Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
477/20.8T8ACD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
Nº do Documento: RP20250113477/20.8T8ACD-A.P1
Data do Acordão: 01/13/2025
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na definição de causa de pedir para os fins estabelecidos no artigo 265º do Código de Processo Civil deve atender-se a um conceito amplo, nos termos do qual somente ocorrerá a alteração/ampliação desse elemento objetivo da instância se os novos factos alegados não coincidirem com os factos (essenciais ou principais) constitutivos da pretensão material originariamente alegada.
II - Portanto, desde que se mantenha esse núcleo essencial não pode deixar de se entender que a causa de pedir não é alterada por uma alegação de factos que apenas complementem ou constituam desenvolvimento dos factos (essenciais) já anteriormente articulados.
III - No atual regime processual, na falta de acordo das partes, somente é admissível a ampliação do pedido quando esta constitua o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
IV- Por desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo deve considerar-se um pedido que esteja contido no âmbito do pedido primeiramente deduzido, de molde a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos, quer dizer a ampliação há de estar contida virtualmente no pedido inicial, consubstanciando um acrescento/desenvolvimento do pedido inicial, mantendo com este total conexão.
V - A circunstância do valor resultante da ampliação poder ter sido formulado na petição inicial não constitui obstáculo a essa ampliação.
VI - É que, estando em causa neste domínio a compatibilização do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, deve ser dada prevalência a este último quando se verificam reais vantagens na solução definitiva do conflito num único processo, contanto que a relação material controvertida seja essencialmente a mesma, assente na mesma causa de pedir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 477/20.8T8ACB-A.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, ... – Juízo de Competência Genérica, Juiz 2

Relator: Miguel Baldaia Morais

1º Adjunto Des. José Nuno Duarte

2ª Adjunta Desª. Anabela Mendes Morais


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SUMÁRIO

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

AA intentou a presente ação declarativa sob a forma comum contra a A... – Companhia de Seguros, S.A. pedindo a condenação desta a pagar-lhe: (i) a quantia de 24.500,00€, valor correspondente à cobertura do seguro por incêndio, já deduzida a franquia do contrato de seguro; (ii) a quantia de 24,60€/dia, já com incidência de IVA, pelo facto de a viatura melhor identificada nos autos se encontrar parqueada nas instalações da B... Unipessoal Ldª, desde o dia 30 de outubro de 2019, estando, a 27-01-2020, em dívida €2.164,80 por danos patrimoniais; (iii) a quantia de € 1.750,00 por danos não patrimoniais resultantes da privação de uso do veículo melhor identificada nos autos e (iv) a quantia de 1.650,00€ por danos não patrimoniais resultantes do sofrimento psicológico que sofreu.

Para substanciar tais pretensões alegou, em síntese, que no dia 7 de setembro de 2019, quando ela e a sua família circulavam, no seu veículo automóvel, com a matrícula ..-VJ-.., na Estrada Nacional ..., em ..., o mesmo incendiou-se.

Acrescenta que participou o sinistro à ré, seguradora onde o referido veículo se encontra seguro, que, no entanto, repudiou a sua responsabilidade.

Citada a ré apresentou contestação aceitando a existência do referido contrato de seguro, declinando, todavia, a sua responsabilidade, porquanto o incêndio proveio de uma anomalia no radiador EGR, anomalia esta que já existia aquando da saída do veículo da fábrica.

Foi proferido despacho saneador, definindo-se o objeto do litígio e fixando-se os temas da prova.

Os autos prosseguiram os seus termos, sendo que por requerimento apresentado em 12 de maio de 2024 a autora veio requerer a ampliação do pedido, a este aditando o montante de € 69.717,17, correspondente a danos que não incluíra no pedido inicial.

Notificada a parte contrária pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da requerida ampliação.

Conclusos os autos foi então prolatado despacho nos seguintes termos: «No decorrer da presente instância, a autora veio requerer uma ampliação do pedido, através do qual pugnou que a ré deveria ser, na sua totalidade, condenada a pagar-lhe a quantia de 99.631,45 €.

Em suma, alegou que a viatura em referência foi adquirida através de empréstimo bancário, pelo que desde o início do referido contrato de crédito até à presente data, tem pago as prestações inerentes ao referido contrato, pelo que suportou a quantia global de € 11.283,25 a título de juros do empréstimo suprarreferido.

Mais referiu que tem pago Imposto de Único de Circulação (IUC) referentes aos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023 no valor total de € 1.052,42, razão pela qual a ré deveria ser condenada no pagamento deste valor.

Alegou ainda que tem suportado as despesas com a deslocação do veículo num pronto socorro para a C... de Aveiro e posteriormente terá de suportar a deslocação da C... de Aveiro para casa, tudo isto num total de 61,50€.

Por fim, alega que está privada da sua viatura automóvel, desde 07.09.2019, data em que ocorreu o sinistro, até à data em que deu entrada o requerimento, isto é, num total de 1.358 dias, pelo que a autora teria de suportar uma quantia diária de aluguer não inferior a € 40,00. Desta feita, e a este título, pugna que a ré deveria ser condenada no pagamento da quantia de 54.320,00€.

