Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
173/20.6GBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOS PRAZERES SILVA
Descritores: CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
CONSUMAÇÃO
BEM JURÍDICO TUTELADO
CARACTERIZAÇÃO
PRESSUPOSTOS
MENORES
VÍTIMA ESPECIALMENTE VULNERÁVEL
COABITAÇÃO
ALTERAÇÃO LEGAL
INEXIGIBILIDADE
Nº do Documento: RP20250319173/20.6GBVNG.P1
Data do Acordão: 03/19/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: REJEITADO O RECURSO INTERPOSTO PELA ASSISTENTE E CONCEDIDO PROVIMENTO AO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO CRIMINAL
Área Temática: .
Sumário: I – No tipo legal de crime de violência doméstica protege-se a pessoa individual e a sua dignidade, uma vez que a “ratio” do tipo não reside na proteção da comunidade familiar ou conjugal, mas antes na proteção da dignidade humana, reconduzindo-se o bem jurídico tutelado à saúde globalmente considerada.
II – A tipicidade do ilícito previsto no artigo 152.º, n.º 1. alínea d) do Código Penal preenche-se, ao nível do elemento objetivo, com a conduta consistente em infligir maus tratos físicos ou psíquicos, dirigida contra pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade ou dependência económica, que com ele coabite, além doutras situações.
III – Atualmente, para a consumação do crime é indiferente a existência de uma única conduta violenta ou a reiteração de condutas agressivas.
IV – Enquadram maus tratos psíquicos comportamentos que envolvem humilhações, provocações, críticas e comentários destrutivos ou vexatórios, ameaças, injúrias, restrições ou privações de liberdade, perseguições, assim como outro tipo de condutas suscetíveis de atingir a integridade psíquica ou colocar em causa o bem-estar psicológico da vítima.
V – Na categoria de pessoa particularmente indefesa insere-se quem, coabitando com o agente, se encontra numa situação de especial fragilidade devido à sua idade precoce ou avançada, deficiência, doença física ou psíquica, gravidez ou dependência económica do agente, ou seja, quem se encontra à mercê do agente e se mostra incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz, isto é, numa condição de desamparada, sendo tal incapacidade motivada, entre outros fatores, pela idade e/ou dependência económica.
VI – No respeitante à componente subjetiva da conduta típica é exigível a atuação dolosa, não constituindo elemento do tipo uma especial intencionalidade, censurabilidade ou perversidade, ou seja, dolo específico.
VII – Mercê de ocorrida alteração legal, a proteção dos menores expostos à violência intrafamiliar encontra atualmente mais ampla previsão e tutela, o que não significa que antes disso a vivência de atos de violência doméstica por menores em contexto familiar, quando eles não fossem imediatamente visados pela ação do agressor, estivesse inteiramente desprotegida e não pudesse ser tutelada, quando verificada coabitação com o agressor e fragilidade da vítima necessárias à subsunção na indicada norma.
VIII – Acresce que, em resultado da nova legislação, ao tipo legal de crime não foram introduzidas alterações que contendam rigorosamente com a caracterização da conduta delituosa em si mesma considerada, ou mais concretamente com a delimitação objetiva dos contornos da atuação típica.
IX – Mas, com a mudança legal operada passou a estar contemplada, de forma expressa e autónoma, a prática de atuações maltratantes contra menor descendente do agente ou de uma das pessoas indicadas naquelas alíneas, com a abrangência alargada aos casos em que o menor não coabita com o agente, alteração que, contudo, não interfere com a parametrização da conduta típica, antes persiste como traço fundamental definidor da mesma infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, nada sendo acrescentado no sentido de caraterizar os atos maltratantes e, mais especificamente, de neles incluir a exposição a situações de violência doméstica diretamente perpetradas entre ou contra os progenitores.
X – Somente as normas legais definidoras do conceito de vítimas de violência doméstica, que como tal extravasam o tipo legal de crime e não delimitam os respetivos elementos constitutivos, passaram a expressar que nele estão incluídas as crianças ou os jovens até aos 18 anos que sofreram maus tratos relacionados com exposição a contextos de violência doméstica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 173/20.6GBVNG.P1

Relatora: Maria dos Prazeres Silva

1.ª Adjunta: Fernanda Sintra Amaral

2.º Adjunto: William Themudo Gilman

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO

1. Nos presentes autos de processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, foi prolatado Acórdão em 19-09-2024 (Referência: 463510343) com dispositivo seguinte:

a) Absolvem o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado (na pessoa da ofendida menor BB), p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, al. d) e nº 2, al. a) do Código Penal, de que vinha acusado;

b) Absolvem o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado (na pessoa do ofendido menor CC), p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, al. d) e nº 2, al. a) do Código Penal, de que vinha acusado;

c) Condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado (na pessoa da assistente DD), p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, als. b) e c) e nº 2, al. a) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada à observância da regra de conduta consistente na obrigação de o arguido frequentar programas específicos de prevenção de violência doméstica, mediante o apoio e fiscalização dos Serviços de Reinserção Social;

d) (Por convolação de um crime de violência agravado, na pessoa do ofendido menor CC, de que vinha acusado), condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples (na pessoa do ofendido menor CC), p. e p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz € 720,00 (setecentos e vinte euros);

e) (Por convolação de um crime de violência agravado, na pessoa do ofendido menor CC, de que vinha acusado), condenam o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria (na pessoa do ofendido menor CC), p. e p. pelo artigo 181º, nº 1 do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz € 320,00 (trezentos e vinte euros);

f) Em cúmulo jurídico das penas de multa fixadas em d) e e), condenam o arguido AA na pena única de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz € 800,00 (oitocentos euros).

II - Em julgar parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado pela demandante DD, por si em representação dos filhos menores BB e CC, e em consequência condenam o demandado AA a pagar à demandante DD a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) e ao demandante CC a quantia de € 500,00 (quinhentos euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, absolvendo-o quanto ao demais peticionado.


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2. Inconformados com o decidido, o Ministério Público e a assistente DD interpuseram recursos, que remataram com as Conclusões que a seguir se transcrevem.

RECURSO MINISTÉRIO PÚBLICO

1. O presente recurso visa o Acórdão, proferido em 18.09.2024, no processo à margem referenciado que absolveu o arguido AA, da prática em autoria material e em concurso real, de dois crimes de violência doméstica agravados, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, alínea d)e nº 2, alínea a) do Código Penal, em relação aos filhos menores BB e CC, tal como vinha acusado.

2. Na douta sentença aqui recorrida decidiu o Tribunal a quo considerar que os factos dados como provados não integram o aludido tipo legal de crime em relação aos filhos menores, razão pela qual absolveu o arguido.

3. Considerando a totalidade da prova produzida, analisada em conjunto, outra teria que ser a decisão do Tribunal a quo.

4. É desta parte da decisão que se recorre por se entender que a prova constante dos autos e a que foi produzida em audiência, se bem analisada e conjugada entre si, teria de levar à condenação deste arguido, nos precisos termos em que vinha acusado.

5. O presente recurso visa, então, a apreciação pelo Tribunal Superior da existência do vício do erro notório na apreciação da prova.

6. Afigura-se-nos que o douto acórdão, face à matéria de facto dada como provada, não poderia concluir que o arguido, ao atuar da forma como o fez em relação à progenitora dos menores – tal como consta dos factos provados n.ºs 17 a 21, 23 e 24, – não tinha a intenção de ferir e magoar psicologicamente os menores dada a ligação afetiva que os unia à vítima DD e à tenra idade que tinham à data do sucedido, ou, pelo menos, que não tenha admitido esse resultado como necessário ou possível e não tenha aceite a sua ocorrência.

7. Em nosso entender, devem dar-se como provados factos que o Tribunal deu como não provados, no que respeita à alínea h), padecendo a douta decisão de erro na apreciação da prova, que se invoca, nos termos do art. 410, nº 2, al. c) do CPP.

8. Na decisão em recurso não temos dúvidas em afirmar que a conclusão probatória que se impõe da prova produzida é contrária à alcançada pelo tribunal.

9. Ou seja, se bem analisada a prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com as regras da experiência comum, devia dar-se como provado, além dos factos dados como provados, que o arguido agiu, pelo menos, com dolo necessário ou eventual, sabendo que, ao agir daquela forma, violenta contra a mãe dos filhos, no contexto familiar, e na presença destes afetava a saúde psíquica e emocional dos filhos.

10. O elemento subjetivo do tipo de ilícito é composto pelo dolo genérico, nas suas modalidades de dolo direto, necessário ou eventual.

11. No caso em análise, resultou provado que o crime de violência doméstica foi praticado na presença dos filhos menores, e ficaram provados os maus tratos psicológicos provocados nas crianças, existindo, por isso, um crime autónomo de violência doméstica.

12. Na verdade, os menores foram “forçados” a presenciarem factos traumáticos e violentos praticados contra mãe, e que, consequentemente e diretamente os afetou e comprometeu a sua saúde psíquica e emocional.

13. Resulta do teor do Relatório da Perícia Médico Legal de Psicologia, efetuado no INML, em 6/04/2022, respeitante ao menor CC, nascido a ../../2011, junto aos autos, a fls. 225-228, no qual se concluiu que:

“(…). A nível emocional, os dados clínicos sugerem algumas dificuldades na sua capacidade de autorregulação (capacidade de gestão das emoções e construção de respostas adequadas ao contexto), nomeadamente no que diz respeito ao vínculo com o progenitor, que é sentido como inseguro. (…) Por outro lado, destaca-se uma representação negativa do progenitor.

Realçamos que as dinâmicas conflituais entre os progenitores e as alegadas dinâmicas agressivas da parte do progenitor, levam a que a criança tenha de mobilizar um conjunto de recursos emocionais e cognitivos que lhe permitam gerir e lidar de forma adaptativa com uma situação extremamente complexa e exigente do ponto de vista emocional.

Paralelamente, nota-se uma grande necessidade de a criança proteger a mãe, sentida como mais próxima afetivamente e mais frágil, traduzindo numa parentificação do seu comportamento.“

14. Do teor do Relatório de Perícia Médico-legal de Psicologia, efectuado no INML, em 6/04/2022, respeitante à ofendida BB, nascida a ../../2007, junto aos autos a fls. 231-233, 257-259, conclui-se que: «(…).Do ponto de vista emocional e relacional (…), constatou-se a presença de sintomatologia ansiosa associada ao processo judicial em curso.(…). A figura paterna é uma figura ambígua e está associada quer ao sofrimento materno, quer fraterno.

Neste sentido, atendendo à idade e desenvolvimento cognitivo e emocional da menor, considerando-se a história familiar e a percepção da menor relativamente ao progenitor, as visitas ao progenitor são ansiógenas para a examinanda e não estão a permitir a construção adequada de um processo de vinculação. Quando existem situações de violência vivenciadas, existe um marcado impacto negativo provocado pela exposição à violência, pelo que a promoção de interacções afectivas são de maior dificuldade e complexidade.”

15. Em face do teor das perícias psicológicas aos menores, dúvidas não restam que os menores BB e o CC foram também eles vítimas da violência doméstica, praticada pelo progenitor, porque sofreram maus tratos psicológicos, ficando afetados psicologicamente com as situações traumáticas vivenciadas no contexto familiar.

16. Para além da exposição à violência em contexto familiar, o menor CC ainda foi vítima direta de agressão física por parte do arguido, conforme consta da matéria de facto provada, em 2018, na época de Verão, o arguido agrediu o filho CC, desferindo-lhe palmadas nas nádegas, tendo o mesmo ficado de tal modo assustado que se urinou no momento, e ainda apodou o menor de “filho da puta”, tendo, na altura, 7 anos de idade.

17. Resulta das declarações para memória futura prestadas pela menor BB, e citadas na motivação do Acórdão que, desde que tinha 4 ou 5 anos de idade, presenciou por diversas vezes o pai a agredir fisicamente a mãe com empurrões e bofetadas, ficando a mãe com “pisaduras” no corpo.

18. A menor BB relatou, em concreto, um evento a que assistiu em que o ora arguido empurrou a assistente com força tal que esta foi contra uma mesa de vidro da cozinha, partindo-a.

19. A última agressão física que presenciou ocorreu em 2017 ou 2018: nessa ocasião, o arguido agrediu a assistente com empurrões, bofetadas e pontapés, tendo a mãe ficado com “pisaduras” na coxa e nos braços e sendo que os seus vizinhos assistiram à mesma.

20. A exposição à violência, de acordo com diversos estudos científicos e doutrina, consubstancia uma forma de mau trato psicológico, porque aterroriza a criança, cria um clima de medo e oprime, com danos diretos na sua integridade psicológica e emocional.

21. Por todo o exposto, em nosso entender e, sempre salvaguardando o devido respeito que nos merece a douta decisão aqui recorrida, a prova que se produziu em julgamento é suficiente para dar como provado que, para além da factualidade assente e constante na sentença recorrida: «O arguido ao expor os filhos menores à violência física, psíquica e emocional que infligia sobre a mãe e ao destratar verbalmente o filho CC, bem sabia que atentava contra o desenvolvimento e saúde física, psíquica e emocional destes, violando o respetivo direito de confiança de que o mesmo se absteria de tal tipo de condutas.»

22. No caso concreto e como já acima foi enfatizado, resultou provado que alguns dos factos praticados pelo arguido o foram na presença dos filhos menores, presença da qual aquele estava perfeitamente ciente e à qual foi indiferente.

23. Esse facto, em conjugação com o teor dos relatórios periciais realizados aos menores, dúvidas não restam que os menores foram vítimas diretas da conduta do arguido, sofrendo maus tratos psicológicos.

24. A apreciação efetuada pelo tribunal não compreendeu uma correta valoração conjunta de toda a prova, em face da prova produzida, afigura-se-nos terem sido incorretamente julgados os factos dados como não provados, impondo-se a sua correção e a subsequente condenação do arguido.

25. O crime de violência doméstica agravado em relação aos dois menores de idade, filhos do arguido, encontra-se preenchido, nos seus elementos objetivos e subjetivos, devendo o arguido a ser condenado pela sua prática com uma pena de prisão, que se admite, suspensa na sua execução e sujeito a regime de prova.

26. Atenta a factualidade que se deve considerar provada, o arguido incorreu na prática, em autoria material, concurso real e na forma consumada de dois crimes de violência doméstica agravados, p. e p. pelo art. 152.º, n. º1, alínea d) ou e) e nº 2, alínea a) do Código Penal, no que respeita aos filhos menores de idade, pelo que, deverá que ser condenado pela prática de tais ilícitos penais.

27. Foram violados os art. 163º e 374º, nº 2, do Código de Processo Penal e art. 152.º, nº 1, alínea d) ou e) e nº 2, alínea a) do Código Penal.

28. Daí que deva ser alterada a decisão, por V. Ex.ªs, atento o vício invocado, substituindo o Acórdão recorrido por outro que condene o arguido no sentido requerido, relativamente aos dois crimes de violência doméstica agravados, p. e p. pelo art. 152.º, n. º1, alínea d) ou e) e nº 2, alínea a) do Código Penal, no que respeita aos dois filhos menores de idade, BB e CC.

Assim, se fazendo JUSTIÇA!

