Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULO DIAS DA SILVA | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA | ||
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Nº do Documento: | RP202401258357/23.9T8PRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 01/25/2024 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A oposição à renovação é um direito potestativo que depende apenas da vontade de quem emite a declaração, sem precisar de invocar qualquer justificação e só opera para futuro. Como única condicionante, impõe-se-lhe apenas que respeite o período de aviso consignado na lei ou no contrato. II - Dispondo a nova redacção do artigo 1096.º, do Código Civil, introduzida pela Lei 13/2019 de 12.2, sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, e abstraindo a mesma do facto que lhe deu origem, é de concluir que a situação se enquadra na 2.ª parte do artigo 12.º do Código Civil, sendo a nova redacção aplicável às relações já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor. III - A expressão “salvo estipulação em contrário”, contida no nº 1 do artigo 1096º do Código Civil, deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação. Assim, não havendo oposição válida e eficaz, os contratos de arrendamento para habitação renovam-se por mínimos de 3 anos, ou por período superior, caso o período de duração do contrato seja superior a 3 anos. IV - Assim, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na nova redacção introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, fixa um prazo de renovação mínimo de três anos, de natureza imperativa não podendo as partes convencionar um prazo de renovação inferior. V - Estando controvertida entre senhorio e arrendatários a data do prazo da renovação do contrato e consequentemente o momento da cessação do arrendamento, não sendo esta situação provocada pelos arrendatários, não existe mora destes, mas apenas não restituição simples, situação que perdurará até ao transito em julgado da decisão que definitivamente decida a controvérsia. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação - 3ª Secção ECLI:PT:TRP:2024:8357/23.9T8PRT.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório AA, residente na Avenida ..., n.º ..., 3.º andar, ... Porto, instaurou procedimento especial de despejo contra: a) A.... - Unipessoal, Ld.ª., com sede na Avenida ..., ..., Gondomar, ... ..., e b) BB e mulher CC, residentes na Rua ..., ..., 1.º direito, ... Porto, onde concluiu pedindo: a) seja declarada a cessação do contrato de arrendamento com efeitos em 30 de Abril de 2023, em virtude da oposição à renovação deduzida pelo Autor, e, consequentemente, b) Seja a 1.ª Ré condenada a proceder à desocupação efectiva do locado e à sua imediata entrega ao Autor livre de pessoas e bens; c) Serem os Réus condenados solidariamente a pagar ao Autor, a título de indemnização pela mora na restituição do bem locado, o montante de € 1.700,00 por cada mês que decorrer desde 1 de Maio de 2023 até à efectiva entrega do locado, livre de pessoas e bens. Alega, em síntese, que, celebrado o contrato de arrendamento com a primeira ré, efectuou a comunicação de oposição à renovação do referido contrato, não tendo a ré entregue o locado. * Citados, os requeridos deduziram oposição, sustentando que não se verificam os pressupostos de oposição à renovação.* Por despacho saneador sentença datado de 17 de Outubro de 2023, rectificado por despacho de 19 de Outubro, julgou-se a acção procedente e, em consequência:a) declarou-se a cessação do contrato de arrendamento com efeitos a 1 de Maio de 2023, em virtude da oposição - válida - à renovação deduzida pelo Autor; b) condenou a 1.ª Ré a proceder à desocupação efectiva do locado e à sua imediata entrega ao Autor livre de pessoas e bens; c) condenou os réus, solidariamente, a pagar ao Autor, a título de indemnização pela mora na restituição do bem locado, o montante de € 1.700,00 por cada mês que decorrer desde 1 de Maio de 2023 até à efectiva entrega do locado, livre de pessoas e bens. * Não se conformando com a decisão proferida, vieram os recorrentes, A.... - Unipessoal, Ld.ª, BB e mulher CC, interpor recurso de apelação, concluindo as suas alegações da seguinte forma:I.O presente recurso de apelação é interposto da sentença a quo, que condenou os Recorrentes na desocupação do locado, declarando a cessação do contrato de arrendamento a 01 de Maio de 2023, e condenou ao pagamento a titulo de indemnização do montante de € 1.700,00, por cada mês de atraso na entrega do locado. II. A sentença em crise padece de erro sobre a aplicação do direito, sendo que foi aplicado de forma incorreta a norma do art. 1096.º, n.