Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
580/19.7T8ESP.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RUÍNA DO IMÓVEL
PRIVAÇÃO DE USO DO LOCADO
Nº do Documento: RP20240923580/19.7T8ESP.P1
Data do Acordão: 09/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIAL
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A consideração dos factos produzidos posteriormente à proposição da ação é de observar, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão, tal como o determina o artigo 611º nº 1 do CPC, desde que tenham influência sobre o conteúdo da relação controvertida (vide nº 2 do mesmo artigo 611º do CPC).
II - Não é exigida a destruição total do locado para que se considere a caducidade do contrato nos termos do artigo 1051º al. e) do CC. Bastando que esta assuma tal relevo que impossibilite a sua utilização para o fim a que se destina.
III - Caducidade que opera ipso iure, de forma automática e independentemente da culpa que ao senhorio possa ser assacada pelas causas da extinção, entenda-se, pelo estado de ruína a que o imóvel chegou.
Sendo que no caso de a ruína do imóvel ser o resultado da violação do dever do senhorio em proceder à conservação do imóvel como garantia do seu gozo por parte do inquilino, então tal atuação será sancionada em sede indemnizatória (vide artigo 798º do CC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 580/19.7T8ESP.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunta - Eugénia Cunha

Adjunta - Fernanda Almeida

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Jz. Central Cível de Santa Maria da Feira

Apelantes/ AA e BB e outras

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

AA instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra:

- BB;

- CC e

- DD.

Pela procedência da ação peticionou a condenação das RR. “a ver resolvido por caducidade, os contratos, ao abrigo dos quais ocupavam partes concretas do prédio alegado em 1º desta petição, devendo retirar do mesmo os bens que ainda ali detenham.”

Para tanto alegou em suma:

- Ser proprietário do prédio identificado em 1º da p.i. – adquirido por escritura de compra e venda celebrada em 21/03/2013.

Prédio este de construção antiga, constando da caderneta predial que o mesmo já existia em 1938;

- Ao longo dos anos e não obstante algumas obras no mesmo efetuadas, o imóvel sofreu progressiva degradação, tendo a própria Câmara ... concluído que o mesmo não reunia condições de habitabilidade;

- O A. indagou junto das locatárias da possibilidade de se fazerem obras, desocupando o prédio e atualizando as rendas, não tendo sido possível qualquer cedência da parte das mesmas, nomeadamente quanto à alteração de renda;

- Em outubro de 2019 o edifício derrocou em parte, por causas alheias ao A.;

- E, pelo perigo iminente para a vida de quem nele permanecesse, foram as ocupantes do mesmo obrigadas a abandonar o imóvel, sendo alojadas nos locais indicados na p.i.

Nomeadamente eram então locatárias:

. a R. BB arrendatária do r/c esq. há mais de 40 anos e que à data pagava a renda mensal de € 56,54;

. a R. CC, arrendatária do 1º andar esq. e que pagava a renda mensal de € 104,18, desconhecendo o A. desde quando a mesma ocupava o imóvel;

. a R. DD, arrendatária do r/c direito e que pagava a renda mensal de € 342,89;

- A ruína do imóvel e a sua inaptidão para o fim habitacional, não imputáveis ao A., conduz à extinção, por caducidade, dos contratos de arrendamento;

- É inexigível ao A. por representar um valor profundamente desequilibrado e desproporcional às rendas em vigor a reforma do imóvel, cujo valor ultrapassa os duzentos e trinta mil euros.

Termos em que terminou peticionando a declaração de “resolução” dos contratos por caducidade, nos termos acima assinalados.

Devidamente citadas as RR., contestaram.

A R. BB impugnou parcialmente o alegado pelo autor.

Alegou ter ao longo dos anos mantido e conservado a sua casa de morada de família durante cerca de 50 anos, não tendo, mesmo os anteriores proprietários do imóvel, no mesmo efetuado quaisquer obras.

Tendo o A. desde a aquisição do imóvel apenas efetuado reparação do beiral que desabou em 2014, aproveitando para pintar a fachada do imóvel. O que novo efetuou em 2019. Sem que outras obras tenham sido realizadas.

No mais afirmando que o imóvel que habita não tem quaisquer deformações nas paredes, nem se encontra deteriorado.

Tendo a R. atualmente 77 anos e sempre tendo cumprido com as obrigações de inquilina.

O mero desabamento parcial do telhado que levou à saída da R. não implica as obras apresentadas nos orçamentos do autor.

Devendo-se à omissão de comportamentos do autor o estado do imóvel.

Concluiu a R. pela inexistência de fundamento para a invocada caducidade do contrato de arrendamento.

Tendo ainda qualificado a pretensão do autor como um abuso de direito.

Deduziu ainda a R. pedido reconvencional, imputando ao A. responsabilidade pelo atual estado do arrendado, causa de danos que descreveu e cuja indemnização peticionou do A..

Tendo concluído nos seguintes termos [quanto ao pedido reconvencional, deixando-se aqui a pretensão atualizada, na sequência da ampliação deduzida em 26/06/2023]:

“deve a exceção invocada ser julgada procedente, com as consequências legais daí resultantes, ou caso não seja esse o entendimento adotado:

Deve a ação ser julgada improcedente e não provada e em consequência,

1. Ser a Ré absolvida do pedido formulado pelo Autor;

2. Ser reconhecida a culpa exclusiva do Autor pelo estado atual do prédio

I- Caso a ação seja julgada improcedente e não provada[1]

1. A Reconvenção julgada provada e procedente e, em consequência:

a) Ser o Autor condenado a realizar as obras de reparação, conservação e consolidação do prédio que é recuperável;

b) Ser declarado o subsequente direito da Ré à reocupação do local arrendado, após a conclusão das obras;

2- Ser o Autor condenado a pagar à Ré indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais nos termos seguintes:

a) Pela interdição temporária total da habitação, danos patrimoniais não inferiores a € 8.000,00, fruto do total perecimento do recheio da habitação, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a notificação;

b) Pela privação temporária total do gozo do local arrendado e pelo tempo de privação dessa utilização em quantia mensal nunca inferior a € 500,00 e pelo tempo que decorrer a privação, fruto de despesas com rendas e despesas correntes da habitação locada e dos outros locais onde esteve e está a habitar provisoriamente, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a notificação;

c) Pelos danos não patrimoniais decorrentes da privação do gozo do arrendado e da situação a que ficou sujeita e que protela há mais de 3 anos, em quantia nunca inferior a € 25.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a notificação.

II. Para a hipótese de se vir a decidir pela não recuperação do prédio ou pela onerosidade da reconstituição “in natura”, apesar da culpa provada do Autor – o que apenas e só se equaciona por que assim manda a jurisprudência das cautelas –, por mera cautela de patrocínio, desde já se peticiona:

1) a título de privação definitiva do uso do arrendado ser o A. condenado ao realojamento da Ré em imóvel da sua propriedade, um rés-do-chão localizado na Rua ... da freguesia ..., inscrito na matriz sob o art.º ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o n.º ..., cumulando tal com os demais pedidos reconvencionais.

Ou, em alternativa, se não for entendimento a restituição natural neste caso concreto

2) ser o Autor condenado ao pagamento de uma indemnização no valor nunca inferior a € 30.000,00, a título de privação definitiva do uso do arrendado que acumulará com os demais pedidos reconvencionais.

III.- Deve ainda o autor ser condenado, cumulativamente, por litigância de má fé, nos termos do nº 2 do artigo 542º do CPC, nomeadamente alíneas a), b) e d) do mesmo artigo, e nesse sentido ser condenado em multa e ainda indemnização à aqui Ré, nos termos do artigo 543º do CPC, incluindo honorários de mandatária e técnicos, mas também nos termos da al. b), satisfazendo por indemnização os restantes prejuízos sofridos pela Ré como consequência direta ou indireta da má fé do Autor neste processo conforme se venha a apurar.”

A R. CC igualmente contestou e deduziu reconvenção.

Alegou ser arrendatária desde 1984, tendo à data da contestação 74 anos de idade e problemas de saúde que lhe conferem 60% de incapacidade.

Pagando ininterruptamente a renda de € 104,18, não obstante estar desalojada.

Impugnou parcialmente o alegado, incluindo quanto às obras realizadas pelo autor, apesar de conhecer as necessidades de reparação, reabilitação ou melhoria ao nível da estrutura do prédio e na habitação da autora. Antes tendo promovido o agravamento das condições de insegurança, insalubridade e inabitabilidade do imóvel, nos termos que descreveu.

Concluiu a R. pela inexistência de fundamento para a invocada caducidade do contrato de arrendamento.

Tendo ainda qualificado a pretensão do autor como um abuso de direito e manifesta má-fé.

Deduziu ainda a R. pedido reconvencional, imputando ao A. responsabilidade pelo atual estado do arrendado, causa de danos que descreveu e cuja indemnização peticionou do A.

Termos em que concluiu [quanto ao pedido reconvencional, deixando-se aqui a pretensão atualizada, na sequência da ampliação deduzida em 20/06/2023]:

“A) Ser julgada improcedente por não provada e, em consequência, ser a Ré absolvida dos pedidos formulados pelo A.;

B) Ser a Reconvenção julgada provada e procedente e o Autor condenado a efetivar as obras de reparação, conservação e consolidação do prédio que é recuperável

C) E ser declarado o subsequente direito da Ré à reocupação do local arrendado, após a conclusão das obras;

D) Ser reconhecida a culpa exclusiva do A. pelo estado atual do prédio e do locado e, consequentemente, ser este condenado em indemnização a favor da Ré, pelos danos patrimoniais e morais que lhe causou com a sua conduta dolosa que assim se discriminam:

a. Pela privação total do gozo do local arrendado desde o dia 19 de outubro até à data, o montante de € 3.000,00 (três mil euros) acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a notificação;

b. Pela privação total do gozo do local arrendado pelo tempo necessário à sua recuperação até efetiva reocupação pela Ré, pelo tempo de privatização dessa utilização, em quantia mensal nunca inferior a € 500,00 (quinhentos euros),

c. Pelas despesas e encargos suplementares que o facto de estar privada da sua casa trouxeram à Ré até à data, valor nunca inferior a 1000,00€, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a notificação;

d. A título de devolução das rendas pagas desde outubro de 2019, sem o correspondente uso do locado, um total de 625,08€, acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a notificação.

e. Pela perda do recheio da casa, constituído por móveis (quarto, sala, cozinha), eletrodomésticos e televisores, roupas e utilidades domésticas, roupas e bens de uso pessoal, artigos de decoração, fotografias, recordações de família e documentos, em quantia nunca inferior a 8.000,00€, acrescida de juros de mora, à taxa legal desde a notificação.

f. Pelos danos não patrimoniais decorrentes da privação do gozo do arrendado, traduzidos nomeadamente no desgosto de estar privada da casa onde reside há cerca de 36 anos, onde constituiu e manteve a sua família, pela destruição do seu lar, pelos incómodos sofridos, pela angústia, ansiedade, vergonha e sofrimento causados, com repercussões na sua saúde, deve o A. indemnizar a esta Ré em montante nunca inferior a 30.000,00 € (trinta mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a notificação;

g) € 4.053,81 a título de diferença de rendas suportadas pela R. durante este período, bem como o valor das rendas que se vierem a vencer, até integral pagamento;

II

Para a hipótese de se vir a decidir pela não recuperação do prédio ou pela onerosidade da reconstituição “in natura”, o que só por mera cautela se admite, pela privação definitiva do uso do arrendado deve o A. indemnizar a Ré em montante nunca inferior a 30.000,00€ (trinta mil euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal desde a notificação, por ter agido com culpa grave na produção desse evento.

Quantia esta acumulável com o pedido de danos não patrimoniais.

III

Deve ainda cumulativamente, em qualquer caso, o A. ser condenado como litigante de má-fé em indemnização a favor da Ré consistente no reembolso das despesas a que a má-fé a obrigou, incluindo os honorários do mandatário e técnicos, nos termos do previsto nos artºs 542º e 543º do C.P.C.

Tudo com as demais consequências legais.”

Contestou ainda a R. DD (não recorrente).

Tendo concluído [quanto ao pedido reconvencional, deixando-se aqui a pretensão atualizada, na sequência da ampliação deduzida em 26/06/2023]:

“1. Julgar improcedente por não provada a presente ação e em consequência ser a R. absolvida da instância.

2. Ser o A. condenado no pedido reconvencional, devendo realizar as obras de reconstrução do imóvel ou, o realojamento da R.

3. Sendo ainda, consequentemente, condenado a reconhecer o direito de reocupação e manutenção dos contratos de arrendamento habitacionais em vigor.

4. E ainda ser o A. condenado no pagamento da obrigação de indemnizar pelos danos patrimoniais no valor de 8.000,00 euros e danos não patrimoniais no valor de 10.000,00 euros proveniente da responsabilidade civil por factos ilícitos.

E ainda, pela extensão dos danos patrimoniais sofridos à presente data pelo pagamento da diferença do valor da renda do locado ao senhorio, 342,89 euros, e o valor efetivamente que liquida junto da residência/aparthotel no valor de 650,00 euros desde 15 de novembro de 2020 (momento em que o Município, Proteção Civil deixou de liquidar a renda do aparthotel).

Liquidado à data da ampliação do pedido em € 9.538,30.

5. E, por fim, ser o R. condenado na devolução das rendas entretanto liquidadas no valor total de 3.086.01 euros

B.

6. Em pedido alternativo, caso não se julgue procedente o pedido de recuperação do imóvel pela onerosidade da sua reconstrução e impossibilidade de realojamento, deverá ser fixada judicialmente uma indemnização pela privação do uso do locado durante o período pelo qual a R. se viu privada do mesmo, nunca inferior a 15.000,00 euros.

Sendo cumulável este último pedido, com o pedido da condenação em responsabilidade civil e na consequente obrigação de indemnizar pelos danos materiais – pelo recheio da casa no valor de 8000,00 euros, e pela diferença do valor das rendas liquidadas pela Autora /reconvinte acima indicado, no valor de 9 538,30 euros até à presente data, e não patrimoniais nunca inferiores a 10.000,00 euros (dez mil euros) pelos incómodos, falta de privacidade e conforto que esta situação provocou e continua a provocar no agregado familiar da Autora /reconvinte

E do respetivo pedido de devolução do valor das rendas.

7. E, a final, ser condenado por litigância de má-fé, nos termos do Art.º 542º e 543º do C.P.C.”

Replicou o A., a final e perante o por si alegado, concluindo:

“Termos em que não devem ser verificadas as exceções suscitadas, devendo os pedidos reconvencionais serem julgados improcedentes e procedente o pedido da ação.”

Apresentaram as RR. tréplica, em suma concluindo como nas suas contestações.

Após convite ao aperfeiçoamento do alegado pelas RR. em sede de pedido reconvencional, com vista a concretizar factualmente os danos alegados, a que estas responderam, foi dado ao autor o direito a exercer o contraditório em articulado próprio. Direito de que o autor fez uso.

Bem como usou o A. do direito de contraditório, na sequência das ampliações aos pedidos reconvencionais apresentadas. Pugnando pela sua improcedência, sem prejuízo de declarar aceitar devolver as rendas que as locatárias depositaram após outubro de 2019, como sempre se dispôs (vide requerimento de 29/06/2023).


*

Foi realizada audiência prévia e, nesta, elaborado despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Foi ordenada oficiosamente a realização de prova pericial, a qual teve lugar sob o modo colegial.

Em 23/05/22 foi junto aos autos o relatório pericial.


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Realizada audiência de discussão e julgamento, foi a final proferida a seguinte decisão:

“A) Julga-se parcialmente procedente a ação e, em consequência:

A.1. Declara-se a caducidade dos contratos de arrendamento celebrados com as Rés, em 7 de novembro de 2021;

A.2. Absolvem-se as Rés do demais peticionado;

B) Julga-se parcialmente procedente a Reconvenção deduzida pela 1.ª Ré BB e, em consequência:

B.1. Autoriza-se a 1.ª Ré a proceder ao levantamento dos depósitos das rendas mensais relativas ao período compreendido entre 20 de outubro de 2019 e abril de 2022;

B.2. Condena-se o Autor a pagar à 1.ª Ré a quantia de € 4.500,00 (quatro mil e quinhentos), a título de danos patrimoniais pela privação do locado até 07 de novembro de 2021, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde o dia seguinte ao da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

B.3. Condena-se o Autor a pagar à 1.ª Ré a quantia de € 8.500,00 (oito mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais pela perda do locado desde 07/11/2021, deduzida dos montantes satisfeitos pelo Autor na sequência do acordo celebrado com a 1.ª Ré no âmbito do processo de embargos aludido no ponto 88. Da matéria provada, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde o dia seguinte ao da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

B.4. Condena-se o Autor a pagar à 1.ª Ré a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde o dia seguinte ao da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

B.5. Absolve-se o Autor/Reconvindo do demais peticionado pela 1.ª Ré/Reconvinte;

C) Julga-se parcialmente procedente a Reconvenção deduzida pela 2.ª Ré CC e, em consequência:

C.1. Condena-se o Autor a restituir à 2.ª Ré as rendas pagas por esta desde 20 de outubro de 2019 até ao final de maio de 2020, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde o dia seguinte ao da notificação do pedido reconvencional até efetivo e integral pagamento;

C.2. Condena-se o Autor a pagar à 2.ª Ré a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), título de danos patrimoniais pela privação do locado até 07 de novembro de 2021, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde o dia seguinte ao da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

C.3. Condena-se o Autor a pagar à 2.ª Ré a quantia de € 17.500,00 (dezassete mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais pela perda do locado desde 07/11/2021, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde o dia seguinte ao da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

C.4. Condena-se o Autor a pagar à 2.ª Ré a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde o dia seguinte ao da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

C.5. Absolve-se o Autor/Reconvindo do demais peticionado pela 2.ª Ré/Reconvinte;

D) Julga-se parcialmente procedente a Reconvenção deduzida pela 3.ª Ré DD e, em consequência:

D.1. Condena-se o Autor a restituir à 3.ª Ré quantia global de € 3.771,79, correspondente às rendas referentes ao período de 20 de outubro de 2019 a setembro de 2020;

D.2. Condena-se o Autor a pagar à 3.ª Ré a quantia global de € 6.000,00 (seis mil euros), a título de danos patrimoniais pela privação do uso do locado até 07/11/2021 e pela parda do locado desde tal data, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde o dia seguinte ao da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

D.3. Condena-se o Autor a pagar à 3.ª Ré a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal de juros civis, desde o dia seguinte ao da prolação da presente sentença até efetivo e integral pagamento;

D.4. Absolve-se o Autor/Reconvindo do demais peticionado pela 3.ª Ré/Reconvinte.”


