Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | LUÍSA FERREIRA | ||
| Descritores: | TÍTULO VÁLIDO DE ABERTURA E FUNCIONAMENTO DE UM ESTABELECIMENTO DE APOIO SOCIAL | ||
| Nº do Documento: | RP202511031113/25.1T9VLG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/03/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO CONTRAORDENACIONAL | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
| Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO SOCIAL | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - No âmbito do Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e da Segurança Social, se o contrário não resultar da respetiva lei, a segunda instância apenas conhece de matéria de direito, nos termos do art. 51.º. n.º 1, da citada Lei n.º 107/2009, sem prejuízo da apreciação dos vícios da matéria de facto nos termos previstos no n.º 2 do art. 410º do CPP (CPP), bem como da verificação das nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do artigo 379.º, n.º 2, e do n.º 3 do artigo 410.º do CPP; II - Para que haja um título válido de abertura e funcionamento de um estabelecimento de apoio social ao abrigo do disposto no art. 9º do DL n.º 37/2020, de 15 de julho (legislação temporária da época da pandemia Covid 19, entretanto já revogada expressamente pelo L n.º 66-A/2022, de 30 de setembro), tem de haver um documento comprovativo emitido pela Segurança Social da regular submissão da comunicação prévia, instruída com os elementos exigidos e com o comprovativo do pagamento de taxas (quando aplicável), não sendo bastante, para esses efeitos, a mera submissão dessa comunicação prévia. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Recurso Penal 1113/25.1T9VLG.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo, Juiz 1
Recorrente: “A..., Unipessoal, Lda.” Recorrido: Ministério Público
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Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto (4ª Secção), sendo: Relatora: Luísa Ferreira 1º Ajunto: Desembargadora Eugénia Pedro 2º Adjunto: Desembargadora Alexandra Lage
Em processo de contraordenação, foi aplicada pelo Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital do Porto, à empresa “A..., Unipessoal, Lda.”, a coima única de € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida das custas legais no valor de € 45,00 (quarenta e cinco euros), e ainda a sanção acessória de encerramento do estabelecimento pelo período de 12 meses, em virtude de a arguida explorar um estabelecimento de apoio social, com fins lucrativos, na resposta social de ERPI, sem estar devidamente titulada pela competente licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento, bem sabendo que tal infração é punida por lei e está devidamente regulamentada no nosso ordenamento jurídico.
Inconformada com esta decisão, a arguida apresentou impugnação judicial, a qual foi admitida.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente o recurso de impugnação judicial e, em consequência, manteve nos seus precisos termos a decisão administrativa proferida pela referida entidade administrativa. * Inconformada veio a arguida interpor recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição com utilização de itálico): (…) * O Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso. Para o efeito, enunciou as seguintes conclusões (transcrição com utilização de itálico): (…) * Os autos foram com vista, tendo, no parecer emitido junto deste Tribunal, o Ex.º Procurador-Geral Adjunto referido que: “(…) Em resumo apertado, tendo em consideração o que consta das conclusões formuladas pela recorrente, as quais delimitam o objeto do presente recurso jurisdicional, constata-se que a mesma veio atacar a douta sentença recorrida invocando somente o erro na apreciação da prova: a decisão da matéria de facto – vide conclusões x) e y). Em última instância pugna pela revogação da sentença recorrida e pela sua absolvição. Ao recurso respondeu a Sra. Procuradora da República naquele Juízo do Trabalho, juntando alegação e formulando conclusões, que aqui se dão por reproduzidas. Termina dizendo o seguinte: “Termos em que se entende dever ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida.”. 1. Questão prévia: admissibilidade do recurso. Apesar do teor das alegações da Recorrente, ressalve-se que o recurso é restrito à matéria de direito pelo que se deve considerar definitivamente assente a matéria de facto. Com efeito, dispõe o artigo 201.º do CPT «Remissão» «A impugnação judicial de decisão de autoridade administrativa que aplique coimas e sanções acessórias em processo laboral segue os termos previstos na Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que estabelece o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social.» Por sua vez, dispõe a Lei 107/2009, de 14 de setembro, no n.º 4 do seu artigo 50.º «regime do recurso» «4 - O recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultem desta lei.» E dispõe, no seu artigo 51º, sob a epígrafe «Âmbito e efeitos do recurso» «1 - Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.» Finalmente dispõe o artigo 60.º «Direito subsidiário» «Sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações.» Aliás, dando cumprimento às normas legais supracitadas, o Mm. º Juiz a quo no despacho de admissão do recurso deveria, salvo melhor opinião, desde logo fixar que o recurso era restrito à matéria de Direito. 