Neste conspecto, a autora faz uma ampliação do pedido que computa na quantia de 69.717,71€ (…).

In casu, verifica-se que a autora, até por referência à causa de pedir, já tinha perfeito conhecimento de que desde o sinistro até à presente data teria de proceder ao pagamento das prestações inerentes ao crédito automóvel, bem como ao IUC.

De igual modo, no que tange ao parqueamento da viatura e à respetiva privação da viatura, iguais considerações terão de ser tecidas.

É certo que a alegada data do sinistro retroage consideravelmente no tempo, contudo a autora, aquando da formulação do seu pedido, já tinha conhecimento dos danos que sofreu, pelo que a forma como configura este pedido, redunda num pedido novo, isto é, num acrescento ao que já esta peticionado.

Por fim, no que tange à privação do uso da viatura, a autora encerra o seu pedido, configurando-o, como sendo um dano não patrimonial, atribuindo um valor certo a tal alegado dano. Desta feita, salvo o respeito por opinião diversa, não pode, em atual estado dos autos, reformular a forma como configurou o pedido relativo à privação do uso da viatura.

Coisa diversa seria caso a autor tivesse formulado um pedido genérico (cfr. artigo 556.º do CPC) e agora, em face da própria desenvoltura dos autos, tivesse um conhecimento efetivo e real dos danos, todavia não é isso que resulta do pedido primitivo e do próprio desenvolvimento dos autos.

Em face do exposto, não admito a ampliação do pedido requerida pela autora».

Não se conformando com o assim decidido, veio a autora interpor o presente recurso, admitido como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes


CONCLUSÕES:

A) Manifesta-se a óbvia discordância da recorrente relativamente ao entendimento expresso na decisão recorrida em duas vertentes: falta de fundamentação legal e no despacho existem erros na apreciação e aplicação da matéria de direito;

B) Consagra o douto despacho a quo o seguinte: “In casu, verifica-se que a autora, até por referência à causa de pedir, já tinha perfeito conhecimento de que desde o sinistro até à presente data teria de proceder ao pagamento das prestações inerentes ao crédito automóvel, bem como ao IUC. De igual modo, no que tange ao parqueamento da viatura e à respetiva privação da viatura, iguais considerações terão de ser tecidas. É certo que a alegado data do sinistro retroage consideravelmente no tempo, contudo a autora, aquando da formulação do seu pedido, já tinha conhecimento dos danos que sofreu, pelo que a forma como configura este pedido, redunda num pedido novo, isto é, num acrescento ao que já esta peticionado. Por fim, no que tange à privação do uso da viatura, a autora encerra o seu pedido, configurando-o, como sendo um dano não patrimonial, atribuindo um valor certo a tal alegado dano. Desta feita, salvo o respeito por opinião diversa, não pode, em atual estado dos autos, reformular a forma como configurou o pedido relativo à privação do uso da viatura.”

“Coisa diversa seria caso a autor tivesse formulado um pedido genérico (cfr. artigo 556.º do CPC) e agora, em face da própria desenvoltura dos autos, tivesse um conhecimento efetivo e real dos danos, todavia não é isso que resulta do pedido primitivo e do próprio desenvolvimento dos autos.”

“III – Em face do exposto, não admito a ampliação do pedido requerida pela autora.”

C) Do requerimento da Petição Inicial, constam os seguintes pedidos:

“Termos em que, nos mais de Direito e com o nui douto suprimento de Vª Exª, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em decorrência, ser a Ré condenada a pagar à Autora:

a) A quantia de € 24.500,00, sendo o valor de cobertura por incêndio, com a dedução da franquia de 2% estipulada na Apólice nº ...78;

b) A quantia de € 24,60 (€ 20,00 + IVA) diários pelo facto do veículo estar parqueado nas instalações da empresa “B... Unipessoal Ldª”, desde o dia 30 de Outubro de 2019, estando, a 27-01-2020, em dívida € 2.164,80 por danos patrimoniais;

c) A quantia de € 1.750,00 por danos não patrimoniais resultantes da privação de uso do veículo com a matrícula ..-VJ-..;

d) A quantia de 1.650,00 por danos não patrimoniais resultantes do sofrimento psicológico da Autora;”

D) Durante a discussão dos presentes autos, e sempre em consequência do sinistro, a recorrente sofreu mais danos patrimoniais, daí ter requerido a ampliação do pedido.

E) A recorrente encontra-se a pagar um empréstimo bancário pela aquisição do seu veículo, à instituição financeira D..., sob o contrato de crédito nº ...84....

F) A recorrente somente consegue liquidar o empréstimo após receber o valor indemnizatório da recorrida.

G) O facto da recorrente não ter recebido a respetiva indemnização até à presente data, a recorrente tem vindo a pagar as prestações bancárias que desde 07 de Setembro de 2019 - data do sinistro - até 12-05-2024, foram pagas 55 prestações.

H) O facto da recorrida ter dado origem aos presentes autos, entende a recorrente que a mesma deve ressarcir a recorrente, nos juros das prestações do empréstimo suportados por esta.

I) Pelo que, à data da apresentação da requerida ampliação do pedido, ou seja, em 12-05-2024, a recorrente tinha suportado a quantia de € 11.283,25 a título de juros do aludido empréstimo.

