Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MARIA DOS PRAZERES SILVA | ||
| Descritores: | PENA DE PRISÃO REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO DESCONTO | ||
| Nº do Documento: | RP20251105142/20.6PDPRT-C.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/05/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A redação da norma do artigo 80.º do Código Penal não sofreu modificação alguma após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2017 de 23 de agosto ou por via da mesma lei. II- A redação vigente do artigo 43.º, do Código Penal foi introduzida pela citada lei que, sendo inovadora relativamente aos requisitos de admissibilidade do regime de permanência na habitação e à sua regulamentação, manteve intacto o instituto do desconto. III - Portanto, o imperativo legal de proceder ao desconto de medidas processuais no cumprimento da pena de prisão foi preservado, sem distinção alguma em razão do modo de execução da pena, em meio institucional ou na habitação com fiscalização eletrónica. IV - Sendo assim, não tem cabimento uma interpretação do texto legal que exclua do âmbito de aplicação da norma do artigo 80.º do Código Penal a pena de prisão executada em regime de permanência na habitação. V - Tratando-se sempre de uma pena de prisão efetiva, o desconto opera-se ainda que a execução da pena decorra em regime de permanência na habitação, visto que a lei não prevê exceção, restrição ou condicionamento ao desconto decorrente de a pena não ser executada em meio prisional VI – Desse modo, não se introduz modificação da pena fixada pelo julgador na decisão condenatória. (Sumário da responsabilidade da relatora) | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 142/20.6PDPRT-C.P1
Relatora: Maria dos Prazeres Silva 1.ª Adjunta: Maria João Lopes 2.ª Adjunta: Isabel Maria Trocado Monteiro
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIO 1. No âmbito do processo comum singular n.º 142/20.6PDPRT, em que é arguido AA, por decisão de 11-04-2025 (Referência: 470962549), foi determinado proceder, nos termos do artigo 80.º do Código Penal, ao desconto do período de 8 meses e 13 dias privação de liberdade (por motivo de detenção e da medida de coação de obrigação de prisão preventiva) a que o arguido foi sujeito no processo n.º 57/23.6SFPRT, na pena a cumprir, sendo subsequentemente julgada extinta a mesma pena, nos termos do artigo 475.º, do CPP. * 2. Inconformado com o decidido, AA interpôs o presente recurso, que remata com as seguintes
CONCLUSÕES 1. É certo que o artigo 80.º, n.º 1 do C.P. refere que a medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação, prevista, aliás, no artigo 201.º do Código de Processo Penal (doravante, “C.P.P.”), pode ser descontada na pena de prisão que vier a ser decretada pelo Exmo. Tribunal ao Arguido, ainda que tenha sido aplicada num outro processo. Portanto, trata-se aqui manifestamente de uma decisão a favor do Arguido. 2. No presente, aquilo que o Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito está com o despacho proferido a aplicar é o instituto jurídico do desconto de uma medida de coação de prisão preventiva, aplicada ao abrigo de um outro processo, numa pena de substituição devidamente ponderada e decretada pelo Tribunal da Relação do Porto a executar em regime de permanência na habitação. 3. O que o Exmo. Tribunal pretende agora efetuar é um desconto do tempo em que o Arguido AA esteve privado da liberdade ao abrigo de um outro processo na pena aplicada no âmbito deste processo a executar, portanto, em regime de permanência na habitação, em claro prejuízo do Arguido. 4. Ora, precisamente de acordo com o n.º 1 do artigo 43.º do C.P. se retira que o regime de permanência na habitação se traduz numa verdadeira pena de substituição da pena de prisão, substituição essa, não sendo automática, a operar e decidir pelo próprio Tribunal, uma vez analisados e verificados, naturalmente, determinados pressupostos. 5. Sucede que, no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, entenderam os Exmos. Srs. Drs. Juízes Desembargadores que o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de execução da pena. 6. E isto porque consideram que se encontram perfeitamente preenchidos os pressupostos formais e materiais exigidos para a aplicação da referida pena de substituição. 7. No caso dos autos, o Arguido foi condenado na pena de 9 meses de prisão efetiva, por força de ter sido perdoado 1 ano, ao abrigo da Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto. 8. Ademais, o artigo 43.º, n.º 1 ainda exige como requisito o consentimento do condenado, o qual foi dado. 9. Para além disso, a nível material, exige-se a adequação às finalidades da pena, que, como referido, e mais particularmente na página 38 do douto Acórdão, se encontra devidamente justificado pelo Exmo. Tribunal da Relação do Porto. 10. Ora, assim sucedendo, facilmente se conclui que bem andou o Tribunal da Relação do Porto em decretar a pena de substituição em regime de permanência na habitação. 11. Significa isto que aquilo que se pretende fazer, nos exatos termos proferidos pelo Despacho com a Ref.ª 470962549, é modificar por completo a decisão tomada pelo Exmo. Tribunal da Relação, em manifesto prejuízo do Arguido. 12. Isto porque ao considerar que se encontra extinta a pena de permanência na habitação aplicada pelo Exmo. Tribunal da Relação do Porto, por desconto na medida de coação de prisão preventiva do arguido aplicada à ordem do Processo com o n.º 57/23.6SFPRT, uma medida, portanto, extremamente restritiva dos direitos e liberdades e que só deve ser aplicada em ultima ratio, ultima ratio essa que foi, com toda a certeza, devidamente ponderada pelos Exmo. Srs. Drs. Juízes Desembargadores à ordem do presente processo e que os mesmos consideraram ser excessiva, preferindo aplicar ao aqui Arguido uma pena de substituição, em regime de permanência na habitação, revela-se profundamente contraditória e extremamente restritiva dos direitos fundamentais e, ademais, completamente desproporcional. 13. Portanto, esta foi uma decisão tomada em tempo, pelo Tribunal da Relação do Porto aquando da condenação do Arguido, e da respetiva forma de execução da pena, e não pode agora o Exmo. Tribunal Judicial da Comarca do Porto desconsiderar por completo a decisão tomada e querer aplicar um desconto completamente descabido ao aqui Arguido, em seu claro prejuízo. 14. O instituto do desconto das medidas processuais e, sobretudo, do desconto das medidas de coação não pode operar, sem mais, quando está em causa uma pena de substituição ou de execução diferenciada. 15. Tal como acontece com as penas de prisão suspensas na execução, também no Regime de Permanência na Habitação e/ou na Prestação de Trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º do C.P.), em que o cumprimento da pena é substituído por outro modo de execução, o desconto do tempo passado sob detenção, prisão preventiva ou em obrigação de permanência na habitação, só poderá ocorrer se e quando se verifique uma situação de revogação da pena substituída.
