Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
452/15.4T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: CASO JULGADO
FUNDAMENTOS DA DECISÃO
VENDA DE BENS ALHEIOS
RESTITUIÇÃO DA COISA
Nº do Documento: RP20240422452/15.4T8PVZ.P1
Data do Acordão: 04/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O caso julgado pode estender-se aos fundamentos, quando a sua não extensão aos fundamentos possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja suscetível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado, de impor praticamente um duplo dever onde apenas um existe ou de romper a reciprocidade entre o direito e o dever abrangidos pelo sinalagma.
II - Na venda de bens alheios, por determinação do art.º 894º/1/2 CC, o comprador de boa-fé mesmo que não possa restituir a coisa ou se esta se encontra deteriorada ou diminuir de valor por causa que não lhe seja imputável, nada tem a devolver, mas pode exigir a restituição do preço. Exceto se houver tirado proveito da perda ou diminuição do valor dos bens, em que o proveito será compensado com o montante a haver do vendedor. Esta exceção tem em vista evitar uma situação de locupletamento à custa alheia.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Venda Bem Alheio-Caso Julgado - 452/15.4T8PVZ.P1

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SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC):

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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório

Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como:

AUTORA: «A..., Ldª», sociedade comercial com sede na Rua ..., Matosinhos; e

RÉUS: 1ºs - AA e mulher BB, residentes na Av. ..., ... ..., Matosinhos;

2ºs – CC, viúva,

- DD e mulher EE;

- FF e mulher GG;

- HH e mulher II;

- JJ e mulher KK;

- LL, viúva,

- MM e mulher NN;

- OO e mulher PP, todos com domicílio na Av. ..., ... ..., Matosinhos.

pedem os autores que:

a) se declare que os Réus não eram exclusivos donos, nem legítimos possuidores, à data das respetivas vendas, da parcela de terreno em causa, e, consequentemente, condenar-se os 1.ºs Réus a restituírem à Autora a quantia de €18.146,70 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e os 2.ºs Réus a restituírem à Autora a quantia de €68.584,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento;

b) se condene os Réus no pagamento dos encargos processuais e procuradoria condigna.

c) SEM PRESCINDIR, e no caso de se vir a apurar que algum ou alguns dos Réus eram proprietários da parcela à data das correspondentes vendas, condenar-se os outros Réus a restituir à Autora o respetivo preço, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou para o efeito que a Autora propôs, em 9 de Junho de 2006, no Tribunal Judicial de Matosinhos, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra os aqui 1ºs e 2ºs Réus, que deu origem ao Proc. n.º 5182/06.5TBMTS, pedindo a condenação daqueles na restituição dos preços que havia pago pela compra de determinadas parcelas de terreno e no pagamento da quantia a liquidar em execução de sentença pelos danos causados.

Para tanto, alegou que adquiriu aos 1ºs réus, por compra formalizada em escritura pública notarial, em 17 de Julho de 2003, e pelo preço de €1.770732,53, o prédio rústico sito na Av. ..., freguesia ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, sob o n.º ...39 e inscrito na matriz sob os artigos ...09, ...10 e ...11, do qual faziam parte as parcelas assinaladas a vermelho e a verde e que adquiriu aos 2ºs réus, em 3 de Junho de 2004, por acordo das partes formalizado em duas declarações de cedência, as parcelas assinaladas, a azul e rosa, pelo preço de €68.584,00, e a vermelho, por igual montante.

Sustentou nessa ação que ambos os contratos de compra e venda eram nulos, por constituírem venda de bens alheios, e que ambos configuravam atos de enriquecimento sem causa dos réus à custa da autora, na medida em que tais vendas tiveram por objeto parcelas de terreno que haviam sido outrora integrados no domínio municipal, com vista à construção de uma futura via pública, situação que a autora desconhecia e via essa cuja execução lhe foi imposta pela Câmara Municipal de Matosinhos, como condição para aprovação do loteamento e emissão de alvará relativos ao processo de loteamento do prédio rústico adquirido aos 1ºs réus referido supra no art.º 2º.

Mais alegou que se proferiu saneador-sentença, no qual se declarou nulos, por vício de forma, os contratos de compra e venda celebrados entre a autora e os 2ºs réus e se considerou não ter resultado provado que as parcelas verde e vermelha pertenciam ao domínio municipal à data da escritura pública relativa ao contrato de compra e venda celebrado entre a autora e os 1ºs réus, assim julgando a ação parcialmente procedente, absolvendo os 1ºs réus do pedido e condenando os 2ºs réus a restituir á autora a quantia de €137.168,00, acrescida de juros de mora vencidos desde a citação à taxa legal de 4%.

Contudo, o referido Tribunal não se chegou a pronunciar sobre quem seria efetivamente proprietário das ditas parcelas.

Daquela sentença foram interpostos recursos independentes de apelação pela autora e pelos 2ºs réus para o Tribunal da Relação do Porto, ambos julgados improcedentes, tendo, ainda, estes últimos requerido revista para o Supremo Tribunal de Justiça, cujo provimento foi negado.

Mais alegou que os 2ºs réus não cumpriram com aquela decisão judicial e não entregaram à autora qualquer quantia.

A Autora intentou, em 5 de Junho de 2009, ação executiva contra aqueles, com base nesse mesmo título judicial, tendo em vista o pagamento do montante de €137.168,00, acrescido de juros vencidos e vincendos, a qual correu por apenso (apenso “A”) à ação declarativa.

 Os aludidos réus deduziram oposição à execução (que constituiu o apenso “B” daqueles autos), alegando, desde logo, que o crédito da exequente estaria extinto em razão da compensação de créditos operada, uma vez que e por um lado, declarados nulos os contratos de compra e venda, as partes ficaram obrigadas a restituir uma à outra tudo aquilo que tivesse sido prestado, conforme preceitua o art.º 289.º, n.º 1 do C.C., e como a exequente não restituiu aos oponentes as parcelas de terreno – e não o podia fazer por já as ter integrado no domínio municipal –, nem o valor equivalente (€137.168,00), os mesmos enviaram àquela uma declaração de compensação dos créditos com base nos efeitos da nulidade; por outro lado, a compensação sempre poderia operar com base nas regras do enriquecimento sem causa, pois a exequente utilizou para seu proveito as parcelas de terreno dos oponentes sem causa justificativa, devendo, também, por esta via, restituir o respetivo valor.

Mais alegaram que o crédito da exequente não seria igualmente exigível por ser invocável a exceção de não cumprimento do contrato, ou seja, a restituição do preço teria que ser efetuada em simultâneo com a restituição das parcelas de terreno.

Na fase do saneador, o Tribunal de 1ª instância julgou a oposição improcedente, decidindo-se pela improcedência da exceção da compensação e da exceção de não cumprimento invocados.

Inconformados, apelaram os oponentes, considerando o Tribunal da Relação do Porto verificada a exceção perentória de não cumprimento do contrato, pelo que julgou o recurso procedente e, em consequência, também procedente a oposição, com a necessária revogação da sentença recorrida e extinção da execução. Salientou, não obstante, que “É claro que poderá ainda discutir-se se as parcelas que os oponentes venderam à exequente lhes pertencem, e ainda a situação jurídica daqueles espaços, mas essas não são contas desta oposição nem matéria que nesta releve ou se deva apreciar”.

Desse acórdão foi interposto recurso de revista pela exequente, ora Autora, a qual foi negada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não tendo este deixado, contudo, de fazer notar que “Com a solução de procedência da invocada exceção fica paralisada a ação executiva, podendo as partes através de ação declarativa discutir a substancialidade do direito, a saber, se a venda recaiu sobre bens alheios e se efetivamente os executados deverão restituir o que receberam a título de preço pela venda das parcelas já integradas no domínio público ou se, ao invés, a venda incidiu sobre bens que lhe pertenciam e a exequente deverá prestar aos executados o correspondente ao valor das parcelas vendidas”.

No douto aresto, o Supremo Tribunal refere que “(…) a decisão dada à execução ao abster-se de conhecer do pedido principal da ação – venda de bens alheios – deixou no limbo a questão e com ela a dúvida de que os réus não possam ter, efetivamente, dado à venda bens que não eram seus. Hipotizando esta solução do litígio, e caso o tribunal viesse a dar por provada a venda de bens que não pertenciam aos réus, então o que estes obteriam com a compensação ou com a exceptio non adempli seria um locupletamento à custa da A.”, de modo que “Haverá, pois (…), que decidir, como a A. pediu na ação principal, se os bens pertenciam aos réus/executados (…)”.

E, no seu juízo, a proposição de outra ação com tal desiderato não colidirá com o caso julgado material que se formou na ação declarativa, pois que “(…) a declaração de nulidade quanto à forma não impedirá um outro tribunal de analisar a substância do objeto do contrato, nomeadamente, se o contrato de compra e venda recaiu sobre coisa que não pertencia aos oponentes/vendedores, v. g. porque os bens “cedidos”, na terminologia dos réus na ação declarativa, não poderiam ter sido por não pertencerem aos vendedores”.

Considera a autora que nunca nenhuma instância judicial se pronunciou sobre a propriedade da parcela em causa, sendo a resolução dessa questão de crucial importância para se finalmente alcançar verdadeira e sã justiça no presente caso, pois que a Autora adquiriu o mesmo terreno a dois vendedores distintos, pagando a cada um deles o respetivo preço.

A Autora é uma sociedade comercial cujo objeto consiste no exercício de promoção imobiliária, construção de edifícios para venda, construção e exploração hoteleira e turística, compra e venda de prédio e revenda dos adquiridos para esse fim.

 Em 3 de Agosto de 2000, os 1ºs Réus, na qualidade de primeiros contraentes, celebraram com QQ e esposa RR, SS, e TT e esposa UU, na qualidade de segundos contraentes, um contrato-promessa de compra e venda e pacto de preferência.

Através de tal contrato, os primeiros contraentes prometeram vender e os segundos contraentes prometeram comprar o prédio rústico composto por um terreno a pastagem, sito na Av. ..., freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ...39.

Por sua vez, os segundos contraentes prometeram vender e os primeiros contraentes prometeram comprar uma parcela de terreno com 551m2, devidamente aprovada para construção de uma moradia, localizada na extremidade noroeste daquele mesmo prédio e assinalada no levantamento aerofotogramétrico parte integrante do contrato.

Posteriormente, por acordo entre os primeiros e segundos contraentes, estes últimos cederam a sua posição contratual no mencionado contrato-promessa à ora Autora, que desta forma sucedeu em todos os direitos e obrigações assumidos por aqueles.

Assim, em 17 de Julho de 2003, a Autora adquiriu por compra aos 1ºs Réus, formalizada em escritura pública notarial, o prédio rústico identificado no art.º 19º da petição, pelo preço de €1.770.732,53. Tendo a aquisição sido inscrita a seu favor pela Ap. ...9 de 23-07-2003. Deste prédio fazia parte a parcela assinalada a vermelho no Doc. n.º 1, uma vez que a mesma integrava o objeto da referida compra e venda. Objeto esse que emerge da sua identificação quer na própria escritura, quer no subjacente contrato-promessa.

O objeto da promessa de compra e venda foi definido na primeira cláusula com o complemento do levantamento aerofotogramétrico, com demarcação do terreno vendido, o qual se encontra rubricado por todos os contraentes. E se na cláusula primeira do sobredito contrato se diz que o prédio tem uma área aproximada de 8.200m2, logo ficou definitivamente esclarecida que a área exata era de 8.162m2, conforme levantamento topográfico efetuado por um dos próprios contraentes, QQ, o qual identificou e delimitou o dito prédio, bem como a sua área efetiva. Área essa que coincide com a identificada na respetiva descrição predial.

Ora, resulta dessas plantas, e consequentes demarcações, que a parcela assinalada a vermelho fazia parte do prédio e do objeto daquele contrato. Sendo certo que na escritura de compra e venda o prédio adquirido viu a sua área reduzida para 7611m2 em resultado do destaque da parcela de 551m2.

Atendendo ao preço da compra e à área real do terreno, o valor de cada metro quadrado foi de €232,65. Por conseguinte, o valor da parcela assinalada a vermelho foi de €18.146,70 (78m2 x €232,65).

 O mencionado prédio foi objeto de um processo de loteamento, que correu termos na Câmara Municipal de Matosinhos sob o n.º .../03, o qual veio a terminar com o deferimento do pedido de loteamento e a emissão do alvará de constituição de três lotes, com o n.º …7/04.

 Como condição para aprovação do loteamento, foi imposta a abertura de uma via pública, respetivos passeios e baia de estacionamento, sita no lado nascente do prédio, com a largura de 13,50 metros e o comprimento de 130,30 metros. Para a concretização de tal obrigação administrativa, eram indispensáveis e imprescindíveis as parcelas de terreno assinaladas a rosa e azul no documento nº1.

Notificada a Autora, pela Câmara Municipal de Matosinhos, para apresentar documento comprovativo da disponibilidade dessas parcelas para a abertura do arruamento em questão, a mesma contactou os 2ºs Réus, na pessoa do JJ, que sempre os representou.

Os ditos Réus disponibilizaram-se a vender as parcelas azul e rosa, condicionando, contudo, tal venda à venda simultânea da parcela vermelha, com o argumento que também eram desta proprietários. Assim, em 03-06-2004, os 2ºs Réus venderam à Autora, através da declaração junta como documento n.º 14, as parcelas azul e rosa, contra a entrega da quantia de €68.584,00.

Simultaneamente, os mesmos Réus venderam à Autora, também através de idêntica declaração, junta sob o Doc. n.º 15, a parcela vermelha, contra o pagamento de igual quantia de €68.584,00.

