Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JUDITE PIRES | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL INCAPACIDADE PERMANENTE DANO PATRIMONIAL DANO BIOLÓGICO DANOS NÃO PATRIMONIAIS INDEMNIZAÇÃO JUROS | ||
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Nº do Documento: | RP202411073630/23.9T8VLG.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/07/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A incapacidade permanente constitui um dano patrimonial indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer dela resulte apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado. II - Devendo o dano biológico ser entendido como uma violação da integridade físico-psíquica do lesado, com tradução médico-legal, tal dano existe em qualquer situação de lesão dessa integridade, mesma que sem rebate profissional e sem perda do rendimento do trabalho. III - Na fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado está o julgador subordinado a critérios de equidade, que pondere, todavia, a situação económica do lesado e do obrigado à reparação, a intensidade do grau de culpa do lesante, e extensão e natureza das lesões sofridas pelo titular do direito à indemnização, considerando, como ponto de equilíbrio, as próprias finalidades prosseguidas pela indemnização por este tipo de danos. IV - Os componentes de maior relevância do dano não patrimonial são: a) o dano estético: traduzido no prejuízo anatomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; b) o prejuízo de afirmação social: dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); c) o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”: nele se destacam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; d) o pretium juventutis: que compreende a frustração de viver em pleno a designada “primavera da vida”; e) e o pretium doloris - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária. V - Nos sinistros que envolvam lesões corporais, apenas são devidos juros em valor correspondente ao dobro da taxa legal aplicável sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial quando a proposta da empresa de seguros não tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, cabendo ao lesado o ónus de alegar e provar essa inobservância. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 3630/23.9T8VLG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de ... – Juiz 1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO. AA, NIF ...46, viúva, residente na Rua ..., ..., ..., ..., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra A..., S.A., NIPC ...31, com sede social na Avenida ..., ..., ..., ..., pedindo a condenação desta no pagamento à Autora da quantia global líquida de €34.550,00, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, peticionando que os juros sejam calculados à taxa legal até o valor de €5.220,00 e em dobro sobre a diferença entre esse montante oferecido e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial, e, bem assim, de todas as despesas que se vierem a revelar necessárias, a fixar em ampliação do pedido ou a liquidar em posterior e adequado incidente. Alega, para tanto e em síntese, que foi vítima de um acidente de viação e que o mesmo se ficou a dever a culpa do condutor da viatura segura na Ré, donde a responsabilidade desta pelo pagamento à Autora de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de tal sinistro. Regularmente citada, a Ré contestou, aceitando que o acidente foi provocado pelo condutor do veículo seguro, mas impugnando os danos cujo ressarcimento a Autora visa judicialmente obter. Teve lugar a audiência prévia, no decurso da qual foram proferidos despacho saneador e despachos subsequentes. Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto e tudo ponderado, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, 1. Condenar a Ré A..., S.A. a pagar à Autora AA a quantia global de 12.300,00 € (doze mil e trezentos euros), sendo, 1.1. 1.300,00 € (mil e trezentos euros) a título de indemnização pelos danos patrimoniais; 1.2. 6.000,00 € (seis mil euros) a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica; 1.3. 5.000,00 € (cinco mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais; 1.4. Juros de mora sobre as quantias descritas em 1.1. a 1.3., contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, à(s) taxa(s) legal(is) de juros civis aplicável(is); 2. Absolver a Ré quanto ao mais peticionado. 3. Condenar a Autora e a Ré nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento que se fixa em 64% para a primeiro e 36% para a segunda. Notifique e registe”. Não se resignando a Autora com tal sentença, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: “1.ª - No que respeita à fixação da indemnização por danos de natureza não patrimonial, entendemos que face à gravidade das lesões sofridas, ao período de doença, às sequelas permanentes e ao sofrimento físico e moral, entendemos escassa a indemnização fixada pelo Tribunal recorrido, dada a dimensão dos danos. 2.ª – Entendemos, com o devido respeito, que a Mma Juiz acabou por subvalorizar os danos assim advindos, nesta perspetiva, ao lesado, em claro e inequívoco alheamento dos dispositivos legais que regulam esta matéria, da doutrina e jurisprudência dominante e mais recente dos nossos Tribunais. 3.ª - A Autora sofreu danos. Tais danos vêm devidamente plasmados nos factos dados como provados nos Autos. E merecem, indubitavelmente, a tutela do direito. 4.ª - Ora, face ao elenco dos factos provados, temos necessariamente de concluir que a verba arbitrada pelo tribunal recorrido para compensar o sofrimento, os danos e as sequelas definitivas de que a Autora ficou a padecer, é manifestamente escassa, desadequada à situação em apreço, e desajustada aos padrões em vigor. 5.ª - Face às lesões e sofrimento de que padeceu e sequelas que lhe advieram, que comprometem o futuro do A., sofrimento que será mais penoso com o passar dos anos; 6.ª - Tudo isto redundou, pois, num prejuízo não patrimonial que não pode deixar merecer a tutela do direito, porquanto não se reconduz, nos moldes enunciados, a simples incómodos ou meras contrariedades (estes sim insusceptíveis de justificar indemnização), devendo por ele o autor ser compensado. 7.ª - Atento o quadro retratado nos Autos, o montante indemnizatório a atribuir à Autora a título de danos não patrimoniais haverá de fixar-se em não menos da quantia de € 15.000,00, conforme peticionado; 8.ª - Ao decidir nos termos constantes da douta Sentença em recurso o Tribunal “A Quo” violou o disposto nos artºs. 494º; 496º nº. 3; 562º; 564º nºs. 1 e 2 e 566º, todos do Código Civil. 9.ª - Quanto à fixação da indemnização pela IPP que a Autora passou a padecer, também consideramos que o valor atribuido pela sentença recorrida é escasso. 10.