Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1370/20.0T8OVR.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL SILVA
Descritores: EMPREITADA
CONCEITO DE OBRA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
Nº do Documento: RP202411071370/20.0T8OVR.P2
Data do Acordão: 11/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Continua a ser uma vexata quaestio se o conceito de obra na empreitada engloba as coisas incorpóreas ou intelectuais. Porém, a jurisprudência maioritária tem-se consolidando pelo conceito restrito de obra, considerando que a empreitada se reporta apenas a coisas corpóreas. Mesmo os defensores da noção ampla do conceito de obra, entendem que a obra, podendo ser incorpórea ou intelectual, sempre terá de ser materializável num qualquer corpus mechanicum.
II - É de prestação de serviços um contrato em que uma das partes se obriga a ministrar formação aos funcionários duma empresa, organizando todo o processo técnico-pedagógico, incluindo serviços na área da psicologia, consultoria na área comportamental e “coaching”, tudo com vista a prepará-los para o exercício de futuros cargos de liderança com um “nível de gestão de excelência”, sendo a retribuição determinada segundo o tempo despendido (as horas de formação).
III - O “trabalho intelectual”, não só nas aulas de formação que ministrava aos funcionários, mas também na elaboração dos elementos corpóreos (manuais, cronogramas, brochuras, quiçá textos escritos sobre a matéria dada nas aulas) não integram autonomia suficiente para alcançar o estatuto de corpus mechanicum.
IV - A Autora não garantiu, nem poderia, o resultado de transformar todos os funcionários da Ré em “profissionais de excelência”. A Autora ficou apenas adstrita a usar o seu melhor saber e labor técnico-científico para melhorar as competências dos trabalhadores. Significando, também, que o risco de os funcionários não conseguirem o “patamar” pretendido correu sempre por conta da Ré.
V - Estamos, portanto, perante uma obrigação de meios, ao contrário do que ocorre na empreitada (obrigação de resultado), em que o empreiteiro fica adstrito ao resultado (entregar a obra feita).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1370/20.0T8OVR.P2







ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO



I – RESENHA HISTÓRICA DO PROCESSO

1. A..., Lda., instaurou ação contra B..., Lda., pedindo a sua condenação a pagar-lhe 14.425,50 €, acrescida de IVA à taxa legal de 23% e de juros moratórios; subsidiariamente, ao abrigo das normas do enriquecimento sem causa, a condenação no mesmo montante.
Fundamentou o seu pedido alegando, em resumo, a desistência unilateral e injustificada, por parte da Ré, de um contrato de empreitada, entre ambas outorgado, com o objetivo de criação de uma academia de liderança/talentos a ser frequentada por colaboradores da Ré. O montante pedido corresponde à compensação/indemnização dos prejuízos causados por essa desistência.
Em contestação, a Ré considerou que o contrato celebrado foi de prestação de serviços e impugnou a factualidade alegada.
Instruídos os autos e realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu a Ré dos pedidos.

2. Inconformada, apelou a Autora da sentença.
Por acórdão proferido por esta Relação em 19/05/2022 foi decidido «anular parcialmente o julgamento (e consequente sentença), determinando-se o reenvio dos autos à 1ª instância para se proceder à produção dos meios de prova tidos por pertinentes relativamente a todos os factos alegados na petição inicial (incluindo o articulado que respondeu ao convite ao aperfeiçoamento) e na contestação que se mostrem relevantes para a posterior qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes, a efetuar em conformidade com as diversas alíneas do nº 3 do art.º 662º do CPC.»

3. Regressados os autos à 1ª instância, foi dada oportunidade às partes para reformularem os seus requerimentos probatórios.
Reaberta a audiência de julgamento e produzidas as provas pertinentes, foi proferida nova sentença que manteve a improcedência da ação e a consequente absolvição da Ré do pedido.

4. Desta feita, e para assim decidir, o Tribunal apurou e considerou a seguinte matéria de facto:
Factos provados
1. A autora dedica-se à atividade de consultoria, coaching, training individual e de equipas, programação neuro linguística, formação com intuito de desenvolver competências pessoais e de gestão, formação, treino e desenvolvimento pessoal, e psicologia clínica;
2. Em finais do ano de 2015 a ré, na pessoa de AA, à data, diretor do departamento de formação da ré (Porto ..., ou Porto ...), solicitou à autora a prestação de serviços com vista à formação de trabalhadores dependentes para o exercício de futuros cargos de liderança;
3. Para tanto, foi acordada entre AA, e a legal representante da autora, a criação de uma ação de formação denominada “.... Academy”, que seria frequentada por trabalhadores dependentes da ré, a implementar, previsivelmente, por um período de quatro anos;
4. O projeto da denominada “.... Academy”, foi apresentado pelo Diretor do Porto ... ao seu superior na B... Europe, BB, que validou a sua execução ao nível operacional;
5. No âmbito de tal projeto caberia à autora, em conjugação e colaboração com os funcionários da ré que integravam o “Conselho Pedagógico” e o “Conselho Técnico Científico”, a definição dos critérios de seleção dos colaboradores da ré, análise de perfis, organização e preleção de aulas, criação de manual de funcionamento, agendamento e participação em reuniões;
6. A prestação de serviços na área da psicologia, consultoria na área comportamental, “coaching” e formação, efetuada pela autora à ré sempre se concentrou na pessoa da sua legal representante, CC, que já havia prestando serviços à ré antes de 2015;
7. Com vista à execução dos trabalhos necessários à preparação e realização da ação de formação, a legal representante da autora e o legal representante da ré, à data, apuseram as suas assinaturas autógrafas nos suportes documentais a fls. 98v., a 104, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
8. Periodicamente eram realizadas reuniões do denominado Conselho Técnico-Científico, tendo inclusive a ré criado um gabinete de uso exclusivo às intervenções da “.... Academy” (B1B), com material, mobiliário, decoração, diversos livros e outras existências onde a trabalhadora da autora, sediava como seu local de trabalho quando se encontrava nas instalações da ré, ali recebendo os alunos e no fundo todos aqueles que de alguma forma intervieram na .... Academy;
9. Foi criado um logotipo para a .... Academy pelo Departamento de Comunicação e Marketing da Ré, que desenvolveu também outras formas de comunicação e divulgação dirigidas a todos os colaboradores do Porto ..., anunciando eventos e outros desenvolvimentos da L.A., entre outros, passando vídeos promocionais e de divulgação das várias etapas e de testemunhos dos intervenientes, emitidas nas televisões das áreas sociais do Porto ...
10. Para a auxiliar em todo o trabalho administrativo, agendamento e documentação, a autora dispunha, sem caráter de exclusividade, da disponibilidade da trabalhadora da ré, com a categoria de administrativa, DD;
11. Com vista à preparação e realização da ação de formação autora criou, em conjugação e colaboração com os funcionários da ré que integravam o “Conselho Pedagógico” e o “Conselho Técnico Científico”, os suportes documentais a fls. 30v., a 39, 39v., e 40 a 50, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
12. Procedeu-se à seleção de 10 (dez) candidatos de acordo com os critérios previamente definidos;
13. Os funcionários da ré frequentavam as aulas da “.... Academy” no horário de serviço, com dispensa do mesmo;
14. O próprio Diretor Geral do Porto ... da Ré, aquando do arranque da Academia de Liderança, nos inícios de Março de 2017, enviou comunicado ao universo dos colaboradores do Porto ..., mais de 500 trabalhadores, cujo conteúdo partilhou com a autora, com o seguinte teor: (o constante do artigo 26.º da PI, que aqui se dá por reproduzido);
15. A cerimónia de apresentação da “.... Academy” ocorreu no dia 31/01/2018, conforme suporte documental a fls. 30vso., a 39, cujo teor se dá por reproduzido;
16. Com vista à preleção da disciplina de “Gestão de Pessoas/equipas”, integrada na realização da “.... Academy”, a autora produziu o suporte documental a fls. 53 a 80, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
17. No dia 05/07/2019, EE, funcionário do departamento de recursos humanos, remeteu à legal representante da autora a comunicação a fls. 22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, em resposta à comunicação da autora, igualmente a fls. 22, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
18. No dia 12/07/2019, EE, cumprindo ordens de FF, comunicou à autora que estava dispensada de prestar serviços para a ré, com efeitos imediatos, e que não deveria mais comparecer na empresa para tal fim ou outro, referindo ainda que oportunamente seria acertada a entrega dos seus materiais de trabalho, não tendo sido autorizada, posteriormente, a entrada da legal representante da autora nas instalações;
19. Em 15/07/2019, a autora remeteu à ré fatura no valor de € 4.295,23, relativa a horas de trabalho prestadas no mês de julho de 2019, que esta liquidou;
20. AA nunca foi gerente, nem procurador da ré, nunca tendo tido poderes para a vincular;
21. AA foi representado, no processo de negociação da extinção do seu posto de trabalho na ré, pelo Ilustre Mandatário da autora nestes autos, que é casado com a legal representante da autora;
22. AA desrespeitou, no que à contratação da autora diz respeito, as regras estabelecidas pela ré, expostas na comunicação de fls. 206 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, as quais lhe foram comunicadas;
23. A Ré confere muita importância às regras expostas na comunicação de fls. 206 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
Factos não provados
1. Os acordos constantes dos nos suportes documentais a fls. 98v., a 104, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, constituíssem uma mera formalidade contabilística da ré;
2. Alguma pessoa que juridicamente vinculasse a ré alguma vez tenha expressado, por algum modo, o acordo da ré relativamente à criação de uma obra denominada “.... Academy”, a ser executado ao longo dum período aproximado de 3 a 4 anos, com remuneração mensal à autora de € 2.000 (dois mil euros) acrescidos de iva;
3. Em julho de 2019, alguma pessoa que juridicamente vinculasse a ré tenha acordado com a autora que a prestação que constitui o objeto mediato dos acordos referidos no ponto 5, dos factos provados perduraria no mínimo por mais um ano e meio;
4. Em 12/07/2019, a autora tivesse já realizado outros suportes documentais com vista à realização da ação de formação para além dos referidos no ponto 6, dos factos provados;
5. A autora tenha gasto mais 150 (cento e cinquenta) horas em trabalho de conceção e estudo dos programas relativos à execução das disciplinas da ação de formação do que as faturadas à ré no âmbito dos acordos referidos no ponto 7., dos factos provados;
6. A autora tenha disponibilizado à ré quaisquer trabalhos, não faturados, passíveis de serem aproveitados e beneficiados pela ré;
7. A autora tenha deixado de realizar outras prestações de serviços por força dos acordos celebrados com a ré;
8. A autora tenha assumido a obrigação, perante a ré, ou esta lhe tenha solicitado, que ministrasse, dirigisse e liderasse toda a implementação da “.... Academy”, sendo CC, legal representante da autora, a criadora do projeto e a pessoa responsável pela implementação e realização de todo o curso e, nessa medida, a autora se tenha comprometido com tal execução.
9. As partes tenham celebrado um contrato que tinha por objeto a realização e criação da denominada “.... Academy”, cuja implementação duraria um período aproximado de três a quatro anos.
10. A “.... Academy” tenha sido executada com plena autonomia pela autora, que pensou e desenhou toda a escola, níveis, disciplinas, conteúdos programáticos, manuais e testes;
11. A autora tenha produzido, para serem usados na “.... Academy”, outros suportes documentais além dos referidos no ponto 16., dos factos provados.

