Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | CARLA FRAGA TORRES | ||
| Descritores: | CHEQUE BANCÁRIO TRANSMISSÃO SEM ENDOSSO | ||
| Nº do Documento: | RP202510132817/23.9T8AVR.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | A mera transmissão, sem endosso, a um terceiro pelo portador (quando não beneficiário) de um cheque subscrito pelo sacador, não torna o transmitente num obrigado cambiário. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 2817/23.9T8AVR.P1 – Apelação Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Local Cível de Aveiro – Juiz 2 Relatora: Carla Fraga Torres 1.º Adjunto: Ana Olívia Esteves Silva Loureiro 2.º Adjunto: António Mendes Coelho Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da 5.ª Secção Judicial/3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório. Recorrente: AA Recorrido: BB AA instaurou a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra BB, CC e DD, pedindo a condenação: - do 1.º R. no capital de € 35000 e juros vencidos e vincendos, contados desde a data da constituição em mora, datada de 31.03.2021, até ao momento do cabal, integral e efectivo pagamento, sendo a quantia de € 20.000 à taxa convencionada de 7% e, ainda, os remanescentes € 15 000 à taxa legal supletiva em vigor; - da 2.ª R. solidariamente no valor parcial do pedido, no capital de € 21000, bem como em juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva civil de 4% ao ano, sempre contados desde a data da constituição em mora datada e até ao momento do cabal, integral e efectivo pagamento, e - da 3.ª R. solidariamente no valor parcial do pedido, no capital de € 3000, bem como em juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal supletiva civil de 4% ao ano, contados desde a data da constituição em mora e até ao momento do cabal, integral e efectivo pagamento. Para o efeito, alegou, em síntese, que, em 2021 emprestou ao 1.º R. 35.000,00 €, de que relativamente à quantia 20.000,00 € existe documento particular, inclusive do modo de pagamento e dos juros, e em relação ao remanescente e para o respectivo pagamento quatro cheques no valor total de 24.000,00 € titulados por pessoas terceiras, as aqui 2.ª e 3.ª RR. Acrescentou que a referida quantia ainda não lhe foi restituída e que os referidos cheques foram devolvidos por falta de provisão, com o que despendeu a quantia de 25.00 € por cada um deles, sendo as 2.ª e 3.ª RR., enquanto emissoras respectivas desses cheques, devedoras solidárias de 21.000,00 € aquela e 3.000,00€ esta última. Citados os RR., a 2.ª R. na sua Contestação começou por invocar a falsidade dos cheques cuja assinatura lhe é imputada e bem assim a caducidade do direito de acção do A. para depois negar que tenha assumido qualquer obrigação perante o A. Notificado para responder, o A. impugnou as excepções invocadas, reiterando que os cheques a que a 2.ª R. se refere “portam a respectiva assinatura”, “jamais foram declarados como estando extraviados” e”foram devolvidos pela câmara de compensação por falta de provisão”. Foi proferido despacho saneador, com conhecimento da pretensão dirigida contra a 2.ª R. que foi absolvida do pedido, decisão que foi objecto de recurso que veio a ser julgado improcedente. Foi fixado o objecto da acção e os temas de prova. Realizada a audiência final foi proferida sentença com o seguinte segmento decisório: “V. DECISÃO Em face do exposto, julga-se a ação parcialmente procedente e, em conformidade, DECIDE-SE: A) CONDENAR o réu BB a pagar, ao autor a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), dos quais € 3.000,00 (três mil euros) são em regime de solidariedade com a ré DD; B) CONDENAR o réu BB a pagar, ao autor, juros de mora vencidos sobre a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), desde 31-03-2021, e vincendos, até integral pagamento, à taxa de 7% (sete por cento) ao ano; C) ABSOLVER o réu BB do demais peticionado (da quantia remanescente peticionada, respetivos juros e despesas com a devolução de cheques); D) CONDENAR a ré DD no pagamento da quantia de € 3.000,00 (três mil euros), em regime de solidariedade com o primeiro réu; E) CONDENAR a ré DD no pagamento de juros vencidos sobre a quantia de 3.000,00 €, desde 22-02-2022, e vincendos, até integral pagamento, à taxa supletiva legal para os juros civis; F) ABSOLVER a ré DD do demais peticionado (custos suportados com a devolução de cheques)”. Inconformada com tal sentença, dela apelou o A., concluindo as suas alegações de recurso nos seguintes termos: (…) Os RR. não apresentaram contra-alegações. O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Recebido o processo nesta Relação, proferiu-se despacho a considerar o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com o efeito e o modo de subida adequados. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art. 5.º, n.º 3 do citado diploma legal). As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes: i) da alteração da decisão de facto quanto aos pontos 1 dos factos provados e als. a) e b) dos factos não provados e do efeito da falta de contestação do recorrido/R. ii) da alteração da decisão de mérito. * III. Fundamentação3.1. Fundamentação de facto O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos (destacando-se a negrito a matéria de facto ora impugnada): 1) Em 28-01-2021 o autor entregou ao réu varão, BB, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), obrigando-se este a devolver a mesma àquele. 2) Por documento escrito datado de 28-01-2021, o autor, na qualidade de primeiro outorgante, e o réu varão, BB, na qualidade de segundo outorgante, elaboraram um documento escrito designado “CONFISSÃO DE DÍVIDA”, através do qual este declarou ser devedor da quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), àquele. 3) Aquando do referido em 2) o réu varão, BB, declarou, ainda, que: “2 - Mais declara o Segundo Outorgante que se obriga a pagar tal quantia ao Primeiro Outorgante impreterivelmente até ao dia 31 de Março de 2021. Declara ainda o Segundo Outorgante obrigar-se ao pagamento de duas tranches de 10.000,00 (dez mil euros) cada, sendo a primeira tranche até dia 05 de fevereiro de 2021 e a segunda tranche até 31 de março de 2021. O não pagamento integral de qualquer prestação, será considerado como incumprimento integral do presente, configurando-se assim titulo executivo em beneficio do Segundo Outorgante, sem necessidade de qualquer outra interpelação junto do Primeiro Outorgante. 3 – Em caso de incumprimento, o Segundo Outorgante pagará a quantia em divida acrescida dos juros de mora vencidos desde a data da constituição em mora, que serão calculados à taxa de 7% ao ano, desde a data do empréstimo ora reconhecido e confessado a até à liquidação integral, efetiva e completa, do montante em dívida.”. 4) O réu varão entregou, ao autor, o cheque com o n.º ..., do Banco 1... emitido pela ré DD, em 04-01-2022, a favor de AA, no montante de € 3.000,00 (três mil euros). 5) O cheque referido em 4) foi apresentado a pagamento, tendo sido devolvido na compensação do Banco de Portugal em 22-02-2022, por falta de provisão. 6) O réu entregou ao autor os seguintes cheques: 6.1) o cheque com o n.º ..., que contém as seguintes inscrições: - “Banco 2...”; - o nome “CC” e uma assinatura com esse nome; - a quantia de € 7.000,00 (sete mil euros); - a data de 11-03-2022; - “à ordem de AA”; - no verso: “DEVOLVIDO P/FALTA PROVISÃO EM 21 FEV 2022, Banco 2..., S.A. SERVIÇO COMPENSAÇÃO”; 6.2) o cheque com o n.º ..., que contém as seguintes inscrições: - “Banco 2...”; - o nome “CC” e uma assinatura com esse nome; - a quantia de € 7.000,00 (sete mil euros); - a data de 10-04-2022; - “à ordem de AA”; - no verso: “DEVOLVIDO P/FALTA PROVISÃO EM 01 ABR 2022, Banco 2..., S.A. SERVIÇO COMPENSAÇÃO”; 6.3) o cheque com o n.º ..., que contém as seguintes inscrições: - “Banco 2...”; - o nome “CC” e uma assinatura com esse nome; - a quantia de € 7.000,00 (sete mil euros); - a data de 15-02-2022; - “à ordem de AA”; - no verso: “DEVOLVIDO P/FALTA PROVISÃO EM 14 SET 2022, Banco 2..., S.A. SERVIÇO COMPENSAÇÃO”. B. FACTOS NÃO PROVADOS Não se provou que: a) o valor entregue pelo autor, ao réu, tivesse sido de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) e que tal tivesse ocorrido no início do ano de 2021; b) os cheques referidos em 4) e 6) se tivessem destinado a documentar e a pagar o valor emprestado pelo autor, ao réu, acima dos € 20.000,00 (vinte mil euros) referidos nos factos provados; c) o autor tivesse suportado o custo de € 25,00 (vinte e cinco euros) pela devolução de cada um dos quatro cheques que lhe foram entregues pelo réu varão BB”. * 3.2. Fundamentação de direito3.2.1. Da impugnação da decisão de facto Como decorre do acima exposto, o recorrente impugna a decisão relativa aos pontos 1 do elenco dos factos provados e as als. a) e b) dos factos não provados. A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo art. 662.