º 1 C.C., na versão atual, indicada pela Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro e, ao considerar válida a carta de oposição à renovação por iniciativa do senhorio. III. Além disso, padece ainda de erro sobre a aplicação do direito, ao considerar que existe mora na restituição do locado, por parte dos recorrentes, condenando-os no pagamento, a título de indemnização, do montante de € 1.700,00 (mil e setecentos euros) por cada mês que decorrer desde 1 de Maio de 2023 até à efetiva entrega do locado. IV. A sentença recorrida, adotou a posição da natureza supletiva da norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C., no entanto, o entendimento dominante na doutrina é no sentido contrário, onde a norma assume uma posição imperativa caso a cláusula de renovação automática seja por um período inferior a 3 anos. V. É entendimento dos recorrentes que a norma do artigo 1096.º, n.º 1 C.C., na sua versão atual, deve ser interpretada no sentido de que apenas é permitido às partes convencionarem o afastamento da automaticidade da renovação do contrato, sendo certo que, a ocorrer, terá sempre de respeitar o prazo mínimo imperativo de 3 anos, encontrando-se vedada a estipulação de prazos de prorrogação inferiores àquele. VI. O contrato em causa nos autos, iniciaria a 01 de Maio de 2017, com um prazo inicial de 5 anos, renovando-se automaticamente por períodos sucessivos de um ano. VII. A Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, entrou em vigor, no período contratado, não tendo ocorrido qualquer renovação, alterando o período mínimo de renovações de um contrato de arrendamento. VIII. Atendendo ao preceituado no artigo 12.º do C.C., relativamente à aplicação da lei no tempo e, visto que na Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, não existe nenhuma norma transitória, aplica-se ao contrato de arrendamento objeto dos autos, sendo que a 30 de Abril de 2022, o contrato renova-se por mais 3 anos. IX. A sentença recorrida andou mal, ao considerar, desde logo, a carta de oposição à renovação válida, uma vez que, foi enviada a 16 de Dezembro de 2022, rececionada a 21 de Dezembro de 2022, reportando-se os seus efeitos para 30 de Abril de 2023. X. Sucede que, nessa data, os recorrentes encontravam-se ao abrigo da 1.ª renovação, que segundo a lei atualmente vigente e, de acordo com a jurisprudência e doutrina dominante, imperativamente será por um período de 3 anos. XI. Para uma correta interpretação da norma, deve atender-se desde logo à sua ratio, assim como ao fundamento base da criação da lei. XII. Nessa medida, retira-se da Exposição dos Motivos que a Proposta de Lei n.º 129/XIII, tem como propósito “promover um conjunto de alterações ao enquadramento legislativo do arrendamento habitacional visando corrigir situações de desequilíbrio entre os direitos dos arrendatários e dos senhorios resultantes das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em particular, proteger os arrendatários em situação de especial fragilidade, promover a melhoria do funcionamento do mercado habitacional e salvaguardar a da segurança jurídica no âmbito da relação de arrendamento.” XIII. O entendimento dominante na jurisprudência dos tribunais portugueses, ao abrigo da Lei n.º 13/2019 de 12 de fevereiro, vai no sentido da imperatividade da norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C. XIV. Veja-se o Acórdão Tribunal da Relação de Évora de 25/01/2023, Processo n.º 3934/21.5T8STB.E1, relatora Maria Adelaide Domingos; o Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2023, Processo n.º 824/22.3T8VCT.G1, relatora Raquel Batista Tavares. XV. Mais recentemente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04-05-2023, Processo n.º 1598/22.8YLPRT.P1, relatora Isabel Silva: “(…) ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.” XVI. O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10-07-2023, Processo n.º 1627/21.2YLPRT.G1, relator Alcides Rodrigues): “Acolhemos esta interpretação porquanto a mesma respeita a ratio legis da Lei n.º 13/2019, 12-02, ou seja, que o legislador, ao definir um período mínimo de renovação, pretendeu conferir uma maior proteção ao arrendatário, dotando o seu contrato de arrendamento de uma maior estabilidade e limitando a liberdade de estipulação das partes quanto a esta matéria.” XVII. E ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12/10/2023, Processo n.