2. Assim não se entendendo, a Sra. Procuradora da República apresentou resposta cabal ao recurso interposto, resposta com a qual concordamos e que aqui se dá por integralmente reproduzida. Por outro, tendo em consideração a factualidade dada como provada e os meios de prova que a sustentaram, entendemos que a decisão recorrida se encontra bem fundamentada, de facto e de direito, não merecendo censura as questões a dirimir nos presentes autos, que foram adequadamente analisadas, o que afasta qualquer vício de erro de julgamento. No mais, bem andou o Mm. º Juiz “a quo” no modo como apreciou a caracterização do tipo contraordenacional imputado à recorrente, com manutenção da condenação administrativa e tendo feito adequada fixação da medida da coima aplicável. Do exposto decorre que a sentença recorrida observou os princípios do delito contraordenacional que se mostraram aplicáveis, com respaldo na jurisprudência que a este respeito se tem firmado. 3. Mostra-se justa, equilibrada e proporcional a coima aplicada. * Termos em que se emite parecer no sentido de ser rejeitado o recurso, por inadmissibilidade, ou negado provimento, mantendo-se a douta sentença recorrida.” * Regularmente notificada para o efeito, a arguida não respondeu ao parecer. * Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. * II. Da (in)admissibilidade do recurso e intervenção oficiosa do Tribunal da Relação
Nos recursos respeitantes às contraordenações laborais e da segurança social, o Tribunal da Relação apenas conhece de matéria de direito, nos termos do art. 51.º. n.º 1, da Lei n.º 107/2009, sem prejuízo da apreciação dos vícios da matéria de facto nos termos previstos no n.º 2 do art. 410º do CPP (CPP), bem como da verificação das nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos do artigo 379.º, n.º 2, e do n.º 3 do artigo 410.º do CPP. Lidas as conclusões de recurso, as quais delimitam o objeto deste, resulta que a arguida se encontra a recorrer da matéria de facto, que impugna de forma ampla, não invocando, contudo, nenhum dos vícios da matéria de facto nos termos previstos no n.º 2 do art. 410º do CPP. De igual modo resulta que a arguida se encontra a recorrer da matéria de direito. Atento o disposto no citado art. 51.º. n.º 1, da citada Lei n.º 107/2009, o recurso da matéria de facto não consubstanciado em nenhum dos referidos vícios, como acontece com o presente recurso, não é legalmente admissível. Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso sobre a matéria de facto, prosseguindo o mesmo quanto à matéria de direito, sem prejuízo da alteração que de seguida se introduzirá relativamente aos factos não provados. Com efeito, quanto aos factos não provados da sentença recorrida, verifica-se que a matéria vertida no ponto 1 não é matéria de facto, mas antes matéria de direito, sendo inclusive a questão de direito fulcral a decidir. Portanto, está indevidamente inserida na fundamentação de facto, sendo certo que o local próprio para a sua inserção é a fundamentação de direito. Sendo assim, como entendemos que é, lançando mão dos poderes oficiosos deste Tribunal, decide-se eliminar dos factos não provados o mencionado ponto 1, uma vez que é uma mera conclusão de direito.
III. Delimitação objetiva do recurso
O art. 60º da Lei 107/2009, de 14/09, sob a epígrafe “Direito subsidiário”, dispõe que às contraordenações laborais e da segurança social, sempre que o contrário não resulte da lei, se aplica o regime geral das contraordenações. Tal regime está previsto no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, com as subsequentes alterações, a última das quais decorrente do DL 91/2024, de 22/11. Por outro lado, por força do art. 41.º, n.º 1, Decreto-Lei 433/82, de 27/10, também são aplicáveis às contraordenações laborais e da segurança social com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo criminal, designadamente as pertinentes disposições do Código de Processo Penal. Acresce que este Tribunal de recurso apenas conhece de matéria de direito, nos termos do art. 51.º. n.º 1, da citada Lei n.º 107/2009, razão pela qual o recurso da matéria de facto da recorrente já se mostra rejeitado, prosseguindo, agora, o recurso apenas para o conhecimento da matéria de direito que fundamenta o mesmo.
Deste modo, a questão a decidir é: A sentença recorrida fez ou não uma errónea aplicação do direito ao caso sub judice, concretamente fez ou não uma errada interpretação do estabelecido no DL n.º 37/2020, de 15 de julho.
* IV.Fundamentação de facto Os factos dados como provados na sentença recorrida foram os seguintes (transcrição com utilização de itálico): 1. A entidade A..., UNIPESSOAL, LDA, NISS ...82, NIPC ...98, é proprietária de um estabelecimento lucrativo de apoio social, com a mesma denominação. 2. Sito na Estrada ..., ..., ... ..., Gondomar. 3. No dia 13.05.2021 foi realizada uma Ação de Fiscalização por equipa do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais (NFES, setor 1), da Unidade de Fiscalização do Norte, Instituto da Segurança Social, I.P, na sequência de pedido do Centro Distrital do Porto para abertura de procedimento de averiguações PROAVE n.º ...81, após denúncia por parte de familiares de casal residente na ERPI. 4. Sendo que à data da Fiscalização, a Equipa Inspetiva constatou que se encontravam alojados no estabelecimento 23 (vinte e três) utentes idosos, identificados conforme listagem subscrita por AA, esposa do proprietário, e que acompanhou a equipa inspetiva na ação de inspetiva. 5. Os utentes beneficiavam de vários serviços prestados como fornecimento de alimentação, da prestação de cuidados de higiene pessoal e habitacional, tratamento de roupas, apoio no desempenho das atividades da vida diária e administração de fármacos. 6. Como contrapartida pelos ditos serviços, os utentes/residentes pagavam mensalidades cujos valores variavam entre os € 975,00 e os € 1.200,00. 7. Aquando da ação inspetiva, aos 13.05.2021, e entre outras irregularidades, foi constatado que o referido estabelecimento, promovendo uma resposta social de ERPI, se encontrava a funcionar, sem para tal estar titulado por licença ou autorização provisória de funcionamento. 