a fórmula utilizada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 05.05.1994 (CJ STJ II, II, 86 ) e ainda, a fórmula proposta no Acórdão da Relação de Coimbra de 4.04.95 (CJ XX, II, 23 ) onde se ponderava a tendência para o crescimento dos salários e ganho de produtividade.

Presentemente no que toca à avaliação da perda de rendimentos provenientes da atividade profissional habitual, tem a jurisprudência[18]C:\Users\daniela.c.matos_st\AppData\Local\Microsoft\Windows\Temporary Internet Files\Content.Outlook\OSTLKX6F\Revista 1602 10 acidente de via├º├úo l.doc - _ftn10considerado como parâmetros a atender os seguintes:

a) – o capital produtor do rendimento que a vítima deixará de auferir e que se extinguiria no período de vida profissional provável;

b) – no cálculo a equacionar de forma equitativa, o relevo das regras da experiência que, segundo o curso normal das coisas, seja razoável atentar;

c) – as tabelas financeiras como mero instrumento auxiliar, sem substituição da equidade;

d) – o facto de ocorrer a antecipação, de uma só vez, do pagamento de todo o capital, o que permite ao beneficiário rentabilizá-lo financeiramente, introduzindo-se, para o efeito, uma dedução de forma a evitar um enriquecimento injustificado à custa de outrem e que se poderá situar entre 1/3 e 1/4.

Em todos os critérios surgem como elementos comuns a ponderação da idade do lesado, a incapacidade de que ficou afetado, o salário que auferia na data em que ocorreu o evento danoso e ainda, o período de vida ativa.

No caso concreto, na sentença considerou-se para efeito de cálculo da indemnização o salário que o apelante auferia na data em que ocorreu o acidente.

Como decorre dos pontos 24 e 34 dos factos provados, o autor exercia uma atividade profissional e auferia o salário mensal de €945,00.

É este o valor a considerar tendo presente o critério legal de acordo com o qual a indemnização visa a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão. Com esse objetivo e de acordo com um juízo de equidade, deve ser levado em consideração o salário que o lesado auferia na data em que ocorreu a lesão.

Acresce que a consideração do valor do salário médio mensal nacional tem sido ponderando na jurisprudência[19] para situações em que o lesado é jovem, estudante e não exerce qualquer atividade profissional, circunstâncias que não se verificavam no caso concreto.

Conclui-se, que a sentença usou o critério que é seguido para situações idênticas e nessa medida não merece censura o facto de ter ponderando a situação profissional do lesado e o salário que auferia à data do sinistro, tal como resulta dos factos provados.

Nas conclusões de recurso o apelante não se insurge contra o valor arbitrado a título de indemnização, pelo que nada mais cumpre reapreciar.

O montante da indemnização a arbitrar a título de dano biológico fixa-se em € 55 000,00.

Na sentença ao montante arbitrado deduziu-se a quantia que foi atribuída a título de remição da pensão. Defende o apelante que não se justifica a dedução.

Entendemos atenta a natureza do concreto dano, que não se justifica tal dedução, seguindo aqui a interpretação defendida, entre outros, no Ac. STJ de 17.11.2021, Proc. 3496/16.5T8FAR.E1.S1, Ac. STJ 29 de março de 2022, Proc. 119/19.4T8STR.E1.S1, Ac. STJ 31 de janeiro de 2023, Proc. 795/20.5T8LRA.C1.S1, Ac. STJ 28 de maio de 2024, Proc.15899/17.3T8PRT.P1.S1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Como se observa no Ac. STJ 31 de janeiro de 2023, Proc. 795/20.5T8LRA.C1.S1:

“[…]a atribuição de uma indemnização no contexto do processo por acidente de trabalho, em si mesma, não abrange todos os danos de natureza patrimonial sofridos pelo autor com o acidente.

A sua função e natureza, realçados no acórdão recorrido, não tornam, de resto, a indemnização ali arbitrada instrumento idóneo à reparação de todos os danos de natureza patrimonial sofridos pelo autor, nomeadamente os danos que, previsivelmente, venham a ocorrer no futuro.

Tal como se salienta no acórdão recorrido, a indemnização atribuída ao autor enquanto vítima de acidente de trabalho não contempla o ressarcimento de previsíveis perdas de remuneração no futuro nem a frustração de oportunidades de progressão ou mudança e consequente melhoria da situação profissional inviabilizadas pela afetação da sua integridade física e psíquica, nem mesmo constitui compensação pelo esforço acrescido a que o lesado estará sujeito no exercício de quaisquer tarefas da sua vida profissional ou pessoal por perda ou diminuição das suas capacidades funcionais.

Assim sendo, por não reparar integralmente o dano causado, o valor da indemnização fixado para ressarcimento do dano no plano laboral deverá ser acrescido de montante a definir equitativamente como forma de reparação / compensação do dano biológico na sua vertente patrimonial, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais ou na sua redução, resultantes diminuição das suas capacidades funcionais e tendo em conta o esforço acrescido que tal diminuição envolverá para o exercício da sua profissão de pintor de construção civil e na sua vida pessoal”.

