Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1313/21.3T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADE POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO DO DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
DANO DA PRIVAÇÃO DE USO DO VEÍCULO
Nº do Documento: RP202406171313/21.3T8VFR.P1
Data do Acordão: 06/17/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A responsabilidade civil pressupõe, em regra, culpa do agente (dolo ou negligência), incidindo sobre o lesado o ónus de provar a culpa do lesante - cfr. nº1, do art. 483º, art. 487º e nº1, do art. 342º, todos do Código Civil -, tal como os restantes pressupostos daquela;
II - E provados estes, incluindo a culpa da lesante, ainda que com ela concorra, também, culpa do lesado, que contribuiu para os danos que sofreu (v. nº1, do art. 570º, do CC), bem se concluiu por se ter gerado, na medida daquela culpa, a obrigação, da Ré, de indemnizar o Autor pelos danos sofridos.
III - Para efeitos de indemnização, autónoma, do dano biológico, na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico (sendo as demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, ponderadas em sede de danos não patrimoniais). Tal indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, que traduz uma capitis deminutio na vertente geral, deverá compensá-lo, mesmo que não imediatamente refletida em perdas salariais ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da restrição às oportunidades profissionais à sua disposição quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas;
IV - Sendo inviável estabelecer o seu quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, deve recorrer-se à equidade (art. 564º, nº2 e 566º nº3, ambos do Código Civil) dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função da gravidade das sequelas sofridas;
V - É adequada, necessária e proporcional a importância de 13.000,00 € para indemnizar o dano biológico (calculado em € 19.500,00), sofrido por lesado que à data do acidente era diretor de marketing, com a categoria de chefe de serviços, e contava 34 anos de idade, que contribuiu para a produção dos danos (culpa do lesado) e que ficou a padecer, designadamente por lesões de natureza muscular, ligamentar e fasciais da coxa e joelho direito, de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5%, compatível com a sua atividade, porém mediante esforços suplementares, tendo o período de défice temporário total sido de 30 dias e o de défice temporário parcial de 55 dias.
VI - O dano, autónomo, da privação de uso do veículo, não apurado o valor dos danos, é fixado de acordo com o previsto no nº3, do art. 566.º, do Código Civil, com recurso a critérios de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida, impostas pela ponderação das realidades da vida, nas circunstâncias do caso, não devendo ser fixado em quantum superior aos arbitrados € 4.000,00 o dano de privação de uso de um motociclo, utilizado em lazer, com o valor comercial de 2.000,00 e com valor dos salvados superior a ¼ deste valor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 1313/21.3T8VFR.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível de Aveiro - Juiz 2  


Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto:  Des. Manuel Fernandes
2º Adjunto: Des. Fernanda Almeida

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorrida: A... – COMPANHIA DE SEGUROS E RESSEGUROS, S.A

AA propôs ação declarativa, com processo comum, contra “A... – COMPANHIA DE SEGUROS E RESSEGUROS, S.A.”, peticionando que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de € 88.717,13 (oitenta e oito mil setecentos e dezassete euros e treze cêntimos) - assim discriminada: i) - € 58.000,00 a título de dano biológico; ii) - € 18.000,00 a título de danos não patrimoniais; iii)- € 1.384,00 a título de danos com a perda de objetos pessoais; iv)- € 3.665,13 relativos ao custo de reparação do motociclo; v) - € 392,00 de despesas com a realização de tratamentos e exames; vi) € 7.400,00 a título de dano da privação do uso do motociclo - acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, bem como da sanção pecuniária repressiva prevista no art. 829.º-A, n.º 4, do Código Civil, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu em consequência do acidente causado por culpa da condutora do veículo segurado na Ré que efetuou manobra de mudança de direção à esquerda sem atentar no Autor que seguia no seu motociclo a efetuar ultrapassagem.

A Ré contestou impugnando a responsabilidade pela ocorrência do sinistro, a dinâmica do acidente e os alegados danos patrimoniais e não patrimoniais.


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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.

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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

“Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente a ação, e, em consequência, condeno a Ré “A... – COMPANHIA DE SEGUROS E RESSEGUROS, S.A.”, com NIPC ..., a pagar ao Autor AA a indemnização global de € 33.927,42 (trinta e três mil novecentos e vinte e sete euros e quarenta e dois cêntimos).

Mais condeno a Ré a pagar ao Autor juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente sentença até integral pagamento (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, de 09/05/2002, publicado no DR n.º 146, IS-A, de 27/06/2002, pág. 5057).

Absolvo a Ré do demais peticionado.

Condeno, ainda, o Autor e a Ré nas custas processuais, na proporção do respetivo decaimento, que fixo em 62% para o Autor e 38% para a Ré (cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, CPC), na vertente de custas de parte”.


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Apresentou o Autor recurso de apelação pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que admita a renovação de prova quanto ao grau de incapacidade do Recorrente e se assim não for, seja dado provimento ao recurso e por essa via, e face à limitação do principio do dispositivo, seja dado integral provimento ao recurso e por essa via seja a Recorrida condenada a indemnizar o Recorrente no valor constante do petitório inicial, sem prejuízo da compensação cumulativa decorrente da privação do veículo, formulando as seguintes

CONCLUSÕES:

1ª - Não se desconhece do carácter excepcional do Artº 425º do Código de Processo Civil, mas tendo o Recorrente apresentado requerimento em 29 de Setembro de 2022 e protestando juntar relatório actualizado, face à pericial preliminar efectuada pelo INML, foi o mesmo enviado ao subscritor, tendo ido para o spam do mesmo, o que levou à omissão da junção:

2ª - Pelo que, salvo melhor opinião, se verifica uma situação de superveniência objectiva, pois nem o Recorrente, nem o subscritor tiveram acesso àquele.

3ª - E tal documento, até pela justa composição do litígio e obtenção duma decisão justa, deve ser ordenado juntar, nos termos do Artº 662º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Civil;

4ª – Face à admissão da junção daquele relatório, impor-se-á, nos termos dos Artº 662º, nº2, alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil, a renovação de prova, nos termos ai estipulados;

5ª – É inúmera e concisa a prova de que a condutora do veículo seguro na Recorrida seguia de modo alheado, temerário e com incúria, sem atender às concretas condições do transito;

6ª- E por assim ser, se mostrar relevante para o direito, deve ser aditado à matéria dada como provada, o seguinte facto: A condutora do “VU”, realizou a manobra de mudança de direcção à esquerda sem atender à circulação do transito, sem olhar pelo retrovisor externo ou sequer atendendo ao ruido produzido pelo motociclo, fazendo-o de modo imprevisto, temerário e com imprevidência.

7ª - Inexiste prova, senão as declarações de parte do Recorrente, que se revelaram credíveis, isentas e sérias, de que o mesmo circulava com as luzes de presença ligadas, tanto mais a obrigatoriedade, a recente alteração do veículo e que tudo foi realizado com peças homologadas, pelo que o Recorrente não circularia, face às regras de experiência, a “fugir da policia”, sempre que circulava com motociclo.

8ª - Pelo que deve ser revogada a resposta dada à matéria de facto como alínea c) dos factos dados como não provados, e alterada por outra que julgue provado que o Recorrente circulava com as luzes de presença ligadas;

9ª – Para todos os legais efeitos, e se dúvidas persistissem quanto à concreta forma da ocorrência do sinistro, foi alegada e provada a presunção de culpa decorrente da relação comsstário/comitente, pelo que sempre prevaleceria a responsabilidade objectiva dai decorrente;

10ª - Estando demonstrada a relação de Comissário/comitente e que o facto foi cometido, pelo comissário, no exercício da função que lhe foi confiada, é suficiente que o acto se integre no quadro geral da competência ou dos poderes conferidos ao comissário;

11ª - Pelo que existe responsabilidade objectiva ou pelo risco da Recorrida;

12ª – Ainda se pudesse considerar a verificação de várias proibições perpetradas, sempre se revela preponderante, para as regras da responsabilidade civil, mais que violação de proibições, se as mesmas são causais do sinistro;

13ª - Ora, é manifesto que o Recorrente transitava em via de transito, com linha longitudinal descontinua, prosseguia a velocidade inferior a 90Km/hora e havia iniciado a ultrapassagem de vários veículos e no sítio da eclosão do sinistro não era proibido ultrapassar;

14ª – A sinaléctica vertical existente refere apenas existir um entroncamento à direita, sem prioridade dessa via de transito, o que não faz presumir, salvo melhor opinião, qualquer proibição de ultrapassagem;

15ª - Pelas boas regras da interpretação dos pressupostos da responsabilidade civil, deve atender-se ao nexo de causalidade entre o facto e o dano e atender à teoria da causalidade adequada;

16ª – E face a essa teoria, o acidente ficou a dever-se, em exclusivo ao comportamento alheado, negligente, temerário e de incúria da condutora do veículo seguro na Recorrida;

17ª – É hoje aceite, e defendido pela Doutrina e Jurisprudência mais avalizadas, que, “Deve ainda ter-se presente o princípio da confiança nos termos do qual “os condutores de veículos automóveis não têm que prever a imprevidência alheia” (Ac. do STJ de 06.11.2008, Proc. 08B3313), e que “não pode um condutor ser responsabilizado por não se ter apercebido da infração cometida por outro condutor” (Ac. TRG de 10.11.2011, Proc. 8597/07.8TBBRG.G1).”

18ª - Mais resulta da decisão Jurisprudêncial plasmada, Acordão do TRP de 7 de Julho de 2021, Proc 29/15.4GTPNF.P1, que “E este princípio reveste particular importância na operação de repartição e graduação da culpa concorrente pelo que, ainda que de forma subsidiaria e para o caso de se entender que ambos os condutores agiram culposamente, a culpa deve ser repartida na proporção de 90% para o condutor do LO-..-.. e de 10% para o condutor do ..-..-CF alterando-se, nesses precisos termos, o que foi decidido pela 1ª instância, com a consequente redução nos valores indemnizatórios fixados e das custas.”

19ª – Das condições da via, com centenas de metros de visibilidade para trás, pelo tempo seco e dia seco, com boas condições de luminosidade e numa recta, com bom piso betuminoso, é manifesto que, face às concretas condições do transito, só ao veículo seguro na Recorrida se exigia agir doutro modo, como era a única que podia, a final, evitar o acidente;

20ª – É que a Doutrina e Jurisprudência dão prevalência a quem inicia a primeira das manobras e sanciona quem, sempre poderia, a final, evitar o sinistro, como decorre do que se transcreve, Nesta ordem de ideias, segundo aquele critério, o conflito entre a ultrapassagem e a manobra de mudança de direcção deverá ser resolvido a favor do primeiro que iniciou uma dessas manobras. A este propósito escreveu-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 13-11-2007 (texto acessível na Internet, através de http://www.dgsi.pt).

21ª - Atento o “nexo naturalístico” e o “nexo de adequação”, que levou à ocorrência do sinistro, só a condutora do veículo seguro na Recorrida o poderia evitar, tanto que foi a sua exclusiva responsável:

22ª - A condutora do “VU”, iniciou a manobra de mudança de direcção à esquerda, sem sinalizar a manobra, sem a atenção e cuidados devidos, designadamente não se certificando de que poderia realizar essa manobra em segurança, sem perigo de colidir com o veículo que seguia à sua rectaguarda, e sendo a única a poder evitar aquele, ou como consta da Doutrina, a quem teve the last clear chance de o evitar”,

23ª - Em caso algum deve iniciar tal manobra sem previamente assegurar que da sua realização não resulta perigo ou embaraço para o trânsito (artº 20°; 35° e 44° do CE)". (cfr. também o Ac Rel. Évora de 18-09-2008, igualmente acessível através de http://www.dgsi.pt)”

24ª - Pelo que há responsabilidade exclusiva do veículo seguro na Recorrida;

25ª - Por mera cautela e por dever de patrocínio, e se assim se não atender, sempre pode aceitar-se, com relutância, que possa existir uma repartição de responsabilidades, de 95% para a Recorrida e 5% para o Recorrente, face a quem provocou, ou mais ainda, não evitou, de forma ético-pragmática, o sinistro;

26ª - Dos factos dados como provados resulta que o Recorrente tinha uma vida plena de saúde, bem-estar, força e prática desportiva, o que lhe foi truncado no dia 22 de Março de 2019, com graves consequências físicas, morais e de auto-imagem;

27ª - No que tange à indemnização pela privação de uso de veículo, e face a jurisprudência actual e ponderada, o valor de 10,00 euros peticionado peca por escasso, mas atentas as limitações decorrentes do princípio do dispositivo, não pode o Recorrente peticinar mais que os 1 789 dias, bem como os vincendos até pagamento ou reparação do veículo;

28ª - De toda a extensa e profunda prova produzida quanto aos danos não patrimonias, releva o que foi dado provado pelo Tribunal, sendo adequada a quantia de 30 000,00 euros, sendo tais danos, face às conclusões anteriores, a suportar integralmente pela Recorrida;

29ª - No que tange ao dano biológico, e sem prejuízo da admissão do documento e renovação de prova, ainda assim, face ao valor de 5 pontos, e considerando as condições pessoais, profissionais e de ascenção na carreaira e outras, tem-se por equitativo o montante compensatório, a esse título, a quantia de 58 000,00 euros;

30ª – Atento o princípio do dispositivo, ao Douto acórdão, como se espera, excederá o valor daquele, sem prejuízo das parcelas que o compõe, serem indiferentes quanto ao valor global e a valores ainda não definidos, como ocorre com o dano decorrente da privação do veículo.

31ª - A Douta sentença violou o disposto nos Artºs 483º, 496º, 563º, 564º e 566º do Código Civil.


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Apresentou a apelada contra-alegações a concluir pela total improcedência do recurso sustentando bem ter sido decidida a matéria de facto e quanto à questão de direito nenhum vício haver a apontar à sentença.