J) Ainda, a recorrente tem vindo a pagar anualmente os respetivos impostos relacionados com o veículo, nomeadamente, pagou o Imposto Único de Circulação (IUC) referentes aos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023, no valor total de € 1.052,42.

K) Relativamente à requerida perícia, a recorrente teve de suportar as despesas com a logística para poder deslocar o veículo, num pronto de socorro, donde se encontrava até às instalações da concessionária C... de Aveiro, tendo já pago a quantia de € 61,50 por esse transporte.

L) Impetrante será dizer que, posteriormente, a recorrente terá de suportar a deslocação da C... de Aveiro para sua casa ou para um centro de abate.

M) A recorrente ainda hoje continua a ter um enorme prejuízo na privação do uso do seu veículo, em conformidade ao alegado nos artigos 37º e seguintes do requerimento da Petição Inicial.

N) À data da propositura da ação, a recorrente pediu € 1.750,00 pela privação do uso, contudo, e como resulta do próprio articulado da Petição inicial, o pedido é referente desde a data do sinistro até à data da propositura da ação.

O) O douto tribunal a quo não apreciou corretamente os factos alegados na Petição Inicial em consonância com os pedidos.

P) À data da propositura da ação e até mesmo na presente data é impossível a recorrente saber quando terminará os presentes autos, pelo que nunca poderá com precisão indicar o valor exato do seu prejuízo pela privação do uso.

Q) A impossibilidade da recorrente usar/utilizar o seu veículo que ora se discute nos presentes autos para o seu trabalho e para a sua vida privada, é suscetível de avaliação pecuniária, motivo pelo qual a sua privação traduz naturalmente um dano a avaliar pelo valor locatício do bem até trânsito em julgado.

R) A recorrente continua e continuará a não poder usar o seu veículo, até ao ser resolvido os presentes autos.

S) Pelo que, a recorrente tem o direito a ser indemnizada pelos benefícios que deixou de obter em virtude da privação do seu veículo para o seu dia-a-dia até ao trânsito em julgado dos presentes autos.

T) Se a Autora tivesse de alugar um veículo automóvel, tendo em conta o anunciado pelas empresas de aluguer de veículos automóveis, qualquer veículo com as características iguais ao veículo da Autora, sempre teria da Autora suportar uma quantia diária de aluguer não inferior a € 40,00, sem prejuízo do recurso à equidade por parte do Tribunal.

U) Consagra a jurisprudência que, aquele que suporta danos derivados do aluguer de um veículo é indemnizado, em obediência ao princípio da igualdade, também deverá ser indemnizado aquele que, por opção ou por ignorância dos seus direitos, não alugou um veículo e suportou todos os transtornos e aborrecimentos daí decorrentes.

V) Desde 07 de Setembro de 2019 até presente data, passaram mais 1.401 dias.

W) Neste sentido os benefícios que a recorrente deixou de obter em virtude da privação do seu veículo, computam-se na presente data no valor de € 56.040,00 (1.401 x € 40/dia).

X) O tribunal de primeira instância deveria ter pronunciado sobre a admissibilidade da ampliação do pedido após conhecer em sede de audiência, discussão e julgamento os factos e as consequências do sinistro, no sentido de saber quais os danos patrimoniais sofridos pela recorrente, os custos do parqueamento o tempo e custos pela privação do uso do veículo.

Y) Salvo melhor opinião e com o devido respeito, comos em crer que este despacho de indeferimento da ampliação do pedido é nulo, uma vez que no despacho existem erros na apreciação e aplicação da matéria de direito, e neste sentido há falta de fundamentação legal na decisão, impondo-se, por isso, uma solução inversa à decidida no despacho ora impugnado, competindo, assim, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura, devendo este douto tribunal a quo pronunciar-se sobre a admissibilidade da ampliação do pedido por sentença.

Z) Como estabelece o artigo 265º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”, acrescentando o n.º 2 do mesmo artigo que, “o autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.

AA) Debruçando-se sobre este normativo, pronunciaram-se Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, no sentido que, “a ampliação do pedido, isto é, a alteração que corresponda ao desenvolvimento ou seja consequência do pedido primitivo (…) pode ser requerida até ao encerramento da discussão na audiência final. Já a alteração do pedido ou outras formas de ampliação do pedido que extravasem os apertados limites do n.º 2 apenas serão viáveis mediante acordo das partes, nos termos do art. 264ª” (negrito nosso) – Vide Abrantes Geraldes, Paulo Pinto Albuquerque e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 300.

BB) Da interpretação do n.º 2, do artigo 265º, do Código de Processo Civil decorre, portanto, que a ampliação do pedido em caso de inexistência de acordo das partes está dependente da verificação de dois pressupostos: um de natureza temporal (até ao encerramento da discussão em 1ª instância) e um de índole material (a ampliação deve ser, sempre, uma decorrência do pedido inicial - i.e, nele estar contida) – Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22- 11-2018, Proc. 8301/17.2YIPRT-B.G1, Rel. Maria dos Anjos Melo Nogueira, disponível em www.dgsi.pt).