No Ac. STJ 28 de maio de 2024, Proc.15899/17.3T8PRT.P1.S1 refere-se:

“O dano da incapacidade funcional permanente-défice funcional permanente (“dano biológico”) corresponde a uma realidade que mesmo no plano do estrito do rebate no património do lesado, não se confunde com a perda de rendimentos salariais associada ao grau de incapacidade laboral a atender no processo laboral.

A pensão atribuída no âmbito da reparação do acidente de trabalho visa indemnizar tout court a perda ou diminuição da capacidade geral de ganho do sinistrado.

O dano da incapacidade funcional permanente/défice funcional permanente (“dano biológico”) consiste numa lesão na integridade do sujeito enquanto pessoa, na sua globalidade psicofísica, do qual podem decorrer danos patrimoniais e/ou danos não patrimoniais, podendo os primeiros assumir feição de danos emergentes ou de lucros cessantes, e que contempla, para além do resto, a maior penosidade e esforço no exercício da atividade corrente e profissional do lesado.

Se em razão desse dano corporal, o lesado tem de desenvolver esforços suplementares para a realização das tarefas profissionais, ainda que não lhe seja determinado diminuição do salário, existe ainda assim uma incidência danosa com expressão patrimonial, podendo impedir a ou dificultar a progressão, ou novos trabalhos.

De qualquer forma, ainda que concebível a invocada sobreposição de danos indemnizados, o que não sucede in casu, face ao quadro normativo vigente, sendo a responsabilidade primacial e definitiva do responsável civil, é a entidade patronal ou respetiva seguradora que poderá fazer repercutir aquilo que, a título de responsável objetivo pelo acidente laboral, tenha pagado ao sinistrado.

Diversamente, os responsáveis pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho ficam desonerados do pagamento de indemnização destinada a ressarcir os mesmos danos já reparados pelos responsáveis dos danos consequentes ao acidente de viação que quando o acidente for, simultaneamente, de viação e de trabalho, as respetivas indemnizações não são cumuláveis, mas antes complementares, assumindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário. A responsabilidade primeira é a que incide sobre o responsável civil. É essa responsabilidade que vai definir o quadro indemnizatório geral, sendo certo, no entanto, que, quanto ao mesmo dano concreto, não pode haver duplo ressarcimento”.

É, pois, possível afirmar que as indemnizações fixadas em cada uma das jurisdições - civil e laboral - não se sobrepõem, completam-se.

Apurou-se que no processo especial por acidente de trabalho foi atribuída uma pensão anual, que foi objeto de remição, decorrente da desvalorização permanente parcial para o trabalho de 19,0232%. Neste processo, está em causa a indemnização do dano biológico, embora no que respeita à repercussão desse dano na capacidade de ganho do lesado, enquanto dano patrimonial.

Consideram-se como danos diferentes o que decorre da perda de rendimentos salariais, associado ao grau de incapacidade laboral fixado no processo de acidente de trabalho e compensado pela atribuição de certo capital de remição, e o dano biológico decorrente das sequelas incapacitantes do lesado que - embora não determinem perda de rendimento laboral - envolvem restrições acentuadas à capacidade do sinistrado, implicando esforços acrescidos, quer para a realização das tarefas profissionais, quer para as atividades da vida pessoal e corrente – pontos 18, 19 e 22 dos factos provados. Os esforços acrescidos e a eventual limitação na progressão da carreira não são ponderados na indemnização (pensão) arbitrada no processo de acidente de trabalho.

Nestes termos, inexistindo duplicação de indemnizações, não há lugar ao abatimento da quantia arbitrada no foro laboral a título de capital de remição, fixando-se a indemnização em €55 000,00.

Procedem, em parte, as conclusões de recurso sob os pontos 5 a 5.6.


-

- Do dano moral -

Nos pontos 3 a 3.4 das conclusões de recurso, considera o apelante que pelo facto de não se julgarem provados certos factos, tal circunstância se repercutiu na avaliação do dano não patrimonial e que não foram considerados certos factos provados e conclui que os valores decididos a nível de indemnização distam da prática jurisprudencial.

Cumpre ter presente o segmento da sentença que fixou a indemnização a título de dano não patrimonial.

Escreveu-se, como se passa a transcrever:

“No tocante aos danos de carácter não patrimonial, face aos factos acima provados, por ser evidente o nexo de causalidade que intercede entre os mesmos e o acidente em causa nos autos, entendemos devem ser considerados os seguintes:

- As lesões sofridas em consequência do acidente, os tratamentos a que teve de se submeter e respetiva duração;

- Os períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial que afetaram o Autor.