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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1º - Da questão prévia da admissibilidade da junção do documento com as alegações de recurso;
2ª- Da impugnação da decisão de facto:
- Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto e da modificabilidade da decisão quanto aos pontos impugnados (cfr. conclusões supra citadas).
3º- Da reapreciação de mérito:
- Da culpa exclusiva (efetiva/presumida) da condutora do veículo seguro pela Ré ou se se verifica concorrência de culpas (da lesante e do lesado),  da verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil extra contratual por factos ilícitos (nº1, do art. 483º, do Código Civil) e da obrigação de indemnizar da Ré (em que termos e com que limites). Do quantum pelo dano de privação de uso do motociclo e pelo dano biológico.


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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS

Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância com relevância para a decisão (transcrição):

a)  No dia 22 de março de 2019, pelas 10 horas e 15 minutos, na Estrada Nacional n.º ..., ao km 15,650, no sentido .../..., ocorreu um choque entre o motociclo com a matrícula ..-..-IT, marca Honda, e o automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-VU-.., marca Citroen;

b) O ligeiro de mercadorias “VU” era conduzido pela testemunha BB, que circulava no sentido .../..., pretendendo dirigir-se para ..., e progredia na via que lhe era destinada, via da direita sendo que era a primeira vez que a condutora fazia este trajeto;

c) Quando esta condutora se aproximou do entroncamento à direita, atento o seu sentido de trânsito, já depois de ter passado pelo sinal “B9b”, que indicava a proximidade desse entroncamento, aquela condutora abrandou a marcha para cerca de 20 km/h, o que motivou que os veículos automóveis, cerca de 4, que circulavam na sua retaguarda, também abrandassem a respetiva marcha, originando uma fila de trânsito que progredia a velocidade reduzida;

d) Ao referido km 15,650, a condutora do “VU” imobilizou este veículo próximo do eixo da via e pretendia virar à esquerda, atendendo ao seu sentido de marcha, junto à entrada para a Travessa ... (arruamento que dá acesso às indústrias ali sediadas, como o Centro Logístico ..., e tem ligação com a Rua ...), pois o seu chefe havia-lhe dito para virar à esquerda, junto às estufas; não circulavam veículos em sentido contrário;

e) O motociclo “IT” era conduzido pelo Autor, AA, circulava no mesmo sentido de trânsito (.../...), e, momentos antes do choque com o “VU”, iniciara a ultrapassagem à fila de automóveis, cerca de 4, que abrandaram a marcha à retaguarda do “VU”, progredindo pela via da esquerda cerca de 30 metros, a velocidade nunca superior a 90km/h;

f) Tendo o condutor do motociclo “IT” já ultrapassado os veículos que se encontravam à retaguarda do “VU” e em progressão para ultrapassar, por último, o ligeiro de mercadorias, a condutora deste veículo muda de direção à esquerda, atento o seu sentido de marcha, e o condutor do “IT” ainda tenta desviar-se para a esquerda, dando-se o choque entre a lateral direita anterior do referido motociclo e a lateral esquerda anterior do ligeiro de mercadorias;

g) O ponto de conflito ocorreu na via de trânsito destinada ao sentido .../..., logo aquando do início da mudança de direção para a esquerda do veículo “VU”, a não mais de um metro do eixo da faixa de rodagem, no momento em que o veículo “VU” ficou a cerca de 16,5 metros entre o poste de iluminação pública e o seu eixo da roda frontal esquerda e a 12 metros entre o poste de telecomunicações e o seu eixo da roda frontal direita;

h) No seguimento do conflito, o motociclo e o condutor AA progrediram, por projeção e queda, para junto do poste de iluminação pública existente na berma da estrada, no sentido .../..., tendo, quer o motociclo quer o condutor, passado pelo lado frontal desse poste que se encontra virado para a via;

i) A condutora do “VU” não se apercebeu da ultrapassagem efetuada pelo veículo tripulado pelo Autor;

j) À distância de 30 metros, o Autor conseguia ver a traseira do ligeiro de mercadorias no momento anterior à mudança de direção para a esquerda;

k) Os fatores atmosféricos eram de bom tempo, o pavimento do tipo betuminoso encontrava-se seco e limpo, e não existiam no local obras ou obstáculos que condicionassem a normal circulação rodoviária;

l) A faixa de rodagem, no local do conflito, tem cerca de 7,20m de largura, é constituída por duas vias de trânsito, uma em cada sentido, separadas por linha longitudinal descontínua, e com bermas pavimentadas de ambos os lados;

m) O limite de velocidade é de 90km/h para motociclos e 80km/h para os ligeiros de mercadorias;

n) O local de conflito é antecedido, considerando o sentido de marcha dos veículos intervenientes, por uma reta com mais de 200 metros;

o) Nessa reta existem 2 sinais verticais, o primeiro com a indicação de fim da localidade de ... (sinal “N2b”), sito a aproximadamente 217 metros da zona de conflito, e o segundo, indicador de entroncamento à direita (sinal B9b”), sito a aproximadamente 156 metros da zona de conflito;

p) O veículo “VU” é um ligeiro de mercadorias, marca Citroen, modelo ..., com 1560cm3 de cilindrada, tem de tara 1565kg, 4,628 m de comprimento, 1,810 m de largura e 1,834m de altura, e com data de matrícula de 21/12/2018;

q) O motociclo “IT” é da marca Honda, modelo ..., com 499 cm3 de cilindrada, 173kg de tara, 2,090 m de comprimento, 0,720 m de largura, com data de matrícula de 31/07/1997, não se encontra no estado de produção, tendo sofrido uma transformação para o denominado estilo “café racer”, o qual implicou alterações ao nível da iluminação, nomeadamente, ausência dos “piscas” comuns, bem como ausência do espelho retrovisor direito;

r) A condutora do “VU” é portadora de carta de condução n.º ..., válida para a categoria B, obtida em 04/04/2002, e, após ter sido submetida ao teste de alcoolemia, por ar expirado, não acusou indícios de álcool no sangue;

s) O condutor do “IT” é portador de carta de condução n.º ..., válida para a categoria A e B, e, após ter sido submetido ao teste de alcoolemia, por ar expirado, não acusou indícios de álcool no sangue; a habilitação para a categoria A foi obtida em 11/07/2018;

t) O Autor é dono e legítimo proprietário do motociclo com a matrícula ..-..-IT, marca Honda;

u) Pela apólice nº ..., a Ré assumiu a responsabilidade de indemnizar os danos emergentes da circulação do veículo ..-VU-.., pertencente à sociedade “B..., Lda.”, com sede na Rua ..., ..., ..., em Aveiro;

v) No momento do acidente, a testemunha BB conduzia o veículo “VU” ao serviço e no interesse da sociedade “B..., Lda.”, em hora de expediente;

w) Em consequência do descrito acidente, o motociclo “IT” precisa de substituir as seguintes peças: tampa do motor direita, junta tampa do motor direita, conjunto do depósito, radiador, grelha do radiador, conjunto do farol, eixo da roda da frente, pedal compressão de travão, suporte poisa pés direito, 2 tubos compressão forquilha frente, corpo inferior direito, conjunto vedantes forquilha da frente, corpo inferior esquerdo, tubo rígido punho da direção, coluna da direção completa, vedação antipoeira superior da direção, guarda polida coluna da direção, conjunto da caixa do farol, apoio do farol completo, rolamento superior tubo coluna direção, rolamento inferior tubo coluna de direção, o que totaliza o valor de peças no montante de € 3.222,33 (c/IVA), a que acresce o custo da mão de obra, no valor de € 442,80, perfazendo o montante global de € 3.665,13;

x) O motociclo “IT” ainda não foi reparado e não pode circular;

y) O valor de mercado do “IT”, à data do acidente, era de cerca de € 2.000,00; e o salvado tem o valor de € 550,00;

z) O Autor nem sempre utilizava o motociclo “IT” para se deslocar para o local de trabalho;

aa) O Autor nasceu no dia ../../1984; à data do evento, o Autor tinha 34 anos de idade e era diretor de marketing, com a categoria profissional de chefe de serviços; atualmente mantém a mesma profissão; aufere a retribuição mensal ilíquida de €4.000,00, a que acresce a retribuição mensal, a título de subsídio de refeição, no montante de € 6,83 por cada dia de trabalho efetivo;

bb) Na sequência do acidente, o Autor foi assistido pelo INEM tendo sido transportado ao SU do Hospital ... onde efetuou exames; o Episódio de Urgência teve o n.º ... de 22-03-2019 às 10:46 horas, descrevendo “acidente de motociclo… refere dor na região da anca direita e MID. Escoriação na coxa, joelho e tornozelo. Mobilidades mantidas. Dor externa da anca. Fez analgesia. Rx da bacia, JD e tornozelo direito – sem sinais de fratura. R/ repouso + gelo + AINE”;

cc) Após, teve alta para o domicílio, deslocando-se em cadeira de rodas; esteve acamado cerca de 1 mês. Efetuou curativos no domicílio com a Enfermeira CC e na Clínica ... em .... Teve consultas na Clínica ... sendo prescritas 15 sessões de fisioterapia ao membro inferior direito; teve necessidade de usar apoio na marcha;

dd) O Autor teve consulta de fisiatria a 04-04-2019 onde foram diagnosticadas lesões de natureza muscular, ligamentar e fasciais da coxa e joelho direito sequelares de acidente de motociclo a 22-03-2019. O processo de reabilitação decorreu até 14-06-2019 tendo efetuado 15 sessões de fisioterapia, no que despendeu € 144,00;

ee) Particularmente consultou o Dr. DD tendo efetuado exames: resulta da ecografia da anca direita de 06.05.2019 que: “Observamos normal aspecto ecográfico dos músculos adutores desta coxa sobretudo na sua região de inserção proximal visualizando-se contudo acentuado espessamento e heterogeneidade do tendão dos adutores em localização proximal numa extensão de 28 por 8 milimetros” “…são visíveis algumas formações ganglionares no respectivo somatório reaccional na região inguinal direita a atingir os 4mm a 6 mm na região de troca”; perante os dados extraídos da ecografia das partes moles da coxa direita de 20.08.2019 "observa-se ligeiro espessamento e dimuição da ecogenicidade do tendão adutor longo ao nível da inserção no ramo púbico direito por incipiente tendinopatia inflamatória os músculos adutores e os componentes do quadricipital apresentam integridade miofibrilar preservada não se identificando imagens rotura muscular ou coleções liquidas organizadas na sua topografia"; e perante os dados extraídos da ressonância magnética do joelho direito de 29.08.2019 observava-se "rótulas centrada na troca femoral sem sinais de condropatia; integridade para o retináculo rotuliano no cavado poplíteo.não serve os outros possíveis nomeadamente quistos de Baker; observa-se uma pequena fractura radiaria envolvendo o bordo livre do corpo do menisco externo; integridade morfológica de comportamento sinal para o menisco interno ligamentos cruzados e complexos ligamentares mediais e lateral; não se observam-se espessamentos patológicos dos tendões do aparelho extensor do joelho; não há focos de contusão óssea ou e lesões osteocondrais; sem derrame articular; ligeira infiltração líquido laminar superficialmente ao musculor vasto medial e retináculo medial” ;

ff) Na realização de Ecografia tecidos moles do membro direito – coxa direita - e Ressonância Magnética do joelho direito o Autor despendeu a quantia de € 39,00 e € 209,00, respetivamente;

gg) O estado atual do Autor a nível funcional: no que se refere a postura, deslocamentos e transferências, apresenta dificuldade em permanecer sentado (tem de mobilizar o joelho direito) e correr; dor no joelho direito nas mudanças de tempo, quando corre, durante a condução da mota pelo que deixou de a usar como meio de lazer, e a subir e descer escadas; dor na face medial do joelho ao toque; dor no terço médio da face medial da coxa durante os exercícios de alongamento; a nível funcional: diminuição da sensibilidade à palpação infrarotuliana, na face anterior e na face medial do joelho direito; existem episódios em que o joelho direito "prende", quando passa da posição deitada ou sentada para de pé; dificuldade em continuar a correr após os primeiros 20 minutos, por dor no joelho direito; necessita de sola com maior amortecimento quando corre em piso duro; dificuldade em permanecer sentado durante as viagens de avião;

hh) Foi efetuado exame complementar de diagnóstico da especialidade de Ortopedia efetuado na Delegação do Norte do INMLCF, em 08-07-2022;

ii) O Autor apresenta as seguintes sequelas relacionadas com o acidente: ao nível do membro inferior direito, cicatriz com depressão e aderência aos planos profundos com 2 cm de diâmetro e cicatriz com 2 cm de diâmetro na face medial do joelho em área dolorosa à palpação, tumefação de consistência, elástica, mole, com 7 por 2 cm de maiores dimensões, suprapatelar, indolor à palpação; cicatriz hiperpigmentada com 5 por 4 cm na face medial do tornozelo, indolor à palpação; dor à palpação do terço superior da face medial da coxa, do terço inferior da face medial da coxa e da face medial do joelho; dor à palpação da interlinha medial do joelho; mobilidade do joelho preservada, simétrica e indolor; sem dor durante as manobras de compressão dos compartimentos medial e lateral do joelho; sem amiotrofia aparente;

jj) Existe nexo de causalidade entre o sinistro ocorrido em 22-03-2019 e as sequelas descritas;

kk) O Défice Funcional Temporário Parcial situou-se entre 22/03/2019 e 14/06/2019, correspondente a um período 85 dias;

ll) A Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total situou-se entre 22/03/2019 e 20/04/2019, correspondendo a um período de 30 dias;

mm) A Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial situou-se entre 21/04/2019 e 14/06/2019, correspondendo a um período de 55 dias;

nn) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 14/06/2019;

oo) O Quantum Doloris é fixado no grau 3/7, tendo em conta o tipo de lesões, o período em que o Autor esteve acamado, a necessidade de marcha com apoio e a circunstância de a dor no joelho direito reincidir em contexto de mudança de tempo e da prática de exercício físico;

pp) O Dano Estético Permanente é fixado no grau 1/7, atendendo às cicatrizes;

qq) O Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica é fixado em 5 pontos de 100;

rr) As sequelas descritas, em termos de Repercussão Permanente na Atividade Profissional, são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares;

ss) Não é de prever a necessidade de Ajudas Permanentes;

tt) O Autor foi praticante federado de ..., sempre praticou desporto com regularidade, nomeadamente Futebol, corrida, ciclismo e Basquetebol;

uu) Ainda na sequência do acidente ficaram destruídos os seguintes bens pessoais que o Autor usava: Botas “Timberland” de pele, rasgadas, no valor de € 180,00; meias no valor de € 19,00; calças de ganga no valor de € 120,00; capacete “Bell”, em carbono, no valor de € 500,00; casaco em pele “Dainese”, com proteções, couro vintage, no valor de € 480,00; e luvas em couro, no valor de € 85,00, perfazendo o montante global de € 1.384,00;

vv) O Autor conhecia o percurso e o local de conflito.