RECURSO ASSISTENTE

1. O presente recurso visa a parte do Acórdão proferido que absolveu o arguido da prática em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de violência doméstica, na forma agravada, p. e p. pelo art. 152.º, n. º1, alínea d) e nº 2, alínea a) do Código Penal, em relação aos filhos menores BB e CC, de que estava acusado.

2. Apesar de ter sido dado como provado que as graves agressões físicas e verbais perpetradas à Recorrente ocorriam na presença dos menores, o que também é dado como assente na motivação da decisão de facto e de direito, o Tribunal a quo considerou não estarem preenchidos, quanto a eles, os elementos constitutivos do tipo legal do crime de violência doméstica, na forma agravada.

3. Na matéria de facto dada como provada a presença dos menores é expressamente referida no ponto 21, resultando igualmente dos pontos 29, 30 e 31, sendo que neste último ponto se refere que a atuação do Arguido foi sempre no interior da residência comum, referindo a reserva de intimidade proporcionada, colocando em risco o conforto e a segurança dos ofendidos, o que significa que para além da Assistente abrangeu os menores, mas mais claramente decorre da Motivação da decisão de facto e de direito que o Tribunal ficou com a firme convicção de que os actos de violência praticados quanto à Recorrente aconteciam na presença dos menores.

4. Resultou assim provado que o crime de violência doméstica de que a Recorrente foi vítima foi praticado na presença dos filhos menores, tendo ainda ficado provado o sofrimento neles provocado, decorrente dos maus tratos psicológicos (Relatório de Perícia Médico-Legal de Psicologia - pontos 29 e 30), presença da qual aquele estava perfeitamente ciente e à qual foi indiferente, pelo que o Tribunal a quo deveria ter considerado a prática de um crime autónomo de violência doméstica em relação a cada um deles.

5. Da prova dada como assente, conjugada com as regras da experiência comum, devia dar-se como provado que o arguido agiu pelo menos com dolo eventual ou necessário, sabendo que ao agir daquela forma violenta contra a mãe dos filhos e na presença destes, atentava contra o desenvolvimento e saúde física, psíquica e emocional deles, violando o respectivo direito de confiança de que o mesmo se absteria de tal tipo de condutas, o que bem sabia.

6. Tendo em conta a presença dos menores e a sua exposição à violência, o Tribunal deveria dar como provada a matéria da al. h) e da al. l), com a seguinte redacção:

h) Ao expor os filhos menores à violência física psíquica e emocional que infligia sobre a mãe e ao destratar verbalmente o filho CC, o arguido bem sabia que atentava contra o desenvolvimento e saúde física, psíquica e emocional destes, violando o respetivo direito de confiança de que o mesmo se absteria de tal tipo de condutas.

l) Com o seu comportamento, o arguido comprometeu seriamente o desenvolvimento saudável dos menores, designadamente a nível emocional.

7. O Tribunal deu como provada toda a factualidade integradora de violência do Arguido para com a Assistente, sua companheira, na presença dos filhos menores de ambos, e seguidamente, deu como não provado que o arguido agiu dolosamente no que respeita aos seus filhos menores.

8. Tal constitui erro notório na apreciação da prova ao julgar como não provados os factos descritos nas alíneas h) e al. l), nos termos supra indicados - (art. 410º nº 2 c) do CPP).

9. Os menores vivenciaram episódios familiares traumáticos. A exposição à violência familiar é um importante fator de risco e deve ser considerado uma forma de maus tratos psicológicos.

10. Conforme melhor consta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 05-06-2024, disponível em www.dgsi.pt, que se seguiu de perto, a doutrina e a jurisprudência já entendiam antes da publicação da Lei nº 57/2021, de 16 de agosto, que a Violência contra menor, que não tem que ser direta, ou seja, tê-lo como alvo direto (enquanto pessoa objeto do crime), mas que o atinge a título de dolo necessário ou dolo eventual (cfr. art. 14º nºs 2 e 3 do Cód. Penal) quando os maus tratos sobre o/a respetivo/a progenitor/a, alvo preferencial do agente, são praticados na sua presença.

11. Em decorrência do que vem de transcrever-se e aplicando ao caso dos autos, da matéria de facto provada conjugada com a matéria das als. h) e l) nos termos supra expostos, deverá considerar-se terem sido praticados pelo Arguido dois crimes de violência doméstica na forma agravada, perpetrados contra os seus dois filhos menores de idade.

12. Consequentemente, deve ser alterada a decisão do Tribunal a quo, que convolou o crime de violência doméstica agravada no que diz respeito ao filho menor CC, condenando o Arguido pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e por um crime de injúria.

13. E alterada ainda a decisão quanto ao pedido de indemnização civil, e condenar o demandado a pagar aos demandantes BB e CC os montantes peticionados.

14. Deve, assim, ser concedido provimento ao recurso e, em consequência:

A) Julgar verificado o vício decisório do erro notório na apreciação da prova (art. 410º nº 2 c) do CPP) e nessa conformidade, nos termos dos arts. 428º e 431º a) do CPP, aditar à matéria de facto provada os seguintes factos constantes da matéria dada como não provada:

“h) Ao expor os filhos menores à violência física psíquica e emocional que infligia sobre a mãe e ao destratar verbalmente o filho CC, o arguido bem sabia que atentava contra o desenvolvimento e saúde física, psíquica e emocional destes, violando o respetivo direito de confiança de que o mesmo se absteria de tal tipo de condutas.

l) Com o seu comportamento, o arguido comprometeu seriamente o desenvolvimento saudável dos menores, designadamente a nível emocional”;

B) Revogar o acórdão recorrido na parte em que absolveu o arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de violência doméstica agravada perpetrados contra os seus dois filhos menores de idade, BB e CC, p. e p. pelo art. 152º nºs 1 d) e 2 a), do Cód. Penal e, em consequência:

- Condenar o arguido AA como autor material da prática, na forma consumada e em concurso real, de dois crimes de violência doméstica na forma agravada, perpetrados contra os seus dois filhos menores de idade.

C) Condenar o arguido AA no pagamento da quantia de €3.000,00 a cada um dos seus filhos menores a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelos crimes de violência doméstica que contra eles foram praticados, perfazendo o montante global de €6.000,00, ao qual acrescerão juros à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

15. Foram violadas as normas dos arts. 125º e 127º do CPP, 349º do Cód. Civil e 14º nº 2 e 152º nºs 1 d) e 2 a), do Cód. Penal.

As razões invocadas e as doutamente supridas conduzirão ao provimento do presente recurso como acto de Inteira e Sã

JUSTIÇA.


*

3. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso da assistente, na qual se pronunciou pela procedência do mesmo.

O arguido apresentou resposta aos recursos do Ministério Público e da assistente, em requerimentos autónomos, mas tendo formulado conclusões de igual teor.

CONCLUSÕES

1.

Nos presentes autos, o Tribunal a quo, decidiu: (…)

2.

Não se conformando com a aludida decisão, veio o Recorrente dela interpor Recurso.

3.

Ora, o Recorrente não indica os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, não indicando quais as concretas provas que impunham decisão diversa, não indicando, ainda que em termos mínimos as concretas passagens da gravação em que se funda a impugnação.

4.

Desta forma, o Recorrente não cumpriu, no essencial, o ónus que lhe era imposto pelo nº 3 e nº 4 do supra citado artigo 412º do CPP, nem no texto da motivação do recurso nem nas suas conclusões, pelo que deverá considerar-se inoperante a impugnação da matéria de facto e em consequência deverá o recurso ser rejeitado, por violação do disposto no nº 3 do artigo 412º do CPP.

Sem prescindir,

5.

Sopesa o dito recurso na discordância quanto à absolvição do Recorrido pelos dois crimes de violência doméstica na forma agravada, contra os seus dois filhos menores de idade, BB e CC.

6.

Ora, no nosso entendimento, o Tribunal a quo analisou devidamente as provas produzidas, tendo decidido de forma ponderada e consciente, na medida de liberdade que o julgador sempre dispõe na ponderação da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

7.

Com efeito, não podemos deixar entender que da globalidade da prova produzida, examinada corretamente, do nosso ponto de vista, no Acórdão recorrido, em conjugação com juízos de normalidade derivados das regras da experiência, não podiam resultar outros que não os factos que foram dados como provados e não provados.

8.

Assim, não existe qualquer contradição ou erro de julgamento em aceitar que o arguido estava ciente da presença dos menores, com o facto de não se provar que os menores foram vítimas diretas da atuação do arguido, e de que este tenha de modo voluntário e consciente agredido física e psicologicamente os filhos.

9.

Acresce que, o aqui Recorrido, pese embora também encontrasse na decisão Recorrida motivos para dela interpor recurso, optou por não o fazer, para colocar definitivamente termo a uma situação que muito o afetou psicologicamente, aliás conforme decorre do relatório social junto

10.

Com feito, o Acórdão Recorrido não violou as normas dos arts. 125º e 127º do CPP, 349º do Cód. Civil e 14º nº 2 e 152º nºs 1 d) e 2 a), do Cód. Penal.

Termos em que se requer a V. Exas. que dignem a rejeitar o recurso por violação do disposto no artigo 412º nº 3 do CPP, ou caso assim não se entenda, negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a douta sentença proferida nos autos nos seus precisos termos, assim se fazendo, uma vez mais, a sã e costumeira JUSTIÇA!


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4. Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no qual sustentou: (...) No que concerne ao recurso apresentado pela assistente, constatamos que esta foi admitida a intervir nos autos como assistente em 21.12.2021, na sequência de requerimento de 14.11.2021, com o seguinte teor:

“DD, Ofendida no processo à margem referenciado, vem junto de V. Exa., muito respeitosamente, requerer a sua intervenção no processo como Assistente, requerendo também a dispensa do pagamento da taxa de justiça, uma vez que lhe foi concedida Proteção Jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, conforme documento que se junta.”

Temos, pois, a mesma requereu a sua admissão a intervir como assistente em nome próprio, enquanto ofendida nos autos, sem que contemplasse qualquer representação de seus filhos menores, também eles ofendidos nos autos.

Deste modo, entendemos que carece a Assistente legitimidade para interpor recurso em representação, e no interesse de seus filhos menores.

Já no que concerne ao recurso apresentado pelo MP, sufragamos a posição defendida pela nossa Exm.ª Colega, aderindo aos seus pertinentes e elucidativos argumentos, os quais nos escusamos aqui a repetir.

Termos em que ENTENDEMOS ser de prover o recurso do MP, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que absolveu o arguido quanto à prática dos crimes de violência doméstica em causa, tendo por ofendidos os seus dois filhos menores, e pelos quais se achava acusado.


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5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

A. ACÓRDÃO RECORRIDO

FACTOS PROVADOS

(Constante da acusação pública)

1 - Contava a assistente DD com 18 anos de idade – por volta do ano de 2007 – quando iniciou uma relação de intimidade com o arguido, adotando residência na morada sita na Avenida ..., em ..., ....

2 - Em comum têm dois filhos menores: BB (nascida a ../../2007) e CC (nascido a ../../2011).

3 - No início da relação e com o nascimento dos filhos, a assistente ficou na dependência económica do arguido;

4 - Ainda que a assistente tivesse trabalhado com o arguido (que também era padeiro) no negócio de flores da mãe deste, o mesmo não se inibia de referir que a assistente não fazia nada e de lhe declarar: «sua puta, não me chateies, vai para o caralho» e «vai para casa da tua mãe».

5 - Com uma periodicidade de cerca de três a quatro vezes por semana, o arguido afirmava que a assistente «não valia merda nenhuma», que a mãe dele ou as amigas cozinhavam melhor e que ela «não fazia nada em condições».

6 - Em data não concretamente apurada do ano de 2009, o arguido, no início de uma refeição, declarou para a assistente «vai para o caralho» e «nem um bocado de comida sabes fazer», levantando-se e dando-lhe uma bofetada na cara.

7 - No decurso das diversas discussões que travavam, o arguido não se inibia de lhe desferir bofetadas ou empurrões.

8 - O arguido apelidava a assistente de «gorda», «foca» e «Popota».

9 - Não obstante a assistente ter, entretanto, cessado a relação de intimidade, o arguido permaneceu na mesma residência.

10 - A partir daí, a assistente deixou de lhe confecionar refeições, de tratar da respetiva roupa ou de limpar o quarto onde o mesmo pernoitava.

11 - Daí que o arguido passou a assumir apenas as despesas de água e da renda da habitação e, não obstante avisado pela assistente que não dispunha de verba suficiente para liquidar a conta da eletricidade e gás, o arguido recusou-se a fazê-lo.

12 - Em Março de 2018 e contra a vontade do arguido (que só admitia a hipótese de a mesma trabalhar no referido negócio de flores), a DD deu início à atividade laboral de limpezas, fazendo-o, nomeadamente, num Ginásio.

13 - Deste modo, a DD passou a praticar exercício físico e a fazer dieta, acabando por perder cerca de 24 kilos e, concomitantemente, passando a gostar mais de si e de se arranjar.

14 - Neste quadro, o arguido passou a apodá-la de «puta» e «vaca», afirmando que aqueles preparos não eram para ele e que a assistente já andava a conhecer e a sair com «gajos».

15 - Em 2018, na época de Verão, o arguido agrediu o filho CC, desferindo-lhe palmadas nas nádegas, tendo o mesmo ficado de tal modo assustado que se urinou no momento.

16 - Nessa mesma data, o arguido apodou o menor de “filho da puta”.

17 - Em Maio de 2019, a assistente foi a um jantar de convívio da empresa onde trabalhava, ao qual o arguido se recusou a acompanhá-la.

18 - De regresso a casa, cerca das 03:20 horas da madrugada, o arguido – já etilizado – estava à sua espera, passando a acusá-la de não ter ido a qualquer jantar, mas sim para um Hotel com o namorado, apodando-a de «vaca».

19 - Porque a DD lhe solicitou que fosse dormir, o arguido desatou a agredi-la, apertando-lhe o pescoço e desferindo-lhe um número indeterminado de bofetadas, com força tal que a mesma acabou por cair.

20 - E nessas circunstâncias, o arguido ainda lhe desferiu vários pontapés.

21 - E isto, na presença dos menores que, com o barulho, acordaram.

22 - Nessa noite, o arguido acabou por abandonar a residência, aonde regressou passados cerca de quinze dias, alegando que a casa era dele.

23 - Em data não concretamente apurada do ano de 2019, no interior da referida habitação e na presença duns vizinhos, o arguido empurrou a assistente, com força tal, que a mesma caiu e foi de arrasto até embater na mesa da cozinha.

24 - O arguido só não deu continuidade à sua conduta, face à intervenção do vizinho que, ao ouvir barulho, se aproximou.

25 - Em data não concretamente apurada em Dezembro de 2019, a assistente foi a um novo jantar da empresa onde trabalhava e, de regresso a casa, verificou que o arguido havia colocado a chave no lado de dentro da porta, pelo que teve de tocar à campainha e, depois, telefonar-lhe para que o mesmo lhe franqueasse a porta.

26 - E logo que o fez, arguido desatou a insultar a assistente de «puta» e agarrou o vestido que esta envergava, rasgando-o.