CC) Tendo sido inicialmente peticionado, nomeadamente, a condenação da recorrida no pagamento de 29.914,28 € pelos prejuízos sofridos em consequência do sinistro, a recorrente veio agora, ao abrigo do nº 2 do artigo 265º do Código de Processo Civil, requerer que, a esse valor, acresça o prejuízo respeitante aos impostos únicos de circulação e os juros que teve e tem de pagar que deixou e auferir desde a propositura da acção, até à data de audiência de julgamento. Atenta a ausência de acordo entre as partes para a alteração ou ampliação do pedido (artigo 264º do Código de Processo Civil), cumpre aferir se se encontram reunidos os pressupostos para a procedência da ampliação ao abrigo do n.º 2 do artigo 265º do Código de Processo Civil.

DD) Os pedidos primitivos e os agora formulados, é notório que, sem sombra de dúvida, a requerida ampliação representa um desenvolvimento do pedido inicial, em concreto no que concerne aos danos patrimoniais e não patrimoniais em virtude dos factos relatados no articulado inicial, ou seja em consequência do sinistro e em consequência da recusa da responsabilidade por parte da recorrida.

EE) A recorrente limita-se, unicamente, a atualizar os danos sofridos e o valor dos montantes já pedidos – na sua versão – em razão do sinistro retratado nos autos e pela recusa da responsabilidade por parte da recorrida, representando esta ampliação um acréscimo ao pedido inicial e com o qual mantém total conexão.

FF) A requerida ampliação representa um desenvolvimento ou consequência do pedido principal, pelo que, deveria ter o tribunal recorrido concluído que no presente caso estavam preenchidos os pressupostos do n.º 2, do artigo 265º, do Código de Processo Civil e neste sentido deve ser admitida.

GG) Assim o consagra o Acórdão de 15 Dezembro 2021 do Tribunal da Relação do Porto no âmbito do Processo nº 3675/20.0T8VNG.P1, que: II - A ampliação do pedido deve ser admitida, se requerida: (i) até ao encerramento da audiência de julgamento; (ii) se essa ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

HH) Consagra o recente Acórdão de 04-04-2024 do Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do Processo nº 7165/21.6T8LSB-A.L1-6: No âmbito do instituto processual da ampliação do pedido, e atento o preceituado no art. 265º nº 2 do CPC, a lei não define expressamente o que se entende por “desenvolvimento” ou por “consequência” do pedido primitivo, devendo entender-se que a ampliação do pedido será processualmente admissível, quando o novo pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido inicialmente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos.

II) A recorrente no seu requerimento da Petição Inicial expõe os factos e os prejuízos sofridos a título de danos patrimoniais e não patrimoniais e no final pede a reparação/indemnização por estes danos. Todavia, o tribunal a quo não apreciou corretamente os factos e os danos sofridos e que está a sofrer a recorrente.

JJ) Cabia e cabe ao juiz a quo analisar, apreciar corretamente os factos alegados na Petição Inicial em conformidade com os pedidos formulados para poder decidir se a ampliação do pedido era ou é um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.

KK) O tribunal a quo não apreciou corretamente o pedido primitivo no tocante à privação do uso, uma vez que, consta no requerimento da Petição Inicial como pedido o valor de € 1.750,00 e a requerida uma ampliação veio requerer o amento desse valor do pedido primitivo, tendo em conta o decurso do tempo sem a recorrente não poder usar o seu veículo.

LL) A recorrente veio pedir o ressarcimento do prejuízo “até à presente data” pela à privação do uso, requerendo que fosse ampliado o valor do pedido já formulado na Petição inicial.

MM) No requerimento da ampliação do pedido não há factos novos, alteração do pedido, nem pedido subsidiário.

NN) O Acórdão de 04-11-2021 do Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito do Processo nº 4261/19.3T8LRS.L1-6, consagra que:

I) A mera privação do uso de um bem determina a prova perfunctória ou de primeira aparência da verificação de um dano.

II) Para se eximir a indemnizar, cabe ao réu demonstrar que nenhum dano se verificou.

III) A convenção de obrigação da seguradora a substituir o veículo sinistrado, constitui fundamento contratual para indemnização pela privação do uso.

IV) Estando a Ré obrigada a entregar uma viatura de substituição ao Autor e é em relação à privação do uso dessa viatura de substituição que se deve ter por convencionada a cobertura de privação de uso de veículo cuja perda total foi declarada. (negrito nosso)

V) O valor máximo diário convencionado como garantido pela Seguradora em sede de veículo de substituição constitui indicação do valor a considerar como de privação do uso.

OO) A recorrida estava contratualmente obrigada a entregar um veículo de substituição à recorrida, o que, não o tendo feito, deve indemnizá-la do prejuízo pela privação do uso.

PP) O Acórdão de 17-06-2021 do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do Processo nº 879/17.7T8EVR.E1.S1, consagra que:

I. Para o reconhecimento de um direito de indemnização pelo dano de privação de uso de um veículo acidentado é suficiente a prova pelo lesado que utilizava habitualmente a viatura na sua vida diária, presumindo-se que, da respetiva privação, derivem danos efetivos.