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2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não se logrou provar a seguinte factualidade:

a) A condutora do “VU” sinalizou com antecedência a manobra que pretendia realizar, através do acionar do pisca da esquerda;

b) A condutora do “VU” verificou, através do espelho retrovisor esquerdo, se algum veículo à sua retaguarda utilizava aquela via de trânsito para eventual ultrapassagem;

c) O motociclo “IT” circulava com a iluminação frontal ligada;

d) O Autor conduzia distraído;

e) O motociclo tripulado pelo Autor é já um clássico, considerado uma referência das motas “vintage”, sendo que o do Autor estava todo transformado, com peças de qualidade, tinha revisões na marca, estava zelado e em muito bom estado, sendo o valor de mercado de cerca de € 5 000,00.


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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1ª - Da admissibilidade da junção do documento com as alegações de recurso
Comecemos por analisar da admissibilidade da junção de documento com as alegações de recurso.

Analisando as normas adjetivas que regulam tal matéria, constata-se que após o momento próprio de apresentação - cfr. art. 423º, do Código de Processo Civil, abreviadamente CPC, diploma a que nos reportamos na falta de outra referência - e mesmo depois do encerramento da discussão em 1ª instância, as partes podem juntar documentos em determinadas circunstâncias.

Na verdade, desde logo, o art. 425º estatui que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.

E consagra o nº1, do artigo 651º, que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”.

Assim, depois do encerramento da discussão em 1ª instância as partes só podem juntar documentos cuja junção não tenha sido possível até àquele momento, no caso de recurso (art. 425º), sendo que apenas poderão juntar documentos, com as alegações de recurso, nas duas situações excecionais previstas nos citados artigos. 

O que diz a letra do referido nº1, do artigo 651º foi reproduzido no Acórdão da Relação de Guimarães de 22/1/2015, processo 561/12.1TBMAR-A.G1[1] e no Acórdão da Relação de Lisboa de 19/1/2016, onde se refere que da conjugação dos referidos artigos resulta que a junção de documentos em fase de recurso só é admissível em duas situações, a saber: a) por se ter tornado necessária a junção em virtude do julgamento proferido em 1ª instância, face à “surpresa” da decisão proferida; b) por não ter sido possível a sua apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância[2], afirmando-se no Acórdão da Relação de Lisboa de 23/4/2025, Processo 1481/05 que o documento que a parte teve a possibilidade de juntar ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, por ter sido do seu conhecimento e disponibilidade, não pode ser junto com a alegação de recurso[3].

Da análise conjugada do nº1, do art. 651º, com os artigos 425º e 423º resulta que a junção de documentos na fase de recurso, é admitida a título excecional, dependendo da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações:

1º - a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso (1ª parte do art. 651º);

2º - ter o julgamento de primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional (2ª parte do art. 651º).

Quanto à primeira situação, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva, sendo que:

- Objetivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado;

- Subjetivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. Neste caso (superveniência subjetiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante a caráter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento[4].

Quanto à segunda situação, pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum[5].

Referindo ser legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objetiva e subjetiva) quando se destinem a provar fatos posteriores aos articulados ou quando a sua apresentação apenas se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior ao julgamento de 1ª instância, sendo que nesse caso podem ser oferecidos em qualquer estado do processo, considera o Tribunal da Relação de Guimarães e também o da Relação de Lisboa dever ser recusada a junção de documentos para provar factos que já antes da decisão se sabia estarem sujeitos a prova, não podendo a surpresa quanto ao resultado servir de fundamento válido para a sua junção[6] [7]

A junção de documento apenas tornada necessária em virtude do julgamento proferido no tribunal da primeira instância, só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância, por esta se ter baseado em meio probatório não oferecido pelas partes ou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam[8]. Assim, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma direta e ostensiva com a questão suscitada nos autos.

Destarte, “Em sede de recurso e como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC é admitida a junção de documentos após o encerramento da discussão e às alegações de recurso:

- nas situações do artigo 425º do CPC, ou seja quando a junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão.

Impossibilidade fundada em superveniência do documento por referência ao encerramento da audiência em 1ª instância.

Superveniência objetiva se em causa estiver ocorrência superveniente a tal momento temporal. Superveniência subjetiva se em causa estiver o não conhecimento pela parte da ocorrência ou do documento em si em momento anterior. Sobre a parte recaindo o ónus de justificar por que antes não teve de tal conhecimento.

- nas situações em que tal junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artigo 651º nº 1 do CPC).

Necessidade justificada pela novidade da questão tratada na decisão e que assim não visa provar o que foi alegado nos articulados[9].

Resulta pacífico na jurisprudência que: “I. Da leitura articulada dos artigos 651.º, n.º 1, 425.º do CPC decorre que as partes apenas podem juntar documentos em sede de recurso de apelação, a título excepcional, numa de duas hipóteses: superveniência do documento ou necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância. II. No que toca à superveniência, há que distinguir entre os casos de superveniência objectiva e de superveniência subjectiva: aqueles devem-se à produção posterior do documento; estes ao conhecimento posterior do documento ou ao seu acesso posterior pelo sujeito. III. Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador. IV. No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento” [10].

Vista a lei e a interpretação que dela vem sendo feita pela Jurisprudência, vejamos os contornos de caso.

Invoca o apelante a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso por o mesmo ter ido para o spam.
Assim, não sendo objetivamente superveniente, o apelante não justifica validamente, nem comprova, a superveniência (a objetiva nem, mesmo, a subjetiva), e, também, não ocorre nenhuma situação em que a junção do documento só face ao sentido da decisão se relevasse necessária.
Nenhuma das supra referidas situações se verifica no caso. Não resulta invocada, nem provada, qualquer situação de impossibilidade, objetiva ou subjetiva, de apresentação do documento anteriormente à fase de recurso, que mereça acolhimento legal, nem o julgamento da primeira instância introduziu qualquer elemento de novidade que pudesse tornar necessária a consideração de prova documental adicional, que até ao encerramento do julgamento em primeira instância se mostrasse inútil.
Na verdade, do facto de documento poder não estar em poder da apresentante em data anterior à do encerramento do julgamento não decorre a impossibilidade da sua junção, sempre podendo o mesmo ter diligenciado pela sua obtenção e apresentação atempada.  
 In casu, para além de se não verificar superveniência, nem objetiva nem subjetiva, nenhuma alegação foi feita nem prova foi oferecida de conhecimento superveniente, não se justificando a sua junção com a alegação de recurso.
Assim, sendo legalmente inadmissível, atento o disposto no nº1, do art. 651º, não se admite a junção do documento, cujo desentranhamento e devolução ao apresentante cumpre ordenar, o que se faz, condenando-se o mesma na multa de 1 UC.


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2ª- Da impugnação da decisão de facto: Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto e da modificabilidade de tal decisão.

Apresentou o Autor alegações, observando o ónus de alegar e de formular conclusões, consagrados no nº 1, do artigo 639º, e deu cumprimento aos ónus impostos pelo nº1 e 2, do artigo 640.º, referindo os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (e tal é efetuado nas conclusões, assim delimitado estando o âmbito do recurso na vertente da impugnação da matéria de facto), indicando elementos probatórios a conduzirem à alteração dos pontos impugnados nos termos si propugnados e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e exarando, ainda, passagens da gravação, preenchidos se mostrando os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão de facto, os requisitos habilitadores a tal conhecimento.
Vejamos, agora, os parâmetros e balizas do julgamento a efetuar por este tribunal para, de seguida, se apreciar se deve ser modificada a decisão da matéria de facto.
Havendo impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação pode alterar a decisão, nesta vertente, de facto, a padecer a mesma de erros, como seja caso a envolver a consideração de factos essenciais, complementares ou concretizadores fora das condições previstas no art. 5º - desde logo, e quanto àqueles que possam ser tidos como complementares ou concretizadores dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, factos sem possibilidade de sobre eles as partes se pronunciarem (v. al. b), do nº2, do art. 5º) - e situações de se não estar perante relevante matéria de facto e questões de facto, e, ainda, a formar diversa convicção sobre a matéria fáctica impugnada. 
Em matéria de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, para o caso de erro, estatui o nº1, do art. 662º, com a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” que Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto: “… se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, podendo, como referido, ainda, a decisão da matéria de facto sofrer alterações (para além das situações de erro) no caso de divergência na apreciação probatória, sendo que, “dentro dos limites definidos pelo recorrente, a Relação goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais. Ou seja, (…) a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art. 413º), sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão (cf. Abrantes Geraldes, ob. cit. , pp. 288-293)”.[11].
Os objetivos visados pelo legislador com o duplo grau de jurisdição em matéria de facto “designadamente quando esteja em causa decisão assente em meios de prova oralmente produzidos, determinam o seguinte: reapreciação dos meios de prova especificados pelo recorrente, através da audição das gravações (…); conjugação desses meios de prova com outros indicados pelo recorrido ou que se mostrem acessíveis, por constarem dos autos ou da gravação; (…) formação de convicção própria  e autónoma quanto à matéria de facto impugnada, introduzindo na decisão da matéria de facto que se considere erradamente julgada as modificações que forem consideradas pertinentes (cf. STJ 14-5-15, 260/70, STJ 29-10-13, 298/07, STJ 14-2-12, 6823/09 e STJ 16-12-10, 170/06). Cf. ainda Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, pp. 187-189, no sentido de que a Relação pode fazer uso de presunções judiciais que o Tribunal de 1ª instância não utilizou, bem como que alterar a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida com base em presunções judiciais”[12].    
Deste modo, “a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o Tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levaram a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância[13], sendo que “a Relação goza dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, sem exclusão dos que decorrem do princípio da livre apreciação genericamente consagrado no art. 607º, nº5, e a que especificamente se alude no arts. 349º (presunções judiciais), 351º (reconhecimento não confessório), 376º, nº3 (certos documentos), 391º (prova pericial) e 396º (prova testemunhal), todos do CC, bem assim nos arts. 466º, nº3 (declarações de parte) e 494º, nº2 (verificações não qualificadas) do CPC”[14].
Cumpre referir que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve obedecer ao seguinte: i) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições); ii) sobre essa matéria, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento; iii) nesse novo julgamento, o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes). E dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, como verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, e, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas se distinguindo dele quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Assim, deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação a, após audição da prova gravada e da reanálise de toda a prova convocada para a decisão dos concretos pontos impugnados, concluir, com a necessária segurança, no sentido de os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova, apontarem para direção diversa e justificarem, objetivamente, outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
E cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação com os demais, sendo que o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida, pelo que toda ela tem de ser revisitada.

Ponderando os critérios e balizas que deverão conduzir o julgamento da Relação, os argumentos apresentados pelo apelante e, ainda, os da parte contrária e debruçando-nos sobre a parte da sentença onde vem motivada a decisão de facto, entendemos não se justificar alterar a decisão de facto pelas razões que se passam a expor.
Revisitada a prova, não pode deixar de se considerar que bem decidiu o Tribunal a quo a matéria que, agora, vem impugnada, não podendo a impugnação da decisão de facto deixar de improceder por não ser a prova produzida, a indicada pelo apelante e toda a restante, suficiente para dar uma resposta diversa aos factos impugnados.
Analisemos.
Impugna o Autor a decisão da matéria de facto constante da decisão recorrida, pretendendo que:
i)- se adite à matéria dada como provada, o seguinte:
A condutora do “VU”, realizou a manobra de mudança de direcção à esquerda sem atender à circulação do transito, sem olhar pelo retrovisor externo ou sequer atendendo ao ruido produzido pelo motociclo, fazendo-o de modo imprevisto, temerário e com imprevidência”, por ser “inúmera e concisa a prova de que a condutora do veículo seguro na Recorrida seguia de modo alheado, temerário e com incúria, sem atender às concretas condições do transito”;
ii)- a alínea c) dos factos dados como não provados seja eliminada e se julgue provado que o Autor circulava com as luzes de presença ligadas, por apesar de inexistir outra prova, as declarações de parte do Recorrente se terem revelado credíveis, isentas e sérias no sentido de que o mesmo circulava com as luzes de presença ligadas, tanto mais a obrigatoriedade, a recente alteração do veículo e que tudo foi realizado com peças homologadas, pelo que o Recorrente não circularia, face às regras de experiência, a “fugir da policia”, sempre que circulava com motociclo.