Termos em que atento todo o exposto deverá ser revogada a decisão proferida e, nessa conformidade, ser proferido um novo despacho que ordene o cumprimento do remanescente da pena em Regime de Permanência na Habitação. * 3. O Ministério Público apresentou resposta na qual pugnou pela total improcedência do recurso, tendo formulado as seguintes
CONCLUSÕES I. O douto despacho recorrido, não padece de qualquer vício e fez a correcta interpretação e aplicação da lei, designadamente, dos artigos invocados pelo recorrente e o mesmo apenas passará a cumprir pena de 1 ano de prisão em regime de permanência na habitação, caso lhe venha a ser revogado o perdão aplicado por força da Lei n. º 38-A/2023, por violação da condição prevista no artigo 8.º n.º1, da citada Lei do Perdão. II. Contrariamente à posição do recorrente e, como já defendemos nos autos, tendo em conta o disposto no artigo 80.º do Código Penal, 1 - A detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicadas em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas. III. O recorrente passou a estar à ordem destes autos em Regime de Obrigação de Permanência na Habitação, desde o dia 26 de Março de 2025. Contudo, tendo em conta o período da prisão preventiva que sofreu à ordem do processo n.º 57/23.6SFPRT, do Juízo Central Criminal do Porto Juiz 3, desde o dia 9 de julho de 2024 até ao dia 26 de Março de 2025, terá a seu favor o desconto de 8 meses e 17 dias de privação da liberdade, nos termos do disposto no artigo 80.º n.º 1, do Código Penal. IV. O recorrente beneficiou do perdão, nos termos do disposto da Lei n.º 38-A/2023, e lhe foi perdoado um ano da pena de prisão, ficou então, a faltar, o cumprimento pelo arguido da pena de 9 meses de prisão em regime de obrigação de permanência na habitação (OPH). V. Sem prejuízo de oportunamente se avaliar a revogação da condição resolutiva da lei do perdão e que caso já existisse decisão nalgum processo que se reporte a crimes praticados pelo arguido entre 1 de setembro de 2023 e o dia 1 de setembro de 2024, poderia o arguido ter continuado em regime de permanência na habitação, o que ainda não foi possível apurar por falta de decisão final no processo n.º 57/23.6SFPRT. VI. E, nesse caso, como apenas tinha a cumprir 9 meses de prisão em OPH e, como beneficia do desconto de 8 meses e 17 dias de prisão preventiva, restava-lhe o cumprimento de 13 dias de prisão em OPH. VII. Colocado à ordem destes autos a 26 de Março de 2025, concluiremos que o termo da pena de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, (OPH), ocorreu no passado dia 8 de abril de 2025, como bem decidiu o MM.º Juiz a quo. VIII. Pois, da letra do artigo 80.º do Código Penal, qualquer privação da liberdade sofrida pelo arguido em caso de ser privado da liberdade é descontado desde que verificados os pressupostos legalmente previstos; seja em caso de revogação de suspensão ou revogação de trabalho a favor da comunidade, pois caso contrário poderia o arguido considerar estar em prisão ilegal, e suscitar um HABEAS CORPUS” pelo que, independentemente dos entendimentos apresentados pelo recorrente ou pela vontade de estar em obrigação de permanência na habitação, impõe a justiça das cautelas e em benefício do arguido, proceder ao desconto nos termos expostos no despacho recorrido, mostrando-se correcto o ficou decidido, nada se tendo a apontar ao doutamente decidido, devendo manter-se integralmente a decisão proferida. IX. Acresce que contrariamente ao invocado pelo recorrente foi o Tribunal da primeira instância que decidiu se estavam ou não verificados os pressupostos para a aplicação do cumprimento da pena de prisão em OPH. X. Face ao supra exposto, considero que o douto despacho recorrido, não padece de qualquer vício, ou sequer se lhe pode apontar qualquer ilegalidade ou violação de principio de direito constitucional, de direito penal ou de direito processual penal e fez correta interpretação e aplicação da lei, designadamente dos artigos invocados (artigos 43.º e 80.º do Código Penal) pelo recorrente, concluindo-se que o recurso interposto não merece provimento, devendo o Douto Despacho recorrido ser mantido o imperativo desconto efectuado como legalmente previsto.