Tanto os primeiros como os segundos Réus se arrogaram proprietários da mesma parcela de terreno, tendo esta sido por ambos vendida à Autora. Nem uns, nem outros eram proprietários da dita parcela à data das respetivas vendas, porquanto nunca nenhum deles adquiriu o direito de propriedade sobre a parcela em questão, fosse por via originária, fosse por via derivada, nem sequer sobre a mesma exerceram ou mantiveram qualquer posse. A Autora comprou, por duas vezes, a mesmíssima parcela de terreno, ignorando que a mesma não pertencia a nenhum dos vendedores. Os Réus procederam à venda de coisa alheia, pois que não eram verdadeiramente os seus proprietários, carecendo de legitimidade para efetuarem as correspondentes alienações.

Por fim, alegou que a venda de bens alheios é nula nos termos do art.º 892.º do CC. Sendo nula a venda de bens alheios, o comprador que tiver procedido de boa-fé tem o direito de exigir a restituição integral do preço (art.º 894.º, n.º 1 do CC).


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Citados os Réus, contestaram, defendendo-se por exceção e por impugnação.

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Os primeiros Réus AA e mulher, BB, na sua contestação, invocam a exceção de caso julgado.

Alegam para o efeito e em síntese, que em 09 de Junho de 2006, deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, uma ação declarativa de condenação, proposta por A..., Ldª, figurando nela, igualmente, como 1ºs RR., os atuais 1ºs RR., AA e mulher, BB, com o n.º 5182/06.5TBMTS, a qual correu termos no 2º Juízo Cível do referido Tribunal.

Na referida lide, a então e atual A. peticionava a condenação dos “1ºs Réus a restituírem à Autora a quantia de 76.774,50 €, acrescida de juros vencidos […]”, fundamentado o seu pedido da seguinte forma: “86º Os 1ºs Réus venderam à Autora uma parcela de terreno, com a área de 330 m2 (78 m2 da parcela vermelha e 252 m2 da parcela verde), que lhes não pertencia. 87º Igualmente, os 2ºs Réus venderam verbalmente, à Autora, […] (78 m2 da parcela vermelha […]), que também não lhes pertenciam. 88º A venda de bens alheios é nula nos termos da artº 892º do Código Civil.”

Posteriormente, por saneador-sentença, datado de 16 de janeiro de 2007, o referido Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, veio proferir a seguinte decisão: “Cumpre, pois, aferir se as parcelas adquiridas aos 1ºs e aos 2ºs Réus não lhes pertenciam à data da respetiva aquisição pela Autora e, nesta justa medida, se a Autora tem direito a haver as quantias peticionadas correspondentes aos preços, os respetivos juros de mora e a eventual indemnização pelos danos sofridos.”

[…]

“Nesta ordem de ideias, caberá a Autora, porque factos constitutivos do direito que pretende fazer valer em juízo, a alegação e prova de que as parcelas adquiridas aos 1ºs e aos 2º Réus não lhes pertenciam à data dos respetivos contratos de compra e venda”.

[…]

“Pelo que ficou dito se conclui que a Autora não logrou provar, como lhe competia, que tais parcelas – a verde e a vermelha – pertenciam ao domínio municipal, seja público ou privado, já em 17 de Julho de 2003, isto é, à data da escritura pública relativa ao contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e os 1ºs Réus.”

A Autora interpôs recurso da decisão, que confirmou o decidido, pelo que a decisão transitou em julgado.

Mais alegou que se encontram preenchidos os três requisitos da exceção dilatória de caso julgado, entendidos como a identidade de sujeitos, a identidade de pedidos, e ainda, a identidade de causas de pedir.

Alegou, ainda, que mesmo que assim não fosse, o que apenas por mera hipótese académica se admite, a possibilidade de intentar nova ação sobre o mesmo objeto estaria sempre vedada face ao princípio do efeito preclusivo.

Consideram, ainda, que na decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, não se considera a posição dos 1ºs RR. naquela ação, porquanto, para além de não serem sequer parte na ação executiva que lhe deu origem, consta da decisão do Supremo Tribunal, como fundamento da propositura de nova ação sobre o mesmo bem jurídico, “[…] a decisão dada à execução ao abster-se de conhecer do pedido principal da ação – venda de bens alheios – deixou no limbo a questão e com ela a dúvida de que os réus possam ter, efetivamente, dado à venda bens que não eram seus[…]”.

Tal apreciação poderá ser válida relativamente aos segundos RR., mas no que concerne aos aqui primeiros RR. a mesma carece de toda e qualquer aplicabilidade, na medida em que, da sentença que absolveu os 1º RR. consta expressamente, que a sua absolvição se deveu ao seguinte: “Pelo que ficou dito se conclui que a Autora não logrou provar, como lhe competia, que tais parcelas – a verde e a vermelha – pertenciam ao domínio municipal, seja público ou privado, já em 17 de Julho de 2003, isto é, à data da escritura pública relativa ao contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e os 1ºs Réus”.

Concluíram que a decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, a qual veio a ser confirmada, na íntegra, pelas Instâncias Superiores, afastou definitivamente a possibilidade de a A., em nova ação, vir impugnar e por em causa o ilegítimo direito de propriedade dos 1º RR. sobre a aludida parcela de terreno, na medida em que não o logrou provar em sede própria, como era o seu intuito, que estes não eram proprietários da mesma. Restando apenas à Autora, em sede de nova ação, caso o entendesse, provar que os terrenos/terreno não pertenciam aos 2ºs RR. por terem sido validamente adquiridos aos 1ºs RR.

Mais alegam que na mesma decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, posteriormente confirmada pelas Instâncias Superiores, foi decretada a nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre a A. e os 2ºs Réus por vício de forma.

Significando isto que, o aludido contrato não chegou a produzir os seus efeitos, pelo que, inversamente à tese explanada pela Autora, esta nunca chegou a adquirir qualquer terreno aos 2ºs RR e, consequentemente, nunca se verificou uma dupla venda do mesmo.

Alegam, ainda, que os 1ºs RR. venderam um terreno à Autora que, ao contrário do por esta invocado, pertencia aos mesmos e não ao domínio público e, por outro lado, a Autora nunca “comprou, por duas vezes, a mesmíssima parcela de terreno, ignorando que a mesma não pertencia a nenhum dos vendedores” uma vez, que o segundo contrato nunca se verificou.

Em impugnação alegam que por contrato promessa de compra e venda, outorgado em 3 Agosto de 2000 (Doc. 5 junto pela A. na p.i.), os aqui contestantes prometeram vender a QQ e Mulher, SS e TT e Mulher, que por sua vez lhes prometeram comprar, o prédio rústico, com a área aproximada de 8.200m2, sito na Av. ..., freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na respetiva matriz predial sob o art.º ...25 e descrito na competente Conservatória, sob o n.º ...14, a fls. 24 do Livro ...2.

O preço do prédio objeto do referido contrato foi de Esc.: 475.000.000$00, a liquidar da forma seguinte:

- Esc. 20.000.000$00 – a título de sinal, na data da outorga do contrato;

- Esc. 40.000.000$00 – a título de reforço do sinal, até 31 de agosto de 2000;

- Esc. 60.000.000$00 – a título de reforço do sinal, até 31de dezembro de 2000;

- Esc. 355.000.000$00 – na data da escritura definitiva, a outorgar até 31 de Março de 2001.

Posteriormente, os 1ºs RR. e os então promitentes compradores acordaram em proceder ao destaque de uma parcela de 511m2, que os 1ºs RR. reservaram para si, pelo que a área do prédio em causa ficou reduzida a 7.611m2.

Na sequência de tal factualidade, o preço da compra e venda foi reduzido para o valor de Esc. 355.000.000$00, devendo ser pagos da seguinte forma:

- Esc. 185.500.000$00, no ato da outorga da escritura;

- Esc. 36.500.000$00, no prazo de um ano a contar da data da escritura.

Sucedeu, porém, que, por factos exclusivamente imputáveis aos promitentes compradores, o reforço do sinal no montante de Esc.:60.000.000$00 só foi liquidado em 17 de Janeiro de 2001. Também a data da escritura de compra e venda foi sucessivamente alterada, primeiro até 15. Novembro. 2002, tendo sido definitivamente realizada em 17 de Julho de 2003. Todos estes sucessivos incumprimentos, primeiro dos promitentes compradores acima identificados e depois da própria sociedade A., foram sucessivamente aceites pelos 1ºs RR., com grande compreensão e generosidade. Já que bastar-lhes-ia acionar os mecanismos contratualmente previstos para ficar com o imóvel, sua propriedade e com o sinal. Mas não fizeram optando por aguardar pela realização do contrato definitivo e relevando todos os atrasos e infundados adiamentos no cumprimento do mesmo.

Mais referiram que o prédio objeto da compra e venda teve sempre a mesma configuração, confrontações e área desde a outorga do contrato promessa até à da escritura definitiva. E se no contrato promessa de compra e venda se diz que o prédio tem uma área aproximada de 8.200m2, logo ficou definitivamente esclarecido que a área correta era de 8.162m2, conforme levantamento topográfico efetuado pelo promitente comprador Eng.º QQ, o qual, identificou e delimitou o dito prédio bem como a sua área efetiva.

Alegaram que como era do total conhecimento dos promitentes compradores, bem como de todos quantos conheciam o terreno, este encontrava-se delimitado em toda a sua extensão através de um muro em pedra, o qual ainda se encontra no local, muro esse que, confrontava a nascente com o prédio propriedade dos 2ºs Réus e que se encontra reproduzido na planta elaborada pela A. numa linha de traço contínuo e com a legenda “muro atual”. O aludido prédio rústico não sofreu alteração quanto à sua configuração, exceto quando, por expresso acordo entre os promitentes compradores e os ora Contestantes, estes procederam ao destaque de uma parcela com 511m2, que reservaram para si e que se destinou à construção implantação da sua residência.

A nascente do referido muro era, como é, a propriedade dos 2.ºs Réus, a poente do mesmo situa-se o terreno vendido pelos 1ºs RR. à A.. Parte desse muro, que separa os dois terrenos a sul, já existia antes de 1964. Sendo que, a parte localizada a norte foi construída no alinhamento do primeiro em 1977. Restando apenas o bico que separa os dois muros até ao seu atual derrube.

O prédio em causa foi adquirido pelos 1ºs RR. a D. VV, por escritura de 30 de Dezembro de 1986, outorgada a fls. s/v ...02 do Livro ...1F do ... Cartório Notarial .... Posteriormente, no ano de 1989, os 1ºs RR. prometeram comprar a WW e Mulher, pelo preço de Esc.6.000.000$00, a parcela de terreno com a área de 150 m2, sita na Avenida ..., freguesia ..., Concelho de Matosinhos, a confrontar de Norte com a dita Avenida, Sul termina em ponta aguda, Poente com os 1ºs RR. e de Nascente com o Sr. XX, o qual, para os devidos e legais efeitos, também aqui se dá como integralmente reproduzido. Tendo os 1ºs RR., mediante tal título e o imediato pagamento do preço acordado, tomado posse imediata do referido terreno, nele passando a tratar como se de sua propriedade se tratasse. Os 1ºs RR. demoliram o muro que vedava e separara a sua propriedade da aludida parcela que adquiriram a WW e Mulher, a qual passou a fazer parte integrante da mesma e na qual os 1ºs RR. vêm, desde então, praticando todos os atos de posse, de forma continuada e sem qualquer interrupção no tempo. À vista e com o conhecimento de toda a gente. Na plena convicção de exercerem um direito próprio e sem lesarem interesses de terceiro. Dela pagando contribuições e impostos.

Mais alegaram que apesar do contrato promessa celebrado com WW e Mulher e o integral pagamento do respetivo preço, adquiriram esta parcela por usucapião - Artigo 1296º do Código Civil -, sendo nessa qualidade, de donos e legítimos proprietários desta parcela, que venderam à A..  Nunca a referida parcela foi propriedade dos 2.ºs Réus que igualmente dela nunca tiveram a posse.

O terreno propriedade dos 2.ºs Réus sempre foi murado na parte que confinava com o dos 1ºs RR., mesmo na pequena parte côncava e triangular que entra no terreno destes, a qual está bem delimitada. O muro que vedava essa pequena parcela foi derrubado, tendo sido construído outro no alinhamento do já existente.

Terminam por pedir que se julgue procedente a exceção de caso julgado, absolvendo-se os 1ºs RR. da instância, ou, caso tal não seja entendido, se julgue improcedente e não provada a ação, absolvendo-se os 1ºs RR. do pedido.


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No decurso da ação, foram habilitados a intervir nos autos:

- Na posição do Réu HH, por óbito do mesmo, a corré II e YY (apenso A);

- Na posição da Ré CC, por óbito da mesma, os corréus LL, DD, JJ e II (apenso B);

- Na posição do Réu MM, por óbito deste, NN e ZZ (apenso C);

- Na posição do Réu AA, a corré BB e AAA e BBB (apenso D).


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Os Réus e habilitados II e YY, JJ e mulher KK DD e mulher EE, ZZ, NN e FF e mulher GG, apresentaram contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Alegaram para o efeito que em 09 de junho de 2006, a Autora propôs uma “ação declarativa de condenação”, que correu termos no 2.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, com o número de processo 5182/06.5TBMTS.

As partes são as mesmas naquela e na presente ação, bem como a causa de pedir e os pedidos. Na presente ação a Autora alega que os 2.ºs Réus, através de um contrato de compra e venda celebrado em 3 de junho de 2004, lhe fizeram uma venda de bens alheios, sendo a mesma nula nos termos do art.º 892.º do Código Civil, pedindo em consequência, nos termos do artigo 894.º Código Civil, que lhe seja restituído o preço pago.

