Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA DA LUZ SEABRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA CUMPRIMENTO DEFEITUOSO ÓNUS DA PROVA ELIMINAÇÃO DOS DEFEITOS | ||
Nº do Documento: | RP20240618102416/21.3YIPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 06/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Sumário: | I - Invocado o cumprimento defeituoso do contrato de empreitada incumbirá ao dono da obra a prova da existência de defeito e da sua gravidade. II - O dono da obra deve começar por exigir que o defeito seja eliminado pelo próprio empreiteiro e, deve seguir a ordem estabelecida nos arts. 1221º a 1223º do CC, havendo uma espécie de sequência lógica, não sendo admissível que o dono da obra proceda à reparação do defeito sem dar a oportunidade ao empreiteiro de primeiro proceder à eliminação do defeito, pelo que só pode exercer o direito de compensação pelo custo dos trabalhos de eliminação do defeito realizados por terceiro por ele contratado, caso o empreiteiro se recuse a reparar ou não o faça em prazo razoável. | ||
Reclamações: | |||
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 102416/21.3YIPRT.P1- APELAÇÃO ** Sumário (elaborado pela Relatora):……………………………… ……………………………… ……………………………… ** I. RELATÓRIO:
1. A..., Lda intentou procedimento de Injunção contra B...- Desentupimento e Limpeza de Fossas peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €13.340,50, acrescida de €552,63 a título de juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a data de vencimento das facturas e outras quantias de €400,00 e taxa de justiça de €102,00, tendo alegado em síntese que no exercício da sua actividade comercial prestou à Ré a execução de um Revestimento Microbetonilha Autoalisante à base de poliuretano/cimento tipo “Mapefloor CPU/MF Antiderrapante conforme proposta apresentada em 19.02.2020, cujos serviços importaram no valor total de €23.110,50, tendo a Ré pago apenas o adiantamento no valor de €9.770,00, apesar de os trabalhos terem ficado concluídos em 5.03.2021, tendo ainda devolvido a factura respeitante ao remanescente em dívida. 2. A Ré deduziu oposição, impugnando os factos alegados pela Autora, alegando a excepção de não cumprimento do contrato de empreitada, pela existência de defeitos na execução dos trabalhos, sem que a Autora se tenha prestado a eliminar os defeitos apesar de solicitado, tendo-se visto na necessidade de contratar outra empresa de modo a conseguir ver os trabalhos realizados com o sucesso que esperava obter da Autora, a quem pagou a importância de €6.277,50, pretendendo exercer o direito de compensação daquele valor bem como do valor das despesas que suportou com o arrendamento de um terreno vizinho para aparcamento das viaturas e para o segurança na importância de €3.750,00.
3. A Autora respondeu à matéria da compensação suscitada na contestação, sustentando que a mesma só pode ser exercida através de reconvenção que não é admissível neste tipo de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias reguladas pelo DL nº 269/98 de 1.09.
4. Foi proferido despacho a admitir a invocação da excepção da compensação neste tipo de ação. CONCLUSÕES I. No dia 28 de outubro de 2021, foi intentado requerimento de injunção pela Recorrida contra a Recorrente, peticionando a sua condenação na quantia total de € 14.395,13 (catorze mil trezentos e noventa e cinco euros e treze cêntimos).II. Veio, assim, a Recorrida exigir, além do mais, o pagamento da quantia de € 13.340,50 (treze mil trezentos e quarenta euros e cinquenta cêntimos) acrescida de juros de mora devidos pela prestação à Recorrente de um serviço de revestimento Microbetonilha Autoalisante à base de poliuretano/cimento tipo “Mapefoor CPU/MF Antiderrapante”, III. Notificada para apresentar oposição à injunção, a Recorrente, em suma, alegou que o pavimento colocado pela Recorrida apresentava defeitos, tendo sido necessária a contratação de outra empresa, C..., para correção dos trabalhos executados pela Recorrida. IV. A final a Recorrente pugnou pela sua absolvição e peticionou, ainda, a condenação da Recorrida no pagamento, a título de compensação pelos gastos despendidos com a empresa C..., a quantia de € 6.277,50 acrescida da quantia de € 3.750, pelo aluguer de terreno para aparcamento das viaturas e respectiva protecção. V. Prosseguidos os ulteriores termos do processo, o Tribunal a quo proferiu sentença, em 4 de janeiro de 2023, nos termos da qual “Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por provada, e em consequência: I - Condeno a Requerida a pagar à Requerente a quantia global de € 13.933,13 (treze mil, novecentos e trinta e três euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora contados após a data da entrada do requerimento de injunção (29-10-2021), sobre o capital em dívida de € 13.340,50, calculados às taxas dos juros comerciais vigentes ao longo de cada semestre até efectivo e integral pagamento. b) Absolvo a Requerida do demais peticionado.” [negrito, itálico e sublinhado nossos] e com a qual a Recorrente, com o devido respeito, não se conforma. VI. Elencados os factos provados pelo Meritíssimo Juiz a quo, ficou provado no ponto 13 da sentença que “A Requerida contratou a empresa “C... LDA.”, tendo liquidado a quantia de €6.277,50 (seis mil duzentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos) pela pintura do pavimento”. VII. A Recorrente discorda com este entendimento, tendo em conta que a contratação da sociedade C... teve por base a correção dos trabalhos defeituosos e inacabados prestados pela Recorrida, baseando-se no depoimento simples, genuíno e honesto prestado pela testemunha AA, testemunha sem qualquer ligação às partes em litígio. VIII. Efetivamente, a testemunha AA aplicou material antiderrapante e selagem e não meramente uma pintura, esclarecendo que o produto não tinha sido bem aplicado pela Recorrida e que aplicou duas camadas do produto ..., tal como demonstra o seu depoimento. IX. Por outro lado, a testemunha arrolada pela Recorrida, BB, utiliza o mesmo vocábulo (“pintura”) usado pela testemunha da Recorrente, AA, por conseguinte, não pode o Tribunal a quo, fundamentando a decisão da causa, desconsiderar o depoimento de uma testemunha por ter menos rigor terminológico que outra testemunha que usa terminologia mais técnica, logo mais perceptível ao entendimento puramente literal. X. Aliado a este facto, a empresa C... e a empresa Recorrida prestam os mesmos trabalhos, partilhando o mesmo objeto comercial (CAE 43330 – Revestimento de pavimentos e paredes em todos os materiais), tal como referido no depoimento prestado por BB. XI. De outro modo, a defesa da Recorrida contradiz-se, pois, em primeiro lugar, defende que o problema da Recorrente se focava na estética do pavimento e, posteriormente, a testemunha BB, arrolada pela Recorrida, afirma que o problema da Recorrente incidia sobre o facto de o pavimento e a selagem possuírem cores e texturas diferentes. XII. Sucede que é por demais evidente que os motivos que levaram ao descontentamento da recorrente vão muito além da estética, mais concretamente do facto de os serviços não terem sido prestados corretamente pela Recorrida, isto é, não só o pavimento ter sido colocado de forma defeituosa como todas as consequências prejudiciais e onerosas daí decorrentes. XIII. Assim, conforme o disposto nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, impunha-se decisão diversa daquela dada como provada no ponto 13, devendo ter sido dado antes como provado que a ““A Requerida contratou a empresa “C... LDA.”, tendo liquidado a quantia de €6.277,50 (seis mil duzentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos) pela pintura do pavimento, sendo tal equivalente ao mesmo trabalho que a Requerente prestou na segunda fase da prestação de serviços””. XIV. Ora, elencados os factos não provados na sentença a quo, foi considerado como não provado no ponto b) que “Nunca a Requerente alertou a Requerida de que o serviço poderia ser realizado com um produto substancialmente diferente do das amostras que traziam na data não concretamente apurada, mas anterior a 19 de Fevereiro de 2021, em que reuniu com o Sócio-Gerente da Requerida”. XV. Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, a Recorrente considera este facto incorretamente julgado, sendo que deveria ser dado como provado que “a Recorrida nunca alertou a Recorrente de que o serviço poderia ser realizado com produto substancialmente diferente, ficando o Representante Legal da Recorrente com a ideia de que o produto a ser aplicado em tudo seria semelhante às amostras que lhe tinham sido exibidas”. XVI. Assim, a Recorrida nunca usou os produtos e marcas que tinham sido abordados assim como o Representante Legal da Recorrente nunca foi esclarecido nem informado sobre utilização de produtos substancialmente diferentes, pois, nesse caso, a Recorrente teria optado pela contratação de outra empresa. XVII. Foi considerado como não provado no ponto c) dos factos não provados que “Essencial na decisão de contratar com a Requerente foi a qualidade e aparência do produto que constava das amostras que lhe foram exibidas em reunião presencial anteriormente havidas nas instalações da Requerida”, considerando a Recorrente, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, alínea a) do CPC que este facto foi incorretamente julgado. XVIII. A essencialidade de a Recorrente contratar os serviços da Recorrida baseou-se na qualidade, resistência e aparência do produto a ser aplicado, sendo as amostras o único meio à disposição da Recorrente e o que a levou a decidir contratar os serviços da Recorrida em detrimento de outros serviços. XIX. Aliás, tal é evidente pela leitura do documento n.º 24 (e-mail datado de 08 de março de 2021), onde se lê que “este mostrou-se desanimando, uma vez que o resultado final estava longe de ser o contratado e acordado. Ressalvamos que as amostras vistas aquando da 1.ª reunião foram determinantes para a adjudicação dos trabalhos” e pelas declarações do Representante Legal da Recorrente. XX. Assim, a Recorrente considera que quanto a este ponto dos factos não provados devia ter sido dado como provado que a qualidade a aparência do produto das amostras exibidas em reunião prévia foi essencial na decisão de contratar com a Recorrida, concretamente, a amostra ..., amostra essa escolhida pelo Representante Legal da Recorrente por apresentar características de rugosidade e de brilho diferentes do produto que foi aplicado nas instalações da Recorrente. XXI. Por outro lado, foi considerado como facto não provado no ponto d) da sentença a quo que “o pavimento, quando foi dada por concluída a obra pela Requerente, apresentava defeitos, aparentando estar inacabado, isto é, não estava homogéneo, não tinha o anunciado e contratado brilho.”, pelo que a Recorrente considera este ponto corretamente injulgado, pois a prova documental junta aos autos evidencia o pavimento manchado, sem uniformidade e sem brilho, algo que provocou prejuízos à Recorrente. XXII. Ademais, contrapondo os testemunhos prestados por BB e por AA, facilmente se percebe que as fotografias do pavimento juntas aos autos dizem respeito aos trabalhos finais e não aos trabalhos intermédios, servindo o depoimento prestado pela primeira testemunha apenas como tentativa de justificação da existência de várias manchas no pavimento assim como a falta de brilho e uniformidade. XXIII. Do mesmo modo, o depoimento prestado pela testemunha da Recorrida, CC não foi objetivo nem claro, pois hesitou em responder a todas as questões concretas feitas sobre o acabamento do pavimento, mormente, sobre o seu brilho e uniformidade. XXIV. Este depoimento traduziu-se na incompreensão pela Recorrente quanto à motivação da sentença a quo na parte em que se refere “concluiu que o trabalho estava correctamente executado, contrariando a intenção da Ré, afirmando que o produto se encontrava devidamente aplicado e de forma uniforme”, pois quanto ao acabamento o seu depoimento foi omisso. XXV. Assim, a Recorrente considera que o Tribunal a quo deveria ter dado como facto provado que quando a obra foi concluída pela Requerente, o pavimento encontrava-se com defeitos, tendo havido cumprimento defeituoso pela Requerente, pois é evidente que o pavimento não estava homogéneo nem tinha o anunciado e contratado brilho. XXVI. Sucede que a Recorrente considera que, quanto à questão da estética do pavimento, o Tribunal a quo não devia ter valorizado o depoimento satírico e irónico da testemunha CC, desprovido de objetividade e cuja fundamentação técnica se baseia em suposições. XXVII. Ora, foi considerado como não provado no ponto l) dos factos não provados que “o pavimento não estava homogéneo, não tinha qualquer brilho em quase toda a sua extensão onde foi aplicado (com excepção da zona junto aos WC situados no fundo do armazém)”. XXVIII. No entanto, das fotografias juntas aos autos e do documento n.º 37 (e-mail datado de 18 de março de 2021) extrai-se que “Como referido e apalavrado, o revestimento do pavimento tem de ficar homogéneo, com brilho, impermeável, ou seja, e em suma, com a mesma textura e características do que vocês fizeram junto ao WC vermelho (parte de trás do armazém), conforme ontem tivemos oportunidade de verificar”, pelo que, devia ter sido dado como provado que o pavimento não se encontrava homogéneo, não tinha brilho, não estava impermeável, à exceção da zona junto ao WC vermelho que se encontrava com as características e textura que a Recorrente assim pretendia. XXIX. A sentença a quo deu como facto não provado no ponto m) o seguinte: “Em face das negociações havidas por telefone, a Requerente atendeu à reclamação apresentada pela Requerida e assumiu o encargo de aplicar uma nova camada de revestimento, de modo a reparar os defeitos detectados e para ficar o mais possível conforme o acordado.” XXX. No entanto, pela leitura dos documentos n.º 24 (“Aproveitamos também este e-mail para agradecer toda a vossa prontidão, que após o contacto telefónico do Sr. DD no passado sábado dia 06/03, se deslocaram às nossas instalações no dia de hoje para verificarem presencialmente o estado do pavimento e facilmente detetaram que não estava dentro dos padrões”) e n.º 37 (“somos a comunicar que aceitamos que corrijam o revestimento do pavimento e as tampas.” e ainda “Temos presente a conversa entre o Sr. DD e o Sr. EE na qual foi assumido que corrigiriam o pavimento de forma a ficar o mais possível igual ao pavimento que ficou bem (na parte de trás junto ao WC)” assim como do depoimento prestado pelo Legal Representante da Recorrente, evidentemente, existiram conversas entre os Representantes Legais de ambas as empresas no sentido de os trabalhos não terem sido executados de forma correta e que seriam corrigidos os defeitos. XXXI. Devia ter sido, logicamente, considerado como facto provado que, em face das negociações havidas por telefone, a Recorrida atendeu à reclamação apresentada pela Recorrente, tendo assumido que o pavimento não esteve dentro dos padrões acordados e que se comprometeram a reparar os defeitos detetados. XXXII. De seguida, foi dado como não provado o facto constante do ponto o), segundo o qual “A Requerente deixou o pavimento exterior ao armazém onde realizou a obra manchado e pintado porque resolveram ali fazer as misturas dos produtos para o revestimento do pavimento do armazém”, quando, através do documento n.º 36 (fotografias) é evidente a existência de manchas brancas no chão granítico resultantes da mistura de produtos levado a cabo pela Recorrida. XXXIII. Assim, deveria ter sido dado como provado que a Requerente deixou o pavimento exterior ao armazém onde realizou a obra manchado e pintado, tendo em conta que as misturas dos produtos para o revestimento do pavimento do armazém foram feitas no pavimento granítico junto ao canto direito das instalações da Recorrente. XXXIV. Por último, considerou-se como facto não provado no ponto p) o seguinte: “Foi com base no aspeto final da obra que a B... tomou a decisão de contratar com a Requerente”, motivando a sua fundamentação “não se podendo concluir que a decisão de contratar a “C...” estivesse exclusivamente relacionada com o aspecto final da obra executada pela Requerida, razão pela qual se dá como não provada a matéria elencada sob a alínea p)”. XXXV. Efetivamente, a Recorrente contratou com a Recorrida baseando-se no aspeto das amostras apresentadas, pelo que, existe um nexo de causalidade entre o cumprimento defeituoso da prestação de serviços efetuada pela Recorrida e a contratação pela Recorrente da C..., pois, esta foi contratada para corrigir os trabalhos executados pela Recorrida, tendo o funcionário da C..., AA, ficado ciente do descontentamento do Representante Legal da Recorrente com a situação. XXXVI. Devia ter sido dado como provado que a Recorrente contratou a C... devido ao aspeto final da obra concluída pela Recorrida que em nada correspondia àquilo para o qual tinha sido contratada, sob a motivação de que era nitidamente percetível que a quantia despendida com a C... é devida pela Recorrida, a título de compensação de créditos. XXXVII. Requer-se, a final, que todos os pontos da decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância sejam julgados como a Recorrente alega ao longo das alegações de Recurso, pedindo-se, assim, a sua absolvição do pedido. Concluiu, pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso e, consequentemente, revogada a decisão recorrida, sendo substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido formulado nos autos. 