Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||||
| Relator: | ANTÓNIO LUÍS CARVALHÃO | ||||
| Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO NÃO CADUCIDADE DO DIREITO FALTA DE PARTICIPAÇÃO À SEGURADORA | ||||
| Nº do Documento: | RP20250203435/22.8T8AGD.P1 | ||||
| Data do Acordão: | 02/03/2025 | ||||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||||
| Texto Integral: | S | ||||
| Privacidade: | 1 | ||||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||||
| Decisão: | IMPROCEDENTE. MANTIDA A SENTENÇA. | ||||
| Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||||
| Área Temática: | . | ||||
| Sumário: | I - O legislador não impõe ao trabalhador a participação do sinistro à seguradora, cabendo ao trabalhador sinistrado apenas o dever de o participar à entidade empregadora (caso esta não o presencie), dever esse a cumprir em 48 horas após o sinistro ou, no caso de a lesão se revelar ou ser reconhecida depois, em 48 horas após essa revelação ou reconhecimento; a participação “tardia” apenas poderá ter como consequência não ter o sinistrado direito às prestações estabelecidas no regime específico de reparação dos acidentes de trabalho (LAT), sendo o que consta do art.º 86º da LAT. II - Assim, nas situações em que o acidente de trabalho não foi participado à seguradora, tendo esta conhecimento da ocorrência do sinistro através da participação feita pela sinistrada em tribunal, e como tal não podia emitir boletim de alta, não se verifica a caducidade prevista no nº 1 do art.º 179º da LAT porquanto não decorreu um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado. (Sumário do acórdão elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no art.º 663º, nº 7 do Código de Processo Civil (cfr. art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho) | ||||
| Reclamações: | |||||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 435/22.8T8AGD.P1 ** Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Não se conformando com a sentença proferida, dela veio a Ré interpor recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES, que se transcrevem [correspondendo as notas de rodapé introduzidas à reprodução das notas de rodapé 6 a 14 constantes das conclusões][1]: A Autora apresentou resposta, sem apresentar formalmente conclusões, alegando que toda a matéria de facto deverá ser mantida nos exatos termos em que foi decidida pelo julgador a quo, mantendo-se a integralidade da decisão recorrida, negando-se provimento ao recurso apresentado pela Ré. Foi proferido despacho a mandar subir o recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo [tendo sido julgada não prestada caução pela Ré].
Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral-Adjunta teve vista do processo (art.º 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho), consignando que o Ministério Público patrocina a Autora, pelo que não se emite parecer por lhe estar legalmente vedado.
Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência. Cumpre apreciar e decidir.
* FUNDAMENTAÇÃO Conforme vem sendo entendimento uniforme, e como se extrai do nº 3 do art.º 635º do Código de Processo Civil (cfr. também os art.ºs 637º, nº 2, 1ª parte, 639º, nºs 1 a 3, e 635º, nº 4 do Código de Processo Civil – todos aplicáveis por força do art.º 87º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho), o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada[11], sem prejuízo, naturalmente, das questões de conhecimento oficioso. Assim, aquilo que importa apreciar e decidir neste caso[12] é saber se: ● Houve erro de julgamento sobre a matéria de facto? ● Verifica-se a caducidade prevista no nº 1 do art.º 179º da LAT[13]? ● Não está demonstrado que a Autora tenha sofrido acidente de trabalho?
* Porque tem interesse para a decisão do recurso, desde já se consignam os factos dados como provados e como não provados na sentença de 1ª instância, objeto de recurso. Foi consignado que, com relevo para a decisão da causa está PROVADO, o seguinte, que se reproduz: 1) A Autora AA nasceu no dia ../../1965 – cfr. doc. de fls. 30, que se dá por integralmente reproduzido; 2) A Autora, no dia 06/11/2019, exercia sua atividade sob a autoridade, direção e fiscalização da “B..., Lda.” com a categoria de assistente administrativa, recebendo, em contrapartida, €9.610,00 ilíquidos anuais; 3) Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...48, a B..., Lda. transferiu a sua responsabilidade por acidentes de trabalho sofridos pela Autora para a “A... - Companhia de Seguros, S.A.”, com base na remuneração anual ilíquida de € 9.610,00 – cfr. doc. de fls. 33v. e ss., que se dá por integralmente reproduzido; 4) O “Instituto da Segurança Social, I.P.” pagou à Autora, a título de subsídio de doença, €6.322,00 referente ao período de 31/01/2020 a 06/05/2021, com um subsídio diário de €11,00 no período de 03/02/2020 a 29/02/2020, de € 12,00 de 01/03/2020 a 29/04/2020, de €14,00 de 30/04/2020 a 29/01/2021 e de € 15,00 de 30/01/2021 a 06/05/2021; bem como €350,84 a título de subsídio de Natal/2020 e € 155,60 a título de subsídio de Natal/2021 – cfr. doc. de fls. 96, que se dá por integralmente reproduzido; 5) Apesar da categoria referida em 2) que lhe era atribuída, a Autora sempre exerceu a sua atividade para a “B..., Lda.” na área da costura mediante a utilização de máquinas, maiores ou menores, de costura, seja na confeção, seja com malhas; 6) A Autora, no dia 06/11/2019, cerca