ª - Quanto a este dano biológico há a considerar o seguinte: - A Autora tinha 75 anos à data do acidente e não exercia atividade remunerada. - No entanto, à data do sinistro, a Autora executava as tarefas inerentes ao seu lar, designadamente, confecionava as refeições diárias, lavava e arrumava a louça da sua casa de habitação, lavava, passava a ferro, dobrava e arrumava a roupa da sua casa de habitação, limpava o pó dos móveis da sua casa de habitação e, de um modo geral, executava as demais tarefas diárias inerentes ao seu lar. Por outro lado, a Autora criava e engordava animais domésticos, tais como galinhas e coelhos. - Os serviços clínicos da Ré reconheceram-lhe uma IPP de 6 pontos, com esforços acrescidos na atividade de vida diária. - Desde então, apesar de clinicamente curada, a Autora ficou a padecer de dores e inchaço no pé em determinadas circunstâncias. - - O juro do capital produtor do rendimento é, a maior parte das vezes, como agora, negativo, pois a inflação mais do que o consome, - A esperança média de vida para as mulheres que já se situa nos 83 anos; - o valor do salário médio nacional (e não o salário mínimo como entendeu a sentença recorrida ) que se situa em 1.100,00 euros 11.ª - Assim sendo, considerando os vetores acima identificados e as tabelas matemáticas e fórmulas usadas na Jurisprudência, e sempre com recurso à equidade – artigo 566º, nº3, do Código Civil – deverá ser atribuída ao Autor, a título de danos decorrentes da IPP que a autora fica a padecer, patrimoniais (dano biológico) uma indemnização a qual deverá ser fixada equitativamente em quantia nunca inferior à quantia de 10.000,00€ (dez mil euros ); 12.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto nos art.ºs 483.º, 562.º e 564.º do Código Civil. 13.ª – A Autora também não se conforma quanto ao indeferimento da indemnização peticionada pelas deslocações de automóvel às consultas de fisioterapia; 14.º - Resultado provado que a aqui Autora se deslocou aos tratamentos de fisioterapia e ás consultas médicas, como o Tribunal recorrido bem reconhece. 15.ª - Ora, face à impossibilidade de determinação exata do seu valor, deveria o Tribunal recorrido recorrer à equidade (artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil), sendo deveras improvável, dada a sua natureza e de acordo com as regras de experiência comum, que a Autora disponha de documentos comprovativos do valor das deslocações. 16.ª - Assim, entendemos que o Tribunal deveria ter fixado o valor danos por recurso à equidade. 17.ª - Assim, por equidade (artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil), deve a Autora ser ressarcida pelo valor peticionado: 250,00 euros; 18.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto nos art.ºs 483.º, 562.º e 564.º do Código Civil. 19.º - Quanto ao cálculo de juros: Sem prejuízo do valor que vier a ser apurado por este Tribunal superior, entendemos que um aumento de 135% já é significativo e contempla uma diferença clamorosa, que fere qualquer sentimento de justiça. 20.ª - Nos termos do n.º 3 do art.º 38.º do Dec. Lei 291/2007: Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, 21.ª - Deste modo, os juros deverão ser calculados em dobro sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante que vier a ser fixado definitivamente. 22.ª - Ao assim não decidir, a sentença recorrida violou, entre outras disposições legais, o disposto no n.º 3 do art.º 38.º do Dec. Lei 291/2007: Nestes termos, deverá o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta Sentença recorrida de acordo com as Conclusões aduzidas”. A apelada apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação do decidido. Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II. OBJECTO DO RECURSO. A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito. B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar: - os montantes indemnizatórios devidos pelos danos não patrimoniais e pelo dano biológico sofridos pelo Autor; - se existe fundamento para fixar indemnização para compensação das despesas com deslocações de automóvel às consultas de fisioterapia.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância: 1. No dia 10 de março de 2023, pelas 14,05 horas, ocorreu um acidente de trânsito, na Avenida ..., em ... (acordo). 2. Nesse acidente, foram intervenientes o veículo automóvel de marca ..., modelo ..., de matrícula ..-ZF-.., e a aqui Autora, AA (acordo). 3. O veículo de matrícula ZF era conduzido por BB e seguia na Rua ... (acordo). 4. O condutor do ZF pretendia mudar de direção, no sentido de aceder à Avenida ... (acordo). 5. Na referida Avenida ..., encontrava-se a aqui Autora (acordo). 6. A Autora pretendia proceder ao atravessamento da faixa de rodagem (acordo). 7. A Autora iniciou e desenvolveu o atravessamento da faixa de rodagem (acordo), 8. Totalmente sobre a PASSADEIRA DESTINADA AO ATRAVESSAMENTO DE PEÕES – MARCA M11, ali existente, marcada e pintada, a cor branca, sobre o pavimento empedrado da faixa de rodagem da referida via (acordo). 9. Quando já se encontrava a concluir a travessia da passadeira, foi embatida pelo veículo ZF que nesse momento circulava nessa Avenida (acordo). 10. O condutor do veículo ZF conduzia de forma completamente distraída (acordo). 11. Pois não prestava qualquer atenção à atividade de condução que executava (acordo). 12. Nem à Autora que procedia ao atravessamento da faixa de rodagem sobre PASSADEIRA DESTINADA AO ATRAVESSAMENTO DE PEÕES – MARCA M11, ali existente, no local da deflagração do sinistro que deu origem à presente ação (acordo). 13. Por essa razão, o referido condutor não se apercebeu da presença da Autora que se encontrava a proceder ao atravessamento da faixa de rodagem sobre PASSADEIRA DESTINADA AO ATRAVESSAMENTO DE PEÕES – MARCA M11, ali existente (acordo), 14. Não imobilizando o veículo ZF e sem cuidar de verificar se algum peão efetuava o atravessamento da via na passadeira aí existente (acordo). 15. Desse modo, o veículo ZF foi embater, como embateu, com a parte frontal contra o corpo da Autora (acordo). 16. Esse embate ocorreu na passadeira destinada ao atravessamento para peões (acordo). 17. Com a força do embate, a Autora foi projetado para o capot do veículo e veio a tombar na via (acordo). 18. Na altura da deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, era dia e o local onde o mesmo ocorreu desfrutava de muito boa visibilidade, para quem lá se encontrava e para quem circulava, no desempenho da condução automóvel (acordo). 19. O descrito acidente de trânsito que deu origem aos presentes autos ficou, assim, a dever-se, única e exclusivamente, ao condutor do veículo ZF, que agiu nos moldes expostos com falta de destreza, imperícia, inconsideração e negligência (acordo). 20. Logo após a deflagração do acidente de trânsito que deu origem à presente ação, a Ré levou a efeito as competentes averiguações sobre a forma como ocorreu o sinistro em causa (acordo). 21. E, após, assumiu toda a responsabilidade pelas consequências danosas sofridas pela autora em consequência do acidente de trânsito que deu origem à presente ação (acordo). 22. O proprietário do veículo de matrícula ..