Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOSÉ NUNO DUARTE | ||
| Descritores: | ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL FUNDAMENTOS VIOLAÇÃO DE PRAZO DE DECISÃO | ||
| Nº do Documento: | RP20250526104/24.4YRGMR.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/26/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL | ||
| Decisão: | IMPROCEDÊNCIA | ||
| Indicações Eventuais: | 5.ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I – Nas acções especiais de anulação previstas no artigo 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária, o tribunal estadual apenas tem competência para anular decisões finais dos tribunais arbitrais se se verificar algum dos fundamentos expressamente referidos no n.º 3 desse artigo. II – Quando é suscitada a intervenção do tribunal arbitral nos termos do artigo 45.º da LAV, só depois deste tribunal arbitral decidir sobre a rectificação ou o esclarecimento da sentença, ou sobre a prolação de sentença adicional, é que ficam estabilizados os termos da decisão final sobre o litígio, relativamente aos quais cumprirá aferir, caso seja formulado o pedido de anulação previsto no artigo 46.º da LAV, se existe, ou não, fundamento para anular a sentença arbitral. III – No âmbito das acções de anulação de sentenças arbitrais, não compete aos tribunais estaduais sindicar o acerto jurídico das decisões que tenham sido proferidas pelos tribunais arbitrais quanto a pedidos de aclaração ou esclarecimento que lhe tenham sido dirigidos nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 2 da LAV. IV – A violação dos prazos de decisão previstos no artigo 45.º da LAV não constitui fundamento autónomo de anulação da decisão correspondente, já que, no artigo 46.º, n.º 3, da LAV, apenas se encontra prevista a possibilidade de ser anulada a sentença arbitral que haja sido notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com o artigo 43.º da LAV. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo: 104/24.4YRGMR.P1 Relator: José Nuno Duarte; 1.º Adjunto: Miguel Baldaia de Morais; 2.ª Adjunta: Eugénia Cunha. Acordam os juízes signatários no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO A..., S.A. (Autora), pessoa colectiva número ...09, com sede na Rua ..., ... Guimarães, propôs na Relação de Guimarães a presente acção de anulação de decisão arbitral (nos termos do disposto no artigo 46.º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro [doravante LAV]), contra B..., Lda. (Ré), pessoa colectiva número ...77, com sede na Av. ..., ... Guimarães, pedindo que seja anulada (parcialmente) a decisão proferida, no processo AH 02/2021, pelo tribunal arbitral que, por acordo entre as partes, foi constituído em 29.06.2021, com sede jurídica em Guimarães, mas que, nos termos do artigo 31.º da LAV funcionou nas instalações do Centro de Arbitragem do Instituto de Arbitragem Comercial da Associação Comercial do Porto. Para tal, alegou, em síntese, que: - as partes submeteram ao tribunal arbitral a resolução de um litígio que surgiu entre ambas quanto à existência, responsabilidade e quantificação de prejuízos decorrentes, para qualquer delas, da execução e da cessação da empreitada de construção do “Edifício ...”, na cidade de Guimarães, da qual a Autora foi “Empreiteira” e a Ré foi “Dona de Obra”; - após instrução do processo e produção de prova em audiência, o tribunal arbitral proferiu decisão sobre o mérito da causa, através de acórdão, datado de 18-01-2024, subscrito por unanimidade pelos três árbitros, que foi notificado às partes nesse mesmo dia através de correio electrónico; - A Ré, em 19-02-2024, apresentou um requerimento a peticionar aos árbitros do tribunal que se dignem: (i) nos termos do disposto no artigo 42.º, n.º 1 do Regulamento de Arbitragem do Instituto de Arbitragem Comercial e 45.º, n.ºs 1 e 2 da Lei da Arbitragem Voluntária, proceder à rectificação do Acórdão, esclarecendo as obscuridades e ambiguidades de que o mesmo enferma; (ii) nos termos do n.º 2 do mencionado artigo 42.º e do n.º 5 do referido artigo 45, proferir sentença adicional sobre o supramencionado pedido que não foi objecto de decisão. - após audição da parte contrária, o tribunal arbitral proferiu em 22-03-2024, com um voto de vencido, um “acórdão arbitral rectificativo” que foi notificado às partes por correio electrónico em 25-03-2024. Sucede que, segundo o entendimento jurídico da Autora: 1.