Contudo, V.ªs Ex.ªs, farão, como sempre, JUSTIÇA * 4. Nesta Relação o Ministério Público emitiu parecer no qual se pronunciou pela improcedência do recurso, alegando: (…) Todavia, e em nossa opinião, o recorrente carece de razão, mostrando-se acertada a decisão recorrida, que ordenou o desconto do período de tempo que em prisão preventiva à ordem do proc. nº 57/23.6SFPRT no remanescente da pena de prisão, em regime de permanência na habitação, que lhe restava cumprir. Como estipula o art. 80º, nº 1, do C. Penal, (…) No caso dos autos, o arguido foi condenado numa pena de prisão efectiva de 1 ano e 9 meses de prisão, que, contudo, deveria ser executada em regime de permanência na habitação, de acordo com o ordenado, tal como previsto pelo art. 43º, nº 1, do C. Penal. Trata-se, indubitavelmente, de uma pena de prisão, à qual pode, pois, ser descontado o tempo de permanência em prisão preventiva, nos termos do citado art. 80º, não estando prevista nenhuma excepção ou restrição pelo facto de tal pena de prisão ser executada em regime de permanência na habitação e não em meio prisional. Ainda que possa ser considerada uma “pena de substituição”, é claramente uma pena de prisão, ainda que cumprida no domicílio, que implica restrição e mesmo privação de liberdade, tal como a pena que é cumprida em meio prisional. E não se percebe, diga-se, em que medida é que esta decisão constitui um claro prejuízo para o arguido, como afirma, embora sem especificar. Será por perspectivar vir a ser condenado em pena de prisão efectiva no proc. nº 57/23.6SFPRT e pretender “reservar” este tempo que passou em prisão preventiva para essa outra pena que lhe pode vir a ser aplicada? Imaginamos que sim, que seja esse o sentido do “claro prejuízo” que alega, embora não o diga. Mas se for esse o caso, então o arguido está a pretender reservar o tempo passado em prisão preventiva para uma hipotética futura condenação em pena de prisão que se desconhece se virá ou não a ocorrer. E, perguntamos, se não vier a ser condenado em pena de prisão efectiva ou se for, até, absolvido? Então, o tempo que passou em prisão preventiva não será descontado em qualquer outra pena e acabará por cumprir, desse modo, 8 meses e 17 dias de prisão em regime de permanência na habitação, o que significa que estará privado da liberdade durante todo esse tempo, quando poderia não estar. Isso sim, representaria um claro prejuízo para o arguido. De outra forma, não vemos que prejuízo concreto advirá para o arguido caso se mantenha a decisão recorrida. Assim, a decisão proferida, ao permitir o terminus imediato da pena de prisão que o arguido estava a cumprir em regime de permanência na habitação, constitui antes uma vantagem para o arguido, e não um prejuízo, como o arguido alega (mas, repete-se, sem o especificar). Aliás, parece-nos que se pode, até, questionar o interesse em agir do arguido, ao pedir, com este recurso, que não lhe seja descontado na prisão que tinha a cumprir o tempo que passou em prisão preventiva - e, como tal, pôr-se em causa a sua legitimidade para recorrer. (…) * 5. Na resposta ao parecer, o arguido manifestou a sua discordância relativamente ao mesmo, reiterando a argumentação expendida na motivação do recurso, ao que aditou: (…) O arguido admite que o Sr. Procurador traz, no Parecer apresentado, um conjunto de evidências normativas, que são irrefutáveis no que concerne à aplicação do artigo 80.º do C.P., nomeadamente que o desconto do tempo passado em prisão preventiva – medida de coação imposta ao arguido – será descontado por inteiro na pena de prisão, ainda que em processo diferente, bem como ao facto de a pena em que o arguido foi condenado ser uma pena de prisão. Contudo, acrescentamos nós, com uma execução diferenciada, que não permite que entre elas se faça uma equivalência direta. No entanto, nesta linha de raciocínio, não se tomou em consideração uma particularidade da condenação do arguido, e que altera toda a arquitetura jurídica subjacente, que é o facto de a disciplina do artigo 80.º do C.P. ter sido estruturada para penas de prisão efetivas e, no caso, o arguido foi condenado numa pena de prisão de 1 ano e 8 meses, a executar em regime de permanência na habitação. E, portanto, se é certo que a pena aplicada ao arguido é uma pena de prisão, não é menos certo que o regime de execução dessa pena reveste uma natureza diferente, na medida em que é cumprida na habitação, com recurso a meios de vigilância eletrónica – i. e., de uma pena de substituição. Ora, estando – como estamos – perante uma pena de prisão, em que a forma de cumprimento foi substituída por uma execução menos gravosa, o julgador deu preferência a um critério, quer legal, quer doutrinal, de acordo com o qual deve dar-se preferência às penas de substituição. Pelo que, soa estanho que, por via do mecanismo do mero desconto, esse tempo passe, agora, a ser de cumprimento efetivo de prisão. Por outro lado, não se pode esquecer que este tipo de leitura do artigo 80.º do C.P. acaba por enviesar, com completo, o raciocínio que o julgador fez, no momento em que decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 43.º do C.P., ordenar que a pena de prisão fosse executada regime de permanência na habitação. E, sendo o mecanismo do artigo 43º do C.P. uma verdadeira pena de substituição, ao efetuar nestes autos o desconto do tempo passado em prisão preventiva ao abrigo do processo nº 57/23.6SFPRT, estamos a efetuar um desconto em penas cujo regime de execução não é o mesmo, e que, também, não tem equivalência legalmente fixada. Para tentar explicar melhor a posição do Recorrente devemos ter em consideração que, no caso da prisão substituída por multa – artigo 45.º do C.P.- como estamos perante uma pena de substituição onde a execução da prisão intra-muros é substituída por um valor pecuniário, só em caso de incumprimento da primeira pena (multa), é que se dá o cumprimento da prisão efetiva. Isto é, é a própria lei que estabelece, ab initio, a equivalência entre a pena de prisão e a sua substituição por pena de multa, atentas as distintas formas de execução. Ora, nesta hipótese (substituição da prisão por multa), só após a verificação do não pagamento da pena substituída, é que é possível tornar operante o desconto nos termos do artigo 80.