Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | SÍLVIA SARAIVA | ||
Descritores: | PLATAFORMA DIGITAL PROVA DE VÁRIAS CARATERÍSTICAS QUE PRESUMEM A EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO LABORAL / ARTIGO 12.º-A DO CT NÃO ILISÃO DA PRESUNÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP202506164392/23.5T8OAZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/16/2025 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - É aplicável a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º-A do Código do Trabalho, aditado pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril. II - No caso em apreço, resultaram apurados factos suficientes para caracterizar a subordinação jurídica da execução da atividade do estafeta ao serviço da plataforma digital, dado se ter provado a verificação de diversas características que presumem a existência de um contrato de trabalho, nos termos do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho. III - A subordinação nesta era digital deve ser encarada de forma mais flexível e adaptada a esta nova realidade tecnológica, distanciando-se do modelo fordista tradicional. IV - Para ilidir a presunção a que se refere o artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido. É necessário que se faça a prova de factos que levem à conclusão de que a relação contratual consubstancia um outro tipo contratual que não o contrato de trabalho, designadamente que consubstancia uma relação autónoma. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 4392/23.5T8OAZ. P1
Origem: Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Oliveira de Azeméis (secção social) Relatora: Juíza Desembargadora Sílvia Gil Saraiva Adjuntos: Juíza Desembargadora Teresa Sá Lopes Juiz Desembargador Nelson Nunes Fernandes * Recorrente: A... Unipessoal, Lda. Recorrido: Ministério Público * Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam os Juízes subscritores deste acórdão da quarta secção, social, do Tribunal da Relação do Porto:
I- RELATÓRIO:
O Ministério Público (Autor) intentou uma ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra a sociedade “A... Unipessoal, Lda.” (Ré), requerendo a declaração da existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a Ré e AA, com início a 16 de maio de 2023. Para o efeito, o Autor alegou, em síntese, que o referido prestador/estafeta AA, desenvolve a sua atividade para a Ré através de uma plataforma digital, em termos e condições qualificáveis como contrato de trabalho subordinado. Esta presunção, aliás, opera nos termos do artigo 12.º-A, do Código do Trabalho, dada a verificação de várias das caraterísticas nele previstas. Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação. Em síntese, sustentou que a relação entre a Ré e o estafeta não possui natureza laboral, pugnou pelo reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, impugnou o valor da causa e solicitou a apensação de processos. O Autor respondeu às exceções e questões prévias suscitadas pela Ré, pugnando pela sua improcedência. Resolvida a questão da competência territorial, o interveniente/interessado AA foi notificado nos termos do n.º 4 do artigo 186.°- L do Código de Processo do Trabalho. Contudo, este não apresentou articulado autónomo, nem aderiu aos factos alegados na petição inicial. Em despacho saneador, foram indeferidas a suspensão da instância e a solicitada apensação de ações. Foram igualmente julgadas improcedentes as exceções de manifesta insuficiência da causa de pedir por falta de concretização factual no auto e na petição inicial, bem como a falta de causa de pedir por manifesta ausência de factos suscetíveis de a integrar. A audiência final realizou-se, tendo sido proferida sentença a 13 de dezembro de 2024. A sentença concluiu com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julgo procedente a ação e, em consequência, declaro a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e o trabalhador AA, por tempo indeterminado, fixando-se a data do seu início em julho de 2023. Mais, determino que, após trânsito em julgado, a comunicação da decisão nos termos do disposto no artigo 186.º-O, nomeadamente ao Instituto da Segurança Social, I.P. com vista à regularização das contribuições. Custas pela ré.» (Fim da transcrição) O valor da causa foi fixado em € 2.000,00. Desta sentença interpôs a Ré/Recorrente recurso de apelação visando a sua revogação. Termina as suas alegações com as seguintes conclusões: ……………………………… ……………………………… ……………………………… O Recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do decidido. * O Meritíssimo Juiz a quo admitiu o recurso interposto como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (não foi prestada caução pela Recorrente). * O Exmo. Procurador-Geral Adjunto ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, não emitiu parecer. * Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir. * II - Questões a decidir: O objeto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente [artigos 635.º, n.º3 e 4, e 639.º, n.ºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo do Trabalho], por ordem lógica e sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso e da indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil. As questões a decidir no presente recurso são as seguintes: A – Impugnação da matéria de facto. B - Qualificação jurídica da relação contratual, face à errónea aplicação do direito. C – Nulidade parcial da sentença – nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil. D - Inconstitucionalidade do artigo 12.º-A, do Código do Trabalho, por violação do princípio da igualdade e por restringir, de forma indireta, o exercício da liberdade de iniciativa económica privada enquanto liberdade de gerir a empresa sem interferências externas das plataformas digitais (artigos 13.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa). * III- FUNDAMENTOS DE FACTO: Matéria de facto dada como provada em primeira instância[1] 1. A Ré dedica-se a atividades relacionadas com as tecnologias de informação e informática (CAE ...) e comércio a retalho por correspondência ou via internet (...), sendo a sua sede na Rua ..., em Lisboa. 2. No âmbito da sua atividade, a Ré disponibiliza serviços à distância através de meios eletrónicos, nomeadamente através do sítio da internet e da aplicação informática (app) pertencente à Plataforma A...App a pedido de utilizadores. 3. Os clientes da Ré, quer os clientes finais/consumidores, quer os estabelecimentos aderentes/parceiros, são da plataforma e é esta que contacta com o mercado e disponibiliza toda a rede de suporte para o desenvolvimento da atividade. 4. A prestação dos serviços envolve, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado pelos prestadores de atividade, neste caso AA, a troco de pagamento, sob termos e condições de um modelo de negócio e sob a marca “A...”. 5. Os resultados da plataforma não pertenciam ao prestador, mas sim à plataforma que recebe os valores dos clientes. 6. O prestador de atividade não possuía uma organização empresarial própria. 7. O prestador de atividade prestava a sua atividade a clientes que solicitavam entrega de produtos à ré, sendo a plataforma que estabelece todos os aspetos relativos à recolha e entrega dos produtos e ao respetivo preço. 8. As condições contratuais ao abrigo das quais o prestador de atividade prestava os seus serviços eram ditadas pela plataforma e aceites pelo prestador de atividade. 9. O prestador de atividade não podia realizar a sua tarefa se estivesse desligado da plataforma. 10. O serviço de entrega é concebido e organizado pela plataforma de forma a providenciar um serviço estandardizado aos clientes. 11. A prestação de atividade de AA era efetuada numa localização determinada traduzida na zona da cidade de São João da Madeira, que abrangia áreas de Oliveira de Azeméis e, em cada serviço, entre o ponto de recolha (restaurante ou comerciante) e o ponto de entrega (cliente) que lhe eram indicados pela ré. 12. No dia 15.09.2023, pelas 13h, conforme verificado por inspetor da Autoridade para as Condições do Trabalho, AA encontrava-se no centro comercial/shopping 8.ª Avenida localizado na Avenida ..., ..., em São João da Madeira, a prestar a sua atividade de estafeta. 13. O prestador de atividade registou-se na aplicação da ré e acordou com a Ré, ao aceitar os seus termos e condições, que, através da aplicação acima referida, iria prestar atividade como estafeta seguindo os termos que a mesma lhe indicasse; 14. Incumbia-lhe distribuir e entregar produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da “A...”, encontrando-se naquele momento a executar um pedido de entrega com recolha no restaurante B.... 15. A ré, através da sua plataforma digital, fixava o preço de cada entrega a efetuar, podendo o prestador de atividade apenas recusar a proposta caso não aceitasse esse preço; 16. Quando um cliente formulava um pedido na aplicação da plataforma digital e este, de acordo com os critérios definidos no algoritmo da ré, era direcionado para o estafeta que acedia ao pedido, a plataforma facultava o acesso aos seguintes conteúdos: a) pedido formulado pelo cliente; b) valor a pagar (ou já pago) pelo cliente correspondente ao pedido; c) endereço de entrega; d) distância a percorrer pelo estafeta até ao local de entrega e; e) valor pecuniário associado à entrega a desenvolver. 17. O valor a pagar ao estafeta, designado por “total ganho”, no momento da inspeção compreendia: uma componente fixa designada por “tarifa base”, neste caso, no valor de €1,40 e uma componente variável resultante da conjugação das seguintes rubricas: €0,25 por cada km percorrido pelo estafeta desde o local onde o estafeta se encontrava até ao endereço de entrega do pedido (os quilómetros percorridos são os definidos na rota dada pelo “google maps”); uma percentagem variável em função da hora do pedido/entrega, época do ano ou condições climatéricas ou promoções, designadas por “compensação por hora de ponta”; uma componente variável dependente do tempo de espera no ponto de recolha para além de um certo período de tempo, com o valor por minuto de, pelo menos, 0,05€; e uma componente variável designada por “multiplicador” cujo valor é definido pelo próprio e, o altera, entre os quocientes 0,90 a 1,10 – limites mínimo e máximo pré-definidos pela plataforma, podendo ser alterado apenas uma vez por dia pelo prestador da atividade. 18. A escolha do estafeta é feita em função de determinados critérios definidos pela plataforma. 19. O prestador da atividade só tinha acesso ao valor a receber pela tarefa/entrega com a proposta, não negociando qualquer valor, limitando-se a aceitar as condições da plataforma. 20. A plataforma pagava a retribuição diretamente ao prestador de atividade e processava os pagamentos a efetuar. 21. É a plataforma quem negoceia os preços e condições com os titulares dos estabelecimentos. 22. O cliente final pagava à plataforma e não ao prestador de atividade, com a especificidade dos pagamentos em dinheiro em que o preço é entregue ao prestador de atividade em nome da plataforma. 23. A fatura era emitida pelo restaurante ao cliente final e nunca ao prestador de atividade; 24. O pagamento da plataforma ao estafeta era quinzenal e efetuava-se por transferência bancária. 25. A plataforma permitia que o cliente pagasse em dinheiro ao estafeta, ficando este com “dinheiro nas mãos” (saldo em mãos). 26. Nesse caso, o valor em numerário entregue pelos clientes ao prestador de atividade era compensado no pagamento quinzenal efetuado pela plataforma, mas quando o mesmo excedesse um determinado limite pré-definido pela plataforma, deveria ser depositado à ordem da mesma em prazo determinado. 27. No pagamento feito ao prestador de atividade, a plataforma compensava o valor do IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado) suportado pelo estafeta findo o seu primeiro ano de isenção, o que significa que esse valor era suportado pela plataforma após comunicação desse facto pelo estafeta. 28. A plataforma exige ao prestador de atividade que utilize uma mochila isotérmica, não podendo escolher outro tipo ou meio de conservação ou transporte de alimentos. 29. O prestador de atividade visualizou vídeos em que lhe era explicado como utilizar a plataforma e fazer as entregas; 30. Para que o estafeta possa receber pedidos efetuados por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e consequentemente prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio do prestador de atividade na plataforma da “A...”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A...: https://delivery.A...app.com/pt/ 31. Para tanto, o prestador de atividade esteve obrigado a enviar os seus documentos de identificação à plataforma, em concreto, carta de condução, declaração de início de atividade como trabalhador independente, com o código ... (outros prestadores de serviços), passaporte, registo e seguro do veículo de duas rodas. 32. No decurso do processo de inscrição, foi disponibilizado ao prestador de serviço uma sessão de informação/formação online prévia, na plataforma, com a duração de cerca de trinta minutos. 33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, pelo menos, concelho de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira), não podendo ir para outra zona. 34. No decurso da criação de conta o prestador de atividade, como passo obrigatório para o completar, identificou qual o tipo de veículo a utilizar no exercício das suas funções, com a obrigação de comunicar qualquer mudança do tipo de veículo utilizado. 35. Para o desempenho da atividade o prestador de serviço, através da plataforma da ré, fica dependente da utilização da aplicação digital “app A...”, que descarregou e instalou no seu telemóvel. 36. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela seguradora C..., devendo, em caso de sinistro, reportar tal facto na plataforma da A..., na área dos sinistros. 37. O estafeta está abrangido por seguro de responsabilidade civil contratado e disponibilizado pela plataforma, titulado pela D... com a apólice n.º ..., sendo tomador do seguro a A... e estando o estafeta coberto durante o período de tempo que selecionou para prestar o serviço à plataforma e a sua disponibilidade, que coincide com o momento em que entra na plataforma para registar que vai iniciar o serviço e termina uma hora após o fim dessa faixa horária, sendo ambos os momentos registados e cabendo à plataforma a rastreabilidade e o registo da rota do serviço efetuado pelo estafeta. 38. Na formação referida, o prestador é informado que tem acesso ao seguro Qover caso esteja a utilizar a plataforma – está coberto enquanto estiver online até uma hora após ficar offline. 39. O custo destes seguros é coberto pela taxa quinzenal de 1,85€ pago pelo prestador de atividade. 40. A A... exigia que o prestador de atividade identificasse o seu rosto na aplicação com uma periodicidade variável para reconhecimento facial/controlo biométrico, para tanto o prestador de atividade tinha de tirar uma foto (selfie) e enviar para ser comparada com a constante da base de dados da A.... 41. Este pedido de identificação era aleatório. 42. Os clientes a quem o estafeta fazia as entregas são da plataforma e é esta que contacta com o mercado, contrata com os clientes finais e com os estabelecimentos aderentes. 43. O estafeta, neste caso, AA, não celebrou qualquer contrato comercial com os estabelecimentos aderentes da plataforma nem com os clientes finais. 44. Durante os períodos em que estava disponível na aplicação e durante o desenvolvimento das entregas pelo estafeta, o prestador de atividade mantinha a permissão de acesso ao GPS ativa, com recurso ao sistema de geolocalização, utilizando para o efeito o seu telemóvel pessoal. 45. Para que lhe fosse atribuído serviço, o estafeta, através do seu telemóvel pessoal tinha de ter o sistema de GPS ligado, caso tivesse o sistema de GPS desligado recebia uma informação de alerta e não conseguia receber propostas. 46. Ao iniciar a sessão com os dados móveis e a localização ligados, no seu telemóvel pessoal, a plataforma passava a saber a sua localização. 47. Após a aceitação do pedido, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização devido à geolocalização existente na App, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o cliente final; 48. A rota a percorrer no percurso da entrega é definida pelo “Google maps”, sendo a distância percorrida, critério para definição da componente variável da retribuição do estafeta, podendo o estafeta desviar-se dessa rota. 49. O estafeta quando chegava ao ponto de recolha devia ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro ficasse a saber que este está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido. 50. Pelo menos até fevereiro de 2024, existiam avaliações facultativas dos clientes que incidiam sobre a atividade do estafeta e, até pelo menos, maio de 2023, a plataforma atribuía uma notação numérica, até 5, a cada estafeta. 51. A plataforma informava o estafeta se o sistema de geolocalização estivesse desligado no telemóvel pessoal com a mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização». 52. Se o telemóvel pessoal do estafeta estivesse com a bateria a 20%, pelo menos, tinha menos possibilidade de receber pedidos. 53. A Ré, através da plataforma, determina que o prestador tem de ativar o “permitir sempre a localização”. 54. Através de gestão algorítmica, entre outros critérios, a plataforma distribui o serviço ao estafeta que estiver mais perto do ponto de recolha. 55. A partir de maio de 2023, os estafetas passaram a poder ligar-se e desligar-se da plataforma de acordo com a sua escolha, desde que dentro do horário de funcionamento da plataforma, que na zona de São João da Madeira ocorre entre as 10h e as 23h. 56. Para o efeito, o estafeta acede à plataforma, através do seu telemóvel pessoal, informando que se encontrava em disponibilidade e liga o sistema de geolocalização para receber os serviços. 57. O prestador de atividade em causa nos autos ficava disponível para trabalhar como estafeta no período de almoço, entre as 11h30 e as 14h30, praticamente todos os dias, fazendo folga às terças e quartas feiras, o que fez desde julho a meados de novembro de 2023 e, a partir dessa data, colocou-se disponível para trabalhar como estafeta ocasionalmente até março de 2024. 58. Atualmente, a plataforma suspende temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos, quando não faz o reconhecimento facial positivo após um número não determinado de solicitações ou quando o estafeta não deposita o saldo em caixa determinado pela plataforma no prazo de 24 horas. 59. Os estafetas beneficiam de um clube de descontos designado A.... 60. A Ré tem uma plataforma que se serve de um programa informático que atribui os pedidos em função de diversos critérios por si definidos, não podendo o prestador de atividade exercer atividade através da ré sem utilizar esta aplicação ou o sítio da ré na internet. 61. A plataforma faculta aos restaurantes aderentes os instrumentos informáticos (tablets) que lhe permitem desenvolver o trabalho, sendo a plataforma responsável pela manutenção desse equipamento. 62. A mochila térmica tem de ter as características indicadas pela ré. 63. O referido AA, no dia, hora e local acima referidos encontrava-se sujeito ao regime e regras acima indicadas na sua atividade como estafeta. 64. Em dia não determinado de julho de 2023, a Ré aceitou o registo e início do serviço de AA, após inscrição do mesmo na referida app, para exercer as funções de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga com periodicidade quinzenal nos termos já referidos. 65. Desde então e até à presente data, o referido AA vem exercendo as funções de estafeta efetuando distribuição e entrega de produtos alimentares adquiridos por terceiros por meio da plataforma eletrónica da A..., o que fez desde julho de 2023 até 18 de novembro de 2023, apresentando-se aos comerciantes e clientes como estafeta da ré, quase todos os dias, fazendo folgas à terça e quarta feira todas as semanas, no horário de almoço, no período aproximado compreendido entre as 11 horas e 30 minutos e as 14 horas e 30 minutos, cerca de três horas por dia, prestando a sua atividade nas áreas dos concelhos de São João da Madeira e Oliveira de Azeméis. 