-ZF-.., através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º ...02, transferiu a sua responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo para a Ré A..., encontrando-se tal contrato de seguro válido e eficaz na data em que ocorreu o acidente (acordo). 23. Por efeito do embate, a Autora não perdeu a consciência (acordo). 24. Por efeito do embate, a Autora ficou prostrada no piso da via, à espera de auxílio (acordo). 25. Na sequência do embate, a Autora sofreu muitas dores. 26. A autora, no momento da ocorrência do acidente e nos instantes que se seguiram sofreu um enorme susto. 27. A autora foi observada no local pelos serviços do INEM, que prestaram os primeiros socorros, imobilização em plano duro e colar cervical e transporte ao Hospital 3..., na cidade do Porto (acordo). 28. Foi recebida no Serviço de Urgência desta Unidade Hospitalar (acordo). 29. E apresentava o seguinte quadro clínico (acordo): 30. O RX que realizou confirmou fratura do calcâneo direito, sem dorsiflexão ativa e com um forte edema: sleeve fracture calcâneo dto, desvio >1cm sem dorsiflexão ativa edema importante, sem flictenas (acordo). 31. Foi efetuada imobilização com tala gessada (acordo). 32. A Autora teve alta hospitalar nesse dia, com indicação de repouso total e aguardar marcação de cirurgia. 33. A Autora, na alta hospitalar, como se encontrava dependente de todas as atividades de vida diária, foi para casa de sua filha, AA, a fim desta tratar de si e de lhe dar apoio. 34. No dia 15 de março de 2023, a Autora foi internada no Hospital 1..., com o seguinte quadro clínico: Do ponto de vista ortopédico, diagnosticada sleeve fratura do calcâneo direito, com desvio >1cm, com incapacidade de mobilização ativa (acordo). 35. A Autora vinha imobilizada com tala gessada posterior (acordo). 36. Nessa Unidade Hospitalar, a Autora foi submetida a uma intervenção cirúrgica que se traduziu em Redução cruenta e fixação com 2 parafusos canulados e reforço com speed-bridge Arthrex (acordo). 37. A Autora teve alta hospitalar a 17 de março de 2022 (acordo). 38. A essa data, era a seguinte a Proposta de monitorização e tratamento: Cuidados de penso no centro de saúde e à segunda-feira à tarde na CE de ...; Vigilância neurovascular do membro e de sinais inflamatórios; Profilaxia TVP/TEP – enoxaparina 1x/dia; Analgesia em SOS. 39. Foi marcada Consulta Externa com o Dr. CC para 3 de abril, de tarde, na unidade de ... CE. 40. À data da alta hospitalar após cirurgia, a Autora tinha gesso em todo o membro inferior. 41. E mostrava-se dependente para todas as atividades de vida diária, pelo que beneficiou do apoio dos seus familiares. 42. Efetivamente, a Autora precisava de auxílio de terceira pessoa para diversos atos de vida diária. 43. Era essencialmente a neta da Autora, DD, que dela tratava e se ocupava diariamente, auxiliando-o em tarefas tais como vestir, deitar-se, calçar, tomar banho, fazer a comida, alimentar-se, deslocar-se a tratamentos médicos. 44. Após a cirurgia, a Autora manteve descarga do membro inferior direito, locomovendo-se com a ajuda de canadianas. 45. Como a sua filha vivia em ..., a Autora fez tratamentos de enfermagem, após a alta cirúrgica, no Centro Médico e de B..., Lda. (acordo). 46. Tendo-se deslocado para o referido Centro Médico nos dias 23 e 30 de março e 3 e 10 de abril de 2023 (acordo). 47. Tendo feito penso, imobilização com ligadura elástica, e colocada novamente a tala gessada (acordo). 48. Frequentando, igualmente, a Consulta Externa, no Hospital 1.... 49. No dia 19 de abril de 2023, a Autora deslocou-se a uma Consulta no Hospital 2..., em .... 50. A Autora retirou a tala gessada no final do mês de abril de 2023. 51. Nessa altura, a perna direita estava debilitada. 52. Por indicação clínica, a Autora começou com os tratamentos de fisioterapia no Hospital 2..., tendo realizado 10 sessões, com início a 2 de maio de 2024 e fim a 24 de maio de 2024. 53. Por indicação clínica, a Autora realizou os seguintes tratamentos de fisioterapia na C..., Lda., em ..., ...:
54. Cada um desses tratamentos demorava cerca de uma hora. 55. A Autora foi sujeita a uma avaliação de dano corporal por parte dos serviços clínicos da Ré (acordo). 56. Tendo obtido o seguinte resultado: IPP de 6 pontos, Dano Estético de 2 em 7, Quantum Doloris de 4 em 7, data da cura/consolidação médico-legal das lesões fixável em 15.09.2023 e esforços acrescidos na atividade de vida diária:
57. À data do acidente, a Autora, nascida a ../../1948, tinha 75 anos de idade. 58. A Autora deambula sempre com a ajuda de uma canadiana. 59. À data do acidente, a Autora era, como é, reformada (acordo). 60. À data do acidente, a Autora vivia sozinha. 61. Por força do acidente, a Autora sofreu incómodos e dores localizadas ao nível da perna direita, sobretudo ao nível da região tibiotársica, por vezes com grande intensidade, referentes aos períodos de acamamento a que se encontrou sujeita. 62. E sofreu privação da sua liberdade pessoal, nesses períodos de acamamento. 63. Como sequelas das lesões sofridas, a autora apresenta fratura do calcâneo direito, com défice de mobilidade e flexão. 64. À data do sinistro, a Autora executava as tarefas inerentes ao seu lar, designadamente, confecionava as refeições diárias, lavava e arrumava a louça da sua casa de habitação, lavava, passava a ferro, dobrava e arrumava a roupa da sua casa de habitação, limpava o pó dos móveis da sua casa de habitação e, de um modo geral, executava as demais tarefas diárias inerentes ao seu lar. 65. Por outro lado, a Autora criava e engordava animais domésticos, tais como galinhas e coelhos. 66. A neta da Autora, DD, ajuda-a, pelo menos uma vez por semana, nas tarefas domésticas mais exigentes. 67. A Autora, em consequência das lesões e sequelas do presente acidente, sofreu uma IPP de 6 pontos, com repercussão nas atividades de vida diária. 68. À data do acidente, a Autora era uma pessoa autónoma. 69. Devido às dores que sentia e sente no pé, a Autora tem dificuldades em dormir. 70. Por não conseguir andar a pé com a mesma agilidade, a Autora deixou de frequentar algumas das atividades para as quais se deslocava a pé. 71. A autora suportou algumas deslocações para a fisioterapia e para as Consultas Externas, que sempre foram feitas de automóvel. 72. Por força do sinistro em causa, a Autora viu completamente danificadas e inutilizadas as seguintes peças de vestuário, de calçado e de uso pessoal que usava na altura do acidente: um par de calças e umas botas de valor não concretamente apurado. 73. Em consequência das lesões advindas com o presente sinistro, a Autora esteve, desde a data do acidente e até tirar o gesso da perna, em casa da sua filha, em .... 74. Durante esse período, a Autora teve apoio nos atos da vida diária por parte da sua neta DD, que se encontrava desempregada. 75. Após esse período, DD ajuda a sua avó, aqui Autora, uma vez por semana nas tarefas domésticas que exigem mais disponibilidade física e que esta não consegue realizar. 