27 - A partir da data em que o arguido acabou por sair de casa, passou a aparecer nas imediações dos dois empregos da assistente.

28 - O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de molestar a assistente no seu corpo e saúde, de a menorizar e humilhar, atentando contra o respetivo direito de confiança – no estabelecimento de uma relação de intimidade e com filhos comuns – de que o mesmo se absteria, nesse projeto de vida comum, de praticar aquele tipo de condutas.

29 - Do Relatório de Perícia Médico-Legal de Psicologia respeitante ao ofendido CC, junto aos autos, consta que: “(…). A nível emocional, os dados clínicos sugerem algumas dificuldades na sua capacidade de autorregulação (capacidade de gestão das emoções e construção de respostas adequadas ao contexto), nomeadamente no que diz respeito ao vínculo com o progenitor, que é sentido como inseguro. (…) destacando-se uma «representação negativa do progenitor. (…) uma grande necessidade de a criança proteger a mãe, sentida como mais próxima afetivamente e mais frágil, traduzindo numa parentificação do seu comportamento. Apresenta uma postura adultificada, assumindo-se como protetor materno, o que poderá estar associado à vivência de situações disruptivas entre os progenitores”;

30 - Do Relatório de Perícia Médico-legal de Psicologia respeitante à ofendida BB consta que: “(…). Do ponto de vista emocional e relacional (…), constatou-se a presença de sintomatologia ansiosa associada ao processo judicial em curso. (…). A figura paterna é uma figura ambígua e está associada quer ao sofrimento materno, quer fraterno.”.

31 - O arguido atuou sempre no interior da residência comum, a coberto da reserva de intimidade que tal locus lhe proporcionava (e, portanto, sem risco de ser surpreendido), e num espaço que deveria servir de conforto e de segurança para os ofendidos.

32 - Não desconhecendo o caráter ilícito e criminalmente censurável de todas as suas condutas.

(Constante do Pedido de Indemnização Civil)

33 - Com a conduta acima descrita, o demandado/arguido causou ansiedade e receio à assistente e ao ofendido CC;

34 - Com a conduta supra descrita em 15., o demandado/arguido causou dores ao filho menor CC.

(Constante da contestação)

35 – O arguido é visto por familiares e amigos como uma pessoa honrada, humilde, com bom carácter, calma e pacífica.

(Constante do Certificado do Registo Criminal do arguido)

36 – Do Certificado do Registo Criminal do arguido AA nada consta.

(Constante do Relatório Social do arguido)

37 – À data dos factos constantes no presente processo, AA residia com a ofendida, DD, num apartamento arrendado, de tipologia 1+1, em ..., juntamente com os dois filhos do casal, um rapaz e uma rapariga, atualmente com 13 e 17 anos, respetivamente.

A dinâmica conjugal, segundo AA, foi condicionada pelas inseguranças pessoais do arguido relacionadas com a diferença de idades entre o casal, sendo que o arguido, mais velho 11 anos, começou a namorar com a ofendida quando ela tinha 15 anos. A este respeito, atualmente e em análise retrospetiva, o arguido responsabiliza-se por não ter terminado a relação antes de atingir o estado de desgaste que considera ter atingido. Entretanto, na sequência da separação conjugal, AA passou a residir numa habitação sita num terreno próximo à casa da mãe, propriedade desta.

No plano afetivo, estabeleceu uma nova relação de intimidade, com EE, concretizada em união de facto desde dezembro de 2020, descrevendo a relação como gratificante e de entreajuda, o que foi corroborado pela companheira, sendo que ambos verbalizaram prossecução de objetivos para o futuro com eventual mudança de residência para a localidade de origem desta, ..., o que ainda não foi concretizado pelo facto do arguido não pretender deixar a mãe sozinha, uma vez que é filho único e ela viúva.

Do ponto de vista económico, o arguido preserva um registo de estabilidade duradouro, mantendo enquadramento laboral como panificador na mesma empresa, desde os 14 anos de idade, altura em que abandonou o sistema de ensino sem concluir o 9º ano de escolaridade, há cerca de 32 anos. À data dos factos, para além desta estabilidade colaborava com a mãe no negócio de venda de flores. A ofendida também ajudava a mãe do arguido, trabalhando diariamente no campo, no cultivo das flores, sem auferir qualquer salário.

Atualmente o arguido, como vencimento salarial, aufere cerca de 900 euros mensais líquidos, com os quais consegue fazer face às despesas com a habitação, nomeadamente 200 euros de renda que paga à mãe, para além de cerca de 210 euros mensais que despende com o fornecimento de bens essenciais como sejam, água, luz e gás. A companheira trabalhava numa fábrica de componentes para automóveis, que recentemente abriu insolvência. No entanto, ao nível da sua situação laboral, encontra-se de baixa médica na sequência de uma fratura num pé ocorrida há cerca de 1 ano.

Após a separação conjugal, as responsabilidades parentais passaram a ser reguladas pelo Tribunal de Família e Menores, sendo que o arguido, segundo afiançou, cumpre com o pagamento de 102 euros mensais por cada um dos filhos e com o regime de visitas quinzenal, às quartas-feiras, apenas ao filho, uma vez que a filha tem registado algum afastamento. Relativamente a esta situação, a ofendida confirmou as informações relativas ao pagamento da pensão de alimentos e ao afastamento da filha, que se mantém há 2 anos. Quanto ao cumprimento, por parte do arguido, do regime de visitas ao filho, referiu não ser regular, sendo que na maior parte das vezes é ele que envia mensagem ao pai a solicitar a sua visita. A este respeito acrescentou que o arguido não compareceu nalgumas reuniões solicitadas pelos profissionais que intervêm no acompanhamento psicológico do menor, sendo do conhecimento dele o diagnóstico de pedopsiquiatria do filho e inerente prescrição medicamentosa, considerando que não há grande envolvimento paternal.

No que respeita ao relacionamento entre o arguido e a ofendida, apurámos não haver contacto entre eles desde a separação, ocorrida há cerca de 5 anos.

AA referiu estar a vivenciar a existência do presente processo com ansiedade, temendo, essencialmente, repercussões económicas.

Por seu lado, a ofendida referiu relativa tranquilidade, na medida em que as suas principais preocupações são dirigidas ao acompanhamento dos filhos, relativamente aos quais identificou consequências psico-emocionais decorrentes das circunstâncias inerentes à separação conjugal, as quais determinaram o respetivo acompanhamento clínico de especialidade para ambos.

AA apresenta um percurso de vida relativamente estável, entretanto marcado pela separação conjugal e instauração do presente processo judicial. A este respeito, é de referir que o arguido, apesar de temer as repercussões do mesmo no plano económico, mantém tranquilidade vivencial nas várias esferas da sua vida, mantendo uma nova relação de intimidade com projeção de planos para o futuro, não havendo contactos entre o arguido e a ofendida desde a separação conjugal. Relativamente aos filhos, denota pouco envolvimento.

Em caso de condenação, o arguido reúne condições para a execução de uma medida na comunidade, direcionada para uma reflexão tecnicamente orientada em torno de questões relacionadas com a conjugalidade e com a parentalidade.

(Resultantes da audiência de julgamento)

38 – Durante as discussões travadas entre o arguido e a assistente esta também insultava aquele chamando-lhe “boi” e “filho-da-puta”;

39 – O acima referido em 15. e 16. dos factos provados ocorreu por o menor CC ter retirado dinheiro da avó sem autorização e tê-lo espalhado pelo chão.

FACTOS NÃO PROVADOS

(Da acusação):

a) Nas circunstâncias supra aludidas em 3. dos factos provados, o arguido impusesse à assistente as suas vontades e decisões;

b) Nas circunstâncias supra aludidas em 6. dos factos provados, o arguido tivesse empurrado a assistente e que esta tivesse embatido num móvel;

c) Nas circunstâncias supra aludidas em 8. dos factos provados, o arguido afirmasse que as mulheres dos amigos é que eram bonitas;

d) Nas circunstâncias supra aludidas em 15. dos factos provados, o arguido tivesse desferido palmadas nas costas do filho CC;

e) O arguido tivesse apelidado o filho menor de «burro»;

f) Nas circunstâncias supra aludidas em 26. dos factos provados, o arguido tivesse passado a perseguir a assistente;

g) Nessas circunstâncias, o arguido se tivesse inscrito no Ginásio onde a assistente fazia limpeza e lhe tivesse sido retirada a possibilidade de o frequentar;

h) Ao expor os filhos menores à violência física psíquica e emocional que infligia sobre a mãe e ao destratar verbalmente o filho CC, o arguido bem sabia que atentava contra o desenvolvimento e saúde física, psíquica e emocional destes, violando o respetivo direito de confiança de que o mesmo se absteria de tal tipo de condutas.

i) O supra referido em 13. e 32. seja consequência de todas as referidas condutas do arguido.

(Do pedido de indemnização civil):

j) O arguido/demandado agredia fisicamente a filha BB;

k) O arguido/demandado fez com que a assistente e os filhos vivessem em estado permanente de ansiedade e receio;

l) Com o seu comportamento, o arguido comprometeu seriamente e irreversivelmente o desenvolvimento saudável dos menores, designadamente a nível emocional;

m) Mesmo quando já não coabitava com a demandante/assistente e seus filhos, o arguido continuou a persegui-la, prolongando o seu estado de ansiedade.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência comum e da normalidade social, tendo sopesado as declarações prestadas pelo arguido, conjugadas com as declarações prestadas pela assistente, os depoimentos das testemunhas e os diversos elementos periciais e documentais contantes dos autos, nos moldes que a seguir se expõem.

Assim é que o arguido prestou declarações em audiência de julgamento, tendo negado parte dos factos que lhe são imputados. Admitiu, no entanto, que durante as discussões que travou com a sua então companheira, DD, por vezes lhe chamava “puta” e “vaca” e lhe dizia “vai para o caralho”, “vai para casa da tua mãe”, mas tal acontecia porque a ora assistente também o injuriava e o insultava.

Quanto a agressões físicas, admitiu ter empurrado a assistente algumas vezes, tendo ela embatido em móveis, mas fê-lo para se defender, pois nessas ocasiões a sua companheira fazia menção de lhe bater. Nesse contexto, confirmou o episódio ocorrido em 2019 - a que uns seus vizinhos assistiram - em que, no decurso de mais uma discussão entre o casal, a sua companheira levantou a mão para lhe bater e, para se defender, empurrou-a e esta foi embater com as costas na mesa da cozinha; nessa ocasião, o vizinho meteu-se entre eles para “acalmar os ânimos”.

Também admitiu que, certa vez, num domingo em que a assistente queria ir passear, ele foi ao guarda-vestidos dela e rasgou-lhe o vestido que ela ia usar.

Em relação ao filho CC, afirmou que só lhe bateu numa ocasião em que o menor – então com 4 ou 5 anos de idade - pegou sem autorização em dinheiro que a avó tinha guardado em casa e começou a espalha-lo pelo chão e então o arguido chamou-lhe “filho da puta” e, para o educar, deu-lhe uma palmada nas nádegas; o menor começou a chorar e urinou nas calças.

Confirmou, por último, que a sua então companheira dependia dele financeiramente e que os filhos BB e CC assistiram a algumas discussões entre o casal.

No entanto, a narrativa apresentada pelo arguido, quanto à essencialidade dos factos que não assumiu, não mereceu a este Tribunal credibilidade dado o seu teor marcadamente negacionista, tendo, para além do mais, tentado desacreditar a assistente DD imputando-lhe a responsabilidade pelos problemas existentes na relação[1]. Para além disso, a sua versão dos factos resultou infirmada pelo conjunto da prova produzida, bastando, para tanto, atentar no teor objectivo, coerente e convincente das declarações para memória futura prestadas pela assistente DD e pela ofendida BB.

Assim é que a assistente DD relatou que durante todo o período de relacionamento com o aqui arguido sempre existiram discussões entre o casal[2], no decurso das quais o arguido lhe dizia “sua puta, vai para o caralho, não me chateies”; também lhe dizia que ela “não valia merda nenhuma” e que “não fazia nada em condições”[3].

Contou, também, que o arguido lhe chamava “foca”, “gorda” e “Popota”, por a mesma ter então excesso de peso,[4] o que a desgostava.

Já as agressões físicas começaram quando a filha BB tinha cerca de 2 anos de idade.

A primeira agressão ocorreu numa ocasião em que estavam no interior da habitação, na cozinha, e a assistente se preparava para servir o almoço. Nessa altura, porque a assistente avisou o arguido para se lavar antes de ir para a mesa[5], ele chamou-lhe “puta”, disse-lhe “vai para o caralho” e deu-lhe um “estalo” na cara.

Descreveu um outro episódio – ocorrido por alturas do Natal, durante o período em que estavam separados, mas a viver na mesma casa – em que o arguido a insultou e agrediu fisicamente: nessa altura, a assistente tinha ido a um jantar de trabalho e quando regressou a casa não conseguia abrir a porta porque o arguido tinha colocado a chave na fechadura; tocou então à campainha e telefonou-lhe e então o arguido abriu a porta e começou a insultá-la dizendo-lhe: “sua puta, tu vens de noite, andas na noite, já andas aí a conhecer gajos” e, no decurso da discussão que então se gerou, o arguido puxou e rasgou-lhe o vestido que ela envergava.

Confrontada, depois, a assistente com as declarações que havia prestado no dia 13/03/2020, em sede de inquérito[6], acabou por confirmar um outro episódio, ocorrido igualmente quando regressava a casa dum jantar de trabalho, em que o arguido a insultou de “vaca”, lhe apertou o pescoço e lhe desferiu várias bofetadas, fazendo-a cair ao chão, e, já no chão, lhe deu pontapés.[7]

Disse, ainda, que a última agressão física[8] ocorreu no decurso duma discussão entre o casal no interior da habitação, na cozinha, a que os seus vizinhos FF e GG assistiram: nessa ocasião, o arguido deu-lhe empurrões, atirou-a ao chão e deu-lhe pontapés, sendo que o seu vizinho teve de intervir para ele não lhe bater mais; dessa vez, ficou com várias “pisaduras” no corpo (nos olhos, numa perna e nas costas).

Confirmou que os filhos menores, BB e CC, presenciaram estas agressões e insultos.

Mais referiu que era o arguido quem geria todo o dinheiro do casal, sendo que o mesmo não queria que ela trabalhasse no Ginásio[9] ou em qualquer outro local (só no negócio das flores da mãe dele), para assim ajudar no negócio da família e para não ter de contratar mais trabalhadores.

Relatou, ainda, que depois da separação, ela perdeu muito peso e passou a cuidar mais da sua aparência, facto que o arguido viu como uma “afronta” pois dizia que para ele ela não se arranjava.

Em relação aos filhos, mencionou que o arguido bateu uma vez ao CC por este ter retirado dinheiro sem autorização, tendo o menor, com medo, urinado nas calças.[10]

Por sua vez, a ofendida BB referiu ter assistido a diversas discussões entre os progenitores, sendo que os insultos[11] (tais como “filho(a) da puta”) eram mútuos.

Para além disso, desde que tinha 4 ou 5 anos de idade, presenciou por diversas vezes o pai a agredir fisicamente a mãe com empurrões e bofetadas, ficando a mãe com “pisaduras” no corpo.