º 328/23.1YLPRT.P1, relator Paulo Dias Da Silva): “Quer com tal dizer-se que, com a nova redacção deste artigo, as partes: a) têm liberdade para fixar a não renovação do contrato - o que é permitido pela oração “Salvo estipulação em contrário” Mas, b) Caso prevejam a sua renovação, e agora de forma imperativa, esta terá de ser igual ao período do contrato ou de 3 anos, caso este seja inferior.” XVIII. De referir que, também o Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 17/01/2023, Processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1, relator Pedro De Lima Gonçalves), já se pronunciou quanto à questão da imperatividade da norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C., confirmando a posição do período mínimo de renovação de 3 anos. XIX. A jurisprudência maioritária, entende que a norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C., é imperativa, sendo que, a existir clausula de renovação automática do contrato de arrendamento, terá um período mínimo de 3 anos. Sendo que, a expressão “Salvo estipulação em contrário”, refere-se apenas e só, à liberdade contratual das partes para contratarem ou não a cláusula de renovação automática. XX. Também na doutrina a posição dominante vai no sentido de considerar os 3 anos de renovação do contrato de arrendamento como sendo imperativo, veja-se Maria Olinda Garcia, in Revista Julgar Online, março 2019, pág. 11, sobre as Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019; Márcia Passos, in Boletim da Ordem dos Advogados, de 21 de Setembro 2019, págs. 20 e 21; Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues que na Revista de Direito Civil, Ano IV, n.º 2, Coimbra, Edições Almedina 2019, págs. 302 e 303, José António de França Pitão e Gustavo França Pintão, (In Arrendamento Urbano Anotado, 2ª Edição, Quid Iuris, 2019, pp. 375 e 376.) e Edgar Alexandre Martins Valente (In Arrendamento Urbano - Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 31 e 32.). E ainda, José França Pitão e Gustavo França Pitão (Arrendamento Urbano Anotado, 2.ª Edição, Quid Iuris, 2019, p. 376). XXI. Sem prescindir, a sentença a quo, padece ainda de erro sobre a aplicação do direito ao considerar que a 1.ª Ré se encontrava em mora desde 01 de Maio de 2023, uma vez que em causa está uma questão controvertida e exclusivamente jurídica. XXII. Sendo a interpretação do artigo 1096.º n.º 1 do C.C., segundo a lei atualmente em vigor - questão jurídica - o que afasta as partes, não se pode considerar como imputável aos arrendatários a falta de entrega do imóvel, na data da cessação do contrato. XXIII. O caso concreto, não parece subsumir na previsão da norma do artigo 1045.º n.º 1 e 2 do C.C., motivo pelo qual, é excessivo a condenação de 1.700,00 € (mil e setecentos euros) por cada mês que decorrer desde 01 de Maio de 2023 até à efetiva entrega do locado XXIV. Assim como os recorrentes, o mesmo entendimento tem o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/03/2023, Processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1, relatora Isabel Ferreira: “(…) Quer dizer, estando controvertida entre senhorio e arrendatários a data do prazo da renovação do contrato e consequentemente o momento da cessação do arrendamento, não sendo esta situação provocada pelos arrendatários, não existe mora destes, mas apenas não restituição simples, situação que perdurará até ao transito em julgado da decisão que definitivamente decida a controvérsia. O que significa que os recorridos apenas têm de pagar, a título de indemnização, o valor correspondente à renda que pagavam até à cessação do contrato (…).” XXV. Neste sentido, não podem concordar os recorrentes com a decisão a quo, sendo excessivo tal valor, tendo em conta a questão em discussão nos autos, e o verdadeiro motivo da mora dos arrendatários. * Foram apresentadas contra-alegações.* Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.* 2. Factos assentesCom relevância para o conhecimento do recurso mostram-se assentes os seguintes factos: 1.O Autor é dono e legítimo proprietário da fração autónoma designada pela letra “H”, correspondente a uma habitação no 1.º andar direito, com entrada pela Rua ..., ..., no Porto, a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na indicada rua da freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ..., com a licença de utilização n.º ..., emitida em 23-03-1971 pela Câmara Municipal .... 2. Por documento particular celebrado em 28 de abril de 2017 deu de arrendamento à 1.ª Ré a fração autónoma acima identificada, com o fim exclusivo de habitação própria e permanente do seu sócio-gerente, o aqui 2.º Réu BB, e respetivo agregado familiar. 3. Contrato celebrado pelo prazo certo de 5 (cinco) anos, com início em 01 de maio de 2017 e termo em 30 de abril de 2022, com renovações por períodos sucessivos de 1 (um) ano, salvo oposição à renovação; 4. E mediante a renda mensal de € 850,00; 5. Os 2.ºs Réus, por seu turno, na qualidade de fiadores, assumiram solidariamente com a 1.