5. Continuando inconformada, apela de novo a Autora, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«DAS CONCLUSÕES SOBRE A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
A) O Mmo. Juiz deixou de se pronunciar sobre factos que não só lhe foram submetidos pela apelante na petição inicial como o próprio tribunal ad quem indicou como factos primordiais para uma correta apreciação no tocante à qualificação jurídica da relação entre as partes;
B) A decisão ficou aquém do objeto do processo, ocorrendo omissão de pronúncia relativamente aos factos descritos nos artigos 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 21.º, 42.º, 45.º, 79.º, 85.º a 88.º da PI e artigos 5.º e 8.º do requerimento de aperfeiçoamento da PI, bem como à falta de consideração, valoração e pronúncia de vários documentos (docs. 1 a 6, com exceção do mencionado no ponto 17 da sentença, 7, 8, 11 e 12 da PI) assim como à falta de pronuncia relativamente à questão do pedido de junção de documento em posse da ré, que no saneador o tribunal declarou que se pronunciaria na sentença, não o tendo feito;
C) Omissão de pronúncia que ocorre na medida em que o Tribunal deixou de apreciar e julgar questões de facto e/ou de direito que lhe foram submetidas pelas partes, a que estava vinculado, ficando inclusive o tribunal superior sem saber que facto deve considerar e em que categoria (provados ou não provados);
D) O acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, razão pela qual é nulo, nos termos dos artigos 608.º, n.º 2. e 615.º, n.º 1, alínea d), todos do CPC, devendo em conformidade ser anulada de novo a sentença ou, assim o tribunal não entendendo, como resulta produção da prova capaz de responder a tais factos não referidos, seja alterada a decisão de facto, com adição de novos factos, em conformidade;
E) Deve acrescentar-se como facto provado na sentença, (art.º 4.º PI) “em finais do ano de 2015 a Ré solicitou de novo a intervenção da autora em virtude de se registar uma prematura saída de colaboradores da empresa, tendo esta naquele âmbito aconselhado a realização de diagnostico organizacional para apuramento das concretas necessidades de intervenção nos recursos humanos da Ré, trabalho realizado a um universo de cerca de 500 colaboradores.”. A sentença não se pronunciou sobre este facto (nem como provado nem como não provado), o mesmo foi alegado na petição inicial e foi comprovado com o depoimento de AA e CC (parte). Este facto, conjugado com outros revelam-se indispensáveis para a decisão da causa, demonstrando um trabalho prestado pela autora precisamente para saber como atuar, que decorreu durante sensivelmente 4 meses, e que não se enquadra nos contratos a fls. 98 v. e segs., tanto mais que ocorreram 2 anos antes. Esta factualidade, bem como as seguintes resultam comprovadas nas declarações de parte da legal representante da autora, na sessão de julgamento realizada no dia 21/12/2023 (2.º julgamento) a partir do minuto 3:40 em diante;
F) A sentença é totalmente omissa quanto ao resultado do diagnóstico organizacional, que foi o que ditou a intervenção da autora na B.... Esta factualidade é importante e decisiva para que o tribunal perceba que foi com o resultado do diagnóstico organizacional que se conseguiu definir uma estratégia a seguir. Com efeito, deve acrescentar-se na sentença, na matéria dos factos provados a seguinte factualidade (art.º 5.º PI): “Como resultado dessa avaliação foi detetado um défice severo na liderança de managers e team leaders do Porto ... o que levou a autora, em consenso com as senior managers, o responsável dos recursos humanos e o director geral do Porto ..., a definir a criação de uma estratégia solida de intervenção com vista a criar novos lideres, ou seja, pessoas capazes de progredir na sua carreira mas também capazes de liderar em determinadas posições hierárquicas.”. Atente-se no conteúdo do depoimento gravado da testemunha AA, no dia 20/12/2023 ao minuto 20:00 em diante que falava e explicava precisamente o resultado deste diagnóstico. O depoimento de parte prestado pela Dr.ª CC, no indicado dia 21/12/2023, confirma precisamente ao minuto 05:00 confirma que foi realizado um diagnóstico organizacional com mais de 100 questões que foi respondido por quase 500 pessoas;
G) Nenhuma referência é feita a todo o processo de seleção dos candidatos da .... Academy. Não existe forma de enquadrar todo este trabalho na “ação de formação” e, por isso, é que a decisão relativa ao ponto 7 dos factos provados da sentença não corresponde à verdade já que todos os trabalhos necessários à preparação e realização da academia de liderança (.... Academy) nunca formam objeto de qualquer contrato escrito entre as partes, já que o contrato de fls. 98 v. é posterior. Com efeito, deve acrescentar-se na sentença, na matéria dos factos provados a seguinte factualidade (art.º 6.º PI): “Foi, assim, definida a criação de uma academia de Liderança (.... Academy, doravante .... Academy) que seria frequentada por determinados colaboradores da Ré que foram selecionados (de um universo de 220 colaboradores que preenchiam os pré-requisitos, foram pré-selecionados 77 trabalhadores, posteriormente, decorreram novas etapas de pré-seleção, sendo escolhidos 10 colaboradores, vagas existentes). Estas seleções foram desenvolvidas de acordo com os procedimentos rigorosos previamente criados pela autora e que foram debatidos e validados pelo criado Conselho Técnico Científico.”. Este facto foi alegado na petição inicial, comprovado com o depoimento de AA, GG, EE e CC (parte).
H) Deve ser acrescentado na sentença, na matéria dos factos provados a seguinte factualidade (art.º 8.º PI): “A par da frequência e gestão da .... Academy, e de modo a não desincentivar todos os colaboradores não selecionados, foram desenhadas estratégias paralelas de treino para os jovens colaboradores que se apresentavam como talentosos e promissores, que apesar de não terem sido selecionados foram candidatos, realizando-se trabalhos de coaching em equipa acompanhados pela Diretora de Engenharia, GG, com vista a promover igualmente competências de liderança e alinhá-los para entrarem numa futura 2.ª edição da .... Academy.” Toda esta factualidade foi esquecida na sentença pois, uma vez mais, não existe forma de enquadrar estes trabalhos nos contratos de prestação de serviços (fls. 98 v. a 104 dos autos), tanto mais que estes foram outorgados em anos posteriores. Esta factualidade assume enorme relevância pois, foi outro dos trabalhos paralelos que a recorrente executou ao longo de todo o tempo que trabalhou para a recorrida e que decorreu até ao último dia em que a recorrente esteve presente nas instalações da Recorrida, trabalhos que não têm o menor enquadramento quer nos contratos de prestação de serviços, quer na denominada “ação de formação” como o Mmo. Juiz do tribunal a quo o definiu. Este facto foi alegado na petição inicial, comprovado com o depoimento de AA, GG, EE e CC (parte).
I) Deve ser acrescentado na sentença, porque também omitiu qualquer referência, na matéria dos factos provados o descrito no art.º 9.º da PI: “A Academia de Liderança (L.A), visava uma aposta no talento natural de colaboradores da Ré de forma a serem potenciados para a arte de liderar o negócio Porto .../B...”. Este facto foi alegado na petição inicial, comprovado com o depoimento de AA, HH, II e CC (parte).
J) A factualidade escrita sob o artigo 10.º, cuja pronúncia como facto provado ou não provado foi omitida na sentença, assume uma enorme relevância e contributo no conhecimento do litígio em apreço e, nessa medida, deve ser acrescentado na sentença, na matéria dos factos provados, do seguinte teor: “Dada a inovadora e inédita iniciativa de criar uma academia de liderança/talentos, projecto a ser criado de raiz, seria necessário um forte investimento em carga horária para preparação de dossiers, manuais científicos das aulas, diapositivos, definição de disciplinas, níveis escolares, criação de regras de funcionamento e de selecção dos candidatos (trabalhadores da B...), sistemas de avaliação equitativos e transparentes, tudo a desenvolver numa frequência do curso propriamente dito que teria uma duração aproximada a 4 anos (correspondente à primeira edição). Ora, esta factualidade faz referência precisamente aos direitos de autor sobre toda a criação e conceção da escola, respetivos manuais, órgãos, disciplinas, conteúdos programáticos, tudo feito de raiz e a partir do ZERO, criação intelectual da legal representante da recorrente. Este facto foi alegado na petição inicial, comprovado com o depoimento de AA, GG, EE e CC (parte).
K) Deve ser acrescentado na sentença, na matéria dos factos provados e que é do seguinte teor: “A assunção de tal projecto reclamava (reclamou) inúmeras horas de trabalho intelectual e estudo que a autora (na pessoa da Dr.ª CC) dedicou com vista a implementar a referida “escola”, trabalhos de estudo, pesquisa, criatividade e de verdadeira conceção dos conteúdos programáticos que foram desenvolvidos inicialmente na sede da Ré, mas depois e durante muitas horas de trabalho na própria sede da autora e, portanto, horas não contabilizáveis de trabalho prestado nas instalações da Ré, já que a Ré só pagou horas efetivas de trabalho prestado pela autora nas suas instalações.” . Esta factualidade, tal como a descrita na alínea anterior, suporta o pedido formulado no art.º 100 da petição inicial, relativo à compensação/indemnização pelos gastos e trabalho não remunerado (150 horas);
L) Deve ser acrescentado na sentença, na matéria dos factos provados a seguinte factualidade contida no artigo 42.º da petição inicial: “a autora assumiu a obrigação perante a Ré, e esta assim lhe solicitou, que ministrasse, dirigisse e liderasse toda a implementação da .... Academy, sendo a Dr.ª CC a criadora do projecto e a pessoa responsável pela implementação e realização de todo o curso com a cooperação de outros colaboradores da Recorrida e, nessa medida, a autora se comprometeu com tal execução.”. É certo é inequívoco que, após dois anos de preparação, a recorrente assumiu a obrigação perante a recorrida, de ministrar, dirigir e liderar toda a implementação da .... Academy e, nessa medida, se comprometeu com tal execução. Este facto foi alegado na petição inicial, comprovado com o depoimento de AA, GG e CC (parte).
M) Deve ser aditado este novo facto: “As partes celebraram um contrato que tinha por objecto a realização e criação de uma “obra” denominada .... Academy e a execução dessa mesma obra perduraria por 4 níveis graduais, N1 (Self Management), N2 (Liderança e Negócio), N3 (Gestao para Altas Performances) e N4 (Liderança Transformacional), Tal obra seria, como foi, livremente executada e com plena autonomia pela autora, pessoa que pensou e desenhou toda a escola, níveis, disciplinas, conteúdos programáticos, manuais, testes, etc.”. Entende a apelante que esta matéria também deveria ter sido considerada provada pois, é inequívoco que após 2 anos de preparação da escola ... Academy, a mesma arrancou em fevereiro de 2018. É inegável, resulta de prova documental, inclusive do que consta dos pontos 14 e 15 dos factos provados da sentença, em particular do documento a que se refere o ponto 15, veja-se na pág. 6 do documento que foi anunciado a todo o universo do Porto ... (cerca de 500 colaboradores) de que a implementação da escola compreendia 4 níveis. O prazo da sua execução em 4 anos, a história dos factos, desde a sua criação até à implementação já levava 3 anos e meio… Como já referido anteriormente, o desenho de toda a escola, níveis, disciplinas, regras de funcionamento, foi da autoria da apelante, com total autonomia, embora sempre com a aprovação, validação e contributo de elementos da recorrida. Este facto foi alegado na petição inicial, comprovado com o depoimento de AA, GG e CC (parte);
N) Deve também ser acrescentado o descrito no artigo 43 e 45 da PI, que surge no seguimento do descrito no artigo 42, com a seguinte descrição: “O projeto .... Academy era um projeto contínuo a que a autora e ré se comprometeram a realizar e cumprir e, nessa medida, a autora obrigou-se a afectar a médio/longo prazo a carga horária de 52 horas mensais para garantir a continuidade da escola de forma ininterrupta.”. Significa que a Dr.ª CC, imbuída na boa-fé e cumprimento do acordo com a ré (muito antes da outorga dos contratos a fls. 98 v.) vinculou-se e determinou-se com o cumprimento cabal do contrato e a conclusão do programa da escola, precisamente com vista a atingir o resultado a que se comprometeu, criar novos e bons líderes para os quadros da recorrida;
O) A inclusão da factualidade do descrito no artigo 45.º da PI, a saber: “aquando do corte súbito do trabalho programado, já se encontravam calendarizados grande parte dos dias de intervenção até ao final do ano de 2019.”. Tal comprovação resulta do documento de fls. 39 v. que demonstra, juntamente com os e-mails trocados entre o EE, responsável pela área da formação dos recursos humanos e a legal representante da recorrente e outros funcionários da recorrida (juntos como docs. 1 a 6 da PI) que, à data da ordem de dispensa dos serviços com efeitos imediatos já se encontrava calendarizado todas as aulas, professores, dossiers e programas a lecionar até ao final do ano de 2019, ou seja, entende-se até como facto notório e evidente que a apelante só poderia ter tudo tratado e preparado para aquele período pois, conforme resulta das declarações de parte da autora, andava com o curso cerca de meio ano à frente. Para além dos documentos e declarações de parte, resulta do depoimento de AA, GG, EE e HH;
P) Deve ser acrescentado à “base instrutória” a factualidade descrita no item 52.º da PI “Nesse mesmo dia 12-07-2019 fora realizado teste de Lean pelos alunos da .... Academy, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, II e PP, conforme e-mail, exames aos quais não foi dado o devido seguimento, não foram recebidos, corrigidos ou avaliados.” Apesar de não ser um facto essencial, foi alegado e demonstra um dos efeitos nefastos e desprestigiosos da suspensão imediata dos serviços decretada pela recorrida, ao ponto de a Dr.ª CC apenas ter conseguido recuperar os seus pertencentes semanas depois, recorrendo a especial favor de uma trabalhadora da ré pois a recorrida, num ato de total desrespeito e desconsideração, jamais diligenciou no sentido de entregar os referidos haveres à autora. Aliás, assume-se inconcebível que estando até a escola a ter grande aceitação na europa e já se projetando uma segunda edição com enorme expectativa por parte de dezenas de candidatos não escolhidos, a ré, através de uma decisão despótica de diretores acabados de chegar que não conheciam nem trataram de conhecer de que se tratava, simplesmente ordenaram a suspensão definitiva da escola. Este facto resulta comprovado do depoimento de EE, dos documentos 1 a 6 da PI, do depoimento de HH e de II;
Q) Deve ser acrescentado aos factos provados o descrito no artigo 5.º do requerimento de aperfeiçoamento da PI, com a seguinte redação: “A autora participava nas reuniões do conselho técnico-cientifico, estando nomeada como a gestora de todo o projeto, incumbindo sobre a mesma a marcação das reuniões e a apresentação de todos os temas e trabalhos objectos das reuniões (ordem de trabalhos) para a discussão e posterior validação por todos os elementos do conselho, onde se incluía a autora.”. A inclusão deste facto contribui para a decisão relativa a trabalhos que eram executados fora das instalações da ré, que foram referidos nos depoimentos prestados por AA e GG quando referiam que os trabalhos que a autora apresentava nas reuniões “só podiam” ter sido preparados em casa já que era impossível que no tempo em que a autora estava nas instalações da ré realizar tais tarefas e trabalhos;