8. Em agosto de 2020 a arguida efetuou requerimento de licenciamento junto dos serviços da Segurança Social. 9. Vindo a ser notificada, em Setembro de 2020, para documentos em falta à devida instrução procedimental do processo n.º 15/2020. 10. Em 22.10.2020, procedeu à entrega da documentação solicitada, mantendo-se em falta o documento comprovativo do pedido de aprovação das medidas de autoproteção junto da ANEPC e o documento comprovativo de vistoria final ao edificado pela Unidade Técnica de Arquitetura e Engenharia do ISS, IP com parecer favorável. 11. Em 05.11.2020, a arguida é notificada, em sede de audiência de interessados da intenção do Centro Distrital indeferir liminarmente o requerimento por falta dos pressupostos procedimentais. 12. Em 13.04.2021 é novamente notificada, em sede de audiência de interessados, da intenção de ser o processo arquivado, 13. Vindo a, então requerente, no exercício do contraditório, a juntar um novo projecto de arquitectura para aprovação pela UTAE, alegando o respeito pela norma técnicas constantes da Portaria n.º 67/2012[1], de 21/03. 14. Em 13.05.2021, é efetuada uma ação de fiscalização à ERPI na gestão da ora arguida. 15. Em 14.09.2021 foi emitida pela UTAE/Setor Técnico da UDS a informação n.º ... UTAE-NATR de acordo com qual o projeto de arquitetura entregue não reúne condições para a emissão de parecer favorável porquanto, não se encontram observadas e reunidas as condições técnicas legalmente estabelecidas para a instalação e funcionamento da resposta social em causa, 16. Designadamente sobre segurança contra riscos de incêndios e sobre higiene e saúde (informação/parecer técnico de 14.09.2021, última pág, in fine,). 17. Por despacho de 01.10.2021, o processo de licenciamento foi extinto por declaração de deserção, 18. Sendo notificada a requerente aos 08.10.2021. 19. Em resposta a pedido de informações, também o setor técnico da Unidade de Desenvolvimento social encaminhou os vários pareceres técnicos que foram emitidos a pedido da arguida para a resposta social de ERPI. 20. Aquando da ação inspetiva, não só o estabelecimento funcionava sem a Licença de Funcionamento emitida por parte da Segurança Social, como funcionava também sem pareceres de outros serviços e outras certificações que sempre atestam as condições de funcionamento e segurança de uma ERPI. 21. Nos presentes autos a arguida não agiu com o cuidado e o dever a que estava obrigada e lhe era exigível em função das circunstâncias do caso em apreço, não tendo observado as regras inerentes ao exercício da atividade social de ERPI, sujeita ao prévio licenciamento e/ou autorização provisória de funcionamento e prosseguiu a referida atividade social ilicitamente, bem sabendo que o seu comportamento é proibido e punido por lei, tendo perfeito conhecimento da ilegalidade do exercício da atividade de apoio social, sem a prévia obtenção da respetiva licença ou autorização provisória de funcionamento - não tendo observado as regras e deveres inerentes ao exercício dessa atividade. * 22. Consta do processo, com data de 5 de novembro de 2020, um documento com a intenção de indeferimento do processo de licenciamento, com a epígrafe “Processo de licenciamento n.º ...20 – Audiência de interessados”, e que foi notificado à impugnante. 23. Tal documento foi novamente comunicado à impugnante a 29 de dezembro de 2020. 24. A 13 de abril de 2021, a recorrente é novamente notificada (a fls. 105), constando dessa notificação que “é intenção deste Centro Distrital não dar seguimento ao mesmo, sendo o requerimento liminarmente indeferido por falta de pressupostos procedimentais”. 25. O procedimento n.º ...20 foi declarado extinto, por deserção, a 1 de outubro de 2021, o que foi notificado à impugnante (fls. 66 a 69). 26. Em 24-01-2022 foi apresentado um requerimento na CMG (Câmara Municipal de Gondomar) para licenciamento do projeto de remodelação na Estrada ..., .... 27. Em 17-02-2022 foi entregue um requerimento na CMG (Câmara Municipal de Gondomar) para junção de mais elementos ao projeto. 28. Em 29-03-2023 existiu receção de parecer técnico favorável emitido pela UTAE (Unidade Técnica de Arquitetura e Engenharia da Segurança Social)/NATRS. 29. Em 10-07-2023 foi apresentado um requerimento na CMG (Câmara Municipalmde Gondomar) para licenciamento de edificação. 30. Em 24-07-2023 a CMG (Câmara Municipal de Gondomar) enviou ofício a requerer mais elementos que inicialmente não tinha solicitado. Em 24-07-2023 existiu submissão do pedido de Parecer a Projeto de SCIE (Segurança contra incêndio em edifícios), o qual apenas foi deferido 14 (catorze) meses depois em 23-09-2024. 31. Em 12-08-2023 Requerimento entregue na CMG (Câmara Municipal de Gondomar) para juntar os documentos requeridos ao processo. 32. Em 02-02-2024 a CMG (Câmara Municipal de Gondomar) envia ofício a requerer alterações no projeto, nomeadamente um acréscimo de dois lugares de estacionamento. 33. Em 15-07-2024 a CMG (Câmara Municipal de Gondomar) envia ofício a requerer a junção de mais peças ao projeto, nomeadamente o projeto de segurança contra incêndios. 34. Em 21-08-2024 a CMG (Câmara Municipal de Gondomar) enviou ofício a requerer a junção de mais peças ao projeto, nomeadamente o parecer favorável da ANPC respeitante ao projeto de segurança contra incêndios 35. Em 29-10-2024 a CMG (Câmara Municipal de Gondomar) enviou ofício a aprovar o projeto de Arquitetura (já aprovado pelo UTAE/NATRS da Segurança Social em 29-03-2023 (18 meses antes). 36. Em 05-03-2025 foi entregue um requerimento na CMG (Câmara Municipal de Gondomar) com todos os projetos de especialidades (13 projetos) que foram requeridos em 29-10-2024.”.