ª Ré o cumprimento de todas as obrigações decorrentes do referido contrato; 6. O Autor comunicou à 1.ª Ré, por carta registada com aviso de receção, enviada em 16 de dezembro de 2022 e recebida em 21 de Dezembro de 2022, a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento e a cessação do mesmo para o dia 30 de Abril de 2023; 7. Em resposta, por carta de 29 de dezembro de 2022, a 1.ª Ré comunicou ao Autor a não aceitação da cessação do contrato em apreço com efeitos reportados a 30 de Abril de 2023, por entender que o contrato se havia renovado por 3 anos. 8. A 1.ª Ré continua a não proceder à entrega do locado, recusando-se a entregá-lo. * 3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:Das conclusões formuladas pelos recorrentes as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso centram-se na questão de saber: - se o artigo 1096.º do Código Civil, na actual redacção, conferida pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, se aplica ou não aos contratos celebrados anteriormente e, aplicando-se, se tem carácter imperativo ou supletivo; - se existe mora na restituição do locado pelos recorrentes. * 4. Conhecendo do mérito do recursoO contrato de arrendamento urbano, figura contratual subjacente aos presentes autos, pode ser descrito como o contrato mediante o qual uma das partes concede à outra o gozo temporário de um prédio urbano, no todo ou em parte, mediante retribuição, aparecendo como seus elementos típicos a obrigação de proporcionar o gozo de um prédio urbano, o prazo e a retribuição. Assim, de tal contrato nascem direitos e deveres para ambas as partes. Nos termos do disposto no artigo 1079º, do Código Civil, o arrendamento urbano, como o aqui em causa (artigo 1064º, do Código Civil), cessa por acordo das partes, resolução, caducidade, denúncia ou outras causas previstas na lei. Entre outras causas, o contrato de arrendamento caduca findo o prazo de duração contratual ou legalmente estipulado (artigo 1051º, alínea a) do Código Civil). Quanto à duração do contrato de arrendamento urbano regem os artigos 1095º e ss., do Código Civil, actualmente na redacção introduzida pela Lei 13/2019, de 12-02, com início de vigência em 13-02-2019. Vejamos, agora, se a Lei n.º 13/2019, de 12 de Fevereiro é aplicável aos contratos celebrados anteriormente à sua entrada em vigor. Ora, no caso vertente resulta dos factos provados que: - O Autor é dono e legítimo proprietário da fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente a uma habitação no 1.º andar direito, com entrada pela Rua ..., ..., no Porto, a qual faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na indicada rua da freguesia ..., concelho do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo n.º ..., com a licença de utilização n.º ..., emitida em 23-03-1971 pela Câmara Municipal .... - Por documento particular celebrado em 28 de abril de 2017 deu de arrendamento à 1.ª Ré a fracção autónoma acima identificada, com o fim exclusivo de habitação própria e permanente do seu sócio-gerente, o aqui 2.º Réu BB, e respectivo agregado familiar. - Contrato celebrado pelo prazo certo de 5 (cinco) anos, com início em 01 de maio de 2017 e termo em 30 de abril de 2022, com renovações por períodos sucessivos de 1 (um) ano, salvo oposição à renovação. Ora, em 28/04/2017, data do início de vigência do contrato de arrendamento, o artigo 1096.º, n.º 1 do Código Civil tinha a redacção que lhe fora conferida pela Lei 31/2012, de 14 de Agosto. E preceituava o seguinte o dito normativo: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” Como se pode ler no Acórdão da Relação do Porto de 04/05/2023, desta Secção, de que é relatora a Senhora Juiz Desembargadora Isabel Silva, consultado no sítio da internet www.dgsi.pt, de tal redacção “(…) decorre que, a partir de 15 de agosto de 2012 (data de início de vigência desta Lei e em que o contrato tinha pouco mais de um mês), passou a só serem permitidas renovações por idênticos períodos (“por períodos de igual duração”) que, no caso, era de 5 anos. (…) Na verdade, e como melhor se verá mais à frente, a expressão “salvo estipulação em contrário” deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação.” O que equivale a dizer, na senda do atrás convocado Acórdão, que à data da contratualização do arrendamento (28/04/2017), por força da lei vigente, a renovação do contrato teria que observar o prazo inicial. Porém, com a entrada em vigor da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, o prazo de renovação deixou de ser o contratualmente previsto, para passar a ser o de prazo imperativo prescrito no n.º 1 do artigo 1096.