º, exatamente pelo facto de estarmos perante formas de execução distintas. E o mesmo se diga, no que à pena de multa diz respeito (cf. artigo 47º do C.P.): ninguém se lembraria de descontar a prisão preventiva do arguido no valor da pena de multa que tivesse sido fixada pelo tribunal se esse fosse o caso, exatamente por não haver uma equivalência entre ambas as penas. Já o inverso é possível: ou seja, após a conversão da pena de multa em prisão subsidiária (artigo 49.º C.P), como estamos perante formas de execução da pena equivalentes, já se poderá operar ao desconto do tempo passado em prisão preventiva no tempo da prisão subsidiária que tenha sido fixado. Por outro lado, reconhece-se que o Digníssimo Sr.º Procurador-Geral Adjunto, no seu Parecer, levantou, quanto a este problema jurídico, questões que merecem ser discutidas e, por isso, dentro daquilo que nos é possível e, sempre com o rigor e honestidade intelectual, tenteremos fechar algumas dessas partas que foram deixadas em aberto. A resposta à primeira das questões levantadas pelo Digníssimo Sr. Procurador-Geral Adjunto é obvia: tendo sido aplicada ao arguido uma medida de coação privativa da liberdade que é, obrigatoriamente, cumprida no estabelecimento prisional, não pretende o arguido ver descontados esses dias sofridamente passados no E.P., numa outra pena em que a condenação seria executada na habitação, por não haver equivalência na grandeza de valores do desconto a efetuar[1]. Primeiro, porque não nos parece que seja, sequer, comparável o cumprimento de uma pena de prisão no estabelecimento prisional com o cumprimento de uma pena em regime de permanência na habitação, ao ponto de ser possível descontar a primeira na segunda – ainda para mais com uma equivalência direta de dia por dia. Aliás, são vários os artigos do código em que o legislador demonstra que não há essa equivalência direta entre as penas substituídas e a pena de prisão. Verbi gratia, o artigo 49.º n.º 1 do C.P. que manda que, no caso de conversão da pena de multa em prisão subsidiária, o tempo a cumprir seja reduzido a dois terços. O mesmo acontece com o desconto dos períodos de detenção, pois como os períodos de detenção são contabilizado em horas e as penas em dias de prisão, então, «se a detenção se tiver prolongado por algumas horas, não chegando a atingir a marca das 24 horas, então terá de se considerar que essas horas suplementares se terão de integrar na mais pequena unidade temporal legalmente contemplada; isto é, que terão de se considerar como um dia de desconto…»[2] onde, mais uma vez se comprova que não se verifica essa equivalência direta nos descontos a efetuar. Segundo porque, ao efetuar o desconto da prisão preventiva na pena em regime de permanência na habitação, está-se a inverter a ordem dos fatores do artigo 80.º do C.P. Pois, o que aquele instituto permite é que seja possível descontar, quer a prisão preventiva, quer a obrigação de permanência na habitação, na pena de prisão efetiva, por forma a que a permanência no estabelecimento prisional seja o mais curta possível, assim facilitando a ressocialização do condenado – sendo essa, precisamente, a ratio do artigo 80º. O que se fez neste processo foi exatamente o contrário daquilo que o artigo 80.º pretende pois, como se descontou o tempo já cumprido em prisão preventiva (à ordem de um outro processo) numa pena de prisão a cumprir em regime de permanência na habitação, forçou-se, por via dos descontos efetuados, que o cumprimento daquela pena ocorresse em estabelecimento prisional. Tal como na matemática em que na substração a ordem dos fatores não é arbitrária, na medida em que altera o resultado final, também no artigo 80.º do C.P. não é indiferente descontar a prisão preventiva ou a obrigação de permanência na habitação numa pena de prisão efetiva ou numa pena a executar em regime de permanência na habitação. Fazê-lo, tal como aconteceu no despacho de que se recorre, é colocar o mundo ao contrário! Claro que tudo isto nos pode levar, tal como levou ao Digníssimo Srº Procurador-Geral Adjunto, à questão que colocou em segundo lugar. Ou seja, «não sendo efetuado o desconto, o que acontece com o tempo passado em prisão preventiva, se o arguido não vier a ser condenado em pena efetiva ou se o for, até, absolvido?!». Num primeiro momento, a questão levantada até parece ser pertinente mas, na nossa humilde opinião, se pensarmos de forma mais profunda, chegamos à conclusão que, na verdade, o problema é puramente teórico, na medida em que isso já aconteceu, acontece e acontecerá, repetidamente, em vários processos. Por isso, se, eventualmente o arguido, à ordem do processo em que foi preso preventivamente, não vier a ser condenado em pena efetiva, ou se for, até, absolvido, acontecerá o mesmo que já acontece a vários arguidos em inúmeros processos em que se depararam com essa mesma situação, ou seja, são colocados em liberdade, independentemente do tempo que passaram em prisão preventiva. E essa era, exatamente, a situação em que o arguido estava até a sua absolvição ser revertida pela decisão do Tribunal da Relação do Porto à ordem destes autos. Pois, também até esse momento, se viesse a ser condenado em pena efetiva ou se fosse, até, absolvido, não poderia descontar o tempo passado em prisão preventiva, em nenhum outro processo. Por isso, não é o facto de o arguido ter estado sujeito a prisão preventiva que, caso seja condenado numa pena suspensa ou, até, absolvida determina que esse tempo, tenha, obrigatoriamente, descontado em outro processo. Até pela ratio inerente as medidas de coação que visa proteger fins, exclusivamente, cautelares que não se confundem com nenhuma das finalidades das penas. E, portanto, aquela segunda questão reveste uma natureza meramente, retórica, sem qualquer interesse prático ou académico. Para terminar, não podemos deixar de referir que o Recorrente tem consciência de que estamos perante uma questão relativamente nova, pois a atual redação do artigo 43º do C.P. tem subjacente a Lei nº 94/2017, de 23 de agosto e, portanto, muito posterior ao regime estabelecido no artigo 80.