No processo 5182/06.5TBMTS foi precisamente isso que foi alegado e pedido.

Naquele processo o Tribunal face ao alegado e ao que foi pedido, no despacho saneador, conheceu oficiosamente da nulidade proveniente da falta de forma do contrato de compra e venda e, consequentemente, condenou os Réus a restituírem o que tinha sido prestado, como determina o art.º 289.º do Código Civil, decisão que, posteriormente, foi confirmada pelo Acórdão da Relação do Porto de 28/02/2008 e pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/01/2009 já transitado em julgado.

Posteriormente, a Autora executou aquela decisão, tendo os 2.ºs Réus deduzido oposição à execução da sentença, a qual veio a ser julgada procedente com fundamento na exceção de não cumprimento, conforme Acórdão da Relação do Porto de 26.05.2011 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.02.2012. Em sede de execução entenderam aqueles tribunais superiores que havendo, por força do art.º 289.º do Código Civil, obrigação de restituir tudo aquilo que foi prestado e como a Autora não restitui aos 2.ºs Réus as parcelas de terreno, assiste a estes, nos termos do art.º 290.º do Código Civil, o direito a excecionar o seu cumprimento.

A Autora, ao propor a presente ação nos mesmos termos que propôs a anterior, ou seja, fundamentando os seus pedidos na compra e venda de bens alheios, como inequivocamente o fez, nada mais está a fazer que não seja submeter pela segunda vez consecutiva a mesma situação jurídica para ser decidida por um tribunal. A ação, conforme foi conformada pela Autora, é a mesma. As partes são as mesmas, a causa de pedir (contrato de compra e venda) a mesma e os pedidos (restituição do preço pago com fundamento na nulidade decorrente do regime da compra e venda de bens alheios) são os mesmos.

Consideram que se verifica a exceção de caso julgado que impede que o tribunal conheça da pretensão formulada e caso o tribunal julgasse esta ação, olvidando a ofensa ao caso julgado, teria, outra vez, que declarar nulo o contrato de compra e venda e depois em sede de execução de sentença haveria que julgar, novamente, procedentes os embargos de executado com fundamento na exceção de não cumprimento.

Mais referem que a Autora volta a invocar, na sua causa de pedir, um contrato de compra e venda que, como já foi julgado, é nulo por falta de forma, nos termos dos artigos 875.º e 220.º do Código Civil. Se o contrato é nulo por falta de forma, tal significa que nunca produziu efeitos, como tal, nunca houve qualquer compra e venda e muito menos uma compra e venda de bens alheios. A questão está a montante porque o que poderia ser uma compra e venda, afinal nunca produziu efeitos porque é nula. Não faria sentido declarar uma dupla nulidade, a decorrente da falta de forma e a decorrente da compra e venda de bens alheios, sendo essa a pretensão da autora, mas que foi negado no processo anterior.

Consideram, ainda, que uma vez que declarada a nulidade por falta de forma como o foi, fica prejudicada a discussão da venda de bens alheios. A nulidade por falta de forma não permite discutir a nulidade da alegada venda de bens alheios. Mesmo admitindo que fosse declarado nulo um contrato que já foi anteriormente declarado nulo, diríamos que haveria uma repetição da mesma consequência, ou seja, as partes teriam que restituir uma à outra tudo aquilo que tivesse sido prestado. Chegaríamos precisamente à mesma situação da exceção de não cumprimento. A obrigação de restituir as parcelas de terreno aos 2.ºs Réus já foi decidida com trânsito em julgado na anterior ação, bem como na oposição à execução onde a reconheceram para fundamentar a exceção de não cumprimento.

Mais referem que não poderia haver uma decisão que fosse dizer o contrário, porque violaria inaceitavelmente o caso julgado e sua autoridade.

Com a presente ação a Autora coloca o tribunal na posição de contradizer o silogismo seguido na decisão anterior, bem como a própria decisão. Com o trânsito em julgado, a decisão proferida tornou-se insuscetível de impugnação. 

Alegam, ainda, que o efeito que a Autora aqui pretende fazer valer é, nesta consonância, o mesmo que pretendia na pregressa ação. Sendo certo que o caso julgado abrange a parte decisória da sentença, mas, como toda a decisão é a conclusão de determinados fundamentos de facto e de direito, a respetiva eficácia preclusiva há de buscar-se por referência a tais pressupostos. As decisões anteriormente proferidas e já descritas produziram todos os efeitos preclusivos do caso julgado no que respeita à relação material que dela foi objeto, caso julgado este não meramente formal, mas antes vinculativo fora daquele processo e no que respeita a tal relação.

Por impugnação, alegaram que a Autora requereu, em 2003, junto da Câmara Municipal de Matosinhos o loteamento do prédio rústico sito na Avenida ..., freguesia ..., concelho de Matosinhos sob o número ...39/191202, inscrito na matriz sob o art.º ...25.

Aquele processo correu termos sob o n.º .../03, tendo dado lugar ao “alvará de loteamento e obras de urbanização” n.º ...7/04.

Aquele loteamento deu lugar a três lotes destinados à construção de edifícios.

A Câmara Municipal de Matosinhos, para aprovar aquele loteamento, exigiu que a Autora executasse uma infraestrutura viária a integrar no domínio público, mais concretamente uma via pública que ligasse a Rua ... à Avenida .... Aquela via pública é constituída por faixa de rodagem com 7 m, dois passeios com 2,25 m cada um e baia de estacionamento com 2 m, o que perfaz a largura total de 13,50 m, com cerca de 130 m de comprimento. O terreno da Autora, objeto do loteamento, não era suficiente para a execução daquela via. Para a execução da via eram necessárias duas parcelas de terreno, pertencentes aos 2ºs Réus vendedores, uma com 78 m2 e outra com 96 m2, as quais estão identificadas no doc. 3.

Consequentemente, para dar cumprimento àquela exigência da Câmara Municipal, ou seja, para execução daquela via pública, a Autora acordou com os 2.ºs Réus vendedores a aquisição daquelas duas parcelas de terreno.

Aquele acordo foi efetuado através dos documentos 14 e 15 juntos com a petição inicial. A Câmara Municipal de Matosinhos exigiu à Autora, como condição do licenciamento do loteamento, a junção ao processo de licenciamento de documento comprovativo da cedência da parcela de terreno necessária à execução da via pública.

A Autora juntou ao processo camarário tal documento, para dar cumprimento à exigência camarária. Os 2.ºs Réus vendedores, em 3.06.2004, data da assinatura dos documentos 14 e 15 juntos com a petição inicial, eram proprietários e legítimos possuidores daquelas duas parcelas de terreno.

A parcela identificada a vermelho no doc. 2 fazia parte de um terreno de forma irregular, com a área total de 582m2 (identificado a amarelo e vermelho no doc.3, com as medidas laterais aí assinaladas e que são as mesmas que constam da planta junta à respetiva escritura de compra e venda – doc.4), adquirido por XX e mulher, CC, pais, sogros e avós dos Segundos Réus, por escritura pública de compra e venda, datada de 15.05.1964 (doc. 4 que aqui se dá por integralmente reproduzido, também junto aos autos principais).

Aquele terreno foi comprado para arredondamento das estremas do prédio rústico, que já pertencia ao XX e mulher CC, denominado “Campo ... a ...”, descrito, na altura, na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...72 a fls. ...00 do liv.º B-...61, o qual foi comprado a CCC e outros, por escritura pública de compra e venda, celebrada em 31.12.1963 (doc. 5 que aqui se dá por integralmente reproduzido). Aquele terreno foi adquirido para possibilitar que o “Campo ...” ficasse com frente para a Avenida .... A parcela identificada a azul no doc. 3, fazia parte do “Campo ... a ...”.

Naqueles terrenos veio a ser edificado um edifício composto por sete frações autónomas, seis destinadas a habitação e uma a garagem coletiva. Sendo que essas frações em 3.06.2004, eram propriedade dos 2.ºs Réus vendedores. Consequentemente, as duas parcelas de terreno, vendidas à Autora, identificadas a vermelho e a azul no doc. 3, foram adquiridas pelos 2.ºs Réus vendedores.

Alegaram, ainda, que os 2.ºs Réus vendedores e os anteriores proprietários, desde há mais de trinta anos, vinham utilizando aqueles imóveis e também as parcelas de terreno vendidas à Autora, à vista de todas as pessoas, de forma ininterrupta e pública. Sem oposição de quem quer que seja. Na intenção e convicção de que o imóvel lhes pertence. Pagaram os respetivos impostos. Construíram um edifício. Tinham o imóvel vedado por um muro. Muro esse que foi destruído pela Autora, após a celebração dos acordos vertidos nos documentos 14 e 15 juntos com a petição inicial, na parte que vedava a parcela identificada azul no documento 3. Até essa altura os 2.ºs Réus vendedores tinham nessa parcela árvores de fruto e um cão e respetiva casota. Procediam à limpeza dos silvados que cresciam nas parcelas de terreno. Tinham pedra depositada na parcela identificada a vermelho no documento nº3, sendo os segundos réus donos e legítimos possuidores dos imóveis e das parcelas de terreno identificadas a vermelho e a azul no documento 3.

Adquiriram a propriedade por via derivada translativa. Mas mesmo que assim não se entendesse, acrescendo a sua posse à dos anteriores possuidores sempre teriam adquirido a propriedade originariamente por usucapião.

Após a celebração dos acordos vertidos nos documentos 14 e 15 juntos com a petição inicial, a Autora incorporou aquelas parcelas de terreno no loteamento utilizando-as para construir a aludida via pública. A Autora construiu a via pública, utilizando aquelas duas parcelas de terreno pertencentes aos 2ºs Réus.

Terminam por pedir que se julgue procedente a exceção de caso julgado e, em consequência, sejam os 2.ºs Réus absolvidos da instância ou, assim não se entendendo, que se julgue improcedente a ação relativamente aos 2.ºs Réus.


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Proferiu-se despacho que convidou a autora a pronunciar-se sobre a exceção de caso julgado deduzida pelos primeiros réus.

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A Autora veio responder a tal convite, alegando para o efeito, que no acórdão proferido pelo STJ e referenciado na petição, observa-se, para além do mais, o seguinte:

No caso em apreço, ainda que não se proceda a compensação, não deverá deixar de proceder a exceção de não cumprimento, por forma a impedir que se crie uma eventual situação de injustiça, que se traduziria em, através desta execução, a exequente poder desde já cobrar a quantia correspondente ao preço que terá pago e deixar de prestar o correspondente valor ao valor que teria de restituir pelo valor das parcelas que terá integrado no seu património.

Com a solução de procedência da invocada exceção fica paralisada a ação executiva podendo as partes através de ação declarativa discutir a substancialidade do direito, a saber se a venda recaiu efetivamente sobre bens alheios e se efetivamente os executados deverão restituir o que receberam a título de preço pela venda das parcelas já integradas no domínio público ou se, ao invés, a venda incidiu sobre os bens que lhe pertenciam e a exequente deveria prestar aos executados o correspondente ao valor às parcelas vendidas.”.

Mais alega que a presente ação foi intentada na esteira da decisão do S.T.J e com o objetivo de perseguir o desiderato nele enunciado e refere-se, ainda, que a fls. 19, do aresto mencionado, discorrendo e antecipando a problemática do caso julgado, tecem-se as seguintes considerações e decisão no “thema apreciandum”:

Os argumentos utilizados esbarram ou podem ser rechaçados – em especial o terceiro dos argumentos expendidos – com um refluxo argumentativo da ordem seguinte: se um tribunal já declarou que um outro contrato de compra e venda é nulo por falta de forma para quê propor ação para que um outro tribunal declare aquilo que este já declarou? Em face da declaração já formada não irá um outro tribunal, onde eventualmente pretenda ver continuada a declaração já emitida, rechaçar a pretensão com base no caso julgado? Então porquê não aproveitar a declaração já emitida e discutir na oposição à execução desta sentença o que terei de discutir noutra ação? Porquê não obter, desde já, o efeito a obter nessa outra ação? A preclusão de direito a invocar a nulidade formal do contrato, na oposição à execução, não estará a criar um nó processual em que os réus/oponentes nunca mais poderão retirar as consequências jurídicas da declaração emitida pelo tribunal?

Em nosso juízo não, pela singular razão de que na ação que se vier a instaurar para “confirmação” da declaração, quanto à nulidade formal do contrato, a autora não poderá invocar a exceção e em segundo, porque a declaração de nulidade quanto à forma não impedirá um outro tribunal de analisar a substância do objeto do contrato, nomeadamente, se o contrato de compra e venda recaiu sobre coisa que não pertencia aos oponentes/vendedores v.g. porque os bens “cedidos”, na terminologia dos Réus na ação declarativa, não poderiam ter sido por não pertencerem aos vendedores – cfr. n.º2, do artigo 96º do Código Processo Civil.

Nem se diga que a solução encontrada peca por formalista ou rigorista na aplicação das regras jusprocessuais em detrimento do direito substantivo. É que, como procuramos salientar e vincar supra, a decisão dada à execução ao abster-se de conhecer do pedido principal da ação – venda de bens alheios – deixou no limbo a questão e com ela dúvida de que os réus não possam ter, efetivamente, dado à venda bens que não eram seus. Hipotizando esta solução de litígio, e caso o tribunal viesse a dar como provada a venda de bens que não pertenciam aos réus, então o que estes obteriam com a compensação ou com a exceptio non adempli seria um locupletamento à custa dos AA. Explicitando, o não conhecimento da questão induzida na ação – restituição do preço pago aos réus, por ter sido pago indevidamente, por o preço não corresponder a bens que lhe pertenciam – deixa insolúvel a questão da justiça da solução”.