76. A Ré propôs à Autora uma indemnização final de 5.220,00 € (acordo). 77. À data do acidente, a Autora tinha, como antecedentes, doença valvular cardíaca; indicação para realização e ecocardiograma a cada 12 meses; dilatação severa da aurícula esquerda; estruturas valvulares com alterações degenerativas ligeiras. IA ligeira a moderada; sofrera um ataque isquémico transitório em 2011; excesso de peso; dislipidemia; perturbação depressiva. 78. E tomava habitualmente a seguinte medicação: suplementos de cálcio; trazodona (tratamento de estados de ansiedade e depressão); ácido acetilsalicílico (aspirina); lansoprazol (protetor gástrico); ácido ibandrónico (prevenção e tratamento da osteoporose); sertalina (antidepressivo); rosuvastatina (tratamento de colesterol). III. 2. A mesma instância considerou não provados os seguintes factos: 1. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas nos factos provados, antes de proceder ao atravessamento da faixa de rodagem, a autora reparou e certificou-se de que, naquele preciso momento, não transitava próximo qualquer veículo automóvel, motociclo, ciclomotor ou velocípede, na referida via. 2. Na sequência do sinistro descrito nos factos provados, por efeito da pancada, a Autora foi projetada cerca de 3 metros para a frente e embateu com o corpo desamparado no piso da via. 3. Por efeito do embate descrito nos factos provados, a Autora ficou em pânico. 4. A Autora, no momento da ocorrência do acidente e nos instantes que se seguiram, sofreu momentos de indescritível aflição, terror e pânico. 5. Até hoje, tais momentos ainda, continuamente, assaltam a autora, provocando-lhe angústia e desespero. 6. Treme e sente perturbação quando recorda esses momentos. 7. A Autora teve alta hospitalar no dia do acidente em virtude do bloco operatório não se encontrar disponível. 8. À data da alta hospitalar após cirurgia, a Autora estava impedida de fazer carga por um período de 8 semanas, por risco de queda e não consolidação da fratura. 9. Nos primeiros quinze dias após a cirurgia, a Autora manteve-se sempre no leito, só se levantando, com a ajuda da sua filha e neta, para tomar banho, fazer as suas necessidades fisiológicas e para ir aos tratamentos médicos. 10. A perna direita da Autora perdeu muita massa muscular. 11. Os tratamentos elencados no ponto 53 dos factos provados consistiam em ultrassonoterapia, massagem manual, mobilização articular passiva, técnicas especiais de cinesiterapia e terapêutica ocupacional. 12. Tais tratamentos demoravam, em média, 1,30 horas e eram particularmente dolorosas para a Autora que, no fim dos mesmos, se mostrava muito dorida e cansada. 13. À data do acidente, a Autora, nascida a ../../1948, tinha 74 anos de idade. 14. Por força do acidente descrito nos factos provados, o pé da Autora encontra-se permanentemente inchado, o que se agrava quando a Autora faz um, ainda que pequeno, esforço. 15. Por força das sequelas do acidente descrito nos factos provados, a Autora precisa de ajuda para calçar-se e tomar banho. 16. Por força das sequelas do acidente descrito nos factos provados, a Autora ainda hoje vive atormentada por dores muito intensas ao nível da perna direita, sobretudo ao nível da região tibiotársica, designadamente quando caminha, e tem marcha bastante claudicante e sempre com o apoio de canadianas, quando tenta caminhar mais apressadamente ou correr, o que já não consegue, quando tenta subir e descer escadas, quando tenta levantar objetos pesados, e, invariavelmente, nas mudanças de tempo. 17. A Autora sofreu, sofre e continuará a sofrer malefícios inerentes aos medicamentos que se viu na necessidade de ingerir, nomeadamente os analgésicos e os anti-inflamatórios. 18. Como sequelas das lesões sofridas, a autora apresenta diminuição acentuada da força muscular; sensação de cansaço no membro inferior direito; dores frequentes quanto caminha, sobes escadas e tenta correr, o que já não consegue; um coxear permanente. 19. Antes do acidente, a Autora era uma pessoa sã, escorreita, saudável e nunca havia sofrido qualquer acidente ou enfermidade. 20. Era uma pessoa forte, robusta e dinâmica e com grande alegria de viver. 21. A Autora trabalhava e trabalha, no desempenho da sua profissão de doméstica, ao longo de um período de tempo nunca inferior a seis horas por dia. 22. Incluindo os dias úteis, os sábados, os domingos e os dias feriados. 23. Com um rendimento correspondente a 750,00 € por mês, valor até inferior aosalário que uma mulher assalariada doméstica auferia e aufere, na freguesia .... 24. Por força da ocorrência do acidente dos presentes autos, a Autora jamais pode exercer, nem poderá no futuro, a sua atividade de doméstica na sua plenitude porque o exercício de tal atividade obriga a um permanente esforço quer nos membros inferiores quer nos membros inferiores quer na própria zona abdominal. 25. Por força da ocorrência do acidente dos presentes autos, a Autora já não consegue executar as atividades que exijam uma maior disponibilidade física, como sejam aspirar, lavar e fazer limpezas que exijam um maior esforço físico. 26. A autora tem permanentemente o pé inchado o que não lhe permite calçar sapatos normais. 27. Desta forma, não pode a autora fruir e gozar a vida como fazia até então, encontrando-se irremediavelmente atingida a sua saúde, capacidade de ter prazer, tranquilidade e bem-estar consigo mesma. 28. A sua capacidade de gozo dos bens proporcionados pela vida, capacidade criadora, poder de iniciativa, liberdade de movimentos, força de trabalho, autonomia total na escolha e mobilidade profissional estão-lhe sempre cerceados. 29. Por força do acidente dos autos, a Autora passou a apresentar um comportamento apático, triste e de indiferença perante a vida. 30. E ainda dificuldades acrescidas na vida de relação, refugiando-se, não raras vezes no seu quarto a chorar em virtude de não poder levar a vida que levava antes de lhe surgir o infortúnio aqui em crise. 31. Tendo-se transformado de uma mulher alegre, bem-disposta, extrovertida e com facilidade para as relações sociais, que era antes do acidente, numa pessoa triste, sisuda e com tendências para o isolamento, uma pessoa abalada psicologicamente, impaciente, com o sistema nervoso alterado e revoltado com a situação que lhe foi criada pelo predito acidente. 32. A Autora lamenta-se bastante com o que lhe sucedeu, falando do acidente muitas vezes. 33. Encontra-se totalmente privada de futuro e de esperança, perturbada e profundamente triste e desgostos, angustiada, mais reservada e isolada. 34. Sente-se um fardo para os seus familiares, sem qualquer préstimo. 35. Deixou de acompanhar e frequentar quaisquer centros de distração e de lazer. 36. E vê-se impossibilitada de fazer a sua lide doméstica. 37. Receia ver perpetuadas no tempo as limitações de que padece, tendo que continuar a tomar medicação analgésica. 