das 11h30m, quando transportava um porta-paletes com caixas de malhas, as caixas superiores, que estavam a cerca de 1,60m de altura, caíram; 7) Tendo-as colocado de novo no porta-paletes, ao puxar, o porta-paletes bateu num ferro que se encontrava ao nível do pavimento, tendo sentido um puxão violento no seu ombro direito; 8) Em consequência, sofreu um traumatismo com entorse do ombro direito com rotura aguda da coifa dos rotadores; 9) Em data em concreto não apurada, mas depois de 06/11/2019 e após faltas da Autora, esta comunicou a DD, escriturária da “B..., Lda.”, o evento referido em 6); 10) A Autora deslocou-se de sua casa, sita em ..., ... aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo do Trabalho de ... nos dias 31/05/2022 e 01/07/2022; 11) Do escrito intitulado “ecografia ao ombro direito”, datado de 26/12/2019, consta que: “O estudo efetuado ao ombro direito mostrou pequeno derrame a rodear o tendão da longa porção do bicípite, em relação com tenossinovite. Observamos sinais de rotura, aparentemente completa, na porção média do tendão supra-espinhoso, com extensão de cerca de 9,5mm” – cfr. doc. de fls. 4, que se dá por integralmente reproduzido; 12) Do escrito intitulado “ressonância magnética do ombro direito”, datado de 24/08/2020 e tendo por referente exame realizado em 13/08/2020 consta “informação clínica – aparente rotura do supraespinhoso e conflito subacromial”, bem como “relatório extensão rotura do tendão do supraespinhoso na sua região anterior estando apenas preservadas algumas fibras na região mais posterior do tendão na transição para o infraespinhoso. No eixo longitudinal esta rotura tem cerca de 16mm e no anteroposterior 9mm. Há evidente derrame na bolsa subacromial que se estendem toda a bolsa traduzindo fenómenos de bursite. (…) O tendão do supraespinhoso mostra-se ligeiramente espessado e com sinal aumentado a favor de tendoinopatia inflamatória. (…) Ligeiras alterações degenerativas acromioclaviculares. Acrómio do tipo II (…)” – cfr. doc. de fls. 5, que se dá por integralmente reproduzido; 13) A Autora esteve afetada de incapacidade temporária parcial de 40% de 07/11/2019 a 30/01/2020, de incapacidade temporária absoluta de 31/01/2020 a 26/05/2020, de incapacidade temporária parcial de 30% de 27/05/2020 a 05/10/2020, de incapacidade temporária absoluta de 06/10/2020 a 20/02/2021, de incapacidade temporária parcial de 50% de 21/02/2021 a 21/03/2021, de incapacidade temporária parcial de 30% de 22/03/2021 a 22/04/2021, de 20% de 23/04/2021 a 06/05/2021, de 10% de 07/05/2021 a 19/09/2022 e de incapacidade temporária absoluta de 20/09/2022 a 02/05/2023 e encontra-se afetada de uma incapacidade permanente parcial de 4,5% desde 03/05/2023 (dia seguinte ao da alta) – cfr. decisão com a refª 130223900 do Apenso A, que se dá por integralmente reproduzida;
E foi consignado que, com relevo para a decisão da causa, NÃO está PROVADO que: a) A comunicação referida em 9 foi feita logo após o evento referido em 6); b) A Autora fez as deslocações referidas em 10) em viatura própria por inexistirem transportes públicos com horários compatíveis; c) A Autora despendeu € 20,00 nas deslocações referidas em 10); d) A incapacidade permanente referida em 13), resultou das patologias referidas em 11) e 12) e subsequentes cirurgias a que a Autora foi submetida para o respetivo tratamento. ** Do erro no julgamento sobre a decisão sobre matéria de facto: A Recorrente alega que se verifica erro no julgamento sobre a matéria de facto quanto aos pontos 6), 7), 8) e 9) dos factos provados. Importa, por isso, começar por apreciar se os factos provados são aqueles que o tribunal a quo fixou como tal, ou se se impõe alterar o decidido sobre matéria de facto como defende a Recorrente. Na verdade, o nº 1 do art.º 662º do Código de Processo Civil dispõe que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (sublinhou-se), ou seja, não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida [14] Importa, antes de passar à análise dos concretos pontos dos factos provados, lembrar que a generalidade das provas produzidas na audiência de julgamento está sujeita à livre apreciação do tribunal. Com efeito, dispõe o nº 5 do art.º 607º do Código de Processo Civil que o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, ou seja, a apreciação da prova pelo juiz é pautada por regras da ciência e do raciocínio e em máximas de experiência, sendo a estas conforme (consiste numa conscienciosa ponderação dos elementos probatórios e circunstâncias que os envolvem, não se confundindo de todo com uma apreciação arbitrária[15]). A reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso). Assim, no caso de impugnação da decisão sobre matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que a parte indique elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. Porém, embora não se trate de um novo julgamento, tendo presente o disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil, vem-se entendendo que o Tribunal da Relação na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art.º 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece[16]. Passemos, então, à análise da impugnação apresentada, tendo presente que é pacífico que a apreciação a fazer é da questão posta, de saber se houve erro de julgamento sobre a matéria de facto, sem que haja o dever de responder, ponto por ponto, a cada argumento que seja apresentado pela parte recorrente[17].