R) Deve ainda ser acrescentado como facto provado o descrito no art.º 8.º do requerimento de aperfeiçoamento da PI pois, dá-nos uma razão para o fim essencialmente de controle de custos e financeiro dos contratos de prestação de serviços, na medida em que eram assinados muito após a data aposta no documento, nunca estando a intervenção da recorrente dependente da celebração dos mesmos. Deverá, assim, acrescentar-se o seguinte facto: “Os contratos de prestação de serviços alegados pela ré tinham somente um fim essencialmente de controle de custos e financeiro, servindo os interesses da organização financeira da ré, de tal modo que eram assinados muito após a data aposta no documento, nunca estando a intervenção da autora dependente da elaboração dos mesmos.” Tal resulta provado das declarações de parte da legal representante da autora, bem como dos depoimentos de QQ e RR, nas primeiras sessões de julgamento;
S) Deveria o tribunal ter considerado provado que a intervenção da recorrente na B... estava definida em 54 horas de trabalho por mês a um valor hora de 37,00€, equivalente ao valor mensal de 2.000,00€, acrescido de iva à taxa legal de 23%. Regime de carga horária que foi sempre mantido ao longo dos diversos anos, e se manteria, como resulta dos e-mails juntos com a PI, em que já se encontravam agendadas trabalhos até dezembro de 2020, respeitando a referida carga horária de 54 horas mensais, em 6,5 horas diárias, duas vezes por semana. Tal prova resulta da conjugação de três documentos, o documento 8 da PI, o documento 10 da PI, este que se refere a uma fatura de horas extra trabalhadas pela autora, que foram calculadas ao valor/hora de 37,00€ e ainda ao disposto na cláusula 7.ª dos ditos escritos a fls. 98 v. que fixa a quantia de 37,00€ como valor hora a ser pago pelo trabalho prestado pela autora;
T) Com base no depoimento de AA, que foi um dos interlocutores da recorrente na sua qualidade de Diretor Geral do Porto ... que tinha sob a sua gestão um universo de 550 trabalhadores, existe fundamento, desde logo, para corrigir o erro constante no ponto 2 dos factos provados quando a decisão se refere ao Eng.º AA como diretor do departamento de formação da recorrida, o que não corresponde à verdade, veja-se aquele depoimento a partir do minuto 1:29 em que o mesmo refere que geria o Porto ... e a 1.ª parte do ponto 14 dos factos provados em que a sentença se contradiz, já referindo ser o Diretor Geral do Porto ...;
U) Os pontos 2 e 3 dos factos provados devem ser alterados para a seguinte redação: Ponto 2: Em finais do ano de 2015 a ré, na pessoa de AA, à data, diretor geral do Porto ... (Porto ...), solicitou à autora a realização de um diagnóstico às assimetrias existentes na sua organização; Ponto 3: Em função do diagnóstico realizado, que demorou cerca de 4 meses a executar face ao universo de 550 trabalhadores, a autora identificou a existência de um défice severo de liderança por parte das chefias, nessa medida, foi preconizada uma intervenção por parte da autora que visava a criação de uma escola de talentos para criar 10 novos líderes e ao mesmo tempo foi identificada a necessidade de intervenção “tipo coaching” em diversas equipas da área da engenharia dirigidas por GG. Esta factualidade resulta demonstrada do depoimento de AA, GG, II e CC;
V) No que se refere à factualidade descrita no ponto 5 dos factos provados, entende a apelante que a forma descrita não traduz a realidade já que quem concebia e criava todos os manuais, ideias, conteúdos, regras de funcionamento da escola e todos os dossiers e assuntos era a autora, mediante o desempenho intelectual. A colaboração e validação dos conteúdos, salvo melhor opinião, não retiram a autonomia técnica da autora. Deste modo, a redação deve ser alterada para a seguinte redação, que constava da anterior sentença: No âmbito de tal projeto caberia à autora assegurar a definição dos critérios de seleção dos colaboradores da ré, análise de perfis, organização e preleção de aulas, criação de manual de funcionamento, agendamento e participação em reuniões;
W) Quanto ao facto provado do ponto 7 da sentença e ao ponto 1 dos factos não provados, importa dizer que os contratos tiveram como único objetivo respeitar as regras de compras da B... Europe, que nem sequer é parte nesta ação. Os contratos só surgiram depois de 2 anos de intervenção da recorrente, sem que alguma vez tivesse sido posta em causa o trabalho e a continuidade do projeto que se encontrava a desenvolver. A própria menção que consta em alguns contratos (aprovado pela B...- que significa B... Europe) é a prova de que aquela empresa terceira exigia uma certa formalização, mas que não contende com a recorrida. Não foi com vista à execução dos trabalhos necessários à preparação e realização da ação de formação que se outorgaram os contratos desde logo porque a autora atuou dois anos e dois meses sensivelmente sem que tivesse sido celebrado qualquer contrato escrito. Os contratos escritos surgiram apenas quando as aulas da escola iniciaram (fevereiro de 2018), ou seja, como era um trabalho enquadrável em formação, e porque a recorrida recebe fundos da B... Europe por ministrar formações, foi solicitado à recorrente que assinasse os ditos contratos de forma a poder beneficiar dos financiamentos. A recorrente aderiu e limitou-se a assinar esses escritos, nunca lhes dando importância já que os mesmos não traduziam a sua intervenção pois, em nenhum momento dos 3 anos e meio só deu formação, antes executava trabalhos e serviços de vária ordem que em termos de faturação e por conveniência contabilística e financeira da ré, eram pagos através desse pedido de financiamento para formação. Esta é a realidade e a real razão do surgimento dos contratos;
X) Importa repudiar a forma como o tribunal persiste em descrever o trabalho desempenhado pela autora “ação de formação denominada .... Academy”, qualificação redutora e errática da natureza da mesma intervenção. Para além da gestão de toda a escola e das aulas que ministrava aos alunos e aos professores (profissionais qualificados da Ré) a Recorrente prestou variados serviços, a saber: Processo de diagnóstico organizacional; Processo de definição das medidas a tomar com vista a colmatar os défices encontrados; Processo de definição dos critérios de seleção dos candidatos e criação de suportes documentais para tal seleção; Processo de “assessement”, que consistia na avaliação do perfil psicológico, verificação do perfil de processo de recrutamento e seleção para quadros superiores; Trabalhos de preparação e conceção de conteúdos e “desenho” de toda a “escola”, criação de órgãos, regras de funcionamento e avaliação, gestora da escola; Trabalhos de “coaching” com equipas previamente identificadas para a sua futura integração na escola e melhoria contínua nas tarefas em curs;
Y) Dito de outro modo, a intervenção da legal representante da recorrente foi diversificada e não se esgotou na formação como, de resto, resulta do ponto 6 dos factos provados da sentença na qual se reconhece que a Dr.ª CC prestou serviços na área da psicologia, consultoria na área comportamental, “coaching” e formação. Pelo que tal ponto até está em contradição com os pontos 2, 3 e 7 dos factos provados no sentido de que a intervenção da recorrente se cingia a dar formação, o que não está correto;
Z) Importa melhor contextualizar o referido nos pontos 22 e 23 já que, o Diretor do Porto ..., o eng. AA tinha autonomia financeira com orçamento definidos para toda a formação em plano plurianual. Nessa medida, podia escolher os prestadores de serviços de acordo com as necessidades da recorrida. Atentem os Ilustres Juízes Desembargadores no esclarecimento que é dado pelo Eng. AA ao minuto 09:00 do seu depoimento prestado no indicado dia 20/12/2023, que desmistifica toda esta questão, ficando a convicção que a defesa da ré não passou de uma justificação hábil para se furtar à responsabilidade contratual que advém da sua conduta de cessação do contrato;
AA) O descrito no ponto 23 é conclusivo e não tem qualquer utilidade da prolação da decisão, devendo ser eliminado. Aliás, este ponto está suportado num documento de outra empresa que não a recorrida, pelo que não faz sentido a inclusão deste ponto;
BB) No que se refere à alteração dos pontos 2 e 3 dos factos não provados deveriam ser alterados com base nos motivos que a seguir se indicam pois, a menção “alguém que juridicamente vinculasse a ré” é uma falsa questão já que a relação obrigacional entre as partes funcionou e teve valor jurídico sem qualquer documento escrito desde finais de 2015 a dezembro de 2017, não sendo a circunstância de a recorrente não ter sido pessoalmente contratada pelo legal representante da recorrida que impediu a produção dos naturais efeitos jurídicos e materiais. Sendo certo que é a própria recorrida que refere na contestação (veja-se pontos 8 e 16) que a autora manteve reuniões com responsáveis da ré e reuniões com os recursos humanos da ré. A decisão da matéria de facto dos pontos 2 e 3 dos factos não provados assenta num pressuposto falível e que não cabia nas mais ousadas cogitações da recorrente: a de que tudo que a recorrente acordou para além do documento escrito, não o fez com quem vinculasse juridicamente a recorrida. Aliás, arrasar o reconhecimento dos direitos da recorrente com este pressuposto, é um atropelo do princípio da confiança inerente a qualquer relação obrigacional entre duas pessoas/entidades, fazendo tábua rasa do princípio da boa-fé entre as partes e do equilíbrio das prestações negociais. A propósito desta questão da violação ou não das regras, atente-se no depoimento gravado da testemunha FF do dia 20/12/2023 (2.º julgamento) em que ao minuto 34:00 em diante, o mesmo não consegue justificar a apelidada irregularidade cometida com os contratos com a autora já que acaba por admitir que afinal o eng. AA (como diretor do departamento) tinha autonomia para escolher os serviços e os prestadores, sendo que as compras só davam parecer vinculativo pelo montante. Confirme-se também o depoimento gravado do Eng. AA na sessão de 20/12/2023 (2.º julgamento) em que o mesmo a partir do minuto 02:00 e após indicação do tribunal acerca da forma como deveriam ser colocadas as questões, enfatizando a questão da ordem de contratar e quem emanou) esclareceu que o Porto ... reportava superiormente à B... Europa, confirmando que os “seus superiores” eram precisamente um departamento de engenharia sediado em Colónia, que foi quem validou toda a operação, confirmando ter aprovado toda a estratégia da intervenção com aqueles superiores, e afiançando ter autonomia financeira e de decisão para tais atos. Importa dizer que independentemente desta abordagem complexa e interna da organização da ré e do grupo onde está inserido, não pode de forma alguma a autora ser prejudicada por esta hipotética divergência entre os diretores que saíram e os diretores que entraram;
CC) A redação dos pontos 2 e 3 deve ser considerada provada com a seguinte redação: “Entre a autora e a ré, através do diretor do Porto ... e de um representante dos recursos humanos, foi definida a criação de uma obra denominada “.... Academy”, que seria executada em 4 níveis, pelo tempo que tal implementação durasse, estimado em 3 a 4 anos, em que a autora afetaria a carga mensal de 54 horas de trabalho nas instalações da ré em horários e datas a definir, no valor hora de 37,00€, acrescido de iva.”;
DD) Quanto aos factos indicados nos pontos 4, 5 e 6 dos factos não provados que se referem concretamente para o facto de, como estávamos num projeto de ensino em que se preparava conteúdos e trabalhos com grande antecedência, existiram trabalhos e suportes documentais que foram deixados e partilhados à recorrida e, ainda, a suscetibilidade de tais trabalhos poderem ser aproveitados pela empresa e por fim, o facto de a recorrente ter gasto cerca de 150 horas de trabalho fora das instalações da recorrida na conceção e estudo de conteúdos, trabalhos e programas não ministrados e, por isso, não faturados à recorrida. Todo o trabalho faturado e efetivamente pago pela B... corresponde a trabalho presencial, efetivamente prestado nas instalações da empresa (cfr. ponto 19 dos factos provados). Como decorre do depoimento das testemunhas EE, AA, GG e da parte (CC) confirma-se que foram deixados manuais e conteúdos da autoria da autora nas instalações da B... (depoimento EE), bem como resultou provado que a Dr.ª CC executava trabalhos a mais fora das instalações da Ré e, portanto, que justificam o pedido relativo às 150 horas que a mesma reclama;
EE) Quanto ao facto indicado nos pontos 7 e 8 dos factos não provados, assume-se relevante recordar o que resulta provado do ponto 6 dos factos provados da sentença, de que era a legal representante da recorrente a única pessoa que executava o trabalho em nome desta, que havia um trabalho de antecipação, com marcações já feitas até ao final de dezembro e o depoimento da trabalhadora da recorrida que prestava apoio administrativo à recorrente e à .... Academy, onde a mesma reconhece que a recorrida enviava mensalmente os dias em que se deslocava à empresa, sendo certo que de documentos que constam do processo resultavam já eventos e agendamentos até ao final do ano, que a recorrente teria que forçosamente respeitar. Por conseguinte, a legal representante da recorrente, como assumiu o compromisso de executar todo o projeto da escola de liderança, numa carga horária mensal de 54 horas, equivalente a 2 dias por semana, não poderia assumir outros compromissos futuros ou outros trabalhos, pelo menos até ao final de 2019 e naquela carga horária (cfr. doc. 12 da PI, com agendamento feito até dez. 2019). Com efeito, os pontos 7 e 8 dos factos não provados deveriam ser considerados provados, com a seguinte redação: “A autora deixou de realizar outras prestações de serviços por força dos acordos celebrados com a ré na carga mensal de 54 horas a que se tinha vinculado, pelo menos até ao final de 2019”.;
FF) Quanto à passagem do descrito no ponto 8 dos factos não provados para os factos provados, uma vez que o seu teor é claro e cristalino e corresponde à verdade, deverá tal matéria ser considerada provada, em face de todas as provas já demonstradas sobre tal questão, acrescentando-se apenas que na realização desse projeto, houve a colaboração de trabalhadores da ré. Pois, como se compreenderia que a autora tivesse concebido e preparado o arranque da escola em 2 anos para depois não se comprometer na sua execução!? É inconcebível como o tribunal a quo não considerou esta matéria por provada. Deste modo, o ponto 8 dos factos não provados deverá a passar para facto provado com a seguinte redação: “A autora assumiu a obrigação, perante a ré, o que esta lhe solicitou, que ministrasse, dirigisse e liderasse toda a implementação da “.... Academy”, sendo CC, legal representante da autora, a criadora do projeto e a pessoa responsável pela implementação e realização de todo o curso com a colaboração de trabalhadores da ré e, nessa medida, a autora se tenha comprometido com tal execução.”;
GG) Quanto aos pontos 9, 10 e 11 dos factos não provados, porque tal conteúdo factual já foi abordado e incluídos noutros pontos da “base instrutória” e que já foram expendidos e contraditados pela recorrente, para evitar redundâncias e repetições, não se aborda novamente estas questões;
HH) Como resultou demonstrado nos depoimentos de EE, do Eng. AA, de GG, e da legal representante da autora, a escola demorou a ser criada (cerca de 2 anos) arrancou sem que tivessem todas as disciplinas e conteúdos criados, sendo que tais matérias foram sendo criadas pela autora fora do horário fixado entre as partes, só assim permitindo que a escola tivesse sucesso;
II) Por violação do princípio da livre apreciação da prova, a decisão não respeitou nem valorou a prova documental existente no processo, nem valorou ou apreciou a prova testemunhal de for certeira pois, não obstante imperar tal princípio (da livre apreciação da prova), impunha-se que a decisão retirasse o valor probatório de tais meios de prova no sentido supra descrito, o que não ocorreu, o que viola o disposto nos artigos 342.º e 376.º do Código Civil.
CONCLUSÕES SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