- As sequelas físicas e psicológicas resultantes de tais lesões que determinaram: um défice permanente na capacidade funcional de 16,52 pontos percentuais;

- A mudança de funções profissionais que tais sequelas determinaram;

- Dores diretamente resultantes das lesões sofridas e também as provocadas pelos tratamentos a que se sujeitou, avaliáveis em 6 pontos numa escala crescente de sete pontos;

-Dano estético permanente fixável em 2 ponto numa escala crescente de sete pontos;

- A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, correspondente ao grau 2 numa escala crescente de 1 a sete pontos;

Como se sabe, os danos de carácter não patrimonial devem ser objeto de compensação a fixar com recurso à equidade e tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência (art.º 496º, nº3, e 494º do C. Civil), sempre com o objetivo, não de se reconstituir a situação que existiria caso não tivesse ocorrido a lesão – como se impõe fazer ao nível dos danos patrimoniais –, mas antes de se proporcionar uma satisfação adequada ao lesado, o que, desde logo, implica uma totalmente distinta ponderação do fator rendimento auferido pelo lesado.

Assim, não deixando de ter em conta, para além do quadro factual acima elencado, a idade do Autor, o período de tempo já decorrido desde a data do acidente - e os valores atribuídos pela jurisprudência (e bem assim a desvalorização monetária entretanto ocorrida), consideramos, à presente data, como ajustado a compensá-lo pelos danos não patrimoniais acima mencionados o valor de €30.000,00 (trinta mil euros)”.

Nas conclusões de recurso argumenta o apelante:

“3. A sentença recorrida também como não considera boa parte do que foi dito nos depoimentos de 3 testemunhas da ré. Tendo, ao invés, concluído pela inexistência de prova, o que se repercutiu na avaliação do dano não patrimonial.

3.1 O prejuízo anátomo-funcional – designadamente a existência de 18 cicatrizes, uma delas do tórax à púbis, com 26 cm de comprimento e completamente deformada – nunca foi considerado.

3.2 O prejuízo de afirmação social e o reflexo nas atividades desportivas e de lazer não foram atendidos.

3.3 A Incapacidade Permanente determinada em sede laboral (IPP), não foi levada em conta na determinação do quantum indemnizatório.

3.4 Os valores decididos a nível de indemnização distam da prática jurisprudencial”.

Contrariamente ao defendido pelo apelante, na sentença respeitou-se o critério legal na fixação da indemnização e ponderaram-se os factos indicados. Na avaliação do dano, no sentido de alcançar a justa indemnização tendo em vista a sua compensação, o juiz está condicionado aos factos apurados, sendo certo que o apelante não impugnou a decisão de facto, em particular dos factos que no seu entender seriam relevantes para a avaliação do dano.

Acresce que o apelante apesar de se insurgir contra o decidido não indicou o valor que em seu entender seria adequado para compensar o dano sofrido, sendo certo que o valor de €75.000,00, peticionado se mostra desajustado face à natureza dos concretos danos a indemnizar.

Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais, necessariamente com apelo a um julgamento segundo a equidade, tendo presente o art.º 496º/1CC, verificamos que tão só, são indemnizáveis, a título de danos morais, os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito e a indemnização, neste âmbito, visa compensar o dano sofrido, pois pela sua natureza o dano não é suscetível de restituição natural.

Em conformidade com o nº4 do art.º 496º CC o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art.º 494º do CC e de acordo com um critério objetivo.

Na decisão segundo a equidade terá de se considerar essencialmente as particularidades que o caso concreto apresenta.

No recurso à equidade devem observar-se as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso[20].

Deve atender-se, assim, nos termos do art.º 496º/4 CC, conjugado com o art.º 494º CC, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica, do lesado e do titular de indemnização e às demais circunstâncias do caso. Nestas, podem incluir-se a desvalorização da moeda, bem como os padrões de indemnização geralmente adotados pela jurisprudência[21].

No caso presente na sentença seguiu-se o critério legal e ponderou-se:

“- As lesões sofridas em consequência do acidente, os tratamentos a que teve de se submeter e respetiva duração;

- Os períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial que afetaram o Autor.

- As sequelas físicas e psicológicas resultantes de tais lesões que determinaram: um défice permanente na capacidade funcional de 16,52 pontos percentuais;

- A mudança de funções profissionais que tais sequelas determinaram;

- Dores diretamente resultantes das lesões sofridas e também as provocadas pelos tratamentos a que se sujeitou, avaliáveis em 6 pontos numa escala crescente de sete pontos;

-Dano estético permanente fixável em 2 ponto numa escala crescente de sete pontos;

- A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, correspondente ao grau 2 numa escala crescente de 1 a sete pontos”.

Considerou-se a natureza das lesões sofridas e a gravidade das lesões e tratamentos, bem como a incapacidade de que ficou a padecer o apelante, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, todos os danos com reflexo na sua integridade física e psíquica.