º, n.º 1, do CPC, segundo o qual a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Para o efeito, o art. 640.º, n.º 1 do CPC impõe que o recorrente especifique obrigatoriamente, sob pena de rejeição, nas conclusões, os pontos de facto que considera incorretamente julgados e na motivação, os concretos meios de prova constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto. No caso considera-se que o recorrente cumpriu os aludidos ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pelo que, no que respeita aos factos especificadamente indicados, importa conhecer por via da reapreciação dos meios de prova disponíveis no processo, posto que, como escreve Abrantes Geraldes, embora “a modificação da decisão da matéria de facto esteja dependente da iniciativa da parte interessada e deva limitar-se aos pontos de facto especificadamente indicados, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art. 640.º, a Relação já não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art. 413.º), sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão” (in “Recursos em Processo Civil”, 7.ª Edição, Almedina, pág. 341). O art. 607.º, n.º 5 do CPC, de que outros preceitos legais como os arts. 389.º, 381.º e 396.º do CC, a propósito, respectivamente da prova pericial, da inspecção judicial e da prova testemunhal, dão eco, consagra o princípio de que o juiz aprecia livremente a prova segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, excluindo desta livre apreciação os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. Na verdade, as provas, dispõe o art. 341.º do CC, têm por função a demonstração da realidade dos factos, o que, como ensinam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, não se consegue “visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente), como é, por exemplo, o desenvolvimento de um teorema nas ciências matemáticas”. Esclarecendo, os mesmos autores escrevem que “A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, e que “O resultado da prova traduz-se assim, as mais das vezes, num efeito psicológico, embora a demonstração que a ele conduz no espírito do julgador, envolva a cada passo operações de carácter lógico” (in “Manual de Processo Civil”, 2.ª Edição, Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, págs 435/436). Daí que, na fundamentação da sentença, o art. 607.º, n.º 4 do CPC imponha que o juiz declare quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Os supra citados autores salientam que “Além do mínimo traduzido na menção especificada (relativamente a cada facto provado) dos meios concretos de prova geradores da convicção do julgador, deve este ainda, para plena consecução do fim almejado pela lei, referir, na medida do possível, as razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova” (in loc. cit., pág. 653). Verdade que, como sublinha Abrantes Geraldes, “existem aspectos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas são percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção do julgador. O sistema não garante de forma tão perfeita quanto a que é possível na 1.ª instância a perceção do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, em suma, de todos os fatores coligidos pela psicologia judiciária e de onde é legítimo aos tribunais retirar argumentos que permitam, com razoável segurança, credibilizar determinada informação ou deixar de lhe atribuir qualquer relevo. Além do mais, todos sabemos que, por muito esforço que possa ser feito na racionalização da motivação da decisão da matéria de facto, sempre existirão fatores difíceis ou impossíveis de concretizar ou de verbalizar, mas que são importantes para fixar ou repelir a convicção formada acerca do grau de isenção que preside a determinados depoimentos” (in loc. cit., págs. 348 e 349). Em todo o