7. Não foram apresentadas contra-alegações. 8. Foram observados os vistos legais. * II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC. Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1] * As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:1ª Questão- Se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto; 2ª Questão- Se há lugar à compensação de créditos em virtude do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada; 3ª Questão- Se pode ser invocada a excepção de não cumprimento do contrato. ** III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1. A Requerente tem por escopo actividades de revestimento e paredes em todos os materiais, pinturas interiores e exteriores, montagem de trabalhos de carpintaria e caixilharia e todo o tipo de actividades de acabamento em edifícios; comercialização de materiais de construção; prestação de serviços de decoração e todo o género de trabalhos em pisos e paredes. 2. No exercício da sua actividade comercial, a Requerente prestou à Requerida a execução de um Revestimento Microbetonilha Autoalisante à base de poliuretano/cimento tipo “Mapefoor CPU/MF Antiderrapante de acordo com a proposta da Requerente com a refªF134.02/2021, na cor a definir numa espessura de 4mm, para uma área de 700,00m2 (sujeita a medição, numa só intervenção), no armazém onde a Requerida guarda a frota e maquinaria da empresa. 3. O valor total dos serviços a executar importavam na quantia de € 23.110,50 (vinte e três mil cento e dez euros e cinquenta cêntimos), 4. A Requerida entregou a 22-02-2021 à Requerente, a título de adiantamento referente ao orçamento nº ..., o montante de € 9 770,00 (nove mil setecentos e setenta euros) correspondente a 40% do orçamento. 5. Os trabalhos foram dados como concluídos no dia 23/03/2021. 6. A Requerente a 27 de Março de 2021 enviou à requerida o auto de medição para ser aprovado, no prazo de 5 dias, dando conta da finalização dos trabalhos efectuados, e do valor a facturar: € 23.110,50 (vinte e três mil cento e dez euros e cinquenta cêntimos). 7. A Autora enviou à Ré a factura que foi emitida de acordo com o respectivo auto de medição enviado à Requerida. 8. Devendo o seu pagamento ter sido imediato, ou seja, em 26.03.2021 o que não aconteceu. 9. A Requerida recebeu a factura correspondente aos serviços efectuados e devolveu-a juntamente com uma nota de crédito. 10. Os trabalhos foram executados, de acordo com o orçamento apresentado e aprovado. 11. As amostras que a Requerente inicialmente exibiu à Requerida eram de um produto de fabricante “...”. 12. A Requerente utilizou produtos da marca “...” 13. A Requerida contratou a empresa “C... LDA.”, tendo liquidado a quantia de €6.277,50 (seis mil duzentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos) pela pintura do pavimento. 14. A C... utilizou produto de revestimento da marca .... 2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos: a) - Com todas as diligências efetuadas para a cobrança da dívida, bem como os custos (honorários) inerentes a Advogado, a Requerente despendeu a quantia de € 400,00. b) – Nunca a Requerente alertou a Requerida de que o serviço poderia ser realizado com um produto substancialmente diferente do das amostras que traziam na data não concretamente apurada, mas anterior a 19 de Fevereiro de 2021, em que reuniu com o Sócio-Gerente da Requerida. c) - Essencial na decisão de contratar com a Requerente foi a qualidade e aparência do produto que constava das amostras que lhe foram exibidas em reunião presencial anteriormente havida nas instalações da Requerida. d) – O pavimento, quando foi dada por concluída a obra pela Requerente, apresentava defeitos, aparentando estar inacabado, isto é, não estava homogéneo, não tinha o anunciado e contratado brilho. f) - Nem tinha, ao contrário do que tinha sido asseverado, a espessura de 4mm em toda a sua extensão. g) – O responsável da Requerente assumiu, numa das chamadas telefónicas realizadas após a referida visita, que o aspecto “final” não estava nada parecido com as amostras que tinha exibido inicialmente e que seria muito difícil que ficasse igual mesmo depois de corrigido pois as amostras que tinha apresentado eram de outra marca (...). h) - O revestimento, dado como finalizado pela Requerida, apresentava manchas, marcas de incorrecta distribuição e aplanamento do produto e muita heterogeneidade na distribuição das areias silicosas. i) - Segundo o acordado, o revestimento deveria ficar com uma espessura mínima de 4mm na sua totalidade, tendo sido detectados locais em que se verificou a existência de apenas 2 mm de espessura. j) - O pavimento nos termos do contratado tinha acabamento brilhante. l) – O pavimento não estava homogéneo, não tinha qualquer brilho em quase toda a extensão onde foi aplicado (com excepção da zona junto aos WC situados no fundo do armazém). m) - Em face das negociações havidas por telefone, a Requerente atendeu à reclamação apresentada pela Requerida e assumiu o encargo de aplicar uma nova camada de revestimento, de modo a reparar os defeitos detectados e para ficar o mais possível conforme o acordado. n) - A Requerente não colocou o pavimento homogéneo, nem uniforme, em termos de rugosidade e brilho. o) - A Requerente deixou o pavimento exterior ao armazém onde realizou a obra manchado e pintado porque resolveram ali fazer as misturas dos produtos para o revestimento do pavimento do armazém. p) –Foi com base no aspeto final da obra que a B... tomou a decisão de contratar com a Requerente. ** IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.1ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus: Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento; Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa; Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[2] São as conclusões das alegações de recurso que estabelecem os limites do objecto da apelação e, consequentemente, do poder de cognição do Tribunal de 2ª instância, de modo que, na impugnação da matéria de facto devem constar das conclusões de recurso necessariamente os concretos pontos de facto impugnados, enquanto que a decisão alternativa que o recorrente propõe para cada um dos factos impugnados (AUJ nº 12/2023 de 14.11), bem como a análise pormenorizada dos concretos meios probatórios pode constar apenas do corpo das alegações ou motivação propriamente dita, tal como as concretas passagens das gravações ou transcrições dos depoimentos de que o recorrente se socorra. Analisadas as conclusões deste recurso concluímos que tais ónus de impugnação da decisão da matéria de facto foram minimamente cumpridos pela Apelante, uma vez que constam das respectivas conclusões de recurso os concretos pontos de facto impugnados e a decisão alternativa pretendida, tendo sido feita menção aos meios de prova que, no entender da Apelante, impunham decisão diversa da proferida de forma mais concretizada no corpo das alegações. Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Por conseguinte, não basta para a procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que tenha sido produzido um qualquer meio de prova sobre o facto impugnado, é preciso que os concretos meios probatórios invocados pela Apelante imponham decisão diversa da que foi tomada pelo tribunal a quo. No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção, reapreciando a fundamentação vertida na sentença recorrida em função da prova produzida e à luz das regras de experiência ou de prova vinculada. Sob as Conclusões VI a XXXVI a Apelante impugnou a seguinte matéria de facto: i. Facto provado 13- pretende que lhe seja dada outra redação; ii. Factos não provados sob as alíneas b), c), d), l), m), o) e p)- pretende que transitem para os factos provados ainda que com diferente redação. Analisemos cada um dos referidos pontos de facto impugnados, à luz dos meios de prova de que a Apelante se socorreu, confrontando-os com a motivação vertida na decisão recorrida a propósito da referida matéria, depois de se ter procedido à audição integral da gravação dos depoimentos testemunhais e das declarações de parte prestadas pelo representante legal da Apelante, articulados com a documentação junta aos autos, designadamente as fotografias juntas com a oposição, juntas novamente com numeração por requerimento de 19.09.2022, Ref Citius 13479120. i. Facto provado 13 Tal facto impugnado tem a seguinte redação: “13. A Requerida contratou a empresa “C... LDA.”, tendo liquidado a quantia de €6.277,50 (seis mil duzentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos) pela pintura do pavimento.