II. Os prejuízos podem ser de ordem patrimonial (acréscimo de despesas) ou de ordem não patrimonial (incómodos, sacrifícios, etc.) e, não sendo os mesmos concretamente apurados na fase declarativa, deve a respetiva indemnização ser remetida para posterior liquidação, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Em último caso, funcionará um juízo de equidade.

QQ) Somente em julgamento poderia e poderá o tribunal a quo inteirar-se sobre se de facto a recorrente utilizava habitualmente a viatura na sua vida diária e se tal impossibilidade acarretou prejuízos, daí se reiterar que o despacho que ora se discute foi prematuro.

RR) O seu relatório pericial levou recorrida a declinar a responsabilidade, pelo que há lugar a indemnização pela privação do uso do veículo.

SS) Esta Privação do uso irá permanecer até ao trânsito em julgado dos presentes autos.

TT) Não estando em causa o exercício de um poder discricionário, a apreciação judicial do requerimento apresentado pela recorrente, em que a mesma formula a sua pretensão, invocando expressamente os vários normativos legais em que se sustenta, não podia este douto tribunal a quo limitar-se ao indeferimento com o argumento de “(…) não pode, em atual estado dos autos, reformular a forma como configurou o pedido relativo à privação do uso da viatura.”.

UU) No mínimo, impunha-se ao tribunal recorrido explicitar o motivo pelo qual a requerida ampliação violava os normativos legais invocados pela recorrente e neste sentido não tinham aplicação no caso concreto, tornando assim sindicável a decisão judicial proferida.

VV) Neste sentido, o despacho recorrido carece de fundamentação de facto e de direito, e em consequência, o despacho proferido é nulo, por manifesta violação do disposto no Art. 154.º n.º 1 e na al. b) do n.º 1 do Art. 615.º, “ex vi” Art. 613.º n.º 3, do C.P.C..

WW) Pelo supra exposto, neste despacho a quo existem erros na apreciação e aplicação da matéria de direito, impondo-se, por isso, a nulidade do mesmo, competindo agora, com o devido respeito, a este Tribunal ad quem usar dos seus poderes/deveres (funcionais) de censura e revogar este despacho e substituí-lo por outro que admita a requerida ampliação do pedido, por estar em conformidade com pedido com o pedido da Petição inicial, nos termos do artigo 265º do Código de Processo Civil, e em consequência:

a) deve a recorrida ressarcir a recorrente por todos os juros do empréstimo que a Autora teve e tem de suportar até ao transito em julgado, a título de danos patrimoniais, sendo certo que, à data computam-se no valor de € 11.283,25;

b) deve a recorrida ressarcir a recorrente por todos os IUC’s que a Autora suportou e tem de suportar até ao trânsito em julgado, a título de danos patrimoniais, sendo certo que, à data computa-se no valor de € 1.052,42;

c) deve a recorrida ressarcir a recorrente pelas despesas de logística de transporte do seu veículo que tem suportado e terá de suportar até ao trânsito em julgado, a título de danos patrimoniais, sendo certo que, à data computa-se no valor de € 61,50; e

d) deve a recorrida ressarcir a recorrente pelos benefícios que deixou de obter em virtude da privação do seu veículo, até ao trânsito em julgado, a título de danos patrimoniais, sendo certo que, à data computa-se no valor de € 56.040,00 (1.401 x € 40/dia).


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Não foram apresentadas contra-alegações.


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Após os vistos legais, cumpre decidir.


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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a questão essencial a decidir traduz-se em saber se é (ou não) processualmente admissível a ampliação do pedido nos termos por ela requeridos.


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III. FUNDAMENTOS DE FACTO

A materialidade a atender para efeito de apreciação do objeto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório.


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IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO

No ato decisório sob censura considerou-se que o requerimento que a autora apresentou em 12 de maio de 2024 consubstancia uma ampliação do pedido, indeferindo-se, contudo, a pretensão aí aduzida por se entender que, in casu, não se revela processualmente admissível a ampliação desse elemento objetivo da instância.

A apelante insurge-se contra tal despacho jurisdicional, advogando, fundamentalmente, que a requerida ampliação constitui mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, não assentando a mesma numa nova causa de pedir, posto que “os factos invocados na ampliação se traduzem em meros factos complementares duma causa de pedir complexa já alegada na petição inicial”.

Vejamos, antes de mais, em que se traduziu a pretensão de ampliação que foi deduzida pela demandante no aludido requerimento. Nele articula um conjunto de factos (rectius, afirmações de facto) alegadamente demonstrativos de que em consequência do ajuizado sinistro sofreu outros danos inicialmente não alegados.

Perante a descrita alegação e tendo em conta os contornos definidos para a questão decidenda, a sua resolução gira, portanto, em torno do regime da alteração do objeto da ação, ou seja, a alteração do pedido e/ou da causa de pedir.

Como é consabido, de acordo com o princípio do dispositivo (na vertente do princípio da controvérsia) enunciado no nº 1 do art. 5º, incumbe ao autor o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir que suporta a concreta pretensão de tutela jurisdicional que formula na ação.

A instância é, assim, inicialmente conformada pelo autor na petição (cfr. art. 552º, nº 1, als. a) e d)), nos seus elementos subjetivos (“quanto às pessoas”) e objetivos (pedido fundado numa causa de pedir).