caso, sublinha este autor que “a Relação poderá e deverá modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado…se a Relação, procedendo à reapreciação dos meios de prova postos à disposição do tribunal a quo, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro, deve proceder à correspondente modificação da decisão. E para isso, tem de pôr em prática as regras ditadas acerca da impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto provada e não provada” (in loc. cit., págs. 348 e 350). Efectivamente, a questão que se coloca relativamente à prova, quer na 1ª Instância quer na Relação, é sempre a da valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação, pois que, em ambos os casos, vigoram para o julgador as mesmas normas e os mesmos princípios. Retomando o caso dos autos, vejamos em conjunto, porque relativos ao mesmo quadro factual, os concretos pontos da matéria de facto cuja decisão foi impugnada pelo recorrente. Recordando, os identificados pontos do elenco dos factos provados e do leque de factos não provados têm a seguinte redacção: - ponto 1 dos factos provados: “Em 28-01-2021 o autor entregou ao réu varão, BB, a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), obrigando-se este a devolver a mesma àquele” - al. a) dos factos não provados: “o valor entregue pelo autor, ao réu, tivesse sido de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) e que tal tivesse ocorrido no início do ano de 2021”, e - al. b) dos factos não provados: “os cheques referidos em 4) e 6) se tivessem destinado a documentar e a pagar o valor emprestado pelo autor, ao réu, acima dos € 20.000,00 (vinte mil euros) referidos nos factos provados”. Relativamente a esses pontos, pretende o recorrente que o ponto 1 passe a ter a redacção a seguir indicada e que as als. a) e b) transitem para os factos provados com a redacção infra: - 1) “Em 2021 e 2022 o autor entregou ao réu varão, BB, a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), e a obrigando-se este a devolver a mesma àquele”; - al. a) “o valor entregue pelo autor, ao réu, foi no valor total de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), ocorrido no início do ano de 2021 e até meados de 2022”, e - al. b) “os cheques referidos em 4) e 6) destinavam-se a documentar e a pagar o valor emprestado pelo autor, ao réu, acima dos € 20.000,00 (vinte mil euros), até ao valor total de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros)”. Como prova desta factualidade o recorrente apresenta os documentos 1 a 5 juntos com a petição inicial, que consistem no documento escrito denominado de confissão de dívida a que se referem os pontos 2) e 3) dos factos provados e os cheques melhor descritos nos pontos 4) e 6) dos factos provados, assim como indica as declarações do A. e o depoimento da testemunha EE. Efectivamente, o recorrente em julgamento disse que por várias vezes emprestou ao recorrido/R. diversas quantias que, numa fase inicial, em 2019, ele foi pagando, e que depois, em 2020/2021, ele deixou de pagar, ascendendo o montante em dívida ao valor de 35.000,00 €, dos quais à data da assinatura daquela declaração estavam em dívida a quantia de 20.000,00 €, e, depois, porque relativos a empréstimos subsequentes, os restantes 15.000,00 €, correspondentes à tal viatura, no valor 5.000,00 €, cuja propriedade foi transferida para o recorrido/R. e a quantia de 8.000,00 €, que para o efeito lhe foi cedida pelo irmão. Aquela declaração de dívida era uma salvaguarda para este. Acrescentou que há 4 cheques, o de 3.000,00 € e 3 cheques datados cada um deles de 7.000,00 € que foram entregues pelo recorrido/R. para garantir o pagamento ou pagar o que estava em causa… para fazer o pagamento do que estava caso ele não fizesse o pagamento da outra forma. Disse que a dada altura havia uma pressão da sua parte constante e permanentemente e então ele dá esses cheques que é uma garantia para que se não estivesse pago “metes” os cheques. Com a devolução dos cheques por falta de provisão interpelou o recorrente/R. Confrontado reconheceu a confissão de dívida que constitui o documento 1 com a petição inicial que foi elaborada pelos dois no seu local de trabalho e que o montante em dívida chegou aos 35.000,00 € e não o