Relatou, em concreto, um evento[12] a que assistiu em que o ora arguido empurrou a assistente com força tal que esta foi contra uma mesa de vidro da cozinha partindo-a.

A última agressão física que presenciou ocorreu em 2017 ou 2018: nessa ocasião, o arguido agrediu a assistente com empurrões, bofetadas e pontapés, tendo a mãe ficado com “pisaduras” na coxa e nos braços e sendo que os seus vizinhos assistiram à mesma; uns seus vizinhos assistiram a isto.

Esclareceu que, do que lhe foi dado ver, era sempre o pai que começava a agredir a mãe, sendo que esta, por vezes, se defendia.

Teve também conhecimento[13] que o seu pai desferiu, numa ocasião, umas “sapatadas” ao seu irmão por ele ter “roubado” dinheiro e que este “fez xixi nas calças” e chorou muito.

Mas, a versão dos factos apresentada pelas ofendidas DD e BB foi corroborada pelo depoimento das testemunhas GG e mulher FF, vizinhos do casal, os quais relataram – em termos essencialmente coincidentes com os descritos pela assistente - o episódio passado há cerca de 5 anos na cozinha da habitação do casal. Contou a testemunha GG que, nessa ocasião, tinha ido a casa deles consertar uns interruptores, acompanhado da mulher FF, quando ali chegou o arguido muito “alterado” e começou logo a discutir com a assistente; a certa altura, o arguido deu um empurrão à mulher e ele colocou-se de permeio para evitar “mais coisas”. A assistente ficou exaltada, stressada e nervosa com esta situação, tendo chorado. A testemunha FF – que se encontrava junto do casal quando se deu este evento – contou, por sua vez, que na altura em que o arguido chegou a casa, a DD confrontou-o com determinada situação (que já não recorda em concreto) e de imediato o arguido empurrou-a com força, ela foi de “zorro” e foi embater com o lado do corpo na mesa da cozinha. O seu marido interveio para eles não voltarem a “pegar-se”. Os filhos menores do casal e a mãe da assistente encontravam-se em casa e assistiram a estes factos.

Disse ainda que, noutra ocasião, viu a aqui assistente com uma marca (vermelhão) no pescoço e esta disse-lhe que tinha sido o arguido que a tinha agredido; relato esse que é compatível com a descrição dos factos feita pela assistente e pela ofendida, designadamente, os respeitantes a um dos episódios de agressão descritos pela assistente quando regressava a casa dum jantar de trabalho.

Acresce o depoimento da testemunha HH, patroa da assistente desde há 6 ou 7 anos. Esta testemunha contou que, certo dia, a assistente não foi trabalhar e, para justificar a falta, enviou-lhe fotos em que a mesma apresentava arranhões no pescoço (vermelhões), tendo-se mencionado que tinha sido o companheiro a agredi-la.

As sobreditas testemunhas relataram todos estes factos de forma que se nos afigurou isenta, convincente, segura e fundamentada, alguns dos quais presenciaram, pelo que nos mereceram total credibilidade.

Em conjugação com tais declarações/depoimentos, avultam, ainda, os elementos documentais e periciais constantes dos autos, a saber:

- Relatório de perícia constante de fls. 225 a 228 (relatório de perícia psicológica efectuada ao menor CC);

- Relatório de perícia constante de fls. 257 a 259 v. (relatório de perícia psicológica efectuada à menor BB);

- Documentos constantes de fls. 372 a 373 v. (assentos de nascimento dos menores CC e BB).

Destarte, da análise concatenada e crítica de todos estes elementos probatórios, resultou para este Tribunal Colectivo a convicção segura acerca da ocorrência dos factos tal como acima dados por provados.

Quanto aos factos respeitantes aos elementos subjectivos da(s) infracção(ões), o Tribunal teve em conta todos os factos e meios de prova atrás referidos respeitantes aos elementos objectivos da(s) infracção(ões). Com efeito, os factos consubstanciadores do dolo (quer do dolo do tipo, quer mesmo do da culpa, onde se inclui a consciência da ilicitude), porque inerente à dimensão subjectiva, do foro psicológico, são quase sempre indemonstráveis de forma naturalística, extraindo-se normalmente das circunstâncias objectivas que rodearam a prática do facto e da ausência ou afastamento das causas que o possam excluir, conferidas com as máximas da experiência e da lógica e as presunções judiciais admissíveis. Donde, tendo em atenção os demais factos que provados estão, também os factos respeitantes ao elemento subjectivo da(s) infracção(ões) praticada(s) não poderiam deixar de ser considerados como tal.

Quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido, o Tribunal teve em conta o respectivo CRC, junto aos autos.

No que respeita às suas condições pessoais, valorou-se o teor do Relatório Social junto aos autos, bem como os depoimentos das testemunhas II, mãe do arguido, EE, actual companheira do arguido, e JJ, amigo de infância e colega de trabalho do arguido, todas abonando o bom carácter do arguido AA.

No que concerne à factualidade considerada não provada, estribou-se o Tribunal na circunstância de sobre a mesma não ter sido produzida prova bastante capaz de convencer o Tribunal da sua veracidade.

Na verdade, e quanto à concreta agressão física ocorrida no ano de 2009 (descrita no ponto 6. dos factos dados por provados), a vítima, ora assistente, foi categórica em afirmar que nessa ocasião o arguido lhe desferiu um “estalo” e não um empurrão.

Quanto às alegadas “perseguições” da assistente pelo arguido, as declarações prestadas por aquela a esse respeito não se afiguraram totalmente seguras e congruentes, antes tendo revelado hesitação, limitando-se a dizer que o arguido “rondava” os seus locais de trabalho, mas sem concretizar minimamente esta afirmação. Ademais, da informação colhida junto do Ginásio A... (um dos locais de trabalho da assistente) foi possível apurar que o arguido nunca foi lá cliente.

Daqui decorre que a apontada matéria de facto não ficou minimamente esclarecida nem comprovada, razão pela qual foi a mesma considerada como não provada.

Relativamente às alegadas agressões físicas do arguido aos seus filhos menores, com excepção do episódio respeitante à retirada do dinheiro por parte do CC, quer o arguido, quer as ofendidas DD e BB as negaram, tendo esta última afirmado perentoriamente que o pai nunca lhe bateu.

Acerca das consequências advindas para os aqui ofendidos em virtude da apurada conduta do arguido, nenhuma das testemunhas ouvidas demonstrou conhecimento suficientemente objectivo, seguro e fundamentado sobre essa matéria, sem embargo de as testemunhas GG e FF terem referido que o menor CC ficava triste, “cabisbaixo” e sofria com os conflitos dos pais, mas que o mesmo gostava muito do pai e queria muito que os progenitores ainda estivessem juntos.

Para além disso, os relatórios dos exames psicológicos efectuados aos menores, assinalando embora as nefastas consequências psicológicas que a conflitualidade parental acarreta aos filhos, sobretudo sendo menores[14], não refere que as mesmas comprometam o saudável desenvolvimento dos menores e, menos ainda, que as mesmas sejam irreversíveis (para toda a vida); também nada aí é indicado no sentido de os menores se encontrarem em permanente estado de receio e ansiedade em virtude do comportamento do ora arguido. Veja-se, ademais, que o menor CC apresenta perturbação do neurodesenvolvimento[15], o que poderá explicar (pelo menos em parte) o seu quadro psicológico, a demandar atenção clínica especializada, conforme enfatizado no respectivo relatório pericial.

Relativamente à demais factualidade considerada não provada, não foi produzida qualquer prova, sendo certo que a assistente e as testemunhas ouvidas não lhe fizeram a menor alusão e inexistem nos autos elementos documentais/periciais susceptíveis, por si só, de a confirmarem.


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B. APRECIAÇÃO DO RECURSO

Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pela recorrente, a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso.

No caso concreto, os recursos interpostos pelo Ministério Público e pela Assistente incidem sobre o segmento do acórdão que absolve o arguido da prática de dois crimes de violência doméstica em que são vítimas os menores BB e CC.

Ambos os recursos suscitam impugnação da matéria de facto, visando a subsequente revogação do decidido e a condenação do arguido pelos referidos crimes, sendo também peticionado pela assistente que seja proferida decisão condenatória do demandado civil no pagamento da indemnização civil no valor de 3.000,00€ relativamente a cada um dos demandados.

No parecer o Ministério Público suscita a questão prévia da legitimidade da assistente para interpor recurso na qualidade de legal representante dos seus filhos menores relativamente à decisão absolutória.

Importa começar por conhecer da questão suscitada pelo Ministério Público de legitimidade e interesse em agir da recorrente, atenta a influência que a decisão sobre a mesma produzirá no prosseguimento da apreciação do recurso interposto pela assistente.

a) Invoca o Ministério Público que a recorrente solicitou a sua admissão a intervir como assistente em nome próprio, enquanto ofendida nos autos, sem que contemplasse qualquer representação de seus filhos menores, também eles ofendidos nos autos, tendo sido admitida a intervir, na sequência do mesmo requerimento, por isso, carece de legitimidade para interpor recurso em representação e no interesse de seus filhos menores.

Vejamos.

A assistente DD interpôs recurso da aludida decisão absolutória invocando a qualidade de representante legal dos seus filhos de menor idade.

Decorre dos factos apurados nos autos que BB- nascida a ../../2007- e CC -nascido a ../../2011- são filhos do arguido e de DD [vd. assentos de nascimento, 15-03-2024 (Referência: 413850668)].

Mais se colhe do processo que DD foi admitida a intervir nestes autos na qualidade de assistente por despacho de 21-12-2021 (Referência: 431626739 ) do teor seguinte: Por a requerente ter legitimidade para o efeito, se encontrar representada por advogado e se encontrar dispensada do pagamento da taxa de justiça devida, admite-se DD a intervir nestes autos como assistente (art.º 68.º, n.º 1, al. a) do C. Pr. Penal).

Notifique e, depois, devolva.

Tal despacho incide sobre requerimento apresentado em 14-09-2021 (Referência: 25200588) pela ora recorrente do teor seguinte: DD, Ofendida no processo à margem referenciado, vem junto de V. Exa., muito respeitosamente, requerer a sua intervenção no processo como Assistente, requerendo também a dispensa do pagamento da taxa de justiça, uma vez que lhe foi concedida Proteção Jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, conforme documento que se junta.

Face ao teor do requerimento é incontroverso que DD solicitou a sua intervenção como assistente na qualidade pessoal de ofendida, ou seja, enquanto titular dos interesses que a lei quis proteger com a incriminação, ao abrigo da previsão do artigo 68.º, n.º 1, alínea a), do Código Processo Penal. Em momento algum a requerente invocou a qualidade de representante legal de seus filhos menores, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 68.º, n.º 1, alínea d), do Código Processo Penal, isto é, jamais manifestou o desígnio de atuar na veste de representante de BB e CC, por ser sua mãe e na sua representação, dada a menoridade deles.

Evidentemente que a decisão judicial apreciou a pretensão formulada por DD dentro do condicionalismo narrado no requerimento.

Por conseguinte, a intervenção de DD como assistente no processo foi judicialmente admitida a título pessoal e não como representante dos seus filhos menores.

A circunstância de DD ser representante legal de BB e CC não determina que o reconhecimento de tal qualidade automaticamente confira elasticidade ao estatuto de assistente que lhe foi atribuído, isto é, a posição processual de assistente que ela assume, por si e a título pessoal, não se estende involuntária e necessariamente à representação dos seus filhos menores, também ofendidos no mesmo processo.

Ademais, é importante assinalar que, por não ter manifestado a intenção de se constituir assistente como representante legal dos filhos menores, jamais foi dada oportunidade aos sujeitos processuais para se pronunciarem sobre tal pretensão e o tribunal não aferiu da existência dos pressupostos legais para o efeito, condicionalismo que era indispensável e não foi observado, não se tratando, pois, de exigir uma duplicação de procedimentos, por isso, não se acompanha a jurisprudência de sentido contrário[16].

Na decorrência do exposto, conclui-se que a recorrente DD não dispõe de legitimidade e interesse em agir para recorrer, em representação dos seus filhos menores, do acórdão na parte em que absolve o arguido dos imputados crimes de violência doméstica em que são ofendidos BB e CC, nos termos previstos no artigo 401.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, do Código Processo Penal, donde decorre que, nesta parte, o recurso deve ser rejeitado [cf. artigo 420.º, n.º 1, alínea b), do Código Processo Penal].


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Além disso, no respeitante à matéria do pedido de indemnização civil, também o recurso não pode ser conhecido, atento o valor indemnizatório que foi peticionado por cada um dos demandantes.

Decorre da norma do artigo 400.º, n.º 2, do Código Processo Penal que o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.

Assim, a admissibilidade do recurso das decisões relativas ao pedido civil deduzido no processo penal depende da verificação cumulativa de dois requisitos:

- que o pedido tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre;

- que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do mesmo tribunal.

No caso presente, o valor do pedido de indemnização formulado por cada um dos demandantes BB e CC, representados por DD ascende a 3.000,00€.

Assim, uma vez que o valor do pedido de indemnização não é superior à alçada do tribunal recorrido (5.000,00€), sendo inferior, o recurso não é admissível quanto à matéria do pedido civil, devendo o mesmo ser rejeitado [cf. artigos 400.º, n.º 2, 414.º, n.ºs 2 e 3 e 420.º, n.º 1, alínea b), do Código Processo Penal].


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Decididas, pelo modo explanado, as questões prévias, resta conhecer do recurso interposto pelo Ministério Público que versa sobre a matéria de facto, visando a subsequente condenação do arguido pelos crimes de violência doméstica de que foi absolvido.

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b) O Ministério Público revela-se inconformado com a fixação da matéria de facto não provada sob a alínea h).

Como se sabe, a matéria de facto pode ser sindicada por duas vias:

· impugnação restrita, mediante a arguição dos vícios decisórios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento;

· impugnação ampla, com base em erro de julgamento, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, 4 e 6, do Código Processo Penal, caso em que a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência.

Na situação presente a alegação recursória baseia-se na existência de vício decisório que afeta a decisão tomada pelo tribunal a quo sobre a já referida alínea h) da factualidade não provada.

De acordo com o alegado, o acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova, dado que se bem analisada a prova produzida em audiência de julgamento, conjugada com as regras da experiência comum, devia dar-se como provado, além dos factos dados como provados, que o arguido agiu, pelo menos, com dolo necessário ou eventual, sabendo que, ao agir daquela forma violenta contra a mãe dos filhos, e na presença destes, também afetava a saúde psíquica e emocional dos filhos.

Invoca o recorrente que o crime de violência doméstica foi praticado na presença dos filhos menores, e ficaram provados os maus tratos psicológicos provocados nas crianças, devidamente avaliados através de perícias psicológicas, existindo, por isso, um crime autónomo de violência doméstica. (…) os menores foram “forçados” a presenciarem factos traumáticos e violentos praticados contra mãe, e que, consequentemente e diretamente os afetou e comprometeu a sua saúde psíquica e emocional. (…) O arguido é o pai biológico da BB e do CC, coabitava com os filhos, conhecia a personalidade, sensibilidade e características de cada um deles, bem sabia da relação afetiva que os unia à mãe, e é inequívoco que os filhos menores estiveram expostos a episódios traumáticos, com contornos graves e emocionalmente intensos, sobretudo face à idade de cada um deles, à data dos factos, a BB tinha 11 anos e o CC 7 anos.