Fundamenta o tribunal a quo a sua livre convicção do seguinte modo:

“começando pela dinâmica do acidente, o Tribunal teve em conta o depoimento prestado pela testemunha EE, que conduzia um dos últimos veículos que circulavam na fila de trânsito que se formou devido ao abrandamento de velocidade pelo veículo ligeiro de mercadorias “VU”; o depoimento prestado pela testemunha FF, que conduzia o veículo que seguia atrás do “VU” … e pelo depoimento prestado pela condutora do “VU”, a testemunha BB, únicas testemunhas presencias (…) A testemunha EE pouco observou do que se passou na zona de conflito; apenas soube afirmar, com segurança, que se havia formado uma fila de trânsito, os veículos estavam a diminuir a velocidade, quase parados, quando viu uma “mota disparada e a pessoa para a berma”, progredindo o “VU” para a berma do lado esquerdo (atendendo ao sentido de trânsito .../...). Não observou, pois, o choque entre o “VU” e o “IT”, nem sequer se apercebeu da ultrapassagem que o motociclo fez ao veículo por si conduzido.

A testemunha FF apercebeu-se da ultrapassagem que o motociclo fez ao veículo por si conduzido e quando se apercebeu da iminência do choque entre o “IT” e o “VU” tentou desviar-se, por instinto, para a sua direita. O veículo conduzido por esta testemunha não estava completamente imobilizado, e tão-pouco aquele que circulava trás de si.

Nenhuma das duas testemunhas indicadas soube afirmar, com segurança, ter visto a luz de “stop” à retaguarda do “VU” acionada e a iluminação frontal do motociclo, bem como que circulavam veículos no sentido contrário, pelo que tais factos não podem ser considerados provados, por falta de corroboração.

A condutora do “VU” disse que era a primeira vez que fazia aquele trajeto e pretendia dirigir-se para ...; o seu chefe havia-lhe dito para virar à esquerda junto às estufas. Para tanto, aproximou-se do eixo da via, para virar à esquerda (atendendo ao sentido .../...), ligou o “pisca” do seu lado esquerdo e esperou que passasse um veículo que circulava em sentido contrário; após, iniciou a manobra de mudança de direção, tendo antes olhado pelo espelho retrovisor, mas não viu o motociclo.

Não se pode considerar que a condutora do “VU” verificou, através do espelho retrovisor esquerdo, se algum veículo à sua retaguarda utilizava aquela via de trânsito para eventual ultrapassagem, dado que a testemunha FF, que seguia logo atrás, se apercebeu, através do seu espelho retrovisor exterior esquerdo, que o motociclo ia ultrapassar o veículo por si conduzido. Mesmo que a condutora do “VU” tivesse olhado pelo espelho retrovisor esquerdo desse veículo, por algum motivo não se apercebeu do “IT” (como, p. ex., falta de ângulo de visão, por a frente do “VU” já se encontrar ligeiramente virada para a esquerda, com vista ao início da mudança de direção, ou não ter efetuado uma observação atenta, ou ainda devido a massa do motociclo ser inferior a um veículo automóvel ou ausência da iluminação frontal do motociclo, que pode dificultar a presença deste, dependendo da posição dos veículos na via).

O mais relevante, para a formação da convicção do Tribunal sobre a dinâmica do acidente, é a circunstância de a condutora do “VU”, pela descrição que fez (não conhecia o trajeto; pretendia dirigir-se para ...; na audiência de julgamento disse que o seu objetivo era entregar uma encomenda, enquanto na reconstituição de acidente disse que se encontrava à procura de novos clientes – cf. auto de reconstituição de fls. 126 ss. destes autos –; que o seu chefe lhe dissera para virar à esquerda junto às estufas), ter tido um momento de hesitação sobre qual o local onde deveria mudar de direção. Essa hesitação foi seguida de uma decisão de mudança de direção, que coincidiu com o momento da ultrapassagem efetuada pelo “IT”. O que a condutora do “VU” disse tem apoio nas características do local: de acordo com a imagem n.º 1 do relatório de reconstituição de acidente (cf. fls. 140 destes autos), extraída do “Google maps”, é possível visionar que perto do local onde ocorreu o sinistro fica um armazém de comércio de plantas, embora se situe do lado direito, no sentido .../...; e se a condutora do “VU” pretendia, de facto, dirigir-se para ..., a Travessa ..., que se inicia no entroncamento situado à esquerda da zona de conflito, quase perpendicular à Estrada Nacional ..., é um arruamento que tem ligação com a Rua ... (cf. imagem n.º 10 do relatório de reconstituição de acidente, fls. 145 destes autos), e daí pode ser possível seguir, através de vias secundárias, em direção a ....

O local de conflito foi indicado pelo Autor e pela condutora do “VU”, conforme consta do ponto 10) do auto de reconstituição (cf. fls. 126v’), a que correspondem as fotografias 4, 5 e 6 do relatório de reconstituição (cf. fls. 142 e 143 destes autos). As condições atmosféricas harmonizam-se com os depoimentos prestados.

9. Para os demais enunciados relativos à dinâmica do acidente (alíneas a) a j) dos Factos Provados), o Tribunal teve em consideração os depoimentos, declarações e constatações de facto registados no auto de reconstituição (cf. fls. 126 a 127 dos autos) e na participação de acidente de viação (cf. fls. 122 ss. destes autos), e as constatações de facto relativas às características do local e da faixa de rodagem, incluindo a sinalização de trânsito, que constam do relatório de reconstituição, que se encontra junto a fls. 132 ss. destes autos. Igualmente se considerou este relatório no que se refere às informações relativas às características dos veículos sinistrados e às cartas de condução dos condutores intervenientes.

Tendo em conta os danos em ambos os veículos intervenientes e a posição final do motociclo, a fotografia n.º 11 do relatório de reconstituição (cf. fls. 146) é uma imagem representativa da zona de conflito, considerando a progressão do motociclo e do ligeiro de mercadorias, os ângulos de aproximação destes dois veículos à zona de conflito e saída do motociclo em direção à sua posição final”.
Pretendendo o Autor apelante que se adite à matéria dada como provada que  “A condutora do “VU”, realizou a manobra de mudança de direcção à esquerda sem atender à circulação do transito, sem olhar pelo retrovisor externo ou sequer atendendo ao ruido produzido pelo motociclo, fazendo-o de modo imprevisto, temerário e com imprevidência”, temos que se mostra já selecionado para os factos provados que:
- a condutora do “VU” abrandou a marcha para cerca de 20 km/h, o que motivou que os veículos automóveis, cerca de 4, que circulavam na sua retaguarda, também abrandassem a respetiva marcha, originando uma fila de trânsito que progredia a velocidade reduzida e ao km 15,650 imobilizou o veículo próximo do eixo da via, pretendendo virar à esquerda, atendendo ao seu sentido de marcha;
- não circulavam veículos em sentido contrário;

- o motociclo “IT” conduzido pelo Autor, circulava no mesmo sentido de trânsito que a condutora do “VU” (.../...), e, momentos antes do choque com o “VU”, iniciara a ultrapassagem à fila de automóveis, cerca de 4, que abrandaram a marcha à retaguarda do “VU”, progredindo pela via da esquerda cerca de 30 metros;

- o embate ocorreu na via de trânsito destinada ao sentido .../..., logo aquando do início da mudança de direção para a esquerda do veículo “VU”, a não mais de um metro do eixo da faixa de rodagem,

- a condutora do “VU” não se apercebeu da ultrapassagem efetuada pelo veículo tripulado pelo Autor;

- à distância de 30 metros, o Autor conseguia ver a traseira do ligeiro de mercadorias no momento anterior à mudança de direção para a esquerda e o local do embate é antecedido, considerando o sentido de marcha dos veículos intervenientes, por uma reta com mais de 200 metros.

Assim, o facto referente a que a condutora do “VU” se encontrava a realizar manobra de mudança de direção à esquerda figura já dos factos provados, o mesmo sucedendo como os referentes às concretas condições em que o fazia e as condições de circulação do transito, incluindo as de circulação do Autor, e, ainda, que a condutora se não apercebeu da ultrapassagem do Autor sendo, face a isso, o demais irrelevante para a decisão da causa, por, em parte, de mera repetição se tratar, sendo, face ao que já figura provado, matéria inócua e irrelevante e, no mais, mesmo, conclusiva que, por isso, não deve ser incluída nos factos provados, sendo o caso das expressões “fazendo-o de modo imprevisto, temerário e com imprevidência”.

Na verdade, devendo o tribunal conhecer de todas as questões que lhe são submetidas (art. 608º, n.º 2 do CPC), isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabia conhecer, tinha, para o efeito, de proceder à seleção e recolha dos factos. E na decisão da matéria de facto, com concreta e especificada exposição de factos provados e não provados, o juiz deve garantir a recolha de todos os factos (cfr. art. 5º, do CPC) que mostrem relevância jurídica para a decisão da causa, de acordo com as diversas soluções plausíveis da questão de direito.
Ora, nenhuma relevância jurídica têm repetições e factos que não densificam a causa de pedir da ação e as exceções deduzidas, não devendo, por isso, ser expostos na sentença factos inócuos para a decisão das questões de que cabe conhecer (o que deve ser aferido em face do pedido e da causa de pedir e da matéria de exceção), factos que integrem impugnação motivada dos factos da causa (pois que os relevantes são os factos constitutivos que integram a causa de pedir) e matéria conclusiva e de direito (pois que, como o próprio nome indica, decisão da matéria de facto tem de versar sobre factos).
Vedada está, também, a recolha de factos não alegados pelas partes nos articulados da causa destinados à alegação fáctica, sendo de desatender pretensão de aditamento de factos neles não alegados pela parte que tem o ónus de alegação (o Autor, de factos constitutivos do seu direito e o Réu, de factos a densificar exceção).

E resulta evidente que as expressões “fazendo-o de modo imprevisto, temerário e com imprevidência” de meras conclusões se trata, estando, já os concretos factos, como vimos, condensados.
E, como se pronunciou, o Senhor Desembargador ora Adjunto, Dr. Manuel Fernandes - no Ac. RP de 19/12/2023, proc. nº 4201/22.2T8PRT.P1, em que a ora relatora foi adjunta, citando-se no lugar próprio as respetivas notas, para melhor perceção -, “importa não esquecer que o artigo 607.º, nº 4 do CPCivil[15] dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o artigo 646.º, nº 4 do CPCivil, previa, ainda, que: têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes”.
Esta norma não transitou para o atual diploma, o que não significa que na elaboração da sentença o juiz deva atender às conclusões ou meras afirmações de direito.
Ao juiz apenas é atribuída competência para a livre apreciação da prova dos factos da causa e para se pronunciar sobre factos que só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados por documento, admissão ou confissão.
Compete ao juiz singular determinar, interpretar e aplicar a norma jurídica (artigo 607.º, nº 3 do CPCivil) e pronunciar-se sobre a prova dos factos admitidos, confessados ou documentalmente provados (artigo 607.º, nº 4).
Às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência”[16].
Antunes Varela considerava que deve ser dado o mesmo tratamento “às respostas do coletivo, que, incidindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito[17].
Em qualquer das circunstâncias apontadas, confirmando-se que, em concreto, determinada expressão tem natureza conclusiva ou é de qualificar como pura matéria de direito, deve continuar a considerar-se não escrita porque o julgamento incide sobre factos concretos.
Como assim, e por os citados pontos conterem meras conclusões, não podem integrar o elenco dos factos provados”[18].
Deste modo, e por, de meras conclusões se tratar, não são de aditar ao elenco dos provados.
Neste conspecto e face ao que já figura condensado nos factos provados, em particular na al. i), nada cumpre aditar do referido, por nada do alegado ter relevância para a decisão e expressões conclusivas não podem ser condensadas nos factos da causa.


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Pretende o Autor que a alínea c) dos factos dados como não provados seja eliminada e se julgue provado, com base nas suas declarações de parte, que circulava no motociclo com as luzes de presença ligadas, reconhecendo, contudo, que apenas ele o referiu.
Ora, tendo em relação a esta matéria incidido as declarações de parte do Autor, o Tribunal a quo considerou não ser tal prova suficiente para considerar o facto em causa provado.
E assim o tendo considerado, é nosso entendimento não ser de alterar tal decisão.
Vejamos.

A jurisprudência vem atribuindo às declarações de parte valor de livre apreciação, o que aconteceu, designadamente, no Ac. da Relação de Guimarães de 1/2/2018, proc. 103509/16.4YIPRT.G1, em que a ora relatora foi adjunta, onde se escreve (citando-se as respetivas notas no local próprio para melhor perceção) “Na verdade, no que respeita ao valor probatório do depoimento e das declarações de parte sem valor confessório mas utilizado em benefício do próprio depoente ou declarante, embora se reconheça que esse elemento probatório fica sujeito à livre apreciação do tribunal, desde cedo a jurisprudência vem alertando para a necessidade de serem adotadas especiais cautelas nessa valoração favorável, uma vez que esses depoimentos ou declarações são sempre parciais, não isentos, em que quem os produz tem manifesto interesse na ação e, por isso, embora possam ajudar a suportar a formação do convencimento do julgador, esse convencimento nunca poderá assentar, única e exclusivamente, nesses depoimentos ou declarações, mas apenas quando conjugados com outros elementos de prova que os corroborem[19].

Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional, que entendeu que “a confissão (…) não constitui meio de prova de quem emite a declaração, mas a favor da parte com interesses contrários, ninguém podendo, por mero ato seu, formar provas a seu favor[20].

No mesmo sentido se pronunciam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[21], ao escreverem que “a apreciação que o Juiz faça das declarações de parte é livre, nos termos do nº 3, mas, como esta liberdade não equivale a arbitrariedade, a apreciação importará, as mais das vezes, apenas como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas…”.

Também Carolina Henriques Martins[22] assinala que “…não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado”.

Significa isto, que as declarações de parte da legal representante da apelante nunca poderão de per si servir de fundamento probatório à matéria que aquela apelante pretende seja julgada como provada.

Essas declarações podem apenas servir de início de prova, ou seja, podem servir de fundamento à prova dos factos declarados por aquela legal representante da apelante e que redundam em benefício da própria apelante, desde que corroboradas por outros elementos de prova que as corroborem, elementos de prova esses que, contudo, inexistem”.