º do Código Civil, que passou a estipular: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”. A referida Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, aplica-se, não apenas aos contratos futuros, mas (e também) aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2 (2.ª parte) do Código Civil, por se tratarem de contratos de execução duradoura - cf., neste sentido, Maria Olinda Garcia, “Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei 12/2019 e pela Lei 13/2019”, in Julgar Online, março de 2019, pág. 11 e também Acórdão da Relação de Guimarães, de 08/04/2021, em que é Relatora a Senhora Juiz Desembargadora Rosália Cunha. Destarte, forçoso será concluir que o contrato controvertido se submete ao prescrito na Lei 13/2019, de 12 de fevereiro. E concluída esta primeira premissa, positivamente, impõe-se escalpelizar a segunda, anteriormente cogitada, sobre a natureza imperativa ou facultativa do prazo de renovação previsto no artigo 1096.º, n.º 1 do Código Civil, desde já se adiantando a conclusão da imperatividade do disposto no referido preceito. Com efeito, na redacção actual, conferida pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, estatui o artigo 1096.º, n.º 1 do Código Civil que: “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos, se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.” Socorrendo-nos dos ensinamentos da Conselheira Maria Olinda Garcia, in Revista Julgar Online, março 2019, pág. 11, sobre as Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, citados pelos recorrentes, quanto à interpretação deste artigo “Quanto à renovação do contrato, a nova redacção do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto à possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação. Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (ou aquela tem de ser, pelo menos, de um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo. Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ano ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. (…)” Quer com tal dizer-se que, com a nova redacção deste artigo, as partes: a) têm liberdade para fixar a não renovação do contrato - o que é permitido pela oração “Salvo estipulação em contrário” Mas, b) Caso prevejam a sua renovação, e agora de forma imperativa, esta terá de ser igual ao período do contrato ou de 3 anos, caso este seja inferior. In casu, sendo o contrato de 5 anos, é este o prazo da renovação a considerar, que não outro. No mesmo sentido interpretativo ora sufragado (e acolhendo igualmente a subsunção dos contratos de arrendamento em execução à Lei 13/2019, de 12 de fevereiro), vejam-se os seguintes Acórdãos, todos consultados no sítio www.dgsi.pt. citados pela recorrida e por nós analisados: • Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 08/04/2021, em que é Relatora a Senhora Juiz Desembargadora Rosália Cunha: “(…) VI - Dispondo a nova redacção do artigo 1096.º, do CC, introduzida pela Lei 13/2019 de 12.2, sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, e abstraindo a mesma do facto que lhe deu origem, é de concluir que a situação se enquadra na 2.ª parte do artigo 12.º do CC, sendo a nova redacção aplicável às relações já constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor. VII - O art.º 1096.º, n.º 1, do CC, na nova redacção introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, fixa um prazo de renovação mínimo de três anos, de natureza imperativa não podendo as partes convencionar um prazo de renovação inferior. “. • Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11/02/2021, em que é Relatora a Senhora Juiz Desembargadora Raques Baptista Tavares: “I - No artigo 1.º da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro enuncia-se que a mesma vem estabelecer medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios e a reforçar a segurança e estabilidade do arrendamento urbano. II - Nos arrendamentos para habitação permanente, a liberdade dos contratantes para modelarem o conteúdo do contrato sofreu significativas alterações com as alterações introduzidas pela Lei 13/2019, quer quanto à exigência de um prazo mínimo de um ano (cfr. art.º 1095 n.º 2 onde está em causa uma norma imperativa que não admite convenção em contrário) mas também quanto à sua renovação pois, ainda que as partes possam convencionar a exclusão da possibilidade de qualquer renovação, só terão liberdade para convencionar prazo de renovação igual ou superior a três anos, impondo o legislador um prazo mínimo, também imperativo, de três anos. III - Os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente renovam-se automaticamente, por períodos sucessivos de igual duração ou, se esta for inferior, de três anos, em conformidade com o estipulado no número 1 do artigo 1096.