somatório dos cheques e da confissão de dívida porque entretanto entre aquela dita entrega e recebimento depois chegou-se ao valor final que foi esse. A testemunha EE disse que emprestou 8.000,00 € em dinheiro ao recorrente, seu irmão, o que terá acontecido em meados de 2022. Por sua vez a declaração de dívida a que se referem os pontos 2) e 3) dos factos provados data de 28/01/2021 refere-se unicamente a 20.000,00 € a pagar em duas prestações de 10.000,00 € cada uma, a primeira até ao dia 5/02/2021 e a segunda até 31/03/2021. E os cheques têm o valor de 3.000,00 €, um deles, e de 7.000,00 € cada um dos outros 3, num total de 24.000,00 €. A data de vencimento desse cheques é de 4/01/2022, 15/02/2022, 11/03/2022, e 10/04/2022, respectivamente, e a sua entrega ao recorrente surgiu, segundo o próprio, depois das sua pressões constantes e permanentes junto do recorrido, para garantir o pagamento. Ora, a prova assim produzida não permite determinar a que valores em dívida se destinaram os referidos cheques, se aos 20.000,00 € a que a confissão de dívida dizia respeito, se a outros valores que entretanto tenham sido emprestados. Na verdade, as declarações do recorrente, per se, não se nos afigura que possam desempenhar um papel esclarecedor a esse respeito, tanto mais que sendo no sentido desta última hipótese o beneficia, e, como tal, não constituindo confissão (cfr. art. 352.º do CC), devem ser livremente apreciadas, ao abrigo do art. 466.º, n.º 3 do CPC. Para mais, o que se estranha, já não é só que não tendo sido pago o valor de 20.000,00 € nos termos da declaração de dívida (10.000,00 € até 5/01/2021 e os outros 10.000,00 € até 31/03/2021), o recorrente tenha voltado a emprestar dinheiro ao recorrido/R, segundo a testemunha EE em meados de 2022, mas também e sobretudo que o tenha feito sem qualquer formalização idêntica àquela salvaguarda, para usar as palavras do recorrente, que nesta altura ainda mais se justificava. Note-se que o recorrente, de acordo com o próprio, a dada altura pressionou o recorrido/R. de modo constante e permanente e então o R. deu-lhe aqueles cheques. Não declarou o recorrente que os referidos cheques foram entregues aquando dos empréstimos que diz ter feito depois da declaração de dívida de 28/01/2021, o que significa que, a ter feito empréstimos subsequentes à declaração de dívida e ao não pagamento da mesma (“impreterivelmente até ao dia 31 de Março de 2021), o recorrente, apesar de já anteriormente ter sentido necessidade de se salvaguardar com um documento daquele género e de ainda assim não ter recebido o valor em dívida de 20.000,00 €, não terá exigido qualquer documento comprovativo dum empréstimo, que, de uma só vez, ascenderia ao valor significativo de 8.000,00 € em dinheiro. De facto, a hipótese de os cheques em causa terem constituído mais uma oportunidade e mais uma tentativa do recorrente receber do recorrido/R. os mencionados 20.000,00 €, acrescidos de uma compensação de 4.000,00 €, é compatível com o conjunto da prova analisada nos termos sobreditos. Neste contexto, afigura-se-nos que a prova produzida não permite afirmar que, para além do valor de 20.000,00 € a que se refere a declaração vertida nos pontos 2) e 3) dos factos provados, o recorrente, em 2021 e 2022, emprestou ao recorrido/R. mais 15.000,00 € e que os cheques referidos em 4) e 6) se tivessem destinado a documentar e a pagar o valor emprestado pelo autor ao réu acima desses 20.000,00 €. De onde, nesta parte se julga improcedente a impugnação e, consequentemente, se mantém a decisão do tribunal recorrido relativamente à matéria de facto vertida no ponto 1) dos factos provados e nas als. a) e b) dos factos não provados. Quanto à apontada falta de contestação do R./recorrido, por força das disposições conjugadas dos arts. 574.º, n.º 1 e 568.º, al. a) do CPC, nem por isso se consideram confessados os factos articulados pelo recorrente relativamente aos factos que a R. CC contestou, ou seja todos os relativos aos alegados empréstimos e parte dos relativos aos cheques com o nome de CC, alegados no art. 13.º e no art. 15.º da PI. O art. 13.º da PI diz que “Ainda, o autor ficou na sua posse, por entrega e para documentação do remanescente, sempre por instrução directa do 1.