Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1268/21.4T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
LIMITES DA CONDENAÇÃO
JUROS DE MORA
Nº do Documento: RP202505121268/21.4T8PVZ.P1
Data do Acordão: 05/12/2025
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O Tribunal da Relação goza no âmbito da reapreciação da matéria de facto dos mesmos poderes e está sujeito às mesmas regras de direito probatório que se aplicam ao juiz em 1ª instância, competindo-lhe proceder à análise autónoma, conjunta e crítica dos meios probatórios convocados pelo recorrente ou outros que os autos disponibilizem, introduzindo, nesse contexto, as alterações que se lhe mostrem devidas.
II - Devendo o dano biológico ser entendido como uma violação da integridade físico-psíquica do lesado, com tradução médico-legal, tal dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade, mesma que sem rebate profissional e sem perda do rendimento do trabalho.
III - Para efeitos de indemnização autónoma do dano biológico, na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico, sendo as demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, ponderadas em sede de danos não patrimoniais, razão pela qual o dano biológico na vertente de dano patrimonial futuro não pode ser também indemnizado autonomamente como dano biológico a se.
IV - Nos casos em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que, só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.
V - Num quadro em que o lesado com 56 anos, cozinheiro de profissão, foi atribuído um défice funcional de 17 pontos em que as sequelas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares, tendo em conta a esperança média de vida e o salário médio mensal, afigura-se ajustado o montante de € 70. 000,00 para indemnizar o dano patrimonial futuro.
VI - Atendendo a que esta indemnização é paga de uma só vez, permitindo ao beneficiário rentabilizá-la de imediato, o montante apurado deve ser, em princípio, reduzido de uma determinada percentagem–taxa de capitalização, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado, à custa alheia.
VII - Sendo os danos não patrimoniais, pela sua específica natureza, insuscetíveis de medida certa e absoluta, o art.º 496.º, n.º 3, do CCivil manda fixar o quantitativo da indemnização que lhes corresponde segundo critérios de equidade, devendo atender-se, para tanto, às circunstâncias enunciadas no art.º 494.º, n.º 3, do CC e a determinados elementos de referência, entre os quais os padrões geralmente adotados na jurisprudência.
VIII - Para efeito de se estabelecer o limite da condenação, a que se refere o art.º 609.º, n.º 1 do CPC, o valor do pedido global a considerar é aquele que, decorrendo da mesma causa de pedir, se apresenta como a soma do valor de várias parcelas, em que o mesmo se desdobra ou decompõe.
IX - Os limites da condenação, ditados pelo princípio do dispositivo, reportam-se ao pedido global e não às parcelas em que, para determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano.
X - O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2002 do STJ, de 9.5.2002 (D.R-, I.ª Série de 27.6.2002), fixou a seguinte jurisprudência: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n.º 2 do art.º 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos art.º 805°, n° 3 (interpretado restritivamente), e 806. °, n.º l, também do Código Civil, a partir da decisão atualizadora, e não a partir da citação”.
XI - O art.º 805.º, n.º 3, do CC, tem por objetivo a consagração de um critério abstrato de cálculo dos danos sofridos pelo lesado, decorrentes da demora no pagamento, ulteriores à citação e anteriores à liquidação, sem afastar a teoria da diferença.
XII - Tendo a indemnização sido fixada atualizadamente em acórdão, os juros de mora contam-se a partir da data do mesmo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1268/21.4T8PVZ.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Central Cível do Porto-J6
Relator: Des. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Jorge Martins Ribeiro
2º Adjunto Des. Carlos Gil
Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO
AA, residente na Rua ..., ..., veio propor contra A..., Companhia de Seguros, S.A, com sede na Rua ..., Lisboa presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 257.500,00, acrescida de juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento.
Articula, em síntese que foi vítima de acidente de viação, tendo sofrido danos de vária ordem.
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Devidamente citada contestou a Ré alegando que a ação deveria ser julgada em função da prova a produzir em audiência de julgamento, com as necessárias consequências legais.
Mais requereu que, depois de ouvida a parte contrária, fosse admitido o chamamento, como interveniente principal, da Seguradora B... Companhia de Seguros, S.A..
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Admitido o incidente e citada a interveniente veio a mesma pedir a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 61.770,06 € e dos valores que, entretanto, venham a ser liquidados por conta da provisão matemática existente, e que venham a ser objeto de ampliação do pedido, acrescida dos respetivos juros de mora, contados desde a citação até total e efetivo pagamento.
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Em resposta veio a Ré alegar que o pedido da interveniente fosse julgado em função da prova a produzir em audiência de julgamento, com as necessárias consequências legais.
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Por requerimentos, respetivamente, de 22/07/2024 e de 14/11/2024 veio a interveniente ampliar o pedido nos montantes de 10.483,55 € e de 1.383,90 €, a que deveriam acrescer os juros legais nos termos já peticionados.
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Proferiu-se despacho saneador no qual se julgou o Tribunal competente, o processo isento de nulidades, a personalidade, capacidade e legitimidade das partes e a inexistência de exceções de conhecimento oficioso.
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Elaboraram-se de seguida os temas de prova.
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Teve lugar a audiência de discussão e julgamento que decorreu com observância do formalismo legal aplicável.
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A final foi proferida decisão com a seguinte parte dispositiva:
“Julga-se a ação parcialmente procedente e condena-se a ré B...-COMPANHIA DE SEGUROS S.A. a pagar:
- ao autor AA 103.998,35€ (cento e três mil novecentos e noventa e oito euros e trinta e cinco cêntimos) acrescidos de juros de mora, à taxa legal contados desde esta data sobre 100.000,00€ (cem mil euros) e desde a citação sobre o restante;
- à interveniente A..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, 73.637,51€ (setenta e três mil seiscentos e trinta e sete euros e cinquenta e um cêntimos) acrescidos de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação de cada um dos pedidos parcelares sobre as respetivas quantias.
Do mais pedido pelo autor, absolve-se a ré.
Custas pelo autor e pela ré na proporção do decaimento.
Notifique”.
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Não se conformando com o assim decidido Autor e Ré vieram interpor recurso, rematando a alegação recursiva com as seguintes conclusões:
Recurso do Autor
(…)
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Devidamente notificada contra-alegou a Ré concluindo pelo não provimento do recurso.
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Recurso da Ré:
(…)
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Devidamente notificado contra-alegou o Autor concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cf. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são duas as questões que importa apreciar:
Recurso do Autor:
a)- saber se tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- decidir em conformidade face à alteração, ou não, da matéria factual.
Recurso da Ré:
a) saber se o montante fixado a título de danos não patrimoniais pelo tribunal recorrido foi ou não excessivo, questão que é, aliás, comum a ambos os recursos, mas em sentidos divergentes.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido:
1 - No dia 08/11/2019, cerca das 22 horas, na ..., concelho de Matosinhos, ocorreu um acidente de viação.
2 - Em tal acidente foram intervenientes o veículo de matrícula ..-..-JH e o veículo de matrícula ..-XA-...
3 - O Autor conduzia o veículo de matrícula JH, pela ..., no sentido .../ ....
4 - E ao aproximar-se do Km 2, em Matosinhos, foi embatido pelo veículo ..-XA-.., que circulava naquela autoestrada em contramão.
5 - Em consequência do acidente o Autor sofreu diversas lesões, entre elas, fratura da 9.ª à 11.ª costelas esquerdas tratadas conservadoramente; fratura cominutiva subtrocantérica esquerda com extensão diafisária tratada cirurgicamente; fratura marginal do rebordo do acetábulo esquerdo tratada conservadoramente; lesão meniscal no joelho esquerdo tratada cirurgicamente; traumatismo dentário, nomeadamente lesão das peças 15, 14, 13, 12, 11, 21, 22, 23, 24, 25 e 36, substituídos por implantes e coroas implanto-suportadas.
6 - Do local do acidente foi transportado pelo INEM para o Hospital ... no Porto, onde foi admitido no serviço de urgência como doente politraumatizado.
7 - E nesta unidade hospital ficou internado, desde 09/11/2019 a 28/11/2019, na unidade de medicina intensiva.
8 - Tendo posteriormente sido encaminhado para o serviço de ortopedia, onde ficou internado até 03/12/2019.
9 - Após a alta hospitalar passou a ser seguido na B..., Companhia de Seguros S.A., por acidentes de trabalho.