A) A decisão ficou aquém do thema decidendum ao qual o tribunal estava adstrito, consubstanciando-se no uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se ter deixado por tratar questões que deveria conhecer, ocorrendo omissão de pronúncia relativamente aos factos descritos nos artigos 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 21.º, 42.º, 45.º, 79.º, 85.º a 88.º da PI e artigos 5.º e 8.º do requerimento de aperfeiçoamento da PI, bem como à falta de consideração, valoração e pronúncia de vários documentos (docs. 1 a 6, com exceção do mencionado no ponto 17 da sentença, 7, 8, 11 e 12 da PI) assim como à falta de pronuncia relativamente à questão do pedido de junção de documento em posse da ré, que no saneador o tribunal declarou que se pronunciaria na sentença, não o tendo feito;
B) Omissão de pronúncia que ocorre na medida em que o Tribunal deixou de apreciar e julgar questões de facto e/ou de direito que lhe foram submetidas pelas partes, ficando inclusive o tribunal superior sem saber que facto deve considerar e em que categoria (provados ou não provados);
C) O acórdão recorrido omitiu pronúncia sobre questão de que era obrigado a conhecer, razão pela qual é nulo, nos termos dos arts. 608.º, n.º 2. e 615.º, n.º 1, alínea d), todos do CPC, violando igualmente os princípios da certeza e segurança jurídicas (emanações do princípio do Estado de Direito Democrático, artigo 2.º da CRP), o dever de fundamentação das decisões judiciais e o direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva na perspetiva do direito ao recurso, nos termos dos artigos 2.º, 20.º, n.º 1, e o 205.º da CRP;
D) Entende a recorrente que a relação contratual que celebrou com a recorrida não se pode subsumir a um simples contrato de prestação de serviços, estando convicta de que resulta de toda a prova documental e testemunhal que não estamos perante uma “ação de formação” como o tribunal entendeu considerar;
E) As partes celebraram um contrato que tinha por objeto em primeiro lugar fazer um diagnóstico organizacional sobre o universo de cerca 500 trabalhadores do Porto ... que registavam enormes saídas da empresa e denotavam-se conflitos inter-geracionais entre os colaboradores mais novos e mais velhos. Em resultado desse diagnostico, a apelante identificou problemas de liderança quer de equipas quer de projetos, tendo criado um projeto de raiz denominada .... Academy e a execução dessa mesma obra perduraria por 4 níveis graduais, N1 (Self Management), N2 (Liderança e Negócio), N3 (Gestão para Altas Performances) e N4 (Liderança Transformacional), cuja implementação duraria um período aproximado de 3 a 4 anos;
F) Tal obra foi livremente executada e com plena autonomia pela recorrente, pessoa que pensou e desenhou toda a escola, a sua orgânica, valores, forma de funcionamento com regras definidas, níveis do curso, disciplinas, definição e formação dos respetivos professores, conteúdos programáticos, manuais, testes, etc., com o objetivo bem definido: formar novos e melhores líderes;
G) Obviamente que toda a obra e conceção teve a validação por parte dos diretores do Porto ..., bem como pelo representante dos recursos humanos, mas tal situação não contende com os direitos de autor de toda a escola e seu projeto, que pertencem à autora;
H) É bem diferente ministrar um curso de formação em word ou excel servindo-se de um manual já existente e criar toda esta Academia de Liderança de raiz, partindo literalmente de uma folha em branco;
I) Por ter esta complexidade e envergadura, é obvio que as partes se comprometeram na sua implementação e execução integral pois, não é crível nem verosímil que a recorrida fizesse todo esse investimento para “ficar a meio”, tanto mais que precisava de resolver o problema existente na sua organização;
J) Como resultou demonstrado nos depoimentos de EE, do Eng. AA, de GG, e da parte, a escola arrancou sem que tivessem todas as disciplinas e conteúdos criados, sendo que tais matérias foram sendo criadas pela autora fora do horário fixado entre as partes, só assim permitindo que a escola tivesse sucesso;
K) Entende a apelante que se encontram reunidos os requisitos para concluir que entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de empreitada, com um objetivo definido, a criação de novos líderes;
L) A autora identificou o problema e comprometeu-se com um resultado através de um meio que ela própria inventou e criou, assumindo uma promessa da sua concretização;
M) Diferentemente, na prestação de serviços, é apenas uma mera utilização do trabalho sem qualquer objetivo ou garantia de resultado;
N) No caso em apreço, a relação entre as partes consistiu num contrato de empreitada com nuances de transferência de direitos de autor e obras criadas, na medida em que a ré ficou na posse de manuais escritos pela autora (veja-se o depoimento de EE que assumiu que no Porto ... ficaram manuais já ministrados e outros por lecionar, todos criados pela autora);
O) Tendo o referido contrato cessado de forma imediata e repentina sem justa causa (note-se que na primeira audiência de julgamento ficou assente o que consta do tema de prova 3 que se traduz num facto: ausência de reclamação da ré relativamente aos serviços prestados pela autora), sem que fosse permitido à autora concluir o trabalho, a que acresce a circunstância de a autora preparar de forma antecipada o curso em 5 meses, caímos no direito à reclamação por parte da apelante de uma indemnização prevista no artigo 1229.º do Código Civil, suportada em face da desistência unilateral e sem causa do contrato por parte da recorrida;
P) Nesse sentido, obriga-se a recorrida a indemnizar a autora dos gastos de tempo e trabalho que a mesma suportou com a obra sem ter direito ao recebimento do preço (as mencionadas 150 horas de trabalho realizado fora das instalações da recorrida) e ainda ao proveito que a autora retiraria da implementação e conclusão das aulas até ao final do ano de 2019, cuja calendarização, preparação das aulas e dossiers já se encontravam todas definidas em trabalho prévio da autora, a que as partes já se haviam vinculado através de escritos fixando e validando datas;
Q) A propósito desta questão da forma da cessação do contrato, o recém-chegado diretor FF, entrou em funções em junho de 2019, no seu depoimento gravado dia 20/12/2023 (2.º julgamento) em que ao minuto 27:00 em diante, confessa a propósito do trabalho que a autora estava a desenvolver “nem sei qual é o programa conteúdo”, não sabe o que a Dr.ª CC fez no âmbito destes contratos? “Não faço a mínima ideia”. Ora, tal decisão sem existir o cuidado de se inteirar do trabalho que estava a ser desenvolvido, comprova a falha grave, ilícita e culposa da atuação da ré a, sem mais, ordenar o fim da escola, o que revela em termos de responsabilidade contratual e da indemnização que tal acarreta. Note-se que o mesmo confessa, contradizendo-se, que ninguém lhe reportou a necessidade de continuidade do contrato, declarações que contradizem o depoimento da testemunha SS, QQ e EE (todas aqui transcritas, referentes ao primeiro julgamento);
R) Caso não se considere enquadramento jurídico nos termos supra expostos, e porque resulta da prova que a autora trabalhava e preparava os conteúdos com grande antecedência fora da carga horária estipulada com a recorrida, e porque a autora teve prejuízo na execução desse trabalho sem que tivesse oportunidade de receber qualquer compensação financeira e a recorrida beneficiou do mesmo (o representante dos recursos humanos referiu que no Porto ... ficaram manuais de matérias não lecionadas) deverá a recorrida ser condenada a pagar indemnização à autora por tal prejuízo na quantia global peticionada;
S) Atenta a natureza da obra em causa, ministração de diversas disciplinas, conjugadas com reuniões e outros estudos, a recorrente precisava sempre de se preparar com a antecedência devida, sendo que andava com a escola cinco/seis meses à frente, o que lhe dedicou inúmeras horas de trabalho na legítima expectativa de ter o retorno financeiro, o que não conseguiu face à desistência unilateral por parte da recorrida;
T) Ao inexistir qualquer incumprimento ou cumprimento defeituoso no contrato por parte da recorrente – que resulta matéria assente embora não transferida para a sentença, ponto 3 dos temas de prova - e esta, ao ter sido impedida de continuar o trabalho que vinha desenvolvendo, demonstra que a resolução do contrato operada pela recorrida se mostra infundada e sem “justa causa”, pelo que sujeita à indemnização do prejuízo causado.
U) Ao manifestar a vontade de resolver o contrato sem que tal resolução se mostrasse fundada e ao impedir a recorrente de continuar o projeto .... Academy, a recorrida demonstrou de forma categórica desistir do contrato – ponto 18 dos factos provados da sentença;
V) A extinção do contrato por desistência do dono da obra, prevista no artigo 1229.º do Código Civil, constitui uma exceção à regra "pacta sunt servanda" (cfr. art. 406.º, n.º 1, do Código Civil) ficando conferida à recorrida a possibilidade de não prosseguir com a empreitada (que consistia na criação e implementação da .... Academy, respetivo decurso, ministração do mesmo e conseguir melhores e novos líderes) interrompendo a sua execução para o futuro porém, tal desistência confere à recorrente o direito a uma indemnização pelos “gastos e trabalho” e ainda pelo “proveito que poderia tirar da obra”, do trabalho que ainda faltava desenvolver e que havia sido acordado entre as partes, do qual a recorrente teria o direito ao preço;
W) Deste modo, entende a recorrente que face à prova que foi produzida e no sentido em que como tal for considerada no presente recurso, a recorrente tem direito a receber uma indemnização, sendo tal valor determinado nos critérios que vinham sendo aplicados, quantia fixada no valor de 2.000,00€ (dois mil euros) acrescido de iva à taxa legal, tendo sido fixado um valor/hora em função do tempo previsto da execução do projeto, o que permitiria à autora receber o preço adequado e expectável em função do desempenho intelectual e carga horária e complexidade do projeto exigiam;
X) Deste modo, e como já vai dito, o projeto da L.A. encontrava-se na fase N2, faltando por isso concluir este nível e prosseguir com todas as aulas, testes, implementação da rotação dos alunos pelos diversos departamentos do Porto ..., o N3 e depois a implementação do N4.
Y) Aquando da desistência da Recorrida na continuidade do projeto, já se encontravam desenhadas as disciplinas para o Nível 3 e 4, sendo que se encontravam agendadas aulas e datas até ../../2019, por solicitação expressa da recorrida;
Z) Quanto ao nível 2, que estava ser implementado, a recorrente, de modo próprio, lecionou e criou manuais para três das disciplinas, Gestão de Pessoas e Equipas, Liderança Emocional e Liderança Situacional, trabalho de conceção feito “nos bastidores” fora dos horários da prestação de serviços na sede da recorrida e, portanto, trabalho “não medido” nem contabilizado em termos de faturação, mas cujo custo seria imputado à recorrida aquando da sua implementação (aulas, reuniões, trabalhos conjuntos, testes e outros).
AA) Quer isto dizer que parte do trabalho de conceção da L.A., trabalhos de pesquisa, científicos e de criação dos referidos programas, de preparação e de conceção das dinâmicas da “rotação 360º” pelos diversos departamentos do Porto ..., foram realizados fora das instalações da recorrida e, portanto, não pagas, mas cujo custo para o cliente seria imputado ao longo da implementação do projeto.
BB) A recorrente realizou e concebeu um Programa para os próprios docentes da .... Academy (trabalhadores da ré), que visava uma “psico-educação”, ou seja, treino na arte de comunicar, de exercer uma pedagogia junto de pessoas com qualificações superiores e colaboradores considerados talentos na empresa, que chegou a ministrar em sessões tipo coaching, mas que também não chegou a concluir em virtude da desistência da recorrida.
CC) A recorrente encontrava-se a fazer uma análise, para futuras reuniões de apresentação pelos alunos a todo o Conselho Técnico e Pedagógico, de todos os trabalhos realizados pelos alunos onde lhes era exigido a elaboração de cultura, valores, análise SWOT (conhecida grelha de gestão para análise do negócio e das equipas) à equipa onde estavam inseridos;
DD) Carga horária e desempenho intelectual de elevada complexidade, criatividade, análise e pesquisa que demandou cerca de 150 horas de trabalho à recorrente, que esta não teve oportunidade de receber da recorrida já que esta desistiu de forma repentina do projeto, impedindo a recorrente de cobrar o referido trabalho aquando da implementação do projeto, limitando-se a cobrar “apenas” o trabalho e a carga horária realizada nas instalações da recorrida (ponto 19 dos factos provados);
EE) A recorrente assumiu contratualmente o compromisso da criação e implementação/execução da escola de talentos apenas com a recorrida, desconhecendo nem nunca tendo estabelecido contacto ou obrigação com a B... Europe sendo que a recorrida, por sua vez, impôs critérios formais – outorga dos contratos – que visavam cumprir obrigações e salvaguardar direitos de empresas terceiras, a que a recorrente é totalmente alheia;
FF) Mesmo que se entenda que a obrigação contratual entre a recorrente e a recorrida não pode ser considerada como contrato de empreitada e, nessa medida, não poder beneficiar do direito de indemnização face à desistência antecipada do contrato, sempre terá que assistir o direito de a recorrente poder receber uma compensação face ao trabalho já desenvolvido e que, por circunstâncias alheias a si, não pôde ou não conseguiu implementar, neste trabalho se englobando as cerca de 150 horas de trabalho e estudo fora dos horários efetivamente pagos pela recorrida, que nunca teve hipótese de faturar na medida em que tais horas de trabalho iriam ser cobradas aquando da sua implementação prática;
GG) Gastos e trabalho da recorrente que não foram pagos, que estão diretamente relacionados com os trabalhos que seriam desenvolvidos não fora a decisão unilateral da recorrida em desistir do projeto, e que se traduzem em desempenho intelectual da autora;
HH) Deverá ser assim considerada a reclamação, a título do proveito que poderia ter tirado tendo por base a continuidade do curso até ao final de 2019, a quantia de 8.875,50€ (oito mil oitocentos e setenta e cinco euros e cinquenta cêntimos) acrescida de iva à taxa legal de 23%;
II) Caso não se considere os direitos supra reclamados, sempre se considerará a indemnização de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, conforme prescrevem os artigos 473.º e 1214.º, n.º 3 do Código Civil que, em relação às 150 horas de trabalho executado pela apelante na preparação de todas as aulas, testes, dossiers (escola em movimento) a tendo por base o valor hora liquidado pela recorrida à recorrente (37,00€/hora por dia – cfr. cl.ª 7 dos contratos a fls. 98 v.) perfaz a quantia de 150 horas x 37,00€ = 5.550,00€, acrescido de iva, se assim se considerar;
JJ) Existe manifesta falta ou défice grave de fundamentação da sentença relativa ao pedido de gastos e trabalhos não pagos relativas às 150 horas de trabalho fora das instalações da ré e ainda relativamente ao pedido subsidiário do enriquecimento sem causa da ré à custa da autora em que, neste último pedido, a sentença fulmina com uma mera consideração genérica inserta numa frase de 2 linhas e meia, violando o disposto nos artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código de Proc. Civil;
KK) A não ter decidido nos termos supra expostos, subsumindo os factos com base neste entendimento, a sentença violou as disposições legais vertidas nos artigos 406.º, 473.º a 475.º, 479.º a 482.º, 1214.º e 1229.º, todos do Código Civil.
Nestes termos e nos melhores do direito, deve ser dado provimento ao recurso apresentado, considerando-se a nulidade da sentença face à omissão da pronúncia sobre factos alegados e principais na apreciação da causa e/ou alterando-se a decisão da matéria de facto nos termos propostos. Mesmo que não haja alteração da decisão, e ponderadas todas as questões formuladas, deverá ser alterada a decisão de direito, decidindo-se nos termos supra assinalados.
Nessa medida, deve igualmente ser revogada a decisão no tocante às custas.
V. Exas., porém, superiormente decidirão, fazendo como habitualmente justiça