● pontos 6) e 7) dos factos provados: Defende a Recorrente que estes pontos devem passar a não provados, sendo a seguinte a sua redação, recordemos: 6) A Autora, no dia 06/11/2019, cerca das 11h30m, quando transportava um porta-paletes com caixas de malhas, as caixas superiores, que estavam a cerca de 1,60m de altura, caíram; 7) Tendo-as colocado de novo no porta-paletes, ao puxar, o porta-paletes bateu num ferro que se encontrava ao nível do pavimento, tendo sentido um puxão violento no seu ombro direito; Para sustentar a sua posição, refere a Recorrente “para além das declarações de parte da Autora nenhum meio … de prova … foi produzido com razão de ciência direta que permitisse concluir no sentido dado como provado”, fazendo referência à “participação em juízo”, à vária documentação clínica do Centro de Saúde, e cita excertos, com transcrição, das declarações de parte da Autora e depoimentos das testemunhas BB [marido da Autora], CC [“médica de família” da Autora] e DD [na altura trabalhadora da Empregadora da Autora]- O tribunal a quo motivou a decisão de dar estes pontos como provados da seguinte forma: Para a decisão da matéria de facto o Tribunal procedeu a uma análise global e criteriosa de toda a prova produzida, que foi interpretada, conjugada e ponderada segundo cânones de razoabilidade, adequação e sempre em observância das regras por que se pauta o processo laboral. (…) Os pontos 6 e 7 foram dados como provados com base nas declarações da Autora que, tendo um relato claro, pormenorizado e encadeado, encontrou apoio nos testemunhos de BB, marido da Autora (na parte em que recordou o que lhe foi relatado pela Autora), CC, médica [quanto ao teor da consulta dada, enquanto médica de família e que encontrou eco nos documentos de fls. 4, 12, 121 e 127, bem como nos documentos de fls. 67 e 68 do Apenso A)] e DD (no segmento referente à concreta atividade exercida pela Autora). Por sua vez e no que se refere à adequação do descrito mecanismo para a produção das lesões, o Tribunal atendeu não apenas ao observado em sede de perícia colegial por junta médica e as explicações dadas nessa sede, como ainda nos esclarecimentos prestados em audiência de julgamento em que não apenas foram perentórios como estiveram entre si em harmonia. De referir ainda que, pese embora o teor do documento de fls. 2v., se trata de matéria que foi objetivo de esclarecimento pela Autora no decurso da audiência de julgamento em moldes que se afirmaram compatíveis com as regras do normal acontecer, não sendo tido por bastante para colocar em crise as suas declarações. Há que começar por dizer que não se subscreve o entendimento da Recorrente sobre a valorização das declarações de parte [no sentido de que não é admissível a prova de factos favoráveis à parte apenas com as declarações dessa parte se não corroboradas por outros meios de prova], sendo de salientar que os arestos deste TRP citados pela Recorrente [desta Secção Social e Secção Cível] se reportam todos ao ano de 2014, ou seja, foram proferidos com grande proximidade às alterações do Código de Processo Civil introduzidas pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho [em vigor em 01/09/2013], que levou a que fosse consagrado, de forma inovatória, o estipulado no art.º 466º do Código de Processo Civil. Com efeito, afigura-se-nos que nada obsta a que a convicção do julgador se forme nas declarações ou depoimento de parte, inclusive até só nelas, como se passa a explicar. Como se deixou expresso supra, a generalidade das provas produzidas na audiência de julgamento está sujeita à livre apreciação do tribunal (como é o caso da prova testemunhal e da prova por declarações de parte – art.º 396º do Código Civil e art.º 466º, nº 3 do Código de Processo Civil). Em consonância, como é natural [pois o objetivo da produção da prova é alcançar o conhecimento acerca da veracidade dos factos em causa (art.º 341º do Código Civil)], não existe na nossa ordem jurídica nenhum preceito legal que determine ser insuficiente a prova sobre determinado facto (seja ele favorável ou desfavorável à parte) que resulte unicamente do depoimento de parte não confessório ou das declarações de parte, nada obstando a que a convicção do tribunal se forme até exclusivamente neles[18]. Ponto é que, não obstante ser a parte (com manifesto interesse num determinado desfecho do processo), o seu depoimento ou declarações sejam credíveis [tendo o julgador na apreciação crítica do depoimento/declarações em consideração que se trata da parte (tal como acontece com as testemunhas: as mesmas podem ter proximidade à parte ou interesse na causa, o que o julgador tem presente na apreciação crítica dos depoimentos, sendo por essa razão que o legislador consagra o interrogatório preliminar a cargo do juiz – os designados costumes – no nº 1 do art.º 513º do Código de Processo Civil)]. Às declarações de parte aplica-se o regime do depoimento de parte, com as necessárias adaptações – art.º 466º, nº 2 do Código de Processo Civil –, e, como se escreveu no acórdão do TRL de 29/04/2014[19], serão livremente apreciadas pelo tribunal na parte em que não constituam confissão (art.