º do CC.” • Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 25/01/2023, em que é Relatora a Senhora Juiz Desembargadora Maria Adelaide Domingos: “O artigo 1096.º, n.º 1 do Código Civil, com a redacção dada pela Lei 13/2019, de 12/02, aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação, sucessivamente renováveis, vigentes à data da sua entrada em vigor (13/02/2019), fixando um prazo mínimo de três anos para renovação do contrato de arrendamento.” • Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04/05/2023, em que é Relatora a Senhora Juiz Desembargadora Isabel Silva: “I - A expressão “salvo estipulação em contrário”. Contida no n.º 1 do art.º 1096.º do CC, deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação. Assim, não havendo oposição válida e eficaz, os contratos de arrendamento para habitação renovam-se por mínimos de 3 anos, ou por período superior, caso o período de duração do contrato seja superior a 3 anos. (…)”. Além da jurisprudência dos Tribunais da Relação, também o Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão de 17/01/2023, Processo n.º 7135/20.1T8LSB.L1.S1, relator Pedro de Lima Gonçalves), já se pronunciou quanto à questão da imperatividade da norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C., confirmando a posição do período mínimo de renovação de 3 anos: “O artigo 1096.º do Código Civil, conforme é entendimento dominante na doutrina, não tem carácter imperativo, pelo que é permitido às partes excluírem a renovação automática. Impõe imperativamente, porém, que, caso seja clausulada a renovação, esta tem como período mínimo uma renovação pelo período de 3 anos. Ou seja, o legislador permite às partes que convencionem um contrato de arrendamento urbano para habitação pelo período de um ou dois anos, não renovável. Mas, caso seja convencionada uma cláusula de renovação automática, terá de obedecer ao disposto neste normativo, ou seja, o contrato sofre uma renovação automática de 3 anos.” Assim, a jurisprudência maioritária, entende que a norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C., é imperativa no sentido de a existir cláusula de renovação automática do contrato de arrendamento, esta sempre terá que ser pelo período mínimo de 3 anos. Sendo certo que, no que concerne à expressão “Salvo estipulação em contrário”, não se refere à liberdade contratual das partes de estipularem prazos inferiores a 3 anos para a renovação do contrato, mas antes, para contratarem ou não a cláusula de renovação automática. Também na doutrina a posição dominante vai no sentido de considerar os 3 anos de renovação do contrato de arrendamento como sendo imperativo. Nesse sentido pronunciou-se Márcia Passos, in Boletim da Ordem dos Advogados, de 21 de Setembro 2019, págs. 20 e 21: “ (…) importa realçar que os contratos de arrendamento com prazo para habitação permanente, renovam-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, tal como previsto na atual redação do número 1 do artigo 1096.º do CC. Conclui-se pois que, ou estamos perante um contrato de arrendamento celebrado por período igual ou superior a três anos e a renovação é automática por igual período de tempo ou, se estamos perante um contrato de arrendamento celebrado por período inferior a três anos, a renovação automática será sempre por períodos mínimos sucessivos de três anos, ou por períodos superiores, se assim foi estipulado no contrato.” Partilham da mesma posição, Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde e António Barrosos Ramalho Rodrigues que na Revista de Direito Civil, Ano IV, n.º 2, Coimbra, Edições Almedina 2019, págs. 302 e 303, relativamente à “Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano” assumem a imperatividade da norma do artigo 1096.º n.º 1 do C.C. Do mesmo modo, José António de França Pitão e Gustavo França Pintão, (In Arrendamento Urbano Anotado, 2-ª Edição, Quid Iuris, 2019, pp. 375 e 376.) e Edgar Alexandre Martins Valente (In Arrendamento Urbano - Comentário às Alterações Legislativas Introduzidas ao Regime Vigente, Coimbra, Edições Almedina, 2019, pp. 31 e 32.). E ainda, José França Pitão e Gustavo França Pitão (Arrendamento Urbano Anotado, 2.ª Edição, Quid Iuris, 2019, p. 376). No caso vertente, a carta de oposição à renovação deduzida pelo senhorio, foi enviada a 16 de Dezembro de 2022, e recepcionada a 21 de Dezembro de 2022, sendo que a cessação teria efeitos a partir de 30 de Abril de 2023. Sucede que a partir de 30 de Abril de 2022, os recorrentes encontravam-se ao abrigo da 1.ª renovação, que segundo a lei vigente e, de acordo com a jurisprudência e doutrina dominante, imperativamente será por um período de 3 anos. Do que vem dito imediatamente ressalta a discordância com o decidido pelo tribunal a quo, conforme já defendemos no Acórdão deste Tribunal de 12/10/2023, Processo n.