6. A Ré contra-alegou, sustentando a improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

7. Apreciando o mérito do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas questões suscitadas nas conclusões dos recorrentes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 615º nº 1 al. d) e e), ex vi do art.º 666º, 635º nº 4 e 639º nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC).
No caso, são as seguintes as QUESTÕES A DECIDIR:

· Nulidade da sentença
· reapreciação da matéria de facto
· reapreciação da matéria de direito




7.1. Sobre as nulidades
Começa-se por imputar a nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente a uma série de factos alegados na PI e respetivo aperfeiçoamento.
Argui-se ainda a nulidade da sentença por omissão de pronúncia relativamente à questão do pedido de junção de documento em posse da ré, que no saneador o tribunal declarou que se pronunciaria na sentença, não o tendo feito.
Sucede que no recurso de apelação vigora o princípio da substituição ao tribunal recorrido (art.º 665º nº 1, do CPC), designadamente no tocante à reapreciação da matéria de facto.
Assim, quando o objeto do recurso não é constituído apenas pela arguição da nulidade da sentença, o eventual vício não determina a anulação de toda a sentença, cabendo antes ao tribunal de recurso substituir-se ao tribunal recorrido e suprir a deficiência.
Ou seja, desde que o recurso tenha também por objeto a impugnação da matéria de facto, e não sendo necessária a produção de outros meios de prova, o Tribunal da Relação pode substituir-se à 1ª instância, tornando inútil a arguição da nulidade.
Como pensamos ter deixado claro no primeiro acórdão proferido, o vício que sustentou a anulação parcial do julgamento (que não da sentença), decorreu essencialmente de se considerar necessária a produção de outros meios de prova, designadamente o depoimento de parte do legal representante da Ré. E na produção desses novos meios de prova, já este Tribunal não pode substituir-se à 1ª instância.
O mesmo aconteceu relativamente a um pretenso “acordo sobre os temas de prova”, o que não pode ser.
Depois, a nulidade por falta de consideração, valoração e pronúncia de vários documentos.
O mesmo se diga quanto à omissão de pronúncia relativamente à questão do pedido de junção de documento em posse da ré.
Tais questões contendem com um possível erro de julgamento, na vertente da apreciação da matéria de facto, e não com nulidade da sentença.
Acresce que o juiz não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os meios de prova, mas apenas sobre aqueles em que sustenta a fixação da matéria de facto, sendo de considerar que os meios probatórios não referidos expressamente foram considerados irrelevantes.
Tendo a parte outra perspetiva sobre a relevância de meios de prova que não foram tidos em conta (ou, pelo menos, não mencionados pelo juiz), deve então mencioná-los, em correlação com o facto em questão. Ou seja, deslocamo-nos da questão das nulidades, para a questão da impugnação da matéria de facto.
Por fim, nulidade por violação dos princípios da certeza e segurança jurídicas, do dever de fundamentação e do direito ao acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva na perspetiva do direito ao recurso.
Lido o elenco das alíneas do nº 1 do art.º 615º do CPC, está bom de ver que a única circunstância conducente à nulidade da sentença seria a falta de fundamentação.
Quanto a esta, incumbe dizer que não basta uma fundamentação deficiente ou medíocre. É entendimento jurisprudencial assente que só «(…) ocorre falta de fundamentação de facto da decisão judicial, quando exista falta absoluta de motivação ou quando a mesma se revele gravemente insuficiente, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto da decisão judicial» [[1]]
No caso, existe fundamentação de facto e de direito. A discordância da fundamentação não a torna inexistente.
Concluindo, improcedem as nulidades atribuídas à sentença.

7.2. Reapreciação da matéria de facto
§ 1º - Como já se deixou dito no primeiro acórdão, um dos temas principais do litígio entre as partes passa pela qualificação do contrato celebrado. Apesar de ambas aceitarem os termos do escrito que assinaram, continuam aqui a debater posições opostas.
É sabido que o nomen iuris que as partes dão ao acordo não vincula o tribunal. E, entre o acordado e a respetiva execução/conclusão, muito pode acontecer, como acontece muitas vezes em que as partes vão provocando modificações ao acordado conforme o desenvolvimento da sua execução.
«O que decisivamente releva para a qualificação do contrato é a forma como, na prática, o mesmo foi executado e não o nome que as partes lhe atribuíram, quando este tenha sido reduzido a escrito, mas essa denominação não pode ser absolutamente desconsiderada, no geral, devendo mesmo, em certos casos, ser-lhe atribuída uma especial relevância.» [[2]]
Por outro lado, por imposição legal e de acordo com a boa técnica jurídica, os factos a atender devam ser perspetivados tendo em atenção as possíveis soluções de direito, no caso, a qualificação jurídica do contrato celebrado.
Na enunciação desses factos, provados e não provados, cabem todos aqueles que interessem ao objeto do litígio, perspetivando-se sempre todas as possíveis soluções de direito (art.º 5º e art.º 596º CPC).
Por força do princípio do dispositivo, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir; não obstante, para além desses, são ainda considerados pelo juiz os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e os factos notórios: art.º 5º do CPC. [[3]]
Numa outra vertente, incumbe relembrar aquilo que o Mmº Juiz já deixou referido no despacho de 13/09/2022 sobre a amplitude da prova a produzir, e decorre expressamente do art.º 662º nº 3 al. c) do CPC, se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições.

§ 2º - No acórdão proferido em 19/05/2022 decidiu-se «anular parcialmente o julgamento (e consequente sentença), determinando-se o reenvio dos autos à 1ª instância para se proceder à produção dos meios de prova tidos por pertinentes relativamente a todos os factos alegados na petição inicial (incluindo o articulado que respondeu ao convite ao aperfeiçoamento) e na contestação que se mostrem relevantes para a posterior qualificação jurídica do contrato celebrado entre as partes».
Na respetiva fundamentação, considerou este Tribunal da Relação que poderia ser pertinente a apreciação da matéria factual constante dos pontos 1 a 11, 60 e 61, 78, 79 e 51 da petição inicial (PI), expurgados, naturalmente, do que não fosse “facto”.
E mais se escreveu no acórdão: «O mesmo acontece sobre a vinculação da Ré (dependendo do nível organizacional e de autonomia de cada uma das empresas do grupo) [[4]], relevando, por exemplo, os factos elencados nos artigos 7, 22 a 28 da petição inicial ou os artigos 54 a 65 da contestação, de que a sentença é completamente omissa.
Por outro lado, (…), a aceitar-se o “acordo sobre temas de prova”, ele teria existido sobre os factos pertinentes aos temas de prova de 1 a 4, significando que tais factos teriam de constar dos factos provados na sentença. E não constam. E, sendo assim, fica este Tribunal sem saber que factos deve considerar e em que categoria (provados ou não provados).»

§ 3º - Na presente apelação, continua a Autora a invocar a nulidade da sentença por «omissão de pronúncia relativamente aos factos descritos nos artigos 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 21.º, 42.º, 45.º, 52.º, 79.º, 85.º a 88.º da PI e artigos 5.º e 8.º do requerimento de aperfeiçoamento da PI»
Compaginados os articulados com a factualidade expressa na sentença, manifestamente que não lhe assiste razão.
Na verdade, ainda que com outra redação e repartição, vemos que os aludidos factos constam como factos não provados 2, 3, 5, 8 e 9.
O referido na conclusão N) não coincide com o alegado em 43 da PI.
Ora, a partir do momento em que se dá como não provada a definição e criação de uma .... Academy, todas as demais asserções ficam prejudicadas.

§ 4º - Quanto à reapreciação propriamente dita
Sobre a adição do facto “a intervenção da recorrente na B... estava definida em 54 horas de trabalho por mês a um valor hora de 37,00€, equivalente ao valor mensal de 2.000,00€, acrescido de iva à taxa legal de 23%.”.
Convocam-se os e-mails juntos com a PI e os documentos 8 e 10.
Dos e-mails (docs. 1 a 6), retira-se que a Autora se dirigiu a um grupo de 8 pessoas a solicitar que lhe indicassem “as datas que ficaram alocadas” para cada um deles por já não as encontrar; uma dessas pessoas dá nota das horas que tem disponíveis, outra indica que não estará presente em determinado dia, outro pergunta se podem continuar aulas só de manhã; num outro e-mail, a Autora dá nota dos “pontos mais relevantes da última reunião”; noutro, um aluno questiona a Autora se pode vir dia 11; noutro e-mail, a Autora dirige-se à DD para marcar coaching com várias pessoas indicando a ordem de trabalhos, ao que ela responde; ainda outro e-mail relativo a um “pedido de alteração do coaching”, dando-se nota de várias datas; um e-mail de EE à Autora referindo que “o contrato está assinado até Dez 2019 e não até Dez 2020” e pedindo datas para o 2º semestre de 2019 – este e-mail responde a um da Autora em que pede o cronograma e a carga horária para emissão de fatura de julho 2019. Por fim, PP dirige-se à Autora, e outros, pedindo a alteração da hora de um “teste Lean”.
O doc. 9, não o vislumbramos nos autos. O documento 10 é uma fatura de 09/2018 onde se pretende o pagamento de “58h30 de formação”.
Mais do que uma resposta, impõe-se perguntar, como é possível pretender retirar destes documentos qualquer definição das horas de trabalho da Autora? Para nós, os documentos nada referem sobre o pretendido.
Sobre o erro constante do facto provado 2 e a contradição com o 14 – colidindo com saber se o Eng.º AA era o diretor do departamento de formação.
No facto provado 2 diz-se que essa pessoa exercia essas funções de diretor “à data”, ou seja, 2015. o facto 14 reporta-se a 2017 e fala em “diretor geral”, donde, não se vislumbra qualquer contradição seja pela difereça temporal, seja por não se poder confundir um diretor de departamento com um diretor geral duma empresa.
Sobre a alteração da redação dos factos provados 2 e 3, nos seguintes termos:
2: Em finais do ano de 2015 a ré, na pessoa de AA, à data, diretor geral do Porto ... (Porto ...), solicitou à autora a realização de um diagnóstico às assimetrias existentes na sua organização;
3: Em função do diagnóstico realizado, que demorou cerca de 4 meses a executar face ao universo de 550 trabalhadores, a autora identificou a existência de um défice severo de liderança por parte das chefias, nessa medida, foi preconizada uma intervenção por parte da autora que visava a criação de uma escola de talentos para criar 10 novos líderes e ao mesmo tempo foi identificada a necessidade de intervenção “tipo coaching” em diversas equipas da área da engenharia dirigidas por GG. Esta factualidade resulta demonstrada do depoimento de AA, GG, II e CC; [[5]]
AA (que disse gerir o TPC) referiu o processo de crescimento que a empresa atravessava, as funções da Autora (trabalhava individualmente com os funcionários da Ré, no seu lado comportamental e evolutivo, bem como capacitação de soft skills). Confrontado com os contratos juntos aos autos, disse que as funções da Autora só genericamente aí estão descritas, que “por uma questão de simplificação foi dito que era sobre a .... Academy mas havia uma outra descrição que compreendia todas as funções que eram as funções do âmbito da intervenção da Dr.ª CC”, que existiria um documento anexo aos contratos, mas não sabe se foi assinado pelas partes e que o contrato seria para durar por 4 anos, até terminar o nível 4.
QQ apenas disse que EE, do departamento de recursos humanos, entrou em contato com ela, do departamento de compras.
EE que, sobre a troca de e-mails com a Autora, disse ser “o elo de ligação” entre a Autora e os “formandos”.
Daqui resulta que dos depoimentos invocados nada se refere de útil para a pretendida alteração, que assim se indefere.
Sobre a alteração da redação do facto provado 5 para:
No âmbito de tal projeto caberia à autora assegurar a definição dos critérios de seleção dos colaboradores da ré, análise de perfis, organização e preleção de aulas, criação de manual de funcionamento, agendamento e participação em reuniões;
Ou seja, pretende-se a anulação da 1ª parte do facto, na parte que refere que a Autora trabalhava em conjugação e colaboração com os funcionários da ré que integravam o “Conselho Pedagógico” e o “Conselho Técnico Científico”.
E isto porque “já que quem concebia e criava todos os manuais, ideias, conteúdos, regras de funcionamento da escola e todos os dossiers e assuntos era a autora, mediante o desempenho intelectual”.
Afigura-se-nos que as duas realidades não são antagónicas; a criação dos manuais, que compete ao formador, em nada colide que esse formador tenha de se conjugar com os demais na organização da empresa, tanto mais que a formação a ser ministrada, o era no horário de trabalho.
Também aqui não colhe a argumentação.
Sobre o facto provado 7 e o não provado 1, não se percebe o que pretende a Apelante, pois não refere se pretende a eliminação, alteração da redação…
Dá apenas nota duma extensa argumentação (quer nas conclusões W) e X), quer no corpo das alegações), em jeito que se presume de discordância com o que consta da sentença, mas sem definir com exatidão a sua pretensão nem quais os meios de prova para o efeito.
«Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.» [[6]]
Sob pena de se estar a considerar a “livre convicção do Recorrente”, em detrimento da “livre convicção do julgador”, é inaceitável que se fundamente o ataque à matéria de facto fornecendo apenas a versão dos factos que se considera mais correta.
Ao contrário, o que nesta sede compete ao Recorrente, é a alegação/demonstração de que as provas produzidas não consentem a análise feita pelo juiz, de que a análise crítica por ele feita contraria a lógica, a razão e as regras da experiência comum.
Desde logo porque, tratando-se em ambos os casos de “livre convicção”, com o que ela tem de pessoal, incumbiria sempre a mesma pergunta: qual delas seria a mais consentânea com a realidade material?
Nada a alterar, portanto.
Sobre a contradição entre o facto provado 6 com os factos provados 2, 3 e 7:
Em 6 dá-se como provado que a prestação de serviços na área da psicologia, consultoria na área comportamental, “coaching” e formação, sempre se concentrou na pessoa da legal representante da Autora.
Em 2, refere-se a solicitação à Autora, pela Ré, de prestação de serviços com vista à formação dos seus trabalhadores para o exercício de futuros cargos de liderança;
Em 3, que foi acordada a criação de uma ação de formação denominada “.... Academy”, que seria frequentada por esses trabalhadores, a implementar, previsivelmente, por um período de quatro anos.
Em 7, que ambas as partes apuseram a sua assinatura nos documentos de fls. 98 a 104.
No domínio da lógica, só pode existir contradição quando estamos a lidar com duas realidades operativas ou proposições, de forma a apurar se são conciliáveis.
Assim, existirá contradição quando se afirma e nega simultaneamente uma mesma coisa, quando duas realidades se excluem mutuamente.
No caso, não vislumbramos qualquer contradição, pois se trata de realidades distintas.
Mais do que contradição, esse conjunto de factos complementa-se, no sentido de se ter por provado que, além da consultoria na área comportamental, “coaching” e formação, a Autora também prestou serviços na área da psicologia.
Sobre os factos provados 22 e 23, é de entender não incumbir pronúncia, já que a Apelante não lhe aponta qualquer discordância, referindo apenas pretender “melhor contextualiza-los” no sentido de demonstrar que “a defesa da ré não passou de uma justificação hábil para se furtar à responsabilidade contratual que advém da sua conduta de cessação do contrato”, o que colide com matéria de direito, e não com impugnação da matéria de facto. E o facto 23 não é conclusivo, pois que dá nota da importância atribuída pela Ré a um conjunto de regras.
Sobre os factos não provados 2 e 3, que se pretende ver provados, com a seguinte redação:
Entre a autora e a ré, através do diretor do Porto ... e de um representante dos recursos humanos, foi definida a criação de uma obra denominada “.... Academy”, que seria executada em 4 níveis, pelo tempo que tal implementação durasse, estimado em 3 a 4 anos, em que a autora afetaria a carga mensal de 54 horas de trabalho nas instalações da ré em horários e datas a definir, no valor hora de 37,00€, acrescido de iva.”;
No que toca à argumentação/leitura da Apelante expressa na conclusão BB), nada a referir que não seja registar a “livre convicção do Recorrente”.
Quanto aos meios de prova agora convocados, AA referiu não ter estado envolvido no fim do projeto, nem saber o que se passou, sendo que a previsão era que o projeto durasse 4 anos.
Já FF, diretor geral da Ré, não soube justificar a apelidada irregularidade cometida com os contratos com a autora, admitindo que AA tinha autonomia para escolher os serviços e os prestadores.
Não vislumbramos como se pode pretender a alteração dos factos em análise, uma vez que o referido pelas testemunhas nada contém sobre a redação que se pretende ver provada.
Sobre os factos não provados 4, 5 e 6, que se questionam, mas não se refere claramente a pretensão.
Presumindo que se pretende ver tal matéria provada, invocam-se 3 testemunhas. Do respetivo depoimento, designadamente dos enxertos das transcrições em que a Apelante pretende consolidar a prova, não o vislumbramos. Nenhuma das testemunhas, designadamente a legal representante da Autora no seu depoimento de parte (e que, por isso, seria quem podia saber) conseguiu aludir a “outros suportes documentais”, ao número de horas necessário à conceção dos suportes documentais.
Existem suportes documentais provados, como não podia deixar de ser. Também é apodítico que numa qualquer formação, ainda que não se entreguem suportes documentais, existe um trabalho prévio para se organizar a formação em termos de conteúdo e estratégia. E é com esse conhecimento, que a legal representante da Autora saberia melhor que ninguém, face às suas competências, que se acerta e se acorda num determinado número de horas.
E a questão reside expressamente nisso, no número de horas acordadas. Se o formador, por qualquer razão, resolve fazer mais ou menos horas para atingir os objetivos acordados, sibi imputat.
E isso extrai-se claramente do depoimento da legal representante CC:
— Havia alguma exigência contratual que nas horas em que estavam pré-contratadas estivesse lá ou ia porque entendia que tinha que lá estar?
— Ah não tinha que lá estar! Eu sei que tinha que lá estar porque tinha trabalhos marcados com as pessoas.
— E para além deste tempo que estava lá, fazia mais algum serviço para além das horas contratadas?
— As horas que estavam contratadas eu levava ao rigor e depois fazia as minhas horas em casa.
— A pergunta é simples, se aceita uma remuneração à hora e um número de horas e consistentemente faz mais horas porque é que aceitou essa remuneração e esse número de horas e não aquelas que estava a fazer?
— Eu aceitei porque a ideia concreta que tinha era que era um projeto que ia ser durante muito tempo.
— Independentemente disso estaria sempre a fazer mais horas do que aquelas contratadas.
— Isso é normal, o facto de ser um projeto de continuidade, nós queríamos apresentar resultados e, neste caso, este projeto era muito importante para a minha empresa e para a empresa porque tinha que ter resultados.
— Foi no fundo o querer retirar os benefícios de um sucesso de um projeto destes que de que dedicou mais horas do que contratou.
— Completamente.
Mas, ainda assim, nada referiu sobre quais os suportes documentais nem o número de horas despendido.
Sobre os factos não provados 7 e 8, que se pretende ver provados, com a seguinte redação:
“A autora deixou de realizar outras prestações de serviços por força dos acordos celebrados com a ré na carga mensal de 54 horas a que se tinha vinculado, pelo menos até ao final de 2019”.;
“A autora assumiu a obrigação, perante a ré, o que esta lhe solicitou, que ministrasse, dirigisse e liderasse toda a implementação da “.... Academy”, sendo CC, legal representante da autora, a criadora do projeto e a pessoa responsável pela implementação e realização de todo o curso com a colaboração de trabalhadores da ré e, nessa medida, a autora se tenha comprometido com tal execução.”;
Sobre o facto 7, não se entende mesmo como se alega tal, dado que ninguém falou disso, nem a própria legal representante CC.
Quanto à nova redação do facto 8, resulta de todo inútil face ao que consta dos factos provados 3 a 6. Ou seja, não está em causa a implementação do projeto.
E, finalmente, sobre os factos não provados 9, 10 e 11, é a própria Apelante quem refere que “para evitar redundâncias e repetições, não se aborda novamente estas questões”.