66. Após 19 de novembro de 2023, o referido prestador de atividade passou a disponibilizar-se para fazer serviços na plataforma da ré, apenas ocasionalmente, tendo interrompido os acessos entre aquele dia e 16 de dezembro de 2023 e, após, entre 24 de dezembro de 2023 e 18 de março de 2024, tendo feito o último serviço em 21 de março de 2024. 67. Para o efeito, o prestador de atividade utiliza a aplicação informática da ré que descarregou e instalou no seu telemóvel. 68. A Ré junta, através da sua aplicação, três tipos de pessoas/entidades que denomina de utilizadores de serviços da plataforma: − Os estabelecimentos comerciais, sejam restaurantes ou outros estabelecimentos aderentes; − Os denominados utilizadores prestadores de serviços, normalmente designados por estafetas; e − Os utilizadores clientes. 69. Para os restaurantes ou estabelecimentos comerciais, a utilização dos serviços tecnológicos da Ré traduz-se no acesso à visibilidade e promoção da lista de estabelecimentos presente na aplicação, permitindo-lhes conectarem-se, via aplicação, com os utilizadores finais e obter um serviço de entrega executado através dos utilizadores prestadores dos serviços. 70. Para os denominados utilizadores prestadores de serviços, o acesso à plataforma da Ré significa a possibilidade de executarem serviços de entrega, podendo conectar-se ou desconectar-se em qualquer altura de acordo com a possibilidade de escolherem os pedidos que pretendem realizar – e podendo conectar-se a outras plataformas –, obtendo rendimentos. 71. Para o utilizador cliente, o acesso à plataforma significa a possibilidade de ter acesso aos produtos vendidos pelos estabelecimentos e, se solicitado, aos serviços de entrega executados, em curto prazo, pelos denominados utilizadores prestadores de serviços. 72. A ré deduz na fatura quinzenal do prestador de atividade uma taxa que denomina de “taxa de plataforma” no valor de € 1,85. 73. Por vezes os utilizadores finais, via plataforma, solicitam aos denominados utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem efetuar qualquer aquisição junto dos estabelecimentos comerciais utilizadores da plataforma; 74. A Ré não impõe aos prestadores de serviço a aquisição obrigatória de mochila com a sua marca, nem proíbe que os mesmos prestadores realizem o serviço através da utilização de marcas dos seus concorrentes. 75. É possível executar a entrega sem a geolocalização ativada, emitindo a aplicação um aviso com a seguinte mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização»; e tendo o estafeta de recorrer a outros meios, diferentes dos normalmente usados para assinalar a chegada ao estabelecimento e a conclusão da entrega para poder receber o seu pagamento e obter novos pedidos. 76. Após maio de 2023, os clientes finais eram convidados a dar um feedback que, em princípio, não influenciava a oferta de novos pedidos. 77. Após este momento, a Ré consolidava a informação obtida dos clientes e tornava-a visível para o prestador da atividade. 78. Após maio de 2023, o prestador da atividade, dentro do horário de funcionamento entre as 10h e as 23h, pode ligar ou desligar em qualquer momento, não tendo que cumprir qualquer horário predefinido nem tendo de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade. 79. Após maio de 2023, estando ligado, o prestador da atividade pode aceitar ou recusar os pedidos, sem penalização; 80. A Ré permite a subcontratação da conta do prestador de atividade nos termos referidos de seguida. 81. O veículo e o telemóvel utilizados são do prestador da atividade. 82. O prestador da atividade suporta os custos da manutenção e reparação dos equipamentos utilizados no âmbito da sua atividade, suportando todos os custos relacionados com a sua atividade. 83. O prestador da atividade não utiliza um uniforme identificativo da Ré, podendo, como qualquer outra pessoa, comprar merchandising da Ré na sua loja on-line. 84. O prestador de atividade pode alterar o percurso e as rotas; 85. O prestador de atividade escolheu com que viatura executa as tarefas de entrega; 86. Mesmo depois de iniciada a prestação, enquanto não recolher a encomenda, o prestador de atividade pode optar por desistir da mesma livremente; 87. O prestador de atividade recebe instruções, via plataforma, para se deslocar ao estabelecimento, para assinalar a chegada ao estabelecimento, carregando no botão “cheguei”, para se deslocar ao local de entrega e para assinalar a conclusão da entrega; 88. O valor da faturação é variável, em função das características de cada serviço e do número de serviços aceites pelo prestador de atividade; 89. Os termos e condições permite ao prestador de atividade exercer outras atividades, incluindo atividades de entrega para outras plataformas semelhantes ou diretamente para estabelecimentos e subcontratar a sua conta nos termos a seguir indicados. 90. O prestador de atividade AA nunca fez serviços de entregas para outras plataformas ou diretamente para restaurantes/comerciantes, trabalhando a tempo inteiro, por turnos, numa fábrica e tendo deixado de fazer serviços através da plataforma da ré quando mudou de emprego e passou a ter um horário entre as 9 horas e as 17 horas. 91. No ano de 2023, o prestador de atividade AA auferiu a quantia de 15.396,89€, enquanto trabalhador por conta de outrem e o montante de 2,129,46€, na qualidade Trabalhador Independente . 92. Em maio de 2023, a ré introduziu alterações nos termos contratuais e no funcionamento da sua aplicação, através da qual os estafetas operam, abrangendo designadamente os seguintes aspetos: 1)- eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente definidos pela plataforma; 2)- eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horário; 3)-eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa e, eventualmente, do seguinte com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas; 4)- introdução de um multiplicador entre 0,9 e 1,1 a aplicar à retribuição da entrega, escolhida uma vez por dia pelo estafeta que, em outubro/novembro de 2023 passou para o intervalo entre 1 e 1.1. 93. Dos termos e condições relativos aos utilizadores estafetas consta, para além de tudo o mais, o seguinte: «(…) As Partes podem cessar os Serviços pelas seguintes razões: 1. Por vontade própria, em qualquer altura sem aviso prévio, salvo se acordado de outro modo por escrito. 2. Por violação de qualquer uma das obrigações previstas nos presentes Termos e Condições. 3. Em caso de impossibilidade de cumprir qualquer disposição dos presentes Termos e Condições. 4. O não cumprimento das Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros da A... e/ou de qualquer outra Política da A... aplicável a todos os Utilizadores da Plataforma. 5. Por violação da legislação local por parte do Estafeta que possa constituir uma violação do princípio de boa-fé entre as Partes. 6. Quaisquer outras circunstâncias resultantes em danos fiscais, de segurança social, financeiros, comerciais, organizacionais ou de reputação para a outra Parte ou um Terceiro, independentemente do montante ou dimensão do dano causado. 7. A utilização da Plataforma A... para fins abusivos ou fraudulentos suscetíveis de causar danos materiais e/ou imateriais a qualquer um dos Utilizadores da plataforma. 8. Em situações de força maior, de acordo com a cláusula 8.5 destes Termos e Condições. (…) 1. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da A.... 2. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da A.... 3. Participar em atos ou conduta violentos. (…) Caso não cumpra qualquer um dos presentes Termos e Condições, a A... pode desativar a sua Conta, sem prejuízo de qualquer ação legal/ação que possa resultar de crimes, violações ou danos civis que possam ter sido causados. (…) 5.4 Segurança dos Serviços e da Plataforma da A... 5.4.1 Em certos casos, por uma questão de prevenção de fraudes, poderá ter de apresentar prova da sua identidade e/ou, se aplicável nos termos da legislação local, dos seus substitutos ou subcontratantes para aceder ou utilizar os Serviços e aceita que lhe pode ser negado acesso aos Serviços e à utilização dos mesmos se você ou os seus substitutos ou subcontratantes recusarem fornecer essa prova de identidade. A A... pode também recorrer a terceiros fornecedores de serviços para efeitos de verificar a sua identidade ou a dos seus substitutos ou subcontratantes. 5.4.2 A A... pode, mas não é obrigada, monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A A... reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições. 5.4.3 A A... pode adotar essa ação sem aviso prévio feito a si ou a um terceiro. A eliminação ou desativação do acesso à sua Conta de Utilizador será a critério exclusivo da A... e não há qualquer obrigação de eliminar ou desativar o acesso em relação a Estafetas específicos. (…) 5.7 Sistema de Reputação O Estafeta terá uma Reputação associada ao seu perfil fácil de usar e consultar. Este sistema é automático e é atualizado periodicamente à medida que os diferentes Utilizadores realizam transações na Plataforma A... e está sujeito às regras aí contidas e sobre as quais os Utilizadores são informados no presente documento e/ou na APP e/ou através dos canais de comunicação apropriados, para que o conheçam exaustivamente e o considerem útil. O sistema baseia-se em dados objetivos, informação numérica e métricas fornecidas pelos Utilizadores da Plataforma e os clientes do Estafeta: Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais. A A... não manipula ou intervém no processo de formação da Reputação, mas apenas consolida informação objetiva obtida dos Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais, beneficiários dos serviços do Estafeta. A A... não verifica a veracidade ou precisão dos comentários feitos por outros Utilizadores e não é responsável pelo que é expresso no sítio Web ou por outros meios, nomeadamente e-mail. Todas as informações fornecidas pelos Utilizadores serão incluídas no sítio Web sob a exclusiva responsabilidade do seu autor. (…) A geolocalização é uma informação importante e básica para a prestação do Serviço, porquanto serve apenas para informar o Estabelecimento Comercial ou o Utilizador Cliente da localização do Estafeta e, portanto, calcular o tempo de recolha ou entrega, mas que é também usada pela A... para a oferta de pedidos. A proximidade do ponto de recolha é um dos critérios utilizados no momento da oferta do pedido, pelo que, se não estiver ativada, a A... não poderá garantir que são oferecidos pedidos, ou que são razoáveis em termos do tempo previsto de recolha ou entrega. Neste sentido, e sem prejuízo do sistema operativo do dispositivo do Estafeta que pede consentimento para o uso da geolocalização, a utilização desta informação é necessária para correta execução dos Termos e Condições. Em todo o caso, o Estafeta pode desativar a geolocalização quando não está a usar a Plataforma, embora a A... não use esta informação fora do âmbito da oferta de pedidos ou fora das horas em que o Estafeta está a usar a Plataforma. De igual modo, é expressamente indicado que o Estafeta tem total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos para a oferta e concretização dos seus serviços e em nenhum caso a A... utilizará esses dados para fins de controlo do Estafeta. Neste sentido, a geolocalização é meramente temporária e não de modo algum exaustiva. A informação de geolocalização pode também ser usado para efeitos de faturação (a fim de obter informações relativas à quilometragem e despesas atribuíveis), bem como em relação à segurança rodoviária, antiterrorismo, branqueamento de capitais ou prevenção de crimes contra a segurança pública, caso no qual pode ser partilhada com as autoridades competentes que a solicitem (por exemplo, Forças do Estado, órgãos do poder executivo ou da polícia). Em qualquer caso, uma vez que a A... apenas trata esta informação durante o tempo em que o Estafeta está a prestar serviços aos Utilizadores da Plataforma e em conformidade com as faixas horárias que escolheu, a informação comunicada a essas autoridades não terá impacto na esfera privada do Estafeta. (…) O utilizador da conta (doravante, o "Utilizador") não pode ceder ou subcontratar, total ou parcialmente, os direitos e obrigações decorrentes do uso da Plataforma sem comunicação prévia por escrito à A.... Para o efeito, o Utilizador informará a A... por escrito, e antes da celebração de qualquer acordo de subcontratação, da sua intenção de subcontratar a sua conta, a identidade da pessoa com quem irá subcontratar, juntamente com a sua autorização de prestação de serviços e fotografia, para que a A... tenha prova do subcontrato sem que tal notificação implique qualquer assunção de responsabilidade por parte da A..., O Utilizador assegura a idoneidade do subcontratado e a garantia do resultado dos serviços por ele prestados a terceiros. A fim de proteger a integridade do uso da plataforma, a A... reserva o direito de rejeitar a possível subcontratação de utilizadores que tenham sido previamente desativados na plataforma por motivos técnicos ou relacionados a fraudes. Em qualquer caso, o Utilizador deve estar registado nos Registos correspondentes e estar autorizado a prestar os serviços ou atividades sujeitas à subcontratação. 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Através da possibilidade de subcontratação, o Utilizador nomeia substitutos que poderão realizar a prestação de serviços em seu nome, podendo a conta ser utilizada por apenas uma pessoa de cada vez e ao mesmo tempo. O Utilizador será responsável pelas violações dos Termos e Condições da plataforma por parte da(s) pessoa(s) subcontratada(s), bem como pela correta utilização da plataforma. Os atos, erros ou violações dos Termos e Condições da plataforma por parte de qualquer subcontratado não serão atribuíveis, em caso algum, à A..., que poderá redirecionar a responsabilidade ao Utilizador caso alguma violação por parte do Utilizador ou subcontratado lhe for imputada. O Utilizador será responsável pelas obrigações dos subcontratados, mesmo no caso de notificação à A.... Da mesma forma, o Utilizador isentará a A... de quaisquer danos que a A... possa sofrer direta ou indiretamente devido às ações dos referidos subcontratados. Os valores provenientes da prestação dos serviços executados pelos serão transferidos para o Utilizador, assumindo este a responsabilidade de gerir o pagamento dos referidos valores junto da(s) pessoa(s) subcontratada(s). Desde que os requisitos acima sejam cumpridos, a pessoa subcontratada terá o mesmo acesso à cobertura de seguro de acidentes pessoais e responsabilidade civil que o titular da conta durante o tempo em que utilizar a plataforma. Estes seguros não excluem nem substituem os seguros obrigatórios pelo Utilizador ou pelo(s) seu(s) subcontratante(s) de acordo com a legislação aplicável. O Utilizador será o único responsável pelo pagamento da taxa de utilização da plataforma da conta. (…)». * Matéria de facto dada como não provada em primeira instância: 1. A prestação de atividade do prestador de atividade em causa nestes autos era efetuada online e numa localização determinada onde tinha de ficar a aguardar pedidos. 2. Através de uma gestão algorítmica, a plataforma atribui mais trabalho aos estafetas que mais tempo estão “ligados” à plataforma e que mais aceitam pedidos e menos aos que se “desligam” da plataforma e mais rejeitam os pedidos. 3. Se o prestador de atividade ficar doente, tem como instruções de trabalho, requerer baixa médica pelo SNS e deve submeter na plataforma o documento em referência. 4. A ré através da aplicação aplicava sanções ao trabalhador, sancionando-o por uma pluralidade de condutas diferentes, como por exemplo: atrasos, ausências, más avaliações, períodos de indisponibilidade. 5. A ré determina as características do telemóvel pessoal e do meio de transporte. 6. A Ré presta meramente serviços de acesso e intermediação a diferentes tipos de utilizador da plataforma. 7. Por vezes os próprios utilizadores estabelecimentos comerciais, recebendo pedidos via plataforma e continuando obrigados ao pagamento da respetiva taxa de acesso, optam por recorrer aos seus próprios serviços de entrega, sem se conectar, via aplicação, com os utilizadores prestadores dos serviços; 8. Por vezes o utilizador final, através da plataforma, dirige pedidos aos estabelecimentos comerciais e usar a opção “take away”, sem fazer qualquer uso dos prestadores de serviços de entrega registados na plataforma; 9. Por vezes o prestador de atividade em causa nos presentes autos aceita e executa pedidos provenientes de outras plataformas, ou subcontrata os seus serviços a outros utilizadores prestadores de serviços de entrega, sem alterar os termos da relação com os utilizadores estabelecimentos comerciais e a plataforma. 10. O controlo biométrico, através do reconhecimento facial, é feito para a autenticação, por ser mais fácil fazer a autenticação através de reconhecimento facial, do que obrigar o prestador da atividade a retirar as luvas e digitar o código pessoal. * Da impugnação da decisão de facto: Os Ónus do Recorrente na Impugnação da Matéria de Facto Nos termos do n.º 1 do artigo 640.º, do Código de Processo Civil, o Recorrente tem o dever de delimitar o âmbito do recurso, indicando os segmentos da decisão que considera erróneos e especificando a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida [alíneas a) e c) do n.º 1]. Adicionalmente, deve fundamentar, de forma concludente, as razões da sua discordância, analisando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, na sua perspetiva, justifiquem uma decisão diferente [alínea b) do n.º 1]. Embora estas exigências se refiram à fundamentação do recurso, não se impõe ao recorrente a reprodução integral, nas conclusões, de tudo o que alegou sobre os requisitos previstos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Tratando-se de recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, as conclusões devem indicar os pontos de facto que se consideram incorretamente julgados e que se pretende ver alterados.[2] O Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado que, na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640.º, os aspetos de formais devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade[3]. (negrito nosso) A Impugnação da Decisão de Facto A impugnação da decisão de facto não se esgota com a mera discordância do Recorrente face ao decidido, expressa de forma imprecisa, genérica ou descontextualizada, nem na simples reprodução parcial e descontextualizada de excertos de depoimentos. É o apelante, ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, quem se encontra em melhores condições para indicar, fundamentadamente, os eventuais erros de julgamento a esse nível. Como refere Ana Luísa Geraldes[4], a prova de um facto, por regra, não resulta de um só depoimento ou de parte dele, mas da conjugação e análise crítica de todos os meios de prova produzidos, ponderados globalmente, segundo as regras da lógica, da experiência e, se aplicável, da ciência. Neste contexto de apreciação global e crítica da prova produzida: «mostra-se facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorretamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências da apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado.» (Fim da transcrição) Impõe-se, portanto, o confronto desses elementos com os restantes que fundamentaram a convicção do Tribunal (e que constam da motivação da decisão), recorrendo-se, se necessário, às demais provas produzidas e documentadas, apontando eventuais disparidades, contradições ou incorreções que afetem a decisão recorrida. Papel do Tribunal da Relação na Reapreciação da Prova É hoje jurisprudência pacífica que o objetivo da segunda instância, na apreciação de facto, não é a mera repetição do julgamento, mas sim a deteção e correção de erros de julgamento concretos, específicos, claramente indicados e fundamentados – cfr. o n.º 1, do artigo 662.º, do Código de Processo Civil. Descarta-se, assim, a tese de que a modificação da decisão sobre a matéria de facto só possa ocorrer em casos de erro manifesto na apreciação dos meios probatórios, ou de que o Tribunal da Relação, tendo em conta os princípios da imediação e da oralidade, não possa contrariar o juízo formulado em 1.ª instância relativamente a meios de prova que foram objeto de livre apreciação. Princípio da Livre Apreciação da Prova No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, ou da livre convicção, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas sem qualquer hierarquização pré-estabelecida e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção formada acerca de cada facto controvertido. Note-se, ainda, o princípio a observar em casos de dúvida, consagrado no artigo 414.