Alegou a autora que desde 2006, vem tentando, junto das instâncias competentes, determinar quem seriam, efetivamente, os proprietários das parcelas de terreno

em questão, sendo certo que, a 09 de Junho de 2006, intentou, no Tribunal Judicial de Matosinhos, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra os aqui 1º e 2º réus, que deu origem ao Proc. nº 5182/06.5TBMTS.

Conforme se referiu já, na petição inicial, o Tribunal proferiu saneador-sentença, no qual declarou nulos, por vício de forma, os contratos de compra e venda celebrados. Contudo, o referido tribunal não se chegou a pronunciar sobre quem seria efetivamente proprietário das ditas parcelas.

Daquela sentença foram interpostos recursos independentes de apelação, ambos julgados improcedentes, tendo havido ainda revista para o Supremo Tribunal de Justiça. Posteriormente, a Autora intentou ainda ação executiva, a 5 de Junho de 2009, com base nesse mesmo título judicial. Sucede que os réus deduziram oposição à execução, sendo que, na fase do saneador, o Tribunal de 1ª instância julgou a oposição improcedente.

Inconformados, os oponentes apelaram, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado o recurso procedente e, em consequência, também procedente a oposição, com a necessária revogação da sentença recorrida e extinção da execução.

Desse acórdão foi interposto recurso de revista pela exequente, aqui Autora, a qual foi negada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não deixando, no entanto, aquele Tribunal, de tecer as considerações expostas já, supra, e que não deixam margem para dúvida no que concerne a viabilidade da presente ação, porque de facto, a Autora adquiriu o mesmo terreno a dois vendedores distintos, pagando a cada um deles o respetivo preço e nenhuma instância judicial se pronunciou sobre a propriedade da parcela em causa.

Sendo a resolução dessa questão de crucial importância para se alcançar verdadeira justiça no presente caso que, até ao momento, vem sendo negada à Autora, em face daquela alegada falta de pronúncia.

Não estamos aqui perante a invocada exceção dilatória de caso julgado, porque, o caso julgado integra hoje uma circunstância que "obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa", dando lugar à absolvição da instância, nos termos do artigo 576º, n.º 3 do CPC, desde que se verifiquem os pressupostos formais básicos da referida exceção, a chamada tríplice identidade entre as causas, quanto aos sujeitos, efeito jurídico visado (pedido) e facto jurídico-fundamento (causa de pedir), nos moldes definidos nos quatro números do artigo 581º do CPC.

No caso em apreço, apenas se encontra preenchido o requisito da identidade dos sujeitos, sendo que quer a causa de pedir, quer o pedido são diferentes. De facto, e desde logo no que concerne aos pedidos propriamente ditos, na presente ação pode ler-se:

a) Declarar-se que os Réus não eram exclusivos donos, nem legítimos possuidores, à data das respetivas vendas, da parcela do terreno em causa…”, conformando este o pedido principal da ação.

Na sequência deste pedido, peticionou-se ao Tribunal a condenação dos “…1ªs Réus a restituírem à Autora a quantia de €18.146,70 acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento, e os 2ºs Réus a restituírem à Autora a quantia de €68.584,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

b) Condenar-se os Réus no pagamento dos encargos processuais e procuradoria condigna.

c) SEM PRESCINDIR, e no caso de se vir a apurar que algum dos Réus era proprietário da parcela à data das correspondentes vendas, condenar-se os outros Réus a restituir à Autora o respetivo preço, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.”.

No Proc. nº 5182/06.5TBMTS, formulou-se o pedido de condenação dos réus:

(…)

1) Os 1ºs Réus a restituírem à Autora a quantia de 76.774,50€ acrescida de juros vencidos até à presente data (05.06.2006), à taxa legal, que se computam em 8.876,39 €;

2) Os 2ºs Réus a restituírem, solidariamente, à Autora a quantia de 137.168,00€ acrescida de juros vencidos até à presente data (05.06.2006), à taxa legal, que se computam em 11.018,54 €;

3) Devendo ainda todos os Réus serem condenados em juros vincendos, à taxa legal, até efetivo pagamento;

4) Todos os Réus, solidariamente, na quantia a liquidar em execução de sentença, relativa aos factos dos artºs 96º, 97º e 98º;

5) Todos os Réus nos encargos processuais com procuradoria condigna”.

Alega que os pedidos são duplamente diversos, por se formular agora como principal o pedido de apreciação e decisão sobre a “não propriedade dos imóveis em causa”, o que não acontecia na demanda anterior; por outro lado, os montantes que se pretendem ver restituídos são quantitativamente diferentes.

No que respeita às causas de pedir verifica-se diversidade das mesmas, quer na primeira ação, quer na segunda. Na primeira ação, alegaram-se factos consubstanciadores de contratos que se consideravam nulos, pretendendo-se por força de tal enfermidade jurídica, a restituição de determinados montantes pecuniários. Acessoriamente alegou não serem os bens propriedade dos vendedores, numa mera alegação conclusiva, insuscetível de permitir a apreciação e decisão de tal matéria, dada a inexistência de factos jurídicos/materiais.

Na presente ação, sucede precisamente o inverso, nomeadamente nos artigos 40º a 44º, onde estão elencados factos materiais, suscetíveis de, se provados, constituir alicerce factual para o pedido formulado em primeiro lugar.

Considera, por fim, que não se verifica qualquer violação dos princípios do caso julgado e sequer do efeito preclusivo, nos termos do disposto nos arts. 580º e 581º, ambos do Código de Processo Civil. O caso julgado tem, sempre, como limites, os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois como estatui o artº 621º do CPC, «a sentença

constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga».

Mais refere que nenhum Tribunal se pronunciou, até ao momento, sobre a propriedade das parcelas em causa, em termos que possam constituir caso julgado, sendo que é precisamente essa, a questão da propriedade, que a A. pretende ver esclarecida com a presente demanda, faculdade que lhe assiste nos termos e com os limites que o próprio S.T.J. já indicou.

Termina por pedir que se julgue improcedente a referida exceção dilatória de caso julgado invocada pelos primeiros RR., seguindo-se os ulteriores termos do processo até final.


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A Autora veio responder à contestação apresentada pelos réus II e Outros, renovando o que deixou dito no anterior articulado resposta, reiterando que nenhum tribunal se pronunciou sobre a propriedade das parcelas de terreno, em termos que possa constituir caso julgado, sendo essa a questão em apreciação na presente ação.

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No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção dilatória de caso julgado invocada nas mencionadas contestações.

Proferiu-se despacho que fixou o objeto do litígio e os temas da prova.


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Realizou-se a audiência de julgamento, com observância do legal formalismo.

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Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve:

“Pelo exposto, decide-se julgar a ação parcialmente procedente, por provada e consequentemente:

1) Declarar que os segundos Réus não eram donos, nem possuidores da parcela identificada no ponto 20) dos factos provados na data em que declararam vendê-la à Autora;

2) Declarar nulo, por configurar uma venda de bens alheios, o negócio jurídico celebrado entre a Autora e os segundos Réus, em 3 de Junho de 2017, melhor identificados no ponto 20) dos factos provados;

3) Condenar os segundos Réus e os identificados sucessores habilitados no lugar destes a pagarem à Autora a quantia de €68.584,00 (sessenta e oito mil, quinhentos e oitenta e quatro euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal anual de 4%, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;

4) Absolver os primeiros Réus do pedido contra eles formulado pela Autora.

Custas pela Autora e pelos segundos Réus, na proporção do decaimento respetivo”.


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Dos réus integrados no segundo grupo, vieram os Réus II e YY, JJ e mulher KK, DD e mulher EE, ZZ, NN e FF e mulher GG interpor recurso da sentença.

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Nas alegações que apresentaram os apelantes formularam as seguintes conclusões:

1. Em 9.06.2006, a Autora propôs uma “ação declarativa de condenação”, que correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, com o número de processo 5182/06.5TBMTS.

2. As partes são as mesmas naquela e na presente ação, bem como a causa de pedir e os pedidos.

3. Na presente ação a Autora alega que os 2ºs Réus, através de um contrato de compra e venda celebrado em 3.06.2004, lhe fizeram uma venda de bens alheios, sendo a mesma nula nos termos 892.º do Código Civil, pedindo em consequência, nos termos do artigo 894.º Código Cívil, que lhe seja restituído o preço pago.

4. Por seu lado, no processo 5182/06.5TBMTS foi precisamente isso que foi alegado e pedido.

5. O Tribunal Judicial de Matosinhos, face ao alegado e ao que foi pedido, no despacho saneador, conheceu oficiosamente da nulidade proveniente da falta de forma do contrato de compra e venda e, consequentemente, condenou os Réus a restituírem o que tinha sido prestado.

6. Decisão aquela que, posteriormente, foi confirmada pelo Acórdão da Relação do Porto de 26/02/2007 e pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/01/2007.

7. O contrato em causa já foi declarado nulo pelo Tribunal Judicial de Matosinhos e, como consequência dessa nulidade, os 2ºs Réus, por força do art.º 289.º do CC, ficaram obrigados a restituir à Autora a quantia em causa.

8. Não parece fazer sentido declarar uma dupla nulidade, a decorrente da falta de forma e a decorrente da compra e venda de bens alheios.

9. É inviável declarar nulo aquilo que já foi declarado nulo.

10. A Autora com a presente ação quer alterar o silogismo feito na anterior decisão, o que coloca em causa o caso julgado.

11. Na anterior decisão o tribunal entendeu que ao declarar o contrato nulo por falta de forma estava prejudicada a discussão da venda de bens alheios, uma vez que aquilo que a Autora pretendia era a nulidade do contrato com os efeitos restitutivos, o que foi determinado pelo tribunal ao declarar a nulidade por falta de forma.

12. Passou, desta forma, a ser indiscutível a aplicação do direito ao caso concreto, realizada pelo Tribunal.

13. Consequentemente, deveria ter sido julgada procedente a exceção de caso julgado e os 2ºs Réus absolvidos da instância.

IMPUGNAÇÃO DA SENTENÇA

14. A parcela de terreno de 78 m2 fazia parte do terreno com a área de 582 m2, o qual foi adquirido em 15/5/1964 (ponto 12 dos factos provados).

15. Houve por isso aquisição derivada translativa do direito de propriedade sobre todo o terreno de 582 m2, no qual se inclui a faixa de terreno de 78 m2, com o consequente registo predial da aquisição (pontos 12 e 13 dos factos provados).

16. Face ao que está provado, quer os 2ºs Réus tenham ou não utilizado aquela parcela de terreno, com a largura de 3 metros, que fica para além do muro que edificaram em 1978, certo é que nunca perderam a propriedade sobre ela.

17. Não é pelo facto de ter sido edificado um muro (ponto 14 dos factos provados), deixando para lá dele, a poente, uma faixa de terreno, com 3 metros de largura e 26,80 metros de cumprimento, que se perde o direito de propriedade sobre a mesma.

18. Perante os factos provados (pontos 12 e 13), no presente caso não funciona a presunção do 1268.º do CC.

19. Mas mesmo que se entenda aplicar aquela presunção em virtude de, alegadamente, os 1ºs Réus terem exercido atos de posse sobre a faixa de terreno desde 1994, essa presunção está ostensivamente ilidida pela aquisição derivada translativa do direito de propriedade por parte dos 2ºs Réus, em data anterior, ou seja, 15.05.1964 (ponto 12 dos factos provados).

20. Acrescendo que essa aquisição foi registada em data anterior à do início da alegada posse, ou seja, 25.06.1964 (ponto 13 dos factos provados).

21. Gozando, por isso, da presunção do art.º 7.º do Código de Registo Predial.

22. A aplicação da presunção do 1268.º do CC como foi aplicado na sentença recorrida, representa um infundado “confisco” judicial do direito de propriedade, adquirido de forma derivada translativa e devidamente registado, a favor de alguém que possuiu um imóvel sem o ter adquirido originariamente por via da usucapião.

Sem prescindir,

23. A sentença não podia determinar a nulidade de um contrato que já foi declarado nulo.

24. Ou seja, o contrato em causa nunca produziu efeitos porque nulo por falta de forma, conforme já foi declarado no processo no processo 5182/06.5TBMTS, com trânsito em julgado.

25. Ao ser declarado nulo a aparência jurídica deixa de existir, constatando-se que não houve produção de quaisquer efeitos jurídicos. Não faz sentido vir, em repetição, declarar o mesmo efeito jurídico, decorrente do art.º 289 do CC.

Terminam por pedir que se julgue procedente a exceção de caso julgado, com a consequente absolvição da instância dos 2ºs Réus, ou assim não se entendendo, deve ser revogada a sentença, com a consequente absolvição dos 2ºs Réus.


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Não foi apresentada resposta ao recurso.

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O recurso foi admitido como recurso de apelação.

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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.

As questões a decidir:

a) Despacho proferido em sede de saneador

- da verificação da exceção de caso julgado, face à decisão proferida com trânsito em julgado no Proc. 5182/06.5TBMTS que correu os seus termos no extinto Tribunal Judicial de Matosinhos;

b) Sentença

- da indevida aplicação da presunção de propriedade, ao abrigo do art. 1268º CC;

- se a declaração de nulidade, com fundamento em vício de forma, obsta à apreciação de um vício de natureza substantiva, como seja, o reconhecimento da existência de venda de coisa alheia e a consequente declaração de nulidade com tal fundamento.