10 - Teve alta dos serviços clínicos dessa seguradora em 03/03/2021.
11 - O Autor deambula com claudicação à esquerda.
12 – Tem edema na perna esquerda.
13 - Cicatrizes cirúrgicas na face externa da anca e coxa esquerda.
14 - E desconforto quando está de pé, sentado ou de cócoras.
15 - Tem alterações de humor.
16 - E crises de ansiedade.
17 - Mantém acompanhamento psicológico,
18 - Desconforto nas relações sexuais.
19 - Ficou encarcerado no veículo 3 horas.
20 - Esteve mais de 4 meses dependente de terceira pessoa.
21 - Passou por momentos de angústia e sofrimento durante o período de internamento e tratamentos.
22 - O Autor nasceu em ../../1963.
23 - Trabalhava como cozinheiro num restaurante de uma sociedade de que era sócio-gerente.
24 – Mas desempenhava, quando necessário, todas as tarefas inerentes ao funcionamento de um restaurante.
25 - Auferia o salário mensal de € 850,00.
26 - A data da consolidação médico-legal das lesões é 02/03/2021.
27 - O período de Défice Funcional Temporário Total foi de 27 dias.
28 - Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 454 dias.
29 - Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 456 dias.
30- Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 25 dias.
31 - Quantum Doloris grau 3/7.
32 - Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos, com provável existência de Dano Futuro
33 - Dano Estético Permanente no grau 3 /7.
35 - Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer grau 3/7
36 – Sem repercussão permanente na atividade sexual.
37 - As sequelas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
38 - À data dos factos estava transferida para a ré a responsabilidade civil emergente do risco de circulação do veículo com a matrícula ..-XA-.., por via do contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....
39 - A B...-COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. celebrou um contrato de seguro de acidentes de trabalho com C..., LDA titulado pela Apólice nº ...
40 - Tal contrato de seguro encontrava-se em vigor à data do sinistro, ou seja, em 08.11.2019.
41 - Contrato de seguro celebrado na modalidade de prémio fixo e donde constava como trabalhador o A. AA, nas funções de Gerente Comercial.
42 - Por força da participação de sinistro, a Interveniente procedeu, no âmbito da apólice de seguro de Acidentes de Trabalho, a diversos pagamentos ao A., sob o ponto de vista laboral e a entidades que prestaram serviços médicos, medicamentosos, hospitalares e de diagnóstico ao sinistrado, a saber:
- I.T.A. com internamento de 09.11.2019 a 03.12.2019 liquidados diretamente ao sinistrado 542,57 €;
- I.T.A. de 04.12.2019 a 02.03.2021 liquidados diretamente ao sinistrado. 9.332,36 €;
- Despesas médicas, consultas médicas do sinistrado 45.551,42 €;
- Despesas com elementos auxiliares de diagnóstico realizados ao sinistrado para tratamento 279,96 €;
- Despesas com honorários médicos e cirurgias realizadas pelo sinistrado 2.633,65 €-Despesas com transportes para tratamento realizados pelo sinistrado 565,05€;
- Despesas com aparelhos e próteses necessárias ao tratamento do sinistrado € 50,00;
- Despesas com auxílio de 3ª pessoa 1.815,05 €.
43 – Na ação especial emergente de acidente de trabalho foi atribuída ao autor uma incapacidade parcial permanente de 31,043%.
44 - Desde janeiro de 2022 até julho de 2024, a Interveniente, procedeu ao pagamento ao sinistrado de pensões no montante global de 9.246,64 €.
45 - De despesas médicas, hospitalares, de tratamento e farmacêuticas, a Interveniente liquidou às entidades que prestaram tais cuidados, a quantia de 1.236,90 €.
46 - E em função das lesões sofridas pelo sinistrado/A. tem uma previsão de assistência vitalícia do montante de 101.908,60 €.
47 - Desde julho de 2024 até novembro de 2024, a Interveniente, procedeu ao pagamento ao sinistrado de pensões no montante global de 1.053,90€.
48 - De despesas médicas, hospitalares, de tratamento e farmacêuticas, a Interveniente liquidou às entidades que prestaram tais cuidados, a quantia de 330,00 €.
49 - A Interveniente detém ainda uma provisão matemática para o presente sinistro de 35.673,59 €.
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Factos não provados
Não se provou que:
A – O autor apresenta dismetria ou desvio axial dos membros inferiores.
B - Mantém acompanhamento psiquiátrico
C - Esteve com um colete cervical durante mais de 4 meses.
D – As sequelas são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual.
E – O autor auferia o salário mensal de € 1.200,00
F - O autor tem uma incapacidade para o exercício da profissão habitual (IPATH).
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III. O DIREITO
Como supra se referiu a primeira questão que importa apreciar e decidir no que se refere ao recurso interposto pelo autor consiste em:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
Como resulta do corpo alegatório e das respetivas conclusões o Autor/apelante abrange, com o recurso interposto, a impugnação da decisão da matéria de facto, não concordando com a resenha de algum dos factos dados como provados e não provados, sendo que, observa de forma satisfatória os ónus que sobre si recaem, pelo que deve ser conhecida a impugnação da decisão da matéria de facto nos moldes alegados.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Efetivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente impercetível na gravação/transcrição.[1]
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[2]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetividade, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[3]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[4]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão ao Autor apelante, neste segmento recursivo da impugnação da matéria de facto, nos termos por ele pretendidos.
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O ponto 25- dos factos provados tem a seguinte redação:
“Auferia o salário mensal de € 850,00”.
Propugna o apelante que o citado ponto devia antes passar a ter a seguinte redação:
“O autor auferia o salário mensal de € 1.200,00”.
Para o efeito convoca os recibos de vencimento que foram juntos aos autos quer com a petição inicial quer com o requerimento introduzido em juízo de 07/03/2022, bem como as suas declarações de parte.
Sob este conspecto o tribunal recorrido, na motivação da decisão da matéria de facto, discorreu do seguinte modo:
“Os recibos de vencimento juntos à p.i mostram que a retribuição nos meses de fevereiro a junho de 2019 era de 1.200€. Depois, estranhamento passa para 850€ em julho e agosto do mesmo ano. Não há recibos de setembro, outubro ou novembro.
Em depoimento de parte, o autor disse que recebia 1.200€. Mas não há prova desses pagamentos.
Pelo contrário, a declaração de IRS relativa a 2018 mostra uma retribuição de 850€. E o extrato de retribuições da SS indica igual valor–cf. 3/3/2022 e 9/3/2020. Assim, na ausência de comprovativo de que o valor pago excedia os 850€ por mês, deram-se estes como provados”.
Ora, respigando os recibos de vencimento que foram juntos aos autos quer com a petição inicial quer com o requerimento de 07/03/2022, o que se verifica é que, efetivamente, apenas nos meses de julho, agosto, setembro e outubro de 2019 é que o vencimento mensal base ilíquido do apelante foi de €850,00, tendo nos meses de fevereiro a junho e novembro de 2019 até 31/01/2022 sido de € 1.2000 sendo, pois, legítimo, face à evidência do valor probatório dos documentos em causa e que não foram objeto de impugnação, concluir que, à data do acidente (08/11/2019), o apelante auferia um vencimento mensal base ilíquido de € 1.200.
Desta forma, o ponto 25- dos factos provados passa a ter a seguinte redação:
“À data do acidente o Autor auferia o vencimento mensal base ilíquido de € 1.2000”.
Eliminando-se, neste seguimento, a al. E) dos factos não provados.
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O ponto 32- do elenco dos factos provados tem a seguinte redação:
“Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos, com provável existência de Dano Futuro”.
Alega o apelante que a percentagem do referido défice funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica deve ser fixada em 17 pontos.
Sustenta esta sua alteração no segundo relatório pericial do IML.
Como se evidencia dos autos no primeiro relatório pericial elaborado pelo IML em 14/12/2022 foi atribuído ao Autor Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 16 pontos.
No segundo relatório pericial, elaborado pelo IML com data 26/04/2024, foi atribuído ao apelante, a esse nível, Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 17 pontos.
Perscrutando ambos os relatórios verifica-se que a divergência percentual na atribuição do referido défice se situa na circunstância de, no primeiro dos relatórios de psiquiatria forense datado de 24/10/2022 elaborado pelo IML, ter sido valorizado o défice funcional permanente da integridade físico psíquica em 5 pontos, enquanto no segundo, datado de 30/10/2023 ter sido, tal défice, valorizado em 6 pontos.