Procedendo a transcrição do teor dos relatórios periciais, em parte que excede o que se encontra reproduzido nos pontos 29 e 30 da matéria provada, veio a concluir que, face ao teor das perícias médico-legais, dúvidas não restam que os menores CC e a BB foram também eles vítimas da violência doméstica, praticada pelo progenitor, porque sofreram maus tratos psicológicos, ficando afetados psicologicamente com as situações de violência vivenciadas no contexto familiar. Adita ainda que o menor CC ainda foi vítima direta de agressão física por parte do arguido, conforme consta da matéria de facto provada, em 2018, na época de Verão, o arguido agrediu o filho CC, desferindo-lhe palmadas nas nádegas, tendo o mesmo ficado de tal modo assustado que se urinou no momento, e ainda apodou o menor de “filho da puta”.

Visa tal alegação que seja alterada a decisão de facto, nos moldes indicados, e, em decorrência, seja considerado preenchido o crime de violência doméstica do tipo p. e p. pelo art. 152.º, n. º1, alínea d) ou e) e nº 2, alínea a) do Código Penal, cometido pelo arguido na pessoa dos seus dois filhos menores, BB e CC.

O recorrente convoca jurisprudência relativa à criminalização de exposição da criança a condutas violentas exercidas diretamente contra progenitor, seguindo de perto o Acórdão deste Tribunal da Relação do Porto de 05-06-2024[17], donde extrai excertos.

Apesar da modalidade de impugnação inicialmente elegida, o recurso convoca ainda o teor de declarações para memória futura, a prova pericial e testemunhal, de forma a extravasar o texto decisório, assim apontando para a impugnação ampla, porém, procede a indicação de modo genérico e sem observância do ónus de menção concreta de prova que imponha decisão diversa da tomada pelo tribunal a quo, donde resulta inviabilizado o conhecimento do recurso nesta parte.

Importa, pois, prosseguir no conhecimento do recurso quanto à impugnação restrita da matéria de facto, sendo pertinente recordar que, neste domínio, a indagação e confirmação da presença dos vícios decisórios tem de resultar do teor da decisão, por si só considerada e/ou com apelo a regras de experiência comum, por isso, somente a falha, o erro, a omissão ou a contradição percetíveis e detetáveis no próprio texto da decisão, sem necessidade de valoração de elementos externos, permitem declarar a existência do respetivo vício.

Ademais, cabe também assinalar que é pacífico e uniforme o entendimento da jurisprudência de que, independentemente de iniciativa e arguição pelo recorrente, os vícios decisórios da matéria de facto são de conhecimento e indagação oficiosa pelo tribunal de recurso[18].

No âmbito desta modalidade de impugnação, com interesse para a apreciação do recurso, delimita-se com brevidade os vícios de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e de erro notório na apreciação da prova [previstos respetivamente na alíneas a) e c), do n.º 2, do artigo 410.º do Código Processo Penal].

Ocorre o primeiro quando a matéria de facto provada se mostra exígua para fundamentar a decisão de direito, mormente quando o tribunal, podendo fazê-lo, não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão. Portanto, tal vício reporta-se à omissão de apuramento de factos indispensáveis para a decisão de direito, sendo patente na decisão quando a análise desta permita concluir que os factos considerados provados não permitiam atingir a decisão de direito a que se chegou[19].

A existência do segundo acontece quando o tribunal pondera a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao juiz dotado da cultura e experiência que se supõe existir em quem exerce a função de julgar[20]. Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia pela simples leitura da decisão e que consiste basicamente em decidir-se contra o que se provou ou não provou, ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido, resultando tal incongruência de uma apreciação manifestamente desadequada e/ou baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.

Examinada a decisão recorrida, desde já, se anota que a exposição dos factos provados e não provados apresenta-se de forma descontinuada e desconexa, em razão de se ter privilegiado na enumeração dos factos a indicação da fonte de onde são provenientes, em detrimento da exposição dos acontecimentos de acordo com sequência lógica e cronológica.

Atento que o recurso versa sobre a decisão relativa aos crimes em que são visados os menores BB e CC, destaca-se como relevante a matéria de facto contida nos pontos 2, 15-16, 21 (com referência aos pontos 17 a 20), 29, 30 e 31 [provenientes da acusação pública], 34 e 35 [resultantes do pedido de indemnização civil] e 39 [resultante da audiência de julgamento] da factualidade provada e nas alíneas h) e i) [provenientes da acusação pública], j), k), l) [resultantes do pedido de indemnização civil] da matéria de facto não provada[21] [na alínea i) o acórdão remete para os factos provados 13. e 32., mas notoriamente ocorreu lapso, devendo a referência ser feita para os factos 29. e 30.].

Da alegação recursória parece resultar que a exposição dos menores, BB e CC, filhos do arguido e da assistente, às condutas violentas perpetradas por AA contra DD ocorreu em várias ocasiões, sendo indicado que foram obrigados a presenciar factos traumáticos e violentos praticados contra a mãe, (…) estiveram expostos a episódios traumáticos, com contornos graves e emocionalmente intensos, sobretudo face à idade de cada um deles, porém, da matéria provada- colhida da narração constante da acusação- resulta que os menores presenciaram unicamente o episódio de violência descrito nos pontos 17 a 20, o que, de alguma forma, está também admitido no recurso ao acentuar os factos provados 15 a 21, que além do mesmo episódio abrangem aqueloutro em que foi atingido diretamente o menor CC.

Ainda que se possa admitir que os factos provados apontam para a presença dos menores noutras ocasiões, dada a circunstância de tudo ter decorrido no interior da habitação (facto 31) [apartamento tipo T1+1 (facto 37)], atenta a sua idade [nascidos em 2007 e 2011] e alguns momentos temporais a que se reportam, nomeadamente aquando de uma refeição (facto 6) ou depois de jantar (facto 25), não se trata de uma ilação certa e segura, sendo esses dados objetivos também compatíveis com a situação de ausência dos menores da habitação.

Acresce reconhecer que a motivação de facto, aliás nas passagens sublinhadas no recurso, aponta a existência de prova de que BB e CC presenciaram outros episódios violentos protagonizados pelo pai contra a mãe, contudo, tal não teve reflexo na factualidade provada. Mais se nota que, entre outra prova dessa matéria de facto, a decisão indica as declarações para memória futura prestadas por DD e BB, isto é, prova antecipada e já existente nos autos no momento em que foi prolatada a acusação, logo também a factualidade se encontrava adquirida no inquérito e não é resultante da audiência de julgamento[22], por isso, vedado estava ao tribunal o aditamento de novos factos relativos à mesma matéria, em sede de julgamento, com recurso ao mecanismo do artigo 358.º, do Código Processo Penal.

Sendo assim, a matéria de facto relevante, sob a perspetiva da imputação dos crimes de violência doméstica nas pessoas de BB e CC, consiste na seguinte:

Factos Provados

Por volta do ano de 2007, DD, com 18 anos de idade, iniciou uma relação de intimidade com o arguido AA, adotando residência na morada sita na Avenida ..., em ..., ...[1].

BB (nascida a ../../2007) e CC (nascido a ../../2011) são filhos de AA e de DD [2].

Em 2018, na época de Verão, o arguido agrediu o filho CC, desferindo-lhe palmadas nas nádegas, tendo o mesmo ficado de tal modo assustado que se urinou no momento [15].

Nessa mesma data, o arguido apodou o menor de “filho da puta” [16].

Tais factos ocorreram por o menor CC ter retirado dinheiro da avó sem autorização e tê-lo espalhado pelo chão [39].

Em Maio de 2019, a assistente foi a um jantar de convívio da empresa onde trabalhava, ao qual o arguido se recusou a acompanhá-la [17].

De regresso a casa, cerca das 03:20 horas da madrugada, o arguido – já etilizado – estava à sua espera, passando a acusá-la de não ter ido a qualquer jantar, mas sim para um Hotel com o namorado, apodando-a de «vaca» [18].

Porque a DD lhe solicitou que fosse dormir, o arguido desatou a agredi-la, apertando-lhe o pescoço e desferindo-lhe um número indeterminado de bofetadas, com força tal que a mesma acabou por cair [19].

E nessas circunstâncias, o arguido ainda lhe desferiu vários pontapés [20].

E isto, na presença dos menores que, com o barulho, acordaram [21].

Nessa noite o arguido acabou por abandonar a residência, aonde regressou passados cerca de quinze dias, alegando que a casa era dele [22].

Do Relatório de Perícia Médico-Legal de Psicologia respeitante ao ofendido CC, junto aos autos, consta que: “(…). A nível emocional, os dados clínicos sugerem algumas dificuldades na sua capacidade de autorregulação (capacidade de gestão das emoções e construção de respostas adequadas ao contexto), nomeadamente no que diz respeito ao vínculo com o progenitor, que é sentido como inseguro. (…) destacando-se uma «representação negativa do progenitor. (…) uma grande necessidade de a criança proteger a mãe, sentida como mais próxima afetivamente e mais frágil, traduzindo numa parentificação do seu comportamento. Apresenta uma postura adultificada, assumindo-se como protetor materno, o que poderá estar associado à vivência de situações disruptivas entre os progenitores” [29].

Do Relatório de Perícia Médico-legal de Psicologia respeitante à ofendida BB consta que: “(…). Do ponto de vista emocional e relacional (…), constatou-se a presença de sintomatologia ansiosa associada ao processo judicial em curso. (…). A figura paterna é uma figura ambígua e está associada quer ao sofrimento materno, quer fraterno.” [30].

O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de molestar a assistente no seu corpo e saúde, de a menorizar e humilhar, atentando contra o respetivo direito de confiança – no estabelecimento de uma relação de intimidade e com filhos comuns – de que o mesmo se absteria, nesse projeto de vida comum, de praticar aquele tipo de condutas [28].

Atuou sempre no interior da residência comum, a coberto da reserva de intimidade que tal locus lhe proporcionava (e, portanto, sem risco de ser surpreendido), e num espaço que deveria servir de conforto e de segurança para os ofendidos [31].

Não desconhecendo o caráter ilícito e criminalmente censurável de todas as suas condutas [32].

Com a conduta acima descrita, o arguido causou dores, ansiedade e receio ao ofendido CC [33 e 34].

Factos Não Provados

Ao expor os filhos menores à violência física psíquica e emocional que infligia sobre a mãe e ao destratar verbalmente o filho CC, o arguido bem sabia que atentava contra o desenvolvimento e saúde física, psíquica e emocional destes, violando o respetivo direito de confiança de que o mesmo se absteria de tal tipo de condutas [h)].

O referido nos Relatórios de Perícia Médico-Legal de Psicologia seja consequência de todas as referidas condutas do arguido [i)].

Recorde-se, ainda, que o tribunal a quo explicitou o juízo probatório subjacente à decisão sobre os factos não provados na motivação de facto, nos termos seguintes:

No que concerne à factualidade considerada não provada, estribou-se o Tribunal na circunstância de sobre a mesma não ter sido produzida prova bastante capaz de convencer o Tribunal da sua veracidade.

(…)

Acerca das consequências advindas para os aqui ofendidos em virtude da apurada conduta do arguido, nenhuma das testemunhas ouvidas demonstrou conhecimento suficientemente objectivo, seguro e fundamentado sobre essa matéria, sem embargo de as testemunhas GG e FF terem referido que o menor CC ficava triste, “cabisbaixo” e sofria com os conflitos dos pais, mas que o mesmo gostava muito do pai e queria muito que os progenitores ainda estivessem juntos.

Para além disso, os relatórios dos exames psicológicos efectuados aos menores, assinalando embora as nefastas consequências psicológicas que a conflitualidade parental acarreta aos filhos, sobretudo sendo menores, não refere que as mesmas comprometam o saudável desenvolvimento dos menores e, menos ainda, que as mesmas sejam irreversíveis (para toda a vida); também nada aí é indicado no sentido de os menores se encontrarem em permanente estado de receio e ansiedade em virtude do comportamento do ora arguido. Veja-se, ademais, que o menor CC apresenta perturbação do neurodesenvolvimento, o que poderá explicar (pelo menos em parte) o seu quadro psicológico, a demandar atenção clínica especializada, conforme enfatizado no respectivo relatório pericial.

Relativamente à demais factualidade considerada não provada, não foi produzida qualquer prova, sendo certo que a assistente e as testemunhas ouvidas não lhe fizeram a menor alusão e inexistem nos autos elementos documentais/periciais susceptíveis, por si só, de a confirmarem.

Analisada a motivação de facto a observação que imediatamente ocorre é que não contém indicação de específicas razões em que se ancora a decisão que recaiu sobre a matéria descrita sob a alínea h), ora impugnada.

Depois, quanto à matéria da alínea i) extrai-se que o tribunal considerou que o quadro psicológico descrito nos relatórios periciais embora relacionado com a conflitualidade parental não assume dimensão suscetível de comprometer o saudável desenvolvimento dos menores e não se apresenta irreversível.

Contudo, verifica-se que, noutro passo da motivação, o tribunal explicitou que a componente subjetiva da conduta imputada ao arguido, considerada provada, resultou da ponderação dos aspetos objetivos apurados em conexão com regras da lógica, da normalidade e da experiência comum [Quanto aos factos respeitantes aos elementos subjectivos da(s) infracção(ões), o Tribunal teve em conta todos os factos e meios de prova atrás referidos respeitantes aos elementos objectivos da(s) infracção(ões). Com efeito, os factos consubstanciadores do dolo (quer do dolo do tipo, quer mesmo do da culpa, onde se inclui a consciência da ilicitude), porque inerente à dimensão subjectiva, do foro psicológico, são quase sempre indemonstráveis de forma naturalística, extraindo-se normalmente das circunstâncias objectivas que rodearam a prática do facto e da ausência ou afastamento das causas que o possam excluir, conferidas com as máximas da experiência e da lógica e as presunções judiciais admissíveis. Donde, tendo em atenção os demais factos que provados estão, também os factos respeitantes ao elemento subjectivo da(s) infracção(ões) praticada(s) não poderiam deixar de ser considerados como tal.].

No que respeita à imputada atuação do arguido visando os menores não realizou o tribunal a quo idêntico raciocínio lógico-dedutivo e nada mais acrescentou à indicação de não se ter produzido prova sobre os factos considerados como não provados, percebendo-se, da leitura global e conjugada da decisão, que tal procedimento está relacionado com o entendimento, expresso na fundamentação de direito, de que a prática de atos violentos na pessoa da mãe dos seus filhos na presença destes não é suscetível de preencher a tipicidade do crime de violência doméstica no que aos mesmos menores respeita, por não integrar uma ação diretamente dirigida contra eles.

Ora, em face da resposta negativa dada à matéria integrada na alínea h), relativa à vertente subjetiva da conduta imputada ao arguido respeitante aos seus filhos menores, a questão que o recurso suscita consiste em saber se da materialidade dos factos provados, na parte em que asseveram a exposição dos menores à prática de atos de violência perpetrados pelo arguido diretamente contra DD, resulta a ilação lógica e concordante com as regras da normalidade e da experiência comum de que ele, ao agir desse modo, admitiu que também atingiria a saúde psíquica e emocional dos dois filhos de menor idade, como consequência necessária ou decorrência eventual do seu comportamento, conformando-se com tal resultado.