*

***

*


Do assim decidido apelaram as RR. BB e CC, bem como o A., oferecendo alegações e apresentando conclusões que infra se reproduzem.

RECURSO DAS RR. BB E CC.

Conclusões:

(…)


*

RECURSO DO AUTOR AA.

“CONCLUSÕES

PRIMEIRA: O recorrente apenas recorre da sentença quanto aos pedidos reconvencionais, versando o recurso sobre a matéria de facto e de direito;

SEGUNDA: Os números abaixo indicados da matéria de facto provada em vez da redação existente devem ficar com a seguinte redação ou eliminados:

29. E, entre 13/01/2020 e 04/02/2020, o Autor procedeu à demolição da cobertura e tetos da edificação e retirada, entretanto reposta, de portas interiores e janelas interiores do lado poente.

33, O estado de ruína do prédio referido em 30 e em 31 resulta da antiguidade do imóvel, do tipo de materiais que o compõem, dos vícios de construção, de se ter esgotado o tempo de duração do imóvel, da legislação que impediu a atualização de rendas por período excessivo, das deficientes obras de conservação feitas por quem não estava habilitado, da oposição das locatárias a obras de conservação e duma forte tempestade.

42. Após 19/20 de outubro de 2019, a reparação/reconstrução da cobertura adiaria por pouco tempo a derrocada do imóvel.

43. Os factos referidos em 18. impunham obras de reparação geral do prédio.

51. Na sequência de tal notificação, o Autor procedeu à reparação do beiral, que havia ruído parcialmente, no ano de 2015, conforme referido em 13.

O nº 57 dos factos provados deve ser eliminado.

61. O custo das obras necessárias para a reparação do telhado antes do desabamento parcial ocorrido em 19/20 de outubro de 2019 ascendia a montante que em concreto não foi possível precisar.

O nº 62 dos factos provados deve ser eliminado

68. A 2ª Ré, sendo uma pessoa de saúde frágil encontra-se muito consternada, deprimida, sofre de dores de cabeça, dificuldades em dormir e incontrolável vontade de chorar, tudo isso prejudicando a sua saúde física e mental.

TERCEIRA: As obras de conservação de imóvel arrendado apesar de competirem ao locador só o constituem em mora quando o mesmo for notificado da necessidade dessas obras, seja pelo locatário, seja pelas autoridades competentes em matéria urbanística e não cumpra.

QUARTA: Não havendo mora do locador em fazer obras de conservação em prédio arrendado não há responsabilidade civil do locador perante os locatários por danos que sofram por falta de obras de conservação.

QUINTA: As locatárias BB e DD expressamente declararam em audiência que nunca pediram obras ao senhorio/Autor.

SEXTA: A locatária CC através de uma amiga informou o A. que havia uma telha deslocada e pediu uma vistoria na Câmara Municipal ... ao espaço por si arrendado, cujo resultado foi comunicado ao Autor após o imóvel ter desabado, na expressão de BB (fls 100 da transcrição, minuto 18,20 da gravação do seu depoimento) ou ter alacado na expressão de DD acima referida, pelo que por estas locatárias não houve qualquer pedido de obras ao Autor.

SÉTIMA: As indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais não são devidas pelo Autor.

OITAVA: A partir da data de extinção dos contratos de arrendamento não havia lugar ao pagamento de renda e apenas a locatária BB continuou a depositar a renda na Banco 1.... Rendas que não foram levantadas pelo A, o qual condescendeu em pagar à locatária BB o excesso de renda que ela contratou pagar após ela passar a pagar renda a terceiro e até se clarificar o litígio.

NONA: Não há devolução de rendas a fazer pelo Autor, desde logo porque as locatárias as não pagaram e o Autor não as recebeu.

DÉCIMA: A sentença viola o disposto no artigo 483º, 805º, 1 033º d) do Código Civil

Devendo os pedidos reconvencionais ser desatendidos.

Assim pede e espera por ser de JUSTIÇA.”


*

Apresentou o A. contra-alegações ao recurso das RR., tendo em suma:

- pugnado pela inadmissibilidade da junção do documento apresentado pelas recorrentes com o seu recurso;

- no mais, pugnado pela improcedência do recurso interposto pelas RR.

Apresentaram as recorridas BB e CC (esta aderindo à posição da primeira) contra-alegações ao recurso interposto pelo autor, tendo em suma concluído pela improcedência da apelação do recorrente autor e, no mais, pela alteração da decisão nos termos por si pugnados.


*

Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.

Foram colhidos os vistos legais.


*

II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem as seguintes as questões a apreciar:

Recurso das RR.

I- Admissibilidade do documento oferecido pelas RR. com o seu recurso;

II- erro na decisão de facto;

III- erro na decisão de direito.

Recurso do A..

I- erro na decisão de facto.

II- erro na decisão de direito.


***

III- Fundamentação

O tribunal a quo julgou provada a seguinte matéria de facto:

“1. Mediante escritura pública outorgada em 21/03/2013, no Cartório Notarial de EE, sito na Rua ..., rés-do-chão, em Espinho, o FF, na qualidade de administrador único e em representação da sociedade “A..., S.A.” e na qualidade de 1.º outorgante, e o Autor, na qualidade de 2.º outorgante declararam:

“Disse o 1.º outorgante, em nome da sua representada:

Que, pelo preço global de cem e dois mil euros, que já recebeu, em numerário, vende ao 2.º outorgante, livre de quaisquer ónus ou encargos, os seguintes imóveis:

Um – Prédio urbano – composto de casa de dois pavimentos, sito na Rua ..., na freguesia e concelho de Espinho, descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho, sob o número ... (…), inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 55.320,00€, ao qual atribuem o valor de cinquenta e um mil euros;

Dois – Prédio urbano – composto de cada de um andar, com área descoberta, sito na Rua ..., na freguesia e concelho de Espinho, descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho, sob o número ... (…), inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., com o valor patrimonial tributário de 46.420,00€, ao qual atribuem o valor de cinquenta e um mil euros;

Que estes imóveis, foram adquiridos pela Sociedade representada pelo 1.º outorgante, por escritura de compra e venda, outorgada hoje, neste Cartório, lavrada a folhas (…).

Disse o 2.º outorgante:

Que aceita este contrato nos precisos termos exarados e que os imóveis, ora adquiridos, se destinam a sua habitação secundária.

(…).”;

2. O prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Espinho sob o n.º ..., sito na Rua ..., ..., em Espinho, encontra-se registado a favor do Autor através da Ap. ... de 2013/03/28;

3. Tal prédio é de construção antiga, que data, pelo menos, de 1938;

4. Tal prédio localiza-se a cerca de 80 metros do mar e aproximadamente 15 metros da praia e a cerca de 150 metros da linha do caminho-de-ferro Porto/Lisboa (...);

5. Em 21/01/2013, devido à idade e a essa localização próximo do mar, o prédio apresentava uma diminuição do tempo útil e desgaste dos materiais de construção e, dentro destes, os que têm função de suporte, que não se encontram protegidos, designadamente por revestimentos;

6. Apesar disso, em 21/01/2013, o prédio estava em razoável estado de conservação e tinha condições de habitabilidade;

7. A 1.ª Ré BB tomou de arrendamento, para habitação, o rés-do-chão esquerdo do referido prédio há mais de 40 anos, pagando atualmente € 86,63 de renda mensal;

8. A 2.ª Ré CC tomou de arrendamento, para habitação, o 1.º andar esquerdo do referido imóvel, contra o pagamento atual de € 104,18 mensais;

9. A 3.ª Ré DD tomou de arrendamento, para habitação, o rés-do-chão direito contra o pagamento mensal atual de € 342,89;

10. A 1.ª Ré BB ocupa o rés-do-chão esquerdo, composto por 3 quartos, sala, wc e cozinha, com pequeno logradouro, ao abrigo do contrato referido em 7., desde data que em concreto não foi possível precisar, mas há mais de 50 anos;

11. A 2.ª Ré CC ocupa o 1.º andar esquerdo, desde 1 de janeiro de 1984, ao abrigo do contrato de arrendamento celebrado nesta data pelo marido, junto com a contestação e aqui dado por reproduzido, “pelo prazo de um ano, a começar no dia 1 de janeiro de 1984 e a terminar em 31 de dezembro de 1984, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais e nas mesmas condições, enquanto, por qualquer das partes, não for denunciado com a antecipação legal”;

12. A 3.ª DD, ocupa com o respetivo agregado familiar, o rés-do-chão direito, desde 1 de Fevereiro de 1999, ao abrigo do contrato de arrendamento celebrado nessa data, junto com a contestação e aqui dado por reproduzido, no regime de renda condicionado, sendo que “o prazo de duração do arrendamento é de um ano, com início em 99/02/01 e com termo em 2000/02/01, considerando-se prorrogado por sucessivos períodos iguais e nas mesmas condições, caso não seja denunciado por qualquer das partes, nos termos da lei” ;

13. O Autor procedeu à substituição de algumas telhas no final do ano de 2014, à reparação do beiral e pintura de parte exterior do prédio no ano de 2015;

14. Procedeu à reparação do barrote (guieiro) em 2014/2015;

15. E, procedeu à reparação da goteira e à pintura e reparação de algumas fissuras da fachada do prédio no ano de 2018;

16. No prédio foi colocada uma placa de cimento a servir parte do primeiro piso, assente no soalho do imóvel, apoiado em travejamentos de madeira;

17. Mediante requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal ..., apresentado em 09/08/2019, a 2.ª Ré CC requereu a realização de uma vistoria ao locado, para efeitos de verificação das condições de segurança e salubridade;

18. Na sequência de tal requerimento, em 10/10/2019, foi elaborado Auto de vistoria de salubridade, no qual os técnicos, bem como o perito indicado pelo Autor, concluíram que este último deveria ser notificado para, de imediato, salvaguardar a segurança dos ocupantes da habitação e, no prazo de 60 dias, proceder à realização “das obras necessárias e proporcionais a garantir a segurança e salubridade do imóvel, ou as que são razoáveis e proporcionalmente indispensáveis a garantir a sua habitabilidade, nomeadamente: - Revisão e reparação geral da estrutura e telhas do telhado; - Revisão e reparação geral dos tetos; - Reparação de fissura existente na instalação sanitária e solidarização das paredes”;

19. No fim de semana de 19 e 20 de outubro de 2019, em sequência de temporal que ocorreu, verificou-se a queda de uma série de telhas e o desabamento parcial da cobertura do edifício;

20. O que motivou a deslocação ao local da PSP, dos Bombeiros Voluntários ... e de representante do Serviço Municipal de Proteção Civil;

21. Devido a tal desabamento parcial do telhado, bem como às condições meteorológicas esperadas, existia risco de derrocada do restante telhado e possíveis danos nas paredes e estrutura do prédio;

22. Por tais motivos, aquelas autoridades optaram por retirar e realojar os moradores;

23. Nessa altura, o Autor foi informado das condições do prédio e notificado para resolver os problemas nele existentes e de realojar os moradores, pelo tempo estritamente necessário até estarem reunidas as condições necessárias para a habitabilidade do prédio;

24. Em 21/10/2019, pelo Vereador da Câmara, no exercício de competência delegada, foi dirigida notificação por escrito ao Autor para proceder à recuperação da cobertura em 30 dias, substituindo todos os elementos danificados ou em mau estado de conservação, bem como para proceder ao realojamento dos residentes do prédio, em tal momento;

25. Não tendo o Autor procedido ao realojamento das Rés, em 22/10/2019, o Município ... procedeu ao seu realojamento, exceto da 1.ª Ré, que optou por ficar em casa de um vizinho;

26. Em 22/10/2019, o Presidente da Câmara notificou o Autor para proceder à recuperação da cobertura em 30 dias, substituindo todos os elementos danificados ou em mau estado de conservação;

27. Em 13/01/2020, o Autor apresentou pedido de ocupação da via pública, para realização de obras isentas de controlo prévio (de escassa relevância urbanística), tendo em 27/01/2020 sido emitido o alvará de ocupação da via pública, válido até 27/02/2021, condicionado “à prévia salvaguarda dos bens particulares existentes no interior da edificação, bem como, executar todos os trabalhos de forma a dotar das condições de habitabilidade necessárias e suficientes para a utilização imediata das frações por parte dos inquilinos, após terminado o prazo da licença”;

28. O Autor não efetuou as obras de recuperação do telhado;

29. E, entre 13/01/2020 e 04/02/2020, o Autor procedeu à demolição da cobertura e dos tetos da edificação e à danificação de paredes e pavimentos, bem como à retirada, entretanto reposta, de portas interiores e janelas interiores do lado poente;

30. Atualmente e desde, pelo menos, 07/11/2021:

- Não existe a cobertura do edifício;

- O pavimento do andar em estrutura de madeira, encontra-se bastante degradado, com elementos estruturais danificados, com as madeiras do soalho em avançado estado de degradação incluindo o vigamento de madeira de suporte que se encontra apoiado nas paredes de alvenaria exteriores;

- O pavimento do andar e da cobertura do andar em betão armado, localizados na parte posterior do edifício apresentam diversas patologias, nomeadamente, fissuras, musgos, fungos e armaduras expostas, causadas por infiltrações de água da chuva, ao longo do tempo;

- O teto do rés-do-chão/pavimento do andar encontra-se em ruína, com partes que caíram;

- As infraestruturas existentes (elétricas, telecomunicações, abastecimento de água, esgotos e águas pluviais) encontram-se totalmente danificadas;

- A parede exterior a Norte, com elementos de alvenaria de tijolo maciço, possui zonas onde a alvenaria caiu;

- As paredes exteriores em alvenaria de pedra ordinária possuem várias fissuras, infiltrações de água e deformações;

31. Dado esse estado de ruína, o imóvel não reúne condições de habitabilidade, pondo em risco a segurança dos seus habitantes. Atendendo ao colapso parcial de alguns elementos estruturais, bem como à deterioração de outros, não é possível garantir a estabilidade global do edifício, apresentado este risco de derrocada;

32. Para a reconstrução total do imóvel serão necessários cerca de € 162.360,00;

33. O estado de ruina do prédio referido em 30. e em 31. resulta da falta de obras de conservação e dos factos referidos em 18., 28. e 29.;

34. O prédio, apesar de ter quatro frações com utilização independentes, tinha apenas três ocupadas com inquilinas, as aqui Rés;

35. A 1.ª Ré BB nasceu em 18 de maio de 1942, casou com GG em 1966, tendo o casamento sido dissolvido por óbito deste em 6 de setembro de 2016;

36. A 1.ª Ré tem, desde maio de 2019, uma incapacidade de 73%;

37. A 1.ª Ré BB mantinha e conservava o imóvel arrendado asseado, limpo e habitável;

38. Por carta datada de 16/12/2013, o Autor comunicou à 1.ª Ré e seu marido, entretanto falecido, a intenção de transitar o contrato de arrendamento para o regime do NRAU, propondo o mesmo passe a ser com prazo certo com a duração de 5 anos e aumentar a renda de € 25,00 para € 200,00;

39. Por carta de 11/01/2014, o marido da 1.ª Ré comunicou ao A. que, em virtude dos inquilinos terem mais de 65 anos e de ele ter uma incapacidade permanente global de 70%, se opunha à transição do contrato para o NRAU e à alteração do contrato para o tipo de prazo certo com a duração de 5 anos, devendo a renda ser atualizada para o valor máximo de € 32,00;

40. A 1.ª Ré criou os filhos nessa casa;

41. O A. nunca entrou em contacto com a 1.ª Ré para saber do estado do imóvel, nem nunca lhe solicitou a entrada no mesmo para vistoriar ou conhecer o seu real estado;