38. A Autora terá que usar calçado apropriado ao seu estado clínico durante toda a sua vida, com cuja aquisição tem gasto a importância de 70,00 € por par, adquirindo quatro pares de sapatos por ano. 39. A aqui Autora comprometeu-se a remunerar a sua neta pelo serviço de apoio domiciliário que esta lhe prestou e lhe presta.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. Da simples leitura do preceito, resulta que, no caso de responsabilidade por facto ilícito, vários pressupostos condicionam a obrigação de indemnizar que recai sobre o lesante, desempenhando cada um desses pressupostos um papel próprio e específico na complexa cadeia das situações geradoras do dever de reparação. Reconduzindo esses pressupostos à terminologia técnica assumida pela doutrina, podem destacar-se os seguintes requisitos da mencionada cadeia de factos geradores de responsabilidade por factos ilícitos: a) o facto; b) a ilicitude; c) imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) e nexo de causalidade entre o facto e o dano. No caso aqui em discussão sempre a Ré aceitou que o acidente que vitimou a Autora resultou exclusivamente da actuação culposa do condutor do veículo por si segurado, reputando, todavia, de excessivos os valores indemnizatórios reclamados pela demandante. Proferida sentença que fixou o montante da indemnização a suportar pela Ré para reparação dos danos sofridos pela Autora em consequência do acidente, é esta agora que não se conforma com os valores que lhe foram nela atribuídos para compensação dos danos não patrimoniais e pelo dano biológico, assim como pelo facto de não lhe ter sido arbitrada indemnização por danos patrimoniais para compensação das despesas com deslocações de automóvel às consultas e sessões de fisioterapia. Os danos não patrimoniais podem consistir em sofrimento ou dor, física ou moral, provocados por ofensas à integridade física ou moral duma pessoa, podendo concretizar-se, por exemplo, em dores físicas, desgostos por perda de capacidades físicas ou intelectuais, vexames, sentimentos de vergonha ou desgosto decorrentes de má imagem perante outrem, estados de angústia, etc., reflectindo, mais ou menos, melhor ou pior, manifestações de perturbações emocionais. Nesta categoria de danos se compreendem todos aqueles que afectam a personalidade moral, nos seus valores específicos tais como “as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”[6]. Os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis: não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização. Não se trata, portanto (como já ensinava o professor Mota Pinto), de atribuir ao lesado um “preço de dor” ou um “preço de sangue”, mas de lhe proporcionar uma satisfação em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem refinadamente ideal. Nos danos não patrimoniais estão em causa lesões que não se refletem directamente sobre o património, não o diminuindo, nem frustrando o seu acréscimo. Tratam-se de danos que atingem bens de carácter imaterial, sem expressão ou tradução económica. A ofensa objectiva desses bens tem em regra um reflexo subjectivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral. Os componentes de maior relevância do dano não patrimonial são: - o dano estético: traduzido no prejuízo anatomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima; - o prejuízo de afirmação social: dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); - o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”: nele se destacam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida; - o pretium juventutis: que compreende a frustração de viver em pleno a designada “primavera da vida”; - e o pretium doloris - que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária. Resulta do exposto que o juiz, para a decisão a proferir no que respeita à valoração pecuniária dos danos não patrimoniais, em cumprimento da prescrição legal que o manda julgar de harmonia com a equidade, deverá atender aos factores expressamente referidos na lei e, bem assim, a outras circunstâncias que emergem da factualidade provada. Tudo com o objectivo de, após a adequada ponderação, poder concluir a respeito do valor pecuniário que considere justo para, no caso concreto, compensar o lesado pelos danos não patrimoniais que sofreu. Sendo, pois, merecedores de tutela reparadora os aludidos danos não patrimoniais sofridos pela Autora, o correspondente valor indemnizatório há-de ser calculado com base em critérios de equidade, que assente numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não seja colidente com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade. Na quantificação dos mesmos deve ponderar-se o grau, intenso, de culpa do lesante, a situação económica dos abrangidos pelo dever de indemnizar, a idade da demandante à data do evento lesante e a sua expectativa de vida, não podendo ser ignorados os valores arbitrados pelas instâncias superiores para situações similares. Ponderando todo este circunstancialismo fáctico e efectuando uma análise comparativa quanto a esses valores, não poderá deixar de se reputar de escasso o valor fixado em primeira instância (€ 5.000,00). E é atendendo à extensão, natureza e gravidade desses danos, mas não podendo menosprezar os valores fixados pelos tribunais superiores para situações similares, que se entende ser ajustada à reparação dos danos em causa uma indemnização no valor de € 10.000,00.
Dano biológico: Ainda em consequência do acidente e das lesões corporais que o mesmo lhe provocou, ficou a Autora permanentemente afectada de um défice funcional na sua integridade física quantificado em 6 pontos percentuais, que lhe exigem esforços acrescidos na actividade da sua vida diária.. Afirma-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2012: “o dano biológico merece, logo porque tem lugar, tutela indemnizatória, compensatória ou ambas; A extrema amplitude que o nosso legislador confere ao conceito de incapacidade para o trabalho, aliada à orientação sedimentada da jurisprudência de que é de indemnizar, quer esta leve a diminuição de proventos laborais, quer não leve, já o contempla indemnizatoriamente, ainda que noutro plano; Do mesmo modo a relevância que a nossa lei confere aos danos não patrimoniais também aliada à amplitude deste conceito que a jurisprudência vem acolhendo – englobando, nomeadamente os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros – já o contempla neste domínio. Pelo que a conceptualização do dano biológico não veio “tirar nem pôr” ao que, em termos práticos, já vinha sendo decidido pelos tribunais, quanto a indemnização pelos danos patrimoniais de carácter pessoal ou compensação pelos danos não patrimoniais. Onde releva é na fundamentação para se chegar a tal indemnização, afastando as dúvidas que poderiam surgir perante a não diminuição efectiva de proventos apesar da fixação da IPP ou, em casos de verificação muito rara, como aqueles em que o lesado já estava totalmente incapacitado para o trabalho antes do evento danoso ou até, no que respeita aos danos não patrimoniais, em que ficou definitivamente incapacitado para ter consciência e sofrer com a sua