Ora, da leitura atenta de ambos os referidos relatórios não se retiram elementos objetivantes que justifiquem essa diferença pontual na valorização do apontado défice funcional permanente da integridade físico psíquica.
Acontece que, a nosso ver, como se refere no segundo dos relatórios periciais:
- o apelante foi exposto a um acontecimento traumático que envolveu uma séria ameaça de morte e sentimento de medo intenso, angústia, desamparo e horror;
- o referido acontecimento traumático é re-experienciado de forma persistente;
- existe um comportamento de evitamento de estímulos associados com o trauma;
- o apelante apresenta hiperativação autonómica desencadeada pela descrição do evento;
- a perturbação causa-lhe mal-estar significativo no funcionamento social;
- a perturbação é de natureza crónica, atendendo ao tempo decorrido desde o acidente.
Como, assim, a nosso ver, afigura-se mais consentânea com esta realidade traumatizante de que sofre o apelante de forma crónica a valorização que nele foi feita deste défice funcional.
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Nestes termos altera-se a redação do ponto 32- dos factos provados nos seguintes termos:
“Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 17 pontos, com provável existência de Dano Futuro”.
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O ponto 36- dos factos provados tem a seguinte redação:
“Sem repercussão permanente na atividade sexual”.
Sustenta o apelante, também ancorado no segundo dos relatórios periciais, que esse ponto deve ser eliminado passando dele a constar o seguinte:
“O Autor apresenta repercussão permanente na atividade sexual fixada em 1/7”.
No primeiro dos relatórios periciais atrás referidos não se considerou o parâmetro Repercussão Permanente na Atividade Sexual.
Já no segundo relatório se fixou no grau 1/7.
A nosso ver também aqui, salvo melhor entendimento será de valorizar o segundo dos relatórios, que se se mostra, aliás, em consonância o ponto 18- dos factos provados[5] e com a medicação do Tadalafil[6] que o apelante está a fazer desde 2020 e que está direcionada, em particular, para a disfunção erétil.[7]
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Altera-se, assim, o ponto 36- dos factos provados passando a ter a seguinte redação:
“O Autor apresenta repercussão permanente na atividade sexual fixada em 1/7”.
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O ponto 37- dos factos provados tem a seguinte redação:
“As sequelas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares”.
Alega o apelante que o referido ponto devia antes passar a ter a seguinte redação:
“As sequelas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual”.
Para efeito, convoca também aqui o segundo dos relatórios periciais bem como depoimento da testemunha BB sua mulher.
No mencionado relatório e sob tal conspecto consta o seguinte:
“Neste caso, as sequelas são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional.”
No iter decisório da motivação da decisão da matéria de facto o tribunal recorrido sobre o ponto em questão discorreu do seguinte modo:
“As lesões sofridas pelo autor, internamentos, cirurgias, incapacidades resultam do que consta dos relatórios periciais.
Existem algumas diferenças nas conclusões dos peritos médico-legais das duas perícias médico-legais. Nomeadamente quanto à possibilidade ou não do autor continuar a desempenhar as suas funções laborais habituais de cozinheiro.
Não havendo razões objetivas para o tribunal decidir em favor de um ou do outro, face às regras do ónus da prova, optou-se pelo primeiro relatório que concluiu pela compatibilidade das sequelas com o exercício da atividade habitual.
Verdade que a esposa do autor referiu que o marido não está em condições para trabalhar. Condições físicas: pegar em pesos, baixar-se, manca, falha-lhe a perna ao andar. Mas principalmente psicológicas: tornou-se muito ansioso. Ficou com um temperamento explosivo, não tem paciência para os clientes.
Ora, o seu depoimento não é suficiente para o tribunal desacreditar um relatório pericial em favor do outro. Para mais, como é a esposa do autor não é uma testemunha imparcial. Há uma tendência natural para exagerar sempre alguma coisa.
Diga-se, ainda, que no processo por acidente de trabalho não foi atribuída IPATH. Foi fixada uma IPP de 31,043%, de acordo com a testemunha CC.
Em suma, o tribunal seguiu o primeiro relatório pericial. Salvo no que respeita ao quantum doloris que, por lapso esse relatório não menciona. Considerou-se, neste particular, o segundo relatório”.
Ora, no primeiro relatório pericial escreveu-se a esse propósito:
“Neste caso, as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares”.
Que dizer?
Também aqui, tal como se referiu em relação ao Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica, da leitura atenta de ambos os referidos relatórios, não se retiram elementos objetivantes que justifiquem essas diferentes leituras em relação à repercussão das sequelas permanentes, advenientes do evento, no exercício da atividade profissional habitual do apelante.
Analisando, porém.
No que diz respeito ao depoimento da testemunha BB, torna-se evidente que a sua valoração neste particular se revela diminuta ou mesmo nula.
Efetivamente, para além de não ter, face a à sua relação marital com o apelante, a equidistância necessária para prestar um depoimento isento, tem, obviamente um interesse favorável no desfecho do pleito.
Ainda assim, sempre se dirá que a testemunha em causa acabou por afirmar o seguinte:
“MANDATÁRIO: Olhe, eu só tinha aqui uns esclarecimentos que queria pedir à senhora muito breves. Portanto, o acidente foi em 2019, não é assim? O marido, depois de tudo aquilo a que ele foi submetido, quando é que ele regressou ao trabalho? Sabe dizer?
[00:22:00] BB: Eu acho que foi em 2021.
[00:22:02] MANDATÁRIO: E 21. A fazer exatamente aquilo que fazia antes? Pergunto-lhe.
[00:22:06] BB: Não, não.
[00:22:07] MANDATÁRIO: Então, o que é que ele fazia?
[00:22:09] BB: É assim, ele, antigamente, cozinhava, andava de um lado para o outro, a correr e isso. Ele tentou, nos primeiros tempos, fazer exatamente igual. Só que, com as dores que ele tinha, começou a ficar limitado.
[00:22:19] MANDATÁRIO: Mas então, o que é que ele fazia a partir daí? Sabe dizer-nos?
[00:22:23] BB: Ele continuava a fazer, só que…
[00:22:25] MANDATÁRIA: Mas cozinhar?
[00:22:26] BB: Sim, sim. Continuou a cozinhar, só que chegou a um ponto que não conseguiu mais, e então, tinha que dizer à empregada para fazê-lo por ele. É assim, ele, antigamente, cozinhava, andava de um lado para o outro, a correr e isso. Ele tentou, nos primeiros tempos, fazer exatamente igual. Só que, com as dores que ele tinha, começou a ficar limitado.
[00:22:19] MANDATÁRIO: Mas então, o que é que ele fazia a partir daí? Sabe dizer-nos?
[00:22:23] BB: Ele continuava a fazer, só que…
[00:22:25] MANDATÁRIA: Mas cozinhar?
[00:22:26] BB: Sim, sim. Continuou a cozinhar, só que chegou a um ponto que não conseguiu mais, e então, tinha que dizer à empregada para fazê-lo por ele”.
Ou seja, do excerto do depoimento em causa o que, em retas contas, se retira é que o apelante quis continuar a desempenhar, depois do acidente, e quando regressou ao trabalho em 2021, as mesmas funções de cozinheiro e ao mesmo ritmo que o fazia antes daquele evento, olvidando que para isso necessitava de esforços suplementares face às sequelas de que ficou a padecer.
Voltemos agora a nossa atenção para os relatórios periciais.
Importa, desde logo salientar que, o quadro clínico que serviu de base à elaboração de ambos os relatórios periciais, não obstante exista entre eles um hiato temporal de cerca de um ano, não sofreu qualquer alteração, como aliás, observou a perita subscritora do segundo dos relatórios periciais-Drª DD-nos esclarecimentos que prestou em audiência de julgamento.
Também a mesma perita subscritora, não obstante, nos citados esclarecimentos, afirme que as sequelas de que o apelante ficou a padecer eram impeditivas do exercício da sua profissão habitual mesmo com o exercício de esforços suplementares (acrescidos), em momento anterior, havia produzido a seguinte afirmação:
“[…] entendemos que é difícil que continue a exercer de forma eficaz a sua atividade profissional, mesmo que o senhor nos verbalize que, como é patrão (impercetível) só terá que ir fazer trajetos quando, especificamente, há necessidade para tal”.