42. Após 19/20 de outubro de 2019, a reparação/recuperação da cobertura era bastante e suficiente para garantir a habitabilidade do imóvel;

43. Os factos referidos em 18. resultam da falta da realização de obras de conservação;

44. Após 19/20 de outubro de 2019, a 1.ª Ré ficou a viver, por favor, em casa um vizinho, que se encontrava emigrado;

45. A partir de agosto de 2020, passou a viver num quarto, com wc, que lhe foi cedido por uma senhora amiga que tem uma casa e a quem paga € 250,00 por mês, sendo os familiares quem lhe leva a comida;

46. A impossibilidade de não poder viver na casa arrendada, causa à 1.ª Ré tristeza, desgosto e sofrimento;

47. Não podendo receber família, amigos e visitas numa casa que sinta ser sua;

48. A 2.ª Ré CC nasceu em 23 de novembro de 1945, casou com HH em 5 de abril de 1964, tendo o casamento sido dissolvido por óbito deste em 31 de maio de 2001;

49. O prédio situa-se na primeira linha do mar e no centro da cidade de Espinho;

50. Por ofício de 27/05/2014, a Câmara Municipal ... notificou o Autor para proceder à realização de obras de conservação e arranjo estético num prazo de 90 dias;

51. Na sequência de tal notificação, o Autor procedeu à reparação do beiral, que havia ruido parcialmente, no ano de 2015, conforme referido em 13., o que fez de forma deficiente e desadequada;

52. O Autor nunca fez qualquer intervenção no interior da habitação da 2.ª Ré;

53. A 2.ª Ré mantinha a casa com as condições de conservação, limpeza e salubridade adequadas e suficientes à sua habitabilidade;

54. Por carta datada de 16/12/2013, o Autor comunicou à 2.ª Ré a intenção de transitar o contrato de arrendamento para o regime do NRAU, propondo o mesmo passe a ser com prazo certo com a duração de 5 anos e aumentar a renda de € 100,00 para € 200,00;

55. Por carta datada de 26/12/2013, a 2.ª Ré comunicou ao A. que, em virtude de ter mais de 65 anos, se opunha à transição do contrato para o NRAU e à alteração do contrato para o tipo de prazo certo com a duração de 5 anos, devendo a renda ser atualizada para o valor máximo de € 69,84;

56. Até junho de 2019, a 2.ª Ré nunca teve em sua casa entrada direta de água da chuva, humidades ou bolores, nos seus tetos ou paredes, que também não apresentavam rachadelas ou fissuras relevantes;

57. No início de junho de 2019, despareceram várias telhas do telhado, a norte do prédio, por cima da residência da 2.ª Ré, de forma que o interior do prédio ficou exposto e sujeito à ação da chuva, humidades, vento e outras intempéries;

58. De imediato, a 2.ª Ré avisou pessoalmente o Autor, dando-lhe conta da falta de telhas e solicitando-lhe que reparasse o telhado;

59. Pedido que repetiu, por diversas vezes e, mais tarde, através de Advogada, a qual por carta datada de 1 de agosto de 2019, junta com a contestação da 2.ª Ré e aqui dada por reproduzida, comunicou ao Autor que:

“(…) Como é do conhecimento de Vª Exª, parte do telhado de cobertura da fração arrendada à minha Cliente, encontra-se danificado, apresentando, a norte, uma abertura de dimensões significativas, por onde entra vento, chuva e humidade:

(…).

Com os consequentes prejuízos no interior da habitação, deterioração da estrutura do imóvel e, sobretudo, perigo para a segurança, saúde, bem-estar, tranquilidade de bens da inquilina.

(…).

Segundo orçamento colhido pela Inquilina, tal reparação importará um valor que não ultrapassa os 6.800,00€, nomeadamente a limpeza de entulho e lixo, substituição de barrotes, traves e ripas danificados por novos (ripas metálicas), tratamento de madeiras, colocação de telhas em falta e mão-de-obra.

(…).

Assim, fica VªExª desde já intimado a tomar as providências necessárias e adequadas a corrigir as deficiências que o locado e partes comuns do respetivo edifício apresentam, nomeadamente ao nível do telhado e sua estrutura, cujo estado constitui risco grave e atual para a saúde e segurança de pessoas e bens da inquilina, devendo corrigir com urgência a situação acima descrita que, em concreto, impede a normal e legal fruição desse locado.

(…)”;

60. Por carta datada de 10/07/2019, junta com a contestação da 2.ª Ré e aqui dada por reproduzida, dirigida aos Locatários do prédio, o A. comunicou que:

“(…).

Fui informado de que ruiu parte do telhado. Pedi orçamento de reparação do telhado e valor que me foi dado foi de 20 000,00€ sem IVA, por virtude da armação se apresentar absolutamente inoperante, podre e a ameaçar ruina.

Não tenho dinheiro para efetuar a reparação do telhado e se efetuasse a reparação não teria compensação por aumento de renda.

Se destinasse a renda para pagamento das obras, nem ao fim de 15 anos teria as obras pagas.

Estas reflexões servem para afirmar aos locatários que o imóvel ameaça ruína e que, se tal vier a acontecer, verifica-se perda do arrendado, o que está previsto no artigo 1051º do Código Civil, caso em que se verifica caducidade dos contratos de arrendamento.

Esta prevenção destina-se a que os locatários possam encontrar solução habitacional, deixando o imóvel antes do mesmo se tornar inabitável.

O proprietário:

(Este documento depois de assinado é depositado na caixa do correio de cada locatário, ficando o proprietário com cópia)”;

61. O custo das obras necessárias para a reparação do telhado antes do desabamento parcial ocorrido em 19/20 de outubro de 2019 ascendia a montante que em concreto não foi possível precisar, mas que, na parte correspondente ao da habitação da 2.ª Ré, ascendia a cerca de € 6.800,00;

62. A reparação referida em 18. obstaria à fragilização, degradação e posterior desabamento parcial do imóvel;

63. A 2.ª Ré está privada de usar e fruir da casa arrendada, onde constituiu e manteve a sua família, desde o fim-de-semana de 19 e 20 de outubro de 2019;

64. A 2.ª Ré foi alojada provisoriamente por conta e ordem da Proteção Civil da Câmara Municipal, primeiro num hostel e depois num outro hostel;

65. A partir de agosto de 2021, a Ré passou a residir numa casa de hóspedes sita na Rua ... em Espinho, num quarto sem janela, com wc e cozinhas comuns;

66. As circunstâncias acima referidas provocam forte angústia, incómodos, desconforto e ansiedade na 2.ª Ré;

67. A 2.ª Ré está privada de receber familiares, amigos e visitas em virtude da falta de condições para o efeito, e tem vergonha da situação em que se encontra, tendo perdido a sua privacidade, o que lhe acarreta grandes desgosto e sofrimento;

68. A 2.ª Ré, sendo uma pessoa de saúde frágil, em consequência de toda esta situação, encontra-se muito consternada, deprimida, sofre dores de cabeça, dificuldades em dormir e incontrolável vontade de chorar, tudo isso prejudicando a sua saúde física e mental;

69. A partir de agosto de 2021, inclusive, até agosto de 2022, inclusive, a 2.ª Ré suportou a quantia mensal de € 250,00, pela prestação de serviços de alojamento da casa de hóspedes sita na Rua ..., em Espinho, num total de € 3.250,00;

70. E, a partir de setembro de 2022, passou a suportar a quantia mensal de € 320,00 pela prestação de tais serviços de alojamento;

71. A 3.ª Ré DD nasceu em 25 de dezembro de 1973;

72. A 3.ª Ré vivia no locado com as suas duas filhas;

73. A 3.ª Ré está privada de usar e fruir da casa arrendada, com as suas filhas, desde o fim-de-semana de 19 e 20 de outubro de 2019;

74. A 3.ª Ré, juntamente com as filhas, foi alojada provisoriamente por conta e ordem da Proteção Civil da Câmara Municipal, num hostel;

75. Em virtude da privação do uso e fruição da casa arrendada, sofreu incómodos e desgosto;

76. As Rés mantiveram as chaves das casas, após o fim-de-semana de 19 e 20 de outubro de 2019;

77. O Autor instaurou ação contra a Autarquia no Tribunal Administrativo;

78. As paredes exteriores do prédio são em alvenaria de pedra ordinária, tendo a parte exterior a Norte elementos em alvenaria de tijolo maciço, assentando o telhado em estrutura de madeira;

79. Na sequência do sinistro ocorrido no fim-de-semana de 19 e 20 de outubro de 2019, a Autoridade administrativa guardou em armazém os haveres dos ocupantes do prédio, só não procedendo ao armazenamento dos que as Rés não quiseram;

80. O Autor já se tinha apercebido, pelo menos, no ano de 2017, da necessidade de substituir o telhado, incluindo telhas, armação e vigas;

81. Quando comprou o imóvel, o Autor sabia que o imóvel era de construção antiga, que existia pelo menos em 1938;

82. E, sabia dos arrendamentos que sobre o mesmo impendiam;

83. O Autor procedeu à reconstrução integral do prédio contíguo que comprou juntamente com o aqui em questão;

84. Desde o sinistro ocorrido em 19/20 de outubro de 2019, a título de rendas, a 3ª ré liquidou a quantia global de € 3.771,79, correspondente às rendas do locado referentes aos meses de outubro de 2019 a setembro de 2020;

85. A 1.ª Ré BB instaurou procedimento cautelar comum com o Autor, por apenso aos presentes autos e que constitui o apenso B, tendo por objeto assegurar até à realização das obras e à peticionada reocupação do local, o seu realojamento pelo período em que se mantiver a privação total do uso locado, atenta a manutenção da validade do contrato de arrendamento, peticionando aí a 1.ª Ré seja decretado o seu realojamento, pelo período que se mantiver a privação total do uso locado, atenta a manutenção da validade plena do contrato de arrendamento;

86. Após o exercício do contraditório, em 18/12/2020, foi proferida decisão a julgar parcialmente procedente tal procedimento cautelar e, em consequência, foi determinado que o Autor proceda, no prazo de 15 dias úteis, ao realojamento da 1.ª Ré, nos termos do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2, e 6.º, n.ºs 3 a 5, do DL n.º 157/2006, de 8 de Agosto, sem prejuízo do disposto nos art.ºs 12.º e segs. e demais regime plasmado no DL n.º 157/2006, de 8 de Agosto, de acordo com a duração, natureza e extensão das obras;

87. Por acórdão proferido em 27 de abril de 2021, foi julgado improcedente o recurso interposto pelo Autor, confirmando-se a decisão proferida no procedimento cautelar;

88. Na sequência da decisão proferida nesse procedimento cautelar, a 1.ª Ré instaurou a correspondente execução contra o aqui Autor para prestação de facto, tendo, no âmbito dos respetivos embargos de executado, sido celebrado acordo em 10/03/2022 “até à decisão da presente ação”, nos seguintes termos:

“I - O embargante desonera a embargada da liquidação da renda mensal e obriga-se a pagar-lhe mensalmente a quantia de € 160,00 - por transferência bancária para o IBAN que a embargada protesta juntar em 5 (cinco) dias -, por conta da renda mensal do quarto que a embargada agora ocupa.

II - O pagamento referido em 1) deste acordo será feito pelo embargante à embargada até ao último dia útil de cada mês, com início no presente mês de março”,

89. Até abril de 2022 a 1ª ré BB procedeu ao depósito da respetiva renda mensal;

90. A 2.ª Ré liquidou as rendas até ao final de maio de 2020;

91. A 3.ª Ré suporta, desde novembro de 2020, a quantia de € 650,00 mensais pelo alojamento, com mobiliário, num T2 de uma residencial, sita na Rua ... em Espinho, onde vive com as filhas;

92. De acordo com a certidão matricial, o prédio inscrito na matriz sob o art.º ... tem um valor patrimonial de € 56.149,80, reportado ao ano de 2018;

93. O Autor vive no prédio contíguo que reconstruiu, desde 2021;


*

Julgou ainda o tribunal a quo como não provados os seguintes factos:

“A.2. Matéria não provada:

Com relevo para a decisão, nenhuns outros factos ficaram demonstrados, nomeadamente não ficou provado que:

a) Em 21/03/2013, o prédio apresentava danos muito avultados, devido à proximidade do mar;

b) Pelo anterior proprietário foi dito ao Autor e constava no local da situação do imóvel que o Município ... impedia que se fizessem obras de vulto nos prédios daquela zona por ter um plano que previa a aquisição de todo o quarteirão, incluindo a demolição do estádio de futebol contíguo a este prédio, a fim de afastar as habitações da linha da costa e para implementar um empreendimento de interesse geral;

c) No Inverno que se seguiu à compra do prédio ruiu o beiral e o A. reparou o beiral e preencheu as fendas nas paredes exteriores com poliuretano;

d) O Autor procedeu a todas as obras urgentes no prédio;

e) O A. procedeu a outras obras, para além daquelas que constam da matéria assente;

f) Ao longo do tempo foram feitas algumas obras clandestinas, nomeadamente pelas Rés;

g) As Rés realizaram obras no prédio que contribuíram para a sua degradação;

h) O soalho que ficou a servir de apoio à placa de cimento apodreceu, o peso da placa criou brechas nas paredes, essas brechas afastaram telhas, as águas penetraram nas travessas de suporte do telhado que se encontravam apoiadas nas paredes envoltas em argamassa hidráulica de saibro e areia, que apodreceram, o telhado abaulou, as pingas de água que foram entrando no imóvel foram sendo recolhidas em baldes, cada ano aumentando o volume de entrada de água;

i) Ao longo do tempo e muito antes do A. comprar o prédio, foram sendo feitos escoramentos das traves de madeira que suportavam as telhas, traves que se achavam partidas, corroídas pelo bicho da madeira, pelo salitre que destruiu os pregos que as unia, pelos fungos que se instalaram e sobretudo pela putrefação que a idade desencadeou;

j) As trepidações devidas à passagem de veículos na rua ou até na linha férrea de Porto a Lisboa que não passa muito longe dali, aos abalos telúricos que se verificaram ao longo dos muitos anos de existência do imóvel, fez com que se criassem outras brechas que em alguns sítios permitiam a passagem da luz e da aragem;

k) A proximidade do mar fez com que o vento arrastasse para o imóvel pingas de água salgada e sal que se colou em todo o travejamento do imóvel e corroeu todos os pregos e metais que enleavam os madeiramentos:

l) As próprias paredes interiores de divisórias no prédio deformaram-se com as distorções que paulatinamente foram acontecendo;

m) As pessoas que ocupavam o prédio foram assistindo à progressiva degradação do mesmo, nele continuando a residir por a renda a pagar ser muito baixa, relativamente às rendas praticadas nos imóveis mais recentes da cidade de Espinho;

n) Na sequência do temporal de 19/20 de outubro de 2019, impunham-se obras de total remodelação, que obrigavam, para além da demolição do telhado, à demolição do piso do andar, à retirada das divisórias em tabique, à demolição das escadas interiores de acesso e até da parede nascente do imóvel, sendo necessário reforças as fundações e substituir as paredes, o que equivale à demolição total;

o) O Autor indagou junto das Rés da possibilidade de se fazerem obras, da desocupação do prédio, da atualização de renda, sem que tenha conseguido qualquer cedência por parte das mesmas, nomeadamente na alteração da renda;

p) Em 19/20 de outubro, o prédio derrocou;

q) O imóvel derrocou pela antiguidade, pelo salitre que correu os materiais e especialmente o metal devido à proximidade do mar, pelo mau tempo, pelo congelamento das rendas que durante muitos anos forçou a que os anteriores donos não fizessem obras de conservação;

r) O Autor por residir distanciado do mar, ao adquirir o prédio não suspeitava que o mesmo estivesse na iminência de derrocar;

s) A derrocada do imóvel ocorreu por causa alheia à vontade do Autor;

t) Para reabilitar o imóvel são necessários entre € 230.969,40 ou € € 292.107,87;

u) As Rés sabiam que a qualquer momento o prédio poderia derrocar;

v) As Rés não quiseram preferir na compra do mesmo por saberem que o estado do imóvel já era deplorável;

w) O A. fez as obras que as Rés indicaram como prioritárias;

x) Obras feitas pelas Rés ao longo dos anos e em que datas foram feitas e seu eventual contributo para a conservação ou degradação do imóvel;

y) A 1.ª Ré ficou sem o recheio da casa, nomeadamente mobiliário, eletrodomésticos, utensílios de uso doméstico, decoração avulsa e pertences pessoais, no valor que ascende a cerca de € 1.500,00, e privada de usar e fruir de tais bens desde a interdição temporária total da habitação até ao presente, desconhecendo o estado dos seus bens, que ficaram dentro de portas;

z) O valor desse recheio ascendia a € 8.000,00;

aa) A 1.ª Ré suportou as contas de água, luz e telecomunicações do locado após outubro de 2019;

bb) A 1.ª Ré teve que suportar as despesas de água, luz e gás da casa para onde foi viver após outubro de 2019, dando ao respetivo proprietário uma média mensal de € 75,00;