“ Pretende a Apelante que se altere a redação deste ponto de facto, passando a provado que “A Requerida contratou a empresa “C... LDA.”, tendo liquidado a quantia de €6.277,50 (seis mil duzentos e setenta e sete euros e cinquenta cêntimos) pela pintura do pavimento, sendo tal equivalente ao mesmo trabalho que a Requerente prestou na segunda fase da prestação de serviços.” Sustentou esta alteração no depoimento da testemunha AA, que segundo a Apelante terá afirmado que aplicou material antiderrapante e selagem e não meramente uma pintura, esclarecendo que o produto não tinha sido bem aplicado pela Apelada e que aplicou duas camadas do produto ... e que o vocábulo “pintura” também foi utilizado pela testemunha BB, aliado ao facto de a empresa C... e a Apelada prestarem os mesmos trabalhos e que a contratação da sociedade C... teve por base a correção dos trabalhos defeituosos e inacabados prestados pela Apelada. Estes meios de prova invocados pela Apelante foram tomados em consideração pelo tribunal a quo na apreciação crítica da prova produzida, só não foram valorados como a Apelante os valorou, pois que o foram pelo tribunal conjugadamente com os demais meios de prova, revelando a impugnação mero inconformismo da parte da Apelante com a valoração da prova, sendo que aqueles meios probatórios não impõem decisão diferente da proferida na sentença recorrida, como passaremos a apreciar. Que a Apelante contratou a empresa C..., a qual se dedica à execução do mesmo tipo de trabalhos a que se dedica a Apelada e que o fez por se mostrar descontente com a aparência final do revestimento do pavimento que havia contratado com a Apelada e que esta aplicou, são factos indiscutíveis, que nem as partes, nem o tribunal a quo pôs em causa. Que a factura apresentada pela C... à Apelante refere ter sido feita “pintura de pavimento”, tal como consta do ponto impugnado também é incontroverso, tendo-se o tribunal limitado a verter nesse ponto o que consta da referida factura. Que não se tratou de uma mera pintura do pavimento, na acepção corrente do termo, também resulta evidente do depoimento da referida testemunha AA que lá executou o trabalho, depois de o legal representante da Apelante ter dito que não estava contente com o aspecto do pavimento, tendo referido ter aplicado uma selagem com produto ..., espalhou mais areia e deu outra demão de selagem no pavimento, tendo feito referência à utilização de um “topcoat”, e que deu duas demãos de “pintura” porque o legal representante da Apelante quis mudar a cor, não sabendo dizer o que lá foi aplicado antes. A motivação vertida na sentença recorrida diz isso mesmo, que “os itens 13 e 14 decorre da análise do depoimento da testemunha AA, que exerce as funções de pintor da construção civil na empresa “C...”, cujo conhecimento se cingiu aos trabalhos que executou a solicitação do legal representante da Ré. Nesse contexto, descreveu que efectuaram duas selagens, procederam à alteração da côr do pavimento, utilizaram produtos da marca “...” e foram pagos pelos serviços prestados no montante de € 6.277,50, conforme consta da factura e consequentes recibos juntos como Doc. 42 a 45. Mencionou que não mexeram no revestimento, desconhecendo o produto que foi anteriormente aplicado, assim como os contornos do que havia sido estipulado entre a Requerente e a Requerida, tendo, contudo, afirmado que quando foi ao local já estavam colocadas as tampas, o que induz que a imagem junta como Doc. 19 retracta uma realidade anterior à conclusão da obra pela Requerida.” Deste modo, o depoimento trazido à colação pela Apelante em momento algum impõe que se dê como provado que o trabalho executado pela C... seja equivalente ao mesmo trabalho que a Apelada prestou na segunda fase da prestação de serviços, como pretende a Apelante, pelo contrário, percebe-se do depoimento da testemunha AA que o serviço executado pela C... foi mais uma operação de “cosmética”, de “topcoat” como a própria testemunha mencionou, para mudar o aspecto final do revestimento do pavimento, não tendo sido inutilizado qualquer dos trabalhos anteriormente executados pela Apelante nem muito menos feita a obra de revestimento do pavimento com a finalidade antiderrapante que presidiu à contratação da Apelante. Isso mesmo se extrai quer do depoimento claro, consistente, coerente e esclarecedor da testemunha BB, que depôs sobre as propostas que apresentou à Apelante, sobre qual foi a escolhida pela Apelante, sobre a finalidade do trabalho contratado, quer mesmo da análise da Proposta adjudicada pela Apelante à Apelada, não sendo de todo trabalhos coincidentes com o mero trabalho de mudança do aspecto do pavimento levado a cabo pela C.... E isso mesmo resulta dos factos provados sob os pontos 2 e 3, basta ver que a proposta engloba trabalhos que a C... não executou, sendo evidência disso mesmo a discrepância entre a proposta adjudicada à Apelada e o que consta da factura emitida pela C... (que nada diz sobre o efectivamente executado, com que produtos e em que área, mas que apresenta um valor incomensuravelmente inferior indiciando que o realizado corresponderá efectivamente a uma mera finalização do aspecto do pavimento), factos esses que não foram impugnados pela Apelante. Como se refere na motivação da sentença recorrida a esse propósito, “(…) valorou-se o depoimento da testemunha BB, funcionário da Autora desde Julho de 2017, o qual explicitou o trabalho que foi acordado e executado pela Requerente, consistindo no revestimento de um pavimento nas instalações da Requerida, tendo-lhe para o efeito apresentado duas soluções, conforme constam dos Documentos com os números 4 e 5, sob a referência de Proposta n.º ... e Proposta n.º ..., tendo a Requerida escolhido a primeira proposta, optando, assim, pelo revestimento antiderrapante “Mapefloor”. Aludiu que foi devidamente explicado à Requerida o desempenho e a mais valia dos materiais escolhidos, esclarecendo que se tratam de produtos manipulados e nessa medida a Requerida foi advertida de eventuais desconformidades, conforme consta das Condições Gerais, juntas como Documento n.º 4, das quais sobressai, mormente do ponto 3.2, al. a), que “o pavimento industrial não é um pavimento estético, mas um pavimento resistente e prático para o uso industrial”, e, nos termos do ponto 3.2, al. c), que “o brilho e a homogeneidade do piso irão desaparecer nos locais de passagem”, circunstância que era do conhecimento da Requerente, tanto assim que a própria juntou a referida proposta com o seu articulado de oposição. Explicitou ainda que previamente ao acordo estabelecido entre as partes deu a conhecer à Requerida as amostras da marca “...”, que considerou ser um produto similar à da “Mappefloor”, que foi o material da marca aplicada nas instalações da Requerida. Afiançou que o trabalho foi concluído em Março de 2021, que teve oportunidade de visualizar e se encontrava uniformizado, tendo sido a Ré quem escolheu a côr, ressalvando que as condições de temperatura e de humidade podem influenciar a tonalidade, podendo existir uma variação, mas sem que daí resulte afectadas as finalidades a que se destina o revestimento. Confrontado com o auto de medição, a que corresponde o Doc. 41, com a factura emitida pela sociedade “C...”, junta como Doc. n.º 42, salientou a discrepância de áreas intervencionadas e a não coincidência entre os trabalhos executados pela Autora, e contratualizados com a Ré, e aqueles outros que foram adjudicados à referida “C...”