º do C.P. o qual, portanto, deverá ser interpretado nestes casos, tendo em atenção aquilo que aqui se refere – deverá, portanto, proceder-se a uma interpretação atualista da norma em apreço, até porque o sistema jurídico é um só e devemos evitar contradições entre ele (cf. artigo 9º, nº 1, do Código Civil). Termos em que, dando provimento ao recurso do arguido, será feita JUSTIÇA! * 6. Colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência. **** II. FUNDAMENTAÇÃO 1. DESPACHO RECORRIDO [despacho de 11-04-2025 (Referência: 470962549)] (…) * Do perdão da pena aplicada ao arguido nos presentes autos: Nos presentes autos o arguido AA, nascido a ../../1993, foi condenado, por factos cometidos a 29.10.2020, consubstanciadores da prática do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação. Mediante promoção de referência 470543437, veio o Ministério Público requerer que, no caso dos autos, e em face da entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023, de 02.08 (o que ocorreu a 01.09.2023), se declare perdoado um ano de prisão na pena de 1 ano e 9 meses de prisão que o arguido tem de cumprir à ordem dos presentes autos, sob a condição resolutiva de o beneficiário não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor (01.09.2023), caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada, conforme previsto no artigo 8.º n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023. Cumpre decidir. Conforme resulta do acima exposto, à data em que o arguido cometeu os factos pelos quais foi condenado nos presentes autos num crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, possuía o mesmo 27 anos de idade. A Lei n.º 38-A/2023, de 02.08, veio aprovar um perdão de penas e uma amnistia de infrações, tendo entrado em vigor no dia 01.09.2023. O âmbito de aplicação da lei encontra-se previsto no artigo 2.º, no qual se estatui, na parte que aqui importa, que: “1. Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3º e 4º.” No artigo 3.º da referida Lei prevê-se o perdão de penas nos seguintes termos: “ 1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos. 2 - São ainda perdoadas: a) As penas de multa até 120 dias a título principal ou em substituição de penas de prisão; b) A prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa; c) A pena de prisão por não cumprimento da pena de multa de substituição; e d) As demais penas de substituição, exceto a suspensão da execução da pena de prisão subordinada ao cumprimento de deveres ou de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova. 3 - O perdão previsto no n.º 1 pode ter lugar sendo revogada a suspensão da execução da pena. 4 - Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única. 5 - O disposto no n.º 1 abrange a execução da pena em regime de permanência na habitação. 6 - O perdão previsto no presente artigo é materialmente adicionável a perdões anteriores.” As exceções à aplicação do perdão encontram-se previstas no artigo 7.º da mencionada Lei. Vejamos, pois, se, no caso concreto, se encontram reunidos os respetivos requisitos para ser aplicado o perdão. No que refere à data em que os factos foram praticados, constata-se que os mesmos ocorreram antes das 00:00 do dia 19.07.2023, em concreto, a 29.10.2020. Relativamente à idade do arguido igualmente se conclui que tinha 27 anos de idade na data dos factos, ou seja, dentro da faixa etária prevista no diploma legal. Por outro lado, no que se refere ao tipo de crime pelo qual foi condenado, verifica-se que este não se encontra excluídos do âmbito de aplicação da Lei do Perdão e Amnistia, nos termos do art. 7.º do referido diploma legal. No que concerne à pena, tendo o arguido sido condenado na pena de 1 ano e 9 meses de prisão efetiva, a cumprir em regime de permanência na habitação, aplicar-se-á o artigo 3.º, n.º 1, sendo-lhe, por conseguinte, perdoado um ano de prisão na pena única de prisão aplicada nos presentes autos. Pelo exposto, pelos fundamentos supra referidos e ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1 e 8.º, n.º 1, todos da Lei nº 38-A/2023, de 02.08, decide-se: A) Declarar perdoado 1 (um) ano de prisão, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão em que o arguido AA foi condenado nestes autos; B) Determinar que o referido perdão aplicado ao arguido é-lhe concedido sob a Condição resolutiva de o arguido não praticar infração dolosa no ano subsequente à sua entrada em vigor, (até 01.09.2024), caso em que à pena aplicada à infração superveniente acresce o cumprimento da pena ou parte da pena perdoada; * Notifique, inclusive ao próprio arguido. * ** Da liquidação/extinção da pena aplicada ao arguido nos presentes autos: Por acórdão proferido nos presentes autos foi o arguido AA condenado na pena de 1 ano e 9 meses de prisão efetiva, a cumprir em regime de permanência na habitação. Nos termos acima determinados, foi declarado perdoado 1 ano de prisão na pena aplicada ao arguido (sob a condição resolutiva de não praticar de infração dolosa no ano subsequente à entrada em vigor da Lei n.º 38-A/2023), restando assim por cumprir ao arguido nos presentes autos a pena de 9 meses de prisão. Resulta do anteriormente processado, mormente dos ofícios de referência 42057630, que o arguido se encontra colocado à ordem dos presentes autos desde 26 de março de 2025, tendo por isso até à presente data cumprido dezassete dias de prisão à ordem dos presentes autos. Decorre ainda da informação que antecede (de referência 42120601), entretanto remetida pelo processo n.º 57/23.6 SFPRT, do Juízo de Instrução Criminal do Porto – J2, que o arguido, no âmbito de tal processo, esteve privado da liberdade no período compreendido entre 09.07.2024 até 26.03.2025, por detenção e subsequente aplicação de medida de coação privativa da liberdade (prisão preventiva), data em que foi ligado a estes autos, totalizando assim um período global de 8 meses e 17 dias de privação da liberdade; Estatui o art. 80.º, n.