º do Código de Processo Civil, segundo o qual: «a dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.» Sem prejuízo da relevância de tais princípios e sem olvidar que o Juiz de 1.ª instância se encontra, pela imediação com a produção da prova, em condições particularmente favoráveis para a apreciação da matéria de facto (condições que, em regra, não se repetem em sede de julgamento no Tribunal da Relação), não há dúvidas de que a opção legislativa consagrada no citado n.º1, do artigo 662.º [e, ainda, nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito legal] aponta no sentido de o Tribunal da Relação assumir-se: «(…) Como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem (…), fica claro que a Relação tem autonomia decisória competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.»[5] (Fim da transcrição e negrito nosso) Contudo, como sublinha Ana Luísa Geraldes[6], em «caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida[7], deverá prevalecer a decisão proferida pela 1.ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.» (Fim da transcrição). Mais à frente remata: «O que o controlo de facto em sede de recurso não pode fazer é, sem mais, e infundadamente, aniquilar a livre apreciação da prova do julgador construída dialeticamente na base dos referidos princípios da imediação e da oralidade.» (Fim da transcrição) Isto significa que, na reapreciação da prova em 2.ª instância, não se procura obter uma nova (e diferente) convicção a todo o custo, mas sim verificar se a convicção expressa pelo Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, considerando os elementos probatórios constantes dos autos, e aferir, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão sobre a matéria de facto. É necessário, em qualquer caso, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo Recorrente, impondo, dessa forma, uma decisão diferente da proferida pelo tribunal recorrido – artigo 640º, n.º 1, alínea b), parte final, do Código de Processo Civil. Assim, compete ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que se baseou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações do Recorrente e Recorrido, sem prejuízo de oficiosamente, considerar quaisquer outros elementos probatórios que tenham fundamentado a decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Isto enquadra-se no princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil. Segundo Miguel Teixeira de Sousa[8]: «Algumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…), estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal (…). Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º 1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência”.» (Fim da transcrição) Em suma, para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, é necessário averiguar se ocorreu alguma anomalia na formação da respetiva “convicção”, designadamente, se na formação da convicção do julgador de 1.ª instância, expressa nas respostas dadas aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter sido subjacentes, nomeadamente as regras da experiência comum, da ciência e da lógica, a conformidade com os meios probatórios produzidos, ou com outros factos dados como assentes. Não obstante, e apesar de a apreciação em primeira instância ser construída com recurso à imediação e à oralidade, tal não impede à «Relação de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das provas, tal como a 1.ª instância, sem estar de modo algum limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida (…). Dito de outra forma, impõe-se à Relação que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, de modo a apreciar a sua convicção autónoma, que deve ser devidamente fundamentada.»[9] (Fim da transcrição) Contudo, importa referir que, no contexto do julgamento da matéria de facto, seja ao nível da 1.ª instância, seja na sua reapreciação no Tribunal da Relação, a reconstrução dos factos não persegue uma verdade absoluta ou uma certeza naturalística (própria de outros ramos das ciências), mas sim um grau de certeza empírica e histórica, baseado numa elevada probabilidade. Como salienta Manuel de Andrade: «a prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica).»[10] (Fim da transcrição) Apreciação dos Pontos Concretos Feito este enquadramento, cumpre aferir quais os pontos concretos que devem ser apreciados por este Tribunal: A Recorrente visa a reapreciação da matéria de facto, alegando que alguns factos dados como provados são conclusivos e/ou consubstanciam matéria de direito. Sustenta que estes factos estão diretamente relacionados com o thema decidendum – a existência ou não de um contrato de trabalho – e dificultam a apreensão da realidade concreta. Adicionalmente, a Recorrente argumenta que certos factos provados contradizem outros factos provados e/ou com a prova produzida (testemunhal e documental). São igualmente impugnados factos que, na perspetiva da Recorrente, não resultam da prova produzida ou que, face à prova, deveriam ter sido considerados provados. Os pontos específicos dos "Factos Provados" da sentença que a Recorrente contesta, pedindo que sejam considerados não provados ou que a sua redação seja alterada, incluem (entre outros): ● Pontos 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 19, 20, 22, 27, 30, 32, 35, 38, 42, 43, 63, 64, 86, 87, 92 e 50: São considerados conclusivos ou matéria de direito, não devendo integrar a matéria de facto provada, ou são contraditórios. ● Ponto 5: Deverá ter a sua redação alterada. ● Pontos 7 e 14: Apontados como conclusivos e contraditados por outros factos provados, argumentando a Recorrente que é falso que os clientes solicitem a entrega de produtos à empresa. ● Ponto 8: Considerado conclusivo e contraditado pelos Termos e Condições e outros factos provados que demonstram a liberdade dos estafetas. ● Pontos 9 e 35: Alegadamente contraditados por outros factos provados que evidenciam que a atividade de estafeta pode ser exercida sem a aplicação da Recorrente. ● Ponto 10: Tido como conclusivo e em contraditado com outros factos provados e depoimentos. ● Ponto 11: Considerado conclusivo e contraditado por outros factos provados que indicam a liberdade do estafeta na escolha da área de atuação e na recusa de pedidos. ● Ponto 13: Apontado como conclusivo e em contradição direta com vários outros pontos dos factos provados que atestam a voluntariedade na inscrição e a liberdade de recusa. ● Ponto 15: Impugnado, defendendo a Recorrente que o estafeta tem conhecimento do valor da entrega antes de aceitar e pode recusar sem penalização, e que pode influenciar o preço através do multiplicador. ● Ponto 19: Alegadamente contraditado pela prova testemunhal e documental que demonstra a possibilidade de negociação do valor ou de recusa da entrega. ● Pontos 20 e 22: Considerados conclusivos. ● Ponto 24: Pretende-se que seja considerado não provado com base noutros factos provados e depoimentos. ● Ponto 27: Contém afirmações conclusivas e conceitos de direito considerados incorretos. ● Pontos 28 e 62: Impugnados, alegando que a Recorrente não exige mochila isotérmica com características específicas; se existe tal exigência, esta é de natureza legal (HACCP) e não imposta pela Recorrente. ● Ponto 29: Pretende-se que seja considerado não provado, referindo que os vídeos se reportam ao funcionamento da aplicação e não à forma de realizar as entregas. ● Ponto 30: Considerado parcialmente não provado, argumentando que a Recorrente não controla nem proíbe os estafetas de prestarem serviços diretamente ou para concorrentes, e que o estafeta pode recusar serviços mesmo após aceitação. ● Pontos 31 e 34: Pretende-se que sejam considerados não provados. ● Pontos 32 e 38: Pretende-se que sejam considerados não provados. ● Ponto 33: Considerado parcialmente não provado, propondo a alteração da redação para refletir que o estafeta escolheu a sua área de atuação e pode alterá-la. ● Ponto 36: Considerado parcialmente não provado, alegando confusão entre seguros de acidentes pessoais e de trabalho e que a Recorrente não oferece seguros. ● Ponto 43: Considerado conclusivo e não provado, argumentando que os serviços são prestados aos clientes dos estabelecimentos comerciais, e não à Recorrente. ● Pontos 47 e 53: Tidos como falsos e contraditórios com outros factos provados, designadamente sobre o controlo em tempo real e possibilidade de utilização de outras plataformas. ● Pontos 57 e 65: Alega inexistência de prova que os sustente. ● Ponto 63: Considerado conclusivo e não provado, defendendo que não existe um regime, regras ou consequências para o incumprimento. ● Ponto 64: Considerado conclusivo e não provado, propondo a alteração da redação para refletir que a Recorrente apenas aceitou o registo para utilização da aplicação, e não o início da prestação do serviço, e que a Recorrente atua como intermediária. ● Ponto 86: Considerado conclusivo e não provado, alegando a inexistência de instruções e controlo sobre a prestação de serviço. ● Ponto 87: Considerado matéria genérica e conclusiva, sem descrição de como a Recorrente daria instruções. ● Pontos 50 e 92: Pretende-se que sejam considerados não provados, por se referirem a factualidade anterior ao início da atividade do estafeta em causa e por serem contraditórios ou não suportados por prova. A Recorrente requer ainda que os artigos 116.º, 117.º, 127.º e 131.º da contestação sejam considerados provados e que facto não provado do ponto 8.º seja agora considerado provado. Em suma, a Recorrente impugna uma vasta parte da matéria de facto provada na sentença, classificando muitos dos pontos como conclusivos, contraditórios ou não suportados pela prova produzida, com o objetivo de sustentar a sua argumentação de que não existe uma relação de trabalho subordinado, mas sim uma prestação de serviços autónoma. Considerando que a Recorrente cumpriu os ónus que lhe incumbiam na impugnação da matéria de facto, procede-se à sua reapreciação. Antecipando a decisão quanto aos factos dados como provados nos pontos 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 20, 22, 27, 30, 32, 35, 38, 42, 43, 50, 63, 64, 86, 87, e 92, subscreve-se a posição manifestada pelo Recorrido/Ministério Público nas suas contra-alegações de recurso, onde se refere o seguinte: «Impugnação do julgamento da matéria de facto: Considerações gerais sobre os factos e a prova: analisando os factos e as expressões que a recorrente especifica, entendemos que os mesmos, ainda que tendo alguma componente conclusiva – o que quase sempre sucederá – possuem, lidos na sua íntegra, materialidade enquanto acontecimento ou circunstância do mundo externo nos termos acima indicados relevantes para o acervo dos factos que importam uma decisão justa, não contendo matéria genérica e conclusiva que envolve o thema decidendum.» (Fim da transcrição) Como é salientado por Helena Cabrita[11]: «Os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a ação seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) como base nessa única resposta». Neste aspeto particular, subscreve-se integralmente as palavras de Miguel Teixeira de Sousa[12]: «Qualquer juízo de facto que assente na experiência comum tem necessariamente um caráter conclusivo, mas isso não justifica, de modo algum, qualquer operação de “limpeza” desse caráter conclusivo. Os factos da vida não são factos assépticos, desprovidos de valor, de vontade, de sentimento ou de emoção». (Fim da transcrição) Neste sentido, vejam-se ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19.05.2021 (relator: Júlio Gomes), Processo n.º 9109/16.8T8PRT2.S1; de 15.01.2025 (relator: Mário Belo Morgado); Processo n.º 2315/23.0T8PTM.E1.S1 e de 15.05.2025 (relator: José Eduardo Sapateiro), Processo n.º 1156/23.0T8AVR.P1.S1[13], sendo que neste último se pode ler o seguinte. «Em vez de serem combatidos, os “factos conclusivos” devem ser vistos como algo inerente ao carácter inferencial da prova e ao preenchimento das previsões das regras jurídicas; a única coisa que se impõe fazer é substituir a equivocada expressão “factos conclusivos” pela correta expressão “factos jurídicos”.» (Fim de transcrição e negrito nosso) A Recorrente sustenta a existência de contradição entre os factos provados nos pontos 3 e 42 e o facto provado no ponto 30, os quais têm a seguinte redação: Ponto 3: “Os clientes da Ré, quer os clientes finais/consumidores, quer os estabelecimentos aderentes/parceiros, são da plataforma e é esta que contacta com o mercado e disponibiliza toda a rede de suporte para o desenvolvimento da atividade.” Ponto 42: “Os clientes a quem o estafeta fazia as entregas são da plataforma e é esta que contacta com o mercado, contrata com os clientes finais e com os estabelecimentos aderentes.” Ponto 30: “Para que o estafeta possa receber pedidos efetuados por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e consequentemente prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio do prestador de atividade na plataforma da “A…”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A…: https://delivery.A...app.com/pt/.” A Recorrente solicita ainda que os factos provados nos pontos 3 e 42 sejam considerados não provados ou, caso assim se não entenda, que passem a ter a seguinte redação única: “Os clientes da Ré são os utilizadores clientes/consumidores, os estabelecimentos aderentes/parceiros e os utilizadores estafetas/prestadores de serviço, pagando, respetivamente, uma taxa à Ré pelos serviços de intermediação tecnológica por esta prestados”. Em contrapartida, a Recorrente pretende que sejam considerados provados os artigos 116.º, 117.º, 127.º e 131.º da contestação, e que o facto que foi considerado não provado do ponto 8.º passe a ser dado como provado (Conclusão T). Solicita ainda que o facto provado no ponto 5 seja alterado, o qual tem a seguinte redação: “5. Os resultados da plataforma não pertenciam ao prestador, mas sim à plataforma que recebe os valores dos clientes.” E que passe a ter a seguinte redação sugerida pela Recorrente: “5. Os resultados da plataforma não pertencem ao prestador de atividade nem aos estabelecimentos comerciais. Os resultados do prestador de atividade e dos estabelecimentos comerciais não pertencem à plataforma. Os valores que os utilizadores clientes porventura paguem através da plataforma, pertencerão e corresponderão aos resultados da parte respetiva: i) Aos estabelecimentos comerciais, se forem adquiridos bens / serviços a estes – “preço dos produtos e/ou serviços” ii) Aos estafetas, se lhes foi solicitado pelo utilizador cliente a execução de um serviço de entrega – “taxa de serviço”; e iii) À Recorrente, pela utilização da aplicação e tecnologia de intermediação – “taxa de utilização”. A Recorrente pretende que sejam considerados como não provados, nomeadamente por serem contraditórios, os factos provados nos pontos 7 e 14, 6, 8, 9, 10 e 35, 11, 13, 14, 15, 19, 48, 20 e 22, 21 e 61, 28 e 62, 29, 31 e 34, 32 e 38, 43, 47 e 53, 49, 57 e 65, 64, 50, 92, e 87. Caso não sejam considerados não provados, os factos provados dos pontos 15, 19 e 48, então, os factos provados nos pontos 16, 19, e 48 deverão passar a ter a seguinte redação: “16. Quando é proposto um serviço ao prestador de atividade, na interface de oferta do serviço ao utilizador estafeta é apresentado um mapa com os pontos de recolha (morada do parceiro) e de entrega (morada do utilizador-cliente) assinalados, bem como a rua do ponto de recolha (sem informação do número da porta), a distância estimada e o preço do serviço. Nessa altura, o estafeta pode aceitar ou recusar o serviço”; “19. Caso aceite o serviço, é adicionalmente comunicado ao utilizador-estafeta o nome e morada exata do parceiro (ponto de recolha), informações de contacto no parceiro, estimativa do tempo de espera no parceiro, o nome e morada exata do utilizador cliente (ponto de entrega), os detalhes de pagamento e a lista de artigo do pedido e o valor do mesmo. Nessa altura e até recolher o produto – momento em que o mesmo fica sob a sua responsabilidade -[14], o utilizador estafeta é livre de recusar prestar esse serviço”. “48. A distância a percorrer entre o ponto de recolha e o ponto de entrega utilizada para cálculo de uma das componentes variáveis do preço do serviço, é efetuada pelo “Google Maps”, tendo o estafeta total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos na execução do serviço.” A Recorrente solicita ainda que os factos provados nos pontos 20 e 22 sejam considerados como não provados ou passem a ter a seguinte redação: “20. A plataforma intermedeia os pagamentos dos utilizadores clientes para o prestador de atividade e processa os pagamentos a efetuar”. “22. O cliente final pode pagar ao prestador de atividade através da plataforma ou diretamente”. A Recorrente solicita que, face à prova produzida, o facto provado no ponto 30 passe a ter a seguinte redação: “30. Para o estafeta receber pedidos efetuados através de aplicação “A…” por clientes dos parceiros de negócio da plataforma e prestar os serviços de entrega aos clientes finais, o prestador de atividade tem de efetuar o registo prévio do prestador de atividade na plataforma da “A…”, registo esse efetuado através de criação de conta no website da A…: https://delivery.A...app.com/pt/” Solicita ainda que os factos provados nos pontos 33 e 36 devam ser considerados parcialmente procedentes, passando a ter a seguinte redação: “33. O prestador de serviço, no seu processo de registo, escolheu a cidade de São João da Madeira, tendo ficado a desenvolver a sua atividade na localidade selecionada, mas cuja área de abrangência é definida pela plataforma (neste caso, concelhos de Oliveira de Azeméis, São João da Madeira e Santa Maria da Feira), podendo prestar serviços com a aplicação gerida pela Recorrente em zona diferente, devendo comunicar à Recorrente a alteração de zona”. “36. O estafeta pagava uma taxa de utilização da plataforma de 1,85€ por quinzena, que incluía o acesso e a cobertura de seguro de responsabilidade civil contratado pela plataforma, titulado pela seguradora C…, podendo, em caso de sinistro, reportar tal facto à Seguradora”. Por último, a Recorrente requer que os factos provados nos pontos 47, 49, 64 e 92, caso não sejam considerados como não provados, passem a ter a seguinte redação: “47. Após a aceitação do pedido, o prestador de atividade pode desligar a geolocalização, podendo concluir o serviço de entrega com a geolocalização desligada. Se o prestador de atividade quiser, pode ligar a geolocalização e, nesse caso, quer a plataforma quer o cliente final passam a conhecer, em tempo real, a sua localização devido à geolocalização existente na App, fazendo a ré, através da plataforma, a partilha desses dados com o utilizador cliente”. “49. O estafeta quando chegava ao ponto de recolha podia, querendo, ativar na app o botão “cheguei” para que o parceiro ficasse a saber que está no ponto de recolha e lhe fosse entregue o pedido. Se o estafeta não ativasse o botão cheguei, não tinha qualquer consequência.” “64. Em dia não determinado de julho de 2023, a Ré aceitou o registo de AA, após inscrição do mesmo na referida app, enquanto utilizador estafeta, para oferecer os seus serviços de estafeta, mediante o pagamento de contrapartida de natureza monetária, paga, com periodicidade quinzenal nos termos já referidos, na eventualidade de ter efetivamente prestado serviços”. “92. Em maio de 2023, a ré introduziu alterações nos termos contratuais e no funcionamento da sua aplicação, através da qual os estafetas operam, sem aplicação para o interveniente acidental que só se registou na aplicação em julho de 2023, abrangendo designadamente os seguintes aspetos: 1)- eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente disponibilizadas pela plataforma; 2)- eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horas; 3)- eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa, com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas”. Vejamos: O Tribunal a quo fundamentou os pontos de facto provados e não provados nos seguintes termos: «O Tribunal formou a sua convicção sobre os factos provados e não provados com base na conjugação dos depoimentos prestados com a documentação apresentada, mais