Por outro lado, o valor arbitrado - € 30 000,00 - encontra-se dentro dos valores arbitrados na jurisprudência para situações idênticas, indicando-se, entre outros, o Ac. STJ 29 de fevereiro de 2024, Proc. 2859/17.3T8VNG.P1.S1(acessível em www.dgsi.pt).

Considerou-se no citado acórdão, em relação a acidente ocorrido em 2015, tendo sido atribuído um défice funcional permanente de 16 pontos à lesada, que o valor de € 30.000,00 se mostrava adequado para compensar os danos sofridos a título de dano patrimonial, com os seguintes fundamentos:

“(...) sofreu dores intensas aquando do acidente e no período de tratamento, sendo que as dores cervicais persistem, com limitações em relação ao transporte de pesos, passou a ter receio de conduzir, sofre de stress pós-traumático, alterações de humor e irritabilidade fácil, tendo passado a usar medicação ansiolítica. Para além do que resulta provado em relação a sofrimento físico, imobilização, medos e limitações, importa ter em conta, como fator particularmente relevante, que a autora vivenciou uma experiência traumática, tendo sido embatida violentamente, de forma inesperada, com subsequente capotamento do veículo, que se veio a imobilizar a 45 metros do local do embate, tendo atingido o talude que ladeia a estrada. A idade da autora à data do acidente e a particular consciência que esta traz em relação à própria fragilidade, permite com facilidade compreender o temor que terá sentido de perder a vida naquele acidente, vivenciando o que se antecipa ser um estado de terror no período que perdurou até à imobilização do veículo. Sendo o parâmetro ou critério normal para aferir a dimensão da dor física a extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico, haverá que reconhecer a presença, no caso concreto, de um dano não patrimonial digno de tutela compensatória -o relatório pericial fixou o quantum doloris no grau 4, numa escala de 1 a 7, o que revela a indiscutível relevância da dor sofrida. Já o dano estético foi fixado no grau 1 de 7. (...) Atendendo aos critérios oferecidos pelo art.º 494, que são o grau de culpabilidade do agente responsável pelo acidente -culpa efetiva -, a situação económica dos envolvidos, a idade da autora e o facto de ter ficado a padecer de diversas sequelas, a incidência das lesões, o medo intenso que se antevê ter sido sofrido pela natureza do acidente, afetando a vida futura da autora em relação à sua confiança na condução de veículos, bem como dada a intensidade das dores sofridas”.

Na procura de valores mais elevados, correspondentes ao valor do pedido - € 75 000,00 - podemos referenciar, entre outros, o Ac. STJ 23 de maio de 2019, Proc. 2476/16.5T8BRG.G1.S2 - 7.ª Secção, onde se consignou:

“VI - Resultando da factualidade provada que a autora, em consequência do acidente de viação de que foi vítima e das sequelas ao nível da coluna cervical de que ficou a padecer, (i) ficou impedida de exercer a sua atividade profissional habitual de educadora de infância mas não de exercer outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional embora com acrescidas dificuldades; (ii) auferia uma retribuição mensal de €1.706,20, catorze meses por ano; (iii) ficou com um défice funcional de 26 pontos; e (iv) tinha 44 anos de idade à data do acidente, é de confirmar o montante de €250.000,00 fixado pela Relação a título de indemnização por perda de capacidade de ganho, aqui incluída a vertente patrimonial do dano biológico.

VII - Tendo ficado igualmente demonstrado que a autora, em consequência do referido acidente, (i) temeu pela sua vida; (ii) sofreu gravemente com o acidente e com os tratamentos a que teve de ser submetida; (iii) teve e continua a ter que se submeter a diversas consultas médicas; (iv) ficou com sequelas psíquicas, estéticas e limitativas; e (v) sofreu um quantum doloris de grau 5 e um dano estético de grau 2, ambos numa escala de 1 a 7, atendendo aos valores atribuídos pela jurisprudência noutras situações, é igualmente de confirmar o montante de €75.000,00 fixado pela Relação a título de indemnização por danos não patrimoniais.(…)”.

Extrai-se da análise das doutas decisões que a indemnização arbitrada no valor sugerido pelo apelante (€75.000,00) corresponde a uma situação em que o lesado sofreu lesões mais graves, com sequelas mais extensas do que aquelas de que ficou a padecer o autor, com défice funcional permanente superior ao que foi atribuído ao autor, dano estético superior e com outras repercussões na sua vida de relação.

Identifica-se com a situação dos autos a situação de facto descrita no Ac. STJ 29 de fevereiro de 2024 (já citado), apesar de respeitar a acidente ocorrido em 2015 e no qual foi atribuído ao lesado uma indemnização de €30.000,00. Vemos como aspetos comuns, a forma como ocorreu o acidente, na medida em que nas duas situações os lesados foram surpreendidos e projetados por outro veículo, as lesões que sofreram e os tratamentos, com acompanhamento em consulta de psiquiatria e psicologia, o défice funcional permanente e todo o processo de tratamento com internamento hospitalar e dores e incómodos gerados.