cc) A 1.ª Ré tem que suportar as despesas de água, luz e gás do quarto que lhe foi cedido e onde vive atualmente;

dd) Mais dia menos dia terá que abandonar o imóvel onde se encontra e procurar um arrendado onde possa morar;

ee) As Rés deixaram nos locados bens e tais bens ficaram danificados;

ff) A 2.ª Ré sofre de uma incapacidade de 60%;

gg) Em virtude das fortes chuvadas, acompanhadas de ventos igualmente fortes, ocorridas de 7 para 8 de agosto de 2019, a habitação ficou inundada, escorrendo água por paredes e tetos, acumulando-se e escorrendo pela instalação elétrica com grave risco de curto-circuito, tendo o A. sido novamente alertado;

hh) Em virtude do temporal e da casa ter ficado inundada, a 2.ª Ré viu-se obrigada a sair de casa, pernoitando em casa da filha;

ii) O Autor impediu a 2.ª Ré de aceder aos seus bens, grande parte dos quais permaneceram no locado, e à sua correspondência;

jj) Tais bens encontram-se irremediavelmente perdidos, nomeadamente a mobília de 3 quartos (incluindo uma cama articulada), mobília da sala e móveis de cozinha, eletrodomésticos, louças e outras utilidades domésticas, roupas de uso pessoal e roupas de casa, artigos de decoração, fotografias, documentos e outras recordações de uma vida;

kk) A 2.ª Ré está privada de usar e fruir dos seus pertences, bens de uso pessoal e recordações desde o fim-de-semana de 19 e 20 de outubro de 2019, não sendo previsível quando volte a fazê-lo;

ll) Por não poder confecionar adequadamente as suas refeições, a 2.ª Ré vê-se obrigada a fazer parte delas fora de casa ou recorrer a produtos alimentares processados;

mm) E teve de comprar bens e roupas e calçado, artigos de higiene e uso pessoal, pelas de roupa de casa, como toalhas de rosto e banho, um edredom e um jogo lençóis, que de outro modo não necessitaria fazer;

nn) O que tudo acarreta um prejuízo, até à data da apresentação da contestação, não inferior a € 1.000,00;

oo) A 2.ª Ré perdeu por culpa do A., ou encontra-se irremediavelmente danificado (desconhecendo inclusive o seu paradeiro) todo o recheio da sua casa, todas as suas mobílias, eletrodomésticos e televisores, louças, roupas de casa e de uso pessoal, adornos e outras recordações, com um valor mínimo de € 8.000,00;

pp) Os quartos por que a 2.ª Ré passou não tinham condições de higiene e salubridade;

qq) Ficou danificado todo o recheio da habitação da 3.ª Ré, que ficou no local, devido ao seu perecimento por humidade e falta de uso e limpeza;

rr) Danos essas que se verificam nos eletrodomésticos da cozinha, na mobília de sala e nas duas mobílias de quarto, roupas de casa e pertences pessoais, num valor nunca inferior a € 8.000,00;

ss) Após o fim-de-semana de 19 e 20 de outubro de 2019, as Rés entram nas casas quando lhes apraz;

tt) O Autor não recuperou a habitabilidade do prédio por falta de meios económicos;

uu) As paredes exteriores são em pedra de xisto não aparelhada e de forma irregular, unidas por cal hidráulica, saibro e areia do mar, com junta larga, teto e paredes interiores em fasquiado e telhado apoiado nas paredes que não possuíam cinta de amarração e os caibros que nelas apoiavam eram presos em massa de saibro e cal;

vv) O prédio assente em areia, sem fundações que suportassem rés-do-chão e primeiro andar, sofreu algumas obras ao longo do tempo completamente inadequadas, como sejam o de assentar a placa de cimento enleada em rede de galinheiro sobre um soalho carcomido, apoiado em travejamento de madeira corroída pelo tempo e pelo bicho da madeira, a par de outros defeitos, como sejam a falta de cinta de amarração, o que facilitou que as paredes abrissem brechas;

ww) O Autor mandou pintar o imóvel porque pensava que uma pintura removeria os estragos que o salitre projetado pelo vento infligira;

xx) Quando caíram telhas do beiral para via pública, o A. procedeu de imediato à remoção desse perigo, tendo tomado conhecimento de que o imóvel não tinha conta de amarração superior, que os pregos da madeira de suporte do telhado tinham desparecido e que havia ripas desprendidas a que haviam sido acopladas outras ripas sem cuidado, gerando ondulações no telhado;

yy) Nas diversas observações que mandou fazer com vista a retificar a cobertura, o A. verificou que a parede nascente do imóvel tinha uma fissura vertical de tal largura que deixava passar a luz e por onde entrava humidade;

zz) O prédio ao longo do tempo sofrera remendos que tiveram condão de esconder as maleitas, permitindo o seu agravamento, a ponto que se tornou evidente que colocar escoras ou fazer remendos iria permitir que o imóvel viesse a derrocar sobre os ocupantes em dia de tempestade ou de ventania;

aaa) Na sequência do sinistro ocorrido em 19 e 20 de outubro de 2019, a realização das obras determinadas pelo Município, além de antieconómicas, eram suscetíveis de provocar o derrocamento do imóvel;

bbb) À data que o A. comprou o prédio, a 1.ª R. tinha conhecimento que o mesmo se encontrava muito próximo da ruína e não o avisou;

ccc) A 1.ª R. podia ter exigido obras de conservação que nunca exigiu, o que foi determinante para que a ruína do prédio se viesse a verificar;

ddd) A 1.ª Ré pagava uma renda mensal de valor dez vezes inferir ao que lhe corresponderia;

eee) O A. fez mais obras no imóvel do que aquelas que terão sido feitas em todo o tempo da sua existência;

fff) Obras a que a 1.ª Ré sempre se opôs, com a alegação de que estava tudo bem, impedindo o A. de entrar na casa para examinar o prédio;

ggg) A 1.ª Ré sempre se mostrou contrária a quais intervenções do A. no telhado com vista a impedir a queda de telhas ou a entrada de água;

hhh) Desde que adquiriu o prédio, o A. fez obras em cada ano, por mais do que uma vez;

iii) Em 2018, o A. fez obras de conservação de fachadas e de cobertura do imóvel;

jjj) A partir da data em que adquiriu o imóvel, o A. fez o que era possível para conservar e recuperar, quantas vezes com a oposição das Rés que não queriam obras, certamente com receio de lhes ser pedido aumento de renda e se não conseguiu a recuperação foi por total impossibilidade;

kkk) A 2.ª R. passou a habitar em locais com melhores condições de habitabilidade, que lhe facultam uma vida mais cómoda, menos dispendiosa e de menor trabalho do que as condições que tinha no imóvel;

lll) O imóvel tinha deficiências estruturais, que se estendiam das fundações quase inexistentes, à localização propícia da a trepidações pela proximidade da linha férrea, as paredes terminavam sem cinta, fatores que aliados à antiguidade e a inexistentes obras de conservação dos anteriores proprietários, forçaram o imóvel à ruína;

mmm) A renda da 2.ª Ré vai aumentar no próximo Agosto de 2023;

nnn) O Autor não substituiu o telhado porque as Rés se recusaram a sair dos respetivos locados pelo período necessário à execução das obras e porque consideravam tal obra desnecessária;

ooo) À data da desocupação, os técnicos camarários a vistoria de forma ligeira e não imaginavam que o estado do imóvel fosse tão degradado como efetivamente estava;

ppp) A 1.ª Ré habita uma casa com maiores comodidades que aquela que ocupava e não consegue ser autossuficiente:

qqq) A 2.ª Ré habita uma casa com maiores comodidades que aquela que ocupava;

rrr) O Autor tem condições para realojar as Rés, por ser dono de imóveis em iguais condições, localização e tipologia;

sss) A 2.ª Ré teve despesas e encargos suplementares pelo facto de estar privada da sua casa.”


***

*


APRECIANDO.

Recurso das RR. BB e CC.

1) Cumpre em primeiro lugar apreciar da (in)admissibilidade do documento oferecido pelas RR. com o seu recurso.

Tal como resulta do disposto no artigo 410º do CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, ou quando não houver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.

E a prova tem por função demonstrar a realidade dos factos alegados – 341º do CC (Código Civil).

Àquele que invocar um direito incumbe a prova dos factos constitutivos do mesmo e à parte contrária a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que contra si é invocado (342º do CC). Sem prejuízo das exceções previstas nos artigos 343º e 344º do CC no que concerne ao ónus de prova e da dispensa de prova dos factos notórios, tal como previsto no artigo 412º do CPC.

De entre os diversos meios de prova, definem os artigos 423º e segs. do CPC as regras adjetivas relativas à prova por documentos – definindo os termos em que é admissível a sua produção; encontrando nos artigos 362º e segs. do CC o contraponto em sede substantiva – relativo ao conceito e modalidades de documento e valor/ força probatória da prova documental.

Da leitura conjugada dos artigos 423º n.º 1, 429º n.º 2 ex vi 432º e 443º n.º 1 do CPC extrai-se que aos autos apenas devem ser juntos os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou defesa e que assim têm interesse para a decisão da causa, sendo por referência a estes fundamentos que será aferida a pertinência ou necessidade da sua junção.

Mais e quanto ao momento processual adequado à pretendida junção, regula o artigo 423º do CPC – estando em causa situação anterior ao encerramento da discussão, pois que para o momento posterior preceitua o artigo 425º do CPC – do qual se extrai que o momento processual adequado à junção de documentos aos autos para prova dos fundamentos da ação ou da defesa é por regra o da apresentação do articulado em que se aleguem os factos correspondentes, tal como se infere do nº 1 deste artigo 423º que disciplina o “Momento da Apresentação”.

Fora deste momento próprio, sendo ainda permitida a apresentação de tais documentos, conforme decorre do citado artigo 423º:

“2- (…) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.”.

Após tal limite temporal, apenas sendo “3- (…) admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aquela cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.

Assim e fora da situação regra – junção com o respetivo articulado – apenas é permitida a junção dos documentos pertinentes até 20 dias antes da audiência com multa, salvo se for provado que antes com o respetivo articulado os não pôde oferecer. Após tal momento e até ao encerramento da discussão sendo ainda permitida a junção de documentos quando:

- a apresentação não tiver sido possível até àquele momento ou quando

- a apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

A impossibilidade de apresentação em momento anterior poderá ser fundada em circunstâncias objetivas por o documento se reportar a incidências supervenientes a tal limite temporal, ou em circunstâncias subjetivas por até lá a parte do mesmo ou da situação a que se reporta não ter tido conhecimento.

A necessidade de apresentação em momento posterior tem por sua vez como pressuposto a novidade da questão que o mesmo visa provar, o que não ocorre quando este se destina à prova de questões alegadas nos articulados e que são alvo de prova.

Já em sede de recurso e como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC é ainda admitida a junção de documentos após o encerramento da discussão e às alegações de recurso:

i- nas situações do artigo 425º do CPC, ou seja, quando a junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão.

Impossibilidade fundada em superveniência do documento por referência ao encerramento da audiência em 1ª instância.

Superveniência objetiva se em causa estiver ocorrência superveniente a tal momento temporal.

Superveniência subjetiva se em causa estiver o não conhecimento pela parte da ocorrência ou do documento em si em momento anterior.

Sobre a parte recaindo o ónus de justificar por que antes não teve de tal conhecimento;

ii- nas situações em que tal junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artigo 651º nº 1 do CPC).

Necessidade justificada pela novidade da questão tratada na decisão e que assim não visa provar o que foi alegado nos articulados.

No caso dos autos, é claro não estar em causa uma qualquer situação de superveniência objetiva ou subjetiva.

As recorrentes fundaram a junção em análise numa alegada novidade de questão tratada na decisão recorrida – em causa a apreciada “capacidade económica do autor”.

Questão sobre a qual afirmam o tribunal a quo emitiu pronúncia a propósito da apreciação dos pedidos de “Realojamento” e “demais danos patrimoniais, i.e., sobre a “DECLARAÇÃO DE PERDA DO LOCADO E DECORRENTES PEDIDOS (B.4 e B.7 da Fundamentação da Sentença ora Recorrida)”.

No ponto B4 e sobre os pedidos de realojamento formulados pela 1ª e 3ª R., apreciou e decidiu o tribunal a quo:

“Tais pedidos de realojamento equivaleriam, no fundo, à realização da mesma prestação que ficou impossibilitada e se extinguiu, por força da caducidade, que opera ope legis.

Mas, mesmo entendendo-se tais pedidos como constituindo pedidos de indemnização em espécie (art.º 562.º do CC), no caso em apreço, não resultou provado que o Autor tenha condições para realojar as Rés, pelo que se impõe a improcedência de tais pedidos.[2]

O assim afirmado tem por referência o que foi julgado não provado em rrr).

O pedido de realojamento foi formulado pelas RR. já no decurso dos autos – em ampliação do pedido reconvencional inicialmente formulado - para tanto alegando/justificando a dedução de tal ampliação com o “agravamento substancial dos danos e prejuízos sofridos pela Ré /Reconvinte, por culpa exclusiva do Autor” durante a pendência dos autos e como consequência direta da matéria nos mesmos discutida.

Realojamento que a R. BB no seu requerimento apresentado em 26/06/2023, peticionou, afirmando que “deverá o Autor, por ter condições para tal, por ser proprietário de imóveis em iguais condições, localização e tipologia ser condenado ao realojamento da Ré.” (vide artigo 21º deste requerimento).

O mesmo agravamento dos danos na pendência dos autos, veio a R. CC alegar no seu requerimento de 20/06/2023, em que de igual forma veio proceder à ampliação do pedido reconvencional. Ainda que não tenha peticionado o realojamento.

Por fim tendo igualmente a R. DD, por requerimento de 26/06/2023 e em ampliação do pedido reconvencional inicialmente formulado, peticionado (entre o mais), o realojamento, (em alternativa à condenação nas obras de reconstrução do imóvel).

Em resposta, o A. alegou entre o mais não ter meios nem obrigação de realojar as RR..

Admitidas que foram as ampliações do pedido reconvencional (vide decisão em ata de 29/06/2023), recaía sobre o tribunal a quo o dever de sobre o seu objeto se pronunciar, sob pena de nulidade por omissão de pronúncia.

Do exposto resulta que a questão do realojamento foi introduzida nos autos pelas RR. BB e DD, tendo sido a primeira quem alegou ter o A. meios e bens para tal.

Sobre esta questão tendo o tribunal a quo emitido pronúncia, tal qual a mesma lhe fora submetida a sua apreciação.

O tribunal a quo, limitou-se a apreciar a pretensão formulada pelas RR. dentro do enquadramento jurídico que entendeu ser o adequado, nomeadamente concluindo pela improcedência do realojamento, nos termos apontados.

O mesmo é dizer que não ocorreu a apreciação de qualquer questão nova, o que aliás e se assim fosse conduziria à nulidade da sentença por excesso de pronúncia.

Resta-nos assim concluir pela improcedência da argumentada novidade da questão analisada, para daí derivar uma justificação para a tardia junção do documento oferecido com as alegações.

Pelo exposto, não se admite a junção aos autos do documento oferecido com as alegações de recurso.

Indo as recorrentes/apresentantes condenadas na multa de 0,5 UC (vide artigos 27º do RCP e 443º do CPC).


*

2) Do erro na decisão de facto.

Tanto o A. como as RR. recorrentes imputam à decisão recorrida erro na decisão de facto.

A pretensão formulada por ambos os recorrentes será apreciada em simultâneo.

Para o efeito, importa em primeiro lugar aferir se foram observados os ónus de impugnação e especificação de que depende a reapreciação da decisão de facto.

A regularidade da impugnação da decisão de facto, depende da verificação dos seguintes pressupostos:

- obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

- no caso de prova gravada, incumbindo ainda ao(s) recorrente(s) [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Sendo ainda ónus do(s) mesmo(s) apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Pelo que das conclusões é exigível que conste, no mínimo, de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição do objeto do recurso nessa parte.

Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.

Embora na jurisprudência se encontrem posições mais ou menos exigentes quanto aos elementos que das conclusões devem constar, este é um denominador mínimo comum a todas elas – vide entre outros, Ac. STJ de 21/03/2019, nº de processo 3683/16.6T8CBR.C1.S2, no qual e após se ter feito uma distinção entre ónus primários e secundários de alegação e concretização para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º do CPC (nos seguintes termos e tal como ali sumariado)

“I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.

E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.”,

se concluiu, para o efeito convocando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aferição do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640º no que concerne aos aspetos de ordem formal

III. (…) enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.

IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.”[3];

Analisadas as alegações das recorrentes – corpo alegatório e conclusões – destas últimas extrai-se a indicação dos pontos da decisão de facto impugnados.

Todavia, nem nas conclusões, nem no corpo alegatório é possível descortinar o sentido decisório pretendido para os pontos impugnados, nem sequer quais os meios probatórios concretos que para cada ponto factual, pelas recorrentes impugnado, resulta a imposição de decisão diversa.