Atentas as implicações neste domínio do princípio da estabilidade da instância plasmado no art. 260º, até ao momento da citação, o autor pode ainda alterar a conformação por si efetuada, mediante modificação dos sujeitos ou do objeto da ação, marcando tal ato processual o momento em que, por princípio, se fixam os elementos definidores da instância, que seguidamente somente serão alteráveis na medida em que a lei adjetiva o permita.

No que especialmente concerne à causa de pedir a sua modificação pode ser qualitativa ou quantitativa, sendo que no primeiro caso, o autor substitui a causa de pedir invocada por uma outra que é subsumível a uma diferente qualificação jurídica; já na modificação quantitativa, a parte amplia ou reduz a (mesma) causa de pedir inicialmente alegada.

Como emerge do regime consagrado nos arts. 264º e 265º, os pressupostos dessa modificação (qualitativa ou quantitativa) dependem da posição das partes perante a mesma.

Assim, se as partes acordam nessa modificação, a causa de pedir pode ser alterada ou ampliada em qualquer momento da tramitação da ação em 1ª ou em 2ª instância, exceto se dela resultar perturbação inconveniente para a instrução, discussão e julgamento da causa (art. 264º).

Mas se as partes não concordam quanto essa modificação, de acordo com o disposto no nº 1 do art. 265º, a causa de pedir somente pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor (devendo, nesse caso, a alteração ou ampliação[2] ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação).

Como assim, à luz do atual regime (e ao invés do que sucedia no direito pregresso, em que expressamente se previa a possibilidade da sua alteração ou ampliação desde que houvesse lugar à apresentação da réplica), a alteração/ampliação da causa de pedir somente pode ser admitida em função da confissão do réu aceita[3] pelo autor, isto é, tem necessariamente de se fundar na confissão do réu, parecendo-nos lógico afirmar que, na economia do preceito, esta confissão estará sempre relacionada com a concreta relação jurídica controvertida, dado que não fará sentido, numa determinada ação respeitante a certa relação jurídica, o réu confessar factos relativos a outra relação jurídica distinta e esta confissão ser aceite pelo autor.

De igual modo, o Código de Processo Civil de 2013 introduziu profundas modificações no regime de alteração do pedido, deixando, designadamente, de ser possível o mesmo ser alterado ou ampliado na réplica (contrariamente ao que sucedia na lei processual pretérita).

No entanto, manteve-se incólume a possibilidade de o pedido ser ampliado em qualquer altura até ao encerramento da discussão em 1ª instância (limite de tempo), contanto que essa ampliação seja desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo (limite de qualidade ou de nexo).

Como se viu, nas alegações recursivas, a apelante sustenta que a requerida ampliação do pedido consubstancia um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, ancorando-se em factos que, na sua perspetiva, são, tão-somente, complementares dos que já havia alegado no articulado com que deu início à presente instância.

Que dizer?

Começando pela causa de pedir, como a este propósito tem sido considerado pela doutrina, em termos gerais, este elemento objetivo da instância é composta pelo acervo de factos constitutivos da situação jurídica que a parte, através do pedido, quer fazer valer em juízo, isto é, pelos factos essenciais à procedência do pedido, sendo essenciais aqueles factos sem cuja verificação o pedido não pode ser julgado procedente.

No entanto, como sublinha MARIANA FRANÇA GOUVEIA – que afasta um conceito unitário de causa de pedir, defendendo serem quatro as noções de causa de pedir operativas no processo civil português -, na definição de causa de pedir para efeito de alteração desse elemento objetivo “deve atender-se a um conceito amplo”[4], nos termos do qual somente haverá alteração da causa petendi se os novos factos alegados não coincidirem com os factos (essenciais ou principais) constitutivos da pretensão material originariamente alegada. Registando-se essa coincidência não poderá, com propriedade, falar-se em alteração da causa de pedir, na medida em que os factos inicialmente constitutivos se mantêm como elemento de fundamentação do pedido.

Portanto, desde que se mantenha esse núcleo essencial não pode deixar de se entender que a causa de pedir não é alterada por uma alegação de factos que apenas complementem ou constituam desenvolvimento dos factos (essenciais) já anteriormente articulados.

Ora, no caso vertente, a realidade factual articulada pela autora no requerimento que apresentou em 12 de maio de 2024, na economia da respetiva alegação, destina-se a concretizar a totalidade dos danos que alegadamente sofreu em consequência do ajuizado sinistro. Neste contexto, as proposições factuais aí vertidas constituem um complemento ou concretização[5] da materialidade inicialmente alegada, na justa medida em que esse substrato factual se contém dentro da mesma causa de pedir complexa que constitui o ajuizado sinistro.

Resta, então, dilucidar se a aduzida ampliação do pedido pode ser caracterizada como desenvolvimento ou consequência do pedido inicial.

Embora a lei não defina expressamente o que se entende por “desenvolvimento” ou por “consequência” do pedido primitivo para efeitos do disposto no art. 265º, não andaremos longe se considerarmos que tais conceitos significam uma origem comum, a mesma causa de pedir.