Daí entendermos, face ao critério legal, natureza compensatória da indemnização e valores fixados na jurisprudência, ponderando-se a culpabilidade do responsável, a situação económica do lesado e do lesante, as lesões sofridas, as sequelas de que o lesado ficou afetado, que se mostra equilibrado e ajustado de acordo com um juízo de equidade manter-se a indemnização arbitrada em €30.000,00 (trinta mil euros).

Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos 3 a 3.4.


-

- Dos juros -

Na última questão, sob os pontos 7 a 7.4, insurge-se o apelante contra o segmento da sentença que fixou o montante da taxa de juros devida, a título de mora no pagamento, pretendendo que a taxa de juro se fixe no dobro.

Na sentença, apreciando a questão colocada, decidiu-se:

“O Autor peticionava ainda a condenação da Ré a pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, elevada ao dobro, por aplicação do disposto nos art.º 38º e 39º do DL n.º 291/2007, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

O Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto estabelece um regime especial de juros de mora relativamente às obrigações das seguradoras no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, que se aplica quer aos casos de atraso na regularização do sinistro por parte da seguradora, quer às situações em que o valor proposto para essa regularização.

A jurisprudência tem vindo a entender que a profunda divergência entre o montante da proposta efetuada pela seguradora e o valor da indemnização que vem a ser fixado pelo tribunal é quanto basta para que, em termos objetivos, não se possa qualificar aquela como "razoável", nada mais precisando o lesado de provar para poder beneficiar do estabelecido no artigo 38, nº2 ex vi artigo 39.ºn.º 2 do Decreto-Lei 291/2007.

Isto posto, no caso concreto, cabe em primeiro lugar notar que esta concreta pretensão não é totalmente inequívoca, já que o Autor termina requerendo a condenação da Ré nos juros em dobro, prevista nos art.º 38º e 39º do DL n.º 291/2007 sobre a totalidade da indemnização a fixar na sentença, quando na petição inicial apenas fundamenta tal sanção no facto de, no seu entendimento, a proposta de indemnização pela perda do veículo no valor de €2.400,00, descontado do valor do salvado, ser manifestamente inferior ao valor do veículo. Aliás, é a única proposta de indemnização a que a Ré se refere na sua petição inicial.

Acontece que não se provou qual o valor do veículo à data do acidente, o que logo inviabiliza esta pretensão do Autor quanto à supra referida indemnização.

Por outro lado, provando-se que a Ré efetuou uma proposta de indemnização no valor de €30.000,00, que abrangia danos morais e diferenças salariais (não tendo a Autora alegado que antes da presente ação reclamou da Ré a indemnização pelos demais danos patrimoniais que aqui resultaram provados), não se pode afirmar que a indemnização fixada é desproporcionada em relação àquela proposta apresentada pela Ré.

Indefere-se, assim, a aplicação da taxa de juro elevada ao dobro, nos termos peticionados pelo Autor”.

Argumenta o apelante:

7. A motivação do tribunal imbuída em erro ressoa na decisão acerca dos juros requeridos pelo autor, contrariando a lei e a jurisprudência.

117 Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais

118 Tabela de Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil

7.1 O autor faz referência na P.I a ambas as propostas da ré (art.º 90 e 91, e 158º a 161º) distintamente do que se afirma na douta sentença recorrida.

7.2 O autor tinha o direito de não aceitar a indemnização proposta, como não aceitou, inexistindo qualquer mora do credor.

7.3 A proposta da ré não é razoável. O conceito proposta razoável corresponde ao valor de 4 anos de rendimento líquidos.

7.4 A proposta da ré dista, em muito, de tal montante, pelo que deve sujeitar-se ao prescrito na lei, sendo considerada a taxa legal de juros em dobro na equação final.

Considerando os argumentos expostos, entendemos que a decisão não merece censura.

A questão que se coloca consiste em apurar se são devidos juros de mora numa taxa elevada ao dobro.

O Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel - DL 291/2007, de 21 de agosto-, estabeleceu no Capítulo III um conjunto de regras e procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro de responsabilidade civil automóvel.

Prevê o art.º 36º, sob a epígrafe “Diligência e prontidão da empresa de seguros”:

1 - Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro, a empresa de seguros deve:

a) Proceder ao primeiro contacto com o tomador do seguro, com o segurado ou com o terceiro lesado no prazo de dois dias úteis, marcando as peritagens que devam ter lugar;

b) Concluir as peritagens no prazo dos oito dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea anterior;

c) Em caso de necessidade de desmontagem, o tomador do seguro e o segurado ou o terceiro lesado devem ser notificados da data da conclusão das peritagens, as quais devem ser concluídas no prazo máximo dos 12 dias úteis seguintes ao fim do prazo mencionado na alínea a);

d) Disponibilizar os relatórios das peritagens no prazo dos quatro dias úteis após a conclusão destas, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;

e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento eletrónico;

f) Na comunicação referida na alínea anterior, a empresa de seguros deve mencionar, ainda, que o proprietário do veículo tem a possibilidade de dar ordem de reparação, caso esta deva ter lugar, assumindo este o custo da reparação até ao apuramento das responsabilidades pela empresa de seguros e na medida desse apuramento.