Numas extensas alegações, apontam as recorrentes à decisão recorrida críticas diversas, tecendo juízos de valor em simultâneo sobre a subsunção jurídica e apreciação da prova, sem, contudo, concretizar e individualizar por referência a concretos pontos factuais quais os meios probatórios que impõem decisão diversa, nem sequer, como já referido, qual o sentido decisório por si defendido.

Tanto é quanto baste para que se julgue rejeitado o recurso da decisão de facto no que às recorrentes RR. respeita.

Diversa é a conclusão que se retira da impugnação deduzida pelo recorrente autor.

Indicou este de forma clara não só quais os pontos da decisão de facto impugnados [29, 33, 42, 43, 51, 57, 61, 62 e 68], como o sentido decisório pretendido [vide conclusão 2ª] e também os meios probatórios que a seu ver impõem decisão diversa.

Observou ainda o recorrente o disposto no artigo 640º nº 2 al. a) do CPC, sem prejuízo das limitações que no decurso da análise concreta daremos nota, com influência a nível da procedência das pretensões formuladas.

Em suma e com a reserva acima assinalada, consideram-se observados os ónus de impugnação e especificação sobre o recorrente autor incidentes.

Pelo que cumpre reapreciar a decisão de facto nos termos peticionados pelo recorrente autor.

i- Pugnou o recorrente autor em primeiro lugar pela alteração da redação conferida ao ponto 29 dos factos provados, cujo teor aqui se deixa reproduzido:

“29. E, entre 13/01/2020 e 04/02/2020, o Autor procedeu à demolição da cobertura e dos tetos da edificação e à danificação de paredes e pavimentos, bem como à retirada, entretanto reposta, de portas interiores e janelas interiores do lado poente.”

Pretendendo, portanto, a eliminação do segmento que acima deixámos em negrito, por forma a passar o ponto 29 dos factos provados a ter a seguinte redação:

“29. E, entre 13/01/2020 e 04/02/2020, o Autor procedeu à demolição da cobertura e tetos da edificação e retirada, entretanto reposta, de portas interiores e janelas interiores do lado poente.”

Para fundamentar esta alteração alegou o recorrente em suma ser imperioso, para colocar o edifício em condições de ser reparado, remover o que precisava de ser substituído, ou seja o telhado. Tendo sido verificado, uma vez feito este trabalho, “a absoluta impossibilidade de conseguir que o imóvel readquirisse a habitabilidade pela simples colocação de nova cobertura.” pelos motivos que apresentou no corpo alegatório, já que era imperioso “fazer obra de fundo”. Recusando-se os trabalhadores a pisar o forro do teto porquanto o mesmo cedia ao peso do corpo – remetendo para os depoimentos de II e JJ, bem como KK, para prova do assim alegado.

Do assim alegado pelo recorrente verifica-se que nada o mesmo apontou em concreto de onde se possa concluir pela existência de erro de julgamento quanto aos danos causados nas paredes e pavimentos julgados provados durante a execução dos trabalhos levados a cabo pelo autor.

O que o autor alegou foi de um lado a necessidade de levar a cabo a obra de remoção e substituição do telhado e de outro a posterior verificação da impossibilidade de prossecução da obra.

Esta argumentação, porém, em nada contende com os danos em paredes e pavimentos verificados e julgados provados.

Motivo por que se julga improcedente, por manifestamente infundada, a impugnação aduzida contra este ponto factual 29. Cuja redação se mantém.

ii- Em segundo lugar, atacou o recorrente a redação conferida aos pontos 33, 42, 43 e 62 dos factos provados.

Factos estes cuja redação e alteração pretendida, bem como meios probatórios convocados, aqui se deixam assinalados:

33. O estado de ruína do prédio referido em 30 e em 31, resulta da falta de obras de conservação e dos factos referidos em 18, 28 e 29.”

Defendendo que ao mesmo seja conferida nova redação, nos seguintes termos:

“33. O estado de ruína do prédio referido em 30 e em 31 resulta da antiguidade do imóvel, do tipo de materiais que o compõem, dos vícios de construção, de se ter esgotado o tempo de duração do imóvel, da legislação que impediu a atualização de rendas por período excessivo, das deficientes obras de conservação feitas por quem não estava habilitado, da oposição das locatárias a obras de conservação e duma forte tempestade.”

Alteração que o recorrente fundamenta no depoimento da testemunha LL que fazia obras para a locatária aqui R., CC (conforme fls. 395 da transcrição por si oferecida para que remeteu); o depoimento do autor a fls. 77, minuto 00,47 da gravação (em causa a alegada oposição dos locatários a obras no prédio). A que acresce a invocação do relatório do Eng.º MM quanto à “antiguidade do imóvel, os materiais inadequados empregues na sua construção, os erros de construção, o esgotamento da durabilidade daquele tipo de edifício” e ainda as baixas rendas praticadas. Para além de convocar as obras que realizou desde que passou a ser proprietário do imóvel e o forte temporal que abateu o edifício ainda antes de o A. ser notificado para fazer obras (sem neste conspecto convocar qualquer registo do seu depoimento).

42. Após 19/20 de outubro de 2019, a reparação/recuperação da cobertura era bastante e suficiente para garantir a habitabilidade do imóvel”

Defendendo que ao mesmo seja conferida nova redação, nos seguintes termos:

“42. Após 19/20 de outubro de 2019, a reparação/reconstrução da cobertura adiaria por pouco tempo a derrocada do imóvel.”

Alteração que o recorrente defendeu questionando o valor probatório da perícia feita pelos técnicos da Câmara ... e que afirma foi a base da convicção do tribunal a quo.

Valor probatório desta perícia que questionou porquanto de acordo com os depoimentos dos peritos autores de tal relatório, ouvidos em julgamento [NN ao minuto 16,06, p. 468 da transcrição e OO, ao minuto 3,29 a fls. 580 da transcrição e ao minuto 11,18 da transcrição a fls. 585] os mesmos não chegaram a entrar no edifício. Mais afirmando ter sido antes “o Eng.º MM quem analisou o imóvel cuidadosamente a única testemunha que presta explicações cabais, fundamentadas sobre as causas da ruína e apresenta fotografias dos pontos sob análise é este Senhor Engenheiro, cujo depoimento não pode deixar de ser tomado em consideração por ser uma testemunha qualificada e que ninguém rebateu.”

Motivo por que também convocou o teor do relatório apresentado por esta testemunha.

De realçar que sobre o depoimento deste Eng.º, não observou o recorrente o previsto no artigo 640º nº 2 al. a) do CPC, motivo por que nesta parte se tem de rejeitar a sua reapreciação.

43. Os factos referidos em 18. resultam da falta de realização de obras de conservação”.

Defendendo que ao mesmo seja conferida nova redação, nos seguintes termos:

“43. Os factos referidos em 18. impunham obras de reparação geral do prédio.”

Justifica o recorrente a alteração pugnada, invocando a antiguidade do imóvel, os materiais utilizados, a localização do imóvel próximo do mar e local ventoso, a sua construção sem “cinta de amarração” – reportando para tanto ao relatório do Eng.º MM e a constatação dos peritos da Câmara ..., assinalando ainda que “quando se referem obras de conservação têm-se em consideração apenas as obras de manutenção do existente. E, do relatório de vistoria a que se refere o nº 18, os peritos falam em obras de reparação geral, no sentido de serem obras de total recuperação.”

A que acrescenta o depoimento da testemunha OO, aos minutos “4,15”, “4,56” e “5,16” a fls. 580 e 581 da transcrição: “Para fazer este tipo de reparação. Claro que o prédio não pode ter ali ninguém”- Minuto 4,15 “Porque o edifício mostrava indícios de ruína. Portanto, isso quando há probabilidade de ruir, têm que ser feitas reparações gerais nesse sentido.” Minuto 4,56 e ainda “Tem forte probabilidade de ruir. Está aí escrito no nosso relatório.”

62. A reparação referida em 18 obstaria à fragilização, degradação e posterior desabamento parcial do imóvel”.

O recorrente pugnou pela eliminação deste ponto factual.

O que justificou nos seguintes termos:

“O anteriormente alegado torna claríssimo que a concretização do trabalho orçamentado pelo Sr LL não interferiria na segurança ou habitabilidade do imóvel.

A cobertura estava tão desgastada que o Sr LL teve a sorte de não lhe ser atribuído o trabalho, porque se o Sr LL colocasse os pés no forro do imóvel o mesmo cairia sobre quem estivesse no piso, e anos antes o depoente JJ o previu.

Já uns anos antes os trabalhadores contratados pelo Autor chamaram à atenção para a fragilidade daquele forro dizendo que o forro tinha apodrecido e colocaram outro a par do mesmo para esconder o arruinado. O Sr LL com o propósito de embelezar o imóvel iria pura e simplesmente antecipar-se ao temporal de 19/20 de outubro.”

Sendo o anteriormente alegado, relacionado com o ponto 61 dos factos provados [relativo ao custo das obras necessárias à reparação do telhado antes do desabamento parcial ocorrido em 19/20 de outubro].


*

O tribunal a quo, fundamentou a resposta dada aos itens 33, 42 e 43 e 62 acima elencados, nos seguintes termos:

“Quanto aos pontos 33., 42., 43. e 62.: Muito embora os Srs. Peritos não tenham dado uma resposta segura acerca da causa ou causas da ruína do prédio, o Tribunal deu como provado que o estado de ruína do prédio resultou da falta de obras de conservação e dos factos referidos em 28. e 29.. É certo que se trata de uma construção já bastante antiga, situada à beira mar. Porém, na nossa perspetiva, tais fatores não foram os decisivos, caso contrário, quantos prédios já não teriam ruído ao longo da nossa costa. De acordo com as informações camarárias e os elementos juntos pela Câmara Municipal ... em 28/05/2021, alicerçados nos respetivos técnicos, a ruína do prédio resulta da falta de obras de conservação e dos factos referidos em 28. e 29., sendo suficiente para garantir a habitabilidade a recuperação da cobertura. E, aquelas obras determinadas em 18., naturalmente, também, não deixariam de evitar o desabamento parcial ocorrido em outubro de 2019. A própria testemunha MM, engenheiro contratado pelo a. para fazer relatório de vistoria, não deixou de reconhecer que a abertura de junho poderia ter potenciado, com o mau tempo verificado, a queda ocorrida em outubro de 2019. A testemunha OO, engenheiro civil que participou na vistoria de 10/10/2019 e confirmou o respetivo auto, considerando que as obras aí referidas obstariam ao desabamento que mais tarde veio a ocorrer. A testemunha NN confirmou integralmente os autos de vistoria por si subscritos, esclarecendo que, em outubro a intervenção mais premente seria no telhado, do lado Norte, não sendo as obras necessárias ao nível do teto e do piso significativas. Desde 2013, o Autor só procedeu à realização de reparações pontuais, referidas em 13. a 15.. O próprio Autor reconheceu que já no ano de 2017 o telhado tinha que ser substituído (cfr. assentada). A testemunha JJ, que presta serviços de construção civil para o Autor, reconheceu que “sempre disse ao Autor para fazer obras no telhado”. Dir-se-á, ainda, que, a ruína não se localiza temporalmente em outubro de 2019, mas posteriormente, uma vez que, segundo os técnicos camarários, para assegurar a habitabilidade, bastaria a substituição do telhado, sendo certo que o perito indicado pelo Autor que participou na vistoria de 10/10/2019, nessa altura, não considerou que o prédio era inabitável. Tivesse sido feita a substituição do telhado, bem como as necessárias obras de conservação ao longo do tempo, e não tivesse, ainda por cima, sido destruído o restante telhado, bem como de algumas paredes, com as manifestas consequências nefastas daí advenientes, e, de certo, não obstante o tipo, a idade e localização da construção, o prédio não teria ruído. Diga-se por fim, que, mesmo a considerar-se que a ruína do prédio ocorreu em outubro de 2019, a mesma não deixaria de ficar a descer-se à falta de atos de conservação e à omissão de substituição do telhado, como a testemunha JJ alertou o Autor e este próprio reconheceu;”

Os pontos factuais incluídos neste grupo de impugnação respeitam às causas apuradas para o estado de ruína que se veio a verificar no prédio em questão nos autos e descrito em 30 e 31 dos factos provados.

Estado de ruína que no ponto 33 dos factos provados se julgou resultar da falta de obras de conservação e dos factos referidos em 18, 28 e 29. No facto 18 sendo descrito o teor do auto de vistoria de salubridade elaborado em 10/10/2019 [sendo seus autores PP, QQ e NN. Sendo ainda feita menção à presença de OO na qualidade de perito indicado pelo proprietário] e o qual teve por alvo a habitação sita no 1º direito solicitada pela R. CC na qualidade de inquilina para verificação das condições de segurança e salubridade.

Auto[4] no qual os técnicos responsáveis pela sua elaboração após identificarem o prédio em questão como prédio de r/c e andar de construção antiga, descreveram o fogo em questão (sito no piso), elencando em seguida no ponto 1 do relatório o por si verificado no “exterior do edifício” – assinalando nomeadamente ao nível da cobertura, no lado onde se situa a habitação vistoriada, a ausência de telhas e cedência do telhado.

Após descrevendo no ponto 2 o interior da habitação e o que na mesma foi verificado, concluindo no ponto 2.6 pelo risco de perigo de ruína dos tetos e da cobertura da habitação”, assinalando a necessidade de serem tomadas medidas para assegurar a segurança dos ocupantes da habitação. Anexando ainda ao auto fotos do exterior e interior do imóvel.

No ponto 4 do auto indicando, para salvaguarda da segurança dos habitantes, quais as obras consideradas necessárias, proporcionais e indispensáveis a garantir a habitabilidade do imóvel, tal como consta em 18 dos factos provados.

Demonstrando pela descrição efetuada, o exame que incidiu sobre o imóvel.

Acrescenta-se, desde já, que a testemunha NN, Topógrafo da CM ... esclareceu que na visita de 10/10 (ainda ao local se deslocou mais duas vezes) um dos colegas que o acompanhou subiu mesmo ao vão do telhado acedendo por um alçapão. Tendo igualmente confirmado a descrição feita do interior do 1º piso nesse mesmo auto, bem como e assim a conclusão da necessidade de realizar as obras descritas no auto de 10/10.

Só por referência à visita que efetuaram posteriormente, em janeiro de 2020 tendo esta testemunha mencionado que não entraram no 1º piso, por existir um cadeado. Tendo, no entanto, verificado através do acesso concedido por uma casa ao lado o estado do exterior, nomeadamente ao nível do telhado. Sendo já na 3ª visita em junho de 2020 que confirmam estar já o imóvel sem telhado nem teto ao nível do 1º andar.

Da descrição assim efetuada por esta testemunha, resulta confirmada ainda a realidade descrita em 28 e 29 dos factos provados, a qual aliás não vem impugnada [veja-se ainda as fotos juntas com o requerimento nº 9984085 oferecido pela R. CC igualmente a 18/03/2020, intitulado Parecer].

Retornando agora à impugnação aduzida pelo recorrente para a pugnada alteração da redação conferida a este ponto factual, temos que do depoimento da testemunha LL – na parte para a qual o A. remeteu na transcrição a fls. 395, nada consta com relevância para a matéria em questão – não só não é especificado a que obras em concreto se refere esta testemunha e o próprio recorrente como concausa para o estado de ruína do imóvel, como dos factos não provados e que não vêm impugnados consta como não provado quer que obras as RR. levaram a cabo no imóvel, como que as mesmas tenham levado a cabo obras clandestinas.

Tal como não provado vem a oposição das RR. à realização de obras, não obstante o A. tenha afirmado no seu depoimento ter esta oposição existido.

Afirmação do autor que por não corroborada por outros meios probatórios suficientes, vem como não provada (veja-se entre o mais o teor das missivas juntas com a contestação da R. CC de 18/03/2020 da R. datadas de 10/07/2019 – carta enviada pelo autor a dar nota de não ter dinheiro para efetuar as reparações que reconhece necessárias no imóvel; e carta datada de 01/08/2019 enviada com registo pela R. CC a pedir a realização de obras ao A. que a recebeu).

O tribunal a quo justificou nos termos acima transcritos de forma coerente e convocando para o efeito de forma pertinente as regras da lógica e da experiência na análise da diversa prova produzida que identificou, o processo de formação da sua convicção quanto à resposta dada quer a este ponto factual, como quanto aos demais incluídos no grupo ora em análise.

Ao recorrente incumbia convocar prova produzida que evidenciasse o erro de julgamento por si avocado.

A prova convocada pelo recorrente não evidencia tal erro.

Tal como o tribunal a quo denotou, não é a antiguidade do imóvel, os tipos de materiais utilizados ou a sua construção, sequer mesmo o não aumento das rendas que conduziram ao estado de ruína. Antes o foi a sua não conservação e realização de obras que ao longo do tempo se vieram a mostrar necessárias, nomeadamente no circunstancialismo apurado em 18, 28 e 29.

Em suma, perante o exposto improcede a pretendida alteração da redação dada ao ponto 33 dos factos provados, o qual no contexto apurado não evidencia erro de julgamento que imponha decisão diversa.

Na mesma linha de raciocínio, improcedendo a redação conferida aos pontos 42 e 43 dos factos provados.