º) o tribunal arbitral “no que concerne à correcção de defeitos (…) extravasou largamente o mero âmbito de uma retificação ou esclarecimento, tendo, após esgotado o poder jurisdicional, procedido a um novo julgamento sobre tal matéria”, o que, ainda por cima, aconteceu “em termos manifestamente não suportados pelo arrimo de factos, porquanto não se provou sequer a existência dos defeitos (alegadamente) reparados”. 2.º) por isso, o tribunal arbitral conheceu de questão de que não podia ter tomado conhecimento, o que, sob a égide do disposto no art. 46.º, n.º 3, a), v) da LAV, constitui fundamento para que o acórdão rectificativo seja parcialmente anulado, na parte em que modificou a decisão e o julgamento relativo à “correção de defeitos”, com a consequente repristinação, neste particular, da decisão inicial “nos seus precisos termos”; 3.º) o tribunal arbitral não fez a rectificação ou o esclarecimento dentro do prazo de 30 dias seguintes à recepção do requerimento da Ré, em contravenção com o disposto no n.º 3 do art.º 45.º da LAV, e também não prolongou o prazo para o efeito, nos termos do disposto no n.º 6 do art.º 45.º da LAV, o que constitui fundamento “para que, não só quanto à ‘correção de defeitos’, mas também quanto aos ‘encargos com fiscalização’ e ‘encargos bancários’ (enfim, quanto a tudo o que foi pedido sob ‘retificação’ e ‘esclarecimento’), seja anulado o acórdão retificativo por o Tribunal Arbitral, no dia 22 de março de 2024, ter conhecido de questão de que não podia tomar conhecimento (mantendo-se apenas quanto a este acórdão retificativo o que foi decidido sob ‘sentença adicional’, porquanto quanto a esta a LAV prevê um prazo de 60 dias, que foi cumprido, e valendo, quanto ao demais, o acórdão inicial de 18.1.2024)”; Concluiu a Autora peticionando o seguinte: «…Deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e demonstrada e, em consequência, ser: a) anulada parcialmente a decisão arbitral, ou seja, ser anulado o acórdão retificativo de 22.3.2024, na parte em que atendeu ao que a Ré pediu, no seu requerimento de 19.2.2024, sob “DA RETIFICAÇÃO E ESCLARECIMENTO DE OBSCURIDADES OU AMBIGUIDADES” (quer quanto à “correção de defeitos” quer quanto aos “encargos com a fiscalização e encargos bancários”), valendo neste particular na Ordem Jurídica o acórdão inicial, de 18.1.2024; Ou, subsidiariamente b) ser anulada parcialmente a decisão arbitral, ou seja, ser anulado o acórdão rectificativo de 22.3.2024, na parte em que atendeu ao que a Ré pediu, no seu requerimento de 19.2.2024, sob “DA RETIFICAÇÃO E ESCLARECIMENTO DE OBSCURIDADES OU AMBIGUIDADES” quanto à “correção de defeitos”, valendo neste particular na Ordem Jurídica o acórdão inicial, de 18.1.2024.» A Ré deduziu oposição, invocando a excepção da incompetência territorial e pugnando pela improcedência do pedido, mediante a argumentação, em resumo, de que: 1.º) o acórdão arbitral rectificativo incidiu exclusivamente sobre as obscuridades, ambivalências e inexactidões de que, designadamente quanto à extensão das anomalias já reparadas, o acórdão inicial padecia e que a ora Ré requereu que fossem esclarecidas, não tendo, por isso, sido conhecidas questões de que o tribunal arbitral não podia ter tomado conhecimento; 2.º) a par do pedido de rectificação e esclarecimento da obscuridade e ambiguidade da decisão, a B... requereu ainda ao Tribunal Arbitral fosse proferida sentença adicional relativamente a uma questão jurídica cujo conhecimento havia sido omitido pelo Tribunal, pelo que, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 45.º da LAV, o tribunal arbitral dispunha de 60 dias para proferir a sentença adicional, prazo este que foi respeitado; 3.º) ainda que assim não fosse, sempre se devia considerar que o prazo de 30 dias para proferir decisão previsto no artigo 45.º, n.º 3, da LAV só se inicia a partir do momento em que o tribunal arbitral dispõe dos elementos necessários para o efeito, o que só acontece após o exercício do contraditório pela parte contrária, ou se ter exaurido o prazo para o exercício desse contraditório, pelo que, também por essa via, se teria que reconhecer que in casu não se verificou qualquer incumprimento do prazo legal; 4.º) com excepção do prazo estabelecido no artigo 43.º da LAV, que é peremptório, todos os outros prazos que a LAV prevê para os árbitros, à semelhança do que sucede no Processo Civil para os actos dos juízes, são meramente ordenadores ou procedimentais; 5.