. Este depoimento, pese embora a sua ligação contratual à Requerente, mereceu-nos credibilidade, uma vez que esteve presente na obra a verificar a conclusão dos trabalhos, acedeu aos e-mail’s trocados entre as partes e denotou conhecimento do estipulado na fase prévia das negociações que culminaram com a adjudicação do material e tecnologia – execução de revestimento Microbetonilha poliuretano cimento do tipo “Mapefloor” “Antiderrapante” – que foi aplicado em obra.” Deste modo, não foi produzida prova que imponha a alteração proposta ao ponto 13 dos factos provados, mantendo-se a sua redação. ii. Factos não provados sob as alíneas b), c), d), l), m), o) e p). Sob a alínea b) dos factos não provados consta que “Nunca a Requerente alertou a Requerida de que o serviço poderia ser realizado com um produto substancialmente diferente do das amostras que traziam na data não concretamente apurada, mas anterior a 19 de Fevereiro de 2021, em que reuniu com o Sócio-Gerente da Requerida.” Pretende a Apelante que se dê como provado que “A Recorrida nunca alertou a Recorrente de que o serviço poderia ser realizado com produto substancialmente diferente, ficando o representante legal da Recorrente com a ideia de que o produto a ser aplicado em tudo seria semelhante às amostras que lhe tinham sido exibidas.” Sustenta a Apelante que a Apelada nunca usou os produtos e marcas que tinham sido abordados assim como o representante legal da recorrente nunca foi esclarecido nem informado sobre utilização de produtos substancialmente diferentes, porque nesse caso teria optado pela contratação de outra empresa. Invoca para o efeito as declarações de parte do seu legal representante. Porém as declarações de parte, desacompanhadas de outro meio de prova seguro e consistente que as confirmem, não permitem dar como provado tal facto, pois que aquelas declarações foram prestadas de forma compreensivelmente interessada, subjectiva, procurando colmatar a total ausência de prova sobre tal matéria de facto e contrariar o depoimento seguro e assertivo prestado em sentido oposto pela testemunha BB, o qual esclareceu a razão da apresentação das amostras (que em concreto eram da marca ...) para demonstrar duas soluções distintas quanto à resistência e desempenho dos materiais e, que os orçamentos foram apresentados com o produto da marca Mapefloor (Doc. 4 e 5), como está evidenciado da documentação junta aos autos e de que o legal representante da Apelante tomou conhecimento, tendo aceitado o orçamento que mencionava a aplicação do produto Mapefloor, sem que tal discrepância de marca da amostra e do produto a aplicar lhe tenha determinado o esclarecimento de dúvidas junto da Apelada, tendo aquela testemunha ainda afirmado que nunca definiram qual a marca do produto que iam aplicar quando mostraram as amostras, só o definiram nas propostas. Apesar de estar provado que as amostras que a Apelada inicialmente exibiu à Apelante eram de um produto de fabricante ... e que acabou por utilizar produtos da marca ... (pontos 11 e 12 dos factos provados), nenhuma prova testemunhal ou documental foi produzida, nem mesmo nas declarações de parte prestadas, de forma a podermos concluir, como pretende a Apelante, que sejam produtos substancialmente diferentes e muito menos que se a Apelante soubesse que eram diferentes não teria contratado a Apelante, até porque teve oportunidade para ler os dois orçamentos que recebeu e optou por um deles no qual estava mencionava como produto a aplicar o da marca .... Sob a alínea c) dos factos não provados consta que “Essencial na decisão de contratar com a Requerente foi a qualidade e aparência do produto que constava das amostras que lhe foram exibidas em reunião presencial anteriormente havida nas instalações da Requerida.” Pretende a Apelante que se dê como provado que “A qualidade e aparência do produto das amostras exibidas em reunião prévia foi essencial na decisão de contratar com a Recorrida, concretamente, a amostra ..., amostra essa escolhida pelo representante legal da Recorrente por apresentar características de rugosidade e de brilho diferentes do produto aplicado nas instalações da Recorrente”. Invoca para o efeito as declarações de parte do seu legal representante e o teor do email de 8.03.2021 junto como doc. 24. Reiteramos a apreciação da prova feita a propósito do ponto de facto anterior, com o qual está relacionado, porquanto o email não refere nada mais do que disse o legal representante da Apelante nas declarações que prestou e apesar de poder ter estado no foro íntimo do legal representante da Apelante como essencial para contratar nos moldes em que o fez, a aparência e brilho do pavimento nas amostras, como aquele afirmou nas suas declarações e assim depreenderam igualmente as testemunhas CC e BB, este último também afirmou de forma peremptória que nunca disseram que ia ficar exactamente como a amostra, nem podiam dado não poderem assumir que não haja variações de texturas ou falta de uniformidade de cor porque é um produto manipulado no piso e poderá sofrer oscilações consoante a temperatura e humidade ambiente, factores que não conseguem controlar, não sendo um pavimento estético mas antiderrapante, podendo o padrão final ser diferente do expectável, condicionantes que ficaram expressamente consignadas nas condições gerais anexas à proposta entregue ao legal representante da Apelante e que consta dos autos, que também refere expressamente que seria aplicado produto Mapefloor e não ..., proposta essa que aquele aceitou. Salienta-se que foi dado como provado no ponto 10 que os trabalhos foram executados de acordo com o orçamento apresentado e aprovado, facto esse não impugnado pela Apelante. De todo o modo, como já acima fizemos referência nenhuma prova foi produzida de que os produtos sejam substancialmente diferentes quanto ao brilho do acabamento final. Sob a alínea d) dos factos não provados consta que “O pavimento, quando foi dada por concluída a obra pela Requerente, apresentava defeitos, aparentando estar inacabado, isto é, não estava homogéneo, não tinha o anunciado e contratado brilho.” Pretende a Apelante que se dê como provado que “Quando a obra foi concluída pela Requerente, o pavimento encontrava-se com defeitos, tendo havido cumprimento defeituoso pela Requerente, pois é evidente que o pavimento não estava homogéneo nem tinha o anunciado e contratado brilho.” Para o efeito socorreu-se da prova documental junta aos autos (fotos), que no seu entender evidenciam o pavimento manchado, sem uniformidade, sem brilho, bem como no depoimento da testemunha AA que afirmou ser aquele o aspecto do pavimento quando o lá foi ver. A Apelante fez também referência ao depoimento em sentido oposto prestado pelas testemunhas BB e CC para pôr em crise a credibilidade que as mesmas mereceram do tribunal a quo, mas a avaliação crítica da prova feita pelo tribunal recorrido a propósito daquela matéria de facto afigura-se correcta, sustentada e devidamente analisada à luz das regras da experiência não padecendo de erro de julgamento que deva ser sancionado. Tal como se extrai da motivação, “resultou inconsequente o confronto dos documentos juntos sob os números 21, 22 e 23 com o depoimento das testemunhas inquiridas na audiência final, pois nenhuma delas foi capaz de concluir que as fotografias exibidas correspondessem ao material e ao trabalho executado pela Autora na obra da Requerida, nem se mostrou tão pouco possível extrair qualquer conclusão nesse sentido pela simples visualização das fotografias juntas aos autos. Aliás, a testemunha BB, quando confrontado com as fotografias juntas como Doc.ºs 12 a 17, afirmou, de forma peremptória, que tais imagens retractam um trabalho intermédio, não correspondendo ao trabalho que foi concluído pela Autora, esclarecendo que o seu processo de execução passa por duas fases, sendo uma primeira de revestimento e a segunda de selagem.” Quanto ao depoimento da testemunha CC, cuja relevância probatória a Apelante tentou afastar, lê-se da motivação da sentença recorrida que “Bastante impressivo sobre a qualidade dos trabalhos executados pela Requerente revelou-se o depoimento da testemunha CC, técnico comercial da empresa “D...” e da qual a Autora é cliente, o qual referiu ter sido contactado directamente pela Ré e se deslocado à obra, onde se reuniu com o respectivo legal representante, quando os trabalhos já se encontravam concluídos. Tendo visitado toda a área, ali concluiu que o trabalho estava correctamente executado, contrariando a intenção da Ré, afirmando que o produto se encontrava devidamente aplicado e de forma uniforme, assegurando a sua resistência anti-derrapante. Nesse sentido, explicitou que estava em causa um pavimento industrial, considerando que a obra se mostra perfeitamente ajustada às finalidades a que se destina, salientando que a dissonância evidenciada pela Requerida se atém a puras razões de ordem estética. Este depoimento mereceu-nos total credibilidade, uma vez que a testemunha em questão deslocou-se ao local, por exclusiva solicitação da Requerida e sem a presença da Requerente, onde visualizou in «loco» o estado da obra executada pela Requerente, extraindo as conclusões que relatou ao Tribunal e infirmou, por completo, o relatado pela Requerida ao funcionário da Requerente, BB, no seu e-mail datado de 22 de Março de 2021 (cfr. Doc. 39 verso), o qual, embora confirme a presença do técnico da D... no dia 16 de Março de 2021 subverte, por completo, as conclusões a que o mesmo chegou. Aliás, no seu depoimento, a testemunha CC reiterou, de forma peremptória, o por si declarado no email datado de 23 de Março de 2021 (junto como doc. n.