Isso mesmo vem sendo sustentado na doutrina e na jurisprudência[6] que têm assentado que a ampliação do pedido será processualmente admissível, por constituir desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, quando esse (novo) pedido esteja virtualmente contido no âmbito do pedido primeiramente deduzido, por forma a que pudesse tê-lo sido também aquando da petição inicial, sem a dedução de novos factos[7]. Dito de outro modo, a ampliação do pedido constitui o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, quando o pedido formulado esteja virtualmente contido no pedido inicial e na causa de pedir da ação, isto é, que dentro da mesma causa de pedir o pedido primitivo se modifique para mais[8].

A esta luz, a impetrada ampliação (independentemente de saber se, sob um ponto de vista substantivo, a apelante tem, ou não, direito aos montantes que reclama no aludido requerimento) constitui consequência do que a autora já alegara na petição inicial, compreendendo-se virtualmente essa nova pretensão de tutela jurisdicional como consequência do evento súbito aí invocado como causa de pedir.

É facto que os danos cuja reparação é agora reclamada já poderiam ter sido peticionados logo na petição inicial.

No entanto, ao invés do que se defende no despacho recorrido, essa circunstância não constitui obstáculo à ampliação do pedido primitivo contanto que esta resulte da mesma causa de pedir[9], já que, conforme vem sendo enfatizado na jurisprudência, o que fundamentalmente releva neste domínio é o princípio da economia processual, no sentido do máximo aproveitamento do processo para a solução definitiva do concreto litígio que opõe as partes, desde que não se ponha em causa um mínimo de estabilidade na relação jurídica processual em que assenta o conflito e que motiva a concreta reclamação da tutela jurisdicional.

Representativo deste último posicionamento é o acórdão do STJ de 19.06.2019[10], onde adrede se escreve que “estando-se no âmbito de uma ação declarativa de indemnização por responsabilidade civil, cuja causa de pedir é complexa, temos de convir que não é qualquer alteração dos factos alegados que importa uma modificação da respetiva causa de pedir da ação, pois, ao ter-se alegado factos concretos no articulado inicial com vista a demonstrar os danos causados pelo ato lesivo, cuja indemnização se reclama, temos a causa de pedir como definida, não se alterando, de todo, se o demandante se limita, em momento posterior aos articulados, e até à audiência final, acrescentar novos danos, reconhecendo-se, claramente, estes novos factos, enquanto factos destinados apenas a concretizar os danos decorrentes do facto lesivo, como factos que complementam os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica deduzida, como factos que acrescentam outras dimensões do dano decorrente do ato que serve de fundamento à ação, sem que se possa afirmar, por isso, que a demanda passa a ter uma dissemelhante causa de pedir ou passa a estar sustentada em fundamento que antes não possuía.

Não tendo o autor, alegado novos factos fundamentais que sustentem uma alteração da causa de pedir que alicerce a modificação do pedido (limitando-se a acrescentar novos danos, sustentados em novos factos, enquanto factos destinados apenas a concretizar os danos decorrentes do facto lesivo, no âmbito desta ação de indemnização por responsabilidade civil, factos que complementam os factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica deduzida, factos que adicionam outras dimensões do dano decorrente do ato lesivo que serve de fundamento à ação), impõe que se reconheça, não fazer sentido, enquadrar a pedida ampliação do pedido, no regime adjetivo atinente aos articulados supervenientes, e muito menos, aplicar ao caso, os preceitos adjetivos civis que estatuem sobre os momentos em que o novo articulado deve ser oferecido.

Os factos complementares invocados ao não provocarem convolação para relação jurídica diversa da controvertida, mantendo a relação com o pedido formulado na petição inicial apresentada e com a originária causa petendi, encerrando a ampliação do pedido o desenvolvimento do pedido primitivo, pode, por isso, ser deduzidos até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, ao abrigo do estabelecido no n.º 2 do art. 265.º do CPC, não fazendo sentido, postergar esta prerrogativa, com a preclusão consignada no art. 588.º, n.º 3, do CPC, a aplicar tão só, quando está em causa a alegação de factos essenciais”.

Portanto, o que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir.

Sob esse enfoque pode, pois, concluir-se que, no caso sub judicio, a ampliação formulada pela autora se mostra adjetivamente legitimada, não só por não assentar na alegação de uma nova causa de pedir, como também por constituir um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, estando nele virtualmente contida.

Impõe-se, por isso, a procedência do presente recurso.


***

V. DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que admita a requerida ampliação do pedido, prosseguindo os autos também para apreciação da mesma.

Custas do recurso a cargo da apelada.

Porto, 13/1/2025.