Pese embora nos inclinemos mais para a posição seguida por António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa e, efetivamente, aberta aos supra referidos argumentos, considere que as declarações de parte, não obstante a sua especificidade, podem estribar a convicção do juiz de forma autossuficiente, assumindo um valor probatório autónomo, livremente apreciável pelo juiz, no caso concreto as declarações de parte do Autor não foram completamente espontâneas, antes tendenciosas e interessadas, tendo a parte manifesto e absoluto interesse em fazer valer a posição que assumiu no processo.

Com efeito, as declarações de parte do Autor, não convincentes, não são isentas, bem resultando serem interessadas no desfecho da ação a si favorável, não incutiram no tribunal a segurança e a certeza no que, de modo pouco convincente, foi dizendo.

Assim, e na falta de prova, não pode a matéria não provada constante da al. c), dos factos não provados passar para os factos provados.
Nenhuma das testemunhas sabendo, em concreto, apenas o Autor o mencionando e sendo evidente o seu interesse desfecho da causa a si favorável, não formou este Tribunal convicção de que lhe permita dar como provado que “O motociclo “IT” circulava com a iluminação frontal ligada”, pelo que se mantém a decisão na vertente de facto.
Revisitada a prova e vista a decisão da matéria de facto, supra, ficou-nos a convicção de que, in casu, não existe o erro de julgamento que o recorrente aponta, ao invés a matéria de facto foi livremente e bem decidida, sendo que cada elemento de prova de livre apreciação, não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.

Efetuou este Tribunal a análise da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham ou justifiquem decisão diversa – como exige o nº1, do artigo 662.º, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto.
O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida nos termos que bem refere.
 Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pelo Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência, bem tendo, por falta de prova, a matéria em causa, sido julgada não provada.
Não resultando erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador (ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação), que também é, como vimos, a nossa, havendo concordância entre a apreciação probatória do Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
Improcede, pois, na totalidade, o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto.


*

3º.  Do erro da decisão de mérito: da culpa exclusiva da segurada (ou concorrência da culpa do lesado) e da obrigação de indemnizar.
Considerou o Tribunal a quo e dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, eventualmente, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, sequer tendo o Autor apelante logrado impugnar, com sucesso, tal matéria, que assim se mantém inalterada, a decisão de mérito não pode deixar de ser mantida quanto à verificação de responsabilidade civil extra contratual por facto ilícito, com concorrência de culpa do lesado.
Na verdade, bem enveredou o Tribunal a quo pela verificação de efetiva concorrência de culpas: a do Autor, que, conduzindo o motociclo, de modo imprevidente e descuidado, num entroncamento ultrapassa uma fila de veículos a circular em marcha lenta, e a da condutora do veículo seguro pela Ré, que vira à esquerda sem atentar no Autor, que se encontrava, nesse momento, a efetuar a manobra de ultrapassagem da fila (de, pelo menos, quatro veículos), fixando-as na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente.
Quanto ao ónus de prova dos factos integrantes do ilícito e da culpa no quadro da responsabilidade civil extracontratual (nº1, do art. 483º, do Código Civil, diploma a que doravante nos reportamos, na falta de outra referência), se não houver presunção legal de culpa, cabe o mesmo a quem, com base neles, pretende fazer valer o seu direito (arts. 342º, nº1 e 487º, nº1).
Consagrando o nº1, do artigo 342º, que regula a questão do ónus da prova, que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” e mostrando-se demonstrados factos constitutivos do direito invocado tem a ação de proceder nos termos decididos pelo Tribunal a quo.
Com efeito, sendo as regras sobre o ónus da prova regras de decisão, sendo que “no nosso direito processual, ter o ónus da prova significa sobretudo determinar qual a parte que suporta a falta de prova de determinado facto”[23], tendo o Autor logrado ver provados os referidos factos, que integram os constitutivos do seu direito, tem a vantagem que lhe foi atribuída em 1ª instância. Provando o Autor o fundamento do seu direito, não obstante ter, também, existido culpa sua, bem procedeu a ação mas, apenas, parcialmente.
A questão essencial a conhecer prende-se com a existência ou não de culpa do lesado, pois que a concluir-se por culpa sua nenhuma obrigação de indemnizar existiria, por falta de verificação dos pressupostos da responsabilidade civil, bem tendo o Tribunal decidido, face à matéria de facto que considerou provada e cuja decisão se mantém, encontrar-se provada, além de culpa efetiva da condutora do veículo seguro, concorrência de culpa, efetiva, do lesado, bem referindo:
“Em relação ao Autor, como decorre da factualidade provada, o local de conflito é antecedido, considerando o sentido de marcha dos veículos intervenientes, por uma reta com mais de 200 metros. Nessa reta existem 2 sinais verticais, (…) o segundo, indicador de entroncamento à direita (sinal B9b”), sito a aproximadamente 156 metros da zona de conflito. Mas também ficou demonstrado que na zona de conflito existia um entroncamento à esquerda, atento o sentido de marcha do “VU” e do “IT”. Estas duas últimas circunstâncias impunham, por si só, a proibição da manobra de ultrapassagem efetuada pelo motociclo (cf. art. 41.º, n.º 1, al. c), do Código da Estrada).

Ao progredir na manobra de ultrapassagem para além do limite da fila de trânsito que se posicionava antes do entroncamento situado à esquerda do seu sentido de trânsito, não parando a marcha do “IT” (ou, pelos menos, desacelerando) no local da faixa de rodagem situado à frente desse entroncamento, o Autor adotou uma atitude temerária, potenciando uma situação de perigo, pela qual não pode deixar de ser considerado responsável, perigo esse que se veio a materializar no choque lateral entre os dois veículos; e sendo aquele responsável pela situação de perigo, por si criada, a progressão da manobra de ultrapassagem é uma condição que não é de todo indiferente para a produção do choque entre os dois veículos.

Este resultado está, por sua vez, dentro da esfera de danos que a situação de perigo hipoteticamente predicava como provável e, por isso, imputável à preterição do cumprimento de um dever de prevenção do perigo postergado pelo Autor, que se situa no âmbito de proteção da norma citada (cf. art. 41.º, n.º 1, al. c), do Código da Estrada), sendo-lhe assim imputável aquele resultado (imputação subjetiva ou culpa)” (negrito nosso).

Além de culpa da condutora do veículo seguro na Ré, que efetuou a manobra de mudança de direção à esquerda sem sequer reparar na aproximação do Autor a efetuar ultrapassagem, podendo ver dado tratar-se de reta, com a extensão referida nos factos provados, bem resulta dos factos provados, também, a culpa efetiva do Autor, pelo que provadas se encontram as culpas efetivas de ambos os condutores dos veículos intervenientes no acidente, pelo que nunca a decisão se poderia fundar em presunção de culpa, esta a ser de atender, apenas, na falta de prova, o que, como vimos, não é o caso dos autos.

Nas circunstâncias do caso e atento o disposto no n.º 1 do art. 570.º do Código Civil, tendo o lesado contribuído com a sua atitude, descuidada e imprevidente, de ultrapassar uma fila de (pelo menos, quatro) veículos quase parados num entroncamento, evidente é a contribuição da conduta do Autor para a produção do dano, pelo menos, na proporção fixada pelo Tribunal a quo (vigorando o principio da proibição de reformatio in pejus e está este Tribunal de recurso limitado pelas conclusões das alegações, salvo em questões de conhecimento oficioso, não sendo o caso).

Considerando verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual por factos ilícitos da condutora do veículo seguro na Ré e determinando o Tribunal de 1ª instância, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou, mesmo, excluída, decidiu, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 570.º do Código Civil, fixar a repartição das consequências danosas em 2/3 para a condutora do “VU” e em 1/3 para o condutor do “IT” e, assim, no computo geral global do valor dos danos a que chegou, de € 50.891,13, correspondente às seguintes parcelas: € 12.000,00 a título de dano biológico;  € 30.000,00 a título de danos não patrimoniais; € 1.384,00 a título de danos com a perda de objetos pessoais; € 3.115,13 relativos ao custo de reparação do motociclo; € 392,00 despendidos com a realização de tratamentos e exames; e € 4.000,00 a título de dano da privação do uso do motociclo, aplicando a repartição dos danos determinada, fixou ao Autor a indemnização de € 33.927,42, a pagar pela Ré dado ter a mesma, pela apólice nº ..., assumiu a responsabilidade de indemnizar os danos emergentes da circulação do veículo ..-VU-...

Verifica-se, na verdade, como bem entendeu o Tribunal a quo, que se encontram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil previstos nos artigos 483.º, n.º 1 e 486.º e, como tal, a obrigação de indemnizar os danos sofridos pelo Autor.

Todavia, a conduta do Autor, gravemente violadora do dever geral de cuidado, tanto mais que conhecia o local, contribuiu para os danos que sofreu, entendendo-se, por isso, que estamos diante de uma concorrência de culpas, nos termos previstos no art. 570.º, do Código Civil. Consagra o nº1, deste artigo que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

Ora, como bem decidiu o Tribunal a quo, verificou-se uma circunstância que permite concluir pela existência de culpa do autor, motivo pelo qual bem ponderou os respetivos efeitos na indemnização a fixar, atenta a sua contribuição para as lesões que sofreu.

Determinando que se proceda à redução da indemnização em função da gravidade da respetiva culpa, a lei sanciona a desconsideração da defesa dos próprios interesses do lesado (cfr. Antunes Varela, anotação ao Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 9.02.1968, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 102º, p. 43 e segs., pág. 60) e, ao mesmo tempo, reclama adequação com a culpa do lesante e a responsabilidade do mesmo pelos danos provocados, sendo o que foi feito, de modo sensato e equilibrado, in casu.


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Estando demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil extra contratual por factos ilícitos, demostrada a culpa da lesante e do lesado, não cabe analisar questões, cujo conhecimento resulta prejudicado, de presunção de culpa ou de responsabilidade objetiva (pelo risco) que apenas seriam de apreciar a não se mostrar provada a culpa ou em situação de demonstração de ausência de culpa na produção do acidente.

Decidida da verificação da culpa do lesado e que cabe, por isso, reduzir a indemnização a que o mesmo tem direito em 1/3, passa-se à análise do direito à indemnização e do quantum a fixar pelos danos aludidos pelo Autor nas conclusões da apelação, sendo apenas esses os que fazem parte do objeto do recurso: o dano de privação de uso e o dano biológico.

Do quantum indemnizatório
Insurge-se o Autor contra os montantes fixados pelo Tribunal a quo, pretendendo que lhe sejam atribuídos:
- a título de dano biológico a quantia de € 58.000,00 euros em vez dos € 12.000,00, fixados pela 1.ª instância;
 - a título de dano de privação de uso do motociclo a quantia de € 10,00 por cada dia desde o acidente até à reparação ou ao pagamento.

Vistas as conclusões das alegações, a parte dispositiva da sentença e a fundamentação para os concretos danos sofridos, posta em causa no recurso apenas relativamente aos referidos montantes atribuídos pelo dano de privação de uso e pelo dano biológico, cumpre analisar os critérios que hão de presidir à indemnização a fixar e decidir o quantum indemnizatório a atribuir ao Autor pelos referidos danos biológico e de privação de uso que sofreu.

– Dano biológico (danos patrimoniais futuros/perda de capacidade de ganho)

Quanto ao dano biológico, a ser indemnizável autonomamente, considerou o Tribunal a quo “considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas de que padece o Autor e o facto destas, embora não o afetem significativamente em termos de autonomia e independência, são causa de sofrimento físico, limitando-o em termos funcionais, atribui-se um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos de 100 pontos (cf. al. qq), dos Factos Provados).