7.3. Reapreciação da matéria de direito
7.3.1. Qualificação do contrato/acordo entre as partes
§ 1º - Ao abrigo do princípio da liberdade contratual, as partes são livres de fixar o conteúdo dos seus contratos, quer recorrendo às tipologias expressamente previstas na lei, qua tale, quer incluindo neles cláusulas não previstas na tipologia ou até por recurso a regras de dois ou mais contratos: art.º 405º do Código Civil (CC).
Como forma de prevenir a arbitrariedade na interpretação das declarações negociais, esta tem de se pautar por critérios essencialmente objetivos, estabelecendo-se regras para o efeito; procura-se, não a vontade “interior” do sujeito, mas o sentido juridicamente relevante da declaração, o significado normal e corrente do comportamento.
E, naturalmente, que deverão ser atendidas todas as circunstâncias que rodearam a negociação e conclusão do negócio e que «(…) podem ser da mais diversa ordem: os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os hábitos do declarante (de linguagem ou outras); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar, devendo prevalecer sobre os usos gerais os especiais (próprios de certos meios ou profissões), etc.» [[7]]
Em sede de interpretação das declarações negociais, vigora entre nós a teoria da impressão do destinatário [[8]], ínsita no art.º 236º nº 1 do CC, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Nem o contrato de prestação de serviços, nem o de empreitada estão sujeitos a qualquer formalidade imposta por lei. Não obstante, ambas as partes subscreveram o escrito intitulado “contrato de prestação de serviços”.
E, na medida em que se trata de uma declaração corporizada num escrito, “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”; “esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”: art.º 238º nº 1 e 2 do CC.
Ou seja, procura-se, não a vontade “interior” do sujeito, mas o sentido juridicamente relevante da declaração, o significado normal e corrente do comportamento.

§ 2º - As partes estiveram divididas desde o início do processo quanto à qualificação do contrato que as uniu, se empreitada (tese da Autora), se de prestação de serviços (tese da Ré).
E essa tem sido uma das vexata quaestio da doutrina e da jurisprudência. Poderá o contrato de empreitada ter por objeto uma obra de natureza intelectual?
A mais acesa polémica sobre a definição de obra surgiu com (e num) acórdão do STJ de 03/11/1983 [[9]], em que se discutia se o contrato pelo qual uma empresa se tinha obrigado a realizar uma série de programas de televisão para a Rádio Televisão Portuguesa, era de empreitada ou de prestação de serviços.
Nesse acórdão concluiu-se que o contrato de empreitada pode ter por objeto uma obra eminentemente intelectual ou artística.
Daí surgiram duas conceções doutrinárias: uma, encabeçada por Ferrer Correia e Henrique Mesquita, aderindo a um conceito amplo de obra, podendo englobar obras incorpóreas ou intelectuais [[10]]; já Antunes Varela pronunciou-se em sentido contrário, considerando um conceito restrito de obra e excluindo a obra incorpórea ou intelectual do objeto da empreitada [[11]].
Depois disso, a jurisprudência foi-se consolidando pelo conceito restrito de obra. Assim:
Acórdão de 14/02/1995, processo nº 086185
I - O contrato para elaboração de estudos e projectos de arquitectura é, não um contrato de natureza material, mas sim um contrato de prestação de serviços, com prestações típicas resultantes de um trabalho intelectual e não de uma obra de carácter material.
Acórdão de 11/07/2006, processo nº 06A1434
1) O regime jurídico da empreitada prende-se com a realização de obras materiais.
A realização de uma obra intelectual (literária, artística ou cientifica) não pode gerar um contrato de empreitada só pelo facto de envolver, como prestação acessória, ou secundária, a entrega de coisa material que lhe sirva de suporte.
2) A obra intelectual é coisa incorpórea distinta do seu suporte material, sendo diversos os direitos que sobre eles incidem.
3) O contrato de edição supõe uma criação intelectual não pré ordenada pelo editor, que a publica, autorizado pelo criador que transmite, ou não, o direito de autor.
4) Encomenda é o contrato em que alguém se obriga a produzir uma obra literária, científica ou artística, para outra pessoa, fora do âmbito de um contrato de trabalho ou do cumprimento de um dever funcional, com ou sem remuneração, presumindo-se ser o criador intelectual.
5) Ao contrato de encomenda aplicam-se as regras do contrato de prestação de serviço e subsidiariamente as do mandato.
Acórdão de 24/04/2012, processo nº 683/1997.L1.S1
I - Configura um contrato de arquitectura, o acordo celebrado entre autor e ré, em que a prestação essencial se traduz no resultado ou produto de um trabalho intelectual, no caso, na elaboração de estudo prévio, projecto base e projectos de arquitectura, além da assistência técnica à respectiva execução, com vista à reabilitação de zona monumentalizada e classificada como Monumento Nacional, obrigando-se o autor à realização de uma obra intelectual e artística, embora condicionada a critérios previamente definidos, materializada num conjunto de peças desenhadas, que, em si mesmas, são coisas corpóreas.
II - Trata-se de um contrato de prestação de serviços (art. 1154.º do CC), embora atípico, abrangido pelo princípio da liberdade contratual (art. 405.º do CC), que apresenta, conforme os casos, maior ou menor afinidade com o contrato de empreitada ou com o contrato de mandato, daí que a sua atipicidade determinará a aplicação das regras contidas nas suas próprias cláusulas e as normas gerais dos contratos, admitindo, ainda, a aplicação das regras do mandato devidamente adaptadas, se disso for caso, e, na medida do possível e sempre que a semelhança das situações o justifique, as regras da empreitada, designadamente, em sede de cumprimento defeituoso, por inobservância de regras procedimentais de ordem meramente técnica.
Acórdão de 14/12/2016, processo nº 492/10.0TBPTL.G2.S1
I. O contrato de empreitada, segundo a noção dada no artigo 1207.º do CC, fruto da solução legislativa adotada nesse âmbito, tem como traço característico a realização de certa obra corpórea e material, estando o respetivo regime legal modelado, nos seus diversos segmentos, em torno dessa característica.
II. Nessa medida, aquele regime revela-se, em regra, inadequado a reger os contratos de prestação de serviço atípicos que tenham por objeto um resultado consistente na realização de obra incorpórea e imaterial, em relação aos quais será, subsidiariamente, aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do contrato de mandato, nos termos do artigo 1156.º do CC.
III. Tal não obsta, porém, a que, em sede dessas adaptações, se possa aplicar disposições do regime do contrato de empreitada mais conformes, quando as do contrato de mandato se mostrem inadequadas ao caso.
IV. Nessas adaptações, por via analógica, afigura-se mais segura uma metodologia de ponderação casuística que permita aferir a melhor adequação de determinado segmento normativo do regime típico da empreitada à natureza concreta da obra incorpórea e imaterial que estiver em causa.
Acórdão de 18/01/2022, processo nº 3495/19.5T8PRT.P1.S1
I. Configura um contrato de prestação de serviços atípico o contrato celebrado pelas partes, em que a prestação essencial de uma delas se traduz no resultado de um trabalho intelectual, no caso, na gestão, coordenação e fiscalização da construção de uma moradia da outra.
II. Tal contrato apresenta afinidades com o contrato de empreitada e com o contrato de mandato, pelo que a sua atipicidade determina a aplicação das regras contidas nas suas próprias cláusulas e nas normas gerais dos contratos, bem como das regras do mandato devidamente adaptadas, se for caso disso, e, na medida do possível, sempre que a semelhança das situações o justifique, as regras da empreitada.
III. Em sede dessas adaptações, quando se mostrem inadequadas ao caso as disposições do contrato de mandato, nada obsta a que se possa, casuisticamente, lançar mão de disposições mais conformes do próprio contrato de empreitada.
Acórdão de 11/05/2022, processo nº 74181/17.8YIPRT.P1.S1
I. O contrato pelo qual, mediante retribuição, uma das partes se vincula perante a outra a elaborar projectos, envolvendo arquitectura, engenharia e outras especialidades conexionadas com a construção de edifícios ou outras obras, podendo designar-se como “contrato de arquitecto”, é um contrato de prestação de serviço inominado.
II. A tal contrato podem ser aplicadas, com as necessárias adaptações, as normas das disciplinas típicas dos contratos de mandato ou de empreitada que se mostrem adequadas ao desenvolvimento da relação negocial.
Em termos doutrinais, os autores também aderem maioritariamente à corrente da noção de obra em sentido restrito, considerando que ficam excluídas da empreitada as coisas incorpóreas, de cariz intelectual ou criações de espírito. [[12]]
E considera-se também que quando a obra é de cariz intelectual, estamos perante contratos de prestação de serviços atípicos, sendo-lhes aplicáveis as regras do regime do mandato (art.º 1156º CC) sem prejuízo da proteção conferida pelo Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC) no tocante à titularidade da obra encomendada.
Não se esqueça, porém, que o processo criativo em si não se encontra protegido pelo CDADC; para tal fim, as criações intelectuais necessitam de estar “por qualquer modo exteriorizadas” (art.º 1º nº 1 e 2 do CDADC). Sobre o tema pode ver-se o acórdão do STJ de 05/07/2012, processo nº 855/07.8TVPRT.P1.S1.