º 328/23.1YLPRT.P1, em que fomos relator. E não havendo fundamento para oposição à renovação efectuada pelo senhorio também não há qualquer fundamento para a condenação dos Apelantes em indemnização pela mora. De resto, parece-nos, ainda, que não andou bem a sentença recorrida, ao considerar que os Réus se encontram em mora desde 01 de Maio de 2023, uma vez que em causa está uma questão controvertida, e que não foi provocada pelo arrendatário. Com efeito, o senhorio e os arrendatários, têm entendimentos distintos quanto à cessação do contrato de arrendamento, fundando-se as suas convicções em jurisprudência e doutrina existente nos dois sentidos. Ora, sendo a interpretação do artigo 1096.º n.º 1 do C.C. - questão jurídica - o que afasta as partes, não se pode considerar como imputável aos arrendatários a falta de entrega do imóvel, na data da cessação do contrato. De resto, neste sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto (Acórdão de 23/03/2023, Processo n.º 3966/21.3T8GDM.P1, relatora Isabel Ferreira, aqui Adjunta): “Menezes Cordeiro (citado por Jorge Pinto Furtado, ob. cit., págs 160 e 161) distingue entre a situação “de não restituição simples e a de mora na restituição”. Quanto à primeira “o locatário fica obrigado a pagar a renda em singelo, exceto se houver fundamento para a consignação em depósito, e poderá ocorrer: quando ele ilida a presunção de culpa; quando haja tolerância do locador na continuidade dessa situação; quando exista uma situação controvertida, não provocada pelo locatário e enquanto ela perdurar; quando, em suma, a não restituição se deva ao próprio locador e o locatário continue no gozo da coisa sem recorrer à consignação em depósito. (…) Assim, existindo a referida divergência jurisprudencial e doutrinal quanto à primeira questão, afigura-se-nos natural a divergência entre as partes quanto à data da cessação do contrato, por força de diferente entendimento quanto ao prazo de renovação do contrato. Esta divergência não se pode considerar desprovida de fundamento, assim como a posição defendida pelos recorrentes, posto que existe jurisprudência e doutrina que lhe dão apoio, pelo que, não se pode considerar como imputável aos recorrentes a falta de entrega do bem imóvel na data da cessação do contrato, não havendo incúria da parte dos mesmos, nem falta voluntária e culposa. Quer dizer, estando controvertida entre senhorio e arrendatários a data do prazo da renovação do contrato e consequentemente o momento da cessação do arrendamento, não sendo esta situação provocada pelos arrendatários, não existe mora destes, mas apenas não restituição simples, situação que perdurará até ao transito em julgado da decisão que definitivamente decida a controvérsia. O que significa que os recorridos apenas têm de pagar, a título de indemnização, o valor correspondente à renda que pagavam até à cessação do contrato (…).” Impõe-se, por isso, o provimento da apelação. * Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:……………………………… ……………………………… ……………………………… * 5. DecisãoNos termos supra expostos, acorda-se em julgar provido o recurso, revogando a decisão recorrida que declarou a cessação do contrato de arrendamento com efeitos a 1 de Maio de 2023; que condenou a 1.ª Ré a proceder à desocupação efectiva do locado e à sua imediata entrega ao Autor livre de pessoas e bens, bem como que condenou os réus, solidariamente, a pagar ao Autor, a título de indemnização pela mora na restituição do bem locado, o montante de € 1.700,00 por cada mês que decorrer desde 1 de Maio de 2023 até efectiva entrega do locado. * Custas a cargo dos apelados.* Notifique.Porto, 25 de Janeiro de 2024 Os Juízes Desembargadores Paulo Dias da Silva Carlos Portela Isabel Ferreira [que apresentou a seguinte declaração de voto vencido: “Conforme decidido no acórdão proferido no Processo nº 3966/21.3T8GDM.P1, do qual fomos relatora (publicado em www.dgsi.pt), e pelas razões aí aduzidas, perfilhamos o entendimento de que a norma constante do art. 1096º, nº 1, do Código Civil, respeitante à renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, é de natureza supletiva, mesmo na sua redacção actual, introduzida pela Lei nº 13/2019, de 12/02. Sendo assim, entendemos que nada impedia a fixação do prazo de um ano para a renovação do contrato dos autos, pelo que concordamos nessa parte com a decisão recorrida, ou seja no que concerne às alíneas a) e b) do dispositivo, que confirmaríamos, negando provimento ao recurso no que a essa questão respeita.”] (a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinatura electrónica e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem) |