Por sua vez, foram julgados como não provados os seguintes factos: “1. À data da ação inspetiva a Arguida/Impugnante era possuidora, para todos os efeitos legais, de um título válido de abertura e funcionamento do estabelecimento de apoio social. – Facto que foi eliminado, conforme supra se decidiu. 2. Ao longo dos vários anos a mesma sempre foi, com conhecimento da entidade administrativa, pugnando pela concessão da licença definitiva e final, praticando todos os atos necessários a esse fim. 3. A Arguida/Impugnante sempre comunicou tais factos à entidade administrativa conforme resulta da troca de correspondência electrónica entre as partes. 4. A Arguida/Impugnante não descura qualquer das suas obrigações para com os utentes da ERPI. 5. Aliás, várias vezes, familiares dos utentes elogiam a Arguida/Impugnante pelo cuidado que tem na prestação dos serviços e no relacionamento com os utentes.”
Rejeitado que se encontra o recurso que versava sobre a matéria de facto, os factos a considerar, como provados e não provados, são aqueles que foram fixados pelo Tribunal de 1ª instância e que aqui foram reproduzidos, com a exceção do ponto 1 dos factos não provados, que foi eliminado nos moldes supra determinados.
V. Do objeto do recurso
Tal como já enunciado, a questão a decidir no recurso é a de saber se a sentença recorrida fez ou não uma errónea aplicação do direito ao caso sub judice, concretamente se fez ou não uma errada interpretação do estabelecido no DL n.º 37/2020, de 15 de julho. Nas suas conclusões, a recorrente sustenta que esse erro existe, considerando que o art. 9º, n.º 3, DL n.º 37/2020, de 15 de julho, deve ser interpretado no sentido de que basta a submissão do pedido de comunicação prévia instruído com os elementos e documentos a que aludem, respetivamente, os artigos 15º e 16º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, para que se conclua que existe um título válido de abertura e funcionamento do estabelecimento de apoio social. Assim, acrescenta que, após a submissão do seu pedido de comunicação prévia ao abrigo do art. 9º, n.º 3, DL n.º 37/2020, de 15 de julho, a entidade administrativa em momento algum notificou a impugnante da falta de um ou mais documentos/elementos a que aludem os referidos arts. 15º e 16º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, pelo que forçoso será concluir que a impugnante/recorrente era, à data dos factos pelos quais foi condenada, possuidora de um título válido de abertura e funcionamento do estabelecimento de apoio social, licença essa de natureza provisória e que lhe permitiu funcionar legalmente, incluindo na data da ação inspetiva. Reforçando esta sua argumentação, menciona, ainda, que os documentos solicitados à arguida recorrente pela entidade administrativa (Segurança Social), concretamente o documento comprovativo do pedido de aprovação das medidas de autoproteção junto da ANEPC e documento comprovativo da vistoria final ao edificado pela Unidade Técnica de Arquitetura e Engenharia do ISS, IP, com parecer favorável, não constituíam documentos/elementos elencados nos citados arts. 15º e 16º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, e como tal não estava obrigada a juntá-los. Por fim, defende que o Tribunal a quo confundiu conceitos essenciais como são os de licença de atividade e licença de construção, ambos regulados no art. 64/2007, de 14 de março. O Ministério Público junto da Comarca sustenta a manutenção da decisão proferida, defendendo-se que a interpretação de direito aí efetuada é correta, no que é secundado pelo Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal da Relação. Como já vimos, os factos a considerar, como provados e não provados, são aqueles que foram fixados pelo Tribunal de 1ª instância e que foram reproduzidos no ponto IV. deste acórdão, com exceção do ponto 1 dos factos não provados, o qual foi eliminado oficiosamente. Pois bem, cumpre apreciar e decidir. Em processo de contraordenação, foi aplicada pelo Instituto da Segurança Social, IP, Centro Distrital do Porto, à empresa “A..., Unipessoal, Lda.”, a coima única de € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida das custas legais no valor de € 45,00 (quarenta e cinco euros), e ainda a sanção acessória de encerramento do estabelecimento pelo período de 12 meses, em virtude de a arguida explorar um estabelecimento de apoio social, com fins lucrativos, na resposta social de ERPI, sem estar devidamente titulada pela competente licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento, bem sabendo que tal infração é punida por lei e está devidamente regulamentada no nosso ordenamento jurídico, entendendo-se que essa conduta consubstanciava a prática de uma infração muito grave, prevista no n.º1, do art.º11.º, al) a) do art.º 39º B e punida nos termos da al) a) do art.º 39º E, do DL n.º 64/2007, de 14/03, na versão republicada em anexo ao DL nº 33/2014 de 04/03, com a moldura contraordenacional de €20.000,00 (vinte mil euros) a €40.000,00 (quarenta mil euros). Com relevo para a questão a decidir, foi dado como provado na sentença proferida o seguinte (transcrição com utilização de itálico): “(…) 7. Aquando da ação inspetiva, aos 13.05.2021, e entre outras irregularidades, foi constatado que o referido estabelecimento, promovendo uma resposta social de ERPI, se encontrava a funcionar, sem para tal estar titulado por licença ou autorização provisória de funcionamento. 8. Em agosto de 2020 a arguida efetuou requerimento de licenciamento junto dos serviços da Segurança Social. 9. Vindo a ser notificada, em Setembro de 2020, para documentos em falta à devida instrução procedimental do processo n.º 15/2020. 