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2. Os factos

Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância (com retificação de lapsos de escrita nos pontos 3, 6, 13, 18, 19, 20, 21 (art.º 614º/1 CPC)):

1) A Autora é uma sociedade comercial cujo objeto consiste no exercício de promoção imobiliária, construção de edifícios para venda, construção e exploração hoteleira e turística, compra e venda de prédio e revenda dos adquiridos para esse fim;

2) Por escritura pública de 30 de Dezembro de 1986, outorgada a fls. s/v ...02 do Livro ...1F do ... Cartório Notarial ..., os primeiros Réus adquiriram a VV, o terreno rústico sito na Avenida ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ...39, tendo registado tal aquisição a seu favor, na competente conservatória do registo predial, pela apresentação n.º ..., de 15 de Outubro de 1987;

3) Por escrito datado de 10 de Março de 1994, cuja cópia está junta a fls. 129 vs., com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido – os primeiros Réus prometeram comprar a WW e mulher, pelo preço de Esc.: 6.000.000$00 a parcela de terreno com área de 150 m2, localizada na Avenida ..., freguesia ..., concelho de Matosinhos, a confrontar do norte com a dita Avenida, do poente com o prédio referido no item anterior e do nascente com o imóvel infra referido em 12);

4) Após o pagamento do preço acordado e mediante tal título, tomaram posse da mencionada parcela, demolindo o muro que a vedava e separava do prédio aludido em 2),

passando a utilizá-la, juntamente com a área deste último prédio, como se de um único prédio se tratasse;

5) No dia 3 de Agosto de 2000, QQ e mulher RR, SS, e TT e esposa UU celebraram com os Réus AA e BB o acordo escrito cuja cópia está junta a fls. 48 a 51 vs., com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido - mediante o qual os primeiros prometeram vender e os segundos prometeram comprar o terreno rústico sito na Avenida ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ...39;

6) Por sua vez, os segundos contraentes prometeram vender e os primeiros prometeram comprar uma parcela de terreno com 551 m2, devidamente aprovada para a construção de uma moradia, a destacar do mencionado prédio;

7) Por acordo entre os promitentes vendedores e os promitentes compradores, do prédio prometido vender foi desanexada a parcela referida no item anterior, que aqueles reservaram para si, a qual deu origem à descrição n.º ...40/181202;

8) Por acordo entre os promitentes vendedores e os promitentes compradores, estes últimos cederam a sua posição no mencionado contrato à aqui Autora;

9) Em 17 de Julho de 2003, a Autora e os primeiros Réus celebraram, através de escritura pública - cuja cópia está junta a fls. 65 vs. e segs. com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido - um acordo mediante o qual a primeira comprou aos segundos, pelo preço de €1.770.732,53, o prédio rústico com a área de 7611 m2, composto por um terreno a pastagem, sito na Avenida ..., freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz sob o artigo ...25 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ...39;

10) Tendo a aquisição sido inscrita a seu favor pela Ap. ...9 de 23-07-2003;

11) O mencionado prédio foi objeto de um processo de loteamento, que correu termos na Câmara Municipal de Matosinhos sob o n.º .../03, o qual veio a terminar com o deferimento do pedido de loteamento e a emissão do alvará de constituição de três lotes, com o n.º 887/04, conforme resulta do documento junto a fls. 70 e vs. com o teor que aqui se dá por integralmente reproduzido;

12) Em 15 de Maio de 1964, XX e mulher CC, aqui Ré, pais e sogros dos segundos Réus, e DDD e mulher, EEE, celebraram por escritura pública – cuja cópia está junta a fls. 341 vs e segs, - o acordo mediante o qual os primeiros compraram aos segundos um terreno de forma irregular, com a área de 582 m2, sito na Avenida ..., prédio esse integrante no descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ...90;

13) Esse prédio foi descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n.º ...77 e a aquisição inscrita a favor de XX e mulher CC em 25 de Junho de 1964;

14) Em 1978, os segundos Réus fizeram edificar um muro em pedra no extremo poente do prédio referido na alínea anterior, implantado a 30 metros, procedendo à medição do norte, com a altura aproximadamente de 1,30m;

15) Como condição para aprovação do loteamento referido em 11), foi imposta a abertura de uma via pública, respetivos passeios e baia de estacionamento, sita no lado nascente do prédio, com a largura de 13,50 metros e o comprimento de 130,30 metros;

16) Para a concretização de tal obrigação administrativa era necessário que a Autora fosse titular, para disponibilizar ao domínio público, das áreas correspondentes às parcelas de terreno assinaladas a rosa e azul na planta junta como documento n.º 1 da petição inicial, cuja cópia a cores foi junta aos autos no decurso da audiência de julgamento;

17) Notificada a Autora, pela Câmara Municipal de Matosinhos, para apresentar documento comprovativo da disponibilidade dessas parcelas para a abertura do arruamento em questão, a mesma contactou os 2ºs Réus, na pessoa do JJ, que sempre os representou;

18) Os ditos Réus disponibilizaram-se a vender as parcelas identificadas a azul e rosa na planta topográfica supra referida, condicionando, contudo, tal venda à venda simultânea de uma parcela com a área total de 78 m2, localizada a poente do muro aludido em 14, assinalada a cor vermelha na mesma planta topográfica, com o argumento que também eram proprietários da correspondente área de terreno;

19) Assim, em 03-06-2004, os segundos Réus cederam à Autora pela contrapartida do pagamento o valor de €68.584,00, que entregaram a esta, as parcelas assinaladas a rosa e azul na mesma planta, conforme declaração junta como documento n.º 14 junto com a petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

20) Na mesma data, os segundos Réu cederam à Autora pela contrapartida do pagamento o valor de €68.584,00, que entregaram a esta, a parcela com a área de 78 m2, assinalada a vermelho na mesma planta, conforme declaração junta como documento nº 15 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;

21) Os primeiros Réus, desde o dia 10 de Maio de 1994, data em que tomaram posse da parcela identificada em 3), passaram a utilizar como parte integrante do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...39, toda a área situada a poente do muro referido em 14), incluindo a parcela de 78 m2 referida em 18), como se de sua propriedade se tratasse, convencidos de que tal muro delimitava aquele seu prédio, pelo lado nascente, do prédio dos segundos Réus;

22) O que fizeram de forma continuada e sem qualquer interrupção no tempo, à vista e com o conhecimento de toda a gente e na plena convicção de exercerem um direito próprio e sem lesarem interesses de terceiro;

23) O terreno propriedade dos 2.ºs Réus sempre foi murado na parte que confinava com o dos 1ºs Réus, mesmo na pequena parte côncava e triangular que entra no terreno destes e que corresponde às parcelas aludidas no item 16);

24) A Autora construiu a via pública mencionada em 15), utilizando as parcelas de terreno mencionadas em 16) e 18);


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- Factos não provados

Não resultaram provados outros factos entre os alegados pelas partes com relevo para a decisão da causa e nomeadamente que:

A) Antes do destaque da parcela aludida no ponto 6) supra, o prédio aludido em 3 tinha a área global de 8.162 m2;

B) Parte do muro referido em 14) já existia antes de 1964;

C) Há mais de 30 anos, com referência à data da outorga do contrato referido em 20) que os segundos Réus vinham utilizando a parcela com a área de 78 m2 assinalada a vermelho na supra aludida planta topográfica, como parte integrante do imóvel mencionado no item 12), à vista de todas as pessoas, de forma ininterrupta e pública, sem oposição de quem quer que seja, convictos de que a mesma lhes pertencia;

D) No limite poente da mesma parcela (de 78 m2) existia um muro que delimitava o prédio dos segundos Réus do prédio que a Autora adquiriu aos primeiros Réus;

E) Sendo que tal muro foi destruído pela Autora, após a celebração dos acordos vertidos mencionados nos itens 19) e 20);

F) Até essa altura os 2.ºs Réus tinham nessa parcela (de 78 m2) árvores de fruto e um cão e respetiva casota;

G) Procediam à limpeza dos silvados que cresciam nas parcelas de terreno;

H) Tinham pedra depositada nessa parcela;


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3. O direito

- Despacho proferido em sede de Despacho Saneador -


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- Caso Julgado -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 1 a 7, 10, 11 a 13, insurgem-se os apelantes contra a decisão proferida em sede de despacho saneador, que apreciando da exceção de caso julgado, julgou improcedente a exceção.

Os apelantes entendem que face à decisão proferida no âmbito do Proc. 5182/06.5TBMTS, com trânsito em julgado, que correu os seus termos no extinto Tribunal Judicial de Matosinhos, se verifica a exceção de caso julgado.

Na apreciação da exceção consideraram-se os seguintes factos assentes, face aos documentos juntos aos autos:

1) A ora Autora propôs, em 9 de Junho de 2006, no Tribunal Judicial de Matosinhos, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra os aqui 1ºs e 2ºs Réus, que deu origem ao Proc. n.º 5182/06.5TBMTS, pedindo, além do mais, a condenação daqueles na restituição dos preços que havia pago pela compra da parcela de terreno com a área de 78 m2, assinalada a vermelho na planta junta com a petição inicial destes autos, que alegava ter sido objeto de dois sucessivos contratos de compra e venda, o primeiro celebrado com os primeiros Réus e o segundo com os demais Réus, com fundamento em tais contratos constituírem venda de bens alheios, uma vez que a dita parcela de terreno, à data da celebração dos mesmos integrava já o domínio municipal, o que a Autora desconhecia.

2) Nessa ação foi proferido despacho saneador-sentença, pelo qual, no que para o caso interessa, o tribunal declarou nulo, por vício de forma, o contratos de compra e venda celebrados entre a autora e os 2ºs réus, e considerou não ter resultado provado que a dita parcela pertencia ao domínio municipal à data da escritura pública relativa ao contrato de compra e venda celebrado entre a autora e os 1ºs réus, assim julgando a ação parcialmente procedente, absolvendo os 1ºs réus do pedido e condenando os 2ºs réus a restituir à autora a quantia correspondente ao preço da parcela em discussão que a Autora pagou aos segundo Réus.

3) Daquela sentença foram interpostos recursos independentes de apelação pela autora e pelos 2ºs réus para o Tribunal da Relação do Porto, ambos julgados improcedentes, tendo, ainda, estes últimos requerido revista para o Supremo Tribunal de Justiça, cujo provimento foi negado.

4) Não tendo os 2ºs réus cumprido com aquela decisão judicial, jamais tendo entregado à autora qualquer quantia, esta intentou, em 5 de Junho de 2009, ação executiva contra aqueles, com base nesse mesmo título judicial, tendo em vista o pagamento do montante correspondente ao preço por eles pago pela compra e venda declarada nula.

5) No entanto, os aludidos réus deduziram oposição à execução invocando a extinção do crédito exequendo por compensação com o crédito emergente da obrigação de restituição dos mesmos imóveis por parte da Autora, como consequência da nulidade daquele negócio.

6) Na fase do saneador, o Tribunal de 1ª instância julgou a oposição improcedente, decidindo-se pela improcedência da exceção da compensação e da exceção de não cumprimento invocados.

7) Inconformados, apelaram os ali oponentes, considerando o Tribunal da Relação do Porto verificada a exceção perentória de não cumprimento do contrato, pelo que julgou o recurso procedente e, em consequência, também procedente a oposição, com a necessária revogação da sentença recorrida e extinção da execução.

8) Desse acórdão foi interposto recurso de revista pela exequente, ora Autora, a qual foi negada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

9) Por seu turno, através da presente ação o ora Autor pretende:

a) seja declarado que os Réus não eram exclusivos donos, nem legítimos possuidores, à data das respetivas vendas, da parcela de terreno em causa e, consequentemente, condenar-se os primeiros Réus a restituírem à Autora a quantia de €18.146,70, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e os 2º Réus a restituírem á Autora a quantia de  €68.584,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a citação até integral pagamento;

b) condenar-se os Réus no pagamento dos encargos processuais e procuradoria condigna;

c) sem prescindir, e no caso de se vir a provar que algum dos Réus era proprietário da parcela à data das correspondentes vendas, condenar-se os outros Réus a restituírem á Autora o respetivo preço, acrescido de juros de mora, desde a citação até efetivo pagamento.

Na decisão interlocutória considerou-se não estarem reunidos os requisitos da exceção, com os fundamentos que se passam a transcrever:

“Desde já adiantamos que, apesar de ser evidente a identidade das partes em ambas as ações, não nos parece não estarem verificados os pressupostos da identidade do pedido e causa de pedir.

De facto, na ação que correu termos no extinto tribunal de Matosinhos visava a declaração de nulidade, com fundamento no regime da venda de bens alheios, dos dois contratos de compra e venda da parcela em causa por a mesma pertencer, à data das referidas vendas, ao domínio público.

Já nestes autos, cuja pretensão principal configura uma ação de simples apreciação negativa, pretende-se tão só a declaração de que a referida parcela de terreno, objeto de dois diversos contratos de compra e venda que a Autora outorgou, na qualidade de compradora, a distintos vendedores, não pertencia a nenhum deles.

A decisão, ali proferida, de indeferimento do pedido de reconhecimento da nulidade do contrato celebrado entre os Autores e os primeiros Réus, com fundamento na pertença da parcela alienada ao domínio público, e de nulidade, por inobservância da forma legal, do contrato celebrado entre a Autora e os segundos Réus, não pode impedir outro tribunal de analisar a substância do objeto do contrato, nomeadamente, se o(s) contrato(s) de compra e venda recaiu(iram) sobre coisa que não pertencia aos vendedores.

Com efeito, nos termos do art 621º do CPC (efeitos do caso julgado material), a sentença constitui caso julgado nos precisos imites e termos que julga, e a verdade é que as questões que as pretensões que estão em causa nos presentes autos não chegaram a ser apreciadas na aludida decisão do tribunal de Matosinhos.