Como anota o recorrente na crítica concreta à redação do ponto 43, os materiais não são de duração eterna e na sua conservação influem fatores externos como a proximidade do mar ou a localização em zona ventosa, mais ou menos humidade, mesmo o tipo de construção utilizada.

Precisamente por isso é que a conservação dos imóveis é necessária e de forma periódica, tendo em conta e de acordo com a degradação que os imóveis vão apresentando.

As citações dos depoimentos de OO (com transcrição a p. 580/581) em nada afetam a redação conferida ao facto provado 43.

E o relatório mencionado no ponto 18 fala em revisão geral da estrutura e telhas do telhado e reparação geral dos tetos (do 1º piso), bem como fissuração em instalação sanitária e solidarização das paredes.

Não se podendo daqui inferir a necessidade – à data – de reparação geral do prédio. Motivo por que e como já referido, não evidencia a redação conferida ao ponto 43 dos factos provados erro de julgamento que imponha redação diversa.

Ainda pela mesma ordem de razões, não evidencia o ponto 42 nem o 62 dos factos provados erro de julgamento.

De mencionar que e ao contrário do alegado pelo recorrente, o relatório a que corresponde o auto mencionado em 18 dos factos provados evidencia que a análise do imóvel incidiu quer sobre a parte exterior quer interior.

E a este nível, efetivamente incidindo sobre o 1º piso por na sua origem ter estado uma queixa apresentada pela inquilina do 1º andar – R. CC - precisamente tendo em conta os problemas que o telhado apresentava, com consequências diretas na parte do imóvel por esta ocupada[5] -tal como consta da certidão junta com a contestação desta R. em 23/01/2020.

Vistoria que pela sua descrição, acompanhada de fotos, denota cuidado e rigor na sua realização e subsequentes conclusões.

Tendo a testemunha NN no seu depoimento mencionado não ter entrado no imóvel sim, mas na segunda visita como acima já referimos.

Pelo que a crítica apresentada a este relatório e sua credibilidade por parte do recorrente não procede.

No mais é ainda de referir que o auto de vistoria foi assinado não só pelos 3 técnicos da CM ..., como também pelo perito nomeado pelo autor – OO. Sem que qualquer desacordo quanto ao teor do auto tenha sido suscitado por qualquer dos seus subscritores.

Acordo que o mencionado perito OO confirmou no seu depoimento. Igualmente confirmando que fizeram uma análise do exterior e do interior, inclusive tendo também subido ao telhado através de um alçapão situado na habitação contígua à ocupada pela R. CC. Para a final concluírem pela necessidade e suficiência das obras indicadas para garantirem a habitabilidade é segurança do imóvel e nomeadamente do 1º andar de que a R. CC era arrendatária.

Interior que descreveu quer quanto à sua composição, quer quanto ao seu estado.

Reitera-se, portanto, a falta de fundamento para a crítica apontada pelo recorrente ao teor do auto de vistoria em causa.

No mais e quanto ao depoimento da testemunha MM importa referir que o recorrente em relação a este depoimento não observou o disposto no artigo 640º nº 2 al. a) do CPC.

Motivo por que é rejeitada a reapreciação do seu depoimento.

Concluindo, o recorrente não logrou demonstrar a ocorrência de erro de julgamento quanto a este ponto 42 dos factos provados que imponha a sua alteração.

Tão pouco quanto ao ponto 62, atendendo ao teor do auto de vistoria e ao que sobre o mesmo foi justificado.

Não sendo do depoimento da testemunha LL nem do que foi alegado sobre o orçamento pelo mesmo apresentado que se poderá concluir de forma diversa quanto à suficiência das obras propostas no auto mencionado em 18 dos fp, com amplitude completamente diversa dos trabalhos que a testemunha LL alegou se ter proposto a fazer.

Em suma, mantém-se na integra a redação dada aos factos provados 33, 42, 43 e 62.

iii- Em terceiro lugar, impugnou o recorrente a redação conferida aos factos provados sob os números 51, 57 e 61. Cuja redação e pretendida alteração se reproduzem.

51. Na sequência de tal notificação, o Autor procedeu à reparação do beiral, que havia ruído parcialmente, no ano de 2015, conforme referido em 13, o que fez de forma deficiente e desadequada.”

Pugnando o recorrente pela eliminação do último segmento, por forma a ficar a constar deste ponto factual a seguinte redação:

51. Na sequência de tal notificação, o Autor procedeu à reparação do beiral, que havia ruído parcialmente, no ano de 2015, conforme referido em 13.”

Alega o recorrente que o tribunal a quo não justificou a sua convicção quanto aos qualificativos “deficiente e desadequada”.

Mais afirmando “O recorrente repôs o beiral com as mesmas características, de material, cor e saliência da parede que o beiral apresentava, para manter a estética que este imóvel apresentava com o imóvel contíguo como era imposição urbanística.

Tal beiral manteve-se e não mais foi alvo de atenção, o que significa que foi eficiente e adequado.”

O tribunal a quo, fundamentou a resposta dada a este ponto 51, juntamente os pontos 13 a 15 e 50, nos seguintes termos:

“Os documentos juntos pelo A., incluindo ponto 3.1.2. do relatório solicitado pelo A. e junto com a p.i. e o requerimento de 25/06/2020, o ofício da Câmara de 27/05/2014 e os depoimentos prestados por: - II, biscateiro da construção civil, o qual referiu que em 2014/2015, a solicitação do A., foi reparar umas telhas no prédio, não reparando, contudo, o beiral porque não podia ir sozinho repará-lo, tendo o A. chamado outra pessoa; - JJ, trabalhador da construção civil, o qual, a solicitação do A., em 2015 reparou beiral e pintou parte da casa. Quando fez tal reparação, “as caseiras diziam que ele havia de arranjar isto”. Mais afirmou esta testemunha que reparou o beiral porque as caseiras fizeram queixa e Câmara obrigou; - II, biscateiro da construção civil, o qual, a solicitação do A., andou a escorar o guieiro, em 2014/2015; - RR, que presta serviços de construção civil para o A. desde 2015/2016, o qual referiu ter reparado a goteira e ter dado uma pintura e reparado umas fissuras na fachada no ano de 2018;”

Tal como o tribunal a quo anotou, no próprio relatório de vistoria junto pelo autor em anexo à p.i. e datado de 12/11/2019, no ponto 3.1.2 é referido que de acordo com as próprias declarações do autor, a intervenção no beirado foi executada sem os necessários e adequados procedimentos de amarração, pelos motivos que nesse mesmo relatório são anotados.

Por sua vez no relatório de 24/02/2020 junto pelo autor com o requerimento de 25/08/2020 (e não como por lapso é referido em 25/06/2020) foi reiterado o antes afirmado pelo relatório de outubro de 2019 quanto ao beirado (ponto 3.1.2).

Ou seja, a prova documental assinalada pelo tribunal a quo evidencia a execução deficiente e desadequada. Sendo que a própria testemunha JJ que o tribunal a quo também convocou, deu nota de na execução do beiral que levou a cabo, ter sido necessário ligar o ferro novo que colocou ao que vinha de dentro, porquanto havia vigas de madeira sobre as quais não podiam fazer contrapeso.

Entende-se assim ter o tribunal a quo assinalado os meios de prova que justificaram a resposta a este item, nos termos nele constantes.

Não tendo o recorrente, por sua vez, indicado qualquer prova que afaste o julgado provado neste ponto factual, determinante para a pretendida alteração que assim vai julgada improcedente.

Quanto ao ponto 57, vem julgado provado:

57. No início de junho de 2019, despareceram várias telhas do telhado, a norte do prédio, por cima da residência da 2.ª Ré, de forma que o interior do prédio ficou exposto e sujeito à ação da chuva, humidades, vento e outras intempéries;”

Pugna o recorrente pela eliminação deste ponto factual.

E no ponto 61, vem julgado provado:

61. O custo das obras necessárias para a reparação do telhado antes do desabamento parcial ocorrido em 19/20 de outubro de 2019 ascendia a montante que em concreto não foi possível precisar, mas que na parte correspondente ao da habitação da 2ª Ré ascendia a cerca de € 6.800,00.”

Pugnando o recorrente pela eliminação do último segmento, por forma a ficar a constar deste ponto factual a seguinte redação:

61. O custo das obras necessárias para a reparação do telhado antes do desabamento parcial ocorrido em 19/20 de outubro de 2019 ascendia a montante que em concreto não foi possível precisar”.

O tribunal a quo, fundamentou a resposta dada a estes pontos 57 e 61, conjuntamente com os pontos 56 e 58 a 60, nos seguintes termos:

As cartas juntas como docs. 6 e 7 com a contestação da R. CC e os depoimentos prestados por: - SS, filha da A., a qual confirmou o estado da habitação da mãe até Junho de 2019, o desaparecimento de várias telhas do telhado por cima da residência da 2.ª Ré e exposição do prédio aos fatores climatéricos, os vários avisos feitos ao Autor, incluindo através da Advogada; - TT, a qual confirmou o aparecimento de problemas com telha levantada surgido em Junho de 2019, na sequência do que, em Julho de 2019, a solicitação da 2.ª Ré, pediu o orçamento ao LL, que ascendeu à volta dois seis mil euros; - LL, assistente operacional que faz biscates de trolha, pintor e eletricista há cerca de 32 anos, o qual, confirmou ter elaborado o orçamento junto com a contestação de 2.ª Ré e os respetivos montantes.

Mas, esta testemunha precisou, como aliás resulta do próprio orçamento, que o mesmo não respeitava à reparação de todo o telhado que nessa altura seria necessário reparar, mas só da parte correspondente à casa da 2.ª Ré, inexistindo quaisquer outros elementos que nos permitam, com segurança, fixar o valor necessário para a reparação global necessária em tal data;”

Por sua vez, o recorrente justifica a alteração do ponto 57, convocando de um lado o depoimento de TT (amiga da R. CC) do qual nada se retira em contrário do apurado em 57.

Note-se que no decurso do depoimento desta testemunha, a mesma confirma a existência de um problema relacionado com uma telha levantada, tendo a R. pedido ajuda à testemunha para arranjar um orçamento para obras do telhado.

Sendo na sequência de tal pedido que a testemunha LL apresenta o orçamento para a realização de obras no telhado.

Esta testemunha por sua vez (funcionário público, cujo depoimento foi convocado na fundamentação do tribunal a quo) esclareceu fazer biscates como trolha, tendo nesse âmbito elaborado um orçamento para fazer uns trabalhos no telhado da casa onde vivia a R. CC. Orçamento que lhe foi pedido para mudar ripado e meter telhas que faltavam, apenas na parte do telhado por cima da casa da R..

Sendo a justificação para arranjar o telhado porque tinham desaparecido umas telhas e porque havia uma ou outra humidade.

Trabalhos que não chegou a fazer porque a R. disse que o senhorio não tinha aceite porque era muito caro.

Por sua vez a testemunha SS, filha da R., também convocada pelo recorrente, no seu depoimento confirmou ter a mãe pedido um orçamento ao Sr. LL, o qual foi no valor de cerca de 6 mil euros. Mas não teve autorização para fazer obras na casa pelo senhorio aqui autor – em causa por tanto o orçamento antes mencionado.

Mais disse a testemunha que na sequência da alteração do senhorio que não autorizava a realização de obras na casa (ao contrario do anterior senhorio), foi um “desmoronar” até que aconteceu o que aconteceu com o temporal grande.

Referindo que entrar água em casa, só aconteceu no temporal de 2019, referindo que já 2 ou 3 dias antes da derrocada de 19/10 chovia na casa.

Ainda tendo confirmado terem antes desaparecido umas telhas, sem se saber porquê.

Tendo depois vindo o tal temporal com a entrada da chuva toda.

Afirmou ainda ter a mãe falado com o A. a propósito do desaparecimento das telhas, sem que tenha conseguido que ele as repusesse.

Ou seja, o depoimento desta testemunha tao pouco afasta o que pelo tribunal a quo foi julgado provado.

Em suma, improcede por manifestamente infundada, a crítica apontada a este ponto factual 57.

Já quanto ao ponto 61 dos factos provados, defende o recorrente que o orçamento apresentado pela testemunha LL era só para embelezar o prédio e que de acordo com o depoimento da testemunha TT era só para repor uma telha.

Pelos depoimentos de ambas as testemunhas convocadas e que em parte foram já analisados e no confronto com o teor do orçamento apresentado pela testemunha LL – oferecido com a contestação da R. CC em 18/03/2020 - do qual resulta claramente que o trabalho seria executado só na parte da casa da R. CC e com a finalidade no mesmo indicada, a que acresce o teor da carta de 10/07 de 2019 da autoria do autor – também oferecido com a contestação da R. CC - no qual o A. informa todos os locatários do prédio que a reparação do telhado que em parte ruiu (conforme foi informado) orçaria em 20.000,00 (sem IVA) – sem especificar que trabalhos em concreto seriam realizados mas que teria de respeitar a reparação da totalidade do telhado na medida do necessário, sem restrição à zona de um locatário, entendemos que a convicção formada pelo tribunal a quo quanto à resposta dada a este ponto factual é conforme à prova produzida. Inexistindo qualquer fundamento para a afirmação do recorrente quer de que o orçamento da testemunha LL se destinava a meros trabalhos de embelezamento (os trabalhos nele descriminados não o confirmam, tão pouco o depoimento desta testemunha); quer para convocar a referência da testemunha TT a “uma telha” que se teria desprendido, quando a demais prova evidencia que o problema era maior que uma mera telha solta. Tão pouco se compreendendo a invocação do depoimento da testemunha UU quanto ao inverno rigoroso, para depois se justificar com esse argumento que a existir falta de telhas, teria chovido na casa nos meses de verão. Por esta via querendo também o recorrente colocar em questão quer o problema existente no telhado e do seu conhecimento (tanto que o reconheceu na carta de 10/07/2019) quer os valores para a sua resolução, nomeadamente o indicado no orçamento da testemunha LL, para a zona correspondente à habitação da R. CC.

Em suma, o decidido pelo tribunal a quo quanto a este ponto factual tão pouco evidencia erro de julgamento que imponha decisão diversa.

Pelo que se mantém na integra a redação dada a estes pontos factuais 51, 57 e 61.

iv- Em quarto e último lugar, atacou o recorrente a redação conferida ao ponto 68 dos factos provados.

Facto este cuja redação e alteração pretendida, bem como meios probatórios convocados, aqui se deixam assinalados:

68. A 2ª Ré, sendo uma pessoa de saúde frágil, em consequência de toda esta situação, encontra-se muito consternada, deprimida, sofre de dores de cabeça, dificuldades em dormir e incontrolável vontade de chorar, tudo isso prejudicando a sua saúde física e mental.”

Defendendo que ao mesmo seja conferida nova redação, nos seguintes termos:

68. A 2ª Ré, sendo uma pessoa de saúde frágil, encontra-se muito consternada, deprimida, sofre de dores de cabeça, dificuldades em dormir e incontrolável vontade de chorar, tudo isso prejudicando a sua saúde física e mental.”

Para a alteração pretendida – a qual se reconduz à eliminação do nexo causal entre a ocorrência em apreciação e o estado de saúde e anímico da ré CC – alega o recorrente que a R. é uma pessoa que sempre foi depressiva e está abandonada pelos filhos, com 77 anos de idade. Invocando para o efeito o depoimento da filha SS.

Salvo o devido respeito, não assiste ao recorrente qualquer razão no que alega.

Basta para tanto atentar precisamente no depoimento das testemunhas SS e TT para verificar como as mesmas atestaram o quanto a situação dos autos afetou esta R. que até então era uma pessoa autónoma, independente. Nas palavras da testemunha TT a R. era uma pessoa de luta, brincalhona e agora perdeu a alegria de viver, já não é a mesma pessoa e só fala na casa dela.

A filha SS por sua vez, referiu que a saúde da mãe piorou muito desde a ocorrência dos factos. Sendo ela uma pessoa muito independente e autónoma, já não é a mesma pessoa, estando com depressão e tendo sido operada ao coração (já após a ocorrência dos factos em questão). Chorando muito por ter perdido a sua casa.

Depoimentos estes suportados pelo relatório médico junto em audiência em 14/06/2023.

Em suma, tão pouco merece censura a redação deste ponto factual 68.

Concluindo, julga-se totalmente improcedente a impugnação aduzida sobre a decisão de facto por parte do autor.

2) Do erro na aplicação do direito.

Em função do acima decidido e mantendo-se a decisão de facto, cumpre apreciar se a subsunção jurídica dos factos ao direito merece censura.

Relembrando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, não obstante e sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC], apreciaremos as objeções suscitadas pelos recorrentes – RR e A. - à decisão recorrida.

1- Insurgem-se as RR. em primeiro lugar quanto à declarada caducidade dos contratos de arrendamento com as mesmas celebrados, com efeitos a novembro de 2021.

Caducidade declarada verificada pela perda da coisa locada nos termos do artigo 1051º al. e) do CC.

Sendo obrigação do senhorio assegurar o gozo do locado ao seu inquilino para os fins a que o mesmo se destina [artigo 1031º al. b) do CC], na medida em que se torne impossível continuar a garantir tal gozo, aferida esta garantia pela possibilidade de o locado continuar a permitir a sua utilização para os fins a que se destina, ocorre a caducidade do contrato.