situação”. Idêntico entendimento foi perfilhado pelo acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 16.12.2010[10], quando refere que a “compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança ou reconversão de emprego pelo lesado, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, frustrada irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas”. E no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.04.2022[11] pode ler-se: “Diverge a jurisprudência quanto à classificação, ou melhor, à natureza do chamado dano biológico (o decorrente da incapacidade permanente sem reflexo profissional): se um dano meramente patrimonial, se um dano moral, se um tertium genus. E procuram os vários arestos, cada um à sua maneira, justificar o quantum indemnizatório arbitrado para estes danos geradores de incapacidade permanente que se não repercutam directamente na capacidade de ganho do lesado (na medida em que não implicam uma diminuição da retribuição, embora implicando esforços acrescidos, ou, então, porque o lesado está fora do mercado de trabalho, como ocorre com desempregados, crianças, reformados). O dano biológico tem suscitado especiais perplexidades na relação com a dicotomia tradicional da avaliação de danos patrimoniais versus danos não patrimoniais, por poder incidir numa, noutra ou em ambas as vertentes. Este dano vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa, com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais[...]. É um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, susceptível de afectar o seu dia-a-dia nas vertentes laborais, sociais, sentimentais, sexuais, recreativas. Determina perda das faculdades físicas e/ou intelectuais em termos de futuro, perda essa eventualmente agravável em função da idade do lesado. Poderá exigir do lesado, esforços acrescidos, conduzindo-o a uma posição de inferioridade no mercado de trabalho[...]. Ou, por outras palavras, é um dano que se traduz na diminuição somático-psíquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre. Ora, o dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial, como pode ser compensado a título de dano moral; tanto pode ter consequências patrimoniais como não patrimoniais. Ou seja, depende da situação concreta sob análise, a qual terá de ser apreciada casuisticamente, verificando-se se a lesão originará, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida, e por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, sem prejuízo do natural agravamento inerente ao decorrer da idade. Tem a natureza de perda ‘in natura’ que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar[...]. Como quer que seja visto ou classificado este dano, o certo é que o mesmo é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. É indemnizável em si mesmo, independentemente de se verificarem consequências para o lesado em termos de diminuição de proventos”. E acrescenta o mesmo acórdão: “O lesado não pode ser objecto de uma visão redutora e economicista do homo faber[...]. A incapacidade permanente (geral) de que está afectada a vítima constitui, nesta perspectiva, um dano em si mesmo, cingindo-se à sua dimensão anátomo-funcional. A incapacidade permanente geral (IPG) corresponde a um estado deficitário de natureza anatómica-funcional ou psicosensorial, com carácter definitivo e com impacto nos gestos e movimentos próprios da vida corrente comuns a todas as pessoas. Pode ser valorada em diversos graus de percentagem, tendo como padrão máximo o índice 100. Esse défice funcional pode ter ou não reflexo directo na capacidade profissional originando uma concreta perda de capacidade de ganho”. O dano biológico não se reporta apenas ao período temporal subsequente à alta clínica, devendo, por maioria de razão, abranger o período em que o facto incapacitante foi mais intenso (incapacidade temporária absoluta) e é indemnizável ainda que o lesado à data do evento lesante não exercesse actividade laboral remunerada[12]. Há ainda a notar, como o faz o Acórdão da Relação do Porto de 20.03.2012[13], que “os Tribunais, na fixação das indemnizações por danos decorrentes de sinistros rodoviários, não estão sujeitos ao regime previsto na Portaria n.º 377/2008, de 26/05, por este diploma não ter por objectivo a fixação definitiva dos valores indemnizatórios mas, apenas e só o estabelecimento de regras/princípios que visam agilizar a apresentação de propostas razoáveis numa fase pré-judicial”. Como já salientava o Acórdão da Relação do Porto, de 07.05.2001 (www.dgsi.pt), “sem dúvida que e é tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório, já que, tirando a idade do Autor e a incapacidade que o afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito é inapreensível, agora, qual vai a ser a evolução do mercado laboral, o nível remuneratório do emprego, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, a evolução tecnológica, além de outros elementos que influem no nível remuneratório, como por exemplo, os impostos. Daí que, nos termos do n.º 3 do art. 566° do Código Civil, haja que recorrer à equidade ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos”. A Portaria n.º 377/08, de 26/5, com inspiração no direito espanhol e francês, no sistema dos “barèmes“, que estabelece meras propostas, indica critérios orientadores para apresentação aos lesados, em caso de acidente de viação, por dano corporal, estabelece no seu art.º 6.º b), que, para fins de cálculo de prestações em caso de violação do direito à vida e de prestações de vida ao cônjuge ou descendente incapaz por anomalia psíquica, se presume que o sinistrado trabalharia até aos 70 anos. Também a jurisprudência dos tribunais superiores, na tentativa de adaptação às actuais condições socio-económicas do país, quando se perspectiva a possibilidade da idade da reforma vir a ser elevada para os 70 anos a relativamente curto prazo, vem abandonando a ideia de que o período de vida activa tem como limite os 65 anos de idade, antes se devendo atender ao tempo provável de vida do lesado, por referência à esperança média de vida estabelecida em relação à data em que ocorreu o facto danoso gerador do dever de indemnizar. Como já defendia o acórdão do STJ de 28.09.1995[15], “finda a vida activa do lesado não é razoável ficcionar que também a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as necessidades do lesado e, por outro lado, geralmente, continua a receber remunerações, ou como pensão de aposentação da própria profissão, ou como prestação da segurança social”, entendimento que passou a ser seguido pela jurisprudência dos tribunais superiores[16] após ter sido defendido no Parecer do Provedor de Justiça de 19.03.2001, elaborado a propósito do denominado caso “ponte Entre-os-Rios”. Perante a constatação das dificuldades associadas à fixação do montante indemnizatório para reparação dos danos futuros, traduzidos em lucros cessantes, e perante a diversidade de resultados obtidos com o recurso a critérios diferentes, em Espanha sentiu-se