Considerando, ainda, que as sequelas no joelho direito têm repercussões no convívio familiar e social, com dificuldades em correr e em permanecer sentado, por tudo isto, para o dano biológico reputa-se adequada a importância de 12 mil euros (€ 12.000,00), destinando-se a compensar a afetação definitiva da integridade física e psíquica da pessoa do Autor”.
Como tivemos já oportunidade de analisar em vários Acórdão relativos à questão, a responsabilidade da Ré traduz-se numa obrigação de reparar o dano causado, designada por obrigação de indemnizar, cujo princípio geral se encontra consagrado no artigo 562.º.
 No quadro da responsabilidade civil, a nossa lei não contempla uma definição de dano, mas refere-o como sendo um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, quer da responsabilidade civil extracontratual quer da responsabilidade civil contratual (v. artigos 483.º, n.º 1, e 798.º), e fornece os parâmetros que permitem chegar a uma definição. Desde logo, o referido artigo 562.º, ao proclamar o princípio geral da obrigação de indemnizar, consigna que: “Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” e o artigo 563.º, sob a epigrafe “Nexo de causalidade”, prescreve que: A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (teoria da causalidade adequada).
Quais são, pois, os danos indemnizáveis?
Refere Joaquim José de Sousa Dinis “Fazendo um zoom sobre a realidade “dano”, como o fez o Ac. do STJ de 28/10/92 (CJ, Ano XVII, T.4, p. 28 e ss), podemos encontrar os seguintes aspectos:
1 - Danos emergentes, os quais incluem os prejuízos directos e as despesas directas, imediatas ou necessárias;
2 - Ganhos cessantes;
3 – Lucros cessantes;
4 – Custos de reconstituição ou reparação;
5 – Danos futuros;
6 – Prejuízos de ordem não patrimonial.
Os prejuízos directos traduzem-se na perda, destruição ou danificação de um bem, que tanto pode ser um objecto, como um animal ou uma parte do corpo do lesado ou o próprio direito à vida destes; as despesas necessárias ou imediatas correspondem ao custo de prestação dos serviços alheios necessários quer para prestar o auxílio ou assistência quer para eliminar aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito, aspectos estes que abrangem realidades tão diversificadas como a limpeza do local, reboques de viaturas ou enterro de quem tenha falecido.
Os ganhos cessantes correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado, incluindo-se na categoria de lucros cessantes. Mas não deve ser confundida: a) com a perda de capacidade de trabalho que é nitidamente um dano direto, que se pode aferir em função da tabela nacional de incapacidades (…).
Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adequada, resultarem para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que foi obrigado a sofrer,… e ainda os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado, (e que poderá corresponder, nalguns casos ao tempo de vida laboral útil do lesado), e compreendem ainda determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (ex. substituição de uma prótese ou futuras operações cirúrgicas).
Segundo certa classificação dos danos eles podem ser patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica, refletindo-se no património do lesado. Os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado (a vida, a saúde, a liberdade, a beleza)”[24]
O “dano” ou “prejuízo” consagrado, desde logo, no referido art. 564º, surge sob vários aspetos. Na verdade, o dano compreende o prejuízo causado (dano emergente) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante) – nº1 – e os danos futuros – nº2.
A responsabilidade civil no nosso direito tem como primordial a função compensatória, ou seja, a reparação do dano, condição essencial e limite da obrigação de indemnizar, ainda que dentro de tais limites se contenham finalidades acessórias preventivas e mesmo sancionatórias. Nessa linha é pertinente considerar que a obrigação de indemnizar tem como balizas, por um lado, o princípio da reparação integral do dano e, por outro, a proibição do enriquecimento sem causa do lesado à custa da indemnização.
O montante indemnizatório deve equivaler ao dano efetivo, à avaliação concreta do prejuízo sofrido (e não à abstrata), sendo certo que decore do nº1, do artigo 564º, que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Assim, o dever de indemnizar abrange os prejuízos sofridos, a diminuição dos bens já existentes na esfera patrimonial do lesado - danos emergentes -, e os ganhos que se frustraram, os prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património - lucros cessantes.
Nessa base, a doutrina tem definido o dano, embora sob formulações variadas, como sendo a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtração ou deterioração de um certo bem, lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente uma desvantagem de uma pessoa, que é juridicamente relevante, por ser tutelada pelo Direito.
Daí que o dano não traduza uma realidade puramente empírica nem uma mera categoria normativa. Assume-se, antes, como um conceito empírico-normativo, que convoca um dado naturalístico mas requer um referencial normativo.
Exige-se, pois, que traduza uma equação entre a situação económica real em que o lesado se encontra na data mais recente que possa ser atendida e a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.
Ora, se aquela situação real é demonstrável diretamente pela realidade de facto, já a situação hipotética só é alcançável através de um juízo de probabilidade a formular dentro dos limites normativos estabelecidos.
Por isso, na definição de qualquer dano existe, em maior ou menor grau, uma dimensão desenhada com apelo a um juízo de probabilidade, e não a uma certeza de absoluta verificabilidade, o que se torna bem patente nos casos de lucros cessantes - enquanto benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, que obteria se não fosse essa lesão.
O dano, prejuízo, resultante de facto ilícito culposo, causado a alguém, é, na verdade, condição essencial à obrigação de indemnizar.
Se esse prejuízo se regista ou se reflete na situação patrimonial do lesado estamos perante um dano patrimonial. E este manifesta-se, como vimos, sob duas modalidades: o dano emergente, ou perda patrimonial, que abrange o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado na ocasião da lesão, e o lucro cessante que contempla os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito. O dever de indemnizar compreende um e outro, como flui do disposto no n.º 1 do art. 564º. Este preceito abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando aqueles uma diminuição efectiva e actual do património e estes traduzindo não um aumento do património, mas a frustração de um ganho[25].
Mas, como evidencia PESSOA JORGE, que segue o entendimento de VAZ SERRA e de PEREIRA COELHO, o lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho (cfr. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa 1972, pág. 378 e nota (348).[26]
Conforme ensina Galvão Teles os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o ativo ou aumenta o passivo, há um dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o ativo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho[27].
Os lucros cessantes correspondem aos ganhos que o lesado deixou de ter por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património[28]
Nos lucros cessantes pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho[29].
Pires de Lima e A. Varela fazem ressaltar que o lucro cessante, como compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade. São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o acto lesivo [30].
O lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho – o que não se verifica nos casos em que existe uma simples expectativa, uma mera possibilidade de a vítima vir a ser titular dessa situação jurídica.[31]
Acresce que a lei, para além da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, contempla a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indiretamente podem ser compensados – art. 494º, n.º2, integrando uns e outros a obrigação de indemnizar.
O art. 566º, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade e não sendo possível a reconstituição natural, não reparando a mesma integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1. do art. 566º.
E a indemnização pecuniária deve medir-se por uma diferença (id. quod interest como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido[32].
Consagra a lei, em sede de indemnização em dinheiro, a teoria da diferença tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º, nº2. Quer dizer que a diferença se estabelece entre a situação real atual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento[33].
Manda, ainda, como vimos, atender aos danos futuros (nº2, do art. 564º), desde que previsíveis e o nº3, do art. 566º, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não seja possível, designadamente face à imprecisão dos elementos de cálculo, fixar o valor exato dos danos.
Na responsabilidade civil extracontratual, designadamente a emergente de acidente de viação, e no âmbito dos danos patrimoniais, previstos nos artigos 483.º, n.º 1, e 562.º a 564.º, encontram-se os danos resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de ganho.
No âmbito destes, movemo-nos no chamado dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro, podendo, neste, distinguir-se entre a incapacidade fisiológica ou funcional (geral) e a incapacidade para o trabalho.
Na incapacidade fisiológica ou funcional, a repercussão negativa da respetiva incapacidade permanente centra-se na diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de esforços do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente, previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das atividades diárias, incluindo, eventualmente, as suas tarefas profissionais. É esse agravamento da penosidade (de carácter fisiológico ou físico-psíquico) e consequente maior esforço, maior sacrifício/penosidade no desempenho das atividades profissionais e, ainda, uma menor qualidade/conforto de vida em geral, decorrente da afetação da saúde, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização (autónoma) pelo dano biológico. Há, assim, lugar ao arbitramento de indemnização por danos patrimoniais, mesmo que se não haja feito prova de que o lesado, por força de uma incapacidade, venha a sofrer de qualquer diminuição dos seus proventos futuros ou, ainda, mesmo que não haja prova de uma estrita incapacidade para o desempenho da atividade profissional habitual, bastando a demonstração de que o desempenho profissional (e a consequente manutenção do mesmo nível de rendimentos) obriga a maiores esforços, a maior penosidade no desempenho de tais atividades, sendo indiscutível o ressarcimento deste dano. Indemniza-se, assim, basicamente o dano corporal sofrido, por si, quantificado por referência a um índice 100 (que corresponde à plena integridade psicossomática), e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos, que pode, até, não existir. Este entendimento, que vem sendo perfilhado pela jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, tem na sua base a ideia de que a existência de uma incapacidade física, em consequência de lesões provocadas no corpo e na saúde do lesado, afeta, necessariamente, a sua capacidade funcional, pois que este verá afetadas as condições normais de saúde necessárias ao desenvolvimento adequado e normal daquela, sempre lhe exigindo um esforço ou transtorno acrescido, independentemente da sua repercussão negativa a nível salarial.[34]
Na reparação do dano corporal, a jurisprudência tem procurado, com vista a encontrar o quantum indemnizatório, determinar o capital que produza o rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até final da sua vida, através do recurso a métodos matemáticos, sendo entendimento jurisprudencial uniforme que nenhum dos aludidos critérios é absoluto, devendo ser aplicados como meros índices ou parâmetros temperados com a aplicação e um juízo de equidade e, isto, porque na avaliação dos prejuízos o juiz tem de atender, sempre, à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que o tornam único e diferente[35].
Na verdade, é uniforme o entendimento jurisprudencial no sentido de que o Tribunal não está confinado ao resultado de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas em que se utilizam tabelas financeiras, e, sendo o recurso a fórmulas meramente indiciário, não pode o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º do Código Civil, mormente do referido do nº3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exato dos danos deve recorrer à equidade.
No cálculo da indemnização, com recurso à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, n.º 3, do CC, iremos socorrer-nos, como critério objetivador, aferidor e orientador, com vista a evitar subjetivismos, das fórmulas matemáticas, designadamente da enunciada no Ac. STJ. de 04/12/2007, Proc. 07A3836, in base de dados da DGSI, da prevista nos estudos efetuados pelo Dr. Sousa Dinis, in CJ/STJ, 1997, t. II, págs. 11 e ss e das enunciadas na Lei dos Acidentes de Trabalho, sendo que o recurso a elas é meramente indicador e instrumental, já que o critério que vai presidir, até por imposição legal, à fixação desta concreta indemnização é a equidade.
Com efeito, as fórmulas usadas para calcular as indemnizações, sejam elas a do método do cálculo financeiro, da capitalização dos rendimentos, ou as usadas na legislação infortunística, não são, de modo algum, imperativas. Até se refere no Acórdão deste STJ, de 18.3.97, in CJ STJ, 1997, II, 24: “Os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas”.
Na determinação do quantum indemnizatório correspondente ao citado dano biológico, na vertente de danos patrimoniais futuros, o tribunal está, apenas, sujeito aos critérios que emergem do Código Civil, em particular ao da equidade, sendo que os consagrados na Portaria n.º 377/2008, de 26.05 (ou na Portaria n.º 679/2009, de 25.06, que procedeu à sua alteração/atualização), não obstante possam ser atentados pelo julgador, não se sobrepõem aos que decorrem do sistema substantivo, primordialmente  do Código Civil.
O DL nº 352/2007, de 23/10, que veio introduzir na Ordem Jurídica portuguesa a Tabela de Avaliação de Incapacidade Permanentes em Direito Civil e a Portaria nº 377/2008, de 26/5, complementando-o, estabeleceu os valores orientadores de proposta razoável para indemnização do dano corporal resultante de acidente automóvel. A Portaria nº 679/2009, de 25/6, veio atualizar os valores daquela de acordo com o índice de preços ao consumidor em 2008 e alargou o direito indemnizatório por esforços acrescidos.
Porém, tais “valores orientadores” são apenas uma reflecção.
Como é comummente entendido, os juízes não devem lançar mão destas tabelas, que quando muito servirão para comparar, para fazer simulações – cfr.  designadamente Joaquim José de Sousa Dinis, “Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), sustenta serem estas tabelas apenas orientadoras e que “Se forem utilizadas, o juiz no seu prudente arbítrio tem o dever de “saltar” para fora dos valores máximos” não devendo delas ficar “escravo” , nunca podendo olvidar o art. 496º, do CC. “Caso contrário corre-se o risco de se implantar nas decisões judiciais uma “ditadura das seguradoras”[36].
Na verdade, é entendimento jurisprudencial uniforme que os critérios previstos nas citadas Portarias não substituem os critérios de fixação da indemnização consagrados no Código Civil, não vinculando os tribunais na administração da justiça nos casos concretos. Os mesmos visam, sobretudo, em sede de apresentação de proposta célere e razoável por parte das seguradoras ao lesado, a servir de critério orientador para esse confessado fim.[37] Até no próprio preâmbulo se refere, expressamente, que o objetivo da mesma não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39º do D.L. n.º 291/2007, de 21.08, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando, ainda, que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.
Deste modo, e não obstante as referidas Portarias, os critérios a seguir na fixação das indemnizações continuam a ser os emergentes do Código Civil, mormente o da equidade, devendo, por razões de igualdade e desejável uniformidade jurisprudencial, com vista a uma maior certeza e segurança jurídicas, nos valores tendencialmente a fixar serem seguidos os aplicados pelo mais Alto Tribunal em casos idênticos.
Assim, as tabelas financeiras, tal como as tabelas constantes das Portarias nº 377/2008, de 26 de maio e nº 679/2009, de 25 de junho, servem, apenas de indicador[38], podendo é definir o patamar inferior da indemnização a arbitrar (porque ponderam já a disponibilidade imediata do capital).
Sendo grande a dificuldade de cálculo do dano futuro relativo à perda dos rendimentos do trabalho, sendo que o que se pretende não é a fixação de um montante puramente arbitrário, mas antes uma fixação equitativa feita mediante prudente arbítrio - arts. 564°, nº 2 e 566°, nº 3, do CC - parte da jurisprudência orienta-se no sentido de a indemnização dever representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no previsível período de vida ativa da vítima e que seja suscetível de garantir, durante esta, as prestações correspondentes a essa perda de ganho - Ver, designadamente, os Acs. do STJ, de 09.01.1979, BMJ, n. 283, pág. 260, e de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 144.
Deve a estimativa desse dano fazer-se com recurso à equidade - art. 566°, n.º 3, e, como modo adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto, o julgamento da equidade não pode prescindir da ponderação da duração da vida, da flutuação do valor do dinheiro, das expectativas de aumentos salariais e de progressão na carreira, etc. (v. Ac. STJ de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo II, pág. 145). Acresce que, uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
Como se referiu, são utilizadas fórmulas e tabelas matemáticas como auxiliares de cálculo, que servem como instrumento de trabalho e têm grande utilidade na medida em que nos serve de farol para, ponderando tudo, se alcançar a decisão mais justa.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. entre muitos o Ac. de 8/5/2012 – Processo 3492/07.3TBVFR.P1, in www.stj.pt) vem fazendo um esforço de clarificação, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjetivismo dos magistrados, de modo a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis.
Os princípios fundamentais adotados pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, resumidos na citação constante do Acórdão de 05 de julho de 2007, no processo n°07A1734, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Nuno Cameira, são os seguintes:
A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal "das coisas, é razoável”;
As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte;
Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta)[39].
No caso dos autos, pese embora o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que afeta o Autor, o facto disso poder não gerar perda de rendimentos laborais não implica que, pelo défice de que padece, não tenha de ser indemnizado, havendo a considerar, como vimos, como dano futuro o dano biológico já que a afetação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.
No Ac. da Relação de Guimarães de 18/12/2017, proc. nº 2050/12.5TJVNF.G1, em que a ora relatora foi adjunta, refere-se que “O conceito de “dano biológico” surgiu em Itália e no ordenamento jurídico nacional não existe consenso quanto à forma de ressarcimento desse dano: a posição maioritária é que esse dano deve ser valorado na vertente patrimonial; outra corrente sufraga que esse dano carece de ser valorado na vertente patrimonial ou na não patrimonial, conforme a apreciação casuística do caso; uma terceira corrente entende que se está perante um tertium genus, não subsumível à categoria dos danos patrimoniais ou não patrimoniais, devendo ser indemnizado de per se.
O dano biológico, na medida em que constitui uma lesão de bens eminentemente pessoais do lesado (a saúde), determinando-lhe uma deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do seu corpo no desenvolvimento de todas as suas atividades (sejam profissionais, lazer, familiar e demais dimensões da sua vida), carece de ser, sempre, indemnizado na vertente patrimonial, independentemente de ter ou não repercussões negativas a nível salarial ou na atividade profissional do lesado, mesmo que este último não desempenhe, à data do evento, atividade profissional remunerada e, ainda que se trate de pessoa já reformada.
O cálculo dessa indemnização (frustração da capacidade de ganho futura) é feito por recurso à equidade, devendo como critério objetivador, instrumental e orientador, ter-se presente as fórmulas matemáticas seguidas pela jurisprudência”.
Também no Ac. Relação de Guimarães, proc. 1315/14.6TJVNF.G1 em que a ora relatora foi, igualmente, adjunta se decidiu e vem sumariado “A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego do lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem uma sequela irreversível das lesões sofridas.
Nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela “capitis deminutio” de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoa. Esta outra vertente do dano biológico, enquanto privação de outras oportunidades pessoais ou profissionais decorrentes do défice físico-psíquico, não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu” quantum”, mas não constituindo, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir uma duplicação indemnizatória, violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa.
Sem prejuízo do relevo que sempre assumem as usuais tabelas de matemáticas de cálculo do aludido capital – enquanto instrumentos suscetíveis de introduzir uma base objetiva no valor indemnizatório a arbitrar, reduzindo, pois, “ligeirezas decisórias” ou “involuntários subjetivismos” –, o valor alcançado através de tais tabelas sempre terá de ser temperado através do recurso à equidade, que desempenha um papel corretor e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto”.
Como se refere no Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 13/7/2017, proc. 3214/11.4TBVIS.C1.S1, relator Senhor Juiz Conselheiro Manuel Tomé Soares Gomes, a “lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, que tem vindo a ser designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual, podem derivar, além de incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tal suscetíveis de avaliação pecuniária[1][40].
Como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado[2] . (sublinhado e negrito nosso).
No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ, de 10/ 10/2012, proferido no processo n.º 632/2001.G1.S1[3], considerou que:
“… a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de -emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …”
E, no mesmo aresto, se acrescenta que:
“Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal…”
Assim, a este propósito podem projetar-se em dois planos:
- a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- na perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual”[41].
Como se refere no citado Acórdão do STJ de 19/5/2009, o “dano biológico que implica que se atenda às repercussões que a lesão pode proporcionar à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais.
“O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”. - Acórdão deste Supremo Tribunal de 4.10.2005 – Processo nº 05A2167 – in www.dgsi.pt.
O dano biológico repercute-se na qualidade de vida da vítima afectando a sua actividade vital, é um dano patrimonial já que as lesões afectam o seu padrão de vida”.
A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado, e durante todo o seu tempo de vida”.[42]
Ora, in casu, resulta provado que, em consequência do acidente de viação, ocorrido em 22 de março de 2019, o Autor, que nasceu no dia ../../1984, sofreu lesões de matureza muscular, ligamentar e fasciais da coxa e joelho direitos, com um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 5 pontos e, apesar de não estar impedido de exercer a sua atividade tal incapacidade implica esforços suplementares nesse exercício.
A aptidão funcional do Autor está comprometida, havendo, para efeito de indemnizar o dano biológico, que ponderar não apenas o tempo de atividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo da sua vida.
 E como se refere no citado Acórdão do STJ de 19/5/2009 “A indemnização por danos patrimoniais futuros é devida mesmo que não se prove ter resultado da incapacidade física diminuição dos proventos da vítima.
É a chamada distinção operada por Sinde Monteiro – “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, página 248, entre o “dano biológico” e o “dano moral” – Acórdão de Tribunal da Relação do Porto, de 2 Maio 1995 – JTRP00014588 – in www.dgsi.pt.
“O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 4.10. 2007 – Proc. nº 07B2957 – in www.dgsi.pt.
A incapacidade parcial permanente afectando, ou não, a actividade laboral, representa, em si mesma, um dano patrimonial futuro, nunca podendo reduzir-se à categoria dos danos não patrimoniais.(…) O trabalho doméstico, no contexto da vivência familiar, tem um valor avaliável em dinheiro ainda que nenhuma remuneração haja; por outro lado, pese embora a idade da lesada à data do acidente, ela executava sem auxílio de ninguém as tarefas da casa, sinal que a sua capacidade laboral, ainda que para aquelas funções, existia e ficou afectada com o acidente.
A indemnização por lesões físicas não deve apenas atender à capacidade laboral, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas, irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade tanto maior quanto mais for avançando a idade.
Pelo que deixamos entrever o facto de o Autor não ter perdido rendimentos em consequência da lesão não invalida que seja ressarcido por causa da IPG que o afecta. Esse dano é indemnizável em si mesmo como dano patrimonial.(…) Também aqui haverá que, numa perspectiva de equidade, ponderar que esse auxílio perdurará pelo tempo de vida da Autora, devendo atender-se à expectativa de vida estatística, da longevidade como pessoa do sexo feminino, devendo ponderar-se, também, o custo da evolução salarial desse prestador de serviços, pelo que considerando a expectativa de vida da Autora, cerca de 24 anos, não se afigura violadora da equidade a indemnização que as instâncias atribuíram …”[43].
Como se refere no Ac. do STJ 10/11/2016, proc. 175/05.2TBPSR.E2.S1, relatado pelo Senhor Juiz Conselheiro Lopes do Rego, “ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.
Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do art. 564º do CC, está fundamentalmente em causa o método de cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização (…).
Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma …): adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a tabela descrita no Ac. de 4/12/07 (p.07A3836), assente numa taxa de juro de 3%.
Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros).
Finalmente – e no nosso entendimento – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.
… Saliente-se, porém, que a aplicação, mesmo corrigida, das referidas tabelas financeiras não inclui, como é evidente, integral ponderação do dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão no leque de oportunidades profissionais de quem o sofre - e, portanto, enquanto reflectido na previsível carreira profissional da lesada, ressarcível ainda no perímetro dos danos patrimoniais futuros.
No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em limitações funcionais particularmente relevantes - deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida e contabilizada no nível de rendimento auferido ou auferível pelo lesado.
A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar: na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais; e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em lesada com 18 anos de idade, ficando as perspectivas de evolução no campo profissional plausivelmente afectadas pelas irremediáveis sequelas, físicas das gravosas lesões corporais sofridas.
E, nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer a recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional – considerando-se, em termos de equidade, que representará compensação adequada desse dano biológico o valor de € 15.000, que acrescerá assim ao montante de €85.000 arbitrado pelo acórdão recorrido”[44].
Assim, constata-se, à luz das regras da experiência, que as referidas sequelas sofridas pelo Autor são de molde a afetar, para além das tarefas do seu quotidiano, o cabal desempenho da sua atividade laboral, representando, nessa medida, uma diminuição da sua capacidade económica, avaliável em termos do dito dano biológico (vertente patrimonial).
Cumpre, ainda, esclarecer, por forma a que não fique ideia errada de existência de duplicação da avaliação do mesmo dano, que na avaliação do dito dano biológico só relevam as implicações de alcance económico e não as respeitantes a outras incidências, mas sem um alcance dessa natureza (económica). Nessa linha, e como se decidiu no referido acórdão, não é de ter em conta aqui, por exemplo, as implicações na vida sexual do lesado, vertentes estas a ser ponderadas em sede de danos não patrimoniais.
E como aí se refere “não se apurando o valor exato da referida diminuição de rendimento económico … nem, dadas as suas características, se divisando tão pouco a viabilidade de um apuramento exato, não se mostra adequado, como se referiu na sentença da 1.ª instância, recorrer a um cálculo puramente aritmético, restando lançar mão do critério da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas existentes” (negrito e sublinhado nosso).
Valorando os dados de facto, considera-se que não merece censura o decidido no que respeita aplicação de tabelas financeiras correntes, baseadas em concreta e efetiva remuneração à data do acidente e no Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, temperados com juízos de equidade.
Assim, segundo um juízo de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida imposta pela ponderação das realidades da vida, tendo em conta o referido circunstancialismo, as consequência das lesões sofridas pelo Autor com o acidente, considerando a  sua idade à data do acidente e expetativa de vida de acordo com os dados do INE, tem-se um pouco desajustada e fora dos padrões da jurisprudência[45] a valoração do dito dano biológico, na sua vertente patrimonial, na quantia fixada pelo Tribunal de 1.ª instância - de € 12.000,00 - para o valor da indemnização por danos futuros pela perda da capacidade de ganho do Autor, representando-se,  como compensação adequada  do dano biológico, o valor de € 7.500,00 a acrescer ao referido, fixando-se, por isso, o valor da indemnização pelo dano biológico a pagar ao Autor atendendo à sua culpa na produção dos danos em mais € 5.000,00, que acrescem à importância arbitrada pelo Tribunal a quo.