A resolução de tal dúvida depende, em primeira linha, da avaliação do comportamento do arguido que os menores presenciaram.

Assim, se atentarmos nos contornos concretos da ação protagonizada pelo arguido na madrugada de dia indeterminado do mês de Maio de 2019 podemos concluir que o episódio de violência que corporiza assume, por si só, dimensão relevante e ligação ao contexto de relacionamento íntimo, familiar e parental que une os intervenientes ativo e passivos, sendo tais elementos convergentes no sentido de justificar a tutela jurídico-penal conferida pelo crime de violência doméstica relativamente a outros tipos crime que pudessem ser convocados, nomeadamente de ofensa à integridade física e de injúrias.

Desde logo, na génese dos acontecimentos está o facto de DD - com quem o arguido mantinha união de facto, desde há cerca de 12 anos, e tinha em comum dois filhos menores, partilhando na data a habitação com aquele e os filhos - ter se deslocado a um jantar de convívio da empresa onde trabalhava, ao qual o arguido recusou acompanhá-la.

Depois, a atitude do arguido ao interpelar DD e manifestar desconfiança sobre a presença da mesma no jantar, lançando a suspeita dela ter estado na companhia de outra pessoa [namorado] num hotel, denota uma postura de controlo de movimentos e comportamentos da ofendida, ao mesmo tempo que exterioriza desrespeito pela pessoa que é mãe dos seu filhos e com quem coabita, o que se acentua com a atuação seguinte ao apelidar a mesma de vaca. Após e em resposta ao pedido dela para que fosse dormir, o comportamento do arguido progride para a agressão física, em manifestação desproporcionada e prepotente do seu desagrado, apertando o pescoço da vítima e desferindo-lhe bofetadas com força de modo a provocar a sua queda ao chão, onde também lhe desferiu vários pontapés. Do modo descrito, o comportamento do arguido, para lá da violação dos bens jurídicos protegidos pelos tipos de crime de ofensa à integridade física e de injúrias, revela humilhação, menosprezo, desrespeito pela dignidade da pessoa que é a mãe dos seus filhos, denotando disposição de a diminuir e do mesmo passo a castigar por virtude de comportamento que ele cogitou e teve por inadequado.

Ora, essas ações violentas praticadas no interior da habitação onde os menores dormiam e que, com o barulho, acordaram, decorreram na presença deles, ou seja, BB, então com 12 anos de idade, e CC, com 8 anos de idade, observaram os comportamentos violentos descritos, em que o seu pai agrediu verbal e fisicamente a mãe, a menorizou, desprezou e humilhou, acontecimentos que lhes foram impostos no âmbito da relação familiar e por virtude dela. Perante tal circunstancialismo, resulta inevitável a ilação de que também os menores foram vítimas dos comportamentos violentos perpetrados pelo pai.

Neste seguimento, a interrogação a que importa dar resposta, neste recurso - tendo presente que o recorrente aceita que não fosse propósito deliberado do arguido nas indicadas circunstâncias atingir os seus filhos -, é se o mesmo, ciente da presença deles, admitiu que, por via dos atos violentos que perpetrou, também atingia o bem-estar psicológico dos filhos e comprometia a sua saúde psíquica e emocional, ou melhor se é legítimo extrair tal ilação, como corolário lógico da materialidade dos factos, ou ainda, se de acordo com a normalidade das situações e das regras de experiência comum seria de esperar que assim acontecesse.

Analisado objetivamente o conjunto dos elementos expostos, considera-se que tal é o raciocínio lógico dedutivo que os factos descritos impõem, sendo, a nosso ver, mais consentânea com os contornos da atuação do arguido - focada na mãe dos seus filhos- e com o estado de etilizado em que se encontrava, a ilação de que o mesmo, ao expor os filhos menores aos atos de violência física, psíquica e emocional dirigida contra a mãe, representou como possível que assim atentava também contra o desenvolvimento, saúde psíquica e emocional dos seus filhos BB e CC, conformando-se com tal resultado.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, considera-se que também inexiste motivo para excluir a conexão entre os acontecimentos que presenciaram - materializados em ofensa à integridade física, honra e dignidade da mãe-, relativos ao episódio de maio de 2019, e o estado psicológico descrito nos relatórios de exame periciais a que os menores foram sujeitos.

Efetivamente, a sintomatologia ansiosa e a associação da figura paterna ao sofrimento da mãe observadas na menor BB, bem assim a representação negativa do pai e necessidade de proteção da mãe, postura adultificada, notadas no menor CC não podem dissociar-se da atuação violenta do pai dirigida contra mãe, que ambos presenciaram[23].

Sendo assim, ao decidir diferentemente, com base em inexistência de prova e por desvalorizar o teor dos relatórios periciais [admitindo, embora, que nenhum filho assiste com agrado ou indiferença aos conflitos entre os pais (cf. nota de rodapé 17), sem prejuízo de tal asserção não corresponder com rigor aos factos provados nos autos em que, mais do que conflitos, os menores presenciaram agressões do pai contra mãe], não efetivando raciocínio lógico dedutivo paralelo ao que realizou quanto à componente subjetiva da conduta do arguido que teve por vítima DD, o tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova que afetou a decisão tomada quanto à matéria de facto incluída nas alíneas h) e i) dos factos não provados.

No que respeita à conduta do arguido dirigida contra o filho CC, o tribunal a quo entendeu autonomizá-la e, dada a decisão que tomou quanto ao imputado crime de violência relativo aos menores, veio a enquadrar juridicamente o comportamento praticado no verão de 2018, a que se referem os factos provados 15, 16 e 39, em tipos de ilícito diferentes [crimes de ofensa à integridade física e de injúrias].

Contudo, ao retirar da matéria provada o facto constante da alínea h) e nada tendo aditado à matéria provada, o tribunal a quo veio a proferir decisão condenatória atinente aos crimes de ofensa à integridade física e de injúrias sem que a factualidade fixada como provada refletisse a componente subjetiva correspondente à conduta objetiva descrita nos aludidos pontos de facto (15, 16 e 39). Daí que não encontrem respaldo na factualidade provada as considerações tecidas, em sede de fundamentação de direito, a propósito do elemento subjetivo dos aludidos crimes, designadamente as seguintes:

- [quanto ao crime de ofensa à integridade física] Por outro lado, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de molestar o ofendido no seu corpo e saúde, bem sabendo que atentava contra o desenvolvimento e saúde física deste, não desconhecendo o carácter ilícito e criminalmente censurável da sua conduta, conforme igualmente se provou.

- [quanto ao crime de injúrias] Verifica-se, igualmente, o correspondente elemento subjectivo, já que se apurou que o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de menorizar e humilhar o ofendido, bem sabendo que atentava contra o desenvolvimento e saúde psíquica e emocional deste, não desconhecendo o carácter ilícito e criminalmente censurável da sua conduta. (realces nossos)

Consequentemente, o acórdão recorrido apresenta notória omissão na descrição factual que assume relevância para a decisão tomada quanto ao afastamento do crime de violência doméstica na pessoa de CC e ao preenchimento dos tipos de crimes de ofensa à integridade física e de injúrias, que permite afirmar a presença de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.

Depois, tendo presente o padrão da conduta violenta do arguido que decorre da imagem global dos factos, não encontramos razão para apartar o episódio do Verão de 2018 do contexto de violência doméstica dirigida contra a companheira e os filhos, pelo que a componente subjetiva dessa ação deve manter-se, no essencial, concordante com a imputação feita na acusação.

Em coerência com o exposto, uma vez que os notados vícios decisórios podem ser sanados nesta instância [cf. artigos 410.º, n.º 2, alínea a) e c), e 426.º, n.º 1, do Código Processo Penal], determina-se a alteração da matéria de facto, passando a integrar a factualidade provada a seguinte:

28-A- Atuou ainda ciente de que, ao agir da forma descrita nos pontos 15. e 16. contra o filho menor CC, atentava contra o desenvolvimento e saúde física, psíquica e emocional dele.

28-B- Mais admitiu que, ao expor os filhos menores à violência física, psíquica e emocional que infligiu sobre a mãe, no moldes descritos em 17. a 20., podia também atentar contra o desenvolvimento e saúde física, psíquica e emocional deles, assim violando o respetivo direito de confiança de que o progenitor se absteria desse tipo de condutas, resultado com o qual se conformou.

Além disso, aos factos dos pontos 29 e 30, determina-se o aditamento, no fim do texto, antecedido de vírgula, da menção seguinte: (…), o que é consequência, em parte, da factualidade descrita em 17. a 21.

Ainda, em decorrência, determina-se a eliminação da matéria não provada das alíneas h) e i).

Do modo descrito obtém acolhimento a pretensão recursória.


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Subsunção jurídica dos factos

Na sequência da ordenada alteração factual, cumpre, agora, proceder ao enquadramento jurídico da conduta do arguido no que respeita aos filhos menores.

O recorrente Ministério Público pugna pela subsunção do mencionado comportamento ao tipo de crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º, n.º 1, alínea d), ou em alternativa alínea e), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, embora na acusação pública conste a incriminação correspondente à previsão da alínea d) do n.º 1, e não à alínea e) do n.º 1, do mesmo preceito legal.

Todavia, a versão do texto legislativo vigente na data dos factos não integrava a última norma indicada, a qual foi aditada pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto (que ampliou a proteção das vítimas de violência doméstica), em vigor desde 17-08-2021, ou seja, no momento da prática dos factos [verão de 2018 e maio de 2019] inexistia a alínea e), do n.º 1, do artigo 152.º do Código Penal.

Sendo assim, excluída se mostra a ponderação da subsunção jurídica do comportamento do arguido à luz de nova norma incriminadora, sob pena de violação do princípio da legalidade [cf. artigo 1.º do Código Penal].

A redação da alínea d) do n.º 1, do artigo 152.º do Código Penal, em vigor na data dos factos, manteve-se inalterada na revisão introduzida pela Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto, vigorando atualmente (sem prejuízo de o corpo do n.º 1 ter sofrido o aditamento: ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns).

Recorde-se que a norma do artigo 152.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, prevê a conduta consistente em infligir maus tratos físicos ou psíquicos (…), a pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite.

No tipo legal de crime de violência doméstica protege-se a pessoa individual e a sua dignidade, a ratio do tipo não reside na proteção da comunidade familiar ou conjugal, mas antes na proteção da dignidade humana, reconduzindo-se o bem jurídico tutelado à saúde globalmente considerada. Trata-se de um bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental, bem jurídico este que pode ser afetado por toda a multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente, (...), afectem a dignidade pessoal do cônjuge (ex-cônjuge, ou pessoa com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga a dos cdnjuges), ou prejudiquem o possível bem-estar dos idosos ou doentes que, mesmo que não sejam familiares do agente, com este coabitem [24].

A tipicidade do ilícito preenche-se, ao nível do elemento objetivo, com a conduta consistente em infligir maus tratos físicos ou psíquicos [exemplifica o legislador com a menção de castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais[25]], dirigida contra pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade ou dependência económica, que com ele coabite (alínea d) do n.º 1, do artigo 152.º do Código Penal), no que interessa ao caso presente.

Arredada está a exigência de reiteração de condutas ou habitualidade de comportamentos violentos, face ao texto legislativo, na medida em que explicita que a conduta delituosa pode ter lugar de modo reiterado ou não[26], ou seja, para a consumação do crime é indiferente a existência de uma única conduta violenta ou a reiteração de condutas agressivas.

Enquadram maus tratos psíquicos comportamentos que envolvem humilhações, provocações, críticas e comentários destrutivos ou vexatórios, ameaças, injúrias, restrições ou privações de liberdade, perseguições[27], assim como outro tipo de condutas suscetíveis de atingir a integridade psíquica ou colocar em causa o bem-estar psicológico da vítima.

Na categoria de pessoa particularmente indefesa insere-se quem se encontra numa situação de especial fragilidade devido à sua idade precoce ou avançada, deficiência, doença física ou psíquica, gravidez ou dependência económica do agente[28]. Ou seja, enquadra tal classe de vítimas quem se encontra à mercê do agente e se mostra incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz, sendo tal incapacidade motivada, entre outros fatores, pela idade e/ou dependência económica[29].

Cumulativamente com a mencionada condição de desamparada[30] exige ainda a lei, para o preenchimento da tipicidade, que a vítima coabite com o agente.

No respeitante à componente subjetiva da conduta típica é exigível a atuação dolosa, não constituindo elemento do tipo uma especial intencionalidade, censurabilidade ou perversidade, ou seja, dolo específico.

Importa assinalar que a proteção dos menores expostos à violência intrafamiliar encontra atualmente mais ampla, expressa e autónoma previsão legal na já referida alínea e), do n.º 1, do artigo 152.º do Código Penal, em conjugação com as normas do artigo 67.º-A, n.º 1, alínea a), subalínea iii), do Código Processo Penal, e do artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 112/2009, de 16/09, em decorrência da também já citada Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto, porém, tal não significa que antes da entrada em vigor deste diploma legal a vivência de atos de violência doméstica por menores em contexto familiar, quando eles não fossem imediatamente visados pela ação do agressor, estivesse inteiramente desprotegida e não pudesse ser tutelada no âmbito da previsão do artigo 152.º, n.º 1, alínea d), quando verificada coabitação com o agressor e fragilidade da vítima necessárias à subsunção nesta norma[31].

Além disso, sublinha-se que, em resultado da referida lei, ao tipo legal de crime não foram introduzidas alterações que contendam rigorosamente com a caracterização da conduta delituosa em si mesma considerada, ou mais concretamente com a delimitação objetiva dos contornos da atuação típica, uma vez que o texto legislativo mantém a previsão: Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, acrescentando unicamente ao elenco exemplificativo de maus tratos já existente [castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais] as situações seguintes: impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios.

A mudança operada pelo aditamento de nova alínea ao n.º 1 do artigo 152.º, do Código Penal, concedeu expressa tutela como vítima de violência doméstica ao menor que seja seu [do agente] descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas a), b) e c), ainda que com ele não coabite, isto é, passou a estar contemplado, de forma expressa e autónoma, a prática de atuações maltratantes contra menor descendente do agente ou de uma das pessoas indicadas naquelas alíneas, com a abrangência alargada aos casos em que o menor não coabita com o agente.

Contudo, essa alteração não interfere com a parametrização da conduta típica, antes persiste como traço fundamental definidor da mesma: infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, nada sendo acrescentado no sentido de caraterizar os atos maltratantes e, mais especificamente, de neles incluir (à semelhança do que ocorre nos casos suprarreferidos que a lei exemplifica) a exposição a situações de violência doméstica diretamente perpetradas entre ou contra os progenitores.

Somente as normas legais definidoras do conceito de vítimas de violência doméstica, que como tal extravasam o tipo legal de crime e não delimitam os respetivos elementos constitutivos, passaram a expressar que nele estão incluídas as crianças ou os jovens até aos 18 anos que sofreram maus tratos relacionados com exposição a contextos de violência doméstica [cf. citados artigo 67.º-A, n.º 1, alínea a), subalínea iii), do Código Processo Penal, e artigo 2.º, alínea a), da Lei n.º 112/2009, de 16/09].