2 - Se a empresa de seguros não detiver a direção efetiva da reparação, os prazos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior contam-se a partir do dia em que existe disponibilidade da oficina e autorização do proprietário do veículo.

3 - Existe direção efetiva da reparação por parte da empresa de seguros quando a oficina onde é realizada a peritagem é indicada pela empresa de seguros e é aceite pelo lesado.

4 - Nos casos em que a empresa de seguros entenda dever assumir a responsabilidade, contrariando a declaração da participação de sinistro na qual o tomador do seguro ou o segurado não se considera responsável pelo mesmo, estes podem apresentar, no prazo de cinco dias úteis a contar a partir da comunicação a que se refere a alínea e) do n.º 1, as informações que entenderem convenientes para uma melhor apreciação do sinistro.

5 - A decisão final da empresa de seguros relativa à situação descrita no número anterior deve ser comunicada, por escrito ou por documento eletrónico, ao tomador do seguro ou ao segurado, no prazo de dois dias úteis após a apresentação por estes das informações aí mencionadas.

6 - Os prazos referidos nas alíneas b) a e) do n.º 1:

a) São reduzidos a metade havendo declaração amigável de acidente automóvel;

b) Duplicam aquando da ocorrência de fatores climatéricos excecionais ou da ocorrência de um número de acidentes excecionalmente elevado em simultâneo.

7 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a empresa de seguros deve proporcionar ao tomador do seguro ou ao segurado e ao terceiro lesado informação regular sobre o andamento do processo de regularização do sinistro.

8 - Os prazos previstos no presente artigo suspendem-se nas situações em que a empresa de seguros se encontre a levar a cabo uma investigação por suspeita fundamentada de fraude.

No art.º 37º sob a epígrafe “Diligência e prontidão da empresa de seguros na regularização dos sinistros que envolvam danos corporais” prevê-se:

1 — Sempre que lhe seja comunicada pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo terceiro lesado a ocorrência de um sinistro automóvel coberto por um contrato de seguro e que envolva danos corporais, a empresa de seguros deve, relativamente à regularização dos danos corporais:

a) Informar o lesado se entende necessário proceder a exame de avaliação do dano corporal por perito médico designado pela empresa de seguros, num prazo não superior a 20 dias a contar do pedido de indemnização por ele efetuado, ou no prazo de 60 dias a contar da data da comunicação do sinistro, caso o pedido indemnizatório não tenha ainda sido efetuado;

b) Disponibilizar ao lesado o exame de avaliação do dano corporal previsto na alínea anterior no prazo máximo de 10 dias a contar da data da sua receção, bem como dos relatórios de averiguação indispensáveis à sua compreensão;

c) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 45 dias, a contar da data do pedido de indemnização, caso tenha entretanto sido emitido o relatório de alta clínica e o dano seja totalmente quantificável, informando daquele facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento eletrónico.

2 — Sempre que, no prazo previsto na alínea c) do número anterior, não seja emitido o relatório de alta clínica ou o dano não seja totalmente quantificável:

a) A assunção da responsabilidade aí prevista assume a forma de «proposta provisória», em que nomeia especificamente os montantes relativos a despesas já havidas e ao prejuízo resultante de períodos de incapacidade temporária já decorridos;

b) se a proposta prevista na alínea anterior tiver sido aceite, a empresa de seguros deve efetuar a assunção da responsabilidade consolidada no prazo de 15 dias a contar da data do conhecimento pela empresa de seguros do relatório de alta clínica, ou da data a partir da qual o dano deva considerar -se como totalmente quantificável, se posterior.

3 — À regularização dos danos corporais é aplicável o previsto no artigo anterior no que não se encontre fixado no presente artigo, contando -se os prazos aí previstos a partir da data da apresentação do pedido de indemnização pelo terceiro lesado, sem prejuízo da aplicação da alínea b) do n.º 6 desse artigo ter como limite máximo 90 dias.

4 — Relativamente à regularização dos danos materiais sofridos por lesado a quem o sinistro haja igualmente causado danos corporais, a aplicação do previsto no artigo anterior nos prazos aí previstos requer a sua autorização, que lhe deve ser devidamente enquadrada e solicitada pela empresa de seguros.

5 — Não ocorrendo a autorização prevista no número anterior, a empresa de seguros diligencia de novo no sentido aí previsto passados 30 dias de ter tomado conhecimento do sinistro sem que, entretanto, lhe tenha sido apresentado pedido de indemnização pelo lesado, podendo, todavia, este opor -se de novo à aplicação então dos prazos em causa”.

Por seu turno, prevê-se no art.º 38.º, sob a epígrafe “Proposta Razoável”:

1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.

2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo.