Portanto, naquela afirmação inicial e que consta do relatório pericial por ela elaborado afirma-se de forma clara e categórica que o apelante não consegue exercer a sua profissão habitual, mesmo que faça um esforço adicional. Ou seja, há uma inaptidão total para o exercício da profissão, independentemente da vontade ou esforço da pessoa.
Todavia, em momento anterior, a Srª perita adota uma linguagem menos taxativa, isto é, diz que é “difícil”, não “impossível”, que o apelante continue a exercer de forma eficaz a sua profissão. Além disso, há uma referência ao facto de o apelante exercer funções de patrão, podendo organizar a sua atividade e, eventualmente, restringi-la a momentos específicos em que o esforço é menor, isto é, adicionalmente, admite implicitamente a possibilidade de reestruturação da atividade profissional, com adequação das tarefas às limitações funcionais.
Ora, esta divergência entre as declarações não pode ser ignorada.
Ainda que não se trate de uma contradição lógica absoluta, há uma evolução significativa na avaliação pericial, que passa de uma conclusão meramente dificultativa (“difícil que continue a exercer de forma eficaz”) para uma conclusão impeditiva absoluta (“impeditivas do exercício da sua profissão mesmo com esforços acrescidos”).
Tal oscilação na fundamentação técnica fragiliza a credibilidade da perícia médica constante do segundo relatório, na medida em que compromete a uniformidade e coerência do juízo clínico-legal formulado.
Acresce que, em 05/01/2023 o apelante solicitou esclarecimentos ao primeiro dos relatórios periciais pela forma seguinte:

“No relatório elaborado a Srª Perita Médica admite a existência de dano futuro.

Mas, no que diz respeito à incapacidade, considera que o sinistrado pode exercer a atividade habitual, com esforços suplementares. Ora, sabendo-se que as lesões se vão agravar no futuro e que o Autor enquanto cozinheiro e empregado de mesa, exerce a sua profissão excessivamente de pé.

Não seria de considerar uma IPATH, ou seja, uma incapacidade para a profissão habitual?
(…)”
*
Esse pedido de esclarecimento mereceu, por parte das subscritoras do relatório em causa, a seguinte resposta em relação à IPATH:
“A “IPATH” significa incapacidade permanente absoluta para o Trabalho (atividade profissional) Habitual, sendo um parâmetro de dano exclusivamente aplicável nas perícias realizadas no âmbito do Direito do Trabalho; a perícia em apreço foi solicitada e realizada no âmbito do Direito Civil, pelo que o parâmetro de dano relativo às consequências permanentes na atividade profissional é a “Repercussão Permanente na Atividade Profissional”, sendo este descritivo e que, neste caso, foi considerado que “as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares” (cf. relatório pericial). Este parâmetro é atribuído tendo em conta as alterações descritas e objetivadas à data do presente exame pericial, estando já justificado no ponto 1 as questões relacionadas com o dano futuro. Tendo em conta estas premissas cabe às médicas peritas responder:
3º- Não”.
Portanto, existe aqui coerência entre os esclarecimentos prestados e o que foi consignado no respetivo relatório.
De resto, como decorre do preâmbulo do Decreto-Lei nº 352/2007, de 23.10 (Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais), “(…) No direito laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os atos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da atividade profissional específica do examinando. (...)”.
Aliás, diga-se, que mesmo no segundo relatório pericial é relevantemente dito que (…) as sequelas são compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional (...)”.
*
Nos termos do artigo 389.º do Código Civil, os relatórios periciais constituem meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, devendo o tribunal avaliar a sua coerência, clareza e fundamentação, razão pela qual e sob este conspecto aderimos à conclusão vertida no primeiro dos referidos relatórios devendo, por isso, permanecer na resenha dos factos provados o ponto 37- e as alíneas D) e F) do elenco dos factos não provados.
*
Diante do exposto, procedem, assim, em parte, as conclusões 2ª a 13ª formuladas pelo apelante.
*
Alterada pela forma descrita a fundamentação factual analisemos agora as restantes questões postas pelo apelante.
*
1- A questão do dano biológico
Como se evidencia da decisão recorrida o tribunal fixou, a este nível, o montante indemnizatório de € 20.000,00 apelidando-o, no entanto, de dano futuro, mas fê-lo, diga-se, de uma forma demasiado concisa e simplista porque sem recurso a qualquer critério jurídico orientador para esse efeito e eivado de algum miserabilismo.[8]
Deste montante dissente o apelante, para quem tal montante se devia fixar em € 150.000,00.
Que dizer?
No segmento indemnizatório aqui em apreciação movemo-nos no âmbito do que a jurisprudência e a doutrina têm apelidado de dano biológico ou fisiológico, que constitui, no fundo, um dano à saúde, violador da integridade física e do bem-estar físico, psíquico e social.
A jurisprudência, de forma maioritária, tem vindo a considerar este dano biológico como sendo de cariz patrimonial e, por isso, indemnizável nos termos do artigo 564.º, nº 2 do Cód. Civil.
Tem-se afirmado que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, porque determinante de consequências negativas ao nível da sua atividade geral, justifica a sua indemnização no âmbito do dano patrimonial.
Em abono deste entendimento, a tónica é posta nas energias e nos esforços suplementares que uma limitação funcional geral implicará para o exercício das atividades profissionais do lesado, destacando-se que uma incapacidade permanente parcial, sem qualquer reflexo negativo na atividade profissional do lesado e no seu efetivo ganho, “se repercutirá, residualmente, em diminuição da condição e capacidade física e correspondente necessidade de um esforço suplementar para obtenção do mesmo resultado”.
Porém, outros entendem, como por exemplo no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/10/2009, que também é lícito defender-se que o ressarcimento do dano biológico deve ser feito em sede de dano não patrimonial.
Escreveu-se o seguinte neste aresto:
“Nesta perspetiva, há que considerar, desde logo, que o exercício de qualquer atividade profissional se vai tornando mais penoso com o decorrer dos anos, o desgaste natural da vitalidade (paciência, atenção, perspetivas de carreira, desencantos (…) e da saúde, tudo implicando um crescente dispêndio de esforço e energia.
“E esses condicionalismos naturais podem é ser agravados, ou potenciados, por uma maior fragilidade adquirida a nível somático ou em sede psíquica.
“Ora, tal agravamento, desde que não se repercuta direta–ou indiretamente–no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza, necessariamente, numa perda patrimonial futura ou na frustração de um lucro, traduzir-se-á num dano moral.
“Isto é, o chamado dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como compensado a título de dano moral.
“A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período ativo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.
“E não parece oferecer grandes dúvidas que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial.”
Sustentam outros ainda que o dano corporal ou dano à saúde deve ser reconhecido como dano autónomo, verdadeiro “tertium genus” de natureza específica, com um lugar próprio que não se esgota nem é assimilado pela dicotomia clássica entre o que é patrimonial e o que não é patrimonial, impondo-se como uma realidade digna de reparação autónoma.
Entendimento este a que não são alheias as grandes dificuldades e delicadíssimos problemas suscitados pela determinação e avaliação das consequências pecuniárias e não pecuniárias do dano corporal no quadro da distinção dano patrimonial/dano não patrimonial.
Concretamente, quanto à indemnização de perdas patrimoniais futuras, a título de lucros cessantes, lembra-se que o lesado terá que provar a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho, destacando-se que a avaliação e reparação das chamadas pequenas invalidades permanentes se deve confinar à área do chamado dano corporal ou dano à saúde.
Como quer que seja, independentemente da sua integração jurídica nas categorias do dano patrimonial ou do dano não patrimonial-ou eventualmente como tertium genus, como dano de natureza autónoma e específica, por envolver prioritariamente uma afetação da saúde e plena integridade física do lesado-, o certo é que a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado constitui inequivocamente um dano ressarcível, englobando-se as sequelas patrimoniais da lesão sofrida seguramente no domínio dos lucros cessantes, ressarcíveis através da aplicação da denominada teoria da diferença.