Relator: Miguel Baldaia de Morais

1º Adjunto Des. José Nuno Duarte [com a seguinte declaração de voto: “Votei favoravelmente atendendo a que considero que a ampliação do pedido, na parte em que a A. surge a reclamar o pagamento dos juros do empréstimo contraído para a aquisição da viatura sinistrada e em que computa o valor dos danos da privação do uso da viatura em montante superior ao referido na petição inicial, constitui, efectivamente, um desenvolvimento do pedido primitivo (considerando-se, para tal, que a A., na p.i., já havia alegado que se encontrava a pagar mensalmente “o empréstimo automóvel contraído” e que havia sofrido danos pela “pela privação do uso do seu veículo”) e, na parte em que a A. reclama o pagamento do IUC referente aos anos de 2020, 2021, 2022 e 2023 e, ainda, das despesas que arcou com o reboque do veículo para Aveiro e que terá de suportar com a deslocação de regresso do mesmo, respeita os requisitos próprios do articulado superveniente (considerando-se que todos estes gastos ocorreram, segundo o alegado, em data posterior à da apresentação da petição inicial), o que, dentro de uma perspectiva centrada no princípio da economia processual, autoriza o aproveitamento do acto processual praticado”).]

2ª Adjunta Desª. Anabela Mendes Morais

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[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.
[2] Enquanto a ampliação pressupõe o aumento de algo já existente, já o termo alteração sugere a transformação do que existia inicialmente em algo distinto. Por isso, para os efeitos do art. 265º, alterar a causa de pedir significa descrever uma outra relação material, ao passo que na ampliação se acrescenta ao objecto da instância diferentes fundamentos de facto que também sustentam o pedido, sem que os originários sejam abandonados.
[3] Como referem LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE (in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Coimbra Editora, 3ª edição, pág. 513), “não se trata (…) rigorosamente, de aceitar a confissão, que é sempre uma declaração unilateral de quem a faz, mas de aceitar a modificação da causa de pedir resultante da introdução no processo dos novos factos que dela são objeto”.
[4] In A causa de pedir na ação declarativa, Almedina, 2004, págs. 308-311, escrevendo, mais adiante (pág. 508), “haverá alteração da causa de pedir apenas quando nenhum dos novos factos principais já tiver sido alegado. E, ao contrário, não haverá alteração quando pelo menos um desses factos principais seja comum aos alegados originariamente e aos alegados em sua alteração”.
[5] Conforme tem sido assinalado pela doutrina (cfr., por todos, LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, ob. citada, págs. 14 e seguintes, PAULO PIMENTA, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2015, págs. 18 e seguintes e MARIANA FRANÇA GOUVEIA, O Principio do Dispositivo e a Alegação de Factos em Processo Civil, in Revista da Ordem dos Advogados, 2013/II/III), são factos complementares os completadores de uma causa de pedir complexa, ou seja, uma causa de pedir aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros complementando aquele. Por seu turno, os factos concretizadores têm por função pormenorizar ou explicitar o quadro fáctico exposto, sendo essa pormenorização dos factos anteriormente alegados que se torna fundamental para a procedência da ação.
[6] Cfr., por todos, na doutrina, LEBRE DE FREITAS, in Introdução ao Processo Civil-Conceito e princípios gerais à luz do novo Código, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 29, ALBERTO DOS REIS, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra Editora, pág. 93 e CASTRO MENDES, in Direito Processual Civil, vol. II, AAFDL, 1987, pág. 347; na jurisprudência, acórdãos da Relação de Évora de 10.10.2019 (processo nº 38/18.1T8VRL-A.E1) e de 23.03.2017 (processo nº 108/16.0T8FAR-A.E1), acórdão da Relação de Lisboa de 12.03.2009 (processo nº 427/07.7TCSNT.L1-1) e acórdão da Relação de Guimarães de 6.02.2020 (processo nº 992/18.3T8GMR.G1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] Daí que, conforme refere LEBRE DE FREITAS (in Introdução ao Processo Civil, págs. 163-164), quando a ampliação importe a alegação de factos novos, essa ampliação somente pode ter lugar se esses factos forem supervenientes, devendo, nesse caso, o autor introduzi-los em juízo através de articulado superveniente, nos termos do art. 588º (onde se preveem momentos de preclusão específicos), e aí formular a ampliação do pedido.
[8] Como a este propósito escrevia ALBERTO DOS REIS (ob. citada, pág. 94), «para se distinguir nitidamente a espécie “cumulação” da espécie “ampliação” há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado ato ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso».
[9] Cfr., neste sentido e por todos, acórdão desta Relação de 10.07.2024 (processo nº 1139/19.4T8FLG-A.P1), acórdãos da Relação de Guimarães de 3.05.2011 (processo n.º 1150/08.0TBVCT-A.G1) e de 10.07.2023 (processo nº 3055/19.0T8BCL-A.G1), acórdão da Relação de Lisboa de 18.02.2020 (processo nº 37/19.6TNLSB-A.L1-7) e acórdão da Relação de Évora de 12.10.2023 (processo nº 1755/22.7T8STB-A.E1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[10] Prolatado no processo n.º 22392/16.0T8PRT.P1.S1 - 7.ª Secção – Relator: Oliveira Abreu, disponível em sumários do Supremo. Idêntico entendimento vem sendo sustentado na doutrina, podendo ver-se a título de exemplo, entre outros, RITA LOBO XAVIER et al., in Elementos de Direito Processual Civil – Teoria Geral, princípios e pressupostos, 2ª edição, pág. 160 e TEIXEIRA DE SOUSA no Blog do IPPC, acessível in https://blogippc.blogspot.com/2020/07/jurisprudencia-2020-35.html).