necessidade de introduzir, através da Ley nº 30/1995, de 8/11, medidas de “baremación”, vinculativas para os tribunais. Ainda que sem o mesmo carácter vinculativo, mas sendo um sistema fundado em “barèmes”, o regime que se encontra implantado em França, assente numa Convenção destinada a regularizar sinistros de circulação automóvel, adoptada depois da publicação da Loi nº 85-677, de 5 de Julho de 1985, destinando-se à generalidade dos danos emergentes de acidente de viação, revela circunstâncias diversificadas, de forma a integrar a generalidade dos sinistros, com valores antecipada e objectivamente fixados, sem prejuízo da possibilidade de ponderação de situações específicas. Sem idêntica consagração legislativa, os tribunais portugueses têm recorrido a diferentes fórmulas para determinar o quantum indemnizatório para a reparação desses danos. Essas fórmulas oscilaram entre o recurso às tabelas de cálculo das pensões por incapacidade laboral e sua remição, que depressa foi abandonado, e o recurso a fórmulas matemáticas, além do recurso a critérios para cálculo do usufruto para fins fiscais. O recurso às tabelas matemáticas ou tabelas legalmente fixadas para a regularização dos sinistros laborais tem vindo a ser posto em crise por não garantirem a justa reparação do dano em causa, já que “na avaliação dos prejuízos verificados o juiz tem que atender sempre à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorreram no caso e que o tornarão sempre único e diferente”[17]. Um dos outros critérios possíveis para ponderar o montante indemnizatório em discussão foi preconizado pelo Acórdão do STJ, de 18.01.79[18], segundo o qual “em relação ao futuro, a indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente ao juro anual de 9%”. A partir de então este critério passou a ser adoptado em várias decisões dos tribunais superiores, servindo-se, para o efeito, das taxas de juro estabelecidas para as operações bancárias activas de crédito, passando depois para as de depósito a prazo, adaptando a taxa de juro às flutuações respectivas no mercado financeiro. Estes critérios foram sendo sucessivamente perfilhados por decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que, todavia, não deixam de lhes reconhecer a natureza de índices meramente informadores da fixação do cálculo, meros instrumentos auxiliares de orientação, não dispensando o recurso à equidade, que pressupõe uma solução em sintonia com a lógica e o bom senso, com apelo às regras da boa prudência, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem submissão a critérios subjectivos de ponderação, e que pese a gravidade do dano. Note-se que o critério fundado nas tabelas financeiras não é isento de críticas: as taxas de capitalização devem corresponder à previsível remuneração do dinheiro no período a considerar, o que sendo impossível de quantificar de forma exacta, exige um juízo de previsibilidade, que, atendendo às modificações sociais e económicas, cada vez mais sentidas, se revela muitas vezes temerário. Comprovando essa realidade, constata-se na jurisprudência uma larga oscilação nos valores das taxas de capitalização[19]. Talvez por isso, larga jurisprudência tende a defender que o recurso às tabelas deve ser posto de parte, devendo-se antes confiar no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade[20]. A discussão acerca da metodologia a seguir[21] continua, assim, em aberto, como já o reconhecia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.06.2002[22], dada a incerteza que envolve o cálculo deste dano futuro, aceitando mesmo, como critério possível, permitindo uma certa flexibilização no cálculo, a aplicação de uma regra de três simples, na qual se procura determinar qual o capital produtor do rendimento anual que se deixou de obter, tendo em conta a taxa de juro de 3%; ou seja qual o capital que à taxa de juro em alusão reproduz aquele rendimento, a que é de deduzir um factor de correcção. De todo o modo, tem-se vindo a consolidar na jurisprudência, como solução para definir os parâmetros da reparação deste tipo de dano, determinar o capital necessário, que, entregue de uma só vez, e diluído no tempo de vida do lesado, lhe proporcione o mesmo rendimento que auferiria se não tivesse ocorrido a lesão[23]. Entende-se que a determinação do montante indemnizatório deve ser obtida com recurso a processos objectivos (fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas), servindo para determinar um limite mínimo indemnizatório, o qual, deverá posteriormente ser corrigido com recurso a outros elementos, quer objectivos quer subjectivos, que possam conduzir a uma indemnização justa. Seja qual for o critério norteador (já que todos os critérios até hoje seguidos não são vinculativos, são meramente indicadores), haverá que ter sempre presente a figura da equidade, a qual visa alcançar “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, de forma que se tenha em “conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida…”[24]. Discorda a apelante, defendendo que “os juros deverão ser calculados em dobro sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante que vier a ser fixado definitivamente”, convocando, para o efeito, o disposto no n.º 3 do art.º 38.º do Dec. Lei 291/2007. Dispõe o artigo 38.º do referido diploma: 1 - A posição prevista na alínea e) do n.º 1 ou no n.º 5 do artigo 36.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte. 2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, são devidos juros no dobro da taxa legal prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixado pelo tribunal ou, em alternativa, sobre o montante da indemnização proposto para além do prazo pela empresa de seguros, que seja aceite pelo lesado, e a partir do fim desse prazo. 3 - Se o montante proposto nos termos da proposta razoável for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial. 4 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por proposta razoável aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado. Estabelece, por sua vez, o seu artigo 39.º, previsto para as situações de regularização de sinistros que envolvam danos corporais, hipótese aqui disutida: 1 - A posição prevista na alínea c) do n.º 1 ou na alínea b) do n.º 2 do artigo 37.º consubstancia-se numa proposta razoável de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte. 2 - Em caso de incumprimento dos deveres fixados nas disposições identificadas no número anterior, quando revistam a forma dele constante, é aplicável o previsto nos n.os 2 e 3 do artigo anterior. 3 - Todavia, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros nos termos do número anterior são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos. 4 - Relativamente aos prejuízos futuros, a proposta prevista no n.º 1 pode ser limitada ao prejuízo mais provável para os três meses seguintes à data de apresentação dessa proposta, excepto se já for conhecido o quadro médico e clínico do lesado, e sem prejuízo da sua futura adaptação razoável. 