concretamente nos seguintes elementos probatórios: De uma forma geral, todos os inspetores, incluindo o que depôs no âmbito dos presentes autos, declararam como fonte do seu conhecimento um conjunto de informações transmitidas pelos serviços centrais que foram fornecidas pela ré, a que acrescentaram as informações que recolheram junto dos estafetas, diretamente e através de troca de impressões com outros inspetores que fizeram o mesmo trabalho. Existe assim um conjunto de informações gerais, sobre o modo de funcionamento da plataforma, bem como informações específicas relativas a cada estafeta. No que se refere à informação específica e ao modo como a atividade era desenvolvida em concreto por cada estafeta, entendemos que a informação transmitida pelo(a) inspetor(a) do trabalho deve ser complementada pelo próprio estafeta, para podermos afirmar mais concretamente aquilo que se passava, ao longo do tempo, com o prestador de atividade. Isso significa que, não havendo informação específica fornecida aos autos, em audiência de julgamento, pelo(a) próprio(a) estafeta, então entendemos que apenas podemos considerar provada factualidade genérica, sem fazer qualquer afirmação relativamente ao estafeta em concreto e devem entender-se os factos alegados, para além de algumas considerações mais genéricas relativas à plataforma, designadamente quando se refere ao estafeta ou ao prestador de atividade, como se referindo àquele estafeta ou prestador de atividade concreta. Havendo informação prestada ao tribunal pelo estafeta em concreto, devemos considerar a factualidade provada com base nessa informação como fonte principal, ainda que complementada pelo depoimento do(a) inspetor(a) do trabalho e dos elementos documentais anexos à participação. Neste âmbito, a inspetora do trabalho BB confirmou o modo, as informações e os documentos necessários para inscrição na plataforma, referindo que o estafeta preenche os campos solicitados e aceita os termos, sem os negociar; a existência de links para vídeos que explicavam o modo de funcionamento da plataforma e continham informações/instruções gerais, que não viu (referiu que, do que percebeu, os estafetas consideravam a sua visualização como obrigatória), falando apenas em regras de boa conduta; a exigência de uma mochila isotérmica com determinadas caraterísticas e dimensões; a escolha de uma área geográfica (São João da Madeira) e depois a ré selecionava uma zona com maior abrangência; os instrumentos que tinham de ter para iniciar a atividade (referiu o veículo, a mochila, o telemóvel e a aplicação da ré instalada), bem como o GPS ligado, que é obrigatório, pelo menos, para receber pedidos, no momento da recolha e no momento da entrega, que têm de ser confirmadas, não sabendo se no resto têm de ter o GPS ativado; surgindo um pedido, ficam com informação sobre os pontos de recolha e entrega, os kms e acha que não tinha o trajeto, mas o estafeta pode fazer outro trajeto diferente do que depois é indicado, mas só recebe pelo calculado pela plataforma; perante os pedidos o estafeta pode aceitar ou recusar; aceitando o pedido, os estafetas vão recolher a encomenda, têm um código para recolha, são controlados pelo restaurante que tem a sua fotografia; durante o dia a aplicação pede ao estafeta para tirar um fotografia, para confirmar a identidade; o cliente pode avaliar o estafeta, havendo uma classificação na plataforma, e que os estafetas relacionavam com o número de pedidos que recebiam; explicou a retribuição, as suas componentes, o multiplicador e a forma de pagamento, incluindo os pagamentos em dinheiro; podem existir punições aplicadas pela plataforma, tendo os estafetas identificado sanções que podiam chegar à exclusão, passando ainda por suspensão, por avaliações negativas, atrasos, etc…; os estafetas podem trabalhar com outras plataformas; e afirmou que os estafetas referiram alterações na plataforma e na aplicação da plataforma, de vária ordem, designadamente por volta da agenda do trabalho digno. Relativamente ao prestador de atividade AA, referiu que fez a visita inspetiva quando este estava a executar um pedido no centro comercial 8.ª Avenida, no restaurante B…, ele referiu-se que tinha iniciado atividade há cerca de 2 meses (o que nos leva para meados de julho), tendo verificado que deu início de atividade em 16 de maio de 2023, não se recordando se tinha outra profissão, mas só prestava serviços de entregas através da ré. Para além disso, a testemunha AA afirmou que começou atividade na ré em julho de 2023 (primeiro falou em julho ou agosto, mas depois referiu que a conta foi aprovada em julho), tendo aberto atividade em maio para se inscrever. Neste período trabalhava por turnos numa fábrica e fazia o horário de almoço na ré, entre as 11h30 e as 14h30, praticamente todos os dias, com descanso às terças e quartas feiras por serem os dias com menos ritmo. Para o efeito, fez o registo na plataforma, referiu os documentos e as informações que teve de submeter, visualizou os vídeos que acha que era facultativos e que ensinavam a trabalhar na plataforma e havia um texto ou um vídeo que ensinava como fazer as entregas. No registo, teve de escolher uma zona, escolheu São João da Madeira, depois quando iniciou atividade a delimitação dessa zona foi feita pela plataforma e abrangia uma área que excedia São João da Madeira, incluindo Oliveira de Azeméis. Tinha de ter uma mochila isotérmica, com dimensões máximas fixadas, não se recordando se tinha de ser da ré. Sabe que existiam seguros, mas nunca estudou a fundo. Teve de submeter uma fotografia, a que os clientes e os restaurantes tinham acesso e, quando utilizava a plataforma, a cada 2 ou 3 entregas, a aplicação pedida o reconhecimento facial para comprovar se era ele quem estava a trabalhar e esse reconhecimento era obrigatório, porque senão a aplicação parava, travava. Já lhe deu erro e voltou a fazer até liberar a aplicação. Para trabalhar, ligava, entrava na aplicação, colocava-se online, o GPS verifica se está na zona, tem de estar ligado, se não diz que está fora da zona e não recebe pedidos. Recebido um pedido, tem acesso ao endereço de recolha, à distância e ao valor, o percurso só surge depois com a aceitação, no seu caso ia diretamente para o waze, quando aceitava recebia o percurso e o código, o modo de pagamento, o que era o produto e o tempo de espera; quando chegava ao comerciante avisava que tinha chegado, para conseguir ver a morada do cliente (agora já não é assim); assinalava a recolha, carregava no botão na aplicação da A… e ia diretamente para o percurso no waze; nunca desligava o GPS, se ficasse sem GPS aparecia um aviso a dizer para ligar; o cliente sabia onde estava, conseguia acompanhar o percurso entre o restaurante e a sua casa; chegava ao cliente, avisava e entregava. O cliente dava um feedback e tinha conhecimento disso, não por cada cliente, mas em geral, não sabendo quem deu as notas, mas falava em bom atendimento, entrega rápida, etc… Tinham uma nota com estrelas, com pontos positivos e negativos, mas não sabe se isso tinha consequências, negativas ou positivas. O valor era calculado por um valor base; a quilometragem (€ 0,25 por quilómetro); o adicional de mau tempo; a diferenciação horária, pois alguns horários tinham bonificação; tinha um valor pelo tempo de espera no restaurante (que acha que era calculado pelo GPS); e também chegou a receber um valor pelo cancelamento, porque o restaurante não fez o pedido, embora não tenha efetuado a entrega. Podia aceitar ou não, mas não alterar. Para além disso, existia o multiplicador que metia em 0,9 ou 1, se tivesse poucos pedidos, no dia seguinte metia em 0,9, pois podia alterar uma vez por dia. Explicou como funcionavam os pagamentos e o dinheiro em mão. Referiu ainda que podia ser bloqueado se não fizesse o depósito em 24 horas ou se tentasse fazer uma fraude ao sistema. As ausências não levantavam qualquer problema. Normalmente recusava os pedidos de Oliveira de Azeméis, só raramente os fazia. Desde dezembro de 2023 deixou de fazer, só trabalhava na fábrica, mudou de emprego e tinha um trabalho das 9h às 17h e, por isso, deixou de ter interesse. No que respeita à atividade concreta do prestador de atividade, consideramos ainda as informações provenientes da Autoridade Tributária e da Segurança Social relativa aos rendimentos auferidos por este em 2023 e as informações prestadas pela ré sobre as interrupções de atividade. Por outro lado, a testemunha CC classificou a ré como uma plataforma tecnológica de intermediação entre vários tipos de utilizadores: cliente final, comerciante e estafeta; estabelecendo a comunicação entre utilizadores. Os serviços de intermediação são pagos, pois todos os utilizadores pagam uma taxa pela utilização da plataforma, que é a receita da ré. Referiu que quem paga ao estafeta é o cliente e que pode receber em dinheiro diretamente do cliente (no entanto, quando concretizou acaba por referir que o dinheiro que é entregue por um cliente, quando fica para o estafeta, não se refere apenas àquela entrega, confirmou que os pagamentos são feitos pela plataforma e o cliente não escolhe o estafeta). Referiu ainda existirem relações bilaterais (só com o comerciante, ou só com o estafeta), podem estar em causa prestações de serviços e o estafeta pode não ser da A…. Esclareceu que não existe processo de recrutamento, basta a inscrição, o estafeta é livre para escolher a cidade, mas a zona que corresponde a uma área superior à cidade é definida pela plataforma, sendo possível alterar a cidade por mera comunicação. Os estafetas, para trabalharem, podem estar em qualquer local, desde que dentro da zona. O veículo, a mochila, o telemóvel, etc… são do estafeta e a aplicação não é um instrumento de trabalho, mas admitiu que sem a aplicação descarregada no telemóvel, o estafeta não pode trabalhar através da ré. Têm de ter uma mochila, mas pode ser de qualquer marca, tendo de ser térmica por imposição legal. O seguro do veículo, combustível e reparações são da responsabilidade do estafeta, mas com a taxa de utilização têm acesso a um seguro de acidentes. Não exigem qualquer uniforme. Podem ligar-se e desligar-se em qualquer momento, não têm horários de trabalho, só de funcionamento que depende da cidade, podem estar longos períodos sem se ligarem, sem qualquer comunicação, justificação ou penalização. Admitiu que anteriormente a maio de 2023 existiam aspetos diferentes, pois procederam a alterações na plataforma, mais concretamente: eliminação da exigência da indicação pelos estafetas, duas vezes por semana, de slots de horário previamente definidos pela plataforma; eliminação da avaliação do cliente que determinam a atribuição ao estafeta de uma nota quantitativa, entre 0 e 5, que define a prioridade dos estafetas nas escolhas dos slots de horário; eliminação da atribuição a um certo número de recusas de entregas na consequência de perda de slots de horário em causa e, eventualmente, do seguinte com abertura de vagas nesses horários para outros estafetas; e introdução de um multiplicador entre 0,9 e 1,1 a aplicar à retribuição da entrega, escolhida uma vez por dia pelo estafeta que, em outubro/novembro de 2023 passou para o intervalo entre 1 e 1.1. Atualmente a plataforma admite substituições de estafetas, podem subcontratar a sua conta, temporariamente (por exemplo, quando forem de férias), tem um procedimento, têm de fornecer os elementos e documentos da pessoa em causa, mas só os documentos pessoais e fotografia, o pagamento continua a ser feito ao titular da conta e depois é com eles. Admitiu a geolocalização, mas não há controlo da prestação, não tem de estar sempre ligada (só para a proposta), depois da aceitação pode desligar, não determinam o itinerário, aparecem os quilómetros, o valor e o ponto de recolha e entrega, sendo que os quilómetros são determinados pelo trajeto indicado na plataforma. Os estafetas podem recusar, até receberem o produto. Se o GPS estiver ligado o cliente consegue ver o estafeta a deslocar-se. O estafeta tem de marcar como entregue, para isso tem de ter o GPS ligado, mas depois ainda pode ser feito através do atendimento ou pelo cliente (sem marcar como entregue não recebe e não pode receber outros pedidos). Admitiu que o cálculo da retribuição pelo tempo de espera é feito pela geolocalização e em caso de reclamação também verificam a geolocalização. Não existem bloqueios de conta por questões de performance, mas podem existir por violação dos termos e condições, documentos ilegais, crimes com uso da plataforma, etc… Existem reconhecimentos faciais, mas os estafetas podem saltar e só bloqueia temporariamente passadas muitas situações (umas 50). Admitiu que as faturas e pagamentos são feitos pela ré e a retribuição que não tem limites, tem uma componente fixa, outra dependente da distância e bónus de hora, a que se aplica o multiplicador fixado pelo estafeta (agora entre 1 e 1,1 e antes entre 0,9 e 1,1), a que acresce um valor pelo tempo de espera no restaurante, que acha que é de 0,05€ por minuto para além dos 10 minutos, sendo que a retribuição está dependente da realização de entregas. Não existem formações, os vídeos explicam o funcionamento da plataforma, mas não dão instruções. A testemunha DD prestou um depoimento muito semelhante, em vários dos seus aspetos, ao depoimento da testemunha CC, não tendo sido tão específico quanto às alterações que existiram na plataforma. Para além destes depoimentos, consideramos os seguintes documentos: Certidão de registo comercial da ré; Participação elaborada pela Autoridade para as Condições do Trabalho; O Código de Ética que rege a atividade dos utilizadores da plataforma A…app, resultando do ponto 10 que o não cumprimento implica medidas disciplinares que podem incluir o “despedimento” (dismissal) e, em casos mais graves, denúncia às autoridades públicas; Os termos gerais de utilização e contratação fornecidos pela ré; As imagens obtidas através do centro de ajuda do sítio da ré na internet, donde resulta, para além do mais, o seguinte: Pergunta: “Que equipamento preciso usar?” Resposta: “Para fazeres entregas com a Plataforma, só precisas da AppCourier e de uma mochila adequada para o transporte de alimentos”… Ou seja, a própria ré considera a aplicação informática como um equipamento nas respostas que dá aos estafetas. Em termos de retribuição, resulta que esta é composta por várias componentes: fixa; variável dependente da distância; tempo de espera acima de um limite; opcional; promoções; e desafios. Em termos de localização para receber pedidos, a aplicação recomenda a deslocação para zonas de maior atividade. Nestes termos não está prevista a possibilidade de subcontratação do serviço propriamente dito, mas antes da conta (subcontratação da conta) a efetuar nos termos e condições de utilização da plataforma, designadamente não permite a utilização da conta ao mesmo tempo que está a ser subcontratada ou em zona diferente, exige que o subcontratado esteja registado, submetendo um conjunto de documentos e seja possível a verificação da sua identidade pela plataforma; A mudança de cidade implica o preenchimento de um formulário da ré, dá lugar à desativação da conta existente e à criação de uma nova conta e está sujeita à necessidade da ré de estafetas na cidade para a qual o estafeta quer mudar a atividade; O reconhecimento facial serve para verificar se quem está a utilizar a conta é o estafeta registado e exige uma fotografia pedida de forma aleatória; A retribuição tem várias componentes, descrevendo-se cada componente, as formas de pagamento, sua regularidade e condições e, na parte da distância, é calculada pelo navegador google maps, pelo trajeto mais curto, independentemente do percurso que o estafeta decida fazer; e Na forma como é feita a prestação, existe uma descrição completa sobre o que o prestador deve fazer, recomendando-se que carregue no botão “cheguei” quando chega ao estabelecimento, como deve ser feito o pagamento e quais as possibilidades, em várias situações. Nos vários aspetos tratados no centro de atendimento, são colocadas situações típicas e depois surge a questão: o que devo fazer? Seguido da resposta dada pela plataforma, por vezes com várias possibilidades. O resumo das Apólices de Seguro fornecidas pela ré; O relatório de auditoria apresentado pela ré e que descreve vários aspetos do funcionamento da aplicação, de onde resulta que, no período entre fevereiro e março de 2024, foram feitos vários testes com um utilizador-estafeta e um utilizador-cliente (ambos de teste) e se verificaram vários aspetos, de que se destaca a possibilidade de recusa de tarefas, sem que se verifique qualquer comunicação ou repercussão, mesmo após cinco recusas; a circunstância de entre 14 de fevereiro e 23 de fevereiro ter deixado de ser possível o utilizador cliente avaliar a entrega do estafeta; a possibilidade de o estafeta receber pedidos em vários horários e localizações diversas dentro da zona geográfica; a possibilidade efetuar itinerários diferentes dos indicados na plataforma; a possibilidade de efetuar um serviço sem geolocalização ativada, exceto para receber o pedido e depois para concluir a entrega (neste aspeto, no teste desligou-se o acesso à internet, segundo entendemos, porque se colocou em modo avião, não se limitou a retirara a permissão de acesso à geolocalização e, no início, surgiu um aviso relacionado com a inexistência de acesso à internet); a existência de um sistema de reconhecimento facial; a possibilidade de subcontratação da conta; a existência de vídeos facultativos sobre o modo de funcionamento da aplicação e sem instruções sobre o serviço; as componentes da retribuição; a determinação da retribuição com base numa base fixa e numa componente dependente do tempo consumido na realização da tarefa; na prestação da tarefa a solicitação ao estafeta que assinalasse a conclusão das seguintes atividades: chegada à morada do parceiro (ponto de recolha); recolha dos artigos no parceiro; chegada à morada do utilizador-cliente (ponto de entrega); e entrega dos artigos ao utilizador-cliente e conclusão do serviço (embora a entrega, em si, possa ser feita sem o cumprimento destas solicitações); a falta de evidência de correlação entre as avaliações e os pedidos apresentados a um estafeta; e a falta de evidência de correlação entre recusas e avaliações negativas e bloqueios ou desativação de contas; O registo de alterações do multiplicador e de rejeições de serviço, supostamente, pelo estafeta em causa; e Os 3 vídeos juntos aos autos pela ré e que demonstram um estafeta a executar uma entrega com a geolocalização desligada, surgindo constantemente na aplicação a mensagem: «Ups! Ativar o serviço de localização». Os vídeos permitem visualizar a execução de entrega, com os atos de recolha e entrega, sem a geolocalização ativada. Destes vídeos resulta que é possível executar as tarefas, recorrendo os reporte de problemas da aplicação, ou seja, como a geolocalização está desligada, a conclusão da tarefa é feita através do reporte de um problema (donde resulta que o normal é a geolocalização estar sempre ligada), o que é reforçado com a mensagem que está sempre a aparecer na aplicação no sentido da ativação da geolocalização. Não há dúvida que existem formas alternativas de execução das tarefas, até porque a tarefa, em concreto, é executada off line, mas consegue-se verificar que o normal é ser executada com a geolocalização ligada (isto é, com permissão de acesso a dados de geolocalização pela plataforma). Embora não seja claro nos vídeos, supomos que se trata sempre da mesma situação, sendo o primeiro vídeo a recolha do que é feito na aplicação e os dois vídeos seguintes o acompanhamento físico do estafeta entre o escritório da ré, onde recebeu o pedido, até ao estabelecimento comercial e depois até ao local de entrega. Dos termos e condições relativos aos utilizadores estafetas consta, para além de tudo o mais, o seguinte: «(…) As Partes podem cessar os Serviços pelas seguintes razões: Por vontade própria, em qualquer altura sem aviso prévio, salvo se acordado de outro modo por escrito. Por violação de qualquer uma das obrigações previstas nos presentes Termos e Condições. Em caso de impossibilidade de cumprir qualquer disposição dos presentes Termos e Condições. O não cumprimento das Normas de Ética e Conduta Empresarial para Terceiros da A… e/ou de qualquer outra Política da A… aplicável a todos os Utilizadores da Plataforma. Por violação da legislação local por parte do Estafeta que possa constituir uma violação do princípio de boa-fé entre as Partes. Quaisquer outras circunstâncias resultantes em danos fiscais, de segurança social, financeiros, comerciais, organizacionais ou de reputação para a outra Parte ou um Terceiro, independentemente do montante ou dimensão do dano causado. A utilização da Plataforma A… para fins abusivos ou fraudulentos suscetíveis de causar danos materiais e/ou imateriais a qualquer um dos Utilizadores da plataforma. Em situações de força maior, de acordo com a cláusula 8.5 destes Termos e Condições. (…) 1. Em conformidade com o Código de Ética que rege todos os Utilizadores da Plataforma, utilizar a Plataforma para insultar, ofender, ameaçar e/ou agredir Terceiros, nomeadamente, Utilizadores Cliente, Estabelecimentos Comerciais, outros Estafetas e pessoal da A…. 