º) as consequências a extrair de um eventual incumprimento do prazo para a prolação da decisão rectificativa não seriam as propugnadas pela Autora, pois a ultrapassagem do prazo previsto no n.º 3 do artigo 45.º, para além de não se mostrar cominada na lei como nulidade, não tem qualquer influência no exame ou na decisão da causa, o que faz com que, face ao disposto no artigo 195.º, n.º 1 do Código do Processo Civil, não tenha sido produzida qualquer nulidade; 6.º) decorre do artigo 45.º, n.º 3, da LAV, que a decisão de esclarecimento ou rectificação de sentença anteriormente proferida passa a integrar esta, valendo como uma só, pelo que, caso se entendesse que o tribunal arbitral cometeu uma nulidade por excesso do prazo de que dispunha para proferir a decisão, pura e simplesmente não se manteria na ordem jurídica qualquer sentença arbitral, o que, por aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 3, da LAV, importaria, automaticamente, o termo do processo arbitral e a extinção da competência dos árbitros para julgarem o litígio que lhes foi submetido, com a consequente necessidade de as partes, querendo resolver o litígio, constituírem um novo tribunal arbitral e iniciarem nova arbitragem. - Após a Autora ter respondido à excepção arguida na contestação, a Relação de Guimarães declarou-se territorialmente incompetente para conhecer a causa, ordenando a remessa dos autos para esta Relação, o que foi cumprido. Subsequentemente, considerando-se não haver prova a produzir e nada obstar ao conhecimento da causa, foram colhidos os vistos legais. Cumpre agora proferir decisão. II – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS A instância mantém-se válida e regular, não havendo excepções dilatórias, nulidades processuais ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa. III – QUESTÕES A APRECIAR Para resolver a presente causa, há que aferir: a) se, à luz do disposto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), v, da LAV, existe fundamento para anular, ainda que parcialmente, a sentença final que foi proferida pelo tribunal arbitral; b) se a sentença arbitral, ou parte dela, deve ser anulada por falta de cumprimento dos prazos de decisão previstos no artigo 45.º da LAV. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Face às posições que foram assumidas pelas partes nos articulados e ao teor dos documentos juntos aos autos, entre os quais as certidões do processo de arbitragem AH 02/2021 do Centro de Arbitragem do Instituto de Arbitragem Comercial da Associação Comercial do Porto, encontram-se provados nos autos os seguintes factos: 1) A Autora (doravante ‘A...’) foi “Empreiteira” e a Ré (doravante ‘B...’) “Dona de Obra” no âmbito da empreitada de construção do “Edifício ...” na cidade de Guimarães. 2) Por força de acordo estabelecido entre as partes, em 29-06-2021 foi constituído tribunal arbitral para resolução do litígio que surgiu entre ambas quanto à existência, responsabilidade e quantificação de prejuízos decorrentes, para qualquer delas, da execução e da cessação da empreitada supra-mencionada. 3) O Tribunal Arbitral foi constituído pelo Dr. AA, Advogado (árbitro designado pela Autora), pelo Dr. BB, Advogado (árbitro designado pela Ré) e pelo Dr. CC (jurista, árbitro presidente, designado pelos anteriores). 4) A A... foi Demandante no processo de arbitragem, tendo aí apresentado petição inicial que estruturou do modo seguinte: A – Da Cronologia dos Factos Relativos à Obra 1. Da celebração do contrato; 2. Da execução da obra e seus incidentes 3. Da fase final da execução do contrato B – Resolução do contrato e seus efeitos 1. Fundamentos da Resolução 2. Consequências da ilegitimidade da resolução. 5) A A... concluiu essa sua peça processual formulando o seguinte pedido: a) se reconheça que a Demandada operou uma desistência do contrato de empreitada firmado entre as partes; ou subsidiariamente, se reconheça que a Demandada resolveu de forma ilegítima o contrato de empreitada; b) se reconheça que por isso se extinguiu a obrigação da Demandante de reparação de defeitos inerente ao contrato de empreitada; c) no que às garantias bancárias respeita, seja a Demandada condenada a: i) abster-se de executar qualquer uma daquelas garantias que mantém na sua posse (ou qualquer outra que a(s) venha a substituir); ii) devolver tais garantias à Demandante, no prazo de 5 (cinco) dias após trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida sob a cominação de sanção pecuniária compulsória de €500 por cada dia de atraso no cumprimento de tal obrigação; d) se condene a Demandada a pagar à Demandante as indemnizações peticionadas, limitadas por acordo, no valor máximo de €1.000.000,00, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação da presente petição inicial até efectivo pagamento. 