º 466º, nº 3 do Código de Processo Civil), e revelam especial utilidade para a decisão quando versem sobre factos que ocorreram entre as partes, sem a presença de terceiros intervenientes. Tais declarações devem ser encaradas como qualquer outro momento de recolha de prova, à qual assistem os advogados das partes com plena liberdade ao nível do exercício do contraditório, não se justificando um tratamento diverso, designadamente daquele que têm os depoimentos de parte oficiosamente determinados pelo Tribunal já em sede de julgamento. Nesse aresto escreveu-se ainda que o novo meio de prova por declarações de parte instituído no Código de Processo Civil de 2013 veio responder a uma corrente que se vinha densificando no sentido de considerar e valorizar o depoimento de parte ainda que sem carácter confessório e de livre apreciação pelo tribunal, desde que este viesse a revelar um efeito útil para a descoberta da verdade. Ou seja, não se pode dizer que o legislador não tenha colocado as declarações de parte/depoimento de parte não confessório a par de outros meios de prova (como a prova testemunhal), o mesmo é dizer não se pode afastar ab initio a valoração das declarações de parte/depoimento de parte não confessório só porque não existem outros meios de prova a corroborar as mesmas [a exigir-se sempre, em abstrato, a confirmação por outros meios de prova estar-se-ia a negar as declarações de parte como meio de prova, meio de prova esse sujeito à livre apreciação do tribunal, como consagrado pelo legislador, e assim desvirtuar-se-ia o espírito do legislador ao prever a prestação dessas declarações], impondo-se sim que seja observada uma especial cautela na sua apreciação por ser, por natureza, um depoimento/declarações interessado(as). De resto, note-se que, se é certo que o depoimento de parte continua a constituir o meio processual com o qual se visa obter/provocar a confissão – o reconhecimento pelo depoente da realidade de um facto que lhe é desfavorável, de acordo com o disposto nos art.ºs 352º ss do Código Civil e 463º ss do Código de Processo Civil –[20], ainda assim não deixa de se poder defender, atendendo a que o objetivo da produção da prova é, como se disse, alcançar o conhecimento acerca da veracidade dos factos em causa (art.º 341º do Código Civil), que o depoimento de parte possa ter lugar com vista a serem prestados esclarecimento (o Código de Processo Civil prevê-o expressamente por determinação do juiz – art.º 452º, nº 1 –, e do art.º 361º do Código Civil retira-se que o depoimento de parte que não é confessório, vale como depoimento probatório que o tribunal aprecia livremente)[21]. Em conclusão diz-se o seguinte: não é de consider as declarações de parte a “prova rainha”[22], mas nada obsta a que a convicção do tribunal se baseie apenas nas declarações da parte/depoimento de parte não confessório; ponto é que estas sejam prestadas de forma séria e credível e o tribunal de forma clara explicite as razões do seu convencimento, isto é, que em face das circunstâncias concretas em que são prestadas, sem esquecer o natural interesse que tenham no desfecho do processo, mereçam credibilidade ao tribunal. Posto isto apreciemos a prova produzida, consignando-se que se procedeu à audição na íntegra (no citius media studio) das declarações e depoimentos em causa (em duas sessões de julgamento, no caso das declarações de parte da Autora e depoimento da testemunha CC). Os elementos clínicos juntos ao processo não deixam qualquer dúvida da existência de lesões/sequelas, questionando a Recorrente que o evento descrito nestes pontos em análise tenha ocorrido. Da referida audição da prova constatamos que as declarações de parte da Autora suportam os factos, apresentando-se as mesmas como credíveis, credibilidade essa que se nos afigura não ser afastada pelos demais elementos de prova referidos pela Recorrente. A participação que deu início ao presente processo, manuscrita/subscrita pela Autora, não se traduz em declarações da mesma valoráveis, mas de todo o modo, lendo essa participação, na verdade o aí constante não coincide na íntegra com o declarado pela Autora em julgamento; mas em julgamento a Autora foi confrontada com a mesma e explicou que se deslocou ao tribunal por indicação da “medicina do trabalho”, não sabendo que tinha que relatar por escrito o sucedido, escrevendo o que no momento se lembrou, sendo admissível à luz da experiência comum que divergências como as detetadas pudessem existir. A testemunha BB, marido da Autora, não foi esclarecedor, mas o seu depoimento permite perceber que no dia em questão algo sucedeu “no trabalho” à Autora. A testemunha CC, a médica de família da Autora, denotou isenção, explicando de forma muito clara porque assinalou “doença natural” na “baixa”, mais dizendo, suportando-se nos elementos que fez juntar ao processo, em relação à patologia antes apresentada, que a Autora fez fisioterapia e ficou bem, sendo ainda de realçar que testemunhou a lesão/sequela apresentada [comprovada em ecografia que prescreveu], dizendo que ou resultou de movimento brusco, ou de força bruta ou de traumatismo, compatível, portanto, com o relatado pela Autora [depôs como testemunha, não sendo perita, baseando-se naquilo que observou]. A testemunha DD pouco adiantou a este propósito, mas referiu que a Autora faltou ao trabalho várias vezes, tendo depois dito que se tinha aleijado. Ou seja, é verdade que ninguém confirma o evento relatado pela Autora [ninguém o presenciou], mas a documentação junta pela médica de família e os depoimentos referidos permitem afirmar com segurança que algo sucedeu no dia em causa enquanto a Autora trabalhava [será nesse sentido que o julgador a quo refere que o relato da Autora encontrou apoio nos testemunhos de … bem como nos documentos], e esse algo foi o relatado pela Autora de forma credível, não sendo as discrepâncias apontadas pela Recorrente que nos levam a dizer não serem credíveis. Note-se que não é raro, ou melhor é frequente, haver discrepâncias na prova produzida, não sendo tal incompatível com a formação de convicção num determinado sentido, havendo que analisar a prova criticamente, à luz das regras da experiência comum, no seu todo. E dessa forma, não formamos convicção diferente da formada pelo julgador a quo, logo não se impõe alterar o decidido, improcedendo o recurso nesta parte.