2. Violar a lei ou quaisquer outras disposições dos Termos e Condições Gerais ou outras políticas da A…. (…) Caso não cumpra qualquer um dos presentes Termos e Condições, a A… pode desativar a sua Conta, sem prejuízo de qualquer ação legal/ação que possa resultar de crimes, violações ou danos civis que possam ter sido causados. (…) 5.4 Segurança dos Serviços e da Plataforma da A… Em certos casos, por uma questão de prevenção de fraudes, poderá ter de apresentar prova da sua identidade e/ou, se aplicável nos termos da legislação local, dos seus substitutos ou subcontratantes para aceder ou utilizar os Serviços e aceita que lhe pode ser negado acesso aos Serviços e à utilização dos mesmos se você ou os seus substitutos ou subcontratantes recusarem fornecer essa prova de identidade. A A… pode também recorrer a terceiros fornecedores de serviços para efeitos de verificar a sua identidade ou a dos seus substitutos ou subcontratantes. A A… pode, mas não é obrigada, monitorizar, rever e/ou editar a sua Conta. A A… reserva-se o direito de, em qualquer caso, eliminar ou desativar o acesso a qualquer Conta por qualquer motivo ou sem motivo, até mesmo se considerar, a seu critério exclusivo, que a sua Conta viola os direitos de terceiros ou direitos protegidos pelos Termos e Condições. A A… pode adotar essa ação sem aviso prévio feito a si ou a um terceiro. A eliminação ou desativação do acesso à sua Conta de Utilizador será a critério exclusivo da A… e não há qualquer obrigação de eliminar ou desativar o acesso em relação a Estafetas específicos. (…) 5.7 Sistema de Reputação O Estafeta terá uma Reputação associada ao seu perfil fácil de usar e consultar. Este sistema é automático e é atualizado periodicamente à medida que os diferentes Utilizadores realizam transações na Plataforma A… e está sujeito às regras aí contidas e sobre as quais os Utilizadores são informados no presente documento e/ou na APP e/ou através dos canais de comunicação apropriados, para que o conheçam exaustivamente e o considerem útil. O sistema baseia-se em dados objetivos, informação numérica e métricas fornecidas pelos Utilizadores da Plataforma e os clientes do Estafeta: Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais. A A… não manipula ou intervém no processo de formação da Reputação, mas apenas consolida informação objetiva obtida dos Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais, beneficiários dos serviços do Estafeta. A A… não verifica a veracidade ou precisão dos comentários feitos por outros Utilizadores e não é responsável pelo que é expresso no sítio Web ou por outros meios, nomeadamente e-mail. Todas as informações fornecidas pelos Utilizadores serão incluídas no sítio Web sob a exclusiva responsabilidade do seu autor. (…) A geolocalização é uma informação importante e básica para a prestação do Serviço, porquanto serve apenas para informar o Estabelecimento Comercial ou o Utilizador Cliente da localização do Estafeta e, portanto, calcular o tempo de recolha ou entrega, mas que é também usada pela A… para a oferta de pedidos. A proximidade do ponto de recolha é um dos critérios utilizados no momento da oferta do pedido, pelo que, se não estiver ativada, a A… não poderá garantir que são oferecidos pedidos, ou que são razoáveis em termos do tempo previsto de recolha ou entrega. Neste sentido, e sem prejuízo do sistema operativo do dispositivo do Estafeta que pede consentimento para o uso da geolocalização, a utilização desta informação é necessária para correta execução dos Termos e Condições. Em todo o caso, o Estafeta pode desativar a geolocalização quando não está a usar a Plataforma, embora a A… não use esta informação fora do âmbito da oferta de pedidos ou fora das horas em que o Estafeta está a usar a Plataforma. De igual modo, é expressamente indicado que o Estafeta tem total liberdade de decisão em relação ao itinerário e/ou percursos escolhidos para a oferta e concretização dos seus serviços e em nenhum caso a A… utilizará esses dados para fins de controlo do Estafeta. Neste sentido, a geolocalização é meramente temporária e não de modo algum exaustiva. A informação de geolocalização pode também ser usado para efeitos de faturação (a fim de obter informações relativas à quilometragem e despesas atribuíveis), bem como em relação à segurança rodoviária, antiterrorismo, branqueamento de capitais ou prevenção de crimes contra a segurança pública, caso no qual pode ser partilhada com as autoridades competentes que a solicitem (por exemplo, Forças do Estado, órgãos do poder executivo ou da polícia). Em qualquer caso, uma vez que a A… apenas trata esta informação durante o tempo em que o Estafeta está a prestar serviços aos Utilizadores da Plataforma e em conformidade com as faixas horárias que escolheu, a informação comunicada a essas autoridades não terá impacto na esfera privada do Estafeta. (…) O utilizador da conta (doravante, o “Utilizador”) não pode ceder ou subcontratar, total ou parcialmente, os direitos e obrigações decorrentes do uso da Plataforma sem comunicação prévia por escrito à A…. Para o efeito, o Utilizador informará a A… por escrito, e antes da celebração de qualquer acordo de subcontratação, da sua intenção de subcontratar a sua conta, a identidade da pessoa com quem irá subcontratar, juntamente com a sua autorização de prestação de serviços e fotografia, para que a A… tenha prova do subcontrato sem que tal notificação implique qualquer assunção de responsabilidade por parte da A…, O Utilizador assegura a idoneidade do subcontratado e a garantia do resultado dos serviços por ele prestados a terceiros. A fim de proteger a integridade do uso da plataforma, a A… reserva o direito de rejeitar a possível subcontratação de utilizadores que tenham sido previamente desativados na plataforma por motivos técnicos ou relacionados a fraudes. Em qualquer caso, o Utilizador deve estar registado nos Registos correspondentes e estar autorizado a prestar os serviços ou atividades sujeitas à subcontratação. O Utilizador será responsável por todas as obrigações e encargos fiscais e de Segurança Social aplicáveis à prestação dos seus serviços, quer pelos seus próprios meios, quer através de subcontratados, sem que a A… tenha qualquer responsabilidade por infrações a este respeito. O Utilizador será exclusivamente responsável por garantir que os subcontratantes cumpram sempre a legislação local no âmbito da prestação dos serviços de entrega. A A… não intervém na relação contratual estabelecida entre o Utilizador e os seus subcontratados, pelo que o Utilizador será o único responsável, por sua conta e risco, que a modalidade contratual escolhida seja a ideal e que o contrato seja celebrado respeitando as disposições legais e de boa-fé, não sendo necessário que o Utilizador ou os seus subcontratados apresentem qualquer documentação a este respeito à A…. A subcontratação será realizada através da utilização de uma única conta detida pelo Utilizador. Através da possibilidade de subcontratação, o Utilizador nomeia substitutos que poderão realizar a prestação de serviços em seu nome, podendo a conta ser utilizada por apenas uma pessoa de cada vez e ao mesmo tempo. O Utilizador será responsável pelas violações dos Termos e Condições da plataforma por parte da(s) pessoa(s) subcontratada(s), bem como pela correta utilização da plataforma. Os atos, erros ou violações dos Termos e Condições da plataforma por parte de qualquer subcontratado não serão atribuíveis, em caso algum, à A…, que poderá redirecionar a responsabilidade ao Utilizador caso alguma violação por parte do Utilizador ou subcontratado lhe for imputada. O Utilizador será responsável pelas obrigações dos subcontratados, mesmo no caso de notificação à A…. Da mesma forma, o Utilizador isentará a A… de quaisquer danos que a A… possa sofrer direta ou indiretamente devido às ações dos referidos subcontratados. Os valores provenientes da prestação dos serviços executados pelos subcontratados, pagos pelos clientes e estabelecimentos, utilizadores da plataforma, serão transferidos para o Utilizador, assumindo este a responsabilidade de gerir o pagamento dos referidos valores junto da(s) pessoa(s) subcontratada(s). Desde que os requisitos acima sejam cumpridos, a pessoa subcontratada terá o mesmo acesso à cobertura de seguro de acidentes pessoais e responsabilidade civil que o titular da conta durante o tempo em que utilizar a plataforma. Estes seguros não excluem nem substituem os seguros obrigatórios pelo Utilizador ou pelo(s) seu(s) subcontratante(s) de acordo com a legislação aplicável. O Utilizador será o único responsável pelo pagamento da taxa de utilização da plataforma da conta. (…)». Em nosso entendimento, a conjugação das declarações do(a) inspetor(a) do trabalho com o depoimento do prestador de atividade, complementada com a documentação referida e, em vários pontos, pelo depoimento da testemunha CC, permitem que se considere provada grande parte da matéria alegada pelo autor, expurgado de alguns aspetos que, ou não resultaram provados, ou constituem matéria conclusiva ou de direito. Consideramos igualmente que, em alguns aspetos, será necessário considerar provada matéria que constitui uma resposta explicativa da matéria alegada, ainda que consideremos que está dentro daquilo que foi alegado (designadamente, mas não só, porque são descritas algumas alterações no funcionamento na aplicação informática, estabelecendo-se diferenças relevantes entre antes e depois de maio de 2023). . Um aspeto que foi discutido prende-se com a finalidade da geolocalização. Não existe dúvidas que o prestador de atividade tinha de permitir o acesso da ré à geolocalização para prestar atividade, designadamente receber propostas, mas para além disso, para informar o Estabelecimento Comercial ou o Utilizador Cliente da localização do Estafeta; calcular o tempo de recolha ou entrega; e oferta de pedidos; faturação (a fim de obter informações relativas à quilometragem e despesas atribuíveis); e segurança rodoviária, antiterrorismo, branqueamento de capitais ou prevenção de crimes contra a segurança pública. Por outro lado, em matéria de não permissão de acesso à geolocalização, o que resulta destas condições é que “o Estafeta pode desativar a geolocalização quando não está a usar a Plataforma”. Para além disso, a testemunha CC admitiu que é usada para outras finalidades, como calcular o tempo de espera no restaurante, para efeitos de retribuição e quando existem reclamações sobre a entrega, para verificar que o estafeta esteve no local da entrega. Não há dúvida, e isso resulta dos vídeos e da auditoria apresentada, que um estafeta, depois de receber um pedido, pode executar a tarefa de entrega sem a geolocalização, mas é evidente que a geolocalização nunca é desligada e, quer da forma como funciona a aplicação (e os estafetas revelam muito receio de fazer algo diverso do que a aplicação pede ou que acham que é o que devem fazer, revelando até alguma estupefação quando era perguntado sobre a possibilidade de desligar a geolocalização e referindo, muitas vezes, algo como “eles sabem sempre onde estamos”), como se vê no vídeo em que a aplicação está constantemente a pedir que se ative a geolocalização e o tratamento das entregas (designadamente a sua recolha e conclusão), sem a geolocalização, é tratada como um problema de uso da aplicação, exigindo um reporte ao atendimento (salientando-se que enquanto não for feita a conclusão da entrega, o estafeta não recebe outros pedidos). Daqui resulta claramente que não é certo que o estafeta possa desligar a geolocalização, pois das condições apenas resulta que o pode fazer quando não estiver a usar a plataforma, a aplicação está desenhada ou concebida para funcionar na sua plenitude com a geolocalização ligada e esta é a normalidade considerada pelos estafetas como uma obrigatoriedade inquestionável (mesmo que seja possível fazer a entrega sem a geolocalização). No que respeita à matéria alegada pela ré, consideramos igualmente que, tudo que disser respeito à alegada prestação efetuada pelo prestador de atividade em concreto deste prestador, não existem elementos que nos permitam afirmar essa factualidade, salvo quanto à existência de recusas de tarefas ou alterações do multiplicador, pelo que consideramos provados os factos relativos à plataforma e aos prestadores de atividade em geral. Para além disso, existem alguns factos que não resultaram propriamente da prova produzida (não existência de qualquer avaliação durante todo o período – pois resulta que esta existia e deixou de existir em fevereiro de 2024 – e nas condições gerais consta, não uma avaliação propriamente dita, mas uma reputação resultante de dados objetivos, informação numérica e métricas fornecidas pelos Utilizadores da Plataforma e os clientes do Estafeta: Utilizadores Cliente e Estabelecimentos Comerciais; inexistência de regras de conduta, pois existe um código de conduta e o prestador referiu a transmissão de regras de cordialidade) ou implicam uma classificação da atividade da ré, como intermediário tecnológico entre comerciantes, clientes e estafetas, que implicam uma qualificação da relação contratual e, por isso, deixamos para a matéria de direito. Para além disso, existem outros dois aspetos em que entendemos que as próprias condições gerais apontam em sentido diferente da factualidade alegada pela ré, ou pelo menos, da forma como esta factualidade está alegada. Por um lado, no que respeita ao exercício de atividade em qualquer local, a prova produzida apontou no sentido de que efetivamente existe uma escolha pelo estafeta, no registo e para o poder completar, sobre uma cidade, mas escolhendo uma cidade, depois é-lhe definida pela plataforma uma zona que vai para além da cidade escolhida e o estafeta não pode exercer atividade em qualquer local, está vinculado a essa zona, tendo de solicitar à ré a alteração da zona para poder prestar atividade noutro local, sendo que das imagens obtidas no centro de ajuda da aplicação resulta que a mudança de cidade implica o preenchimento de um formulário da ré, dá lugar à desativação da conta existente e à criação de uma nova conta e está sujeita à necessidade da ré de estafetas na cidade para a qual o estafeta quer mudar a atividade, ou seja, não é livre, dependendo de formalidades e da necessidade definidas pela própria ré. Por outro lado, das próprias condições gerais resulta claramente que o prestador de atividade não pode substituir-se discricionariamente, antes pelo contrário, não está prevista a possibilidade de subcontratação do serviço propriamente dito, mas antes da conta (subcontratação da conta) a efetuar nos termos e condições de utilização da plataforma, designadamente não permite a utilização da conta ao mesmo tempo que está a ser subcontratada ou em zona diferente, exige que o subcontratado esteja registado, submetendo um conjunto de documentos e seja possível a verificação da sua identidade pela plataforma, pelo que não podemos considerar provada a matéria tal como alegada pela ré. Por fim, como se considerou não provados alguns factos alegados pela ré por força da forma como são alegados e por se considerar que alguns aspetos podem não corresponder à realidade, considera-se provado, nestas matérias, aquilo que resulta exatamente dos termos e condições.» (Fim da transcrição) Em súmula, o Tribunal a quo fundamentou os pontos de facto provados e não provados, detalhando as fontes da prova e a metodologia geral utilizada, designadamente: - Conjugação de Provas: Recorreu à conjugação de depoimentos (inspetora do trabalho, o estafeta em concreto e a testemunha CC) com a documentação apresentada (incluindo informações da Recorrente fornecidas aos serviços centrais da Autoridade para as Condições do Trabalho; Certidão de registo comercial da Recorrente; Participação elaborada pela Autoridade para as Condições do Trabalho; O Código de Ética que rege a atividade dos utilizadores da plataforma A…app; As imagens obtidas através do centro de ajuda do sítio da Recorrente na internet; O relatório de auditoria apresentado pela Recorrente; Os 3 vídeos juntos aos autos pela Recorrente; Dos termos e condições relativos aos utilizadores estafetas). - Prioridade da Factualidade: Priorizou a factualidade específica sobre o estafeta em causa, baseada no seu próprio depoimento, complementada pelo depoimento da inspetora do trabalho e pela documentação. - Expurgo de Matéria Conclusiva: Mencionou ter expurgado “aspetos que, ou não resultaram provados, ou constituem matéria conclusiva ou de direito”. - Respostas Explicativas. Referiu que considerou provada matéria que é uma resposta explicativa da matéria alegada. - Justificação de Factos Não Provados: Explicou o motivo pelo qual alguns factos alegados pela Recorrente não foram provados. - Termos e Condições como Fundamento: Indicou que, em algumas matérias onde os factos alegados pela Recorrente não foram provados, considerou provado o que resultava dos termos e condições. Importa apreciar e decidir: Para o efeito, analisou-se a prova pessoal produzida em audiência final, sendo os aspetos essenciais dos depoimentos prestados, face à matéria em reapreciação, os seguintes: 1 - Testemunha BB (Inspetora da Autoridade para as Condições do trabalho): Confirmou, em síntese, vários aspetos relacionados com a plataforma e a atividade dos estafetas, nomeadamente: ● O modo, as informações e os documentos necessários para a inscrição na plataforma. ● Que o estafeta preenche os campos solicitados e aceita os termos, sem os negociar. ● A existência de links para vídeos que explicavam o modo de funcionamento da plataforma e continham informações/instruções gerais. Não viu o conteúdo destes vídeos, mas referiu que, pelo que percebeu, os estafetas consideravam a sua visualização como obrigatória. Os vídeos mencionavam regras de boa conduta. ● Que os estafetas podem trabalhar com outras plataformas. ● Que os estafetas referiram alterações na plataforma e na aplicação da plataforma, de vária ordem, designadamente por volta da entrada em vigor da "agenda do trabalho digno". 2 - Testemunha AA (estafeta visado na ação inspetiva da ACT): No seu depoimento, o estafeta AA referiu vários aspetos sobre a sua atividade com a plataforma: ● Descreveu a sua relação com a Recorrente (A...) desde o início e o modo de funcionamento da aplicação. ● Relatou o processo de manuseamento do dinheiro recebido dos clientes, indicando que esse dinheiro pertencia à plataforma e que, por vezes, o valor era muito maior do que o que tinha a receber pelas viagens. A plataforma indicava-lhe como proceder, seja descontando o que lhe era devido, seja ordenando-lhe que depositasse o dinheiro numa conta bancária da A.... ● Confirmou que abriu atividade nas Finanças como trabalhador independente apenas porque era uma exigência da Recorrente, e não por decisão própria de atuar como empresário de serviços de transportes. Mencionou ser isento de IVA no primeiro ano. ● Relativamente aos vídeos disponibilizados aquando do registo, afirmou que não são de visualização obrigatória. Confirmou que estes vídeos explicam o funcionamento da aplicação, mas que não contêm instruções sobre como fazer as entregas, como se apresentar, como tratar os clientes, nem contêm informação sobre seguros. ● Afirmou que podia trabalhar "à vontade", incluindo sábados, domingos e feriados. ● Disse que teve duas semanas sem trabalhar e que não teve de informar a Recorrente nem sofreu qualquer punição ou consequência. ● Referiu que começou a fazer entregas com carro e depois mudou para uma moto, e que nunca precisou de informar a Recorrente sobre esta alteração. ● No período em que trabalhou para a A... (julho a novembro de 2023), dedicou-se exclusivamente a entregas através de plataformas digitais, nunca fazendo serviços para outras plataformas ou diretamente para restaurantes/comerciantes. No entanto, a sua atividade principal era num trabalho por turnos numa fábrica, tendo deixado de fazer serviços pela A... quando mudou para um horário de fábrica das 9h às 17h. ● Indicou que a sua atividade era realizada numa área geográfica determinada pela A..., designada como São João da Madeira, que incluía áreas de Oliveira de Azeméis e Santa Maria da Feira. Embora pudesse solicitar a alteração da sua zona de atuação, isso requeria autorização da Recorrente, não sendo uma mera comunicação. ● Explicou que o preço das entregas não era negociável e que, na prática, teve de colocar o seu multiplicador (fator que afeta o valor pago por entrega) no valor mínimo para receber propostas de entrega. ● Recebia os pagamentos com periodicidade quinzenal. ● Descreveu situações em que a Recorrente aplicava penalizações/bloqueios à sua conta na aplicação, dando exemplos como bloqueio por falta de reconhecimento positivo, por não depositar dinheiro recebido, por se afastar da área de atuação designada, ou por recusar um certo número de pedidos. ● Referiu que se apresentava aos comerciantes e clientes como estafeta da Recorrente. 