Tal como afirmado no Ac. do STJ de 29/10/2015, nº de processo 915/09.0TVPRT.P1.S1 in www.dgsi.pt “A caducidade do arrendamento pela perda da coisa locada previsto na alínea e) do art.1051º do CC é um afloramento do princípio geral sobre a impossibilidade superveniente da prestação prevista no art.790º e segs. do mesmo código e, em matéria de locação, o critério aconselhável sobre a impossibilidade total ou parcial da prestação por parte do locador tem de depreender-se do grau de destruição do prédio.”

A caducidade do contrato só operará assim quando um evento concreto torne esse locado “inutilizável ou (…) impróprio para servir os fins para que foi arrendado”.

Não esquecendo a obrigação que sobre o senhorio recai de realizar obras que garantam o gozo do locado, na medida em que o estado em que o mesmo se encontra torne insuscetível a sua utilização para o fim a que se destinava, verifica-se a caducidade do contrato de arrendamento.

Como decidido no Ac. TRP de 30/05/2018, nº de processo 1476/16.0T8PRT-A.P1 in www.dgsi.pt “De acordo com um critério funcional, para que se verifique a caducidade do contrato de arrendamento, por perda da coisa, nos termos do art. 1051º/e) CC, não é necessário que ocorra o desaparecimento total do imóvel, bastando que o mesmo sofra uma destruição de tal ordem que o torne insuscetível de servir para os fins que lhe são próprios ou contratualmente previstos.”

Não é, pois, exigida a destruição total do locado para que se considere a caducidade do contrato nos termos do artigo 1051º al. e) do CC. Bastando que esta assuma tal relevo que impossibilite a sua utilização para o fim a que se destina.

Apreciada a factualidade julgada provada, da mesma se infere que após o desabamento parcial da cobertura do imóvel ocorrido em 19/20 de outubro que determinou a saída dos locatários do imóvel até que estivessem reunidas as condições de habitabilidade do mesmo (vide fp’s 19 a 23), procedeu o autor ente 13/01/2020 e 04/02/2020 à demolição da cobertura e dos tetos da edificação e a danificação de paredes e pavimentos, bem como à retirada (entretanto reposta) de portas interiores e janelas interiores do lado poente (vide fp 29).

Acresce que desde pelo menos 07/11/2021 – entre o mais descrito em 30 dos fp - não existe cobertura do edifício, estando em ruína o teto do r/c e pavimento do andar, com partes que caíram, estando as infraestruturas existentes (elétricas, telecomunicações, abastecimento de água, esgotos e águas pluviais) totalmente danificadas.

Dado o estado de ruína, não reunindo o imóvel condições de habitabilidade, pondo em risco a segurança dos seus habitantes. Não sendo ainda possível garantir a estabilidade global do edifício que apresenta perigo de derrocada (vide fp 31).

O estado do imóvel – não constituído em propriedade horizontal – é no contexto descrito um imóvel insuscetível de cumprir as finalidades a que se destinava, ou seja habitação dos seus locatários – pelo que se impõe concluir pela caducidade dos contratos de arrendamento que haviam sido celebrados com as RR., tal como decidido pelo tribunal a quo, seguindo o entendimento dos arestos citados, entre outros.

Caducidade que opera ipso iure, de forma automática e independentemente da culpa que ao senhorio possa ser assacada pelas causas da extinção, entenda-se pelo estado de ruína a que o imóvel chegou.

Sendo que no caso de a ruína do imóvel ser o resultado da violação do dever do senhorio em proceder à conservação do imóvel como garantia do seu gozo por parte do inquilino, então tal atuação será sancionada em sede indemnizatória (vide artigo 798º do CC).

Indemnização que terá como finalidade ressarcir tanto os danos patrimoniais como não patrimoniais sofridos pelo locatário pela privação do locado[6].

Assinalados os pressupostos que determinam a caducidade do contrato de arrendamento por perda da coisa locada, nos termos acima já expostos, nenhuma censura merece a declarada caducidade na decisão recorrida.

Como objeção à reconhecida caducidade alegaram ainda as recorrentes que a data à qual o tribunal a quo reportou a caducidade dos contratos – 07/11/2021 – é posterior à data dos factos que foram causa de pedir desta ação.

Sendo que à data dos factos invocados pelo autor na p.i. como causa de pedir tal caducidade não operaria.

A impedir por esta via a declaração da caducidade dos contratos de arrendamento.

O pedido de caducidade dos contratos de arrendamento foi formulado pelo autor na sua p.i..

Tendo então por referência a realidade à data existente.

As RR. contestaram. E deduziram pedido reconvencional.

Então tendo já invocado e descrito a subsequente atuação do autor sobre o imóvel e estado em que se encontra, convocando nomeadamente um relatório da Câmara de 14/02/2010.

O A. apresentou réplica.

E nesta alega que a reparação do imóvel impõe o derrube total do mesmo e sua reconstrução.

Mais alega a desproporção entre a pretendida obrigação de reconstrução do imóvel e o valor das rendas.

Na tréplica, a R. CC reitera a atuação posterior do autor de demolição total da cobertura e tetos de toda a edificação conforme constatado em 04/02/2020 pelos serviços de fiscalização da CM ....

Foi oportunamente efetuada prova pericial – estando o relatório datado de 24/03/2022 (tendo sido junto aos autos em 25/03/2022), na qual é descrito o estado do imóvel à data da vistoria pelos Srs. Peritos – em 07/11/2021. Descrição esta que veio a ser traduzida nos factos provados, em concreto ponto 30 dos factos provados.

Sendo esta a data a que o tribunal a quo reporta a julgada verificada caducidade dos contratos.

Certo sendo que no ponto 29 dos factos provados já é referida a atuação do autor sobre o imóvel entre 13/01/2020 e 04/02/2020 de demolição da cobertura e dos tetos da edificação e danificação das paredes e pavimentos.

Atuação que são as próprias RR. que aportaram aos autos logo na sua contestação, nos termos acima já referidos.

Tendo em conformidade sido discutida e apreciada a correspondente factualidade, com observância do princípio do contraditório.

Dito isto, a causa de pedir do autor foi construída na base de uma descrição do imóvel que o mesmo qualificou de ruína e inaptidão para o fim habitacional, com fundamento na sua derrocada.

E o estado do imóvel apurado/confirmado pelo relatório pericial, foi quanto ao seu agravamento previamente invocado pelas RR., nos termos já assinalados.

A data a que o tribunal a quo fixou a caducidade dos contratos em 07/11/2021, tem subjacente, tão só, a referência à data da vistoria mencionada no relatório pericial.

Momento a partir do qual, pelo menos, o estado do imóvel apurado se verificava.

De qualquer modo, a consideração dos factos produzidos posteriormente à proposição da ação é de observar, de modo a que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão, tal como o determina o artigo 611º nº 1 do CPC desde que tenham influência sobre o conteúdo da relação controvertida (vide nº 2 do mesmo artigo 611º do CPC), como é o caso.

Não procede assim a objeção das recorrentes à consideração do estado do imóvel a data posterior à interposição da ação.

Acresce que uma vez decretada a caducidade dos contratos, tão pouco pode proceder a pretensão de realojamento das autoras que pressuporia a existência desses mesmos contratos.

Como já mencionado, decretada a caducidade dos contratos, resta às locatárias o direito a serem indemnizadas pelos danos causados pela privação do locado quando esta tenha como causa atuação imputável ao locador, nomeadamente por violação do seu dever de conservação do locado.

Improcedendo, como tal, também a sua argumentação relativa a um abuso de direito pelo reconhecimento da caducidade no contexto apreciado.

Como já afirmado, a sanção do locador prevaricador está na sua obrigação indemnizatória.

2- Tendo presente o decidido, cumpre ora apreciar as pretensões indemnizatórias formuladas pelas recorrentes. E, de forma conjunta, objeções às mesmas apresentadas pelo autor.

Não existem dúvidas perante os factos provados que o autor violou e de forma notória o seu dever de conservação do locado.

Basta para tanto atentar, não só no estado em que o imóvel se encontrava à data do auto mencionado em 18 dos factos provados, como e de forma mais relevante no estado em que posteriormente e na sequência de intervenção do autor (vide fp 29) o imóvel veio a ficar (vide fp 30). Isto já após o desabamento descrito em 21 dos fp’s e a notificação do autor para realizar obras e realojar os moradores por parte da CM ... (vide fp´s 23 a 28).

Sendo na sequência da atuação do A. posterior à notificação para a realização das obras que o imóvel vem a ficar efetivamente num estado de não recuperação possível e de uma forma generalizada.

Ainda, dos factos provados resulta ter a R. CC interpelado o A. a proceder a reparação do telhado, o que este não fez (vide factos provados 57 a 60).

Obras que em relação ao telhado na parte correspondente à habitação da 2ª R. orçariam em cerca de € 6.800,00.

O A. respondeu à interpelação da autora, com uma missiva dirigida a todos os locatários, dando nota de que a reparação do telhado orçaria em 20.000,00 mais IVA. Valor que versus o montante das rendas recebidas, nem ao fim de 15 anos veria compensado.

Motivo por que não iria proceder à pretendida reparação.

As rendas pagas pelas 3 RR. nos autos somavam o valor mensal de € 533,70 o que perfaz o valor anual de € 6.404,40 (vide fp´s 7 a 9).

A que acresce a existência de uma 4ª habitação que em condições normais também poderia ser arrendada (vide fp 34).

Significa isto que o valor recebido pelo A., em relação ao valor estimado só para as obras da habitação da R. CC ficariam pagas praticamente com o valor das rendas totais de um ano – não nos esqueçamos que a reparação só do telhado por cima da casa da R. CC beneficiaria, enquanto cobertura, o estado de todo o prédio. E se considerado o valor de reparação global indicado pelo autor seriam necessários sensivelmente 4/5 anos para cobrir as despesas previstas pelo orçamento indicado pelo autor na sua missiva mencionada em 60 dos factos provados.

Esta proporção afasta a nosso ver eventual ponderação de uma atuação abusiva por parte das RR. em relação à exigência de o A. proceder à realização das obras de reparação do telhado. Sendo que quanto às obras mencionadas em 18 não vem apurado o valor necessário para tanto.

Existisse atuação abusiva por parte das RR. e a sua pretensão indemnizatória estaria afastada[7].

Não sendo o caso, cumpre aferir se o decidido pelo tribunal a quo quanto às pretensões indemnizatórias formuladas pelas RR. merece censura.

Sendo certo que perante o exposto, afastada fica também a argumentação do autor invocada no seu recurso, quanto a uma alegada inexistente mora na realização de obras de conservação consideradas necessárias, como pretexto para afastar a sua responsabilidade perante as RR. locatárias pelos danos por esta sofridos.

a) Quanto ao pedido indemnizatório formulado pelas RR. recorrentes relativamente à alegada perda do recheio de casa e privação do seu uso, julgou o tribunal a quo improcedente tal pretensão por não demonstrada a perda do recheio e privação do seu uso.

As recorrentes insurgem-se contra o assim decidido (vide conclusões 33 a 42).

Mas como se infere do constante em tais conclusões, não invocam as recorrentes factualidade provada que sustente a sua pretensão.

Em 79 dos factos provados consta que na sequência do sinistro a autoridade administrativa guardou em armazém os haveres dos ocupantes dos prédios, salvo o que as RR. não quiseram.

É ainda certo que as RR. vivem atualmente em quartos (vide fp’s 64 a 67 pra a 2ª R.) e 44 a 47 para a 1º R..

Podendo daqui inferir-se juntamente com o provado em 74 que as RR. não poderão ter consigo o recheio que foi de sua casa.

No entanto foi julgado não provado o que consta em y), ee), Ii) a kk), mm) a oo), qq) e rr).

O mesmo é dizer que os factos provados que acima assinalámos não permitem concluir pela existência de um dano concreto quer quanto ao perecimento dos bens, quer quanto à privação do seu uso.

Motivo por que não merece censura o decidido neste campo.

b) Peticionou a R. BB um montante indemnizatório mensal de € 500,00 pelo dano de privação temporária total do gozo do locado e pelo tempo que decorrer a privação, fruto de despesas com rendas e despesas correntes da habitação locada e dos outros locais onde estiver a habitar provisoriamente, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a notificação.

Tendo a R. CC igualmente peticionado um montante indemnizatório pela privação temporária total do gozo do locado de € 3.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a notificação. Acrescido de um valor mensal não inferior € 500,00, pelo tempo de privação dessa utilização.

A este montante e para o caso de se decidir pela não recuperação do imóvel, bem como pelo não realojamento, o montante de € 30.000,00 pela privação definitiva do locado.

A R. CC, igualmente peticionou uma indemnização pela privação temporária total do gozo do locado desde 19/10 até à data da contestação (16 de março de 2020), no valor de €3.000,00. Acrescido do valor mensal não inferior a € 500,00 mensais enquanto tal privação durar.

Bem como e para o caso de se decidir pela não recuperação do imóvel, bem como pelo não realojamento, o montante de € 30.000,00 pela privação definitiva do locado.

Apreciando este segmento do pedido, decidiu o tribunal a quo nos seguintes termos:

- quanto à R. BB.

Pelo período de privação do gozo do locado entre 19/20 de outubro de 2019 e até à data em que o tribunal a quo fixou a caducidade do contrato, 07/11/2021, o montante de € 4.500,00 [correspondendo € 3.800,33 ao valor da renda efetivamente suportado entre 01/08/2020 e 07/11/2021 e o restante ao período em que esteve em casa de um vizinho sem pagar renda, de 20/10/2019 a 01/08/2020).

Para tanto tendo ponderado o valor de renda efetivamente suportado pela R. de € 250,00 no quarto com wc em que passou a residir em casa de uma amiga, desde agosto de 2020 (antes tendo estado a viver de favor na casa de um vizinho que estava emigrado); a esperança média de vida de 83,37 anos para as mulheres, bem como a idade da ré nascida em ../../1942.

Ainda e pela privação definitiva do locado, arbitrou o tribunal a quo o valor de € 8.500,00. O que o tribunal a quo justificou com base no seguinte cálculo: “a diferença de renda (€ 163,37), a idade já avançada da Autora (nascida em ../../1942) e a esperança média de vida das mulheres (cerca de 83,37 anos – até 09/2025),”, obtendo por tanto um cálculo de “€ 7.678,39 (€ 163,37 x 47 meses).”; juntamente com a “duração do arrendamento, o uso dado ao arrendado, o valor do imóvel, o valor da renda suportada, a diferença de renda existente, o aumento previsível das rendas, o tipo de imóvel e sua localização, a idade já avançada da Autora e a esperança média de vida das mulheres, não olvidando que há uma antecipação relativamente à diferença de rendas futuras, mas a Ré também já predispôs das passadas”.

Insurge-se a recorrente quanto aos valores a este título arbitrados.

Alega que o valor de € 4.500,00 pela privação temporária, dividido pelos meses já passados não perfaz sequer € 100,00 mensais.

E que nada é comparado com os gastos de alimentação que passou a suportar, principalmente desde agosto de 2020 por habitar num quarto sem condições para cozinhar.

Sobre o valor fixado a título da privação definitiva, nada diz a recorrente (vide conclusões 49 a 54).

Não obstante, tendo a final concluído pela total procedência do peticionado em sede reconvencional por ambas as recorrentes a título de danos patrimoniais.

Quanto à pretensão da 2ª R., por sua vez, o tribunal a quo ponderou:

“A partir de agosto de 2021, inclusive, até agosto de 2022, inclusive, a 2.ª Ré suportou a quantia mensal de € 250,00, pela prestação de serviços de alojamento da casa de hóspedes sita na Rua ..., em Espinho, num total de € 3.250,00.

E, a partir de setembro de 2022, passou a suportar a quantia mensal de € 320,00 pela prestação de tais serviços de alojamento, num quarto sem janela, com wc e cozinhas comuns.” (…) não se vislumbrando que a renda que a Ré tem vindo a suportar seja anormal e desequilibrada para um prédio idêntico àquele que ocupava, tanto mais que, conforme resulta da matéria provada, apesar de só pagar de renda € 104,18, a vizinha e aqui 3.ª Ré já suportava a renda mensal de € 342,89, e o local que a 2.ª Ré ocupa atualmente, sito igualmente na Rua ..., consiste tão só num quarto, sem janela, com wc e cozinhas comuns, considera-se adequado ter por referência o montante atualmente pago pela 2.ª Ré (€ 320,00).”

E assim entendeu o tribunal a quo como adequado “por apelo à equidade, fixar, tendo por referência a presente data, o montante global de € 2.000,00, pela privação do uso do locado até 07/11/2021, correspondendo € 808,33 ao valor da renda efetivamente suportado entre 01/08/2021 e 07/11/2021 e o restante àquele período de 20/10/2019 a 01/08/2021).

Ainda e pela privação definitiva do locado, arbitrou o tribunal a quo o valor de € 17.500,00. O que o tribunal a quo justificou com base no seguinte cálculo: “a se tivéssemos em consideração a diferença de renda (€ 215,82), a idade já avançada da Autora (nascida em ../../1945) e a esperança média de vida das mulheres (cerca de 83,37 anos – até 03/2028), obteríamos cerca de € 16.618,14 (€ 215,82 x 77 meses).