º 1, do Código Penal, que “a detenção, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação sofridas pelo arguido são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, ainda que tenham sido aplicada em processo diferente daquele em que vier a ser condenado, quando o facto por que for condenado tenha sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas”. Atento o ora transcrito preceito legal, considera-se estarem preenchidos os pressupostos legais necessários à aplicação do instituto jurídico do desconto, imputando assim o período de 8 meses e 13 dias de privação da liberdade do arguido no processo n.º 57/23.6 SFPRT, no cumprimento da pena de prisão, em regime de permanência na habitação, aplicada no âmbito dos presentes autos, sendo este o período temporal que resta cumprir ao arguido nos presentes autos, atingindo assim o mesmo o termo da pena na presente data. Em suma, procedendo nos termos do art. 80.º do Código Penal ao desconto do período de 8 meses e 13 dias privação de liberdade (por motivo de detenção e da medida de coação de obrigação de prisão preventiva) a que o arguido foi sujeito no processo n.º 57/23.6 SFPRT, verifica-se que o arguido, na presente data, cumpre integralmente o remanescente da pena de prisão de 9 (nove) meses aplicada no âmbito dos presentes autos. Em face do exposto, julgo extinta a pena de prisão em que o arguido AA foi condenado nos presentes autos, nos termos do artigo 475.º, do CPP. * Diligencie de imediato pela emissão de mandados de condução do arguido ao EP, para ligação do mesmo ao processo n.º 57/23.6 SFPRT, do J2, do Juízo de Instrução Criminal do Porto, ao abrigo do qual foi determinada a sua prisão preventiva. Comunique, com nota de urgente, à DGRSP e à respetiva Equipa de Vigilância Eletrónica. * Com nota de urgente, remeta ao referido processo n.º 57/23.6 SFPRT, do J2 do Juízo de Instrução Criminal do Porto, certidão do despacho ora proferido, informando que o período de privação da liberdade do arguido nesses autos compreendido entre 09.07.2024 até 22.03.2025 foram aqui descontados, ao abrigo do art. 80.º do CP, no cumprimento do remanescente (após aplicação do perdão) da pena de nove meses de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos, e bem assim de que o arguido foi na presente data religado a esse processo para cumprimento da medida de coação de prisão preventiva a que aí se encontra sujeito. * Notifique e comunique ao TEP e à DGRSP. Boletim ao Registo Criminal. *** * 2. ELEMENTOS PROCESSUAIS RELEVANTES a) Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16-10-2024 (Referência: 18595262), que conheceu de recurso interposto pelo Ministério Público da sentença proferida em 09-04-2024 (Referência: 458900481), foi decidido condenar o arguido AA, pela prática de um crime de detenção de armas proibidas, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. c), do RJAM (Lei 5/2006, de 23.02), na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão efetiva, a cumprir em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, sujeita à obrigação de não deter consigo ou na sua habitação qualquer arma de fogo – ainda que não proibida – ou qualquer arma proibida de outra natureza, caso se venham a verificar preenchidos todos os inerentes pressupostos formais, a averiguar pelo tribunal a quo. b) Na mesma decisão consignou-se quanto à pena, entre o mais, o seguinte: (…) entendemos que a pena de prisão deverá ser efetiva. iv) Aqui chegados, cabe saber se essa pena imposta deverá ser cumprida pelo arguido em regime de permanência na habitação. Dispõe o art.º 43.º do Código Penal o seguinte: (…) O regime de permanência na habitação é simultaneamente uma pena de substituição [porquanto pode ser imposta na sentença condenatória] e uma forma de execução da pena de prisão efetiva [porquanto pode ser aplicada na fase de execução da pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade, nos termos da al. c), do n.º 1 do art.º 43.º do Código Penal], introduzida no Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, tendo tido como fonte a Lei de Reforma do Código Italiano de 05.12.2005. Tem como pressupostos formais, no que para o caso interessa, a imposição de pena não superior a 2 anos de prisão, o consentimento do condenado e o consentimento das pessoas maiores de 16 anos que coabitem com aquele (cfr. o art.º 4.º da Lei n.º 33/2010, de 02.09). Tem como pressuposto material a sua adequação às finalidades da execução da pena de prisão, cuja escolha é determinada exclusivamente por considerações de natureza preventiva especial, de forma a favorecer a reintegração social do condenado. No caso dos autos não dispomos a esta data dos elementos necessários a verificar se estão preenchidos todos os pressupostos formais suprarreferidos. Com efeito, com exceção do facto da pena imposta, não sendo superior a 2 anos, consentir o cumprimento da pena de prisão efetiva em regime de OPHVE, ignoramos se o arguido presta ou não o seu consentimento, não sabemos que prestam o seu consentimento as pessoas que com ele residam e que sejam maiores de 16 anos de idade e ignoramos ainda se a habitação do arguido dispõe de condições técnicas com vista à instalação dos equipamentos. Tal não obsta a que nesta instância se pondere a imposição desta pena de substituição e, se se entender que estão verificados os seus pressupostos materiais, caberá à 1.ª instância diligenciar pela obtenção do consentimento pessoal do arguido – se o quiser prestar – e oficiar à DGRSP – Equipa de Vigilância Eletrónica - no sentido de apresentar relatório contendo as informações atinentes a saber se a habitação do arguido reúne as condições para a instalação dos equipamentos e de onde constem os consentimentos a que se reporta o art.º 4.º, nº 4, da Lei n.º 33/2010, de 02.09., se for caso disso. Aqui chegados, salvo melhor opinião, parece-nos que os inerentes pressupostos materiais se mostram preenchidos na medida em que tal regime é adequado ao caso dos autos porquanto, se por um lado permite a reafirmação da norma violada e dos valores que lhe subjazem, por outro, o não cumprimento da pena no E.P. desta pena de curta duração não teria o efeito pernicioso e dissocializador que muitas vezes lhe está associado, permitindo-se assim ao arguido manter a sua inserção familiar. Nesta conformidade, ao abrigo do disposto no art.º 43.º, nºs 1, al. a), 2 e 3, do Código Penal, determina-se que o arguido cumpra a pena de prisão imposta em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a executar de acordo com o estatuído na Lei n.