3 - Testemunha CC (gestor de operações da Recorrente/A...): Mencionou vários aspetos relacionados com o funcionamento da plataforma e a atividade dos estafetas, nomeadamente: ● Classificou a Ré (A...) como uma plataforma tecnológica de intermediação que estabelece a comunicação entre vários tipos de utilizadores: cliente final, comerciante e estafeta. ● Mencionou que os serviços da plataforma são pagos, pois todos os utilizadores pagam uma taxa pela utilização da plataforma. ● Relativamente aos vídeos disponibilizados aquando da inscrição, confirmou que não são de visualização obrigatória, não existe controlo sobre se os estafetas os viram ou não, e que estes vídeos incidem apenas sobre o funcionamento da aplicação e não contêm instruções sobre como fazer as entregas, como se apresentar, como tratar os clientes, nem contêm informação sobre seguros. Não contêm "normas comportamentais". ● Referiu que a Recorrente não fixa limites mínimos nem máximos de serviços. ● Explicou que, quando é apresentada uma proposta de serviço de entrega, aparecem 3 informações principais: morada de recolha, morada de entrega e o preço estimado, juntamente com a estimativa de quilómetros. O estafeta aceita ou rejeita o serviço. ● Afirmou que o preço não é negociável pelo estafeta. Os preços são variáveis e dependem de vários fatores não dependentes da Recorrente, como o multiplicador escolhido pelo estafeta, a distância e a hora. ● Disse que não aparece um mapa com o percurso sugestivo na aplicação. A Recorrente não impõe qualquer itinerário e o estafeta é livre de escolher o percurso. No entanto, o mapa usado para determinar os quilómetros é mostrado. ● Descreveu o processo de manuseamento do dinheiro recebido dos clientes, confirmando que esse dinheiro pertencia à plataforma e que a plataforma indica ao estafeta como proceder, seja descontando valores a receber, seja ordenando o depósito do dinheiro numa conta bancária da A.... ● Referiu que o estafeta pode trabalhar "à vontade", recusar prestar serviços e não se ligar à aplicação pelo período que entender, sem necessidade de aviso/informação ou punição/consequência. ● Explicou que, no registo do veículo, apenas se indica o tipo (ex: "carro"), não sendo necessária documentação específica ou matrícula, pois os instrumentos de trabalho são responsabilidade do estafeta, e a A... não solicita essa informação. ● Afirmou que os estafetas pagam pelos seguros de acidentes disponibilizados pela plataforma, não sendo estes "oferecidos" pela Recorrente. Confirmou a existência de um seguro de acidentes através da plataforma, distinto do seguro do veículo. ● Mencionou que os estafetas não são obrigados a ter elementos identificativos/distintivos e que a Recorrente não sabe nem controla o tipo de mochilas que os estafetas utilizam, nem proíbe o uso de recipientes de marcas concorrentes. ● Disse que a geolocalização só precisa de ser ativada pelo estafeta e só nesse caso os dados são comunicados ao cliente e estabelecimento. A Recorrente não controla o estafeta através de geolocalização. ● Referiu que os estafetas não são penalizados por não ativar o botão "cheguei" ou por más avaliações. ● Disse que os estafetas se registam voluntariamente para oferecer serviços. ● Confirmou que o cliente e o estabelecimento podem cancelar ou reatribuir o serviço. ● Esclareceu que, embora o estafeta escolha a sua área de atuação, a alteração dessa área requer autorização da Ré, não sendo uma mera comunicação. * Resumido o que foi espontaneamente declarado pelas pessoas inquiridas nas sessões da audiência final, constata-se que a sentença recorrida, de forma clara e detalhada, sintetizou os aspetos relevantes da prova oral. Não há elementos novos a acrescentar à motivação feita pelo Ex.mo Senhor Juiz “a quo”. Considerando o conjunto probatório, conclui-se inexistir erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto. A versão dos factos trazida a juízo e dada como provada encontra amparo nos depoimentos das testemunhas acima sucintamente transcritos, em conjugação com a documentação apresentada (incluindo informações da Recorrente fornecidas aos serviços centrais da Autoridade para as Condições do Trabalho; Certidão de registo comercial da Recorrente; Participação elaborada pela Autoridade para as Condições do Trabalho; O Código de Ética que rege a atividade dos utilizadores da plataforma Glovoapp; As imagens obtidas através do centro de ajuda do sítio da Recorrente na internet; O relatório de auditoria apresentado pela Recorrente; Os 3 vídeos juntos aos autos pela Recorrente; Dos termos e condições relativos aos utilizadores estafetas), em conformidade com a fundamentação exaustiva presente na decisão recorrida. Acresce que o Parecer do INESC-ID, conforme salienta o Ministério Público nas suas contra-alegações recurso, foi baseado em testes na aplicação da A... e em dados fornecidos pela empresa (parte interessada), sem que tenha existido uma recolha livre e independente dos dados. Além disso, a Recorrente, após a denominada “agenda do trabalho digno” foi alterando o modo de funcionamento da plataforma e os termos e condições ao longo do tempo. Não é assim de atribuir ao referido parecer idêntico peso probatório aos demais testemunhos diretos acima assinalados. Por último, mantendo-se inalterada a redação dos factos provados nos pontos 3 e 42, sob pena de contradição, fica prejudicada a pretensão da Recorrente de que sejam considerados provados os artigos 116.º, 117.º, 127.º e 131.º, e de que o facto foi considerado não provado do ponto 8.º passe a ser dado como provado (Conclusão T). Em conclusão, a impugnação da decisão da matéria de facto improcede na sua totalidade, pelos motivos acima expostos. * III - FUNDAMENTOS DE DIREITO: A sentença recorrida fundamenta a sua decisão na análise das seguintes matérias: Questões Prévias. 1) Inconstitucionalidade do processo inserido numa ação de reclassificação em massa por violação de direitos, liberdades e garantias da Recorrente: ● Resposta: O Tribunal a quo considerou, em suma, não existir fundamento para que o cumprimento dos prazos legais pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) redunde, substancialmente, numa situação de impossibilidade de resposta adequada da Recorrente às notificações efetuadas. Consequentemente, não existe fundamento para considerar uma situação de inconstitucionalidade (neste caso, relativamente às normas que estabelecem prazos curtos para resposta aos procedimentos administrativos), não devendo ser reconhecida a existência de uma exceção dilatória atípica conducente à absolvição da Ré da instância. 2) Inconstitucionalidade dos artigos 12.º e 12.º-A do Código do Trabalho, conjugados com os n.º 1 e 3 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, quando interpretados no sentido de que a ACT os pode utilizar como instrumentos repressivos para visar um setor de atividade específico (plataformas digitais de intermediação tecnológica, particularmente as de serviços de entrega), numa reclassificação setorial dos vínculos, independentemente das circunstâncias de facto, do modo de operar de cada plataforma digital, das expectativas dos operadores económicos envolvidos (nomeadamente, os estafetas) e da prova dos factos de base das “presunções” aplicáveis, por violação dos princípios da proteção da confiança, da segurança jurídica e da não discriminação (artigos 2.º e 13.º da Constituição da República Portuguesa), e da liberdade de escolha de géneros de trabalho (artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa): ● Resposta: Esta questão obteve igualmente uma resposta negativa. Em súmula, considerou-se que, por um lado, não se verificam quaisquer dos fundamentos que justificam a afirmação de uma frustração da expectativa da Ré no sentido de uma alteração que importe a proteção da sua confiança jurídica. Por outro lado, o tratamento diferenciado de um setor de atividade, mais concretamente, as empresas que operam através de plataformas digitais, não importa qualquer violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que se trata precisamente da necessidade de ajustamento normativo para tratar de forma diferente o que é diferente. ● Adicionalmente, a liberdade de escolha de géneros de trabalho, prevista no artigo 47.º da Constituição da República Portuguesa, insere-se precisamente na discussão a propósito da liberdade de iniciativa económica, não se vislumbrando como uma norma presuntiva, como a que resulta dos artigos 12.º, n.º 1 e 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, possa violar este dispositivo constitucional. 3) Desconformidade do artigo 12.º-Autor do Código do Trabalho com o Direito da União Europeia: ● Resposta: O Tribunal a quo sustenta que a questão em causa é a qualificação de um contrato e não a possibilidade de as partes contratarem e exercerem uma atividade. Salienta que a presunção de laboralidade centra a sua finalidade no reconhecimento de que, no âmbito de relações laborais, existem muitas situações em que a liberdade individual da parte mais frágil está muito limitada. O legislador tem a preocupação de proteger a parte que, por estar numa situação de fragilidade económica, não tem liberdade de discutir os termos e condições em que as relações contratuais são enquadradas por entidades com maior poder económico. ● Concluiu que o artigo 12.º-A do Código do Trabalho, na conjugação do n.º 1 com os n.º 4 e 5, não viola o Direito da União Europeia e deve, isso sim, ser interpretado em conformidade com este, mais concretamente com as características de subordinação e de autonomia que têm resultado das apreciações da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, ainda que devidamente atualizada, considerando as mutações verificadas no âmbito das relações contratuais, eventualmente de natureza laboral. Qualificação Jurídica da Relação Contratual: O Tribunal a quo explanou o seu raciocínio nos seguintes termos. I – Analisou a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho e, especificamente para as plataformas digitais, a constante no artigo 12.º-A do Código do Trabalho (aditado no âmbito da denominada “Agenda do Trabalho Digno” pela Lei n.º 13/2023, de 03.04). II. Partiu para a análise das características constantes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, sem prejuízo de aceitar a dificuldade do seu preenchimento perfeito. III. Considerou preenchida a característica de local de trabalho em sentido amplo prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho. IV. Passou para a análise da alínea b) do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, a propriedade dos equipamentos e instrumentos de trabalho. Apesar de os instrumentos de trabalho corpóreos pertencerem ao prestador de atividade, existe um instrumento de trabalho incorpóreo absolutamente essencial e predominante no desenvolvimento da atividade do próprio prestador de atividade, que é a aplicação informática que a plataforma digital disponibiliza ao prestador de atividade ou estafeta e que este descarregou para o respetivo telemóvel, o que implica igualmente o preenchimento da característica constante da alínea f) do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho. V. Passou para a análise do preenchimento de outras características constantes do artigo 12.º-A, n.º 1, do Código do Trabalho, para concluir estarmos perante uma plataforma digital e que se encontram preenchidas as características constantes das alíneas a), b) e c). VI. Relativamente à característica prevista na alínea a), considerou não existir dúvida que é a Ré quem fixa a retribuição, pois é esta quem define o preço de cada entrega e a retribuição do prestador de atividade e fixa, através do multiplicador, os limites máximos e mínimos para a retribuição. A existência de uma aceitação de proposta não significa que não seja a Ré a fixar a retribuição, porquanto esta não é objeto de negociação (o prestador de atividade não pode efetuar uma contraproposta). IX. No tocante ao preenchimento da característica prevista na alínea e), considerou que do facto provado no ponto 58 se extrai que existem situações em que a Recorrente suspende a atividade do prestador de atividade. X. Analisou se a presunção de laboralidade foi afastada, para tanto, chamou à colação o Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 22 de abril de 2020 – Processo n.º C-692/19 – Caso Yodel Delivery Network, Ltd. Considerou que o prestador de atividade assume algum risco do negócio, pois recebe à tarefa, mas este elemento deve ser visto com cautela e nunca com caráter decisivo; face ao controlo biométrico e aos efetivos constrangimentos à substituição por terceiro, considerou que a prestação é infungível; não existe dependência económica, visto que o prestador de atividade não vive dessa atividade de estafeta; considerou existir integração do prestador de atividade no âmbito da organização do beneficiário, o estafeta vinculou-se aos termos e condições definidos pela Ré e que conformam as regras da sua organização. XI. Considerou que a Ré, na sua relação com os estafetas, a plataforma não deve ser qualificada como um “mero” parceiro tecnológico ou, eventualmente, como uma plataforma de transportes, dando nota que a questão da qualificação do contrato como de trabalho não se coloca se os utilizadores estafetas já forem profissionais do ramo, com organizações já constituídas para operar no setor de transportes, ou estiverem integrados, com contrato de trabalho subordinado em empresa profissional do ramo, pois, nesse caso, não há dúvida de que já antes operavam como profissionais ou surgem ligados a outra organização que atua como tal no mercado. XII. Deu nota de que em alguns países a questão da qualificação de plataformas como empresas tecnológicas ou como empresas de transportes já foi judicialmente discutida e, pelo menos, na Suíça e em Espanha, as mais altas instâncias judiciais decidiram que as plataformas em causa eram empresas de transportes e teriam de atuar de acordo com as regras relativas a este setor, afastando a tese de que este tipo de plataformas opera apenas como um parceiro que fornece a outros profissionais e a consumidores finais uma solução tecnológica de conexão ou intermediação. XIII. Concluiu que, olhando para a situação concreta, não é possível indicar quaisquer critérios no sentido de que o prestador de atividade exerce uma atividade verdadeiramente autónoma, com uma organização própria, no período compreendido entre julho e meados de novembro de 2023, ainda que a tempo parcial, com duas folgas semanais, à terça e quarta-feira. XIV. Os factos permitem afirmar que, no período entre julho e meados de novembro de 2023, a Ré pôde contar com a regularidade do prestador de atividade para aquele serviço de entregas e só a partir de meados de novembro de 2023 é que aquela regularidade se desvaneceu. Considerou que a mera possibilidade de exercício de atividade concorrente por dispensa do cumprimento do dever de lealdade, na vertente da não concorrência, não é suficiente, e que não basta a execução de uma ou outra prestação de atividade para terceiros, sendo necessário que o exercício dessa atividade concorrente surja de forma estruturada, coerente e organizada, para se distinguir de meras situações de pluriemprego consentidas pela plataforma digital. XV. Concluiu que os factos na sua globalidade não apontam no sentido do afastamento da presunção de laboralidade entre julho de 2023 e meados de novembro de 2023, e que essa relação possa ter eventualmente cessado através de uma espécie de revogação tácita * Importa, agora, avaliar a correção da solução adotada. A Recorrente alega erro na aplicação do direito, sustentando a existência de uma relação autónoma. Esta é a principal divergência a analisar em sede de recurso. Passemos, então, à sua análise: I – Noção de Contrato de Trabalho versus Prestação de Serviços O contrato de trabalho estava definido no artigo 1.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho[15], como sendo: “Aquele pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta “– vide, ainda o artigo 1152.º do Código Civil. Era pacífico, quer em termos doutrinais, quer jurisprudenciais, que, suscitando-se a questão prévia da qualificação da relação, nos termos gerais, incumbia ao trabalhador o ónus de provar a existência do contrato de trabalho (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). Nos casos de dúvida, era muito frequente o recurso jurisprudencial ao chamado «método indiciário», com o objetivo de formular um juízo global sobre a qualificação contratual. O artigo 11.º do Código do Trabalho (2009[16]) dá-nos a seguinte noção de contrato de trabalho: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”. O artigo 1154.º do Código Civil define a prestação de serviços como (o contrato) aquele: “em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra, certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”. Trata-se de um contrato que, no dia a dia e nas divergências jurídicas, anda, com aquele primeiro, paredes-meias. Na prática, a distinção entre ambos os contratos, é frequentemente complexa. Com efeito, a prestação de serviços pode também ser retributiva ou onerosa e, por outro lado, deve-se ter em consideração que a retribuição, quer num caso quer noutro, pode ser certa, mas também mista ou decomposta em vários itens remuneratórios. Torna-se, assim, uma tarefa espinhosa e árdua saber se o contrato que as partes quiseram e celebraram foi de trabalho ou de prestação de serviços. Apesar da complexidade da distinção, é fundamental a caracterização do contrato – como de trabalho – e a sua delimitação, mormente em relação à prestação de serviços: a natureza do vínculo determina a legislação aplicável; se se trata de um contrato de trabalho, as relações jurídicas regem-se pela disciplina própria do direito do trabalho, enquanto as situações oriundas de um contrato de prestação de serviços seguem o regime próprio do direito civil, tout court. A doutrina é extensa e a jurisprudência é vasta ao abordar este tema tanto na distinção em relação a outros contratos afins quanto na sua própria caracterização. O contrato de trabalho é, antes de mais, tal como os seus semelhantes, uma figura negocial privada, subordinada ao princípio da autonomia da vontade, seja na vertente genérica da liberdade de celebração, seja na vertente mais específica da liberdade de conformação concreta. É também um negócio jurídico bilateral, nominado, típico, causal, oneroso e sinalagmático. É um contrato de execução continuada e – ainda hoje -, com cariz intuitu personae. De forma simplista, podemos afirmar que o contrato de trabalho, enquanto acordo vinculativo, tem como finalidade a troca da atividade, do serviço, da “força do trabalho” pela retribuição, dinheiro ou equivalente. Ambos os lados da troca são objeto do negócio, mas é a atividade que especialmente caracteriza o vínculo. Ou seja, o empregador tem que pagar e o trabalhador tem de prestar a atividade. Como? Diz o artigo 11.