3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.

4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado.

No art.º 39.º com a epígrafe “Proposta razoável para regularização dos sinistros que envolvam danos corporais” prevê-se:

1 — A posição prevista na alínea c) do n.º 1 ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 37.º consubstancia -se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte.

2 — Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, é aplicável o previsto nos n.º 2 e 3 do artigo anterior.

3 — Todavia, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efetuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros nos termos do número anterior são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne

líquidos os montantes devidos.

4 — Relativamente aos prejuízos futuros, a proposta prevista no n.º 1 pode ser limitada ao prejuízo mais provável para os três meses seguintes à data de apresentação dessa proposta, exceto se já for conhecido o quadro médico e clínico do lesado, e sem prejuízo da sua futura adaptação razoável.

5 — Para os efeitos previstos no n.º 3, na ausência, na Tabela nele mencionada, dos critérios e valores de determinação do montante da indemnização correspetiva a cada lesão nela prevista, são aplicáveis os critérios e valores orientadores constantes de portaria aprovada pelos Ministros das Finanças e da Justiça, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal.

6 — É aplicável ao presente artigo o disposto no n.º 4 do artigo anterior.

Como se observa no Ac. STJ 17 de abril de 2024, Proc. 987/20.7T8STR.E1.S1 (acessível em www.dgsi.pt) é a partir dos concretos factos apurados na ação que se vai apreciar a responsabilidade da ré seguradora, ao abrigo do regime previsto nos art.º 36º a 40º do DL 291/2007 de 21 de agosto.

No caso concreto, no contexto dos factos apurados, verifica-se que o autor não logrou provar que a ré omitiu os deveres de diligência a que estava obrigada, perante o concreto circunstancialismo em que se processou o arbitramento e reparação dos danos. Constituía um ónus do autor/apelante indicar os factos que permitissem aferir da violação dos deveres de diligência por parte da seguradora na apresentação da proposta razoável (art.º 342º/1 CC).

Desde logo, não se pode ignorar a particular natureza do acidente em causa, que revestiu a forma de acidente de viação e acidente “in itinere”. Por tal motivo, foi instruído processo no competente Tribunal de Trabalho, por acidente de trabalho. No âmbito deste processo, que terminou por acordo, o autor obteve o ressarcimento de diferentes danos – incapacidades temporárias, capital de remição, despesas com tratamento hospitalar e despesas médicas e outras, despesas de transportes e despesas de farmácia (pontos 28 a 32 dos factos provados).

Por acordo, a ré seguradora, aqui apelada, reembolsou a seguradora que assumiu tais despesas – ponto 33 dos factos provados.

Por outro lado, resulta provado que no prazo de 30 dias mais dois (art.º 36º/1 a) e e)), a contar da data do acidente, a ré apresentou uma proposta para indemnização por perda total do veículo motorizado – ponto 38 dos factos provados.

Não se apurou o valor comercial do veículo, o que impede que se considere que a proposta apresentada não se mostra razoável.

Posteriormente, a ré apresentou ao autor, após o acordo homologado em 21 de março de 2017, uma proposta para indemnização dos danos não patrimoniais e diferenças salariais, no valor de € 30 000,00 – ponto 37 dos factos provados.

Em relação aos danos que não estavam contemplados pela indemnização arbitrada em sede de processo por acidente de trabalho veio a ré a apresentar propostas em tempo e por valores razoáveis.

Veio a apurar-se que as diferenças salariais em divida foram oportunamente objeto de ressarcimento no âmbito do processo por acidente de trabalho.

Acresce que apesar das propostas apresentadas pela ré, não resulta dos factos apurados que o autor formulou contrapropostas no sentido de englobar os danos que se discutem na presente ação. Não sendo o dano quantificável, no todo ou em parte, não estava a seguradora obrigada a apresentar uma proposta apesar de aceitar a responsabilidade pela produção do sinistro (art.º 39º/1).

Com efeito, em relação aos danos patrimoniais que se reclamam nesta ação, o apelante não alegou factos que permitam apurar se a seguradora omitiu os deveres de comunicação em conformidade com os art.º 37º, 38º e 39º do citado diploma.

Em conclusão, face aos concretos factos apurados, não merece censura a sentença quando indeferiu a pretensão do apelante no sentido de ser fixado em dobro o valor dos juros de mora.

Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 7 a 7.4.


-

Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas:

- na apelação, pelo apelante e apelada na proporção do decaimento, que se fixa em ¾ e ¼, respetivamente;

- em 1ª instância, na proporção do decaimento.


-


III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar, em parte, a sentença, arbitrando a título de dano biológico a indemnização de €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros), confirmando no mais a sentença recorrida.


-

Custas:

- na apelação, pelo apelante e apelada na proporção do decaimento, que se fixa em ¾ e ¼, respetivamente;

- em 1ª instância, na proporção do decaimento.