º 34), que enviou ao Sr. BB, dando conta da abordagem por parte do legal representante da Requerida e a posição que adoptou – e que mantém – no sentido de que após ter vistoriado toda a área conclui que “está aplicado um pavimento CPU/MF anti-derrapante, bem aplicado com resistências químicas e mecânicas à solicitação necessária”, disso informando o legal representante da Requerido e quem, com ele, estava igualmente presente aquando da sua deslocação às instalações onde o material foi aplicado. Tal depoimento mostrou-se-nos assim isento, desinteressado e equidistante em relação aos interesses em litígio, evidenciando que o trabalho executado pela Requerente se ajusta às finalidades a que o mesmo se destina, conforme esclareceu, prendendo-se a relutância da Autora com meras questões de natureza estética.” Secundamos esta apreciação da prova, reiterando que a Apelante não logrou provar que as fotos juntas aos autos revelassem os trabalhos executados pela Apelada já depois de dados por concluídos, nem se consegue afirmar com segurança da visualização das fotos juntas com a oposição que o piso estivesse inacabado ou que não tivesse brilho ou não estivesse homogéneo. Apesar de o legal representante da Apelante nas declarações de parte que prestou ter afirmado que o acabamento não estava homogéneo, nem com o brilho desejado e tinha manchas, a testemunha AA não as corroborou, porquanto afirmou que quando lá foi o legal representante da Apelante não estava contente com o aspecto porque queria anti-derrapante uniforme e queria mudar de cor. Para a testemunha AA a selagem não estava bem feita porque o areado não era o certo, não era uniforme, mas não afirmou que aparentasse estar inacabado ou sem brilho, para ele a desconformidade era não estar antiderrapante, enquanto para o legal representante da Apelante a desconformidade estava no aspecto do brilho e uniformidade de cor. Uma última palavra para salientar que também nunca se poderia dar por provado a parte inicial da redação sugerida pela Apelante pois que “encontrava-se com defeitos”, e “tendo havido cumprimento defeituoso” são conceitos de direito e conclusivos. Sob a alínea l) dos factos não provados consta que “O pavimento não estava homogéneo, não tinha qualquer brilho em quase toda a extensão onde foi aplicado (com excepção da zona junto aos WC situados no fundo do armazém).” Pretende a Apelante que se dê como provado que “O pavimento não se encontrava homogéneo, não tinha brilho, não estava impermeável, à exceção da zona junto ao WC vermelho que se encontrava com as características e textura que a Recorrente assim pretendia”. Socorreu-se das fotos juntas aos autos e do documento nº 37 (email de 18.03.2021). Ora nenhuma prova foi produzida que corroborasse as declarações de parte do legal representante da Apelante, não se evidenciando tal facto com a segurança necessária nas apontadas fotografias juntas aos autos, e o teor do email referido nada mais é do que a verbalização por escrito das declarações do legal representante da Apelante, que designadamente quanto à falta de impermeabilização nada disse. Sob a alínea m) dos factos não provados consta que “Em face das negociações havidas por telefone, a Requerente atendeu à reclamação apresentada pela Requerida e assumiu o encargo de aplicar uma nova camada de revestimento, de modo a reparar os defeitos detectados e para ficar o mais possível conforme o acordado.” Pretende a Apelante que se dê como provado que “Em face das negociações havidas por telefone, a Recorrida atendeu à reclamação apresentada pela Recorrente, tendo assumido que o pavimento não esteve dentro dos padrões acordados e que se comprometeram a reparar os defeitos detectados.” Socorreu-se das declarações de parte do seu legal representante e da leitura dos documentos nº 24 e 31. Mais uma vez a redação pretendida apresenta conceitos conclusivos e de direito, mas sempre estaria votado ao insucesso a pretendida alteração pois que não existe um único elemento de prova de quaisquer negociações nesse sentido ou de assunção de responsabilidades por parte da Apelada, apenas e só que a Apelante terá reclamado desconformidades no acabamento do pavimento como se infere dos aludidos documentos e das declarações de parte do legal representante da Apelante. Como muito bem se refere na motivação da sentença recorrida, “De igual modo, não resultou apurado qualquer assunção por parte da Requerente de que os trabalhos que lhe foram solicitados tenham sido imperfeitamente efectuados, nem a prova produzida permitiu concluir no sentido alegado pela Requerida, conduzindo assim a que tal factualidade fosse integrada no elenco das alíneas b) a o) face à ausência de prova consistente nesse sentido.” Sob a alínea o) dos factos não provados consta que “A Requerente deixou o pavimento exterior ao armazém onde realizou a obra manchado e pintado porque resolveram ali fazer as misturas dos produtos para o revestimento do pavimento do armazém.” Pretende a Apelante que se dê como provado que “A Requerente deixou o pavimento exterior ao armazém onde realizou a obra manchado e pintado, tendo em conta que as misturas dos produtos para o revestimento do pavimento do armazém foram feitas no pavimento granítico junto ao canto direito das instalações da Recorrente”. Socorreu-se do documento nº 36 ( fotografias) afirmando serem visíveis manchas brancas no chão granítico resultantes da mistura de produtos levada a cabo pela Recorrida. Das fotografias são visíveis manchas brancas no chão granítico, porém só podemos afirmar que terão sido causadas pela Apelada na manipulação dos produtos utilizados porque a testemunha BB admitiu que foi naquela zona que colocaram os produtos utilizados e que a Apelada reclamou que haviam sujado a pedra de granito, mas aquela mesma testemunha referiu também que o procedimento é limparem logo antes que seque, não tendo sido produzida qualquer prova que nos permita concluir que a Apelada tenha deixado o pavimento exterior ao armazém naquele estado. Sob a alínea p) dos factos não provados consta que “Foi com base no aspeto final da obra que a B... tomou a decisão de contratar com a Requerente.” Pretende a Apelante que se dê como provado que “A Recorrente contratou a C... devido ao aspecto final da obra concluída pela Recorrida que em nada correspondia àquilo para o qual tinha sido contratada”. Socorreu-se do depoimento da testemunha AA, que afirmou ter sido chamado pela ... para ver o pavimento da Apelante com o qual o legal representante daquela não estava contente e foi contratado para satisfazer o aspecto do pavimento que aquele pretendia. Compulsada a motivação da decisão dela consta que “Por outro lado, não foi possível apurar se os trabalhos executados pela Requerente e pela empresa “C...” foram efectivamente os mesmos, sendo certo que do confronto entre o auto de mediação elaborado pela Requerente e o que se mostra descrito na factura apresentada pela “C...” resulta evidente que as áreas intervencionadas não são coincidentes entre si, o que indicia que terão existido trabalhos diversos, não se podendo concluir que a decisão de contratar a “C...” estivesse exclusivamente relacionada com o aspecto final da obra executada pela Requerida, razão pela qual como não provada a matéria elencada sob a alínea p).” Da leitura da alínea p) dos factos não provados não se extrai qualquer menção aos motivos da contratação da C..., porquanto a Requerente nele mencionado só pode ser a aqui Apelada e deste