10. Em 22.10.2020, procedeu à entrega da documentação solicitada, mantendo-se em falta o documento comprovativo do pedido de aprovação das medidas de autoproteção junto da ANEPC e o documento comprovativo de vistoria final ao edificado pela Unidade Técnica de Arquitetura e Engenharia do ISS, IP com parecer favorável. 11. Em 05.11.2020, a arguida é notificada, em sede de audiência de interessados da intenção do Centro Distrital indeferir liminarmente o requerimento por falta dos pressupostos procedimentais. 12. Em 13.04.2021 é novamente notificada, em sede de audiência de interessados, da intenção de ser o processo arquivado, 13. Vindo a, então requerente, no exercício do contraditório, a juntar um novo projecto de arquitectura para aprovação pela UTAE, alegando o respeito pela norma técnicas constantes da Portaria n.º 67/2012, de 21/03. 14. Em 13.05.2021, é efetuada uma ação de fiscalização à ERPI na gestão da ora arguida. 15. Em 14.09.2021 foi emitida pela UTAE/Setor Técnico da UDS a informação n.º ... UTAE-NATR de acordo com qual o projeto de arquitetura entregue não reúne condições para a emissão de parecer favorável porquanto, não se encontram observadas e reunidas as condições técnicas legalmente estabelecidas para a instalação e funcionamento da resposta social em causa, 16. Designadamente sobre segurança contra riscos de incêndios e sobre higiene e saúde (informação/parecer técnico de 14.09.2021, última pág, in fine,). 17. Por despacho de 01.10.2021, o processo de licenciamento foi extinto por declaração de deserção, 18. Sendo notificada a requerente aos 08.10.2021. 19. Em resposta a pedido de informações, também o setor técnico da Unidade de Desenvolvimento social encaminhou os vários pareceres técnicos que foram emitidos a pedido da arguida para a resposta social de ERPI. 20. Aquando da ação inspetiva, não só o estabelecimento funcionava sem a Licença de Funcionamento emitida por parte da Segurança Social, como funcionava também sem pareceres de outros serviços e outras certificações que sempre atestam as condições de funcionamento e segurança de uma ERPI. 21. Nos presentes autos a arguida não agiu com o cuidado e o dever a que estava obrigada e lhe era exigível em função das circunstâncias do caso em apreço, não tendo observado as regras inerentes ao exercício da atividade social de ERPI, sujeita ao prévio licenciamento e/ou autorização provisória de funcionamento e prosseguiu a referida atividade social ilicitamente, bem sabendo que o seu comportamento é proibido e punido por lei, tendo perfeito conhecimento da ilegalidade do exercício da atividade de apoio social, sem a prévia obtenção da respetiva licença ou autorização provisória de funcionamento - não tendo observado as regras e deveres inerentes ao exercício dessa atividade. (…)” E, com relevo para a questão que nos ocupa, a mesma sentença deu como não provado o seguinte (transcrição com utilização de itálico): “(…) 1. À data da ação inspetiva a Arguida/Impugnante era possuidora, para todos os efeitos legais, de um título válido de abertura e funcionamento do estabelecimento de apoio social. (…)”. A fixação destes factos, com a eliminação oficiosamente determinada, tem-se por definitiva, posto que este Tribunal apenas pode conhecer de direito como supra já foi explicado. A tese apresentada pela arguida recorrente interliga a questão de direito com a questão de facto, fazendo depender uma da outra, inculcando a aparência de que as mesmas não têm autonomia, não podendo valer uma sem a outra. Na verdade, a recorrente defende que a sua interpretação do direito determina uma alteração da matéria de facto exposta, concretamente determina a não prova dos factos descritos em 7º, 20º e 21º dos factos provados e a prova do descrito em 1º dos factos não provados, agora por nós eliminado oficiosamente, e só essa alteração permitiria concluir pelo não preenchimento dos elementos objetivos da contraordenação pela qual foi condenada e pela procedência do recurso. Porém, entendemos que aquela falta de autonomia é meramente aparente, porquanto a interpretação de direito proposta pela recorrente, concretamente a constatação da existência de título válido de abertura e funcionamento ao abrigo do disposto no art. 9º do DL n.º 37/2020, de 15 de julho, com base no facto de existir um pedido de comunicação prévia, que na sua perspetiva foi devidamente submetido e está devidamente instruído, não é matéria de facto, mas uma conclusão de direito a extrair dos factos dados como provados nos pontos 8 a 10 dos factos provados da sentença, sendo certo que, conforme resulta desses factos provados, a deserção do processo de licenciamento é posterior à ação inspetiva e, como tal, afigura-se-nos ser evidente que não releva para o cometimento da contraordenação em causa. E, em nosso entender, tal conclusão de direito não afrontaria ou colocava em causa a matéria dada como provada no ponto 7, dado que a existência de uma licença e/ou a existência de uma autorização provisória são factos diferentes da existência de uma comunicação prévia com os efeitos jurídicos pretendidos pela recorrente. Assim, é naturalmente possível, sem que haja qualquer contradição, coexistir o facto de inexistir uma licença (aquela que decorre do encerramento favorável de um processo de licenciamento e da sua emissão) e/ou a inexistência de uma autorização provisória de funcionamento (aquela que pressupõe uma decisão expressa de autorização da entidade administrativa ou uma decisão expressa dessa entidade de aceitação de submissão regular do pedido de comunicação prévia validamente instruído e com taxas devidas pagas) com a simples existência de uma comunicação prévia a produzir, em termos jurídicos, os efeitos pretendidos pela recorrente. O art. 9º do DL n.º 37/2020, de 15 de julho (entretanto revogado expressamente pelo DL n.