Esta conclusão é ainda mais evidente no que concerne ao contrato de compra e venda celebrado entre a Autora e os segundos Réus, já que a sentença, tendo declarado a nulidade do mesmo por inobservância da forma legal prescrita, não chegou sequer a apreciar se a dita parcela integrava, ou não, o domínio público.

O que poderia estar em causa, face à decisão proferida no primeiro dos aludidos processos, seriam os efeitos que decorrem da autoridade de caso julgado da decisão proferida no processo Proc. n.º 5182/06.5TBMTS e o reflexo dos mesmos nos presentes autos.

É que o instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. A função positiva é exercida através da autoridade do caso julgado. A função negativa é exercida através da exceção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (art.º 580º, nºs 1 e 2 do C.P.C.).

A autoridade de caso julgado de sentença que transitou e a exceção de caso julgado são, assim, efeitos distintos da mesma realidade jurídica. Escreve o Prof. Lebre de Freitas (“Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., p. 354), que “pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito”, enquanto que “a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. (...). Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda ação, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há de ser proferida”.

Daqui decorre, por um lado, que não se poderá voltar a apreciar questão da pertença da parcela em questão ao domínio municipal – questão que, de resto, não se coloca nos presentes autos, porque não invocada pela Autora, nem tão pouco pelos Réus que na sua defesa invocam a propriedade da parcela em questão à data da outorga dos contratos de compra e venda – e, por outro lado, que tem de se ter por assente que o negócio de compra e venda celebrado entre a Autora e os segundos Réus é nulo por falta de forma, o que as partes também não questionam neste processo.

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente, por não provada, a exceção de caso julgado invocada pelos Réus nas suas contestações.

Notifique”.

A questão que se coloca consiste, pois, em determinar se a decisão proferida, com trânsito em julgado, no Proc. 5182/06.5TBMTS, que correu os seus termos no extinto Tribunal Judicial de Matosinhos, faz caso julgado em relação à presente ação, determinando quanto aos segundos réus a absolvição da instância.

O caso julgado, que constitui uma exceção dilatória, pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário – art.580º CPC.

Distingue a lei o caso julgado material, do caso julgado formal.

O caso julgado formal consiste em estar excluída a possibilidade de recurso ordinário, não podendo a decisão ser impugnada e alterada por esta via (art. 627º e 628º CPC).

O caso julgado material que nos interessa analisar na situação presente, consiste na definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal, quer a título prejudicial (art. 619º, 621º CPC).

O caso julgado verifica-se em relação às decisões que versam sobre o fundo da causa e portanto sobre os bens discutidos no processo; as que definem a relação ou situação jurídica deduzida em juízo, as que estatuem sobre a pretensão do Autor.

Por sua vez determina o art.º 625º/ 1 CPC que: “[h]avendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar”.

A exceção do caso julgado tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior – art.º 580º/2 CPC.

Como refere o Professor MANUEL DE ANDRADE “o caso julgado tem como fundamento o prestígio dos tribunais e uma razão de certeza ou segurança jurídica”[2].

O caso julgado é uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e da salvaguarda da paz social, pois que evita que uma mesma ação seja instaurada várias vezes, obsta a que sobre a mesma situação recaiam soluções contraditórias e garante a resolução definitiva dos litígios que os tribunais são chamados a dirimir, Ele é, por isso, expressão dos valores de segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica[3].

O Professor MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA salienta que o “caso julgado das decisões judiciais é uma consequência da caracterização dos tribunais como órgãos de soberania (art.º 113º/1 CRP). Neste enquadramento, o art.º 208º/2 CRP estabelece que as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas (nomeadamente, outros tribunais e entes administrativos) e privadas, prevalecendo, por isso, sobre as de quaisquer outras entidades. Aquela obrigatoriedade e esta prevalência são conseguidas, em grande medida, através do valor de caso julgado dessas decisões“[4].

Os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado material são traçados pelos elementos identificativos da ação – as partes, o pedido e a causa de pedir.

Como se dispõe no art.º 581º CPC: “repete-se uma causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.

Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas, sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.

O que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento da exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o Autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo)[5].

A doutrina a respeito dos limites do caso julgado tem autonomizado os “limites temporais”, servindo como referência os estudos do Professor MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA[6], onde se defende “que o momento de referência do caso julgado não é aquele em que a decisão é proferida, mas o do termo da discussão na fase da audiência final. Daqui resulta, para efeito de caso julgado, que apenas os factos ocorridos depois do encerramento da discussão são considerados factos novos e podem ser invocados como uma nova causa de pedir numa ação posterior”.

Apesar de não concordar com a criação de mais este limite do caso julgado, o Professor CASTRO MENDES, aceita os fundamentos que estão subjacentes a tal limite, por “exprimirem o que consta no nosso direito, do art.º 663º/1 CPC: a decisão final – sentença – deve corresponder” à situação existente no momento do encerramento da discussão”[7].  

No caso presente não estão reunidos os pressupostos do caso julgado, porque apesar de nas duas ações ocorrer identidade de sujeitos, pois figuram como autor e réus as mesmas pessoas jurídicas, as quais assumem a mesma posição na ação do ponto de vista da sua qualidade jurídica, não existe, contudo, identidade de causa de pedir, nem do pedido.

Resulta dos factos assentes e dos documentos juntos aos autos com a petição e contestação que a ora Autora propôs, em 9 de Junho de 2006, no Tribunal Judicial de Matosinhos, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra os aqui 1ºs e 2ºs Réus, que deu origem ao Proc. n.º 5182/06.5TBMTS, pedindo, além do mais, a condenação daqueles na restituição dos preços que havia pago pela compra da parcela de terreno com a área de 78 m2, assinalada a vermelho na planta junta com a petição inicial destes autos (documento nº 1, inserido a página 5244 do processo eletrónico, sistema Citius).

Alegou nessa ação que a parcela em causa foi objeto de dois sucessivos contratos de compra e venda, o primeiro celebrado com os primeiros Réus e o segundo com os demais Réus, com fundamento em tais contratos constituírem venda de bens alheios, uma vez que a dita parcela de terreno, à data da celebração dos mesmos integrava já o domínio municipal, o que a Autora desconhecia.

Em concreto, em relação aos segundos réus, aqui apelantes, a autora formulou o pedido de condenação solidária a restituir à autora a quantia de 137.168,00, acrescida de juros vencidos até 05 de junho de 2006, no montante de €11.018,54 e juros vincendos até efetivo pagamento e ainda, na quantia a liquidar em execução de sentença, relativa aos factos dos art.º 96º, 97º e 98º da petição inicial (cfr. sentença junta como documento nº2, inserida a página 5245 do processo eletrónico sistema Citius).

Para sustentar a sua pretensão em relação aos segundos réus, alegou que adquiriu verbalmente aos segundos réus, em 03 de junho de 2004, três parcelas de terreno, com as áreas de 38 m2, 58 m2 e 78 m2, as duas primeiras pelo preço de 68.584,00€ e a terceira pelo preço de € 68.584,00€, assinaladas a rosa, azul e vermelho, no documento junto naquele processo a página 46.

Alegou, ainda, que os contratos de compra e venda celebrados com os primeiros e segundo réus são nulos, por serem vendas de bens alheios e que ambos configuram atos de enriquecimento sem causa dos réus à custa da autora. Defendeu que as vendas tiveram por objeto parcelas que já haviam sido outrora integrados no domínio municipal, com vista à construção de uma futura via pública, situação que a autora desconhecia e via essa cuja execução foi imposta à Autora pela Câmara Municipal de Matosinhos, como condição para aprovação do loteamento e emissão do alvará relativos ao processo de loteamento daquele prédio rústico adquirido aos primeiros réus.

Alegou ter adquirido as parcelas aos segundos réus pelo facto de a Câmara Municipal lhe exigir documento comprovativo da disponibilização das parcelas rosa e azul para a construção do arruamento. Contatados os segundos réus arrogando-se também proprietários da parcela vermelha, condicionaram a venda daquelas à venda simultânea desta.

Relativamente à parcela verde, referiu que a mesma fazia parte do prédio de forma irregular de 834 m2, mas que a área da parcela (252 m2) foi expressamente excluída do objeto da escritura pública de compra e venda datada de 15 de maio de 1964 pelos contraentes – DDD e EEE, enquanto vendedores, e XX e a Ré  CC, pais e sogros dos segundos réus, enquanto compradores – com vista a integrar a mesma na referida rua.

Quanto à parcela vermelha, alegou que nunca pertenceu aos primeiros réus, na medida em que fazia parte do referido prédio vendido em 15 de maio de 1964 aos segundos réus e que foi por estes cedida para a construção da via publica na sequência da aprovação do projeto de licenciamento em 09 de setembro de 1977 e desde 1978 – data em que edificaram o muro assinalado no documento de fls. 46 – os segundo réus deixaram de exercer sobre a mesma atos possessórios.

Por último, alegou que a parcela assinalada a rosa foi igualmente cedida ao Município ... em 1964 por força da escritura pública data de 15 de maio de 1964; e a parcela azul foi cedida pelos segundos réus na sequência da referida aprovação do projeto de licenciamento aprovado em 09 de setembro de 1977.

Nessa ação foi proferido despacho saneador-sentença, pelo qual, no que para o caso interessa, o tribunal declarou nulo, por vício de forma, os contratos de compra e venda celebrados entre a autora e os 2ºs réus, e considerou não ter resultado provado que a dita parcela pertencia ao domínio municipal à data da escritura pública relativa ao contrato de compra e venda celebrado entre a autora e os 1ºs réus, assim julgando a ação parcialmente procedente, absolvendo os 1ºs réus do pedido e condenando os 2ºs réus a restituir à autora a quantia correspondente ao preço da parcela em discussão que a Autora pagou aos segundos Réus.

Daquela sentença foram interpostos recursos independentes de apelação pela autora e pelos 2ºs réus para o Tribunal da Relação do Porto, ambos julgados improcedentes, tendo, ainda, estes últimos requerido revista para o Supremo Tribunal de Justiça, cujo provimento foi negado.

Não tendo os 2ºs réus cumprido com aquela decisão judicial, jamais tendo entregado à autora qualquer quantia, esta intentou, em 5 de Junho de 2009, ação executiva contra aqueles, com base nesse mesmo título judicial, tendo em vista o pagamento do montante correspondente ao preço por eles pago pela compra e venda declarada nula.

No entanto, os aludidos réus deduziram oposição à execução invocando a extinção do crédito exequendo por compensação com o crédito emergente da obrigação de restituição dos mesmos imóveis por parte da Autora, como consequência da nulidade daquele negócio e bem assim, a exceção de não cumprimento.

Na fase do saneador, o Tribunal de 1ª instância julgou a oposição improcedente, decidindo-se pela improcedência da exceção da compensação e da exceção de não cumprimento invocados.

Inconformados, apelaram os ali oponentes, considerando o Tribunal da Relação do Porto verificada a exceção perentória de não cumprimento do contrato, pelo que julgou o recurso procedente e, em consequência, também procedente a oposição, com a necessária revogação da sentença recorrida e extinção da execução.

Desse acórdão foi interposto recurso de revista pela exequente, ora Autora, a qual foi negada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Através da presente ação a ora Autora pretende:

a) seja declarado que os Réus não eram exclusivos donos, nem legítimos possuidores, à data das respetivas vendas, da parcela de terreno em causa e, consequentemente, condenar-se os primeiros Réus a restituírem à Autora a quantia de €18.146,70, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e os 2º Réus a restituírem á Autora a quantia de  €68.584,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a citação até integral pagamento;

b) condenar-se os Réus no pagamento dos encargos processuais e procuradoria condigna;

c) sem prescindir, e no caso de se vir a provar que algum dos Réus era proprietário da parcela à data das correspondentes vendas, condenar-se os outros Réus a restituírem á Autora o respetivo preço, acrescido de juros de mora, desde a citação até efetivo pagamento.

Sustentam tal pretensão no facto de em 17 de Julho de 2003, a Autora ter adquirido por compra aos 1ºs Réus, formalizada em escritura pública notarial, um prédio rústico, pelo preço de €1.770.732,53. Tendo a aquisição sido inscrita a seu favor pela Ap. ...9 de 23-07-2003. 

Deste prédio fazia parte a parcela assinalada a vermelho no Doc. n.º 1, uma vez que a mesma integrava o objeto da referida compra e venda. Objeto esse que emerge da sua identificação quer na própria escritura, quer no subjacente contrato-promessa. O objeto da promessa de compra e venda foi definido na primeira cláusula com o complemento do levantamento aerofotogramétrico, com demarcação do terreno vendido, o qual se encontra rubricado por todos os contraentes. Na cláusula primeira do sobredito contrato consigna-se que o prédio tem uma área aproximada de 8.200m2, logo ficou definitivamente esclarecida que a área exata era de 8.162m2, conforme levantamento topográfico efetuado por um dos próprios contraentes, QQ, o qual identificou e delimitou o dito prédio, bem como a sua área efetiva. Área essa que coincide com a identificada na respetiva descrição predial.

Mais alegou que resulta dessas plantas, e consequentes demarcações, que a parcela assinalada a vermelho fazia parte do prédio e do objeto daquele contrato, sendo certo que na escritura de compra e venda o prédio adquirido viu a sua área reduzida para 7611m2 em resultado do destaque da parcela de 551m2.

Atendendo ao preço da compra e à área real do terreno, o valor de cada metro

quadrado foi de €232,65. O valor da parcela assinalada a vermelho foi de €18.146,70 (78m2 x €232,65).