Atentando nos preceitos legais, resulta expressamente do art.º 1155º do CC que a empreitada é uma modalidade do contrato de prestação de serviços. Ou seja, a empreitada também constitui prestação de serviços.
O que os distingue então?
O contrato de prestação de serviços é definido como “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição” (art.º 1154º CC).
Já a empreitada é definida como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço” (art.º 1207º CC).
Temos, portanto, dum lado a obrigação de apresentar um certo resultado e, por outro, uma certa obra. Sendo ainda que o resultado da prestação de serviços pode resultar de “trabalho intelectual ou manual”, enquanto que a empreitada não distingue qual o tipo de labor que conduz à “obra”.
Carlos Ferreira de Almeida [[13]] defende que a obra, para efeitos de empreitada terá de reunir cumulativamente três requisitos:
. materializar-se numa coisa concreta suscetível de entrega e de aceitação;
· o resultado terá de ser específico e discreto, no sentido de separado do processo produtivo;
· o resultado terá de ser concebido em conformidade com um projeto (encomenda, caderno de encargos ou plano…) entregue ou aprovado pelo beneficiário.
Essa materialização da obra incorpórea num qualquer corpus mechanicum constitui a essência da noção de obra para efeitos de empreitada. [[14]]
E isto mesmo para aqueles que defendem a noção ampla do conceito de obra, como é o caso de Ferrer Correia e Henrique Mesquita, ao aludir à necessidade de que a obra seja “de algum modo corporizada e existente separadamente por si mesma” [[15]]


§ 3º - O caso em concreto
É entendimento consensual que a qualificação, o nomem iuris, que as partes dão aos contratos não vinculam o tribunal.
Porém, «A estipulação do tipo constitui um poderoso elemento de interpretação revelador de uma vontade contratual firme e ponderada de adopção do modelo regulativo do tipo estipulado. Esta opção não pode ser afastada com ligeireza.
A qualificação e a interpretação são fenómenos intimamente conexos embora distintos. Se a qualificação de um contrato como de certo tipo tem influência na sua interpretação, máxime nas questões duvidosas e na interpretação complementadora, não é possível qualificar sem previamente interpretar. Sem interpretação o contrato é ininteligível. A importância fundamental que a vontade contratual tem na interpretação comunica-se assim à qualificação.» [[16]]
«O que decisivamente releva para a qualificação do contrato é a forma como, na prática, o mesmo foi executado e não o nome que as partes lhe atribuíram, quando este tenha sido reduzido a escrito, mas essa denominação não pode ser absolutamente desconsiderada, no geral, devendo mesmo, em certos casos, ser-lhe atribuída uma especial relevância.» [[17]]
No contrato assinado por ambas as partes ficou consignado tratar-se de “um contrato de prestação de serviços na área de Formação Profissional”, obrigando-se a Autora “a ministrar ação de formação de .... Academy, de acordo com os referenciais definidos no plano de formação da Ré durante o ano civil de 2018”; os serviços seriam prestados nas instalações da Ré, ou onde esta designasse, comprometendo-se a Autora a organizar o processo técnico-pedagógico que terá de estar sempre atualizado e disponível no local onde normalmente decorrer a ação de formação”.
Nos termos iniciais (contrato firmado em 04/01/2018), o contrato visou 325 horas, com um valor hora de 37 euros + IVA, incluindo “Preparação, Organização e Monitoria”. O plano de formação (anexo ao contrato) poderia ser alterado, mas “não poderão ser introduzidas alterações ao número de horas contratualizadas”.
Em 01/07/2018 foi subscrito outro “contrato”, exatamente com os mesmos termos, divergindo apenas o plano/cronograma anexo, de “curso .... Academy N1” para “curso .... Academy N2”.
E o mesmo se diga no escrito assinado em 01/01/2019, em que se referia a obrigação da Autora “a ministrar ação de formação de ... (…) durante o ano civil de 2019”, mantendo-se todo o restante clausulado.
Dos anexos aos “contratos” verifica-se:
· no cronograma 1 — o curso abrangeria os meses de janeiro a junho de 2018, 6,5 horas diárias, entre 8 e 10 dias por mês;
· no cronograma 2 — o curso abrangeria os meses de julho a dezembro de 2018, entre 3 e 9 dias por mês;
· no cronograma 3 — o curso abrangeria os meses de janeiro a junho de 2019, entre 8 e 9 dias por mês.
Resulta ainda dos factos provados, que a Ré pretendia dar formação aos seus trabalhadores dependentes para o exercício de futuros cargos de liderança. Para o efeito solicitou à Autora “a prestação de serviços”, sendo que a Autora se dedica à atividade de consultoria, coaching, training individual e de equipas, programação neuro linguística, formação com intuito de desenvolver competências pessoais e de gestão, formação, treino e desenvolvimento pessoal, e psicologia clínica (factos provados 1 e 2).
Foi então foi acordada a criação de uma ação de formação denominada “.... Academy”, que seria frequentada pelos trabalhadores da Ré, a implementar, previsivelmente, por um período de quatro anos (facto provado 3).
No âmbito desse projeto “.... Academy”, caberia à Autora, na pessoa da sua legal representante, CC, definir os critérios de seleção dos colaboradores da Ré, análise de perfis, organização e preleção de aulas, criação de manual de funcionamento, agendamento e participação em reuniões. Tudo isso em conjugação e colaboração com os funcionários da Ré que integravam o “Conselho Pedagógico” e o “Conselho Técnico Científico”. Também foram prestados serviços na área da psicologia, consultoria na área comportamental, “coaching” e formação (factos provados 5 e 6).
Para o efeito, a Ré criou um gabinete de uso exclusivo às intervenções da “.... Academy” (B1B), com material, mobiliário, decoração, diversos livros e outras existências onde CC sediava como seu local de trabalho, quando se encontrava nas instalações, ali recebendo os alunos e todos aqueles que de alguma forma intervieram na .... Academy (facto provado 8).
Foi também criado um logotipo para a .... Academy pelo Departamento de Comunicação e Marketing da Ré, que desenvolveu também outras formas de comunicação e divulgação dirigidas a todos os colaboradores do Porto ..., anunciando eventos e outros desenvolvimentos da L.A., entre outros, passando vídeos promocionais e de divulgação das várias etapas e de testemunhos dos intervenientes, emitidas nas televisões das áreas sociais da Ré (facto provado 9).
Para a auxiliar em todo o trabalho administrativo, agendamento e documentação, a Autora dispunha, sem caráter de exclusividade, da disponibilidade duma trabalhadora da Ré, com a categoria de administrativa (facto provado 10).
O próprio Diretor Geral do Porto ... da Ré, aquando do arranque da Academia de Liderança, nos inícios de Março de 2017, enviou comunicado ao universo dos colaboradores do Porto ..., mais de 500 trabalhadores, cujo conteúdo partilhou com a Autora, com o seguinte teor (facto provado 14):
Titulo: .... Academy: a construção do futuro
Lead: A Academia de desenvolvimento e potenciação de talentos no Porto ... está a chegar. Vem fazer parte!
Identificar, cultivar, desenvolver e potenciar o talento de quem quer marcar a diferença é o objectivo primordial deste novo projecto a ser lançado em Abril de 2017.
O talento aparece-nos sob muitas formas necessitando de ser trabalhado no sentido de ir de encontro aos desenvolvimentos futuros da organização, promovendo a cultura empresarial enquanto exercício do negócio Porto ... e serviço ao cliente, focando os pilares-base da nossa identidade: Paixão, Compromisso e Confiança.
Na Academia será ministrado um curso de quatro níveis. Este curso, com uma saída certificada ao segundo nível e dois de progressão adicional a quem aplicável, pretende dotar os alunos de ferramentas necessárias para fomentar as competências de liderança, apostando no desenvolvimento de talento em gestão de pessoas e negócio, com ênfase nas habilidades psicossociais dos alunos, mas não descurando refinamentos técnicos complementares, versando metodologias e técnicas de última geração.
O corpo docente, misto, interno e externo, lecionará:
1º nível - “Self-Management”
2º nível - “Liderança e Negócio”
3º nível - “Gestão para Alto Desempenho”
4º nível - “Liderança Transformacional”.
Cada nível é constituído por um conjunto de disciplinas, sujeitas a avaliação escrita e prática.
A Academia apresenta uma metodologia rigorosa, que visa certificar-se da aquisição dos conhecimentos dos alunos através de exames escritos, trabalhos práticos, e a aplicação no local de trabalho.
Esta iniciativa dirige-se a todos aqueles que tenham muita vontade de desenvolver técnicas e conhecimentos nas áreas indicadas, motivação na arte de liderar, gosto por pessoas e por atingir objectivos desafiantes… cujo perfil psicossocial assente em traços relacionados com capacidade comunicativa, gestão de pessoas e processos, capacidade de incentivo e gosto pelo trabalho em equipa.
O acesso à Academia está sujeito a uma triagem baseada em pré-requisitos desde a idade ao tipo de vínculo contratual, entre outros, passando por um processo de análise e triagem, que culminará com a realização de entrevistas e consequente escolha dos candidatos. Estas fases levarão sensivelmente mês e meio a serem realizadas e concluídas.
As inscrições abrirão dia 31 de Março, estando o formulário para candidatura disponível no gabinete da assistente da Direcção a partir dessa data, onde deverá ser entregue após preenchimento.
De acordo com os critérios previamente definidos, foram selecionados 10 candidatos, que frequentavam as aulas da “.... Academy” no horário de serviço, com dispensa do mesmo (factos provados 12 e 13).
Já por parte da Autora, com vista à preparação e realização da ação de formação criou, em conjugação e colaboração com os funcionários da Ré que integravam o “Conselho Pedagógico” e o “Conselho Técnico Cientifico”, os seguintes suportes documentais: um “manual de funcionamento da .... Academy, uma brochura “here we build the leaders of the future” (onde se consignava a missão “potenciar e desenvolver colaboradores para um nível de gestão de excelência”, o programa prevendo 4 níveis, estágios processo de avaliação e coaching, como se desenvolveria o acompanhamento e monitorização com professores e tutores, a apresentação dos trabalhos, a metodologia da avaliação, horários, identificação de professores, etc.), bem como um cronograma para o período de outubro/2018 a Dezembro/2019 (facto provado 11)
Face a toda esta factualidade estamos em crer que a melhor qualificação para o contrato é, efetivamente, o de prestação de serviços.
Na verdade, resulta inquestionável para nós que a pretensão da Ré era a de proporcionar formação aos seus trabalhadores (a denominada .... Academy não visava quaisquer outros) por forma a fornecer-lhes competências profissionais que os elevasse a um “nível de gestão de excelência”. [[18]]
Daí resultando não poder concordar-se com a Apelante quando refere (conclusão L) que o programa estabelecido foi “um meio que ela própria inventou e criou”, nem que “a apelante identificou problemas de liderança quer de equipas quer de projetos” (conclusão E).
A identificação de problemas de liderança e a conceção de programas para correção do problema estão mais do que escalpelizadas como se extrai do referido na nota 18.
E, quanto às “nuances de transferência de direitos de autor e obras criadas” (conclusão N), para além de não constituir causa de pedir, há que assinalar que em ponto algum da matéria alegada na PI, a Autora deu nota ou demonstrou que os manuais e outros documentos utilizados na formação fossem obra original, elemento fundamental para a sua subsunção ao CDADC.
Por seu turno, a Autora obrigou-se a esse resultado (cifrado, como objetivo principal, em melhorar as competências dos funcionários da Ré).
É claro que para concretizar tal resultado desenvolveu uma atividade, fez uso dos seus conhecimentos técnicos, um “trabalho intelectual”, não só nas aulas de formação que ministrava aos funcionários, mas também na elaboração do manual, dos cronogramas e dos níveis de formação/matérias a ministrar.
Esses elementos corpóreos (manuais, cronogramas, brochuras, quiçá textos escritos sobre a matéria dada nas aulas) fazem parte normal dos milhares de “ações de formação” que decorrem no país, não integrando autonomia suficiente para alcançar o estatuto de corpus mechanicum. Não se pode confundir a obra produzida com o respetivo suporte material.
O objeto primordial do acordo entre as partes era que a Autora conseguisse transmitir aos funcionários da Ré os seus conhecimentos técnico-científicos, assim elevando as suas competências profissionais, e não a realização do suporte físico desses conhecimentos técnico-científicos (a dita obra física, os suportes documentais).
Existiram outros objetivos que, não obstante, se revelam como secundários ou coadjuvantes para atingir o objetivo principal. Pensamos na prestação de serviços na área da psicologia, consultoria na área comportamental e “coaching” [[19]], todos eles coadjuvantes à prossecução do objetivo principal, funcionários com um “nível de gestão de excelência”. E todos eles comportando um trabalho intelectual.
Era essa de atividade intelectual que constituía obrigação da Autora.
Por outro lado, milita ainda em favor desta nossa posição o facto de a retribuição da Autora ter sido determinada segundo o tempo despendido (as horas de formação), enquanto que, por norma, na empreitada o fator tempo não releva para a formação do preço.
Acresce que, tal como acontece com os médicos ou psicólogos [[20]] (que a jurisprudência qualifica como prestação de serviços), a obrigação da Autora era de qualificar como obrigação de meios.
A Autora não garantiu o resultado de transformar todos os funcionários da Ré em “profissionais de excelência”, nem o poderia, nem do contrato consta que a Ré tenha exigido tal garantia. A Autora ficou apenas adstrita a usar o seu melhor saber e labor técnico-científico para melhorar as competências dos trabalhadores.
Significando, também, que o risco de os funcionários não conseguirem o “patamar” pretendido correu sempre por conta da Ré.
Já na empreitada temos uma obrigação de resultado, o empreiteiro fica adstrito ao resultado de entregar a obra feita.