º 66-A/2022, de 30/09), sob a epígrafe “Simplificação do licenciamento dos estabelecimentos de apoio social”, dispõe que: “1 - Até 31 de dezembro de 2020, no processo de licenciamento de funcionamento dos estabelecimentos de apoio social previsto no Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, na sua redação atual, a licença de funcionamento é substituída por mera comunicação prévia. 2 - O requerimento do pedido deve ser instruído com os elementos previstos nos artigos 15.º e 16.º do Decreto-Lei n.º 64/2007, de 14 de março, na sua redação atual, acompanhados de declaração do requerente, assumindo o compromisso de ter entregado todos os elementos solicitados nos termos da lei, bem como de respeitar todas as disposições legais, regulamentares e técnicas relativas à atividade a desenvolver. 3 - O documento comprovativo da regular submissão do pedido, instruído com os elementos e declaração previstos no número anterior, acompanhado pelo comprovativo de pagamento das taxas eventualmente devidas, constitui título válido de abertura e funcionamento para todos os efeitos legais.”. No caso em apreço, é incontroverso que, em agosto de 2020, a arguida efetuou requerimento de licenciamento junto dos serviços da Segurança Social ao abrigo do DL n.º 37/2020, de 15 de julho, tal como é reconhecido nos factos provados e na fundamentação de direito da sentença recorrida (cfr. ponto 8 dos factos provados e página 11 da sentença). Resulta, ainda, dos factos provados que entidade administrativa notificou, em setembro de 2020, a recorrente para proceder à entrega de documentos que entendia estarem em falta, tendo a mesma procedido à junção da documentação solicitada, com exceção do documento comprovativo do pedido de aprovação das medidas de autoproteção junto da ANEPC e o documento comprovativo de vistoria final ao edificado pela Unidade Técnica de Arquitetura e Engenharia do ISS, IP com parecer favorável. Assim, temos que a recorrente fez um pedido de licenciamento para abertura e funcionamento do estabelecimento de apoio social, utilizando o pedido de comunicação prévia ao abrigo do citado diploma, e bem assim instruiu o mesmo com os elementos e documentos solicitados, designadamente os previstos no art. 15º e 16º do DL 64/2007, de 14 de março, sendo certo que os documentos que ficaram em falta, porque não juntos pela recorrente apesar de solicitados pela Segurança Social, não correspondem a nenhum dos exigidos nos citados artigos. Ora, a questão é a de saber se esta realidade é bastante para se concluir que, apesar de, à data dos factos, não ser titular de licença ou autorização provisória de funcionamento, a recorrente tinha um outro título válido de abertura e funcionamento do estabelecimento obtido de forma automática ao abrigo do disposto no art. 9º do mencionado DL 37/2020, de 15 de julho. Tendo por base, apenas, os factos apurados de a recorrente ter apresentado a comunicação prévia e instruído o pedido com os documentos referidos naqueles mencionados artigos. Entendemos que a resposta a esta questão não pode deixar de ser negativa pelas razões que passamos a expor. Nos termos do art. 9º do citado DL 37/2020, o título válido aí previsto, ao contrário do defendido pela recorrente, não se basta com o pedido de comunicação prévia e com a junção dos elementos solicitados ao abrigo do disposto nos citados arts. 15º e 16º do DL 64/2007. Na verdade, resulta do n.º 3 do mencionado normativo que o legislador exigiu expressamente um comprovativo da regular submissão da comunicação prévia, instruída com os elementos exigidos e com o comprovativo do pagamento de taxas (quando aplicável). Apenas este comprovativo constitui título válido de abertura e funcionamento para todos os efeitos legais e apenas a comunicação prévia acompanhada deste comprovativo permite a substituição provisória da licença de funcionamento até ao encerramento do processo de licenciamento, que, sendo favorável, converte aquele título em definitivo ou, sendo desfavorável, faz caducar automaticamente o mesmo. Esse comprovativo terá de ser necessariamente emitido pela entidade administrativa competente, neste caso a Segurança Social. Como se pode ler do preâmbulo do citado DL 27/2020, “O Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 41/2020, de 6 de junho, veio estabelecer as medidas adequadas para o período temporal subsequente ao estado de emergência e à situação de calamidade, declarados a respeito da pandemia da doença COVID-19, que importa corporizar, com vista ao reforço e retoma da economia e de proteção dos cidadãos em situação económica mais vulnerável por força da pandemia.(…)” Assim, é certo que o objetivo do legislador foi simplificar, temporária e transitoriamente, pois que os pedidos só podiam ser apresentados até 31 dezembro de 2020, o procedimento em causa, na sua fase inicial, permitindo o início imediato da atividade antes mesmo da existência de um despacho favorável da entidade administrativa, tudo tendo em vista o reforço e a retoma da economia e a proteção dos cidadãos em situação económica mais vulnerável por força da situação da pandemia. Todavia, também é verdade que o legislador, na prossecução desse seu objetivo, não se bastou com a mera comunicação prévia, tendo colocado na letra da lei a exigência expressa da existência do aludido documento comprovativo, a implicar uma verificação prévia da sua regular submissão pela entidade administrativa, a que podemos chamar de controlo preventivo liminar. Por outro lado, o legislador não prescindiu do controlo, formal e substancial, por parte da entidade administrativa, antes o remeteu para o momento subsequente, permitindo a imediata abertura e funcionamento do estabelecimento de apoio social, após aquele exame preliminar da regularidade de submissão do pedido e a emissão do comprovativo correspondente, sem necessidade de um prévio despacho expresso favorável. E, consequentemente, o legislador, também, não