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- Dano de privação de uso do motociclo
Como se decidiu no Ac. desta Relação de 9/3/2020, em que a ora Relatora foi adjunta, “No que ao dano de privação de uso concerne, temos como correto o entendimento jurisprudencial, maioritariamente seguido pelo STJ que defende constituir este dano um dano autónomo suscetível de indemnização desde que o lesado alegue e prove não só que ficou impedido de utilizar o veículo em causa, como ainda que essa impossibilidade de utilização se traduziu numa efetiva impossibilidade de fruir das utilidades que esse mesmo bem lhe proporcionava, descartando assim a exigência de prova de danos concretos e específicos decorrentes de tal privação que a outra corrente jurisprudencial considera igualmente necessário.
Esta corrente jurisprudencial, menos exigente por não fazer depender a indemnização de tal dano da prova de concretos e efetivos prejuízos, tem ganho força, sendo maioritariamente seguida pelo STJ.
Tal como referido no Ac. STJ de 14/12/2016, Relatora Fernanda Isabel Pereira, in www.dgsi.pt [e reportando-se ainda a posição já antes defendida em Ac. de 09/07/2015 pela mesma Relatora no mesmo sítio]  este tribunal superior tem vindo maioritariamente a entender “no domínio da responsabilidade civil extracontratual emergente de acidente de viação que a privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava”.
Recorrendo à distinção que jurisprudencialmente tem sido realçada entre “privação do uso” e “privação da possibilidade do uso”, afere-se a exigida prova de que a privação gerou perda de utilidades que o bem proporcionava ao seu titular. Não bastando, no campo das possibilidades, a suscetibilidade de a coisa poder ser usada durante o período da privação.
E uma vez demonstrada a perda de utilidades (não a mera possibilidade) que decorrerá desde logo do demonstrado uso normal que o lesado fazia da coisa, reconhece-se demonstrado um efetivo prejuízo, porquanto só naquele caso fica demonstrada a privação como causa de prejuízo gerador de indemnização [cfr. nesse sentido Ac. TRP de 08/09/2014 Relator Alberto Ruço e Ac. TRP de 30/06/2014 Relator Manuel D. Fernandes; Ac. TRP 30/01/2017, Relator O. Abreu; Ac. STJ de 08/11/18 do mesmo Relator O. Abreu, publicados todos in www.dgsi.pt]”[46].

A sentença recorrida, apreciando a exata medida da obrigação de indemnizar, analisa, quanto ao dano autónomo da privação de uso que, consistindo o mesmo em o proprietário ficar temporária ou transitoriamente impedido de retirar do bem as utilidades, patrimoniais e não patrimoniais, que o bem lhe proporcionaria, designadamente de exercer os poderes de uso de fruição inerentes à propriedade (cf. art. 1305.º, CC), temos que o motociclo sinistrado não era usado pelo Autor como veículo habitual de transporte para o local de trabalho (cf. al. z), dos Factos Provados), tão-pouco demonstrado ficou, sequer se mostrando alegado, que o Autor pertencesse a um grupo de motociclistas ou praticasse motociclismo com regularidade. E considera que, no contexto dos factos provados, não resulta com rigor o período de tempo que o Autor utilizava o motociclo, pelo que se tem de caracterizar, como caracterizou, como bem de lazer ou diversão. Assim sendo, e não sendo possível determinar o período de tempo que o Autor o utilizava, impõe-se fixar aquele dano no contexto dos factos provados, segundo um juízo de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida imposta pela ponderação das realidades da vida, tendo em conta o referido circunstancialismo.

Destarte, temos que o motociclo com que o Autor ficou impedido de circular desde o sinistro, ocorrido em 22/03/2019, com o valor de mercado de cerca de € 2.000,00 (com valor de salvado de € 550,00) e é utilizado, pelo mesmo, como bem de lazer ou diversão.
Não apurado o valor exato dos danos, é a sua fixação efetuada com recurso aos critérios de equidade, de acordo com o previsto no nº3, do art. 566.º [47].

Neste conspecto, foi, ao abrigo deste preceito, fixada, como adequada, a quantia de € 4.000,00 a título de dano da privação do uso do motociclo e certo sendo que tal quantum não foi, mesmo, fixado com parcimónia, nada justificando a atribuição de um montante superior, que se revelaria desproporcional e injustificado, desde logo face ao valor do motociclo e à natureza do uso que lhe é dado, nada cumpre acrescentar.