Em suma, a modificação legislativa em análise ampliou o catálogo de vítimas de violência doméstica- sem embargo de sobreposição em alguns casos com a norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 152.º, do Código Penal-, permitindo do mesmo passo dissipar dúvidas interpretativas sobre a abrangência do conceito de maus tratos, sem que, no entanto, tenha alterado a delimitação objetiva da atuação típica.

Na situação em análise, examinados os factos provados, consideram-se preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo de ilícito.

Assim, a imagem global dos factos apurados, observada sob o prisma dos menores BB e CC- então com 12 e 8 anos de idade respetivamente-, filhos do arguido e que com ele coabitavam, enquadra-se na previsão legal do tipo de crime de violência doméstica, a que nos vimos referindo.

As condutas do arguido são objetivamente subsumíveis ao conceito de maus tratos psíquicos quanto aos dois menores (episódio de Maio de 2019), materializando-se na prática de violência física e verbal direcionada pelo arguido contra a progenitora, ciente de que assim agia na presença dos filhos, o que eles próprios também vivenciaram e sofreram, dado que tais comportamentos violentos, demonstrativos de desprezo e humilhação pela mãe, lhe foram impostos no âmbito da relação familiar e por virtude dela, e apresentam evidente aptidão para atingir a saúde psíquica dos menores, isto é, são idóneos a atingir o respetivo bem-estar psicológico deles, a que se somam outros atos violentos cometidos individualmente contra o menor CC (episódio de Verão de 2018), também aptos a atingir a sua integridade psíquica e ainda física.

Ademais, considerada a idade dos ofendidos [12 e 8 anos de idade] e a situação de vivência com os progenitores, portanto em dependência familiar e económica deles, nas apuradas circunstâncias em que, após serem acordados às 3h:20m, na habitação conjunta de todos, foram confrontados com a prática de atos violentos perpetrados pelo pai contra a mãe e constrangidos a presenciar tais condutas maltratantes no seio familiar, os ofendidos BB e CC encontravam-se em situação de total incapacidade de se protegerem e defenderem dos maus tratos psíquicos assim infligidos pelo arguido, pelo que integram a categoria de vítimas prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 152.º do Código Penal. Identicamente o menor CC, dada a sua e dependência familiar e económica do arguido, também ele não tinha possibilidade de reação e proteção face aos atos violentos praticados pelo progenitor diretamente contra ele.

Acresce ainda que a matéria provada preenche o elemento subjetivo do tipo, uma vez que se apurou ter o arguido agido sempre com dolo, na modalidade de dolo direto no que se refere ao menor CC e dolo eventual quanto aos dois menores BB e CC.

Ao arguido está também imputada a agravação prevista no n.º 2, alínea a), do artigo 152.º do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 44/2018, de 9 de agosto, em vigor desde 01-09-2018, por isso, vigente na data dos factos (uma vez que o último ato ocorreu em maio de 2019), que se verifica quando o agente pratica o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima.

Da matéria provada resulta inequivocamente preenchida causa de agravação típica, visto que todos os factos foram praticados no interior do domicílio comum do arguido e das vítimas (cf. facto provado 31).

Pelos motivos que decorrem do explanado, não se acompanha o entendimento expresso no acórdão recorrido quer quanto à consideração de, por não se verificar uma situação de violência familiar/doméstica diretamente direcionada para os menores BB e CC, ou de os mesmos serem considerados como vítimas directas de actos de violência doméstica praticados pelo arguido menores, não ocorrer o preenchimento dos elementos típicos do crime de violência doméstica na pessoa dos mesmos, quer quanto à autonomização da conduta perpetrada contra o menor CC do contexto de violência doméstica, sendo certo, aliás, no que a este aspeto respeita, que não resulta dos factos provados a existência de um estado de nervosismo, exaltação e preocupação do arguido perante o referido comportamento do menor - consistente este em ter retirado dinheiro da avó sem autorização e o ter espelhado pelo chão (facto provado 39)-, convocado pelo tribunal a quo no sentido de justificar a ausência de intensidade ou gravidade do comportamento suscetível de configurar situação de violência parental.

Adicionalmente, importa esclarecer que a agravação da conduta criminosa perpetrada contra DD decorrente de ter sido praticada na presença dos menores (cf. alínea a), do n.º 2, do artigo 152.º do Código Penal), diz unicamente respeito à conduta praticada contra a mãe dos menores, isto é, atua na perspetiva dessa vítima e não interfere com a prática de crimes autónomos em que foram vítimas os mesmos menores[32].

Por conseguinte, mostrando-se preenchidos todos os elementos constitutivos do

tipo de crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.º, n.ºs 1, alínea

d), e 2, alínea a), do Código Penal, no que respeita aos ofendidos BB e CC, procede o recurso interposto pelo Ministério Público.

Acresce referir que a conduta plúrima do arguido atingiu bens eminentemente pessoais correspondentes a diferentes titulares, nomeadamente no que concerne ao tipo de crime em análise, em que foram vítimas os dois filhos menores do arguido, BB e CC, pelo que igual número de crimes foram cometidos (cf. artigo 30.º, n.º 1 e 3 do Código Penal). Tais ilícitos encontram-se também em concurso efetivo com o crime de violência doméstica cometido contra DD.


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Determinação das penas

Sendo assim, cumpre proceder à determinação das penas parcelares correspondentes aos crimes cometidos contra os menores BB e CC, e seguidamente à fixação da pena do concurso de crimes, em conformidade com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2016[33].

Medida das penas parcelares

A determinação da pena concreta tem como critérios fundamentais a culpa e a prevenção, como decorre do disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal.

A ponderação das necessidades de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; por seu lado, a consideração da culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limite as exigências de prevenção[34].

A prevenção enquanto princípio regulativo da medida da pena tem correspondência com o sentido que lhe é atribuído em matéria de finalidades da punição, ou seja, abrange a prevenção geral e a prevenção especial[35] [cf. artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal].

A prevenção geral positiva ou de integração, finalidade primeira da aplicação da pena, constitui o objetivo de tutela dos bens jurídicos, que fornece um critério de necessidade da pena a avaliar no caso concreto, estabelecendo uma moldura que tem por limites a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico[36].

Dentro dos limites da moldura fornecida pela prevenção geral operam as necessidades de prevenção especial de socialização que indicam a medida exata da pena concreta (artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal).

Por seu lado, a culpa, como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos, atua como limite inultrapassável das exigências de prevenção[37], ou seja, como limite máximo de quaisquer considerações preventivas, mormente de necessidades de prevenção geral, garantindo que o condenado não possa servir de instrumento de tais exigências [artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal].

Na determinação do quantum da pena intervêm os elementos que resultem apurados no caso concreto e sejam relevantes do ponto de vista da prevenção e/ou da culpa, desde que não façam parte do tipo legal de crime, sob pena de infração do princípio da proibição da dupla valoração, nomeadamente os fatores enumerados no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal.

Em qualquer caso a determinação da concreta medida da pena deve ser orientada pelo princípio da proporcionalidade, relativamente à gravidade do crime, ao grau e intensidade da culpa e às necessidades de reintegração do agente[38].

No caso presente, ao crime de violência doméstica praticado na pessoa de cada um dos menores corresponde a moldura penal de dois a cinco anos de prisão.

Na dosimetria das penas parcelares importa considerar a gravidade dos factos apurados perante o circunstancialismo envolvente, a multiplicidade de atos violentos praticados pelo arguido durante o episódio de Maio de 2019, a intensidade ofensiva do bem jurídico tutelado, o qual radica na saúde psíquica dos menores, também no que se refere ao episódio de Verão de 2018 a diversidade de condutas visando o menor CC, a utilização de insulto de acentuada carga ofensiva e o forte receio provocado no menor ao ponto dele se urinar no momento.

De ponderar também a personalidade do arguido espelhada nos comportamentos apurados denotando desrespeito pelo outro, sendo, no entanto, de realçar o facto de ter agido com dolo eventual, modalidade de dolo menos intensa, no que se refere aos dois filhos menores, o que já não sucede quanto ao comportamento dirigido contra CC, em que atuou com dolo direto.

Por outro lado, cabe ponderar o percurso de vida do arguido, escolaridade e inserção laboral, assim como a atual inserção familiar e profissional, a circunstância de se encontrar estabilizada a separação da mãe dos menores e reguladas as responsabilidades parentais, sem notícia de incidentes, e ainda a ausência de antecedentes criminais.

Os fatores indicados contribuem para aquilatar das necessidades punitivas e dosear a pena, à luz do binómio fundamental da culpa e da prevenção.

Tudo ponderado, tendo presente a moldura penal aplicável, consideram-se justas e proporcionadas as penas de 2 (dois) anos de prisão relativamente ao crime em que foi vítima BB e de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão correspondente ao crime de que foi vítima CC.

Medida da pena única

Relativamente à punição do concurso de crimes prevê a lei que a moldura penal aplicável é fixada entre o resultado da soma das penas parcelares aplicadas e a pena parcelar mais elevada, não podendo exceder 25 anos de prisão.

Dentro dos limites assim definidos determina-se a pena conjunta, em função dos parâmetros fundamentais da culpa e da prevenção, critérios gerais e comuns à fixação das penas parcelares, e ainda em função do critério especial consistente na avaliação conjunta da personalidade do agente e do seu comportamento global, conforme decorre das normas dos artigos 71.º, n.º 1, e 77.º do Código Penal.

Com a fixação da pena conjunta pretende-se punir o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas principalmente pelo respetivo conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente.

No caso presente, face à medida das penas parcelares supra fixadas e ainda da pena já imposta no acórdão recorrido quanto ao crime cometido contra DD, que são objeto de cúmulo jurídico, a moldura aplicável ao concurso de crimes situa-se entre 6 anos e 6 meses (limite máximo) e 2 anos e 4 meses de prisão (limite mínimo).

Avaliada a gravidade do ilícito global aliada à personalidade do agente revelada no conjunto dos factos, sendo acentuadas as exigências preventivas, principalmente as necessidades de prevenção especial de socialização em face da reiteração e diversidade de atos violentos, bem como do número de vítimas, fixa-se, por justa e adequada, a pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.


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Pena de substituição

Atenta a duração da pena única fixada, verifica-se o pressuposto formal para a aplicação da pena de substituição prevista no artigo 50.º do Código Penal.

Decorre da citada norma que a opção pela suspensão da pena de prisão assenta na previsão de que, por meio da mesma, serão alcançadas, adequada e suficientemente, as finalidades da punição, tendo em conta as circunstâncias do crime, a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior, ou seja, depende da formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do arguido, baseado na expectativa fundada de que a socialização em liberdade se conseguirá realizar[39].

Quando verificados os respetivos pressupostos legais, ao tribunal incumbe o poder-dever de substituir a pena de prisão por suspensão de execução da prisão, conforme entendimento uniforme da doutrina[40] e da jurisprudência[41].

A esta pena de substituição está associado um sentido pedagógico e reeducativo, norteado pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime[42].

Na ponderação sobre a viabilidade e adequação da suspensão da execução da prisão não intervêm considerações sobre a culpa do agente, mas antes prevalecem juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do arguido perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias de facto. Sempre que os mencionados fatores permitam ao julgador prever que são fundadas as expectativas de confiança na prevenção da reincidência[43] e, em concordância, se revelem satisfeitas as exigências de prevenção geral[44], deve tal pena substitutiva ser escolhida, atentas as disposições conjugadas dos artigos 40.º, n.º 1, e 50.º, n.º 1, do Código Penal.

No caso presente, atentas as características da atividade criminosa, visto o comportamento anterior do arguido, sem antecedentes criminais, considerada a sua inserção familiar e profissional, bem como a circunstância de manter vida autónoma relativamente à ofendida DD e de se encontrarem reguladas as responsabilidades parentais, sem notícia de incidentes, conclui-se pela viabilidade e adequação da pena suspensa para alcançar a satisfação das finalidades punitivas da pena[45].

Considerando a natureza do comportamento delituoso e a persistência de contactos com os menores, no âmbito das responsabilidades parentais, ademais atenta a norma do artigo 34.º-B da Lei n.º 112/2009 de 16-09, entende-se que a pena suspensa deve ser sujeita a regime de prova cumulada com a obrigação de o arguido frequentar programas específicos de prevenção de violência doméstica, mediante o apoio e fiscalização dos Serviços de Reinserção Social, fixando-se a duração da suspensão em três anos [cf. artigos 50.º, n.º 2, 51.º, n.º 4, 52.º, n.º 1, alínea b), e 53.º todos do Código Penal].


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Penas acessórias

O Ministério Público requereu na acusação pública a aplicação ao arguido das penas acessórias previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 152.º do Código Penal.

O tribunal a quo afastou a imposição de tais penas, por referência ao ilícito cometido na pessoa de DD, tendo em conta que o arguido não mantém quaisquer contactos com a assistente desde a separação do casal (há cerca de 4 anos) e não existe notícia nos autos da ocorrência de quaisquer conflitos/incidentes entre eles e/ou entre o arguido e os filhos menores. Além do que não se justifica a aplicação da pena acessória de proibição de uso e porte de armas, já que nenhum dos factos apurados nestes autos estão relacionados com o uso de armas.

Tal argumentação mantém-se válida e é igualmente aplicável no âmbito da punição dos crimes cometidos nas pessoas de BB e CC.

Assim, inexiste fundamento para se afirmar a presença de necessidades relacionadas com a proteção dos menores que possam ancorar a imposição de penas acessórias, encontrando-se já cominada a obrigação de frequentar programas específicos de prevenção de violência doméstica no âmbito da suspensão da execução da pena de prisão aplicada.


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Indemnização

O Ministério Público formulou na acusação pedido de atribuição de indemnização às vítimas [cf. artigo 82.º-A do Código de Processo Penal e artigo 21.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro].

DD, na qualidade de representante legal dos filhos menores BB e CC, deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, requerendo a sua condenação no pagamento de quantia indemnizatória no valor de 3.000,00€ para cada um dos menores.

Em face do caráter subsidiário do instituto de arbitramento oficioso de indemnização, uma vez formulado pedido de indemnização civil pelo lesado, a reparação deve operar-se no âmbito deste pedido, cessando a aplicação do disposto no referido artigo 82.º-A do Código Processo Penal[46].

No acórdão recorrido, após considerações jurídicas gerais sobre o direito a indemnização e os critérios de fixação do quantum indemnizatório, o tribunal a quo expôs e decidiu nos termos seguintes: (…)

É pacificamente aceite que o sofrimento moral e a repercussão da situação de sofrimento na esfera bio-psíquica do lesado (susceptível de ser verificada em termos médicos), quando não se traduza em meros incómodos, integra a situação de gravidade merecedora da tutela do direito.

No caso que nos ocupa, é apodíctico que as agressões físicas e verbais infligidas pelo demandado aos demandantes DD e CC são idóneas a causar-lhes – como causaram - dores físicas, receio e ansiedade e, no caso do menor, o mesmo ficou de tal forma assustado que se urinou no momento.