O mencionado prédio foi objeto de um processo de loteamento, que correu termos na Câmara Municipal de Matosinhos sob o n.º .../03, o qual veio a terminar com o deferimento do pedido de loteamento e a emissão do alvará de constituição de três lotes, com o n.º …7/04.

Como condição para aprovação do loteamento, foi imposta a abertura de uma via pública, respetivos passeios e baia de estacionamento, sita no lado nascente do prédio, com a largura de 13,50 metros e o comprimento de 130,30 metros. Para a concretização de tal obrigação administrativa, eram absolutamente indispensáveis e imprescindíveis as parcelas de terreno assinaladas a rosa e azul no documento junto como doc. n.º 1.

Notificada a Autora, pela Câmara Municipal de Matosinhos, para apresentar documento comprovativo da disponibilidade dessas parcelas para a abertura do arruamento em questão, a mesma contactou os 2ºs Réus, na pessoa do JJ, que sempre os representou.

Os ditos Réus disponibilizaram-se a vender as parcelas azul e rosa, condicionando, contudo, tal venda à venda simultânea da parcela vermelha, com o argumento que também eram desta proprietários.

Em 03-06-2004, os 2ºs Réus venderam à Autora, através de uma declaração as parcelas azul e rosa, contra a entrega da quantia de €68.584,00. Simultaneamente, os mesmos Réus venderam à Autora, também através de idêntica declaração a parcela vermelha, contra o pagamento de igual quantia de €68.584,00.

 Tanto os 1ºs como os 2ºs RR. se arrogaram proprietários da mesma parcela de terreno, tendo esta sido por ambos vendida à Autora, mas nem uns, nem outros eram proprietários da dita parcela à data das respetivas vendas, porquanto nunca nenhum deles adquiriu o direito de propriedade sobre a parcela em questão, fosse por via originária, fosse por via derivada, nem sequer sobre a mesma exerceram ou mantiveram qualquer posse.

Conclui que comprou, por duas vezes, a mesmíssima parcela de terreno, ignorando que a mesma não pertencia a nenhum dos vendedores, tendo ambos os RR. procedido à venda de coisa alheia, pois que não eram verdadeiramente os seus proprietários, carecendo de legitimidade para efetuarem as correspondentes alienações.

Argumentam os apelantes que “em 9 de junho de 2006, a Autora propôs uma “ação declarativa de condenação”, que correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Matosinhos, com o número de processo 5182/06.5TBMTS.

As partes são as mesmas naquela e na presente ação, bem como a causa de pedir e os pedidos.

Na presente ação a Autora alega que os 2ºs Réus, através de um contrato de compra e venda celebrado em 3.06.2004, lhe fizeram uma venda de bens alheios, sendo a mesma nula nos termos 892.º do Código Civil, pedindo em consequência, nos termos do artigo 894.º Código Cívil, que lhe seja restituído o preço pago.

Por seu lado, no processo 5182/06.5TBMTS foi precisamente isso que foi alegado e pedido.

O Tribunal Judicial de Matosinhos, face ao alegado e ao que foi pedido, no despacho saneador, conheceu oficiosamente da nulidade proveniente da falta de forma do contrato de compra e venda e, consequentemente, condenou os Réus a restituírem o que tinha sido prestado.

Decisão aquela que, posteriormente, foi confirmada pelo Acórdão da Relação do Porto de 26/02/2007 e pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/01/2007.

O contrato em causa já foi declarado nulo pelo Tribunal Judicial de Matosinhos e, como consequência dessa nulidade, os 2ºs Réus, por força do art.º 289.º do CC, ficaram obrigados a restituir à Autora a quantia em causa.

Resulta dos factos enunciados que no Proc. 5182/06.5TBMTS que correu os seus termos no extinto Tribunal Judicial de Matosinhos a autora pretendia obter a declaração de nulidade dos contratos de compra e venda que celebrou com os segundos réus e que tinham por objeto três parcelas de terreno, por considerar tratar-se de venda de bens alheios, na medida em que as tais parcelas de terreno faziam parte do domínio público do Município ..., por efeito das operações de loteamento realizadas e necessidade de proceder à abertura de uma via pública.

Nessa ação não se chegou a apurar se os contratos celebrados revestiam a natureza de venda de bens alheios, por se consideraram tais contratos nulos por vício de forma.

Na presente ação apenas se discute a propriedade da parcela designada como “parcela assinalada a vermelho”, com a área de 78 m2, considerando a autora que tal parcela não pertencia em propriedade nem aos primeiros, nem aos segundos réus e mais uma vez, considera tal venda nula, por se tratar de venda de bens alheios.

Estava em causa apreciar se os segundos réus não eram proprietários da parcela com 78 m2, assinalada a vermelho no documento nº1, junto com a petição inicial e o reconhecimento da celebração de um contrato nulo, por consistir na venda de bem alheio, defendendo a autora que adquiriu duas vezes a mesma parcela a quem não era o respetivo proprietário.

A causa de pedir é distinta, porque não pretende o autor que se reconheça que a parcela com a área de 78 m2 pertence ao domínio público e consequentemente a declaração de nulidade da venda, por consistir em venda de bem alheio com tal fundamento.

Por outro lado, a sentença proferida no Proc. 5182/06.5TBMTS não chegou a pronunciar-se sobre a nulidade da venda, com fundamento em venda de bem alheio, nem ainda, sobre a obrigação de restituir a parcela de terreno, por efeito da declaração de nulidade com fundamento em vício de forma.

Para além da diferença que se verifica entre causas de pedir e pedido, a sentença proferida naqueles autos não se pronuncia sobre a concreta pretensão que aqui vem formulada e por esse motivo não faz caso julgado.

Constata-se que o objeto da presente ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, não está nem total ou parcialmente definido pela anterior sentença proferida no Proc. 5182/06.5TBMTS. A Autora não pretende valer-se na nova ação do mesmo direito que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através do seu conteúdo e objeto, mas também através da sua causa ou fonte (facto ou título constitutivo).

Numa segunda ordem de argumentos, referem os apelantes, que a Autora “com a presente ação quer alterar o silogismo feito na anterior decisão, o que coloca em causa o caso julgado. Na anterior decisão o tribunal entendeu que ao declarar o contrato nulo por falta de forma estava prejudicada a discussão da venda de bens alheios, uma vez que aquilo que a Autora pretendia era a nulidade do contrato com os efeitos restitutivos, o que foi determinado pelo tribunal ao declarar a nulidade por falta de forma. Passou, desta forma, a ser indiscutível a aplicação do direito ao caso concreto, realizada pelo Tribunal”.

A autoridade do caso julgado forma-se diretamente sobre o pedido, que a lei define como o efeito jurídico pretendido pelo autor. É sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado.

É a resposta dada na sentença à pretensão do Autor, delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado.

Como observa o Professor ANTUNES VARELA “[a] força do caso julgado cobre apenas a resposta dada a essa pretensão e não o raciocínio lógico que a sentença percorreu, para chegar a essa resposta”[8].

Vigorando entre nós o princípio da substanciação, a causa de pedir consiste no ato ou facto jurídico donde o Autor pretende ter derivado o direito tutelar; o ato ou facto jurídico que ele aduz como título aquisitivo desse direito.

O Professor MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA refere, por sua vez, que reconhecer que a “decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha, com esse valor, por si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão”[9].  

Considera, ainda, o mesmo AUTOR, que “o caso julgado da decisão possui um valor enunciativo, na medida em que a eficácia de caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada”.

Como refere o Professor LEBRE DE FREITAS, a respeito da extensão dos efeitos do caso julgado aos fundamentos da decisão: “o caso julgado há de poder ser invocado quando a sua não extensão aos fundamentos possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja suscetível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado, de impor praticamente um duplo dever onde apenas um existe ou de romper a reciprocidade entre o direito e o dever abrangidos pelo sinalagma”[10].  

Ponderando o exposto, face à situação dos autos, verifica-se que na decisão recorrida se apreciou dos efeitos do caso julgado da decisão, tendo presente os seus fundamentos. Ponderou-se a conjugação dos termos da decisão, com a causa de pedir no Proc. 5182/06.5TBMTS, uma vez que como já se referiu o pedido coenvolve o próprio direito em razão do qual a autora pretende a condenação dos réus e bem assim, os concretos fundamentos da decisão.

Tanto naquela ação como nesta, a autora não pretende apenas obter a restituição do preço pago, mas e sempre o reconhecimento que a venda celebrada reveste a natureza de venda de bem alheio, pretensão que não logrou obter naquela ação, pelo facto de oficiosamente o tribunal apreciar da validade formal do contrato. A restituição do preço pago constitui um efeito ou consequência do reconhecimento de celebração de contrato de venda de bens alheios. A nulidade ali declarada com fundamento em vício de forma, não deu resposta à pretensão que foi formulada pela autora. Com efeito, apenas com o reconhecimento da celebração de um contrato de venda de bens alheios fica a autora dispensada da restituição da parcela de terreno ou do seu valor e por isso, a resposta que a sentença ali proferida deu à pretensão da autora não tutela de forma definitiva o seu direito. A razão pela qual na sentença proferida no Proc.5182/06.5TBMTS foi determinada a restituição do preço, não está relacionada com a celebração de um contrato de venda de bens alheios, mas tão só com um vício de forma.

Conclui-se, assim, que não merece censura a decisão que julgou improcedente a exceção.

Improcedem as conclusões de recurso sob os pontos 1 a 7 e 10 a 13.


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- Da Venda de Bem Alheio -

Nas conclusões de recurso, sob os pontos 14 a 22, insurge-se o apelante contra os fundamentos da sentença, no segmento que faz aplicação da presunção prevista no art.º 1268º/1 CC, para desta forma concluir que os primeiros réus não gozam da presunção de propriedade em relação à parcela de terreno com a área de 78 m2.

Os apelantes argumentam que a parcela de terreno de 78 m2 fazia parte do terreno com a área de 582 m2, o qual foi adquirido pelos segundos réus (apelantes) em 15 de maio de 1964 (ponto 12 dos factos provados).

Houve por isso aquisição derivada translativa do direito de propriedade sobre todo o terreno de 582 m2, no qual se inclui a faixa de terreno de 78 m2, com o consequente registo predial da aquisição (pontos 12 e 13 dos factos provados).

Entendem que perante os factos provados, quer os 2ºs Réus tenham ou não utilizado aquela parcela de terreno, com a largura de 3 metros, que fica para além do muro que edificaram em 1978, certo é que nunca perderam a propriedade sobre ela, não sendo pelo facto de ter sido edificado um muro (ponto 14 dos factos provados), deixando para lá dele, a poente, uma faixa de terreno, com 3 metros de largura e 26,80 metros de cumprimento, que se perde o direito de propriedade sobre a mesma.

Consideram que perante os factos provados (pontos 12 e 13), no presente caso não funciona a presunção do 1268.º do CC e mesmo que se entenda aplicar aquela presunção em virtude de, alegadamente, os 1ºs Réus terem exercido atos de posse sobre a faixa de terreno desde 1994, essa presunção está ostensivamente ilidida pela aquisição derivada translativa do direito de propriedade por parte dos 2ºs Réus, em data anterior, ou seja, 15 de maio de 1964 (ponto 12 dos factos provados). Acrescendo que essa aquisição foi registada em data anterior à do início da alegada posse, ou seja, em 25 de junho de 1964 (ponto 13 dos factos provados), gozando, por isso, da presunção do art.º 7.º do Código de Registo Predial.

A questão a apreciar consiste em determinar do relevo da presunção de registo prevista no art.º 7º CRP, para o efeito de apurar da propriedade da parcela com a área de 78 m2.

Adiantando a resposta somos levados a considerar que os argumentos expostos não podem ser atendidos.

A posição defendida pelos apelantes não tem sustentação nos factos provados, porque não resulta dos factos provados que a parcela com a área de 78 m2 faz parte do prédio adquirido pelos apelantes com a área de 582 m2 – alínea C) dos factos julgados não provados.

Configurada a ação como de simples apreciação negativa, recaía sobre os apelantes o ónus de alegação e prova da propriedade da parcela (art.º 343º/1 CC).

A presunção do registo, prevista no art.º 7º do Código de Registo Predial, não releva para este efeito, como se sublinhou na sentença.

Considerou-se na sentença que a presunção do registo, prevista no art.º 7º do Código do Registo Predial, não é extensível às áreas e confrontações de um prédio e bem assim, que os apelantes não lograram provar a posse da parcela de terreno com a área de 78 m2, sendo que este segmento da sentença não vem impugnado. Os apelantes consideram, porém, que existe erro na aplicação do direito, por não se extrair da presunção prevista no art.º 7º do Código do Registo Predial as devidas consequências.

A presunção não é extensível à área do prédio, por não ser percetível pelo conservador do registo e apenas a prova efetiva da posse da parcela permite determinar a área de um prédio. No caso concreto provou-se que apenas os primeiros réus tinham e têm a posse de tal parcela de terreno e por isso, beneficiam da presunção do art.º 1268º/1 CC.

Efetivamente, quem beneficia da presunção de propriedade, como a estabelecida no art.º 7º do Código de Registo Predial não necessita de fazer prova desse direito mas apenas do registo. Como decorre do art.º349º CC quem tem uma presunção legal a seu favor escusa de provar o facto que nela se funda.

Contudo, o registo não dá, nem confere direitos, como aliás tem vindo a ser unanimemente entendido na doutrina e jurisprudência, sendo de salientar este aspeto no caso particular da presente ação, em que constitui questão controvertida a área e limites dos prédios.