● ponto 8) dos factos provados: Defende a Recorrente eliminação do segmento inicial deste ponto, pelo que vamos recordar a sua redação colocando entre parêntesis, rasurado, o segmento a eliminar: 8) (Em consequência,) sofreu [a Autora] um traumatismo com entorse do ombro direito com rotura aguda da coifa dos rotadores; Discorda a Recorrente com a afirmação do nexo entre a lesão e o evento sucedido no dia 06/11/2019 [como se mantiveram os pontos anteriores, no qual consta o evento, importa ver se tem razão a Recorrente quanto a este ponto]. Para sustentar a sua posição a Recorrente remete para os meios de prova indicados na impugnação do decidido quanto aos pontos anteriores. O tribunal a quo motivou a decisão de dar este ponto como provado da seguinte forma: A matéria do ponto 8 foi dada como provada com base na posição dos Srs. Peritos Médicos seja em sede de perícia colegial por junta médica [vide fls. 88 e 89 do Apenso A)], seja de esclarecimentos prestados nas duas primeiras sessões da audiência de julgamento, em que não apenas estiveram entre si em harmonia como foram categóricos. Por sua vez, não tendo sido apurada qualquer factualidade que, à luz dos esclarecimentos prestados, fosse passível de colocar em crise os pressupostos de que partiram e as conclusões a que chegaram, a factualidade foi, assim, dada como provada. A Recorrente desde logo pressupõe a não prova de evento traumático [constante dos pontos anteriores], logo apenas podia subsistir a existência de lesão/sequela, ficando-se sem se saber a sua causa. Porém, manteve-se como provado a ocorrência de evento, importando ver se a prova produzida suporta o estabelecimento do nexo entre ele a lesão/sequela (em consequência…). Já se viu que a médica de família, no seu depoimento, afastou a existência de qualquer patologia detetada em momento anterior que levasse a dizer que lesão observada na data em questão pudesse ser manifestação da mesma. Mas a prova demonstra que a lesão resultou do evento descrito no ponto anterior dos factos provados? Visto o auto do exame por junta médica, a resposta, unânime, ao quesito 1º – existem registos objetivos de lesões traumáticas provocadas, exclusivamente e com elevado grau de certeza, pelo evento descrito como ocorrido em 06/11/2019[23]? – é clara: traumatismo com entorse do ombro direito com rotura aguda da coifa dos rotadores. Ouvidos na íntegra (no citius media studio) os esclarecimentos dos peritos médicos que tiveram intervenção na mesma, prestados em audiência de discussão e julgamento (em duas sessões), constatamos que os mesmos são muito claros em afirmar que a tenossinovite [inflamação de tendão] normalmente resulta da sobrecarga do tendão, sobrecarga essa resultante de esforço repetido, mas pode essa sobrecarga ser favorecida por um evento como o descrito nos autos [foram tidos presentes a ecografia e RMN]. Destaca-se a clareza do perito médico FF ao esclarecer [a partir do minuto 18:21 na sessão de 21/02/2024] como em face de entorse é frequente o paciente pensar passar e só recorrer a médico passados alguns dias (apesar da dor) quando vê a situação piorar ou não melhorar, sendo em regra solicitada ecografia e só depois RMN por ser exame mais caro], o que foi corroborado pelos outros peritos médicos. Mais esclareceram nada apontando para que a rotura seja antiga (donde falarem em rotura aguda), referindo que ponderaram todos os elementos clínicos constantes dos autos. Em face do exposto, tudo ponderado, a convicção formada coincide com a do julgador a quo, improcedendo o recurso nesta parte.