Estes danos (em si e no contexto em que ocorreram) constituem lesões que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito.

Assim, tendo em conta a natureza dos factos ilícitos e culposos praticados pelo demandado, o efeito por eles provocado na pessoa dos aqui demandantes, bem como o restante circunstancialismo apurado (nomeadamente o que se provou quanto à situação económico-financeira do arguido), entende-se ajustado fixar a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por cada um dos ofendidos/demandantes DD e CC nas quantias de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) para a primeira e € 500,00 (quinhentos euros) para o último.

Os demandantes peticionaram juros de mora contabilizados desde a data de notificação do pedido cível e até efectivo e integral pagamento.

No entanto, os juros de mora, calculados à taxa legal dos juros civis, serão contabilizados desde a data do presente acórdão, já que o valor indemnizatório agora fixado a título de compensação pelos danos não patrimoniais foi objecto de cálculo actualizado na data da presente decisão.

Já quanto à impetrada indemnização a favor da ofendida BB, atenta a absolvição do arguido do crime de violência doméstica agravado na pessoa desta menor, de que vinha acusado, bem como a falta de prova dos factos alegados no respectivo pedido de indemnizatório, inexistem in casu os pressupostos legais (artigo 483º do Código Civil) para atribuição a esta menor de qualquer compensação a esse nível.

Conforme se extrai do excerto transcrito, o tribunal a quo determinou a absolvição do pedido civil quanto à lesada menor BB em decorrência da absolvição do imputado crime de violência doméstica na pessoa da mesma menor. Além disso, a indemnização que fixou relativamente ao lesado menor CC visa ressarcir os danos resultantes dos crimes que considerou terem sido cometidos na pessoa do mesmo menor, tendo excluído a imposição de indemnização por danos decorrentes do imputado crime de violência doméstica em que o mesmo foi vítima conjuntamente com a irmã.

Ora, alterados os pressupostos da decisão tomada pelo tribunal a quo quanto ao pedido de indemnização civil, no âmbito do conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público, impõe-se o dever de retirar da procedência de tal recurso as devidas consequências para toda a decisão, nos termos previstos no artigo 403.º, n.º 3, do Código Processo Penal.

Assim, importa apreciar, neste momento, a matéria do pedido de indemnização civil julgada improcedente em consequência do segmento decisório do acórdão recorrido que deve ser revogado, na procedência do presente recurso.

Como resulta do artigo 129.º do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.

A indemnização civil por factos ilícitos regula-se, no respeita aos seus pressupostos e na determinação do respetivo quantitativo, pelas normas dos artigos 483.º, 496.º, 562.º a 566.º, todos do Código Civil.

A ressarcibilidade dos danos não patrimoniais encontra-se circunscrita àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, conforme prescreve o n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil.

O montante da indemnização para reparação destes danos deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do agente, à sua situação económica e à do lesado, bem como às demais circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, nos termos dos artigos 496.º, n.º 3, e 494.º do Código Civil[47].

De notar ainda que, em sede de danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente[48].

No caso presente, em face dos factos provados não subsistem dúvidas quanto à obrigação de indemnizar a cargo do demandado AA, porque verificados todos pressupostos legais [a) o facto do agente; b) a ilicitude; c) o nexo de imputação do facto ao lesante a título de culpa; d) o dano; e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima].

Os danos a ressarcir são unicamente de natureza não patrimonial, consistem em prejuízos a nível emocional e psicológico sofridos pelos menores BB e CC, em decorrência das condutas perpetradas pelo demandado, extraindo-se dos factos provados que os menores padeceram de inquietação e ansiedade associados ao sofrimento materno, apresentando CC uma postura adultificada e assumindo-se com protetor materno, consequências que são nefastas para o seu saudável crescimento psíquico e adequado desenvolvimento emocional. Além disso, também o menor CC sofreu ansiedade e receio causados diretamente pela conduta do demandado diretamente contra ele.

Trata-se de danos que indiscutivelmente merecem reparação, à luz da norma do artigo 496.º do Código Civil.

Ponderados os critérios legais, face à gravidade, dimensão e intensidade dos danos e ao grau de culpa do agente, atentas também as condições socioeconómicas de demandantes e demandado, considera-se justo e equitativo fixar a indemnização devida a BB no valor de €700,00 e no montante de €900,00 a indemnização devida a CC, para compensar todos danos por eles sofridos.

Aos quantitativos fixados acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente decisão até integral pagamento.


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III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em:

a) rejeitar o recurso interposto pela Assistente, pelo motivos enunciados supra;

b) conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, consequentemente:

- revogam o acórdão recorrido no segmento absolutório e condenatório relativo aos crimes de ofensa à integridade física simples (artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal), e de injúria (artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal);

- determinam a modificação da matéria de facto nos termos enunciados supra;

- condenam o arguido AA,

· pela prática de um crime de violência doméstica agravado (na pessoa da ofendida menor BB), p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

· pela prática de um crime de violência doméstica agravado (na pessoa do ofendido menor CC), p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;

· pelo concurso de crimes, em cúmulo jurídico das penas suprarreferidas e da pena imposta no acórdão recorrido [pela prática de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alíneas b) e c), e n.º 2, alínea a) do Código Penal] na pena única de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, acompanhada de regime de prova e subordinada à obrigação de o arguido frequentar programas específicos de prevenção de violência doméstica, mediante o apoio e fiscalização dos Serviços de Reinserção Social;

- condenam o demandado AA no pagamento aos demandantes BB e CC de indemnização respetivamente no valor de €700,00 e de €900,00, a que acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente decisão até integral pagamento.


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Custas a cargo da recorrente Assistente, fixando-se no mínimo a taxa de justiça.

Sem custas quanto ao recurso interposto pelo Ministério Público.


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Porto, 19 de março de 2025

Maria dos Prazeres Silva

Fernanda Sintra Amaral

William Themudo Gilman

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[1] Designadamente, alegando que era a sua então companheira quem, regularmente, iniciava os insultos e as agressões físicas, limitando-se o arguido a responder a tais insultos e a defender-se das agressões físicas.
[2] Com uma periodicidade de três ou quatros vezes por semana, motivadas pelas frequentes traições do arguido, sendo que ela era muito ciumenta e. por isso, também iniciava discussões com o arguido.
[3] Referindo-se às refeições que ela confecionava.
[4] Depois, emagreceu 24 quilos e passou a arranjar-se melhor, conforme referiu.
[5] O mesmo tinha estado a trabalhar no campo e tinha os pés sujos.
[6] Transcritas a fls. 33 a 35 dos autos, cuja leitura foi reproduzida na diligência de prestação de declarações para memória futura, estando reunidas as condições legais para o efeito (acordo de todos os intervenientes processuais, nos termos previstos no artigo 356º, nº2, al. b) e nº5 do CPP).
[7] A este respeito, esclareceu que, sempre que discutiam, o arguido dava-lhe empurrões e bofetadas, atirava-a ao chão e dava-lhe murros e pontapés, tendo existido várias ocasiões em que tal ocorreu, pelo que se trataram de situações distintas aquela em que o arguido lhe rasgou o vestido e aqueloutra em que lhe apertou o pescoço e lhe desferiu bofetadas e pontapés. Confirmou, assim, o teor das declarações por si prestadas no dia 13/03/2020 (a fls. 33 a 35 dos autos), até por estarem mais próximas da data da ocorrência dos factos e, por isso, ter nessa altura a memória mais viva dos acontecimentos.
[8] Que motivou a saída definitiva do arguido da casa de morada de família, segundo afirmou.
[9] Onde passou a trabalhar, fazendo limpezas.
[10] Não assistiu a este episódio, mas viu depois o menor com marca nas nádegas.
[11] Que ocorriam cerca de três vezes por semana.
[12] Numa altura em que frequentava o 5º ou 6º ano de escolaridade.
[13] Mas não presenciou.
[14] O que, diríamos nós, sempre acontece neste tipo de situações, pois nenhum filho assiste com agrado ou indiferença aos conflitos entre os pais.
[15] Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção, com um atraso global do desenvolvimento, tendo sofrido um atropelamento, não estando clara a existência ou não de TCE, tal como consta do Relatório Pericial junto aos autos.
[16] Vd. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 03-11-2010, proc. 54/09.4GBPRD-B.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[17] Vd. Acórdão Tribunal da Relação do Porto de 05-06-2024, proc. 168/22.5GFVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[18] Vd. Pereira Madeira, Código Processo Penal Comentado, 4.ª edição, pág. 1327.
[19] Cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª edição, pág. 75.
[20] Cfr. Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 02-10-96, proc. 045267, disponível em www.dgsi.pt.
[21] A acusação pública de 23-03-2024 (Referência: 413850676), reporta-se aos menores nos segmentos seguintes:
i. menção inicial, meramente identificativa dos filhos do casal;
ii. menção relativa a episódio de agressão e injúrias ao filho CC;
iii. menção relativa a episódio de Maio de 2019, 03:20h, envolvendo agressões e injúrias dirigidas contra DD, com a indicação de ter ocorrido na presença dos menores.
iv. no que respeita ao elemento subjetivo: Também, ao expor os filhos menores à violência física psíquica e emocional que infligia sobre a mãe e, ainda, ao destratar verbalmente o filho CC, o arguido bem sabia que atentava contra o desenvolvimento e saúde física, psíquica e emocional destes, violando o respetivo direito de confiança de que o mesmo se absteria de tal tipo de condutas.
iii. menção ao teor dos relatórios periciais, precedida da indicação: É que, mercê de todas as referidas condutas do arguido: o menor CC apresenta (…)
a menor BB apresentou (…).
O acórdão transpôs para a matéria provada os pontos i -iii, v, indicados supra, que correspondem aos factos provados 2, 15-16, 21, 29 e 30, os dois últimos com exclusão de terem ocorrido mercê de todas as referidas condutas do arguido, a matéria do ponto iv integra a factualidade não provada da alínea h) e a indicação de que o referido nos relatório periciais dos menores seja consequência de todas as referidas condutas do arguido consta da alínea i) dos factos não provados, inexistindo qualquer outra referência relativa aos menores.
[22] Encontrando-se, pois, em condições de integrar a narração vertida na acusação.
[23] Da acusação pública consta: É que, mercê de todas as referidas condutas do arguido:
- o menor CC, junto aos autos, apresenta «dificuldades na sua capacidade de autorregulação (…), nomeadamente no que diz respeito ao vínculo com o progenitor, que é sentido como inseguro», destacando-se uma «representação negativa do progenitor» com «grande necessidade»(…) «de proteger a mãe, sentida como mais próxima afetivamente e mais frágil, traduzindo numa parentificação do seu comportamento. Apresenta uma postura adultificada, assumindo-se como protetor materno, o que poderá estar associado à vivência de situações disruptivas entre os progenitores»;
-a menor BB apresentou « sintomatologia ansiosa associada ao processo judicial em curso», onde «a figura paterna é uma figura ambígua e está associada quer ao sofrimento materno, quer fraterno.».
 
[24] Cfr. Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª Edição, pág. 512.
[25] De acordo com a revisão operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, que entrou em vigor em 15-09-2007.
[26] De acordo com a versão do preceito em vigor desde 15-09-2007, resultante da citada Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro.
[27] Vd.  Nuno Brandão, A tutela penal especial reforçada da violência doméstica, Revista JULGAR - N.º 12 (especial) – 2010, pág. 19.
[28] Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 6.º edição atualizada, pág.  686.
[29] Vd., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-11-2015, proc. 119/14.0JAPRT.P1.S1; Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 19-06-2019, proc. 7886/15.2TDLSB.L1-3, disponíveis em www.dgsi.pt.
[30] Cf. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 1999, pág. 31, em comentário sobre equivalente qualificativa do crime de homicídio -artigo 132.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal, refere-se à situação de desemparo da vítima.
[31] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 02-05-2024, proc. 1061/21.4GBVNG.P1.S1 [em que se aponta:(…) as alterações ao tipo legal, designadamente, com a inclusão da alínea e) ao seu n.º 15, bem como à redação do art. 2.º al. a), da Lei n.º 112/2009, de 16/09, e à do art. 67.º -A n.º 1 al. a) iii), do C.P.P. vão no bom sentido de afastar a velha e pouco rigorosa distinção que se fazia entre crianças vítimas de violência doméstica e crianças expostas à violência doméstica.]; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-12-2024, proc. 168/22.5GFVNG.P1.S1 [em que se distinguem os quadros legais anteriores e posteriores à entrada em vigor da Lei n.º 57/2021, de 16 de agosto, dando nota da existência de entendimento jurisprudencial de que o menor particularmente indefeso, exposto a situações de violência doméstica entre adultos, nomeadamente entre os progenitores, encontrava proteção na previsão da alínea d) do nº 1 do artigo 152.º do Código Penal, na redação anterior à citada lei];  Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07-05-2019, proc. 1508/15.9T9BJA.E1; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-06-2019, proc. 7886/15.2TDLSB.L1-3, de 11-07-2024, proc. 1251/22.2POLSB.L1-9 [Antes da entrada em vigor da Lei nº 57/2021, de 16/08, havia já quem sustentasse (e é essa aliás a nossa posição), que o menor exposto a uma situação de violência doméstica entre adultos, se categorizável como «pessoa particularmente indefesa», no quadro da alínea d) do nº 1 do art. 152º do Código Penal, era já, ele próprio, uma vítima de um crime autónomo de violência doméstica, ainda que muitas vezes escondida, esquecida, desconhecida ou silenciosa (Ana Isabel Sani e Diana Cardoso, A exposição da criança à violência interparental: uma violência que não é crime, in “RevistaJulgar online”, 2013, pgs. 2-3)], todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[32] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05-06-2024, proc. 168/22.5GFVNG.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[33] Publicado no DR, I Série, 36, 22.02.2016, que fixou a seguinte jurisprudência: “Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal”.
[34] Cf. Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2018, pág. 43.
[35] Cf. Maria João Antunes, ob. citada, pág. 43.
[36] Cf. Maria João Antunes, ob. citada pág. 45.
[37] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-07-2015, proc. 315/11.2JELSB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[38] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-04-2019, proc. 765/15.5T9LAG.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, No Ac. nº 632/2008 de 23-12-2008, do Tribunal Constitucional, pode ler-se: “Como se escreveu no Acórdão n.º 187/2001 (ainda em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93):
«O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios:
-Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos);
-Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);
-Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).»
[39] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, CJ/STJ, tomo II/98, p. 237.
[40] Vd. Maria João Antunes, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 57.
[41] Vd., entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-03-2007, proc. 07P617, disponível em www.dgsi.pt.
[42] Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2015, proc. 285/07.1 JABRG-F.S1, disponível em www.dgsi.pt.

[43] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-2003, proc. 03P2131, disponível em www.dgsi.pt.

[44] Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 227, As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outo lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.
[45] Vd. Acórdão Supremo Tribunal de Justiça de 15-09-2021, proc. 107/19.0SGLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt
[46] Vd., no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proc. 21/20.7GASSB.E2, disponível em www.dgsi.pt.
[47] Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra, 1991, págs. 484 e 485.
[48] Cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 7.ª edição, Coimbra, 1991, pág. 602.