º réu e para esse tanto pagamento parcial, com quatro cheques bancários que totalizam a quantia de € 24 000 (vinte e quatro mil euros), os quais são titulados por pessoas terceiras, as aqui 2ª e 3ª rés, assim entregues, repita-se, pelo 1.º réu ao aqui autor e para pagamento da dívida, a saber: - de CC, 2.ª ré, os cheques ....7 - Banco 2..., no valor de € 7000 (sete mil euros) ....5 - Banco 2..., no valor de € 7000 (sete mil euros) ....9 - Banco 2..., no valor de € 7000 (sete mil euros) - de DD, 3.ª ré, o cheque ... – Banco 1..., no valor de € 3000 (três mil euros)”. Sobre esta matéria, a 2.ª R. disse o que, em suma, verteu nos arts. 7.º e 34.º da sua Contestação: “7. Tais cheques foram-lhe subtraídos sem o seu conhecimento e o seu preenchimento e a assinatura que deles consta é forjada, aposta por terceiro sem a autorização da ré, em momento e data que não consegue precisar”. 34.º “Do dito pelo autor em 13., é falso que a ré tenha titulado os cheques bancários ali identificados” (art. 34.º da Contestação). No art. 15.º da PI o recorrente disse que “Os documentos assinados são da lavra e iniciativa do 1.º R., bem como os cheques foram igualmente por si entregues ao aqui autor”. Sobre esta factualidade a R. contestante disse que “Aceita a confissão expressa pelo autor em 15. onde afirma que “Os documentos assinados são da lavra e iniciativa do primeiro réu”, para não mais ser retirada – art. 465º, nº 1 e 2 do CPC – donde se extrai que ele bem conhece que as assinaturas dos cheques acima discriminados não é da mão e autoria da ré (cfr. art. 33.º da Contestação). Não diz o recorrente quais os factos que, alegados por si, deveriam ser considerados provados por confissão, e que não constem entre os factos provados. Com efeito, entre estes consta, como alegado pelo recorrente na petição inicial, designadamente nos pontos 2) e 3), a confissão de dívida do recorrido/R., e, no ponto 6, a entrega pelo recorrido/R. ao recorrente dos cheques com o nome de CC. Na verdade, não foi alegado pelo A./recorrente que o R./recorrido, como sacado ou como endossante ou a qualquer outro título, tenha assinado os três cheques que alega serem titulados por pessoas terceiros, no caso destes três cheque pela 2.ª R., tanto que essa matéria não consta do objecto da acção, de que não houve reclamação. De facto, quando no art. 15.º da petição inicial o recorrente afirma que “Os documentos assinados são da lavra e iniciativa do 1.º R.”, refere-se à “confissão de dívida” e, quando nesse mesmo artigo menciona os cheques refere-se unicamente à sua entrega a si pelo R./recorrido, posto que como reforça no art. 22.º da petição inicial os cheques foram emitidos por duas outras pessoas. A causa de pedir que o recorrente invoca em relação ao R./recorrido é unicamente a correspondente aos empréstimos que lhe concedeu, não lhe imputando qualquer assinatura dos cheques que o mesmo lhe entregou a si, designadamente dos que alega serem titulados pela 2.ª R.. Neste conspecto, nenhuma alteração importa fazer a este respeito à decisão da matéria de facto, que, atento o exposto, também não carece de ser ampliada. * 3.2. Reapreciação da decisão de mérito da acçãoEm face da manutenção da matéria de facto, a decisão de mérito proferida pelo Tribunal a quo não suscita a este tribunal motivos de reparo. Em todo o caso, em reforço do que anteriormente se deixou dito, sempre se dirá a respeito do pedido dirigido contra o recorrido/R. que o recorrente o assentou nos empréstimos que foi concedendo aos mesmo e não nos cheques que servem de fundamento à relação cambiária invocada contra a 2.ª R., por um lado, e contra a 3.ª R, por outro. De acordo com as disposições conjugadas dos arts. 1.º e 3.º da Lei Uniforme Sobre Cheques (LUCH) resulta que o cheque constitui uma ordem de pagamento dirigida a um banqueiro em cujo estabelecimento o emitente tem fundos depositados, sendo beneficiário desse pagamento o próprio depositante ou um terceiro. Por sua vez, o art.º 40.º da LUCH prevê que o portador de um cheque pode exercer os seus direitos de ação contra os endossantes, sacador e outros coobrigados. De facto, ao abrigo do art. 14.º da LUCH, o cheque, como título cambiário, pode ser transmitido a pessoa diferente da que nele consta como beneficiário, impondo o art. 16.