quis que o regime simplificado instituído temporariamente permitisse que a comunicação prévia, ainda que instruída com os elementos e documentos referidos nos citados artigos 15º e 16º do DL 64/2007, produzisse, sem mais, os seus efeitos mesmo que a situação de facto do requerente contrariasse normas legais imperativas. Tal significa que, mesmo no caso da emissão do referido documento comprovativo pela entidade competente, verificando-se posteriormente alguma incompatibilidade legal, a entidade administrativa podia e devia usar dos instrumentos legais para fazer cessar de facto os efeitos decorrentes daquele título, antes mesmo do encerramento do processo de licenciamento de abertura e funcionamento. E, por maioria de razão, a entidade administrativa podia, na fase do controle prévio, obstar à emissão do referido documento comprovativo, exigindo outros documentos diferentes dos mencionados nos já citados normativos e que, na sua perspetiva, se mostrassem necessários a dissipar qualquer dúvida sobre eventuais incompatibilidades legais. Pois que nada impedia que a entidade administrativa, ao invés de emitir o referido documento comprovativo, viesse a proferir despacho a indeferir o pedido de comunicação prévia. De resto, havendo a referida incompatibilidade legal e tendo sido emitido um documento comprovativo de regular submissão do pedido de comunicação prévia, sempre o mesmo seria nulo e, como tal, não seria sequer suscetível de produzir quaisquer efeitos jurídicos, nos termos do art, 162º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo. Ora, seria até contrário à boa fé uma atuação da administração que, tendo dúvidas sobre alguma eventual incompatibilidade legal logo naquela fase inicial, se limitasse a um mero controlo preventivo liminar por referência aos documentos requisitados pelos citados arts. 15º e 16º, emitindo o documento comprovativo da regular submissão do pedido de comunicação prévia, permitindo a abertura e funcionamento do estabelecimento para, logo a seguir, tomar medidas no sentido de retirar esse título e encerrar o estabelecimento. Para além de que uma atuação deste género em nada serviria o objetivo pretendido pelo legislador ao instituir a legislação temporária em análise. E, discordando o requerente dessa atuação da administração, sempre o mesmo podia sindicar a mesma através dos instrumentos administrativos legais, sob pena de, não o fazendo ou fazendo-o sem sucesso, não estar legalmente habilitado a abrir o estabelecimento de apoio social e/ou a continuar o seu funcionamento. Em abono do entendimento por nós defendido, e porque, apesar de ser uma situação diversa, a mesma refere-se a um ato de comunicação prévia, sendo, portanto, uma situação equiparável, importa ter presente o sumário do acórdão do TCAS, de 9/07/2015, Relatora Catarina Jarmela, in www.dgsi.pt: “I - A comunicação prévia é o procedimento que se inicia com a comunicação da pretensão privada, através da qual a Administração fica constituída num dever de actuar (de proceder) e, em particular, no dever de desenvolver uma tarefa de controlo preventivo, de modo a, se for o caso, impedir ou vetar o início da actividade comunicada. II – Na comunicação prévia só existe dever de decisão (ou de pronúncia) caso a pretensão privada seja contrária à lei – ou seja, se a decisão for no sentido da rejeição da comunicação -, pois nesse procedimento administrativo não está prevista a emissão de uma decisão administrativa favorável, isto é, tal procedimento conclui-se com o esgotamento de um prazo (em regra de 20 dias, a contar da apresentação da comunicação e demais elementos que a devem acompanhar) e, deliberadamente, sem a exigência de tomada de uma decisão administrativa (expressa) favorável, pois a ausência de decisão dentro do prazo equivale por determinação legal (RJUE, na redacção anterior ao DL 136/2014, de 9/9) ao acto (administrativo) de admissão. III - Tal acto de admissão é titulado pelo recibo da apresentação da comunicação prévia acompanhado da informação (disponibilizada no sistema informático) de que a comunicação prévia não foi rejeitada ou de certidão (no caso de inexistência ou inoperacionalidade do sistema informático) de que a comunicação prévia não foi rejeitada, e, caso tal informação não seja prestada ou tal certidão não seja emitida, poderá o interessado solicitar a intimação da Administração à prestação ou à emissão da mesma, nos termos dos arts. 104º e ss., do CPTA, de acordo com o processo urgente de intimação para a prestação de informações, consulta de documentos ou passagem de certidões.” Já Fernanda Paula Oliveira refere, in Os Licenciamentos Urbanísticos – Uma Breve Visão Sobre o Direito Português, U.S.P., 2020, disponível na internet, a propósito de um regime jurídico diferente do aqui em causa, mas onde também se prevê a figura da comunicação prévia, refere que nos termos do n.º 2 do art. 34º, o interessado comunica à câmara municipal que vai realizar a obra, instruindo-a com todos estes elementos necessários para a identificação da operação e a sua localização: todos os projetos (de arquitetura e de especialidade, estes acompanhados das certificações, aprovações e certificações legalmente exigidos ou termo de responsabilidade de que serão obtidas) e demais elementos regulamentarmente exigidos. “Segue-se uma fase de saneamento administrativo, para verificar se todos esses elementos estão no processo (e que são imprescindíveis para que o controlo sucessivo que a Administração terá de efetuar), findo o qual o interessado pode pagar as taxas (por autoliquidação) e iniciar a obra.” “O dever de apreciação do cumprimento das normas legais ou regulamentares em vigor continua a existir, apenas o particular não tem de esperar por aquela apreciação (e decisão) para iniciar e executar a operação, ou seja, não necessita para o efeito de “quaisquer atos permissivos”. “A comunicação prévia corresponde verdadeiramente, a uma isenção de controlo prévio (cfr. n.