5 - Para os efeitos previstos no n.º 3, na ausência, na Tabela nele mencionada, dos critérios e valores de determinação do montante da indemnização correspectiva a cada lesão nela prevista, são aplicáveis os critérios e valores orientadores constantes de portaria aprovada pelos Ministros das Finanças e da Justiça, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal. 6 - É aplicável ao presente artigo o disposto no n.º 4 do artigo anterior. A propósito do direito aos juros em dobro da taxa prevista na lei aplicável, refere o acórdão desta Relação de 11.01.2022[26]: “só pode reconhecer-se o direito aos juros calculados ao dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso sobre o montante da indemnização fixada pelo tribunal, no caso dos sinistros que envolvam lesões corporais, quando a proposta da empresa de seguros não tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil – e para tanto, tem o autor lesado de demonstrar (alegar e provar, pois que tal lhe incumbe de acordo com as regras do ónus da prova – art. 342º, nº 1 do CC) a inobservância, pela seguradora, na proposta de indemnização apresentada, das ‘regras e critérios prescritos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais utilizados na Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”. No mesmo sentido, já defendia o acórdão da Relação de Guimarães de 25.05.2017[27]: “No caso dos sinistros que envolvam lesões corporais, porém, quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efectuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, os juros são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos (n.º 3 do artigo 39.º)”. Tendo a Autora ficado, em consequência do sinistro, lesada na sua integridade física, não alegou, e menos ainda demonstrou, como lhe competia, que a Ré, na apresentação da proposta de indemnização, não observou as regras e critérios prescritos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais utilizados na Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil. A Autora na petição inicial limitou-se, sem mais, a indicar o valor da proposta recebida da Ré e a convocar o n.º 3 do art.º 38.º do Dec. Lei 291/2007, argumentando, em sede de recurso, que “Sem prejuízo do valor que vier a ser apurado por este Tribunal superior, entendemos que um aumento de 135% já é significativo e contempla uma diferença clamorosa, que fere qualquer sentimento de justiça”. Não existe, pois, fundamento para a peticionada agravação dos juros fixados[28], pelo que, também nesta parte, naufraga o recurso. * Síntese conclusiva: …………………………….. …………………………….. …………………………….. * Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso da apelante AA, alterando a sentença recorrida nos seguintes termos: a) A título de indemnização pelo dano biológico sofrido pela Autora, condena-se a ré, A..., S.A., a pagar-lhe a quantia de € 8.000,00 (oito mil euros); b) A título de danos não patrimoniais sofridos pela Autora, condena-se a mesma ré a pagar-lhe a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros); c) No mais, mantém-se a sentença recorrida, incluindo os juros fixados. Custas: por apelante e apelada, na proporção do respectivo decaimento - (art.º 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil). Notifique.
Porto, 7.11.2024 Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária. Judite Pires Carlos Portela Aristides Rodrigues de Almeida ____________________________ [1] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 7ª ed., pág. 591. [2] Ibid, pág. 593. [3] Artigo 566º, nº1 do Código Civil. [4] Colectânea de Jurisprudência XV, 5, pág. 186. [5] Dario M. de Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, págs. 188-189. [6] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, volume I, Almedina, 7.ª ed., pág. 595. [7] “Das Obrigações em Geral”, vol. I, pág. 488. [8] Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, 2.ª ed., pág. 318; Menezes Cordeiro, “Tratado de Direito Civil Português II, Direito das Obrigações, tomo III, 2010, págs. 748 a 756. [9] Processo n.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1, www.dgsi.pt [10] Processo nº 270/06.0TBLSD.P1.S, www.dgsi.pt. [11] Processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1, www.dgsi.pt. [12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.12.2011, processo nº 52/06.0TBVNC.G1.S1, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.06.2011, processo nº 160/2002.P1.S1, ambos em www.dgsi.pt. [13] Processo nº 571/10.3TBLSD.P1, www.dgsi.pt. [14] Processo n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt [15] CJ.STJ.95.III, pág. 36. [16] Entre outros, cfr. acórdãos do STJ de 19/04/2012 (3046/09.0TBFIG.S1); de 20/10/2011 (428/07.5TBFAF. G1.S1); de 07/06/2011 (524/07.9TCGMR.G1.S1); de 20/05/2010 (103/2002. L1.S1); de 25/06/2009, do 08B3234, e de 17/06/2008 (08A1266), www.dgsi.pt [17] Acórdão do STJ, 4/2/93, Colectânea de Jurisprudência/ Acórdãos do STJ, ano 1, tomo 1, pág. 129. [18] BMJ 283º-275. [19] A título de exemplo: Acórdão do STJ de 4/2/93, CJSTJ, tomo I, pág. 128: 9%; Acórdão do STJ de 5/5/94, CJSTJ, tomo II, pág. 86: 7%; Acórdão do STJ de 15/12/98, CJSTJ, tomo III, pág. 155: 5%; Acórdão do STJ de 16/3/99, CJSTJ, tomo I, pág. 167: 4%. [20] Entre outros, Acórdão do STJ de 28/9/95, CJSTJ, 1995, tomo 3º, pág. 36. [21] Uma das fórmulas habitualmente seguidas para a determinação dos danos futuros por perda ou redução da aquisição de rendimentos do trabalho surge desta forma enunciada: C = [(1 + i)N – 1 / (1 + i)N x i] x P Sendo: C = capital; P = prestação a pagar no 1º ano; i = taxa de juro; e N = o nº. de anos de vida provável, e em que: i = (1 + r / 1 + k) – 1, sendo que: r = taxa de juro nominal líquida, que actualmente se entende dever ser fixada em 1,5%. k = taxa anual de crescimento de P (inflação + ganhos da produtividade + promoções profissionais (inflação de 0,5% + ganhos da produtividade de 0,375% + promoções profissionais de 0,375%) = 1,25%). [22] CJ/Supremo Tribunal de Justiça, ano X, t. II, págs. 132, 133. [23] Acórdão do STJ de 04.12.2007, processo n.º 07A3836, www.dgsi.pt. [24] Acórdão do STJ, 10/2/98, CJSTJ, tomo I, pág. 65. [25] Cfr, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2014, Processo n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015, Processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1, de 4 de Junho de 2015, Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, de 7 de Abril de 2016, Processo n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1), e de 14 de Dezembro de 2016 , Processo n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.) [26] Processo n.º 1017/19.7T8PVZ.P1, www.dgsi.pt. [27] Processo n.º 1292/15.6T8GMR.S1.G1, www.dgsi.pt. [28] Sendo que a indemnização fixada para reparação dos danos não patrimoniais não deveria vencer juros desde a citação, como decidiu a sentença aqui escrutinada, mas apenas a partir da data da sentença. Tal questão, não tendo sido objecto de recurso, transitou, todavia. |