º: “no âmbito de organização e sob a autoridade destas”. Ou seja, a organização e a direção são elementos-chave para identificar a existência de um contrato de trabalho. Mister e preponderante deve ser aquela autoridade e direção (da pessoa a quem é prestada a atividade). Tem-se entendido que é na existência ou inexistência do elemento de subordinação jurídica que se deve encontrar a tónica da distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços. “Sob a autoridade” da pessoa a quem é prestada a atividade significa isto: a atividade é prestada em regime de subordinação jurídica. Subordinação significa dependência. Em que sentido? – Exatamente no sentido em que o trabalhador se vincula a prestar um certo tipo de atividade e (mais) se sujeita a que a atividade seja concretamente determinada pelo empregador; a sua atividade depende – ou, em cada momento, pode depender – da determinação do empregador. A subordinação implica o dever de obediência [artigo 128.º, n.º 1, alínea e)]. Com efeito, a subordinação jurídica consiste na possibilidade do empregador, através de ordens e diretrizes, dar forma à atividade do trabalhador, programando-a, organizando-a e dirigindo-a, determinando também com que meios, quando, como e onde deve ser levada a cabo. Mas, sendo consensual o contrato, pode acontecer que a conformação seja um poder invisível porque as partes conseguem alcançar o objetivo do negócio sem necessidade de ordens concretas ou, simplesmente, porque, de facto, as vontades vão coincidindo ao longo do tempo. Com efeito, basta que o empregador tenha o poder de dar ordens, mesmo que não as exerça de forma constante. Ademais a forma do contrato (nomem iuris) não prevalece sobre a sua substância, o que importa é a prevalência da execução prática do contrato em detrimento da mera denominação que lhe é atribuída. Em suma: a vontade das partes deve ser inferida da prática da execução contratual, e não apenas do que está escrito no contrato. II – Presunção de Laboralidade Em linha com a Recomendação n.º 198.º da Organização Internacional do Trabalho, o artigo 12.º [de forma mais incisiva que o anterior artigo 12.º do Código de Trabalho de 2003 (entrada em vigor no dia 01.12.2003), e a redação introduzida ao artigo 12.º pela Lei n.º 09/2006, de 20 de março (entrada em vigor no dia 25.03.2006)], estabelece uma presunção de laboralidade. Fazendo-o nos seguintes termos: “Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes caraterísticas: a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade; c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.” Conforme salienta João Leal Amado[17], o legislador, ao estabelecer a presunção de laboralidade, visou facilitar a prova da existência de um contrato de trabalho, perfilando-se como uma técnica de combate à dissimulação ilícita de relações laborais. Com efeito, o Código de Trabalho (2009) selecionou um determinado conjunto de elementos, considerando que a verificação de alguns deles (dois) bastará para a inferência da subordinação jurídica. Contudo, no âmbito da era digital, a verificação dos requisitos previstos nas alíneas a) a e) do artigo 12.º, pode-se afigurar difícil, dado que este artigo não foi concebido para o setor do trabalho digital. Como sublinha, Teresa Coelho Moreira[18]: «Contudo, esta presunção, apesar de ser positiva, foi perspetivada para as relações de trabalho típicas, para as relações de trabalho na era pré digital. Para as novas formas de prestar trabalho, para o trabalho nas plataformas digitais, para o trabalho na era digital, novos desafios surgiram e para os quais, porventura, a atual presunção de laboralidade constante do CT não consegue dar resposta satisfatória. Na verdade, os indícios que constam da presunção do art. 12.º são como que umas lentes que auxiliam a encontrar a laboralidade dos contratos, mas se continuar a atender-se a estes indícios em sentido estrito e com as lentes do século passado, pode ter-se alguma dificuldade em identificar trabalhadores no século XXI.» (Fim da transcrição e negrito nosso) Ora, a recente alteração ao Código do Trabalho, operada pela Lei n.º 13/2023, de 3 de abril[19], introduziu uma nova presunção de laboralidade no âmbito da prestação de atividade para plataformas digitais. Assim, foi aditado ao Código do Trabalho[20], o artigo 12.º-A, sob a epígrafe «Presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataformas digitais.» O seu texto na parte relevante é o seguinte: “1 – Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre o prestador de atividade e a plataforma digital se verifiquem algumas das seguintes características: a) A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela; b) A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade; c) A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica; d) A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho ou dos períodos de ausência, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma; e) A plataforma digital exerce poderes laborais sobre o prestador de atividade, nomeadamente o poder disciplinar, incluindo a exclusão de futuras atividades na plataforma através de desativação da conta; f) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação. 2 – Para efeitos do número anterior, entende-se por plataforma digital a pessoa coletiva que presta ou disponibiliza serviços à distância, através de meios eletrónicos, nomeadamente sítio da Internet ou aplicação informática, a pedido de utilizadores e que envolvam, como componente necessária e essencial, a organização de trabalho prestado por indivíduos a troco de pagamento, independentemente de esse trabalho ser prestado em linha ou numa localização determinada, sob termos e condições de um modelo de negócio e uma marca próprios. 3 – O disposto no n.º 1 aplica-se independentemente da denominação que as partes tenham atribuído ao respetivo vínculo jurídico. 4 – A presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. 5 – A plataforma digital pode, igualmente, invocar que a atividade é prestada perante pessoa singular ou coletiva que atue como intermediário da plataforma digital para disponibilizar os serviços através dos respetivos trabalhadores. 1 – No caso previsto no número anterior, ou caso o prestador de atividade alegue que é trabalhador subordinado do intermediário da plataforma digital, aplica-se igualmente, com as necessárias adaptações, a presunção a que se refere o n.º 1, bem como o disposto no n.º 3, cabendo ao tribunal determinar quem é a entidade empregadora. (…).” Nas palavras de João Leal Amado[21]: «As profundas mudanças registadas, nos últimos anos, na forma de trabalhar e nos modos de prestar serviços, pondo em contacto a oferta e a procura, interpelam, crescentemente, o Direito. E também, claro, o Direito do Trabalho. Em particular, o trabalho prestado com recurso a plataformas digitais, seja a que nos proporciona uma alternativa de transporte ao clássico táxi, seja a que nos permite encomendar o almoço ou o jantar através de uma cómoda app, tem colocado questões jurídicas delicadas, dir-se-ia que à escala universal, a primeira das quais consiste, claro, na qualificação da relação que se estabelece entre a empresa que opera na plataforma digital (a A…, a E…, etc.) e os respetivos prestadores de serviços, aqueles que transportam os clientes ao seu destino (os motoristas) ou que lhes levam a casa a refeição (os chamados “entregadores” ou “estafetas”).» (Fim da transcrição) Em Portugal, o Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho traçou, nesta matéria, uma linha de reflexão para as políticas públicas em matéria de plataformas digitais: «Criar uma presunção de laboralidade adaptada ao trabalho nas plataformas digitais, para tornar mais clara e efetiva a distinção entre trabalhador por conta de outrem e trabalhador por conta própria, sublinhando que a circunstância de o prestador de serviço utilizar instrumentos de trabalho próprios, bem como o facto de estar dispensado de cumprir deveres de assiduidade, pontualidade e não concorrência, não é incompatível com a existência de uma relação de trabalho dependente entre o prestador e a plataforma digital.» (Fim da transcrição) A Diretiva (EU) 2024/831 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de outubro de 2024, publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 11 de novembro de 2024, a qual visa melhorar as condições de trabalho nas plataformas digitais, prevê no seu artigo 5.º, uma presunção legal de relação de trabalho da pessoa que trabalha através de plataformas digitais, caso se verifiquem factos indiciadores de direção e controlo por parte da plataforma. Nos seus considerandos 30) e 31), lê-se, em síntese: «(30) (…) Por conseguinte, os Estados-Membros deverão definir medidas que prevejam uma facilitação processual efetiva para as pessoas que trabalham em plataformas digitais ao determinar o seu estatuto profissional correto. Neste contexto, uma presunção legal de uma relação de trabalho a favor das pessoas que trabalham em plataformas digitais, é um instrumento eficaz que contribui significativamente para a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores de plataformas digitais. Por conseguinte, deverá presumir-se juridicamente que uma relação contratual é uma relação de trabalho, tal como definida pelo direito, por convenções coletivas ou pelas práticas em vigor nos Estados-Membros, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça, sempre que se verifiquem factos indicativos da direção e do controlo. (31) Uma presunção legal eficaz exige que o direito nacional torne efetivamente mais fácil para as pessoas que trabalham em plataformas digitais beneficiarem da presunção. Os requisitos da presunção legal não deverão ser onerosos e deverão diminuir as dificuldades que as pessoas que trabalham em plataformas digitais possam ter em apresentar elementos de prova que indiquem a existência de uma relação de trabalho numa situação em que se verifica um desequilíbrio de poder face à plataforma de trabalho digital. O objetivo da presunção legal é resolver e corrigir eficazmente o desequilíbrio de poder entre as pessoas que trabalham em plataformas digitais e as plataformas de trabalho digitais. As modalidades da presunção legal deverão ser definidas pelos Estados-Membros, na medida em que as mesmas assegurem a previsão de uma presunção legal ilidível efetiva de emprego que constitua uma facilitação processual em benefício das pessoas que trabalham em plataformas digitais, e que não tenham por efeito aumentar o ónus dos requisitos para as pessoas que trabalham em plataformas digitais, ou para os seus representantes, em processos que visem determinar o estatuto profissional correto dessas pessoas. A aplicação da presunção legal não deverá conduzir automaticamente à reclassificação das pessoas que trabalham em plataformas digitais. Se a plataforma de trabalho digital pretender ilidir a presunção legal, deverá caber à plataforma de trabalho digital provar que a relação contratual em causa não constitui uma relação de trabalho, tal como definida pelo direito, por convenções coletivas ou pelas práticas em vigor nos Estados-Membros, tendo em conta a jurisprudência do Tribunal de Justiça.» (Fim da transcrição e negrito nosso). Como é sabido, o trabalho em plataformas digitais pode ser realizado exclusivamente online através de ferramentas eletrónicas (trabalho em plataformas digitais online), designado pela doutrina como crowdwork online, ou de forma híbrida, combinando comunicação online com uma atividade subsequente no mundo físico (trabalho em plataformas digitais presencial), o denominado work-on-demand via apps (por exemplo: o estafeta; o motorista da E…). Evidentemente, estas novas formas de prestação de serviços suscitam consideráveis dificuldades de enquadramento, exigindo sempre uma análise casuística atenta aos dados concretos de cada relação. De facto, como sublinha João Leal Amado[22], não existe um qualquer “subordimómetro” que forneça uma resposta infalível e irrefutável. III – Análise da Atividade do Estafeta AA Sopesando a factualidade acima dada por provada, quanto à definição da prestação de atividade realizada pelo estafeta AA, permitem-se assinalar dois períodos distintos, a saber: 1. Período Inicial (julho de 2023 a meados de novembro de 2023): -> Início da atividade: julho de 2023. -> Janela horária: Período de almoço. -> Horário específico: Entre as 11h30 e as 14h30. -> Frequência: Praticamente todos os dias. -> Dias de descanso: Terças e quartas-feiras, por serem os dias de menor ritmo. -> Duração diária: Cerca de três horas por dia. -> Período total com este padrão: Cerca de quatro meses ou quatro meses e meio. -> Área de atuação: Escolheu a cidade de São João da Madeira, mas a área de abrangência era definida pela plataforma, incluindo pelo menos os concelhos de Oliveira de Azeméis e São João da Madeira. O estafeta costumava recusar pedidos de Oliveira de Azeméis. -> Contexto: Realizava esta atividade enquanto trabalhava a tempo inteiro, por turnos, numa fábrica. 2. Período Posterior (Após meados de novembro de 2023): -> Frequência: Começou a disponibilizar-se apenas ocasionalmente. -> Períodos de interrupção/ausência: Interrompeu os acessos entre 19 de novembro e 16 de dezembro de 2023, e, posteriormente, entre 24 de dezembro de 2023 e 18 de março de 2024. -> Último serviço: O último serviço foi realizado em 21 de março de 2024. -> Motivo para cessar: Deixou de fazer serviços através da plataforma da Recorrente quando mudou de emprego e passou a ter um horário fixo (das 9h às 17h) na fábrica. 3. Adicionalmente: -> Os factos provados indicam que, durante o período em questão, AA nunca realizou serviços de entrega para outras plataformas ou diretamente para restaurantes/comerciantes. -> O seu rendimento total em 2023 como Trabalhador Independente (relacionado com a A…) foi de €2.129,46, enquanto o rendimento como trabalhador por conta de outrem foi de € 15.396,89. IV – Análise do Preenchimento das Caraterísticas da presunção de laboralidade do artigo 12.º-A no Caso Concreto: Não há dúvida de que a presunção de contrato de trabalho no âmbito da plataforma digital do artigo 12.º-A é aplicável ao presente litígio. De facto, o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.05.2025 (Relator: Mário Belo Morgado), Processo n.º 1980/23.3T8CTB.C2.S1[23], considera-a aplicável mesmo a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do artigo 12.º-A. No caso presente, e na senda da sentença recorrida, conclui-se estarmos perante uma plataforma digital e que se mostram integralmente preenchidas as caraterísticas constantes das alíneas a), b), c), d) e f) do n.º 1 do artigo 12.º-A, no período compreendido entre julho de 2023 e meados de novembro de 2023. Vejamos: 1. Quanto à alínea a): A plataforma digital fixa a retribuição para o trabalho efetuado na plataforma ou estabelece limites máximos e mínimos para aquela. Com efeito, é a Recorrente quem fixa a retribuição porque “define o preço de cada entrega” e a remuneração do prestador de atividade é a soma das entregas aceites e concluídas. -> Com exceção do "multiplicador" (que o estafeta pode alterar uma vez por dia dentro de limites pré-definidos pela plataforma), “todos os outros componentes da retribuição dependem unicamente da plataforma”. -> Apesar de os termos e condições poderem prever gratificações de clientes, estas não são consideradas retribuição paga pela plataforma. -> O prestador de atividade “não pode negociar o preço” proposto para uma entrega; ele apenas pode aceitar ou recusar a proposta. 2. Quanto à alínea b): A plataforma digital exerce o poder de direção e determina regras específicas, nomeadamente quanto à forma de apresentação do prestador de atividade, à sua conduta perante o utilizador do serviço ou à prestação da atividade: -> In casu, o estafeta não tinha uma verdadeira capacidade para organizar a sua prestação de trabalho, carecendo de autonomia para tal e estando sujeito às diretrizes organizativas fixadas pela empresa; isso revela um exercício do poder empresarial quanto ao modo de prestação do serviço. 3. Quanto à alínea c): A plataforma digital controla e supervisiona a prestação da atividade, incluindo em tempo real, ou verifica a qualidade da atividade prestada, nomeadamente através de meios eletrónicos ou de gestão algorítmica. -> A exigência de “controlo biométrico (reconhecimento facial)” com periodicidade variável constitui um sistema de controlo e supervisão da prestação de atividade. -> O sistema de “geolocalização” permite à plataforma saber onde o estafeta está disponível e, durante a entrega, monitorizar a sua localização, o que se traduz num controlo da atividade em tempo real. A possibilidade de a plataforma monitorizar a atividade em qualquer momento é suficiente, mesmo que não ocorra em contínuo. -> O facto de a atividade se reconduzir a entregas permite verificar, em cada momento, onde o prestador está e quanto tempo falta para terminar. 4. No tocante à alínea d): A plataforma digital restringe a autonomia do prestador de atividade quanto à organização do trabalho, especialmente quanto à escolha do horário de trabalho, dos períodos de ausência ou de descanso, à possibilidade de aceitar ou recusar tarefas, à utilização de subcontratados ou substitutos, através da aplicação de sanções, à escolha dos clientes ou de prestar atividade a terceiros via plataforma: -> Admite-se o preenchimento da presente alínea, bem próxima da prevista na alínea e) quanto à “capacidade da plataforma de excluir o prestador de futuras atividades”, porquanto se provou que a plataforma suspende temporariamente a possibilidade de receber pedidos, pelo menos quando o estafeta não faz o reconhecimento facial positivo ou não deposita o saldo em caixa. 5. Quanto à alínea f): Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem à plataforma digital ou são por esta explorados através de contrato de locação: -> A aplicação informática/plataforma digital é um instrumento de trabalho essencial. -> Apesar de outros instrumentos (como o telemóvel, o meio de transporte e a mochila) pertencerem ao prestador de atividade, a plataforma é vista como o “instrumento de trabalho essencial e principal”. -> Sem a aplicação, a relação entre as partes não existe, não há propostas nem entregas. Comparativamente, os instrumentos do estafeta do estafeta são de menor relevância económica. V – Funcionamento da Presunção da Existência do Contrato de Trabalho Permitimo-nos destacar a nível doutrinal[24], as seguintes posições: Para Milena Rouxinol[25]: «(…): enquanto, inexistindo (ou não se tendo como aplicável) qualquer presunção de laboralidade, na dúvida sobre a natureza do contrato o juiz deveria decidir contra quem tinha o ónus de demonstrar a sua natureza laboral, isto é, o prestador de atividade, já o funcionamento da mesma significa que, nessa hipótese de dúvida – isto é presumida a natureza laboral do contrato e apresentados ao tribunal, pela parte interessada, elementos de facto apontando em sentido oposto, mas não suficientes, porém, para convencer firmemente o tribunal de que o contrato em causa não é de trabalho –, então a decisão deverá ser favorável a quem beneficia da presunção, o prestador de atividade, e desfavorável a quem tinha o ónus de a ilidir. A presunção vincula o julgador – vale por dizer: verificados dois ou mais elementos dos elencados no artigo 12º, nº 1, ele terá de considerar demonstrada a natureza laboral do contrato -, que apenas deverá afastar-se do resultado presuntivo se o interessado em ilidir a presunção lograr fazê-lo, dissipando não apenas a convicção de que o contrato em análise é um contrato de trabalho como a dúvida sobre se o será (…).» (Fim da transcrição e negrito nosso) Por seu turno, segundo Monteiro Fernandes[26]: «O facto de o trabalhador ter a seu favor a presunção de que existe contrato de trabalho não permite concluir que este contrato existe, mas apenas dispensa o trabalhador do ónus (que em princípio de acordo com o artigo 342º, n.º 1, lhe pertenceria) de provar a existência desse contrato. Por outras palavras, o thema probandi deixa de ser a existência de um contrato de trabalho, para passar a ser a existência de um contrato de prestação de serviço (…). O que passa a ser preciso provar é a inexistência do contrato de trabalho, ou seja, a existência de contrato de prestação de serviço, (…) e essa prova incumbirá ao empregador (…).» (Fim da transcrição) Assim, para este autor[27]: «(…) A presunção é acionada pela mera constatação de que estão provados dois dos indícios factuais enumerados no artigo 12.