modo, tanto estará errada a motivação da sentença, como a pretensão da aqui Apelante. Daquele ponto de facto apenas se lê que foi com base no aspeto final da obra que a Apelante (B...) tomou a decisão de contratar com a Requerente ( A..., Lda), e esse ponto de facto foi assim alegado pela Apelante no art. 48 da oposição, estando encadeado com a questão das amostras que já foi abordada na análise da impugnação aos pontos anteriores e que se concluiu não ter sido provada. Assim sendo, a alteração pretendida pela Apelante extravasa totalmente o por si alegado e dado como não provado naquele ponto p) e como tal não pode também proceder. Em suma, improcede totalmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. ** 2ª Questão- Se há lugar à compensação de créditos em virtude do cumprimento defeituoso do contrato de empreitada. Segundo o art. 847º do CC, quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação, por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade; c) Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente; d) A iliquidez da dívida não impede a compensação. A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma das partes à outra (art. 848º nº 1 do CC), mas uma vez feita essa declaração, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis (art. 854º do CC). Se existirem, de uma ou outra parte, vários créditos compensáveis, a escolha dos que ficam extintos pertence ao declarante (art. 855º do CC). A compensação consiste na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas devedor na outra, e o credor desta última devedor na primeira. Representa, ao fim e ao cabo, um encontro de contas, que se justifica pela conveniência de evitar pagamentos recíprocos (neste sentido, Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11ª edição, pág. 1099). No mesmo sentido, escreve Antunes Varela, que «a compensação é (...) o meio de o devedor se livrar da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor.» (Das Obrigações em Geral ”, II volume, Almedina, 4ª edição, pág. 187). Em suma, a compensação supõe o reconhecimento de um crédito daquele que a invoca e, como seu precedente lógico, um outro crédito cujo titular será aquele outro contra quem é invocada a compensação. Será então por via do encontro destes dois créditos que será operada a compensação e a consequente extinção do crédito de ambos. O reconhecimento do crédito que a Apelante pretendia compensar com o crédito exigido pela Apelada dependia estritamente da verificação do invocado cumprimento defeituoso do contrato de empreitada entre elas celebrado e da possibilidade de contratação de terceira pessoa por parte da Apelante para reparar os defeitos que se tivesse apurado existirem, contratação essa que sempre dependeria também da recusa da Apelada em repará-los ela própria ou da natureza urgente da sua reparação, pressupostos esses que não ficaram demonstrados nos autos, quer porque nenhum defeito a Apelante logrou provar, conforme lhe competia, quer porque ainda que o tivesse feito falharia o pressuposto necessário à contratação de terceira pessoa para o reparar sem que previamente a tivesse exigido da própria Apelada e esta não o tivesse feito em prazo razoável ou se recusasse a reparar. Senão vejamos. “O cumprimento defeituoso do contrato de empreitada funda-se na ideia de que o empreiteiro está adstrito a uma obrigação de resultado. Ele está obrigado a realizar a obra conforme o acordado e segundo os usos e regras da arte. Se a obra apresenta defeitos, não foi alcançado o resultado prometido.”[3] Na empreitada, o cumprimento ter-se-á por defeituoso quando a obra tenha sido realizada com deformidades ou com vícios, sendo as deformidades as discordâncias relativamente ao plano convencionado (art. 1214º nº 2 CC) e os vícios as imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato ( art. 1208º CC). A noção de defeito implica, assim, a existência de um vício que desvalorize ou impeça a realização do fim a que a coisa se destina, independentemente de esse vício se manifestar posteriormente à celebração do contrato, desde que, nessa altura, já existisse em potência. Segundo João Cura Mariano, “a determinação de anomalias na realização da obra, devem considerar-se quer as regras da arte respectiva, quer as regras impostas pelos poderes públicos relativas à segurança ou qualidade de determinadas obras (…). As deficiências podem ocorrer quer nos materiais utilizados pelo empreiteiro, quer nas operações de aplicação destes, seja pelo método utilizado, seja pela deficiente execução. Foi esse tipo de deficiências que a Apelante invocou relativamente à empreitada realizada pela Apelada, defendendo que o material que lá foi colocado pela empreiteira não corresponde ao que constava da amostra que lhe foi exibida e o acabamento final do pavimento não tinha o aspecto em termos de homogeneidade e brilho que levaram a Apelante a contratar a Apelada. Provado o defeito e a sua gravidade, que incumbe ao dono da obra (art. 342º nº 1 do CC), presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao empreiteiro ( art. 799º nº 1 do CC). A responsabilidade contratual do empreiteiro também exige um nexo de imputação da existência do defeito a um comportamento censurável daquele (juízo de culpa), no entanto o dono da obra beneficia da presunção de culpa, nos termos do art. 799º nº 1 do CC. “O legislador entendeu que, nas situações de incumprimento, abrangendo expressamente o cumprimento defeituoso, ao credor basta demonstrar a materialidade do incumprimento, cabendo ao devedor provar a ausência do nexo de imputação à sua pessoa desse incumprimento, o qual se presume iuris tantum. O estabelecimento desta presunção resulta do facto de, sendo a culpa, segundo as regras da experiência, normalmente inerente ao incumprimento contratual, deve competir ao devedor provar a verificação da situação anormal de ausência de culpa. Além disso, sendo o devedor quem controla e dirige a execução da prestação, tem maior facilidade de conhecer e demonstrar as causas da verificação do incumprimento. Assim, ao dono da obra bastará provar a existência do defeito, presumindo-se a culpa do empreiteiro, o qual, para afastar a sua responsabilidade terá que demonstrar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.”[4] Como resulta da factualidade apurada a Apelante não logrou provar a existência de defeito na empreitada executada pela Apelada e, apesar de ter ficado provado que o produto aplicado não foi o que constava da amostra exibida à Apelante, certo é que do orçamento aprovado pela Apelante constava a aplicação do produto que veio efectivamente a ser aplicado, sendo que sob o ponto 10 dos factos provados ficou demonstrado que os trabalhos foram executados, de acordo com o orçamento apresentado e aprovado. Logo, não logrou a Apelante demonstrar, como lhe incumbia, ter existido cumprimento defeituoso do contrato. Não obstante, ainda que assim não fosse, verificado o cumprimento defeituoso do contrato por parte da empreiteira/Apelada, caberia à dona de obra/Apelante o exercício de uma série de direitos, de forma sequencial, regulados nos arts. 1221º a 1225º do CC: - o direito de recusa da obra; - o direito à eliminação dos defeitos; -o direito à realização de nova obra; - o direito à redução do preço; -o direito de resolução do contrato; -o direito de indemnização nos termos gerais. Na presente acção, por via da invocação da excepção da compensação, pretendia a Apelante exercer o direito de indemnização em dinheiro pelo custo dos alegados trabalhos de eliminação dos defeitos realizados por terceiro por ela contratado. O art. 1221º nº 1 do CC consagra, em primeiro lugar, o direito de o dono da obra, face à realização desta em moldes defeituosos, exigir do empreiteiro a sua eliminação. Trata-se de um direito indemnizatório na modalidade de reconstituição natural, visando remover integralmente o prejuízo causado, reconstituindo-se a situação que existiria se não fosse a lesão ( art. 562º do CC). O art. 1221º nº 2 do CC concede, também, ao dono da obra o direito de exigir nova construção, caso os defeitos não sejam elimináveis, repetindo o empreiteiro a prestação a que se obrigara. Pode, também, o dono da obra exigir a redução do preço contratado, à luz do art. 1222º nº 1 do CC, caso não sejam eliminados os defeitos, nem construída nova obra, desde que a obra, apesar do defeito, ainda tenha utilidade para ele, sendo um direito subsidiário dos direitos de eliminação do