● ponto 9) dos factos provados: Defende a Recorrente que este ponto deve passar a não provado, mas a existir uma consideração restritiva nunca poderia ser com outra redação, pelo que vamos colocar lado a lado, em quadro, uma e outra das redações, para melhor perceção da alteração que está em causa (a não se considerar ser de passar a não provado). Assim:
O tribunal a quo motivou a decisão de dar este ponto como provado da seguinte forma: A matéria do ponto 9 foi dada como provada com base no depoimento de DD, que neste segmento teve um testemunho objetivo e sincero, revelando relatar factualidade de que tinha efetivo conhecimento. Para sustentar a sua posição a Recorrente cita, com transcrição, excertos do depoimento da testemunha DD e refere a participação que deu início ao processo (subscrita pela Autora). Já acima se disse que a participação que deu início ao presente processo, manuscrita/subscrita pela Autora, não se traduz em declarações da mesma valoráveis. Ouvido o depoimento da testemunha DD, na íntegra, na verdade não suporta o mesmo que a Autora lhe tenha comunicado exatamente o que que consta do ponto 6) dos factos provados, mas apenas que disse dias depois que se tinha magoado (cfr. depoimento depois do minuto 02:52). Assim, não havendo fundamento para a sua consideração como não provado, há que consignar restritivamente o que resulta do depoimento em causa, não suportando claramente a redação pretendida pela Recorrente (desde logo não suportando a afirmação de que foi depois de 26/12/2029 a comunicação, sendo certo que não foi no próprio dia). Deste modo, altera-se a redação do ponto 9) dos factos provados de modo que passa a ser a seguinte: 9) Em data em concreto não apurada, mas depois de 06/11/2019 e após faltas da Autora, esta comunicou a DD, escriturária da “B..., Lda.”, que se tinha magoado, querendo referir-se ao evento referido em 6);
Da caducidade do direito de ação: Uma vez que a impugnação do decidido quanto a matéria de facto não contende com factos necessários para apreciação desta questão, a mesma será a primeira a analisar (dado que caso proceda fica prejudicado o conhecimento das demais). O tribunal a quo considerou não se verificar a caducidade, prevista no art.º 179º, nº 1 da LAT, dizendo essencialmente o seguinte: Já no que se refere aos casos em que é dado conhecimento do sinistro ao empregador, mas este não participa à Companhia Seguradora, a jurisprudência não dá uma resposta uniforme. Para uns o sinistrado tem o ónus de fazer a participação ao Tribunal do Trabalho, pelo que o prazo de caducidade é contado desde a data do sinistro[24]; outros entendem que nesses casos não se pode iniciar sequer tal prazo de caducidade [25]. Sempre sem prejuízo de uma análise mais profunda da questão, somos levados a acompanhar a segunda posição. E isto porque, conforme já referido, no âmbito dos acidentes de trabalho a instância inicia-se com a participação do acidente de trabalho (nº 4 do art.º 26º do Código de Processo do Trabalho) enquanto manifestação destinada ao exercício do direito pelo sinistrado, marcando o início da fase conciliatória. Há ainda que não esquecer que a única forma de impedir a caducidade do direito é a prática, dentro do prazo correspondentes, do ato a que é atribuído o efeito impeditivo (art.º 331º do Código Civil), sendo que num caso em que esteja legalmente fixado o prazo para a instauração da ação judicial, a forma de impedir o prazo de caducidade e a consequente extinção do direito é essa propositura. Ora, de acordo com o art.º 179º da Lei nº 98/2009, a caducidade do direito apenas opera na medida em que a ação não seja instaurada no prazo de um ano; contado desde a alta clínica; que seja formalmente comunicada ao sinistrado. Trata-se do ato que permite um juízo jurídico valorativo sobre se o sinistrado ficou afetado na sua capacidade para o trabalho ou está curado, se as queixas que apresenta são fruto de sinistro que constitua um acidente de trabalho ou de doença natural. Nos casos em que o sinistrado comunique o sinistro ao empregador (única obrigação que lhe é imposta pela Lei nº 98/2009) e este não participe à Companhia Seguradora com quem celebrou o contrato de seguro de acidentes de trabalho, não pode ser penalizado por este comportamento omissivo. Quem incumpre o dever de comunicação é o empregador, termos em que apenas a este são imputáveis os efeitos do decurso do tempo, podendo responder não apenas em termos contraordenacionais (arts. 87º e nº 3 do art.º 181º da Lei nº 98/2009), como por perdas e danos (vide, de resto, a al. b) do nº 1 e o nº 3 da cláusula 25ª da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, aprovada pela Portaria nº 256/2011, de 05 de julho). E isto, pese embora a faculdade (não o dever) que tem de fazer a participação facultativa, dando início à lide, forma que o legislador encontrou de evitar que o sinistrado seja privado do exercício dos seus direitos, protegendo-o de omissões e da inércia do empregador e/ou da Companhia Seguradora. Concluindo, a falta da alta clínica enquanto pressuposto essencial para a contagem do prazo de caducidade impede a produção dos respetivos efeitos. No caso dos autos, ainda que em data em concreto não apurada mas posterior ao sinistro e na sequência de faltas, a ocorrência do sinistro foi comunicada a DD, escriturária da “B..., Lda.”. Por sua vez, o sinistro veio a ser participado ao Tribunal pela própria Autora em 18/02/2022. Em primeiro lugar, não se afigura que a Autora possa ser prejudicada pelo facto de a “B..., Lda.” não ter feito qualquer comunicação à Ré Companhia Seguradora. Por outra banda, não constando dos autos boletim de alta clínica, o certo é que não resulta, de igual jeito, que a Autora tivesse conhecimento anterior que a sua lesão tivesse desaparecido totalmente ou se apresentasse como insuscetível de modificação com terapêutica adequada para efeitos do se considerar como alta (nº 3 do art.