Ora, a posição maioritária, que também sufragamos, vem considerando que este dano deve ser calculado como se de um dano patrimonial futuro se tratasse: há uma perda de utilidade proporcionada pelo bem corpo, nisso constituindo o prejuízo a indemnizar, irrelevando para este efeito o facto de as lesões sofridas pelo demandante não terem implicado, de forma imediata, a perda de rendimento.
Neste conspecto, a casuística que sufraga tal posição vem recorrentemente enfatizando que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, ainda que não se traduza em perda de rendimento do trabalho, releva para efeitos indemnizatórios– como dano biológico/patrimonial-porque é determinante de consequências negativas ao nível da atividade geral do lesado e, especificamente da sua atividade laboral, designadamente num jovem, condicionando as suas hipóteses de emprego, diminuindo as alternativas possíveis ou oferecendo menores possibilidades de progressão na carreira, bem como uma redução de futuras oportunidades no mercado de trabalho, face aos esforços suplementares necessários para a execução do seu trabalho.
Evidentemente que casos há em que as lesões físicas não causam nenhum acréscimo, para o lesado, de esforço na atividade profissional que ele exerce. Uma ligeira desvalorização no plano físico, mesmo que relacionada com a mobilidade, não tem para um lesado que desenvolve uma atividade profissional sedentária e marcada pelo esforço intelectual, qualquer repercussão nesta.
Por isso, em certas situações justifica-se que, apesar da comprovada desvalorização do lesado no plano físico em consequência do acidente, o dano correspondente seja ressarcido apenas no plano não patrimonial, por este não se repercutir, direta ou indiretamente, na sua situação profissional, tanto em termos de remuneração como de carreira.
Assentando na qualificação do aludido dano como dano patrimonial futuro, debrucemo-nos agora sobre as particularidades do caso concreto no concernente à determinação do respetivo quantum indemnizatório.
Como deflui do regime vertido nos artigos 564.º e 566.º, nº 3 do CCivil, o princípio geral a presidir à tarefa de determinação desse quantum deve assentar em critérios de equidade, sendo tal noção absolutamente indispensável para que a justiça do caso concreto funcione, devendo, assim, ser rejeitados puros critérios de legalidade estrita.
No entanto, a equidade não corresponde a arbitrariedade. Por isso, de há longo tempo, a jurisprudência, num esforço de clarificação na matéria, tem procurado definir critérios de apreciação e de cálculo do dano em causa, assentando fundamentalmente nos seguintes parâmetros-força:
1ª) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
2ª) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
3ª) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
4ª) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
5ª) E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já se aproxima dos 78 anos, e tem tendência para aumentar).
Acolhendo tais diretrizes e regressando ao caso dos autos, importa, desde logo, respigar o seguinte quadro factual:
“- O Autor tinha 56 anos à data do acidente;
- Tem um défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 17 pontos;
- As sequelas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares [cf. pontos 22-, 32- e 37- dos factos provados].
Importa enfatizar que a propósito do fator rendimento, alguma jurisprudência[9] vem considerando que nos casos, como o presente, em que não há (imediata) perda de capacidade de ganho, não existindo, como não existe, qualquer razão para distinguir os lesados no valor base a atender, deverá usar-se, no cálculo do dano biológico, um valor de referência comum sob pena de violação do princípio da igualdade, já que só se justificará atender aos rendimentos quando estes sofram uma diminuição efetiva por causa da incapacidade, por só aí é que o tratamento desigual dos lesados terá fundamento.
Em busca do tratamento paritário, no cálculo que efetue, o julgador terá que partir de uma base uniforme que possa utilizar em todos os casos, para depois temperar o resultado final com elementos do caso que eventualmente aconselhem uma correção, com base na equidade.[10]
Com efeito, a integridade psicofísica é igual para todos (artigos 25.º, nº 1, da CRPortuguesa e 70.º, nº1, do Código Civil) de modo que, no cálculo da indemnização, não deve ser relevada a situação económica do lesado sob pena de violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º, nº 1 e nº 2 da Constituição.
O dano biológico expresso no grau de incapacidade de que o lesado fica a padecer, e quando não interfere na capacidade de ganho, determinando a necessidade de um esforço acrescido para viver e para todas as atividades diárias, levando a uma diminuição da qualidade de vida em geral, é igualmente grave para quem exerce um profissão remunerada com € 5.000,00 ou com € 500,00 sendo a dimensão do direito à saúde que está em causa e que é, tal como o direito à vida, igual para qualquer ser humano.
Fazer interferir o valor do salário de cada um ou o do salário mínimo nacional quando o lesado não exerce ou não tem profissão, pode até, a nosso ver gerar situações injustas.
A Portaria 377/2008 de 26 de maio faz consignar o montante da remuneração mínima mensal garantida como valor para efetuar o cálculo do dano biológico.
Ora, considerando que o legislador faz interferir o salário como elemento fundamental para o cálculo da indemnização, temos então como mais correto que se pondere, para o efeito, o valor do salário médio nacional e não a remuneração mínima mensal garantida.
A informação estatística da base de dados da Pordata, em Portugal, in www.pordata.pt indica que o ordenado médio mensal dos trabalhadores por conta de outrem no ano de 2021[11] era de € 1.294,10.
Este valor é então um dos elementos a ponderar para o cálculo da indemnização do dano biológico, havendo também que considerar a idade do lesado, que era no caso de 56 anos à data do acidente e o grau de desvalorização ou incapacidade que é de 17 pontos.
Como assim, tendo por referência um rendimento anual de € 16.492,00 (€ 1.294,10 x14) a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período provável da vida do lesado, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional ativa), com uma dedução que razoavelmente se pode estimar em 10%, dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital.
Efetivamente, como se refere no Ac. do STJ de 19/09/2024[12]A antecipação da disponibilidade imediata do capital referente à indemnização por este dano futuro, que não o seu pagamento faseado ao longo do tempo previsto ou previsível, justifica uma dedução sob pena de haver um enriquecimento sem causa, face à possibilidade do Autor rentabilizar o valor recebido[13].
Neste domínio a jurisprudência vem oscilando na consideração de uma dedução entre os 10% e os 33% sendo que, no caso concreto, o desconto de 10% por referência às taxas de rentabilidade de aplicação de capital que, não obstante, a imprevisibilidade da sua variação, por tão longo período por referência nos parece correto e ajustado além de estar em linha com a jurisprudência mais recente do STJ.[14]
De acordo com os enunciados fatores, considerando que o autor ficou afetado de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 17 pontos, temos que a perda patrimonial anual corresponde a € 3.079,95 [(€ 1.294,10 x 14) x 17%], o que permitiria alcançar, ao fim de 25 anos de vida (considerando-se, neste ponto, que à data do acidente o autor contava 56 anos de idade e que a sua esperança média de vida se situa nos 81 anos de idade[15]), o montante de € 76.998,95 apurando-se um valor de € 69.299,06 após se operar o apontado desconto de 10%.
Isto dito importa ainda, para se atingir a solução que, neste caso, se haja de considerar como a mais equitativa, apelar à jurisprudência que se vem pronunciando sobre situações com alguma similitude.[16]
Como assim, sopesando o quadro factual apurado, relevando especialmente que as sequelas sofridas pelo apelante embora compatíveis com o exercício da atividade habitual, implicam esforços suplementares, afigura-se-nos justo e equilibrado para ressarcir este dano o montante de € 70.000,00 (setenta mil euros).
*
2- A questão dos danos não patrimoniais
Importa, antes de avançarmos na análise deste dano, salientar que para efeitos de indemnização autónoma do dano biológico, na sua vertente patrimonial (como foi o caso), só relevam as implicações de alcance económico, sendo as demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, ponderadas em sede de danos não patrimoniais, sob pena de duplicação de indemnizações.
A indemnização emergente de acidente de viação não visa um enriquecimento ilegítimo à custa do lesante, mas antes, a reparação do dano causado.
A referência doutrinal e jurisprudencial ao dano biológico não tem visado esse desiderato.
O que nela se tem discutido, como supra se referiu, é a questão de saber se esse dano deve ser indemnizado a título de dano não patrimonial ou a título de dano patrimonial, quando se verifica que a incapacidade permanente parcial não implica uma perda de ganho do rendimento auferido.
No entanto, ninguém defende que o dano biológico seja indemnizado autonomamente, para além da indemnização da perda de ganho, porque isso seria uma duplicação indemnizatória, violadora da lei e dos princípios de equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa.