7.3.2. Da “dispensa” da Autora e indemnização pretendida
Toda a pretensão da Autora se estribou na qualificação do contrato como empreitada. Aqui, optamos pela qualificação de prestação de serviços e, como se sabe, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º nº 3 do CPC). [[21]]
Importa, pois, averiguar se face aos factos provados assiste à Autora a indemnização pretendida.
Ao contrato de prestação de serviços atípico são de aplicar as regras do mandato (art.º 1156º do CPC).
A denúncia é uma das formas de cessação dum contrato típica dos contratos de duração indeterminada, designadamente da prestação de serviços.
A denúncia é livre, no sentido de dependente apenas da vontade de quem emite a declaração, sem precisar de invocar qualquer justificação perante a contraparte, e só opera para futuro.
Como única condicionante, impõe-se-lhe apenas que respeite o período do chamado aviso prévio.: art.º 1170º nº 1 do CC.
«Por via de regra, a denúncia é de exercício discricionário, não sendo necessário invocar qualquer motivo. (…)
Tendo o vínculo um prazo de duração limitado, renovável automaticamente, qualquer das partes pode inviabilizar a renovação por um novo período, recorrendo à denúncia.» [[22]]
«Consiste a denúncia na comunicação de vontade de uma das partes, feita à contraparte, manifestando a intenção de fazer cessar o vínculo contratual; é, via de regra, de exercício discricionário, em que não é necessário invocar qualquer motivo; em sentido técnico, corresponde ao meio de livre desvinculação em relações contratuais de duração indeterminada (não podendo as partes ficar vinculadas ao cumprimento de um contrato por um período indefinido, faculta-se-lhes a possibilidade de se desvincularem, denunciando o contrato); num segundo sentido, corresponde a uma declaração negocial por via da qual uma das partes, por meio de uma declaração negocial, obsta à renovação automática.» [[23]]
Resulta dos factos provados que o contrato entre as partes se iniciou em 04/01/2018 e iria ter uma duração previsível de quatro anos. Que se tratava de previsibilidade, e não de contrato com termo certo, é também de considerar que o mesmo se ia “renovando” por períodos de 6 meses, pois tal resulta das outras 2 “adendas” assinadas, uma em 01/07/2018 e outra em 01/01/2019. Neste último estavam calendarizadas as atividades de formação de janeiro a junho de 2019.
Sabe-se que as partes nunca preveniram qual o prazo de aviso prévio. Mas era previsível uma duração de 4 anos e a calendarização das ações de formação foi-se efetuando por períodos de 6 meses.
No dia 12/07/2019, a Ré comunicou à Autora que estava dispensada de prestar serviços para a ré, com efeitos imediatos, e que não deveria mais comparecer na empresa para tal fim ou outro, referindo ainda que oportunamente seria acertada a entrega dos seus materiais de trabalho, não tendo sido autorizada, posteriormente, a entrada da legal representante da autora nas instalações.
A lei também não indica qual o prazo de aviso prévio, à exceção de aludir a uma “antecedência conveniente” como fundamento para a indemnização: art.º 1172º al. c) e d) do CC.
A autonomização da indemnização pela omissão do cumprimento do pré-aviso resulta da liberdade da denúncia; sendo livre a denúncia não se justificaria uma indemnização, a qual tem sempre subjacente uma ilicitude da conduta. Contudo, tem-se em conta que as ruturas bruscas duma relação comercial provocam sempre prejuízos à contraparte. E é essa constatação, além da boa fé contratual, que impõe que a omissão da formalidade do pré-aviso implique indemnização autónoma.
Como se refere no acórdão do STJ de 10/10/2013, processo nº 4094/07.0TVLSB.L1.S1: «1. A execução, de forma continuada, ao longo de vários meses, da mesma disciplina contratual, originariamente acordada, sem qualquer objecção das partes – que persistem exactamente na execução material das mesmas situações jurídicas – pode e deve, segundo um critério prático, ser tomada como comportamento concludente no sentido de ter ocorrido renovação ou repristinação da relação contratual originariamente existente, abrangendo o termo fixado no contrato inicialmente celebrado por escrito.
2. Tal reiteração continuada no cumprimento da disciplina contratual – desde logo, à luz do princípio da boa fé, que implicava para a parte interessada na precarização do contrato (originariamente assumido como sujeito a um prazo de duração anual) o dever acessório ou lateral de advertir a contraparte de que o prolongamento factual da execução do contrato não implicava a sujeição do mesmo ao referido prazo anual, sendo antes possível a denúncia discricionária do contrato a todo o tempo, de modo a evitar que se sedimentasse no outra parte a confiança na estabilidade da relação contratual que permanecia em execução – deve ser razoavelmente interpretada como envolvendo uma renovação ou repristinação tácita do contrato, prescindindo os interessados da forma convencional que inicialmente haviam estipulado para o possível acordo de renovação.»
A doutrina e a jurisprudência têm considerado que a “antecedência conveniente” será um período de 2 meses, tempo que será adequado para que o prestador de serviços organize a sua vida. [[24]]
Assim, atribui-se à Autora uma indemnização equivalente a 2 meses.
Ora, já acima se viu (e resulta dos contratos) que em média a formação seria de 6,5 horas diárias, 8 dias por mês, a € 37.00/hora.
Assim, cada mês equivale a € 1.924,00 (= € 37,00 x 6,5 h x 8 dias), importando os 2 meses em € 3.848,00.
E, porque estamos num cálculo indemnizatório, e não em sede de pagamento de serviços, não há que ter em conta o IVA relativo ao valor/hora.
Também se desatende ao valor peticionado de € 5.500,00 (como compensação/indemnização correspondente a 150 horas de trabalho de preparação fora das instalações da Ré), pelas razões atrás expostas. Ou seja, a Autora foi contratada para efetuar determinada formação, a qual naturalmente implicaria a preparação antes de ministrar a formação aos trabalhadores. Quer a Autora tenha elaborado textos/documentos/dossiers para apoio e suporte da formação, tal não implicava que essas horas fossem contabilizadas como tal.
O mesmo se diga quanto à quantia pedida de € 14.425,00 (€ 8.875,00 correspondentes a honorários mensais de 2 mil euros desde julho a dezembro de 2019o proveito que retiraria do contrato até final de 2019, deduzidos de € 960,00 com encargos com deslocações, e de € 2.164,50 + IVA valor já recebido).
Tais montantes só poderiam encontrar acolhimento no regime indemnizatório duma empreitada, que já concluímos não ser o caso.



8. SUMARIANDO (art.º 663º nº 7 do CPC)
………………………………………………………………
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III. DECISÃO

9. Pelo exposto, acorda-se nesta secção da Relação do Porto em revogar a sentença, condenando-se agora a Ré a pagar à Autora uma indemnização de €3.848,00 (três mil oitocentos e quarenta e oito euros), acrescida de juros de mora à taxa legal comercial, devidos desde a citação e até integral e efetivo pagamento.
Custas a cargo de Autora e Ré, na proporção do decaimento.








Porto, 07 de novembro de 2024
Relatora: Isabel Silva
1ª Adjunto: João Venade
2º Adjunto: Paulo Duarte Teixeira

_____________________________
[[1]] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 13/09/2022, processo n.º 773/19.7T8CBR.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt//, sítio a ter em conta nos demais arestos que vierem a ser citados sem outra menção de origem. No mesmo sentido, e do mesmo STJ, acórdão de 10/12/2020, processo nº 709/12.6TVLSB.L1.S1.
[[2]] Acórdão do STJ, de 03/02/2010, processo nº 1148/06.3TTPRT.S1.
[[3]] Os factos instrumentais são os que resultam da instrução da causa, são trazidos ao processo por via dos meios de prova apresentados e das presunções judiciais. Já a sua aceitação oficiosa pelo juiz, em anteriores versões do CPC, era preconizada por Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 412 a 417.
«A sua função é, antes, a de permitir atingir a prova dos factos principais. (…) através deles [dos meios de prova], chega-se à realidade do facto principal por dedução, também por forma mais ou menos directa, da realidade de outros factos, de acordo com as regras da experiência humana que têm na sua base uma convenção social ou uma lei natural. Os factos que servem de base a essa dedução dizem-se factos probatórios e aqueles que jurídica ou naturalmente permitem ou vedam ao juiz tirar da realidade dos factos probatórios a conclusão acerca da realidade dos factos principais, ou aumentam ou diminuem a probabilidade dessa conclusão, dizem-se factos acessórios. Uns e outros constituem a categoria dos factos instrumentais.».  — José Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil, Conceito e princípios gerais à luz do novo código”, 3ª edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 172/173.
Já os factos complementadores/concretizadores a que alude a alínea b) do nº 2 do art.º 5º CPC são, também eles, factos essenciais, pertencem à fattispecie da previsão normativa que constitui a causa de pedir ou a exceção.  — José Lebre de Freitas, “Introdução …”, pág. 166, bem como Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina, pág. 252.
[[4]] Repare-se que a Ré admite reuniões com “responsáveis da Ré” (artigo 8 da contestação), sem os identificar, mas não deixando de alegar que o interlocutor invocado pela Autora não tinha poderes de vinculação (artigos 55 e seguintes da contestação), o que imporia a prova de factos tendentes a demonstrar o eventual excesso/abuso de poderes de representação.
[[5]] Não podemos deixar de assinalar que, neste ponto, como em vários outros, nas conclusões não se indicam quais os concretos meios de prova em que se alicerça a pretendida alteração, assim se incumprindo o ónus do art.º 640º nº 1 al. a) do CPC. Em espírito de colaboração, servimo-nos do que consta do corpo das alegações.
[[6]] Acórdão do STJ de 14/10/2021, processo 3116/16.8T8CSC.L2.S1.
No mesmo sentido, e do mesmo STJ, acórdão de 21/06/2022, processo 644/20.4T8LRA.C1.S1: «II - No entanto, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo e integral julgamento de facto. Desde logo, porque a possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art. 640 nº 2 CPC (ónus de especificação).
III - O ónus de especificação, imposto no art. 640 nº 1 a), b) e c) e nº 2 a) CPC, visa afastar a possibilidade de uma impugnação generalizada, e os concretos pontos de facto impugnados devem ser feitos nas respectivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão. Já quanto à especificação dos meios probatórios, a lei não impõe que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação, mas em todo o caso exige-se a obrigatoriedade de cerzir cada facto censurado com os elementos probatórios correspondentes.»
[[7]] Manuel de Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Coimbra, 1983, pág. 313, nota (1).
[[8]] Na definição de Manuel de Andrade, obra citada, pág. 309: «Trata-se daquele sentido com que a declaração seria interpretada por um declaratário razoável, colocado na posição concreta do declaratário efectivo. Toma-se portanto este declaratário, nas condições reais em que ele se encontrava, e finge-se depois ser ele uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, quer no tocante à pesquisa das circunstâncias atendíveis, quer relativamente ao critério a utilizar na apreciação dessas circunstâncias.».
[[9]] Acórdão do STJ de 03/11/1983, processo nº 070604, e, de forma integral, no Boletim Ministério Justiça, nº 331, 1983, pág. 489.
[[10]] O comentário pode ser consultado em https://portal.oa.pt/upl/%7B2182be5b-7276-427b-9fa2-46f3cd64c2de%7D.pdf
[[11]] O comentário pode ser consultado em https://portal.oa.pt/upl/%7B90faae25-4cd2-4dee-ae4c-002bc6bec549%7D.pdf
No mesmo sentido se pronunciou João Calvão da Silva - https://www.oa.pt/upl/%7B9b22aa4a-ba9a-4db4-ada4-00850099c5e4%7D.pdf, Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Vol. III, 6ª edição, Almedina, 2008, pág. 513-514, Baptista Machado, “Anotação a STJ 08/11/1983”, in RLJ, ano 118, pág. 278 e ss.
[[12]] Antunes Varela, João Calvão da Silva, Menezes Leitão, nas obras e locais citados. Para além deles, Vaz Serra, “Empreitada”, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 145 (1965), pág. 19 e seguintes, Maria Olinda Garcia e Sandra Passinhas, “Casos Práticos – Contratos Civis”, Almedina, 2011, pág. 169 a 196 e João Cura Mariano, “Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra”, 4ª edição, Almedina, pág. 48-51.
[[13]] In “Contratos”, II, 3ª edição, Almedina, 2012, pág. 152.
[[14]] Explicitando o conceito, referem Ferrer Correia e Henrique Mesquita, obra citada, pág. 144: «São, sem dúvida, coisas distintas, mas mal se concebe (se porventura se concebe) que alguém se obrigue a produzir determinada obra intelectual, sem ao mesmo tempo se obrigar a incorporar ou verter essa criação num qualquer suporte material adequado (as folhas de um livro, uma tela, uma pauta, um bloco de mármore, uma pelicula cinematográfica, etc.) — o corpus mechanicum de que falava Carnelutti, “a obra de engenho é uma ideia ou um pensamento formulado e emitido em um quid exterior, que o recebe e o contém (corpus mechanicum)”.
[[15]] Obra referida, citando Larenz, pág. 137.
[[16]] Pedro Pais de Vasconcelos, “Contratos Atípicos”, Almedina, Coleção Teses, pág. 131-132.
[[17]] Acórdão do STJ de 03/02/2010, processo nº 1148/06.3TTPRT.S1.
[[18]] Também no setor da administração pública essa é uma preocupação, como o demonstra a Portaria n.º 103/2023, de 12 de abril, que define e regulamenta os cursos adequados à formação profissional específica e atualização de dirigentes e à formação de trabalhadores para o futuro exercício de funções dirigentes ou de liderança de equipas na Administração Pública.
No setor público, o equivalente a uma Leadership Academy é o denominado “Centro de desenvolvimento de Liderança”, como se pode ver in https://www.ina.pt/index.php/agenda/2115-liderar-em-contexto-publico-12-de-julho#:~:text=O%20Centro%20de%20Desenvolvimento%20de%20Lideran%C3%A7a%20%C3%A9%20um,e%20cont%C3%ADnua%20obrigat%C3%B3ria%2C%20bem%20como%20preparar%20os%20futuros, onde se pode pesquisar os diversos cursos e a oferta formativa, valências, competências, etc.
Veja-se, ainda, “Formação de líderes: como despertar o potencial”, in https://gptw.com.br/conteudo/artigos/formacao-de-lideres/
E tantos outros que são pesquisáveis, o que aqui nos dispensamos. Daí resultando não poder concordar-se com a Apelante quando refere (conclusão L) que o programa estabelecido foi “um meio que ela própria inventou e criou.
[[19]] Sobre o tema pode ler-se em “O Papel do Coaching no Desenvolvimento Pessoal e Profissional: perceções de Coaches e Coachees”, tese de mestrado de Catarina Ribeiro Henriques, disponível em https://www.repository.utl.pt/bitstream/10400.5/16522/1/DM-CRH-2018.pdf : «Hicks e McCracken (2011) consideram o coaching como um processo colaborativo com o objetivo de ajudar as pessoas a alterarem as suas perceções e padrões comportamentais, de tal maneira que aumentam a sua eficácia, capacidade de adaptação e aceitação de mudanças, e novos desafios invés de obstáculos. (…)
Para os colaboradores de uma organização, o coaching funciona como um espelho para a autointrospecção. É um meio de desenvolvimento pessoal com impacto sustentável na medida em que, juntamente com outras opções de desenvolvimento como por exemplo o e-learning e centros de desenvolvimento, pode causar mudanças a longo prazo (Kobayashi, 2017). Uma sessão de coaching define-se, habitualmente, um diálogo entre o coachee e o coach, em que este último procura ajudar o primeiro a encontrar soluções para o seu crescimento (Darekar et al., 2016).» (pág. 3).
No mesmo sentido, “Renovação Pessoal: Plano de negócios em consultoria, mentoring e coaching personalizados para autoperformance pessoal e profissional”, de Michelle Naiarah John, in https://bibliotecadigital.ipb.pt/bitstream/10198/25742/1/Michelle%20John.pdf
[[20]] Pese embora todos os livros e documentos em que os estudantes dessas duas áreas do saber vão colher os ensinamentos, pense-se na dificuldade/impossibilidade em materializar o trabalho intelectual quando se atende/diagnostica um paciente em concreto. E a “materialização do trabalho intelectual” constitui o cerne da empreitada, mesmo para os seguidores da tese do conceito amplo de obra. Na empreitada a essência reside na necessidade de incorporação do labor intelectual em algo físico é imprescindível para a verificação de um resultado material.
[[21]] Acórdão do STJ de 01/03/2023, processo nº 2903/20.7T8VLG.P1.S1: «A errada designação que as partes atribuem às figuras jurídicas que pretendem convencionar ou aos direitos contratuais que pretendem exercer não se impõe ao julgador, o qual tem, obviamente, plena liberdade para proceder às qualificações normativas corretas na sua missão de julgar.»
[[22]] Pedro Romano Martinez, “Da Cessação do Contrato”, 2ª edição, Almedina, pág. 59 a 63.
[[23]] Acórdão do STJ de 19/09/2024, processo nº 997/22.0T8VLG.P1.S1.
[[24]] Veja-se Pedro Romano Martinez (com indicação de autores e jurisprudência), obra citada, pág. 522-523. E, ainda, acórdãos do STJ de 07/07/2010, processo n.º 4865/07.7TVLSB.L1.S1, de 02/03/2011, processo n.º 2464/03.1TBALM.L1.S1 e de 16/09/2008, processo n.º 08A1941.