E não se justificando valor superior, improcede a pretensão do recorrente em ver-se indemnizado pela privação do uso do seu veículo por valor e período superior ao acima já fixado.


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Procedem, assim, parcialmente, as conclusões da apelação, fixando-se em mais 5.000,00 a indemnização a atribuir ao Autor (pelo dano biológico), o que acresce ao montante fixado em 1ª instância.

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As custas do recurso e da ação são da responsabilidade do recorrente e da recorrida, na proporção do decaimento (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogam, em parte, a decisão recorrida, fixando em mais 5.000,00 € o montante indemnizatório a atribuir ao Autor pelo dano biológico por si sofrido, o que acresce ao fixado em 1ª instancia, mantendo-se, no restante, a sentença.


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Custas, nas duas instâncias, por ambas as partes na proporção do decaimento.


Porto, 17 de junho de 2024

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Manuel Domingos Fernandes
Fernanda Almeida
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[1] Acórdão da Relação de Guimarães de 22/1/2015, processo 561/12.1TBMAR-A.G1.dgsi.net
[2] Acórdão da Relação de Lisboa de 19/1/2016, CJ, 2016, 1º, 62
[3] Acórdão da Relação de Lisboa de 23/4/2025, Processo 1481/05, dgsi.net
[4] Cfr., neste sentido, Ac. RC de 24/3/2015, proc. 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1, in dgsi.net
[5] Ac. RC de 18/11/2014, proc. 628/13.9TBGRD.C1 e da RP de 26/9/2016, proc. 1203/14.6TBSTS.P1, ambos in dgsi.net, citados in Abílio Neto Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição revista e ampliada, março de 2017, Ediforum.
[6] Ac. RG de 3/3/2016, proc. 7109/15, in dgsi.pt
[7] Ac. RL de 17/3/2016: CJ, 2016, 2º, 81
[8] Ac. RG de 24/4/2014, proc. 523/11.6TBCBT.G1, in dgsi.pt
[9] Ac. RP de 20/9/2021, proc.12347/18.5T8PRT.P1, em que a ora relatora foi adjunta.
[10] ac. do STJ de 30.4.2019 (relatora: Catarina Serra), in dgsi.pt
[11] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, Almedina, pág. 823 e seg.
[12] Ibidem, págs 824 e seg.
[13] Ibidem, pág, 825.
[14] Ibidem, pág, 825.
[15] No que diz respeito aos factos conclusivos cumpre observar que na elaboração do acórdão deve observar-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º CPCivil aplicáveis ex vi artigo 663.º, nº 2 do mesmo diploma legal.
[16] José Lebre de Freitas e A. Montalvão Machado, Rui pinto Código de Processo Civil–Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, pag. 606.
[17] Antunes Varela, J. M. Bezerra, Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição Revista e Atualizada de acordo com o DL 242/85, S/L, Coimbra Editora, Lda. 1985, pág. 648.
[18] Ac. RP de 19/12/2023, proc. nº 4201/22.2T8PRT.P1 (que não vimos publicado).
[19] Ac. STJ. de 25/11/2010, Proc. 3070/04.9TVLSB, in base de dados da DGSI.
[20] Ac. TC. n.º 504/2004, D.R., II Série de 02/11/2004, pág.16.093.
[21] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, pág. 309.
No mesmo sentido, Lebre de Freitas, in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, onde, a pág. 278, escreve: “… importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outras não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas…”.
[22] Carolina Henriques Martins, in “Declarações de Parte”, pág. 58.
[23] Rita Lynce de Faria, in anotação ao artigo 342º, Comentário ao Código Civil Parte Geral, Universidade Católica Portuguesa, Universidade Católica Editora, pág. 812
[24] José de Sousa Dinis, Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), Julgar, pag 29 e seg
[25] Acórdão do S.T.J. de 21/11/79, BMJ. nº 291, pág. 480.
[26] Acórdão do STJ de 18/12/2007 Processo 07B3715, in dgsi.net
[27] Galvão de Teles, Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 373.
[28] Acórdão do S.T.J. de 4/3/80, RLJ, 114º- 317.
[29] Acórdão do S.T.J de 23/5/78, BMJ nº 277; pág. 258
[30] Pires de Lima e A. Varela (Cód. Civil Anotado, I, pág. 580)
[31] Acórdão do STJ de 18/12/2007, Processo 07B3715, in dgsi.net
[32] Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 9ª ed., Almedina, pag 936.
[33] Idem, págs 936 e 937
[34] Cfr. Ac. STJ de 20.11.2014, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 04.06.2015, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 21.01.2016, proc. n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1, relator Lopes do Rego; Ac. STJ de 26.01.2016, proc. n.º 2185/04.8TBOER.L1.S1, relator Fonseca Ramos; Ac. STJ de 07.04.2016, proc. n.º 237/13.2.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 02.06.2016, proc. n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1, relator Tomé Gomes; Ac. STJ de 16.06.2016, proc. n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2, relator Tomé Gomes; Ac STJ de 10.11.2016, proc. n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, relator Lopes do Rego; Ac. STJ de 14.12.2016, proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 26.01.2017, proc. n.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1, relator Oliveira Vasconcelos; Ac. STJ de 16.03.2017, proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 25.05.2017, proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[35] Cfr. Acs. STJ de 4/2/93, in AC STJ, I, 129; 5/5/94 in, AC STJ, II, 86; de 28/9/95, in AC STJ, III, 36; de 15/12/98, in AC STJ, 111, 155.
[36] Joaquim José de Sousa Dinis, “Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), Julgar, pag 38 e seg
[37] Vide, neste sentido, Ac. STJ de 07.06.2011 e de 04.06.2015, ibidem, e Ac. STJ de 16.01.2014, proc. n.º 1269/06.2TBBCL.G1.S1; e Ac. STJ de 07.05.2014, proc. n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[38] Vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de março de 2012, relatado por Sérgio Poças, no processo nº 184/04.9TBARC.P2.S1, acessível in dgsi.net.
[39] Acórdão do STJ de 05 de julho de 2007, no processo n°07A1734, relatado por Nuno Cameira
[40] [1] Vide, a este propósito, as doutas considerações do ac. do STJ, de 21-03-2013, relatado por Salazar Casanova, no processo n.º 565/10.9TBVL.S1, acessível na Internet - http://www. dgsi.pt/jstj.
[2] Entre muitos outros, vide, a título de exemplo, o ac. do STJ, de 7-6-2011, relatado por Granja da Fonseca, no âmbito do processo 160/2002.P1.S1, publicado na Internet, http://www.dgsi.pt/jstj.
[3] Relatado por Lopes do Rego, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[41] Acórdão do STJ de 13/7/2017, Processo 3214/11.4TBVIS.C1.S1, in dgsi.net
[42] Acórdão do STJ de 19/5/2009 Processo 298/06.0TBSJM.S1, in dgsi.net
[43] Acórdão do STJ de 19/5/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1, in dgsi.net
[44] Acórdão do STJ 10/11/2016, Processo 175/05.2TBPSR.E2.S1,in dgsi.net
[45] Cfr. Ac. da RP de 18/3/2024, proc. 1612/21.4T8PVZ.P1 (Relator: José Eusébio Almeida), acessível in dgsi, onde se segue a, recente, jurisprudência que se passa a citar:
“- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.02.2024 [Processo n.º 2146/20.0T8VCT.G1.S1, Relatora, Conselheira Ana Paula Lobo, dgsi]: “Mostra-se ajustado o valor de 30 000,00€ para indemnizar o dano patrimonial futuro do lesado nascido em 1988, com um rendimento laboral médio mensal de 1015,26€, que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 pontos cujas sequelas implicam esforços suplementares que não o impedem de exercer toda e qualquer profissão”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.02.2024 [Processo n.º 2012/19. 1T8PNF. P1.S1, Relator, Conselheiro Pedro Lima Gonçalves, dgsi]: “I - O dano biológico integrado por défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, compatível com o exercício de atividade profissional, mas que implica esforços suplementares para o exercício da mesma, é indemnizável sob uma vertente patrimonial, como dano patrimonial futuro que tem em conta a expressão daquele défice. II - Tratando-se de calcular um quantitativo indemnizatório que traduza o capital de que o lesado se veja privado para o futuro em virtude do défice funcional sofrido, para tal há que ter em conta o período de tempo que, considerando a idade do lesado aquando da data da consolidação médico-legal das lesões (pois é a partir desta que fica definido o défice funcional), tem em conta a sua esperança média de vida, e a consideração do salário médio mensal nacional dos trabalhadores por conta de outrem por referência ao ano da consolidação médico-legal das lesões, isto no caso de o lesado ser estudante, pois neste caso não existe qualquer elemento que indicie que o mesmo se iria situar no patamar mais baixo de uma carreira profissional ou que iria conformar-se com o recebimento do salário que qualquer empresa é obrigada a pagar independentemente das habilitações ou da profissão exercida pelo trabalhador”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.2024 [Processo n.º 15898/16.2T8LSB .L1.S1, Relatora, Conselheira Maria Olinda Garcia, dgsi]:“I - Não é desconforme com os atuais parâmetros indemnizatórios, correspondentes à aplicação de critérios de equidade, a decisão de atribuir €20.000 a título de danos não patrimoniais à 1ª autora, farmacêutica de 35 anos de idade à data do acidente, que foi sujeita a duas intervenções cirúrgicas, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos em 100, apresenta um dano estético permanente de grau 2, numa escala de 7 e também grau 2, numa escala de 7, no que respeita à repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, além de outras limitações. Continua a poder desenvolver a sua atividade de farmacêutica, mas com esforços acrescidos. II - Também não é desconforme com os atuais padrões indemnizatórios a indemnização de €10.000 por danos morais, atribuída à 2ª autora que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 2 pontos em 100, apresenta um dano estético permanente de grau 5, numa escala de 7, e uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 3, numa escala de 7, além de outras limitações. Continua a poder desempenhar a sua atividade de fisioterapeuta, mas com esforços acrescidos”.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.01.2024 [Processo n.º 3527/18.4T8PNF.P2.S1, Relator, Conselheiro Luís Correia de Mendonça, dgsi]: “IV- O julgador deve recorrer à equidade para fixar a indemnização devida pelo dano biológico, ainda que se sirva, num primeiro momento, do auxílio de tabelas financeiras ou de fórmulas matemáticas. V- Esta operação inicial consiste na utilização de um instrumento de carácter objetivo, a ajustar ulteriormente às situações ocorrentes na vida. VI- O ideal de justiça exige um tratamento dos casos concretos que tenha em conta o valor das pessoas concretas, na sua circunstância. VII- É adequado fixar uma indemnização de €180.000,00 (cento e oitenta mil euros) para ressarcir dano patrimonial futuro sofrido por um jovem de 27 anos, que, por virtude das sequelas de que ficou a padecer como consequência das lesões que lhe resultaram de uma colisão estradal, ficou impossibilitado de exercer a sua profissão habitual (carpinteiro de cofragem), na qual auferia retribuição anual global de €20.636,70, ainda que continuando a poder trabalhar, com menor remuneração, noutro ramo de atividade (motorista), com uma incapacidade funcional de 15 pontos” .
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 5.02.2024 [Processo n.º 340/19.8T8PRT. P1, dgsi, relatado por Ana Olívia Loureiro, embora por lapso, se refira como relatora Anabela Morais]: “A lesada, com 37 anos de idade à data do sinistro, que ficou portadora de sequelas avaliadas em 6 pontos de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades em Direito Civil (TNI), teve período de repercussão o temporária na Atividade Profissional Total fixável num período de 132 dias e um período de repercussão temporária na Atividade Profissional Parcial fixável num período de 124, que tem de empregar esforços acrescidos para exercício da sua atividade profissional, não tendo perda de capacidade de ganho e cujo quantum doloris foi fixado no grau 4 e o dano estético no grau 2 de acordo com a TNI, é adequada a fixação de indemnização global de 55.000 € de acordo com a equidade” .
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30.01.2024 [Processo n.º 22988/17.2T8 PRT.P1, Relator, Desembargador João Proença, dgsi]: “I - Tendo a autora ficado afetada por um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, mas sendo as sequelas sofridas compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, embora impliquem para o efeito esforços suplementares, tal limitação é suscetível de integrar um dano futuro de natureza patrimonial. II – Considerando o caso da autora, mostra-se equilibrado o valor indemnizatório de €13.655,00”.
Também no Ac. da Relação do Porto de 8/5/2023, proferido no proc. nº 3323/20.9T8VNG.P1 (Relator : Carlos Gil), se decide “É adequada a compensação de três mil e quinhentos euros por dano biológico na vertente não patrimonial a lesada com dezoito anos à data da alta, que ficou a padecer de um défice físico-psíquico de um ponto, sem qualquer repercussão permanente na atividade profissional” e se referem os “seguintes casos acessíveis na base de dados da DGSI: acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de setembro de 2016, relatado por Ana Paula Amorim, no processo nº 595/14.1TBAMT.P1, referente a um acidente em 2012, com um lesado carteiro de trinta e quatro anos de idade na data do sinistro que ficou afetado com um défice funcional físico-psíquico de dois pontos, a exigir esforços suplementares para o exercício da atividade profissional, tendo sido arbitrada indemnização de cinco mil euros a título de dano biológico; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05 de novembro de 2018, relatado por Manuel Fernandes no processo nº 26376/15.7T8PRT.P1, relativo a um acidente ocorrido em 2014, com uma lesado com sessenta e dois anos à data do sinistro afetada por um défice funcional físico-psíquico de três pontos, a exigir esforços suplementares para o exercício da atividade profissional, tendo sido arbitrada indemnização de cinco mil euros a título de dano biológico”.
[46] Ac. da RP de 9/3/2020, Proc. nº. 445/18.0T8ILH.P1 (Relatora: Fátima Andrade).
[47] Cfr. Ac. RP de 8/4/2024, proc. nº. 684/20.3T8SJM.P1 (Relatora: Fátima Andrade).