*

Porto, 07 de outubro de 2024

(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)

Assinado de forma digital por

Ana Paula Amorim

Juiz Desembargador-Relator

Maria de Fátima Andrade

1º Adjunto Juiz Desembargador

Anabela Mendes Morais

2º Adjunto Juiz Desembargador


______________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.        
[2] Na sentença escreveu-se: “Demandado”, o que se afigura ser um lapso de escrita que resulta do contexto e que se retifica, passando a constar: “demandante” (art.º 614º/1 CPC).
[3] Na sentença escreveu-se “Recebeu pagou ao autor”, o que se revela um lapso de escrita, por se pretender apenas consignar o valor pago pela seguradora e por esse motivo, eliminou-se a palavra “Recebeu” (art.º 614º/1 CPC).
[4] Ac. Relação Porto 07 setembro 2010, Proc. 425/09.6TBPFR.P1, Ac. Relação de Coimbra, de 11 de março 2008, Proc. n.º 3318/06.5TBVIS.C1 e o Ac. Relação do Porto de 14 junho 2010, Proc.2247/08.2TBMTS.P1, Ac. Rel. Porto 25 de fevereiro 2013, Proc. 1170/10.5TBVNF.P1, Ac. Rel. de Lisboa Ac. 14 de março 2013, Proc. 114/09.1TBRGR-A. L1-6, acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Na jurisprudência, entre outros, podem consultar-se: Ac. Rel. Coimbra 08 de julho 1986, CJ XI, IV, 66; Ac. Rel. Porto, 08 janeiro 1992 CJ XVII, I, 240 e Ac. Rel. Coimbra 10 de dezembro 1998, CJ XXIII, V, 40.
[6] Cf. JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, pág. 781, nota (1); pág. 782
[7] Cf. Ac. STJ de 11 de dezembro de 2012, Proc. 549/05.9TBCBR-A.C1. S1, acessível em www.dgsi.pt.
[8]  SOUSA DINIS “Dano Corporal em Acidente de Viação” – CJ STJ IX, I, pág.6.
[9] ARMANDO BRAGA A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, Coimbra, 2005, pág. 108.
[10]  ARMANDO BRAGA A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, ob. cit., pág. 44.
[11]  Neste sentido, entre outros, Ac. STJ 16 novembro 2010 – Proc. 1612-05.1TJVNF.P1.S1; Ac. STJ 23 de novembro 2010 – Proc. 456/06.8 TBVGS.C1.S1; Ac. STJ 16 dezembro 2010 – Proc. 270/06.0TBLSD.P1 – www. dgsi.pt..
[12] Ac. STJ 19 abril 2012, Proc. 3046/09.0TBFIG.S1; Ac. STJ 16 dezembro 2010, Proc. 270/06.0TBLSD.P1, acessível em www.dgsi.pt
[13] Ac. STJ 19 abril 2012, Proc. 3046/09.0TBFIG.S1; Ac. STJ 16 novembro 2010, Proc. 1612-05.1TJVNF.P1.S1; Ac. STJ 17 de maio 2011 Proc. 7449/05.0TBVFR.P1.S1., Ac. STJ 20 outubro 2011 – Proc. 428/07.5TBFAF.G1.S1  – www.dgsi.pt.
[14] Ac. STJ 07 de junho de 2011, Proc. 160/2002.P1.S.1  e no mesmo sentido se têm pronunciado entre outros os Ac. STJ 03 de março de 2016, Proc. 4931/11.4TBVNG.P1.S1-A; Ac. STJ 03 de dezembro de 2015, Proc. 3969/07.0TBBCL.G1.S1; Ac. STJ 04 de junho de 2015, Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1; Ac. 07 de abril de 2016, Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1; Ac. STJ 10 de março de 2016, Proc. 1602/10.2TBVFR.P1.S1; Ac. STJ 21 de janeiro de 2016, Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1; Ac. STJ 26 de janeiro de 2016, Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1; Ac. STJ 28 de janeiro de 2016, Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[15] Ac. STJ 07 de outubro de 2010, Proc. 2171/07.6TBCBR.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[16] Cf. Ac. STJ 02 outubro 2007, CJ STJ Ano XV, III, 68 e Ac. STJ 14 setembro 2010, Proc. 797/05.1TBSTS.P1 – www.dgsi.pt [17] Cf.  Ac. STJ 15.05.86, BMJ 357, 412. 
[18]  Ac.STJ 19 de abril 2012, Proc. 3046/09. 0TBFIG.S1, Ac. STJ 10 de março 2016, Proc. 1602/10.2TBVFR.P1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.    
[19] Ac. STJ 12 de setembro de 2019, Proc. 3710/12.6TJVNF.G1.S1 e Ac. STJ de 09 julho 2015, Proc. 3724/12.6TBBCL.G1.S1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[20] Ac. STJ 30 de setembro de 2010, Proc. 935/06.7TBPTL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[21] Ac. Rel. Porto de 07 julho 2005 - JTRP00038287 - www.dgsi.pt.