º do mesmo diploma legal que o assim denominado endosso seja escrito no cheque ou numa folha ligada a este (anexo) e assinado pelo endossante. Como se pode ler no acórdão da RL de 1/12/2015 (proc. 264/14.2TJLSB.L1-7, rel. Garça Amaral, “Sob o ponto de vista jurídico e enquanto documento necessário para exercer um direito – o direito mencionado no próprio documento, que é literal, autónomo e abstracto -, o cheque constitui um título de crédito (cambiário) sujeito aos requisitos consignados no artigo 1.º, da Lei Uniforme sobre Cheques (LUCH). Como título cambiário o cheque pode ser transmitido a pessoa diferente da que nele consta como beneficiário, acto que a lei qualifica como endosso (cfr. artigo 14.º da LUCH), por efeito do qual se procede à transmissão de todos os direitos que o beneficiário tem sobre o cheque – cfr. artigo 17.º, da LUCH. Por força do que dispõe o artigo 16.º, da LUCH, o endosso constitui uma declaração unilateral e acessória exarada no cheque (por parte do endossante) que pode ou não indicar o beneficiário e pela qual aquele transfere a outrem (o endossado) os direitos emergentes do título. Não indicando beneficiário, o endosso consiste simplesmente na assinatura do endossante (endosso em branco), escrita no verso do cheque ou na folha anexa - cfr. artigo 16.º, da LUCH . Trata-se, por isso, de um acto jurídico unilateral que se consubstancia numa declaração de transferência para outrem aposta no verso do documento. A validade do endosso depende, nessa medida, de dois requisitos: do acto material de entrega (tradição) do próprio título; da declaração de endosso, que constitui uma exigência de forma: tem de ser escrito no cheque ou numa folha ligada a este com aposição da assinatura do endossante (com ou sem indicação de beneficiário). Caso contenha apenas a assinatura do endossante (endosso em branco), a validade do mesmo depende de ser escrito no verso do cheque ou na folha anexa” (in www.dgsi.pt assim como, no mesmo sentido o acórdão do STJ de 4/06/2015, proc. 319/06.7TVLSB.L2.S1, rel. Oliveira Vasconcelos; acórdão da RP de 18/03/2024, proc. 11541/22.9T8PRT-A.P1, rel. Teresa Fonseca e acórdão da RP de 30/04/2020, proc. 22309/18.7T8PRT-A.P1, rel. José Eusébio Almeida). Ora, não faz parte do objecto da acção, porque tal não foi alegado, a subscrição pelo recorrido/R., quer como sacador quer como endossante, dos cheques em causa. Para mais, sem endosso, a mera entrega dos cheques pelo recorrido/R. a um terceiro, no caso ao recorrente, não o torna um obrigado cambiário, podendo dar-se o caso de o nome deste enquanto beneficiário dos cheques em causa (Ponto 6 dos factos provados) ter sido preenchido não pelo sacador aquando da respectiva emissão, mas depois e por outrem, eventualmente o recorrido/R.. Todavia, nem por isso, este se torna obrigado cambiário, tudo se passando como se o recorrente tivesse recebido directamente o cheque do sacador. Como se pode ler do supra citado acórdão da RP de 30/04/2020, “quando o cheque é entregue sem indicação do beneficiário e só depois essa indicação vem a ser preenchida, este último identificado é, ou é como se fosse, o adquirente originário do título, sob pena de ser impossível reconstituir formalmente a cadeia de transmissão…Dito de outro modo…não estamos no domínio das relações mediatas, uma vez que não houve circulação cambiária, mas sim no domínio das relações imediatas”. Nesta medida, passa a ser-lhe oponível as excepções ou os meios de defesa que o podiam ser ao primeiro portador dos cheques. De onde, a factualidade apurada não permite atribuir ao recorrido/R. qualquer responsabilidade cambiária proveniente dos cheques a que se refere o ponto 6 dos factos provados. Termos em que, julgando improcedente o recurso, se confirma a sentença recorrida. As custas do recurso são pelo recorrente por ter ficado vencido (art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC). * Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663.º, n.º 7 do CPC):……………………………… ……………………………… ……………………………… * IV. DecisãoPelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida. Custas do recurso pelo recorrente. Notifique. Porto, 13/10/2025 Carla Fraga Torres Ana Olívia Loureiro Mendes Coelho |