º 33/2010, de 02.09., - caso os demais pressupostos formais se venham a revelar preenchidos (pois, caso contrário, a pena terá de ser cumprida no E.P.) -, mas subordinada à obrigação de não deter consigo ou na sua habitação quaisquer armas de fogo – ainda que não proibidas - ou qualquer arma proibida de outra natureza [o que se determina ao abrigo do disposto na al. f) do n.º 4 do art.º 43.º]. (…) c) Em 10-03-2025 foi proferido despacho (Referência: 469532246) do seguinte teor: Do cumprimento da pena aplicada ao arguido AA em regime de permanência na habitação: Nos termos do Acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação do Porto o arguido AA foi condenado na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão efetiva, a cumprir em regime de permanência na habitação com meios técnicos de controlo à distância, sujeita à obrigação de não deter consigo ou na sua habitação qualquer arma de fogo – ainda que não proibida – ou qualquer arma proibida de outra natureza, tendo sido determinado que a primeira instância aferisse do preenchimento dos pressupostos formais necessários ao cumprimento da pena sob tal regime. Para o efeito foi solicitada a elaboração de relatório à DGRSP, o qual foi ora junto aos autos, resultando do mesmo que se mostram reunidos todos os pressupostos formais inerentes ao cumprimento da pena pelo arguido sob o regime de permanência na habitação, dado haver o consentimento para o efeito do condenado (cfr. requerimento de referência 41564868) e das demais pessoas que integram o agregado familiar no qual será cumprida a pena, havendo ainda viabilidade de instalação dos meios técnicos de controlo à distância. Temos assim que se mostram reunidas as condições objetivas para a implementação do sistema de vigilância eletrónica no local onde o arguido permanecerá, designadamente condições técnicas, económicas e familiares, estando formalmente prestados o consentimento das pessoas que podem vir a ser afetados com o referido regime designadamente as pessoas que habitam no local onde o mesmo vai ser instalado, tudo nos termos dos artigos 4.º e 7.º da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro. Face ao exposto, determina-se que o arguido AA cumpra os 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão em que foi condenado nos presentes autos em regime de permanência na habitação mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, sujeita à obrigação de não deter consigo ou na sua habitação qualquer arma de fogo – ainda que não proibida – ou qualquer arma proibida de outra natureza. Assim, o arguido permanecerá as 24 horas do dia na habitação sita na Rua ..., ... Porto, sendo concedida, desde já, apenas autorização de ausência da referida habitação para efeitos de comparência a consultas médicas ou diligências judiciais, com prévia verificação das mesmas por parte da DGRSP. Notifique e comunique à DGRSP. * Dado resultar das informações entretanto carreadas para os autos que o arguido se encontra atualmente privado da liberdade por estar sujeito à medida de coação de prisão preventiva à ordem do processo n.º 57/23.6 SSPRT, do J1 do Juízo de Instrução Criminal do Porto, oficie ao referido processo (remetendo ao mesmo certidão do acórdão proferido nos presentes autos e da presente decisão) dando conta do interesse da colocação do arguido à ordem dos presentes autos para cumprimento da pena aplicada supra referida, mais solicitando ao mesmo informação sobre períodos de privação da liberdade do mesmo nesse processo e se os mesmos foram já objeto de desconto em algum outro processo judicial. * *** Conforme jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da apreciação de todas as matérias que sejam de conhecimento oficioso. No presente recurso a questão colocada consiste em saber se deve ou não operar-se o desconto da prisão preventiva e do período de detenção na pena de prisão em regime de permanência na habitação.
O recorrente defende que sobre a pena de prisão a executar em regime de permanência na habitação não deve incidir o desconto de períodos de privação da liberdade por medidas processuais, nomeadamente prisão preventiva, dada a diferente natureza da privação de liberdade, não sendo a situação abrangida na previsão do artigo 80.º, n.º1, do Código Penal. Alega que, no caso concreto, o acórdão condenatório aplicou uma pena de substituição da prisão, ao determinar que a prisão seja cumprida em regime de permanência na habitação, por isso, não pode ser efetuado o desconto do período de privação da liberdade sofrido pelo arguido à ordem de outro processo, dado não existir equivalência entre essa privação da liberdade por medidas processuais (não distingue o período de detenção do tempo da prisão preventiva) e a privação da liberdade no regime de permanência na habitação. De outra forma, a operar-se o desconto, a pena imposta em regime de permanência na habitação passa a corresponder ao cumprimento efetivo da pena, ou seja, à execução da pena em meio prisional, contrariamente ao que foi decidido pelo julgador e em manifesto prejuízo do arguido. Conclui que a lei determina o desconto da obrigação de permanência na habitação na pena efetiva de prisão, em meio prisional, mas já não acolhe a efetivação do desconto da prisão preventiva na pena de prisão em regime de permanência na habitação, o que só poderá ocorrer se e quando se verifique uma situação de revogação da pena de substituição, devendo proceder-se a uma interpretação atualista da norma do artigo 80.º do Código Penal, dada a atual redação do artigo 43.º do Código Penal resultante da Lei n.º 94/2017 de 23 de agosto. De tal entendimento discorda o Ministério Público, sustentando que a pena imposta na decisão condenatória é uma pena de prisão, ainda que tenha sido fixado o seu cumprimento em regime de permanência na habitação, sendo inteiramente aplicável o desconto regulado no artigo 80.º do Código Penal. Vejamos. Em face da alegação recursória, importa, desde logo, assinalar que a redação da norma do artigo 80.º do Código Penal não sofreu modificação alguma após a entrada em vigor da Lei n.