O registo predial tem como finalidade primordial dar publicidade à situação jurídica de propriedade imobiliária de modo a garantir segurança no tráfico imobiliário e nas operações de crédito predial. Toda a sua constituição se desenvolveu em torno da ideia de proteção de terceiros, ainda que igualmente vise tutelar os interesses dos titulares de direitos inscritos.

A presunção estabelecida no art.º 7º Código de Registo Predial faz presumir que o direito existe e pertence às pessoas em cujo nome se encontra inscrito, emerge do facto inscrito e que a sua inscrição tem determinada substância (objeto e conteúdo de direitos ou ónus e encargos nele definidos (art.º 80º/1 /2 CRP)).

Porém, tal presunção não abrange a descrição física do prédio apenas incidindo sobre os factos inscritos.

A área, composição e confrontações do prédio, portanto, a apresentação física do prédio não são atos que o conservador, munido do seu poder de autoridade, possa atestar ou certificar, já que o seu conhecimento dos factos limita-se à apreciação e análise dos documentos que instruem o pedido de registo, os quais podem não expressar a situação real dos prédios.

Neste sentido, entre outros, podem consultar-se os Ac. STJ 30 de setembro 2004, Proc.04B2578; Ac. STJ 12 de fevereiro de 2008, Proc. 08A055; Ac. STJ 15 de maio de 2008, Proc. 08B856; Ac. STJ 08 de outubro de 2009, Proc. 839/04.8TBGRD.C1.S1; Ac. STJ 17 de novembro de 2011, Proc. 447/08.4TBCBR.C1.S1. Ac. STJ de 19 de setembro 2017, Proc.120/14.4T8EPS.G1.S1; Ac. STJ de 5 de maio de 2016, Proc. 5562/09.4TBVNG.P2.S1 (todos acessíveis em www.dgsi.pt).

A respeito desta questão e pela relevância que merece no caso concreto transcrevemos a seguinte passagem do Ac. STJ 12 de fevereiro de 2008, Proc. 08A055 (acessível em www.dgsi.pt):

“A descrição física de um prédio é notória, de perceção fácil, integrando pura matéria de facto sem que tenha de fazer-se apelo à interpretação e aplicação de textos legais. Já a referente às inscrições é de natureza jurídica sendo nessa sede conhecida e valorada.

Mas, mau grado os limites da presunção resultante do registo é certo que, sob pena de se esvaziar completamente o seu conteúdo, há que atentar nos precisos termos da inscrição e verificar se foram provados, ou improvados, quesitos em sentido oposto.

Como referem a Dr.ª Isabel Pereira Mendes (in “Estudos sobre Registo Predial”, 118) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 1992 – BMJ 420-597 – a presunção existe no sentido de se considerar que o registo é “exato e integro”e que “o direito registado existe e emerge do ato inscrito; o mesmo pertence ao titular inscrito, nos termos em que o registo o define”, não incluindo, porém, todos os elementos de identificação dos prédios sujeitos, que estão, a eventuais alterações, por retificação de áreas estremas.

E isto porque – e como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 22 de fevereiro de 2005 (P.º 4594/04 – 1.ª) – “…para concluir que não abrange os limites ou confrontações, a área dos prédios, as inscrições matriciais (com finalidade essencialmente fiscal) numa palavra, a identificação física, económica e fiscal dos imóveis, tanto mais que o mesmo é suscetível de assentar em meras declarações dos interessados, escapando ao controle do conservador, apesar da sua intervenção mesmo oficiosa (artigos 60.º, 90.º e 46.º do Código do Registo Predial; Acórdãos do STJ de 11 de maio de 1995, 17 de junho de 1997, 25 de junho de 1998, 11 de março de 1999, 10 de janeiro de 2002 e 28 de janeiro de 2003, in respetivas CJ/STJ – III-II75, V-II126, VI-II,134, VII-I150; Sumários/2002, 28 e 249; Sumários/janeiro, 2003, 27 e Isabel P. Mendes “Código do Registo Predial – Anotado e Comentado”, 11.ª Ed, 239).”

Mas este entendimento não pode ser acolhido acriticamente, antes devendo ser ponderado em termos hábeis.

A descrição reporta-se a uma realidade física, ostensiva e deve conter todos os elementos essenciais dessa realidade que terão de estar abrangidos por ela.

Só não estão os elementos acessórios e acidentais.

No relato do aresto de 22 de fevereiro de 2005 escreve o Cons. Alves Velho que “assim sendo, há de haver nela (descrição) um conjunto de elementos identificativos, que constituirão um âmbito mínimo ou núcleo essencial indispensável à definição ou identificação da coisa sobre a qual incide a inscrição do direito, sob pena de não se saber sobre que coisa incide o facto inscrito.”.

E nesta linha diz o Cons. Moreira Alves, ao relatar o Acórdão de 31 de março de 2004 – P.º 81/04-1.ª –: “Não se contesta que a presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial abrange apenas os factos jurídicos inscritos de onde se deduzem as situações jurídicas publicitadas pelo registo e não também a totalidade dos elementos de identificação física, económica e fiscal dos prédios, objeto da descrição predial e a sua única finalidade.

É essa a doutrina quase unânime e que aqui não se põe em causa.

Só que, uma coisa são as confrontações, a área, as estremas ou o valor dos prédios, outra aquilo que os define ou identifica na sua essencialidade.

Assim, da descrição fazem parte não só os elementos materiais essenciais à identificação dos prédios como os elementos meramente complementares ou acessórios.

Os primeiros, como que são inerentes à própria inscrição, pelo que só os segundos devem estar fora do alcance da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, sob pena de esta não ter qualquer relevância prática.”

E mais adiante, observa-se:

“Portanto, das inscrições constam os factos jurídicos sujeitos a registo, conforme o elencado no artigo 2.º do C.R. Predial, ou sejam, constam deles os factos da vida real, que, por força da lei produzem determinados efeitos jurídicos, no caso, constitutivos, aquisitivos, modificativos ou extintivos do direito de propriedade.

Ora, como tal direito incide sobre coisas a inscrição tem de as identificar, o que faz por referência à descrição, sendo certo que alguns desses elementos identificativos são essenciais, no sentido de que, sem eles, não se saber sobre que coisa incide a inscrição (ou melhor, o facto inscrito).

Esse núcleo essencial da descrição não pode deixar de estar protegido pela presunção do artigo 7.º sob pena de se presumir a propriedade de coisa nenhuma.”

Daí que se no registo um prédio vem descrito como tendo uma área descoberta, ou logradouro, ou como tendo, apenas, um terraço descoberto, tais elementos, fazem parte do referido núcleo essencial descritivo, que, no fundo são marcas diferenciadoras, ou de identificação, do prédio, que estão a coberto da presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial. Mas já não é assim em relação aos limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal, confrontações, porque não são factos que o conservador possa atestar.

Como toda a presunção legal consiste numa ilação que a lei deduz de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Em consequência, disso, quem beneficia de uma presunção legal fica dispensado do ónus da prova, fazendo inverter o ónus da prova do facto presumido (mas não do facto em que a presunção se baseia – o registo), cabendo à parte contrária o ónus da prova de que a presunção não vale, ou seja, de que o facto conhecido não basta, no caso concreto, para justificar o efeito que a lei lhe atribui[11].

No caso concreto, os apelantes invocaram como título de aquisição do direito: a presunção do registo, a aquisição derivada (compra e venda) e ainda, a usucapião.

Em relação à área do prédio, confrontações e limites, elementos complementares de identificação do prédio, os apelantes não beneficiam da presunção do registo. Recaía sobre os apelantes o ónus da prova dos factos que permitissem ao tribunal concluir que no prédio indicado no ponto 12 dos factos provados se integrava a parcela com 78 m2 e que tal conjunto pertencia em propriedade aos segundos réus, factos que não lograram provar, como decorre da alínea C), D), E), F), G) e H) dos factos não provados, sendo certo que era sobre os réus que recaía o ónus da prova de tal matéria (art. 343º/1 CC).

Improcedem, pois, nesta parte as conclusões de recurso.


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Numa segunda ordem de argumentos e sob os pontos 23 a 25 das conclusões de recurso, defendem os apelantes que a sentença não podia determinar a nulidade de um contrato que já foi declarado nulo.

Consideram que o contrato em causa nunca produziu efeitos porque nulo por falta de forma, conforme já foi declarado no Proc. 5182/06.5TBMTS, com trânsito em julgado. Ao ser declarado nulo a aparência jurídica deixa de existir, constatando-se que não houve produção de quaisquer efeitos jurídicos. Não faz sentido vir, em repetição, declarar o mesmo efeito jurídico, decorrente do art.º 289 do CC.

Cumpre apreciar se a declaração de nulidade do contrato com fundamento em vício de forma, obsta à verificação de vícios de natureza substantiva.

Os apelantes não indicam as normas jurídicas em que sustentam os fundamentos da impugnação. Também não impugnam o segmento da sentença que reconheceu o vício e declarou a nulidade do contrato com fundamento em venda de bem alheio e tanto seria suficiente para julgar improcedente a impugnação por da mesma não resultar qualquer efeito útil.

Contudo, sempre se dirá, que um negócio jurídico pode padecer de diferentes vícios e até ao momento em que é declarada a sua nulidade existe e subsiste com a aparência de um negócio válido e eficaz.

A pretensão de ver reconhecido um vício de natureza substantiva, porque o vendedor não era o proprietário da parcela de terreno, reporta-se à data da celebração do contrato. Acresce que a própria declaração de nulidade produz efeitos, gera a obrigação de liquidação, obrigação que no caso de venda de bens alheios está subordinada a um regime especial previsto nos art.º 892º CC e seguintes e por isso, não está subordinada apenas à regra do art.º 289º CC.

Ocorre a venda de bens alheios sempre que, na qualidade de vendedor, alguém celebra um contrato de compra e venda sem legitimidade, por não ser titular do direito a que se reporta a alienação ou por agir sem representação.

O vendedor que não é proprietário dos bens vendidos carece de legitimidade para celebrar um contrato mediante o qual pretenda vender os direitos de propriedade sobre tais bens.

A consequência da venda de bens alheios é a nulidade do negócio jurídico – art.º 892º CC.

Como observa ROMANO MARTINEZ: “a nulidade da compra e venda de bens alheios produz os efeitos normais, estabelecidos no art.º 289º CC, mas interessa aludir a algumas especificidades”[12].

Neste âmbito merece particular relevo o regime do art.º 894º /1 CC que constitui uma exceção ao regime do art.º 289º/1 CC, pois o comprador de boa-fé “mesmo que não possa restituir a coisa ou se esta se encontra deteriorada ou diminuir de valor por causa que não lhe seja imputável, nada tem a devolver, mas pode exigir a restituição do preço […].Exceto se houver tirado proveito da perda ou diminuição do valor dos bens, em que o proveito será compensado com o montante a haver do vendedor (art.º 894º/2 CC). Esta exceção tem em vista evitar uma situação de locupletamento à custa alheia”[13].

Como observa ROMANO MARTINEZ “o risco corre por conta do vendedor”[14].

Os apelantes não lograram provar que lhes pertencia em propriedade a parcela de terreno com a área de 78m2 e que foi cedida à autora, mediante o pagamento pela autora da quantia de €68.584,00.

Os apelantes não questionam a boa-fé do comprador, o facto da parcela de terreno estar incorporada na nova via, sendo pois inviável a sua devolução (pontos 15, 24, 18 dos factos provados), nem alegaram em sua defesa circunstâncias determinantes de um enriquecimento sem causa do comprador, factos esses cujo ónus de alegação recaía sobre os vendedores-apelantes na medida em que constituíam factos impeditivos ou extintivos do direito do comprador-autora (art.º 342º/2 CC).

Desta forma, não merece censura a decisão que reconheceu a nulidade do contrato celebrado, com fundamento em venda de bens alheios e o direito da autora à restituição do preço pago, no montante de €68.584,00, sem a correspondente obrigação por parte da autora de restituição da parcela de terreno.

Improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos 23 a 25.


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Nos termos do art.º 527º CPC as custas são suportadas pelos apelantes.

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III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão interlocutória e a sentença.


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Custas a cargo dos apelantes.

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Porto, 22 de abril de 2024
(processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Juiz Desembargador-Relator
Ana Olívia Loureiro
1º Adjunto Juiz Desembargador
Fernanda Almeida
2º Adjunto Juiz Desembargador
________________________________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções  Elementares de Processo Civil, Reimpressão, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1993, pág. 306.
[3] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, Lex. Lisboa, 1997, pág. 568.
[4] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pág. 568.
[5] MANUEL A. DOMINGUES DE ANDRADE Noções Elementares de Processo Civil, ob. cit., pág. 320.
[6] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pág. 583.
[7] JOÃO DE CASTRO MENDES Direito Processual Civil, vol. III, AAFDL, Lisboa, 1982,  pág. 279.
[8] ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, SAMPAIO E NORA Manual de Processo Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1985, pág. 712.
[9] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA Estudos sobre o Novo Processo Civil, ob. cit., pág. 578.
[10] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ISABEL ALEXANDRE Código de Processo Civil Anotado, vol II, 3ª edição, Almedina, Coimbra, junho 2017, pág. 596.
[11]  VAZ SERRA, BMJ 110, 118.       
[12] PEDRO ROMANO MARTINEZ Direito das Obrigações (Parte Especial) CONTRATOS, 2ª edição, (3ª reimpressão da edição de maio de 2001), Almedina, Coimbra, março de 2001, pág. 113.
[13] PEDRO ROMANO MARTINEZ Direito das Obrigações (Parte Especial) CONTRATOS, ob. cit., pág. 113.
[14] PEDRO ROMANO MARTINEZ Direito das Obrigações (Parte Especial) CONTRATOS, ob. cit., pág. 114.