*
Na decisão recorrida fixou-se a este nível o montante de € 80.000,00.
Desse valor dissentem quer o Autor apelante quer a Ré conforme se evidencia das suas alegações recursivas nos recursos que apresentaram.
O primeiro entende que o montante desses danos devia ser fixado em € 100.000,00 enquanto que o segundo defende que tal montante devia ser fixado em não mais de € 45.000,00.
Quid iuris?
Os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, conforme o artigo 496.º, nº 1, do C. Civil, consequência do princípio da tutela geral da personalidade previsto no artigo 70.º do mesmo diploma legal.
A gravidade mede-se por um padrão objetivo, conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias concretas; por outro lado, aprecia-se em função da tutela do direito. Neste caso o dano é de tal modo grave que justifica a concessão da indemnização pecuniária aos lesados.
Existem danos não patrimoniais sempre que é ofendido objetivamente um bem imaterial, cujo valor é insuscetível de ser avaliado pecuniariamente. Nestes casos, a indemnização visa proporcionar ao lesado “uma compensação ou benefício de ordem material (a única possível) que lhe permita obter prazeres ou distrações-porventura de ordem espiritual-que, de algum modo, atenuem a sua dor”.[17]
E, o montante da indemnização, nos termos dos artigos 496.º, nº 3 e 494.º do Código Civil, será fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante às demais circunstâncias que contribuam para uma solução equitativa, bem como aos critérios geralmente adotados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda.[18]
Por outro lado, ao liquidar o dano não patrimonial, o juiz deve levar em conta os sofrimentos efetivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos do “factie specie”, de modo a achar uma soma adequada ao caso concreto, a qual, em qualquer caso, deve evitar parecer mero simulacro de ressarcimento.
Os critérios jurisprudenciais constituem importante baliza para o raciocínio, posto que aplicáveis, ainda que por semelhança, ao caso concreto, sendo que, nesta ponderação de valores, tem defendido que os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objetivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objetivamente um enriquecimento injustificado.[19]/[20]
No caso que nos ocupa, o dano violado foi a integridade física do Autor/apelante que viu o acidente causar-lhe danos corporais que deixaram sequelas.
Assim, releva no prisma–danos não patrimoniais–o seguinte quadro factual dado como assente nos autos (e só a esse há que atender e que, aliás, nesse segmento não foi objeto de impugnação[21]):
“5 - Em consequência do acidente o Autor sofreu diversas lesões, entre elas, fratura da 9.ª à 11.ª costelas esquerdas tratadas conservadoramente; fratura cominutiva subtrocantérica esquerda com extensão diafisária tratada cirurgicamente; fratura marginal do rebordo do acetábulo esquerdo tratada conservadoramente; lesão meniscal no joelho esquerdo tratada cirurgicamente; traumatismo dentário, nomeadamente lesão das peças 15, 14, 13, 12, 11, 21, 22, 23, 24, 25 e 36, substituídos por implantes e coroas implanto-suportadas.
6 - Do local do acidente foi transportado pelo INEM para o Hospital ... no Porto, onde foi admitido no serviço de urgência como doente politraumatizado.
7 - E nesta unidade hospital ficou internado, desde 09/11/2019 a 28/11/2019, na unidade de medicina intensiva.
8 - Tendo posteriormente sido encaminhado para o serviço de ortopedia, onde ficou internado até 03/12/2019.
9 - Após a alta hospitalar passou a ser seguido na B..., Companhia de Seguros S.A., por acidentes de trabalho.
10 - Teve alta dos serviços clínicos dessa seguradora em 03/03/2021.
11 - O Autor deambula com claudicação à esquerda.
12 – Tem edema na perna esquerda.
13 - Cicatrizes cirúrgicas na face externa da anca e coxa esquerda.
14 - E desconforto quando está de pé, sentado ou de cócoras.
15 - Tem alterações de humor.
16 - E crises de ansiedade.
17 - Mantém acompanhamento psicológico,
18 - Desconforto nas relações sexuais.
19 - Ficou encarcerado no veículo 3 horas.
20 - Esteve mais de 4 meses dependente de terceira pessoa.
21 - Passou por momentos de angústia e sofrimento durante o período de internamento e tratamentos.
26 - A data da consolidação médico-legal das lesões é 02/03/2021.
27 - O período de Défice Funcional Temporário Total foi de 27 dias.
28 - Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 454 dias.
29 - Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 456 dias.
30- Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial de 25 dias.
31 - Quantum Doloris grau 3/7.
33 - Dano Estético Permanente no grau 3 /7.
35 - Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer grau 3/7
36 –Apresenta repercussão permanente na atividade sexual fixada em 1/7.
*
Importa, por outro lado, sopesar que o acidente foi causado por culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula veículo ..-XA-.. (cf. ponto 4-dos factos provados).
Realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais pronunciam-se no seu ensino os tratadistas.
Assim, Menezes Cordeiro[22] ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”.
Galvão Telles[23] sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima–na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.
Menezes Leitão[24] realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”.
Pinto Monteiro[25], de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante”.
Por outro lado, ao liquidar o dano não patrimonial, o juiz deve levar em conta os sofrimentos efetivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos do “factie specie”, de modo a achar uma soma adequada ao caso concreto, a qual, em qualquer caso, deve evitar parecer mero simulacro de ressarcimento.
Os critérios jurisprudenciais constituem importante baliza para o raciocínio, posto que aplicáveis, ainda que por semelhança, ao caso concreto, sendo que, nesta ponderação de valores, tem-se defendido que os montantes não poderão ser tão escassos que sejam objetivamente irrelevantes, nem tão elevados que ultrapassem as disponibilidades razoáveis do obrigado ou possam significar objetivamente um enriquecimento injustificado.[26]
Registe-se, de qualquer modo, que nesta matéria, ao invés de buscar exemplos que possam servir de comparação, entende-se mais significativo salientar que o Supremo Tribunal de Justiça[27] vem acentuando que estando em causa critério de equidade, as indemnizações arbitradas apenas devem ser reduzidas quando afrontem manifestamente as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das regras da vida, como igualmente acentua que o valor indemnizatório deve ter carácter significativo, não podendo assumir feição meramente simbólica.
Como assim, sopesando o quadro factual supra exposto e tendo em atenção as lesões sofridas pelo Autor, aos tratamentos necessários a que teve de submeter-se (3 intervenções cirúrgicas) à duração destes, às dores, classificadas no grau 3/7, ao dano estético fixável em 3/7, que apresenta repercussão permanente na atividade sexual fixada no grau 1/7, que esteve mais de 4 meses dependente de terceira pessoa, que se tratou de um embate frontal em contramão numa autoestrada e que esteve 3 horas encarcerado dentro da sua viatura, entendemos que a compensação por esta categoria de danos fixada pelo tribunal recorrido se revela algo excessiva, sendo mais consentânea justa e equilibrada com a gravidade das lesões do recorrido a quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) além de que não ofende os valores usualmente arbitrados pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, nomeadamente em situações de gravidade substancialmente superior[28] (cf. artigo 566.º, nº 3 do Cód. Civil).
*
3- A questão das diferenças salariais no período de ITA.
Como decorre da decisão recorrida o valor arbitrado foi de € 3.998,35.
Com esse valor discorda o apelante propugnando antes o montante de € 7.500,000 e, pensamos que, com razão.
Efetivamente, conforme resulta da sentença recorrida o Autor/apelante esteve com ITA de 09/11/2019 até 02/03/2021, ou seja, durante 479 dias.
Mais se apurou que o salário mensal auferido pelo Autor, era de € 1.200,00.
Assim, naquele indicado período deixou o Autor de auferir a quantia de € 19.160,00.
Deduzindo-se a este propósito o valor recebido da seguradora de AT que ascende à quantia de € 9.874,93, evidente se torna que o Autor não se mostra integralmente ressarcido desse prejuízo.
Pelo que, deduzindo àquele valor total o valor já recebido pelo Autor, o mesmo ainda teria direito a receber a quantia de € 9.285,07.
Sob este conspecto o apelante pede apenas a alteração da decisão recorrida com a limitação ao valor reclamado, ou seja, € 7.500,00.
Acontece que, a nosso ver, o valor a ressarcir será aquele de 9.285,07 por se conter dentro do pedido global formulado.
Analisando.
A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir (n.º 1 do art.º 609.º do CPCivil), sendo que é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido [cf. al. e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC].