º 35º da Lei nº 98/2009 de 04 de setembro), que ocorreu, de resto, em data posterior à da apresentação da participação. Como tal, julga-se não verificada a invocada exceção perentória (nº 3 do art.º 576º e art.º 579º do Código de Processo Civil, aplicável por força da al. a) do nº 2 do art.º 1º do Código de Processo do Trabalho). A Recorrente manifesta discordância, dizendo, em essência, que não havendo assistência por parte da seguradora, nem boletim na alta clínica, precisamente pelo facto e o sinistrado não ter dado conhecimento do seu acidente ao empregador, ou ainda de este não ter participado à seguradora, não pode o início do prazo de caducidade ter lugar a contar de um facto que não aconteceu nem vai acontecer – a alta clínica formalmente comunicada, argumentando que a jurisprudência citada na decisão recorrida se reporta a situações sem similitude com a situação dos autos. Vejamos. A caducidade consiste na extinção de um direito resultante do seu não exercício durante um certo lapso de tempo. Está aqui em causa o início do processo com a participação [o processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho inicia-se com a participação – artos 99º, nº 1 e 26º, nº 4 do Código de Processo do Trabalho[26]]. Sendo, pois, a participação que impede a caducidade, a questão está em saber quando se inicia esse prazo de caducidade. Dispõe o nº 1 do art.º 179º da LAT que o direito de ação respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado. Nas situações em que o acidente foi participado à seguradora, temos seguido o entendimento, que se pode dizer consolidado, de que o prazo de caducidade em causa não se inicia antes de ao sinistrado ser entregue o boletim de alta a que se refere esse art.º 35º da LAT, pois só então o mesmo está em condições de exercer os seus direitos caso não concorde com “alta clínica”, sendo disso exemplo o acórdão de 03/10/2022 (citado na decisão recorrida[27]), subscrito pelo agora relator como 1º adjunto[28]. Porém, não é essa a questão a analisar agora, pois, no caso sub judice, a situação é diferente, já que, antes de ter conhecimento da participação feita pela Sinistrada em tribunal, a Seguradora nem conhecimento teve da ocorrência de evento. Com efeito, não se retira da factualidade que a Seguradora tenha tido conhecimento da existência de evento que pudesse enquadrar-se como acidente de trabalho antes do conhecimento da participação em tribunal, antes se podendo ter por assente que não teve esse conhecimento, donde nunca poder emitir um “boletim de alta”. Ora, se tal nos leva a compreender a posição da Seguradora manifestada no processo, o certo é que também não se colhe da factualidade que a Autora antes da participação que fez em tribunal tivesse consciência que o evento que veio a participar pudesse configurar-se como “acidente de trabalho” (evento reparável à luz de legislação específica que o prevê). Ou seja, assim como a Seguradora não estava em condições de emitir um boletim de alta (por desconhecer a ocorrência do evento), a Sinistrada não estava em condições de participar o evento em tribunal (por desconhecer ser enquadrável como acidente reparável). Ora, o legislador não impõe ao trabalhador a participação do sinistro à seguradora, cabendo ao trabalhador sinistrado apenas o dever de o participar à entidade empregadora (caso esta não o presencie), dever esse a cumprir em 48 horas após o sinistro ou, no caso de a lesão se revelar ou ser reconhecida depois, em 48 horas após essa revelação ou reconhecimento [é o que consta do art.º 86º da LAT]. Porém, as consequências da não participação tempestiva do sinistro ao empregador poderão consistir em não ter direito às prestações estabelecidas na lei, caso se verifique o condicionalismo previsto no nº 4 do art.º 86º da LAT, o que não se confunde com a caducidade do direito de ação (que consiste no que supra se expôs). Ou seja, a participação intempestiva do acidente ao empregador não contende com o direito de ação, podendo levar sim à não atribuição das prestações (o que pode ser apreciado na ação impulsionada, porque não houve caducidade). Quer isto dizer que, como diz o legislador, a caducidade verifica-se no prazo de um ano a contar (apenas) da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado. Deste modo ponderada a questão, não se poderá afirmar, como se fez no aresto deste TRP de 29/05/2006[29] que caiba aos sinistrados ou aos seus familiares o cuidado de saber da tempestividade da participação de acidente de trabalho ao tribunal competente, para colmatar a eventual falta de quem devesse participar tal acidente e evitar, desse modo, a caducidade do respetivo direito de ação. Sendo assim, não tendo havido entrega de “boletim de alta” à Autora (independentemente de ter havido ou não condições para tal poder ter sido feito), é cristalino que não se verifica in casu a caducidade do direito de ação, improcedendo, por consequência, o recurso nesta parte. ** Da verificação de acidente de trabalho e sua reparação: Aqui chegados, importa apreciar a segunda questão supra enunciada, qual seja a de saber se a Autora não demonstrou que ocorreu acidente de trabalho. O art.º 8º, nº 1 da LAT contém a definição genérica de acidente de trabalho, dizendo ser acidente de trabalho aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte. Deste modo, pode definir-se (de modo sucinto, simples e genérico) o acidente de trabalho como o evento súbito e exterior, ocorrido no local e tempo de trabalho (ou em situação equiparável por lei) que cause direta ou indiretamente uma lesão, perturbação ou doença que conduzam adequadamente à diminuição da capacidade de trabalho ou de ganho ou à morte[30]. Ora, a procedência da questão agora em apreciação, pressupunha a alteração da decisão sobre matéria de facto, mais propriamente pressupunha que transitasse para os factos não provados que em 06/11/2019 ocorreu um evento do qual resultou lesão que determinou incapacidade para o trabalho à Autora, já que, sem tal ter acontecido é evidente que estamos perante um acidente de trabalho. A questão que se poderia colocar, como decorre do supra exposto, era saber se a Autora não teria direito às prestações estabelecidas no regime específico de reparação dos acidentes de trabalho (LAT), em face do disposto no nº 4 do art.