defeito e de construção de nova obra, possibilitando-se manter o contrato mas reequilibrando-se as prestações, reajustando o preço a pagar (diminuição do preço) ou exigindo-se o que foi pago a mais, correspondente à diminuição do valor da obra por causa do defeito, pressupondo, como é óbvio, o aproveitamento da obra pelo dono dela. O art. 1222º nº 1 do CC, concede, ainda, ao dono da obra o direito de resolver o contrato, com fundamento na existência de defeitos na obra, mas este direito tem natureza subsidiária, só podendo ser exercido quando o defeito não foi eliminado, nem realizada nova construção e é alternativo relativamente ao direito de redução do preço, mas restrito aos casos em que “os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina”. De acordo com o disposto no art. 1223º do CC, para além do direito específico de eliminação dos defeitos assistirá também ao dono da obra um direito geral de indemnização, mas limitado aos prejuízos que não forem reparados através do exercício daqueles outros direitos acima elencados, podendo ser exercido de forma cumulativa com o exercício de cada um daqueles direitos- quando aqueles direitos conduzirem apenas a uma reparação parcial do dano-, ou isoladamente nas hipóteses em que é o único meio de reparação do prejuízo resultante do defeito (quando os defeitos não forem elimináveis, quando seja desproporcionada a exigência de nova obra), servindo também para compensação de danos não patrimoniais que o dono da obra possa ter sofrido com o cumprimento defeituoso da empreitada. Diz a generalidade da Doutrina e da Jurisprudência que o dono da obra deve começar por exigir que o defeito seja eliminado pelo próprio empreiteiro e, deve seguir a ordem estabelecida nos arts. 1221º a 1223º do CC, havendo uma espécie de sequência lógica e, só após a condenação do empreiteiro na eliminação do defeito ou na realização de nova obra e, perante a recusa deste, pode o dono da obra encarregar terceiro de proceder à realização dos trabalhos necessários para fazer suprimir o defeito, a expensas do empreiteiro, não sendo admissível que o dono da obra proceda ele à reparação, sem dar a oportunidade ao empreiteiro de primeiro proceder à eliminação do defeito, reparando-o. Neste sentido, de que “provado o cumprimento defeituoso, os instrumentos jurídicos de actuação que a lei confere ao dono da obra seguem um modelo de precedência de direitos e priorizam o de exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos.”, citamos, entre outros, Ac STJ de 22.02.2022, Proc. Nº 5688/17.0T8GMR.G1.S1, Ac RP de 4.03.2024, Proc. Nº 109/20.4T8PVZ.P1 e Ac RP de 8.06.2022, Proc. Nº 7859/21.6YIPRT.P1, www.dgsi.pt; Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, p. 440 e Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, p. 458; João Cura Mariano, ob. Cit, p. 146ss. Também é certo que, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência, excepcionam desde logo duas situações: se o empreiteiro se recusar a eliminar o defeito ou a fazer obra nova incorrendo em incumprimento definitivo da obrigação de eliminação do defeito depois de interpelado pelo dono da obra para esse efeito (ainda que a interpelação seja extrajudicial); se houver necessidade urgente de realização de obras de reparação. “Essa oportunidade deve ser dada através duma interpelação judicial ou extrajudicial do empreiteiro para efectuar as obras de eliminação dos defeitos ou de reconstrução. Mas, na hipótese de se verificar um incumprimento definitivo daquelas obrigações, imputável ao empreiteiro, já não se revela necessário o recurso à via judicial para o dono da obra poder, ele próprio, ou através de terceiro, efectuar as obras de reparação ou reconstrução, sem que perca o direito de reclamar do empreiteiro o pagamento do custo dessas obras. Na verdade, além dos casos de incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos, imputável ao empreiteiro, também a urgência na realização desses trabalhos pode justificar que eles sejam efectuados pelo dono da obra, ou por terceiro por ele contratado, assistindo àquele um direito de indemnização em dinheiro, correspondente ao custo dessas reparações, a satisfazer pelo empreiteiro, prévia ou posteriormente à realização das obras de reparação. Na verdade, podem verificar-se situações em que o perigo eminente de agravamento drástico do defeito, ou o perigo deste poder provocar danos graves na própria coisa, em outros bens do dono da obra ou de terceiros, ou em pessoas exige uma intervenção de tal modo rápida que não se compadece com o tempo da interpelação do empreiteiro e de reacção deste.”( João Cura Mariano, ob. Cit, p. 135 a 143; Pedro Romano Martinez, ob. Cit. ,p. 346ss; Ac RP de 26.6.2012, Proc nº 329/09.2TBESP.P1 e Ac STJ de 28.11.2013, Proc nº 844/04.4TBCTX.E1.S1, www.dgsi.pt). “Em especiais circunstâncias, como são os casos, que a jurisprudência vem admitindo, de declaração de não satisfação da reparação ou substituição da coisa, de transformação da mora da vendedora em incumprimento definitivo ou de urgência da reparação dos defeitos, o consumidor (dono da obra) pode pedir a indemnização referente ao custo da reparação.”(Ac RP de 16.5.2016, Proc. nº 263/13.1T2ILH.P1; no mesmo sentido, Ac RP de 14.9.2017, Proc. nº 4114/12.6TBSTS.P1 e Ac RP de 26.10.2017, Proc nº 1509/15.7T8AVR-B.P1, www.dgsi.pt). Ora, não tendo nenhuma dessas situações excepcionais ficado demonstrada, teria sempre de soçobrar a compensação invocada pela Apelante, mas ainda que assim não fosse também nunca teria a virtualidade de conduzir à absolvição da totalidade do pedido pois que o crédito a compensar invocado pela Apelante sempre seria manifestamente inferior ao crédito reclamado nestes autos pela Apelada, só podendo, quando muito, operar a compensação parcial. ** 3ª Questão- Excepção de não cumprimento do contrato.Sobre a noção de excepção de não cumprimento do contrato rege o art. 428º do CC, o qual refere que, se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo. A exceptio non adimplenti contractus é, no essencial, um meio de conservação do equilíbrio sinalagmático que deverá existir na génese e no próprio desenvolvimento dos contratos bilaterais, maxime no seu cumprimento, justificando-se essa exceptio quando ocorra uma ausência de correspondência ou de reciprocidade entre as obrigações que, no âmbito dos contratos bilaterais, emergem para ambas as partes.(Vide, neste sentido, J. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 329/330 e A. Varela, CCivil Anotado, Vol. I, pág. 362 a 365). A exceptio é de admitir sempre que, existindo um nexo de causalidade ou de correspectividade entre as prestações, ocorra um desequilíbrio, injustificado e contrário às regras da boa-fé, nas prestações a cargo das partes, configurando-se a exceptio como o meio de repôr o dito equilíbrio contratual entre as prestações das partes. A excepção não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral. (…) desde que a sua invocação não contrarie o principio geral da boa fé consagrado nos arts. 227º e 762º nº 2 do CC.( neste sentido, P. Lima e A. Varela, Ob. Cit., vol. I, p. 406). Sendo o contrato de empreitada um contrato sinalagmático, em caso de verificação de um cumprimento defeituoso por parte da empreiteira, se depois de efectuada a denúncia e exigida a reparação do defeito pelo dono da obra a empreiteira não o fizer em prazo razoável ou se recusar a reparar, pode por seu turno o dono da obra recusar o pagamento acordado pelos serviços prestados em termos proporcionais ao cumprimento defeituoso da contraprestação da contraparte até que essa reparação ocorra. Não tendo a Apelante logrado provar qualquer incumprimento ou cumprimento defeituoso por parte da Apelada, também não poderá recusar o pagamento dos serviços por aquela prestados. Por conseguinte, julgados improcedentes os argumentos recursivos, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, a qual se confirma. ** V. DECISÃO:Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida. Custas a cargo da Apelante, que ficou vencida. Notifique. Porto, 18 de Junho de 2024 Maria da Luz Teles Meneses de Seabra Fernando Villares Ferreira Rui Moreira (O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico) _________________ [1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93. [2] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência [3] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, p. 437 [4] João Cura Mariano, ob. Cit, p. 71-72 |