º 94/2017 de 23 de agosto ou por via da mesma lei, que alterou as condições da aplicação do regime de permanência na habitação. O citado preceito legal [artigo 80.º, n.º1, do Código Penal] impõe, no que ao caso interessa, que as medidas processuais de detenção e prisão preventiva sofridas pelo arguido (no âmbito do respetivo processo ou de outro) são descontadas por inteiro no cumprimento da pena de prisão, verificados os demais condicionalismos que aqui se não discutem (designadamente que caso tenha sido aplicada em processo diferente o facto que origina a condenação tiver sido praticado anteriormente à decisão final do processo no âmbito do qual as medidas foram aplicadas). Por seu turno, estatui o artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, normativo aplicado no acórdão condenatório proferido no caso presente, que a pena de prisão efetiva não superior a dois anos é executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, caso nisso consinta o condenado e se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão. A redação vigente da mencionada norma legal foi introduzida pela citada Lei n.º 94/2017 de 23 de agosto e, sendo inovadora relativamente aos requisitos de admissibilidade do regime de permanência na habitação e à regulamentação do instituto, não acarretou modificação alguma do instituto do desconto, regulado no artigo 80.º do Código Penal. Ou seja, a indicada lei ao proceder a alteração do regime de permanência na habitação, e ainda a concomitantes modificações legislativas para harmonização com esse novo regime, manteve intacta a norma do artigo 80.º do Código Penal, na redação introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 04-09. Portanto, o imperativo legal de proceder ao desconto de medidas processuais no cumprimento da pena de prisão foi preservado, sem distinção alguma em razão do modo de execução da pena, em meio institucional ou na habitação com fiscalização eletrónica. Sendo assim, a nosso ver, não tem cabimento uma interpretação do texto legal que exclua do âmbito de aplicação da norma do artigo 80.º do Código Penal a pena de prisão executada em regime de permanência na habitação, designadamente nos termos propugnados pelo recorrente. Tratando-se sempre de uma pena de prisão, como realça o Ministério Público, o desconto opera-se ainda que a execução da pena decorra em regime de permanência na habitação, por determinação do julgador no âmbito da decisão condenatória. Ademais, o desconto abrange medidas processuais privativas da liberdade também indistintamente quer sejam executadas em meio institucional e quer na habitação, nos termos do citado artigo 80.º, do Código Penal. Perante o quadro normativo analisado, e independentemente da consideração do regime de permanência na habitação, como pena de substituição, conforme se expressou no acórdão condenatório [tendo tal categorização assentado na destrinça do momento da opção pelo regime de permanência na habitação consoante se trate de sentença condenatória ou decisão de revogação de pena não privativa da liberdade][3] e a que faz incessante apelo o recurso, não está excluída a aplicação do desconto na pena de prisão por virtude de a pena ser executada em regime de permanência na habitação, visto que a lei não prevê exceção, restrição ou condicionamento ao desconto decorrente de a pena não ser executada em meio prisional. Além disso, a consideração do regime de permanência na habitação como pena de substituição jamais pode ocultar ou ignorar o caráter detentivo do mesmo, que não permite estabelecer paralelismo com as penas de multa, suspensão da pena ou prestação de trabalho comunitário. Logo, carece de fundamento a alegação recursória ao defender que, à semelhança de tais penas de substituição, o desconto somente deve ser aplicado em caso de revogação, porquanto o regime permanência na habitação constitui já, em si mesmo, indubitavelmente uma privação de liberdade, donde inexiste motivo para se aguardar pela sua revogação e concomitante imposição do cumprimento da pena em meio institucional. Por via da aplicação do desconto da prisão preventiva na pena de prisão em regime de permanência na habitação não se opera modificação da pena fixada na decisão condenatória, antes se repercute no cumprimento daquela - que sempre se tratou de uma pena de prisão efetiva, como expressamente refere o acórdão condenatório e o recorrente parece olvidar - os períodos de anterior privação da liberdade por virtude de medidas processuais. Além disso, tal aplicação do desconto não importa prejuízo para o condenado, pois sempre conduz ao encurtamento do período de cumprimento da pena efetiva de prisão, apesar de ser imputado na execução de pena em regime de permanência na habitação período de privação da liberdade em meio prisional. O inconformismo do recorrente deriva, segundo parece, do circunstancialismo particular do caso concreto, em que a aplicação do desconto determinou que, após a extinção da pena de prisão, o arguido retomasse a prisão preventiva ordenada noutro processo. Todavia, também na descrita situação não deriva da aplicação do desconto prejuízo para o arguido, que neste momento obteve a extinção da pena imposta no processo n.º 142/20.6PDPRT, sem prejuízo de eventual revogação do perdão de pena de que beneficiou, e, desconhecendo o desfecho do processo n.º 57/23.6SFPRT à ordem do qual se encontra preventivamente preso, em caso de condenação neste processo, ainda beneficiará do desconto da prisão preventiva sofrida posteriormente à sua recolocação à ordem do mesmo processo. Em decorrência do explanado, considera-se que não merece reparo a aplicação do desconto da prisão preventiva e detenção na pena de prisão em regime de permanência na habitação, a que procedeu, no caso, o tribunal a quo, carecendo de fundamento o recurso. * III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido. Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. * Comunique, desde já, a presente decisão aos processos n.º 142/20.6PDPRT e n.º 57/23.6SFPRT.
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Porto, 05 de novembro de 2025 Maria dos Prazeres Silva Maria João Lopes Isabel Maria Trocado Monteiro _____________________________ |