º 86º da LAT. Porém, ainda que não se possa afirmar que a participação ao empregador [e sem cuidar agora de saber se a comunicação a uma escriturária se traduz em “participar ao empregador”, já que é duvidoso que a mesma tenha o dever de dar conhecimento dessa “participação” através da cadeia hierárquica em que se insira[31]], que a participação, repete-se, foi nas 48 horas seguintes ao acidente, a factualidade provada não nos leva a integrar a situação nessa norma legal. Com efeito, nada nos leva a afirmar que as incapacidades reconhecidas resultassem da falta de participação à empregadora e eventual e consequente falta de prestação de primeiros socorros. Sobre o regime legal esclarece-nos Carlos Alegre o seguinte [anotação ao art.º 14º do DL nº 143/99, de 30 de abril, que regulamentou a Lei nº 100/97, de 13 de setembro, o regime de reparação de acidentes de trabalho anterior à atual LAT, norma idêntica ao art.º 86º da atual LAT] [32]: … a falta de participação do acidente à entidade empregadora e a eventual e consequente falta de prestação de primeiros socorros pode resultar em incapacidades de que não viria a padecer, se estes tivessem sido prestados com oportunidade e adequação. Tais incapacidades, desde que judicialmente reconhecidas como consequência daquela falta, não conferem direito às prestações estabelecidas na lei, na proporção em queda falta tenham resultado. O legislador pretende, com esta “punição” do sinistrado em falta de participação atempada do acidente, significar que a entidade empregadora (e com ela a entidade seguradora para quem haja transferido a responsabilidade civil) não pode ser responsabilizada pelas consequências daquele modo agravadas do acidente. Sendo assim, não há necessidade de considerações mais desenvolvidas para concluir pela improcedência do recurso. * Quanto a custas, havendo improcedência do recurso [apesar da procedência parcial da impugnação sobre a decisão de matéria de facto, a pretensão de alterar a decisão de mérito improcede], as custas do mesmo ficam a cargo da Recorrente (art.º 527º do Código de Processo Civil).
*** DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em decidir o seguinte: A) julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão da matéria de facto, alterando-se a redação do ponto 9) dos factos provados para a seguinte: 9) Em data em concreto não apurada, mas depois de 06/11/2019 e após faltas da Autora, esta comunicou a DD, escriturária da “B..., Lda.”, que se tinha magoado, querendo referir-se ao evento referido em 6); B) manter, no mais, o decidido em 1ª instância. Custas pela Recorrente, com taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao RCP (cfr. art.º 7º, nº 2 do RCP). Valor do recurso: o da ação (art.º 12º, nº 2 do RCP). Notifique e registe. (texto processado e revisto pelo relator, assinado eletronicamente)
Porto, 03 fevereiro de 2025 António Luís Carvalhão [Relator] Nélson Nunes Fernandes [1º Adjunto, vencido conforme voto com o teor que se segue] - [Vencido, pelas razões seguintes: Salvaguardando o devido respeito pela posição que fez vencimento, essa não acompanho, por não encontrar razões para alterar a posição que, sobre a questão da caducidade que lhe está subjacente, assumi em anteriores arestos, assim no acórdão de 8 de junho de 2022, de que fui relator – processo n.º 3089/19.5T8MAI.P1 – e em que segui o entendimento sufragado, para além de outros, no Acórdão desta Secção de 24 de setembro de 2018 (processo nº 1057/13.0TTMTS.P1, Relator Desembargador Rui Penha, com intervenção do aqui signatário, in www.dgsi.pt). Encurtando razões, para fundamentar a minha posição, remetendo para o que escrevi no referido acórdão, citando o Acórdão que indiquei, afigura-se-me que: “(…) a lei foi redigida no pressuposto da tramitação normal do “processo”, com participação à seguradora do acidente, não se tendo previsto as situações anómalas, como a dos autos, mas isso não significa que o mesmo regime não se deva aplicar a estas”. “Resulta a nosso ver claro do acórdão do STJ de 11 de Outubro de 2005, processo 05S1695, acessível em bdjur.almedina.net, que a faculdade de participação do acidente ao Tribunal pelo sinistrado, ou familiares no caso de morte, não se trata de uma simples faculdade concedida ao sinistrado, mas um verdadeiro poder/dever, com consequências jurídicas pelo seu não exercício. O incumprimento deste poder/dever de participação tem que ter, em nosso entender, consequências jurídicas, ao nível da caducidade do direito de intentar a acção, que se devem traduzir na aplicação do disposto no art. 179º, nº 1, da Lei 98/2009. Efectivamente, não faz sentido que a seguradora, sem nada saber (por não lhe ter sido comunicado), tenha que permanecer, por tempo indefinido, sujeita a que o sinistrado venha a alegar a existência de um acidente de trabalho, com a inerente incerteza jurídica que isso representa, e impossibilitando, ou pelo menos dificultando seriamente, a possibilidade de análise e impugnação da ocorrência do acidente, face ao decurso do tempo, como ocorre na situação ora em análise.»]
Maria Luzia Carvalho [2ª Adjunta] _______________________________ [1] As transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes e realces/sublinhados que no geral não se mantêm (porque interessa o texto em si), consignando-se que quanto à ortografia utilizada se adota o Novo Acordo Ortográfico. |