A proibição de condenação em quantidade superior à do pedido, consignada no art.º 609.º, n.º 1 do CPC, é justificada pela ideia de que compete às partes a definição do objeto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à sua vontade, e de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor. É, na observância do princípio do dispositivo que o tribunal está impedido de condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que for pedido.
Com efeito, um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, a que alude o n.º 1 do art.º 5.º do CPC, nos termos do qual “às partes cabe alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
Todavia, como se diz no Ac. do STJ de 25/03/2010[29]Encontra-se, há muito, firmado na jurisprudência o entendimento segundo o qual os limites da condenação contidos no art.º 661.º, n.º 1 do CPC têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra.
Esta orientação tem sido assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos (v.g. danos patrimoniais e danos não patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, danos presentes e danos futuros), componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada.
Compreende-se que assim seja nos casos em que, com base na descrição de uma situação de facto, se afirma a titularidade de um direito que se pretende ver tutelado mediante a declaração da sua existência e a concretização em valor único da sua dimensão global, porque, então, se trata de pedido unitário, decomposto ou desdobrado em parcelas que integram um só efeito jurídico, com a mesma e única causa de pedir.
Com efeito, na definição legal (artigo 498.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a ação, traduzindo uma pretensão decorrente de uma causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos [artigos 467.º, alínea d), e 498.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código de Processo Civil], sendo, pois, os dois elementos (pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da ação e delimitadores do seu objeto, do que resulta que o pedido se individualiza como a providência concretamente solicitada ao tribunal em função de uma causa de pedir” (negritos e sublinhados nossos).
Ora, no caso em apreço o pedido de indemnização no valor total de € 257.500,00 apresenta-se como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos.
Não será pelo facto de o pedido das diferenças salariais ter sido deduzido parcelarmente, que não se atenderá ao entendimento impressivamente manifestado no Acórdão do STJ acima citado.
Com efeito, não se mostra violado o princípio do pedido que impede a condenação em valor superior ao peticionado, já que estamos perante um valor parcelar da indemnização global e a limitação quantitativa da condenação implícita no art.º 609.º n.º 1 do CPC reporta-se ao valor global e não ao das concretas parcelas que integram o valor total do pedido.
“Assim, ainda que os danos revistam uma natureza diferenciada–como por exemplo, a decorrente da fundamental dicotomia entre dano patrimonial e não patrimonial–e, por isso, o cálculo da respetiva indemnização obedeça a parâmetros distintos, os recorrentes não ficam investidos em vários direitos de crédito–tantos quantas as parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano–mas num único direito de crédito. É justamente isto que explica, v.g., que os limites da condenação, ditados pelo princípio da disponibilidade objetiva, se entendem referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano (art.º 661 nº 1 do CPC), e que a proibição da reformatio in mellius–que é um simples consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, que vincula a que esse tribunal não pode conceder a essa parte mais do que ela pede no recurso interposto–não seja violada pela circunstância de o tribunal de recurso confirmar a procedência do quantitativo total do pedido do autor, ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas. Se, por exemplo, o autor pede uma determinada indemnização para pagamento dos vários prejuízos decorrentes de um acidente de viação, o tribunal de recurso pode considerar a ação totalmente procedente, ainda que faça uma diferente avaliação de cada um desses prejuízos. Identicamente, o tribunal ad quem pode julgar o recurso procedente, quantificando diferentemente os diversos danos que devem ser reparados ou compensados[30] (negrito e sublinhados nossos).
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4- A questão dos juros
Da decisão recorrida, consta ainda que a Ré para além das quantias arbitradas ao Autor (danos patrimoniais, não patrimoniais e diferenças salariais), foi ainda condenada a pagar-lhe juros de mora à taxa legal contados desde a data da prolação da sentença em relação aos danos patrimoniais e não patrimoniais e desde a data da citação para as diferenças salariais.
Ora, em relação a esta condenação, discorda também o apelante alegando que os juros de mora são, efetivamente, devidos à taxa legal, todavia, apenas em relação aos danos morais os mesmos são contabilizados desde a data da prolação da sentença, pois, em relação a todos os danos patrimoniais, tais juros são devidos ao Autor desde a data da citação (cf. conclusão 42ª, não obstante depois, a finalizar o recurso, peça a contagem dos juros desde a citação tanto em relação ao danos patrimoniais e não patrimoniais, sendo que, são as conclusões que limitam o objeto do recurso).
Que dizer?
Fazendo apenas uma leitura literal do artigo 805.º, nº 3 do CCivil, poder-se-ia afirmar que os juros de mora se contariam a partir da citação, nomeadamente quanto à indemnização por danos não patrimoniais, por estar em causa a responsabilidade civil por facto ilícito, nos termos do art.º 483.º, n.º 1, do CCivil.
Acontece que, sobre esta matéria, há que chamar à colação a doutrina ínsita no Ac. Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, n°4/2002 de 9 de maio, publicado no DR, 1ªA Série de 27-1-02, pág. 5057 e ss.
Decidiu-se no dito aresto que “sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do n° 2 do artigo 506.° do C.Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.°, n° 3 (interpretado restritivamente) e 806.°, n°1, também do C. Civil, a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação”.
Nesta perspetiva, a questão da contagem dos juros de mora prende-se com a decisão atualizadora da indemnização, designadamente da correspondente à indemnização por danos não patrimoniais.
Ora, sendo a indemnização fixada por equidade (como o foi o caso concreto), é a mesma atualizada ao momento da sua fixação, como geralmente sucede, não se justificando, nesse caso, a retroação da mora consagrada no citado art.º 805.º, n.º 3, do CCivil, que teve como finalidade combater o poder corrosivo da inflação, especialmente em épocas de taxas elevadas.[31]
Assim, numa interpretação restritiva, assumida pelo referido acórdão uniformizador de jurisprudência, a contagem dos juros de mora faz-se a partir da data da decisão atualizadora da indemnização, e não a partir da citação.
No caso vertente, tendo a indemnização por danos não patrimoniais e dano biológico sido fixada atualizadamente no presente acórdão, os juros de mora contam-se a partir da sua prolação.[32]
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Procedem, assim, em parte, as conclusões 14ª a 45ª formuladas pelo Autor/apelante e também em parte as conclusões I a XI formulada pela Ré recorrente.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta parcialmente procedente por provada e, consequentemente, revogando a decisão recorrida condenar a Ré, A..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A a pagar ao Autor/apelante a quantia de € 154.285,07 (cento e cinquenta e quatro mil duzentos e oitenta e cinco euros e sete cêntimos) quinhentos euros) acrescida de juros moratórios legais civis, contados desde prolação do presente acórdão sobre o montante de € 145.000,00 (cento e quarenta e cinco mil euros) até efetivo e integral pagamento e desde a citação sobre a quantia de € 9.285,07 (nove mil duzentos e oitenta e cinco euros e sete cêntimos).
No mais mantém-se a decisão recorrida.
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Custas de ambas as apelações por apelantes e apelados na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 12/5/2025
Manuel Domingos Fernandes
Jorge Martins Ribeiro [com a seguinte:
"Declaração de voto:
“Ressalvando todo o respeito, devido e merecido, pelos Ex.mos Colegas e fundamentação que fez vencimento, ainda assim, não obstante concordarmos com a decisão, não acompanhamos um dos fundamentos, daí esta declaração-não obstante na Doutrina e na Jurisprudência, como em quase tudo no Direito, haverem entendimentos díspares.
Esclarecemos que, dada a amplitude que um juízo de equidade permite, consideramos que a solução final em termos quantitativos é Justa, daí votarmos o acórdão.
Contudo, defendemos que é tempo de a própria Jurisprudência-que já não é uniforme...- refletir (ainda mais, pois a percentagem de redução vem sendo gradualmente reduzida) sobre a justeza de operar qualquer dedução no montante pela disponibilização imediata de capital de indemnização, pelos motivos, não exaustivos mas meramente exemplificativos, que seguem:
- Funciona a favor da parte mais forte, sendo que a vítima a indemnizar pelos danos sofridos é a parte mais fraca, ou seja, afigura-se-nos um critério desenvolvido como que a contrario.