º 3 do artigo 58.º da Lei de Bases de 2014), remetendo, por isso, as referidas operações para um controlo sucessivo.” “Nos casos em que, da apreciação feita, a Administração conclua que a pretensão apresenta desconformidades com as normas legais ou regulamentares aplicáveis ou não foi precedida das consultas obrigatórias ou está em desconformidade com pronúncias vinculativas, a lei determina que a câmara municipal reaja, impedindo a execução daquela pretensão “em sede de fiscalização sucessiva”. “(…) Não está a entidade administrativa impedida (está até obrigada a fazê-lo por força dos princípios da cooperação e da boa-fé procedimental previstos no artigo 60.º do CPA) de apreciar o projeto – informalmente claro no sentido de que não há uma fase própria para que tal aconteça como existe no licenciamento, assim que ele lhe é apresentado através da comunicação prévia e de informar de imediato os interessados dessas desconformidades bem como das consequências que daí advirão, caso tais desconformidades não sejam entretanto corrigidas: o desencadeamento das medidas previstas no n.º 8 do artigo 35.º (a mais adequada a impedir que a obra seja levada a cabo é o seu embargo imediato).” “(…) Assim, e em suma, sendo apresentada uma comunicação prévia à Administração – a qual permite que o interessado realize imediatamente a operação urbanística sem dependência de quaisquer atos permissivos municipais, desde que tenha pago as taxas, deve ser feita, de imediato, pelos serviços municipais, uma apreciação técnica do projeto e, detectadas desconformidades com as normas legais e regulamentares, devem também de imediato ser desencadeadas todas as medidas necessárias para evitar que a operação se concretize (execute), sem prejuízo de, de forma preventiva e antecipada, se informar o interessado dessas desconformidades bem como do desencadeamento das medidas de reposição da legalidade adequadas a impedir a execução da operação, caso ele as não corrija entretanto.” Concluindo, na nossa opinião e com todo o respeito pela posição defendida pela recorrente, tem de haver um “título de comunicação prévia” emitido pela Segurança Social e só este permite a abertura e funcionamento do estabelecimento social, sendo esta a interpretação que corresponde quer à letra quer ao espírito do art. 9º do DL 37/2020, de 15 de julho (cfr. art. 236º do CC). De tudo quanto se expôs e da própria sentença recorrida não decorre qualquer confusão entre licença de atividade e licença de construção. Aplicando as considerações expostas ao caso em apreço, temos que, tal como resulta do facto provado descrito 7º dos factos provados da sentença recorrida, para além de não existir licença, também não existia nenhuma autorização de funcionamento, ou seja, não existia despacho administrativo prévio de autorização nem documento comprovativo da regular submissão do pedido de comunicação prévia, com as demais certificações necessárias, emitido pela Segurança Social. E dos restantes factos dados como provados resulta que esse documento não existia, porque, já na fase inicial do controlo prévio, a Segurança Social obstou à sua emissão, tendo antes notificado a recorrente para juntar documentação, tendo ficado em falta a junção da documentação referida em 10 dos factos provados da sentença recorrida, tendo vindo, posteriormente, a requerente a juntar um novo projeto de arquitetura para aprovação pela UTAE, alegando o respeito pelas normas técnicas constantes da Portaria n.º 67/2012, de 21/03 (cfr. ponto 13 dos factos provados). Essa declaração de conformidade apresentada pela requerente, que também já devia constar do requerimento de comunicação prévia, nos termos do art. 9º, n.º 2, do DL n.º 37/2020, de 15 de julho, no qual se refere “acompanhados de declaração do requerente, assumindo o compromisso de ter entregado todos os elementos solicitados nos termos da lei, bem como de respeitar todas as disposições legais, regulamentares e técnicas relativas à atividade a desenvolver’”, não era correta conforme, posteriormente, se veio a averiguar (cfr. ponto 15 dos factos provados). Tal constatação corrobora a atitude cautelosa da Segurança Social ao não ter emitido o referido documento comprovativo da regular submissão do pedido de comunicação prévia, com as demais certificações necessárias, não habilitando, assim, a recorrente a iniciar e/ou a continuar com o funcionamento do seu estabelecimento, pois que, se o tivesse feito, estava a emitir um título contrário a normas imperativas e, como tal, nulo e sem possibilidade de produzir quaisquer efeitos jurídicos. Conclui-se, assim, que a apurada conduta da arguida recorrente consubstancia a prática de uma infração muito grave, prevista no n.º1, do art.11.º, al) a) do art. 39º B e punida nos termos da al) a) do art. 39º E, do DL n.º 64/2007, de 14/03, na versão republicada em anexo ao DL nº 33/2014 de 04/03, dado que a mesma não tinha qualquer título válido de abertura e funcionamento do estabelecimento de apoio social. Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, por desnecessárias, julga-se totalmente improcedente o recurso interposto, mantendo-se, com base em fundamentos jurídicos não inteiramente coincidentes, a sentença recorrida. ***
VI. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em: Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal (artigos 59º da L n.º 107/09, de 14 de setembro, e 513.º, nº 1, do CPP, ex vi art. 60º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro). * Notifique e registe. *
Datado e assinado digitalmente. Luísa Ferreira (Relatora) Eugénia Pedro (1ª Adjunta) Alexandra Lage (2ª Adjunta)
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