Deste modo, tendo em consideração o quadro acima realçado e o restante acervo factual demonstrado, ponderando, além do mais, a duração do arrendamento, o uso dado ao arrendado, o valor do imóvel, o valor da renda suportada, a diferença de renda existente, o aumento previsível das rendas, o tipo de imóvel e sua localização, a idade já avançada da Autora e a esperança média de vida das mulheres, não olvidando que há uma antecipação relativamente à diferença de rendas futuras, mas a Ré também já predispôs das passadas, julga-se adequado fixar, pela perda do locado, tendo por referência a presente data, o montante global de € 17.500,00.”

A recorrente insurge-se contra o assim decidido.

Alega que o valor atribuído pela privação temporária e total do gozo do locado e da utilização da fração é exíguo e insuficiente, face aos danos e prejuízos, incómodos e desestruturação familiar que a recorrente CC sofreu e continua a sofrer. Invocando ainda o dolo e má fé com que o A. atuou.

Pelo que a fixação dos danos não poderá ser inferior, no seu conjunto a € 29.553, 18 [tal valor corresponde à soma das seguintes verbas liquidadas pela recorrente - € 3.000,00 pela privação total do arrendado desde o sinistro até à data da contestação; € 500,00 por mês pela privação do uso desde a contestação até à data e que liquida em € 21.500,00, para prover a todas as suas despesas, perdas e sofrimento material e moral; € 1.000,00 por despesas e encargos suplementares por ter ficado provada no imediato de bens materiais de higiene e de uso pessoal; € 4.053,81 da diferença entre as rendas efetivamente suportadas até agosto de 2023 e das que se vencerem desse então].

Igualmente sobre o valor fixado a título da privação definitiva, nada diz a recorrente (vide conclusões 55 a 57).

Não obstante, tendo a final concluído pela total procedência do peticionado em sede reconvencional por ambas as recorrentes a título de danos patrimoniais (conclusão 58).

Tendo presente que as recorrentes têm o dever de concretizar qual é o objeto do recurso, fundamentando a sua pretensão e justificando o motivo do desacordo quanto ao decidido, nada tendo sido dito quanto aos valores fixados a título de privação definitiva, entende-se não fazer parte do objeto do recurso os valores fixados a tal título.

Em causa apenas os valores fixados a título de privação temporária do uso do locado.

A fixar até ao momento em que se considerou ter ocorrido a caducidade dos contratos. Momento a partir do qual cessa o dano pela privação temporária e inicia o dano pela privação definitiva que as recorrentes distinguiram e quantificaram autonomamente.

Quanto a estes valores, o tribunal a quo ponderou de um lado o valor das rendas que as recorrentes suportavam mensalmente ao abrigo dos contratos de arrendamento de que eram titulares e de outro os valores que passaram a suportar para ter direito a uma habitação.

Dos factos provados resulta evidente que os espaços que as recorrentes passaram a ocupar, quartos, não podem ser comparados ao mesmo uso e gozo que as locados lhes proporcionavam.

A 1ª R. vivia numa habitação de 3 quartos, sala, wc e cozinha que mantinha e conservava limpa e habitável e pela qual pagava a renda mensal de € 86,63 e passou a viver num quarto com wc, pagando € 250 mensais (vide factos provados 11, 37 e 45).

A 2ª R. por sua vez, vivia numa habitação igualmente composta por 3 quartos, cozinha e instalação sanitária situada no corredor comum de acesso. Sendo os compartimentos com dimensões reduzidas, mas com ventilação e iluminação natural. Habitação que mantinha limpa e em condições de habitabilidade. Tendo passado a viver primeiro em hosteis e após numa casa de hospedes num quarto sem janela, com wc e cozinha comuns, onde começou a pagar € 250,00 mensais e atualmente € 320,00 mensais (vide fp 11 e auto de vistoria mencionado em 18 dos factos provados, no qual é feita a descrição do locado desta 2ª R. e ainda fp´s 53, 64, 65, 69 e 70).

Tendo presente que o que está em causa é a indemnização do dano patrimonial decorrente da privação do uso, ou seja da perda das utilidades que os locados proporcionavam às RR. de acordo com o uso normal dos mesmos, há que se recorrer na sua fixação a critérios de equidade, tal como o tribunal a quo deu nota, há que considerar a privação de uso pelo mesmo período de tempo – até à caducidade dos contratos em 07/11/2021 e desde 19/10/2019, ou seja, durante sensivelmente dois anos / 24 meses e com dimensão idêntica na perspetiva de que ambos os locados tinham configuração idêntica; o valor que suportavam ambas as RR. mensalmente nos locados, de montantes aproximados (a 1ª R. € 86,63 e a 2ª R. € 104,18); ainda os valores, já diversos, que atualmente suportam na alternativa que encontraram (a 1ª R. € 250,00 que suportou a partir de agosto de 2020 conforme consta provado em 45 dos fp´s; e a 2ª R. € 250,00 desde agosto de 2021 até agosto de 2022 e a partir de setembro de 2022 € 320,00, conforme vem provado em 69 e 70 dos fp’s).

Na contabilização deste dano, há ainda que considerar os valores das rendas que deixaram de pagar pelos locados (ou pagaram, mas com direito à restituição na decisão reconhecida).

Sendo certo que a renda por uma habitação similar àquela que as recorrentes usufruíam, aos valores do mercado corrente, em localização idêntica ao imóvel onde habitavam, mesmo que em prédio antigo e com semelhantes condições de habitabilidade, não andaria longe dos € 500,00 mensais que as recorrentes quantificaram como valor do dano mensal.

Note-se que as recorrentes passaram a suportar um valor de renda inferior, mas por um espaço muito menor (apenas um quarto) e com condições não comparáveis ao de um locado autónomo, independente e com 3 cómodos para além de cozinha e wc (ainda que o da 1ª R. situado num corredor).

O seu dano corresponde assim à perda das utilidades que os seus locados lhes proporcionavam e para cuja substituição, despenderiam valor que se entende com recurso aos critérios de equidade, já que não vem apurado um concreto dano, fixar, à presente data, nos € 500,00 mensais peticionados por ambas as RR..

Valor que se entende assim devido, independentemente dos valores que efetivamente suportaram as recorrentes durante o período em que se viram privadas do locado[8].

Perfazendo o valor de € 12.000,00 para cada uma das recorrentes.

Valor que assim se fixa como devido a cada uma das recorrentes. Ao mesmo acrescendo juros de mora à taxa legal a contar da presente data.

Nesta parte procede assim o recurso das recorrentes.

Sem prejuízo da dedução dos valores efetivamente já recebidos pela R. BB, ao abrigo de acordo celebrado com o autor, tal como decidido pelo tribunal a quo.

Insurgiram-se ainda as recorrentes quanto aos valores fixados pelo tribunal a quo a título de danos não patrimoniais.

Tendo ambas peticionado um valor indemnizatório a tal título pela privação do locado. A 1ª R. no valor de € 25.000,00 e a 2ª R. no valor de € 30.000,00.

A este título o tribunal a quo arbitrou o montante de € 7.500,00.

Para tanto convocando a factualidade apurada, relativa aos transtornos causados a ambas as RR. e apurados nos autos.

As recorrentes insurgem-se contra o assim decidido.

Defendendo em suma que tal valor deverá ser fixado no montante por si peticionado.

Nos danos não patrimoniais – aqueles que afetam bens da personalidade, insuscetíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária – mais do que uma verdadeira indemnização é antes a reparação do dano que se visa alcançar.

Na fixação do quantum indemnizatório, e tal como decorre do disposto no artigo 496º nº 4 do CC, há que recorrer (uma vez mais) a critérios de equidade, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.

Deste normativo resultam especificadas o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, bem como as “demais circunstâncias do caso”, entre as quais naturalmente há que atender desde logo à gravidade do dano e à necessidade de o valor a arbitrar proporcionar ao lesado uma adequada compensação pelos padecimentos por este suportados.

Desta ponderação da culpa e situação do lesante bem como do lesado se extrai uma dupla funcionalidade desta indemnização: sancionatória e reparadora - cfr. neste sentido (entre outros) Ac. TRP de 08/10/2002, nº de processo 0121692 in www.dgsi.pt/jtrp e Acs. STJ (in www.dgsi.pt/jstj.pt) de 21/04/2010, nº de processo 54/07.9PTOER.L1.S1, bem como de 23/02/2012, nº de processo 31/05.4TAALQ.L2.S1 no qual se afirma “embora o dinheiro e as dores morais sejam grandezas heterogéneas, a prestação pecuniária a cargo do lesante, além de constituir para este uma sanção adequada, pode contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado.”

Mais, importa ter presente o reiterado entendimento jurisprudencial de que a fixação de um quantum indemnizatório nestes casos com recurso ao juízo de equidade assenta na ponderação das circunstâncias apuradas e relevantes de cada caso concreto e não em razões estritamente normativas, devendo ainda respeitar não só as normas que justificam o recurso à equidade, como os padrões jurisprudenciais sedimentados e aplicados em casos similares.

Tendo presentes os critérios e orientações acima salientados que na fixação do quantum indemnizatório devem ser ponderados, revertendo ao caso dos autos e sendo manifesta a necessidade de recorrer ao juízo de equidade atenta a natureza do dano em apreciação – não patrimonial – importa em especial relembrar da factualidade provada respeitante a ambas as RR. que evidencia o sofrimento às mesmas causadas pela privação do seu locado.

Privação nos autos apurada como definitiva à data de 07/11/2021, momento pelo tribunal a quo fixado como aquele em que se verificou a caducidade dos contratos por perda da coisa locada, com culpa do autor, como acima já assinalámos.

Importa ter presente que a indemnização que ora se aprecia visa compensar as RR. pelo desgosto e sofrimento causado precisamente com a perda de locado.

Inicialmente numa perspetiva temporária e que, entretanto, se veio a confirmar como definitiva.

Indemnização que tem, como também já referido, uma funcionalidade sancionatória e também reparadora.

Devendo o montante a fixar ser adequado à compensação dos padecimentos a suportar e suportados.

Tendo presente o campo indemnizatório abrangido pelo dano e análise, não se nos afigura que o valor fixado, de acordo com critérios de equidade fuja dos padrões normais.

Motivo por que e quanto a este segmento decisório se entende ser de manter o decidido pelo tribunal a quo.

Finalmente insurgem-se as recorrentes quanto à decidida improcedência do pedido de condenação do A. como litigante de má-fé.

Infere-se do previsto no artigo 542º do CPC, nomeadamente als. a) e b), que nestas se visa sancionar aqueles que – e para o que ora releva - de forma censurável, com dolo ou negligência grave, deduzem pretensão cuja falta de fundamento não devem ignorar ou alteram a verdade dos factos. Por relacionada esta atuação com o mérito da causa, sendo considerado que estas duas alíneas se reportam à má-fé substancial.

Pressuposto desta condenação é que os autos evidenciem de forma notória e clara tal atuação censurável, imputável à parte a título de dolo ou negligência grave.

Não está em causa a procedência da pretensão ou defesa apresentada pelo autor.

Antes a atuação processual do autor e nomeadamente o que o mesmo alega para a procedência da sua pretensão ou defesa. Que e quando não corresponda à verdade e o não possa ignorar, deverá ser sancionado no âmbito do regime da litigância de má-fé.

As recorrentes confundem uma atuação culposa do autor no decurso da relação contratual que em sede indemnizatória vem sancionada, com uma conduta processual contrária à boa-fé que os factos provados não evidenciam, tal como o tribunal a quo decidiu.

Decisão que assim não merece censura.

Termos em que se julga parcialmente procedente o recurso das RR..

E totalmente improcedente o recurso do autor.


***

IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo autor e parcialmente procedente o recurso interposto pelas RR., consequentemente e parcialmente revogando a decisão recorrida condenando o autor a indemnizar as RR. na quantia de € 12.000,00 cada uma, a título de privação do uso do locado, no período compreendido entre 19/10/2019 e 07/11/2021.

Quanto mais mantém-se a decisão recorrida.

Custas do recurso do autor pelo autor.

Custas do recurso das RR. pelo autor e RR. na proporção do vencimento e decaimento.


Porto, 2024-09-23
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
________________
[1] Conforme ampliação deduzida em 26/06/2023.
[2] Realce nosso.
[3] Ainda sobre a mesma matéria: - Ac. STJ de 17/11/2020, nº de processo 846/19.6T8PNF.P1.S1 onde se afirma, tal como consta do sumário “I - A especificação dos concretos pontos de facto [impugnados] deve constar das conclusões recursórias, posto que estas têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte.”;
- Ac. STJ de 09/02/2021, nº de processo 16926/04.0YYLSB-B.L1.S1 do qual se extrai idêntico entendimento.
Vide ponto III do sumário “III - O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões- Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil., pág. 165.”
Da respetiva fundamentação se extraindo o reiterado entendimento do STJ – de acordo com as múltiplas decisões no mesmo convocadas – de que a completa omissão nas conclusões dos “concretos pontos de facto que no entender dos apelantes impõem decisão diversa da recorrida” implica o entendimento da não observância dos ónus de alegação impostos pelo artigo 640º nº 1 do CPC.
Convocando ainda na doutrina Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, pág. 165, “em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões” e acrescenta “são as conclusões que delimitam o objeto do recurso, segundo a regra geral que se extrai do art. 635, de modo que a indicação dos pontos de facto cuja modificação é pretendida pelo recorrente não poderá deixar de ser enunciada nas conclusões” e reafirma na nota 274, a págs. 168 que “ainda que não tenha utilizado no art. 640 uma enunciação paralela à que consta do nº 2 do art. 639 sobre o recurso da matéria de direito, a especificação nas conclusões dos pontos de facto a que respeita a impugnação serve para delimitar o objeto do recurso”;
- Ac. STJ de 25/03/2021, nº de processo 756/14.3TBPTM.L1.S1, no qual (e citando diversa jurisprudência no seu sentido decisório) se realçou recair sobre o recorrente a observância do ónus primário de impugnação que corresponde às exigências do nº 1 do artigo 640º do CPC sob pena de imediata rejeição do recurso, sem lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento, na medida em que delimitam o objeto do recurso e fundamentam a sua impugnação; exigências estas “decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, visando-se com elas assegurar a seriedade do próprio recurso” e não “alheias também ao princípio do contraditório, pois destinam-se a possibilitar que a parte contrária possa identificar, de forma precisa, os fundamentos do recurso, podendo assim discretear sobre eles, rebatendo-os especificadamente”; reafirmando-se ser “entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso (cfr. n.° 4, do art.° 635°, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente tem de delimitar o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no n°1, do art.° 640°.”;
Mais recentemente
- Ac. STJ de 27/04/2023, nº de processo 4696/15.0T8BRG.G1.S1, onde e reiterando o mesmo entendimento se sumariou “A não indicação nas conclusões das alegações do recurso de apelação dos concretos pontos da matéria de facto que se pretende impugnar permite a rejeição imediata do recurso nessa parte.” [todos in www.dgsi.pt].
[4] Vide certidão junta com a contestação da R. BB em 23/01/2020.
[5] Recorda-se que o imóvel não estava constituído em propriedade horizontal.
[6] Assim se defendeu nos Acs. TRC de 07/11/2017, nº de processo 1632/15.8T8ACB.C1; Ac. TRP 05/07/2011, nº de processo 9577/08.1TBVNG.P1; Ac. TRG de 09/11/2017, nº de processo 30/14.5T8CMN.G1; Ac. STJ de 02/07/2015, nº de processo 1700/12.8TVLSB.L1.S1, todos in www.dgsi.pt
[7] Vide Ac. TRP de 12/09/2023, nº de processo 15475/21.6T8PRT.P1, in www.dgsi.pt
[8] Cfr. O decidido no Ac. do STJ de 28/01/2021 nº de processo 14232/17.9T8LSB.L1.S1 in www.dgsi.pt, onde se apreciou a indemnização pelos danos provenientes da privação do uso sobre um prédio urbano – no caso pela ocupação sem titulo de um imóvel – aí se decidindo pela indemnização da privação do uso por referência ao valor do espaço no mercado de arrendamento.
Tal como consta sumariado neste Ac.
“Se, mercê da ocupação de prédio urbano por terceiros sem título justificativo, os respetivos proprietários ficaram impedidos, durante um certo período, de usá-lo, de fruir as utilidades que eles normalmente lhes proporcionariam, essa privação injustificada do direito de propriedade constitui os ocupantes na obrigação de indemnizar os proprietários pelos prejuízos para eles decorrentes da perda temporária dos poderes de gozo e fruição.
III. Competindo ao lesado provar o dano da privação do uso, não é suficiente, para tanto, a prova da privação da coisa, pura e simples, mas também não é de exigir a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante.
IV. Sendo o imóvel em questão um prédio urbano, será, assim, suficiente demonstrar que o mesmo destinava-se a ser colocado no mercado de arrendamento, correspondendo, neste caso, a indemnização pela privação do uso ao seu valor locativo.”