- Ademais, fixada a indemnização a vítima adquire a sua propriedade, sendo livre de fazer o que bem entende com o que é seu, pelo que um cômputo por antecipação ao que a outrem pertence, afigura-se-nos uma ingerência nos direitos de propriedade, de liberdade e de reserva da vida privada, os três constitucionalmente protegidos.
- O futuro no mundo em que vivemos é, cada vez mais, incerto-incluindo em termos económicos, podendo subitamente ocorrer uma recessão (pior ainda que taxas de juro baixas, perto do zero) que, na prática, retira valor ao capital indemnizatório.
- Pode dar-se o caso de a vítima não ter uma esperança de vida efetiva igual à abstrata, não só por poder ocorrer uma fatalidade, como também por poder suceder o caso de a vítima, entretanto, ter ficado a padecer de uma doença que lhe determine o fim de vida a curto ou médio prazo (inviabilizando assim a dita frutificação do capital e o configurado enriquecimento sem causa...), sem que, em tal caso, tenha alguma obrigação de informar os autos, até por causa do direito à reserva da vida privada e familiar, também constitucionalmente consagrado no art.º 26.º, n.º 1, da Constituição Portuguesa. Ou seja, opera-se uma dedução certa ainda que partindo de uma premissa incerta, o que não nos parece justificar-se.
-A própria evolução jurisprudencial demonstra a progressiva desvalorização do alegado critério do enriquecimento sem causa, na medida em que tem havido uma diminuição consistente do critério jurisprudencial da redução: de 33%, para 25%, para 20%, para 10%. Cremos, assim, que deve evoluir para o 0% ou não desconto.
Novamente a título exemplificativo, citamos dois arestos do Supremo Tribunal de Justiça que acabam por dar argumentos no sentido que vimos expondo, o da não redução no capital ressarcitório:
Ainda que numa vertente casuísta ou excecional, o acórdão proferido aos 25/05/2017 no processo n.º 868/10.2TBALR.E1.S1, e cujo ponto I do sumário transcrevemos parcialmente: «A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou [apagado]» - interpolação nossa.
No acórdão proferido no processo n.º 196/11.6TCGMR.G2.S1, aos 19/04/2018, lemos, na fundamentação de Direito, o seguinte: «[p]or um lado, o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva atualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é muito reduzido (cerca de 0,5%), o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de [rendimento]» -interpolação nossa”.]
Carlos Gil
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[1] De facto, “é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reações perante as objeções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc. ”Abrantes Geraldes in “Temas de Processo Civil”, II Vol. cit., p. 201) “E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância” (ibidem). “Existem aspectos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas podem ser percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” (Abrantes Geraldes in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[2] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, lhes, 1997, p. 348.
[3] Cf. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cf. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Cuja redação é a seguinte: “Desconforto nas relações sexuais” e que não foi objeto de impugnação.
[6] Cf. segundo relatório pericial.
[7] Cf. consultar prontuário terapêutico on-line.
[8] É do seguinte teor a fundamentação exarada na sentença e a esse propósito: “Quanto ao dano futuro, o autor ficou com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 16 pontos, com provável existência de Dano Futuro. As sequelas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares.
O autor nasceu a ../../1963. à data do acidente tinha 56 anos.
A este título fixa-se uma indemnização de 20.000,00€”.
[9] Entre outros, Ac. do STJ de acórdão do STJ de 26.01.2012 (processo nº 220/2001.L1.S1), onde expressamente se enfatiza que o desenvolvimento da noção do dano biológico em Itália partia, entre outros, do pressuposto da “irrelevância do rendimento do lesado como finalidade da liquidação do ressarcimento, Ac. de Coimbra de 04/06/2013, da Relação de Lisboa de 22/11/2016 (processo nº 1550/13.4TBOER.L1-7), de 25/02/2021 852/17.5T8AGH.L1 e 24/10/2019 processo nº 3570/17.0T8LSB.L1-2 e da Relação do Porto, de 19/03/2018 processo nº 1500/14.0T2AVR.P1.
[10] Cf. Rita Mota Soares, O dano biológico quando da afetação funcional não resulte perda da capacidade de ganho– o princípio da igualdade, Revista Julgar, nº 33, p. 126.
[11] Tendo em conta que a data da consolidação médico-legal das lesões é 02/03/2021 (cf. ponto 26 da resenha dos factos provados).
[12] Consultável em www.dgsi. pt. processo nº 347/21.2T8PNF.P1.S1 e, no mesmo sentido, cf. os acórdãos do STJ de 30.03.2017, P. 2233/10, de 12.11.2019, P. 468/15, e de 06.02.2024, P. 21224/17, todos disponíveis em www.dgsi.pt..
[13] Processo nº 347/21.2T8PNF.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt..
[14] Cf. acórdão do STJ supra citado bem como o de 13/03/2025 do mesmo tribunal, Processo nº 1388/17.0T8OVR.P1.S1consultável em www.dgsi.pt..
[15] Com efeito, o que se deve considerar é a esperança de vida da população em Portugal, que, de acordo com os últimos dados conhecidos do PORDATA referentes a 2019, apontam para os 81,10 anos.
[16] Cf. para este efeito acórdãos do STJ de 7/03/2019, Proc. nº 203/14.0T0AVR.P1.S1, de 29/10/2019, Proc. nº 7614/15.2T8GMR.G1.S1, de 29/10/2020, Proc. nº 111/17.3T8MAC.G1.S1, de 18/03/2021, Proc. nº 1337/18.8T8PDL.L1.S1, de 3/02/2022, Proc. nº 24267/15.0T8SNT.L1.S1, de 14/03/2023, Proc. nº 4452/13.0TBVLG.P1.S1, de 6/06/2023, Proc. nº 9934/17.2T8SNT.L1.S1, referentes a casos que comungam de algumas semelhanças com o dos autos ou que, ao menos, servem de ponto de referência.
[17] Cf. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, 1972, pág. 375.
[18] Cf. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra, 1991, págs. 484 e 485.
[19] Ac. STJ 28.11.2013, Proc. 177/11.0TBPCR.S1, Ac. STJ 07.05.2014, Proc. 436/11.1TBRGR.L1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
[20] Como se refere no Ac. do STJ de 11/05/2022-Processo nº 3028/17.8T8LRA.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt “Devem ser observados os padrões de indemnização seguidos pela prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa-uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8º do Cód. Civil.
Não se pode atender só à prática seguida pela jurisprudência de equivaler indemnizações para factos semelhantes e estagnarem os montantes indemnizatórios, porque os termos de comparação se referem a situações passadas, devendo ser tida em conta a evolução, fazendo o acompanhamento do aumento do custo de vida (inflação) e o aumento dos rendimentos médios das pessoas”.
E as indemnizações a atribuir por danos não patrimoniais não podem ser meramente simbólicas, devendo antes mostrar-se adequadas ao fim a que se destinam, ou seja, atenuar a dor sofrida pelo lesado e também reprovar, no plano civilístico, a conduta do agente”.
[21] Diga-se que a referida factualidade corresponde, na sua quase totalidade, ao que foi vertido na petição pelo apelante.
[22] In Direito das Obrigações, 2° vol. pag. 288.
[23] In Direito das Obrigações, pág. 387.
[24] In Direito das Obrigações, vol. I, 299.
[25] In “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n° l, 1° ano, setembro, 1992, p. 21.
[26] Ac. STJ 28.11.2013, Proc. 177/11.0TBPCR.S1, Ac. STJ 07.05.2014, Proc. 436/11.1TBRGR.L1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
[27] Cf., por todos, acórdão de 7.12.2011 (processo nº 461/06.4GBVLG.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt.
[28] Cf. a este propósito os Acs. citados pela Ré apelante nas suas alegações recursivas.
[29] Processo nº 1052/05.2TTMTS.S1, consultável em www.dgsi.pt..
[30] Cf. Ac. da RC de 21/03/2013, processo nº 793/07.4TBAND.C1, consultável em www.dgsi.pt..
[31] Cf. neste sentido Ac. do STJ de 24/09/2020, processo nº 4871/18.6T8VNF.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt..
[32] Cf. neste sentido, para além do Ac. do STJ citado na nota anterior, os Acs. dos mesmo tribunal de 07/04/2016, processo nº 237/13.2TCGMR.G1.S1 e de 04 de novembro de 2021, proferido no processo nº 90/13.8TVLSB.L1.S1, consultáveis em www.dgsipt..