º, e não depende de qualquer ponderação do juiz – nem conduz a nenhuma conclusão acerca da natureza do contrato discutido. Se, porventura, a matéria provada permite a subsunção direta num dos tipos contratuais em causa (por correspondência integral ou, no mínimo, essencial do caso com esse tipo), a questão não se põe e a presunção deixa, obviamente, de ter espaço para atuar. Mas, se funciona, dela resulta que o thema probandi passa a ser a existência de factos demonstrativos da existência de um contrato de trabalho independente ou autónomo, que será, em regra, um contrato de prestação de serviço. A prova destes factos – que tem que ser conclusiva – cabe ao beneficiário do trabalho (…).» (Fim da transcrição e negrito nosso) VI – Ilisão da Presunção de Laboralidade Nos termos do n.º 4 do artigo 12.º-A, a presunção prevista no n.º 1 pode ser ilidida nos termos gerais, nomeadamente se a plataforma digital fizer prova de que o prestador de atividade trabalha com efetiva autonomia, sem estar sujeito ao controlo, poder de direção e poder disciplinar de quem o contrata. O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 10.11.2021, relatora: Paula Sá Fernandes, Processo n.º 2608/19.1T8OAZ.P1.S1[28], esclarece que a presunção de laboralidade é uma presunção relativa (úris tantum), cabendo ao trabalhador alegar e provar a existência de pelo menos duas características de laboralidade ali previstas. O ónus de ilidir tal presunção recai sobre a Ré, pois, como resulta do artigo 350.º do Código Civil, quem tem a seu a favor a presunção legal escusa de provar o facto a que a ela conduz, podendo, todavia, ser ilida mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir. Veja-se, a propósito do artigo 12.º-A, o recentíssimo Acórdão do nosso Supremo Tribunal de Justiça de 28 de maio de 2025 (relator: Mário Belo Morgado), Processo n.º 29923/23.7T8LSB.L1.S1[29], em cujo sumário se lê o seguinte: «I. No caso vertente, está assente que se encontram verificados os índices da presunção de laboralidade previstos nas alíneas a), b), c), e) e f) do n.º 1 do art. 12.º-A, do Código do Trabalho, ou seja, um total de cinco elementos em seis possíveis. II. Para além desta significativa expressão quantitativa, acresce que estão verificados os índices de subordinação previstos nas alíneas a) e c), que são especialmente fortes, uma vez que os poderes de direção, supervisão e controle são elementos essenciais da relação laboral. III. Sendo certo que a qualificação de determinada situação jurídica exige sempre uma abordagem holística, em que todos os factos e circunstâncias relevantes são tidos na devida conta, a favor de uma relação de trabalho subordinado, há a considerar, desde logo, uma forte inserção do estafeta na organização algorítmica da R., encontrando-se o mesmo, inclusivamente, enquanto elemento do respetivo serviço de entregas, abrangido por um seguro de acidentes pessoais. IV. Conexamente com este elemento organizacional, também assume especial relevo a circunstância de pertencerem e serem geridas/exploradas pela R. a plataforma digital e aplicações a ela associadas (App), as quais – enquanto intermediário tecnológico no processo de transmissão dos dados relativos aos pedidos formulados pelo utilizador-cliente –são os instrumentos de trabalho essenciais do estafeta. V. Toda a sua atividade está condicionada pela efetiva ligação/conexão a estas ferramentas digitais, pelo que, neste contexto, não assume relevo decisivo o facto de o estafeta escolher a área em que trabalha, poder recusar serviços e conectar-se/desconectar-se da aplicação sempre que o entenda, sem ter de cumprir qualquer horário predefinido, nem de cumprir qualquer limite mínimo de tempo de disponibilidade. VI. O estafeta encontrava-se na dependência económica da ré e trabalhou regularmente, em regra, diariamente. A existência de um horário de trabalho não é elemento essencial do contrato de trabalho, tal como nada obsta a que o trabalhador seja pago “à peça”, sendo que esta forma de cálculo da retribuição se reconduz, no fundo, a uma forma modificada do salário por tempo. Também não é de valorizar a circunstância de o estafeta poder alterar o valor base dos serviços mediante a aplicação de um multiplicador, uma vez que esta ferramenta era disponibilizada pela própria ré e dentro dos limites por esta fixados. IX. O conjunto de factos provados que de forma mais nítida aponta no sentido de uma relação de trabalho autónomo não é, naturalmente, desvalorizável. Mas, para além de tudo o que já antes ficou dito, impõe-se ter presente que (com maior ou menor expressão) tais elementos são os habitual e tipicamente verificados no plano das relações estabelecidas entre os estafetas e as empresas detentoras de plataformas digitais, elementos já oportunamente ponderados pelo legislador nacional – bem como pelas instâncias e vários países da União Europeia – e que não obstaram à introdução da presunção de laboralidade em apreço no ordenamento jurídico, a qual foi consagrada nos termos tidos por mais adequados e que são obrigatórios para os tribunais. X. Não pode deixar de reconhecer-se que o facto de o estafeta pagar à R. uma taxa pela utilização da plataforma contrasta especialmente com a matriz típica de uma relação de trabalho subordinado. XI. Todavia, de forma alguma se pode conferir a este elemento, só por si, relevância decisiva, tanto mais que, como se sabe, o recurso a cláusulas contratuais com características de autonomia se encontra com frequência associado ao abuso do estatuto de trabalhador independente e às relações de trabalho encobertas, flagelo que com a presunção de laboralidade em apreço se visou, precisamente, combater. XII. Sem deixar de assinalar que, ao invés, no sentido da subordinação, há ainda a considerar o facto de o estafeta não ter qualquer obrigação de resultado para com a contraparte, bem como a circunstância de ele não assumir algum risco financeiro ou económico, conclui-se que a ré não logrou ilidir a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital.» (Fim da transcrição) Em suma, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que os elementos que apontam para a autonomia, embora relevantes, não são suficientes para a afastar a presunção legal e contrato de trabalho quando estão presentes, como no caso sub judice, cinco características da presunção do n.º 1 do artigo 12.º-A. Sublinhou que a existência de autonomia formal não elimina, por si, só, a subordinação jurídica, sobretudo quando a atividade do estafeta se insere de forma estruturante na organização da plataforma, que detém poderes de direção, supervisão e controlo, ainda que exercidos de forma algorítmica e não tradicional. Considera, e bem, que a dependência tecnológica do estafeta é análoga à utilização de equipamentos tradicionais fornecidos pelo empregador, reforçando a ideia de inserção do trabalhador na organização da empresa. Mesmo que o estafeta utilize meios próprios (bicicleta, veículo motorizado, telemóvel, mochila), a app e os sistemas digitais da plataforma são os verdadeiros instrumentos de trabalho, sem os quais a atividade não poderia ser exercida. Esta perspetiva reflete uma adaptação do conceito de subordinação jurídica à realidade da economia digital, onde o controlo e a organização do trabalho são exercidos por via tecnológica. A questão torna-se mais clara se nos focarmo-nos, na integração, ou não, do estafeta na estrutura organizativa da Recorrente, beneficiária da sua atividade. De facto, é fundamental ponderar as especificidades da atividade em questão. É inegável que a margem de liberdade operacional do estafeta é superior à dos trabalhadores ditos tradicionais (ex.: operário fabril, da construção civil, hotelaria, etc.) Com efeito, o estafeta não está sujeito a deveres de assiduidade e pontualidade (por exemplo, pode não estar sempre disponível, escolher as faixas horárias de prestação de serviço e até recusar serviços específicos). Também não está sujeito a deveres de exclusividade ou de não concorrência (podendo trabalhar para várias plataformas, incluindo concorrentes). Por fim, utiliza instrumentos de trabalho próprios (automóvel, mota, bicicleta, smartphone e mochila). Não obstante, mesmo assim, verificam-se traços indiciadores de subordinação bastante vincados: -> O estafeta, tal como o motorista, não tem clientes próprios; os clientes pertencem à plataforma, que é quem interage com o mercado (os utilizadores instalam a app nos seus smartphones). -> O estafeta efetua as entregas sob a marca da plataforma, prestando a sua atividade para uma organização produtiva externa (a da plataforma digital), sem possuir uma organização empresarial própria. -> Não assume riscos de ganhos ou perdas, que são assumidos pela empresa sob cuja marca presta serviços. -> É a plataforma que define o valor final a receber pelo estafeta caso este aceite o pedido de entrega, processando os pagamentos. Embora o estafeta não receba um valor fixo e periódico, o critério de determinação da remuneração é, em última análise, definido pela plataforma, apesar de o estafeta poder recusar a prestação do serviço, nomeadamente por discordar do valor proposto. Conforme defendemos no Acórdão desta secção social de 3 de fevereiro de 2025, Processo n.º 367/24.5T8AVR.P1[30], a subordinação nesta era digital deve ser encarada de forma mais flexível e adaptada a esta nova realidade tecnológica, distanciando-se do modelo fordista tradicional. Nas palavras de Teresa Coelho Moreira[31]: «O papel do Direito do Trabalho deve ser o de reivindicar ser um baluarte de quem presta atividade perante uma verdadeira desigualdade de poder negocial, sobretudo porque tem de ter-se em atenção que quando se registam nas plataformas, os trabalhadores demonstram que estão disponíveis para trabalhar e, embora teoricamente, não haja uma obrigação para aceitar as tarefas que lhe são dirigidas, as avaliações são realizadas de acordo também com o número de tarefas que aceitam, o que coloca os trabalhadores sob pressão de terem de aceitar o maior número possível de atividades, a que acresce o baixo rendimento que auferem por cada uma. Ora esta realidade coloca a liberdade de aceitação numa perspetiva completamente diferente e vê-se como não há, na maioria dos casos, uma verdadeira liberdade. (…) Quem trabalha para uma plataforma digital não pode negociar as condições de trabalho. Simplesmente limita-se a aceitá-las ou a recusá-las. E é este desequilíbrio entre as partes que é o causador de todos os riscos e que origina, inter allia, os baixos rendimentos, o excesso de flexibilidade, a não contenção dos tempos de trabalho, e a transferência dos riscos inerentes do empregador para o trabalhador.» (Fim da transcrição e negrito nosso) VII - Da presunção Legal e Consequências: Assim, não tendo a Recorrente provado os factos necessários para ilidir a presunção legal de existência de contrato de trabalho (cujo ónus da prova lhe incumbia, por força do artigo 350.º do Código Civil) prevista no citado artigo 12.º-A, a consequência inelutável é a de fazer operar a presunção aí estabelecida e concluir pela existência um contrato de trabalho, no período compreendido entre julho de 2023 e meados de novembro de 2023. Nota: A circunstância de o estafeta se ter declarado, no regime fiscal e contributivo, como trabalhador independente, bem como a ausência de contrato de seguro de acidentes de trabalho por parte da Recorrente, e o não pagamento dos subsídios de férias e de Natal, não são suficientes para afastar a presunção de laboralidade. VIII – Omissão de Pronúncia Quanto ao Termo do Contrato A Recorrente alega que a sentença, embora tenha fixado a data de início do alegado contrato de trabalho em julho de 2023, nada concluiu quanto ao seu termo. Argumenta que esta omissão torna a sentença parcialmente nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Efetivamente, constata-se tal omissão de pronúncia. Todavia, no que respeita às consequências da arguida nulidade da sentença, e tendo em consideração o estipulado no n.º 1 do artigo 665.º do Código de Processo Civil, porquanto o processo dispõe de todos os elementos indispensáveis para o efeito, não se determina a remessa dos autos à 1.ª instância. Pelo contrário, impõe-se apreciar a questão sobre a qual não houve pronúncia e que, além disso, é objeto do recurso de apelação interposto pela Recorrente[32]. O que faremos de seguida: Assim, relativamente ao período posterior (após meados de novembro de 2023), provou-se que o estafeta AA passou a aceder à plataforma ocasionalmente, com períodos de interrupção/ausência, nomeadamente, entre 19 de novembro e 16 de dezembro de 2023, e, posteriormente, entre 24 de dezembro de 2023 e 18 de março de 2024. Mais se provou que a última atividade para a plataforma foi realizada em 21 de março de 2024, e que deixou de realizar essa atividade através da plataforma da Recorrente quando mudou de emprego e passou a ter um horário fixo (das 9h às 17h) numa fábrica. Logo, a circunstância de os acessos do estafeta à plataforma digital passarem a serem ocasionais, esporádicos ou irregulares, não permitiu à plataforma contar com a sua presença efetiva e regular, o que denota autonomia a partir desse momento no exercício dessa atividade. Face ao exposto, suprindo a nulidade suscitada, impõe-se reconhecer a natureza laboral do vínculo do estafeta em causa, fixando-se a data do seu início em julho de 2023 e até meados de novembro de 2023 (data em que, por iniciativa do estafeta AA, este passou a prestar a sua atividade para a Recorrente ocasionalmente e irregularmente, com último registo de atividade a 21 de março de 2024). IX - - Da invocada Inconstitucionalidade do artigo 12.º-A por Violação do Princípio da Igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa), bem como dos artigos 18.º, n.ºs 2 e 3 e 61.º da Constituição da República Portuguesa: ALEGA A RECORRENTE: A - O artigo 12.º-A é inconstitucional por violação do princípio da igualdade e por restringir, de forma indireta, o exercício da liberdade de iniciativa económica privada enquanto liberdade de gerir a empresa sem interferências externas das plataformas digitais (artigos 13.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa). Argumenta que, ao prever uma presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital, o legislador, que terá pretendido ser fiel aos desígnios e preocupações de redução da precariedade e aos riscos associados às formas atípicas de contratação, optou por um meio para a realização destas suas finalidades que se traduz num condicionamento intolerável à liberdade contratual do credor da prestação de um serviço. Isso ocorre porque, pelo simples facto de ser considerada uma “plataforma digital”, a Recorrente fica sujeita à presunção da existência de contrato de trabalho com características muito mais amplas, alargadas e propositadamente orientadas, que não se aplicam a outras pessoas singulares e coletivas que desenvolvam a sua atividade sem que sejam consideradas como “plataformas digitais”. B. As leis devem ser gerais e abstratas e não leis à medida. Se a aferição de uma determinada relação se subsume à noção do contrato de trabalho é possível mediante a subsunção dos factos aos artigos 11.º e 1152.º do Código Civil, e existe já uma presunção geral de existência de contrato de trabalho mediante a verificação de determinadas características, nos termos do artigo 12.º, é inevitável concluir que o estabelecimento de mais características que podem fazer presumir a existência de contrato de trabalho exclusivamente aplicáveis às “plataformas digitais”, faz recair sobre estas um ónus excessivo, desproporcionado e desigual, em comparação com os demais sujeitos, de forma injustificada e intolerável. C. Caso se venha a considerar verificada a presunção constante do artigo 12.º-A do Código do Trabalho, o que não se aceita e teoriza para efeitos de patrocínio, a aplicação do disposto no artigo 12.º-A à situação nos presentes autos seria ilegal, porquanto o teor daquele artigo é manifestamente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 13.º, 18.º n.º 2 e 3 e 61.º da Constituição da República Portuguesa. Salvo o devido respeito por melhor opinião, sem razão. O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece o princípio da igualdade, que é fundamental no ordenamento jurídico português. Este artigo afirma que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Não obstante, é pacífico o entendimento de que o princípio da igualdade não proíbe tratamentos diferenciados de situações distintas. Assim, o princípio da igualdade proíbe diferenciações de tratamento, exceto quando estas são objetivamente justificadas. Por outro lado, tal como sublinha, o Ministério Público nas suas contra-alegações, a liberdade de iniciativa económica prevista no artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa não é, na sua totalidade, um direito, liberdade e garantia insuscetível de restrições, particularmente quando destinadas à salvaguarda de outros direitos, valores ou interesses constitucionais. Como é sabido, o princípio da proporcionalidade é um dos princípios fundamentais consagrados na nossa Constituição da República Portuguesa (cfr. artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). Ele é essencial para garantir que as ações do Estado não sejam excessivas e respeitem os direitos dos cidadãos. Este princípio divide-se em três vertentes principais, cujos traços gerais são: 1 – Adequação: As medidas adotadas devem ser apropriadas para alcançar os objetivos pretendidos. Isso significa que a ação deve ser capaz de produzir o efeito desejado. 2 – Necessidade: Entre as várias opções disponíveis, deve-se escolher a que menos restrinja os direitos dos cidadãos. Por outras palavras, a medida deve ser necessária e não deve haver uma alternativa menos gravosa para atingir o mesmo fim. 3 – Proporcionalidade em sentido estrito: A medida deve ser equilibrada, ou seja, os benefícios da ação devem superar os prejuízos causados. Em suma, deve haver uma relação justa entre os meios utilizados e os fins pretendidos. Nessa medida, sopesando o bem jurídico protegido (falsa situação de autonomia) e a nova realidade jurídica (era digital) retratada pela presunção de contrato de trabalho no âmbito da plataforma digital, é manifesto que a presunção contida no artigo 12.º-A não é desproporcional, nem viola os artigos 13.º, 18.º e 61.º da Constituição da República Portuguesa. Aliás, conforme se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de maio de 2025[33]: «Refira-se que esta disposição legal foi aditada ao Código do Trabalho por imposição da Diretiva (UE) 2024/2831 do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de outubro de 2024, cuja transposição antecipou, a qual, exprimindo o empenhamento das instituições da União Europeia no combate ao abuso do estatuto de trabalhador independente e às relações de trabalho encobertas (em linha com a Recomendação nº 198 (2006) da OIT), e visando, precisamente, a melhoria das condições de trabalho em plataformas digitais (…).» (Fim da transcrição e negrito nosso). Consequentemente, as conclusões do recurso improcedem na sua quase totalidade, devendo a decisão recorrida ser parcialmente confirmada. * IV. DECISÃO: * Pelo exposto, acordam os juízes desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I) Em julgar totalmente improcedente a impugnação da matéria de facto. II) Em julgar, no mais, parcialmente procedente o recurso interposto pela Recorrente, reconhecendo-se a existência de contrato de trabalho individual de trabalho, entre a Recorrente “A... Unipessoal, Lda” e AA com início em julho de 2023 e até meados de novembro de 2023 (data em que, por iniciativa do estafeta AA, este passou a prestar a sua atividade para a Recorrente ocasionalmente e irregularmente, com último registo de atividade a 21 de março de 2024). Custas na proporção de 90% para a Recorrente e de 10% para o Recorrido (isento do pagamento de custas), sendo que em sede de recurso de apelação é devida a taxa de justiça conforme tabela I-B anexa ao Regulamento Custas Processuais (cfr. artigo 7.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais). Valor do recurso: o da ação (artigo 12.º, n.º 2 do Regulamento Custas Processuais). Notifique e registe. * Oportunamente, cumpra-se o disposto no artigo 186.º-O, n.º 9, do Código de Processo do Trabalho. |