6) A B... (Demandada) contestou o pedido da A... e apresentou reconvenção contra esta, tendo ordenado os fundamentos do seu pedido reconvencional da seguinte forma: IX – DO PEDIDO RECONVENCIONAL A) DA LÍCITA RESOLUÇÃO CONTRATUAL B) DANOS PATRIMONIAIS B.1.) DO CRÉDITO DA B... DECORRENTE DOS TRABALHOS A MAIS REQUERIDOS E NÃO EXECUTADOS PELA A... B.2.) DO CRÉDITO DA B... DECORRENTE DOS TRABALHOS NÃO FINALIZADOS PELA A... B.3.) DEVOLUÇÃO DAS QUANTIAS RETIDAS B.4.) DO CRÉDITO DA B... DECORRENTE DOS TRABALHOS A MENOS B.5.) DOS PREJUÍZOS DECORRENTES DO INCUMPRIMENTO DOS CONTRATOS-PROMESSA DE COMPRA E VENDA B.6.) DAS PENALIZAÇÕES CONTRATUALMENTE PREVISTAS B.7.) DOS VALORES SUPORTADOS COM OS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DA OBRA B.8.) ENCARGOS BANCÁRIOS B.9.) CORRECÇÃO DOS DEFEITOS B.10.) IMI B.11.) DANOS DECORRENTES DA PROVIDENCIA CAUTELAR B.12.) DA PERDA EFETIVA DE OPORTUNIDADE C) DANOS NÃO PATRIMONIAIS 7) No ponto B.9.), a B... apresentou da seguinte forma os danos patrimoniais decorrentes da correcção dos defeitos que alegou: “B.9.) DANOS DECORRENTES DA CORRECÇÃO DOS DEFEITOS e CONCLUSÃO DA OBRA 1335º. Dão-se por reproduzidos os factos alegados nos arts. 1196º a 1227º. 1336º. Assim, quer porque a B... procedeu à resolução lícita do contrato, quer porqueseverifica a total por parte da A... em proceder à sua reparação, verificando-se manifesta urgência na sua reparação, assiste à B... o direito de ser indemnizada pelos custos decorrentes da correcção dos defeitos de que padece a obra, 1337º. Custos, esses, que totalizam a quantia de 155 730,00 € (valor sem IVA).” 8) A B... concluiu a sua contestação/reconvenção com a formulação do seguinte pedido reconvencional: A) Declarar-se que a B... resolveu lícita e legitimamente contrato de empreitada; B) Declarar-se improcedente o pedido de indemnização formulado pela A...; C) Declarar-se que as garantias bancárias n.º 183/2020P, emitida pelo “Banco 1..., S.A.” e “Operação n.º ...03, ...93”, emitida pela Banco 2..., “Operação n.º ...03, ...93”, e mantêm em vigor até ao integral cumprimento das obrigações que visam assegurar; D) Condenar-se a A... a pagar à B... as indemnizações peticionadas - limitadas por acordo ao valor máximo de 1.000.000,00 € -, acrescidas de juros até integral pagamento. 9) Após instrução do processo e produção de prova em audiência, o tribunal arbitral, em 18-01-2024, proferiu acórdão sobre o mérito da causa no qual decidiu, por unanimidade dos três árbitros, o seguinte: a) a Demandada é condenada a pagar à Demandante a quantia de €:221.864,10, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até ao efectivo pagamento; b) a Demandante é condenada a pagar à Demandada a quantia global de €:13.542,90, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação da reconvenção até ao efectivo pagamento; c) a Demandante é condenada a pagar à Demandada a quantia que for fixada em incidente de liquidação em execução de sentença correspondente a metade do acréscimo de encargos bancários suportados pela Demandada decorrente de atraso na execução da obra; d) a Demandante é condenada a pagar à Demandada a quantia que vier a ser fixada em incidente de liquidação em execução de sentença relativamente à despesa de correcção de defeitos de execução da obra referidos na alínea i) anterior B – Pedidos da Demandada/Reconvinte; e) as custas do processo serão suportadas em partes iguais por Demandante e Demandada (…). 10) A condenação da Demandada no pagamento do valor de €:13.542,90 referido na alínea b) do dispositivo da decisão referido em 9) subdivide-se, segundo o acórdão, em: - 9.542,90 €, atribuídos a título de “prejuízos decorrentes de incumprimentos de contratos-promessa de compra e venda”, considerando a responsabilidade de ambas as partes nos atrasos da execução da obra; - 4.000 €, a título de “encargos suportados com os serviços de fiscalização da obra”, correspondentes a metade da despesa com a fiscalização suportados pela Ré no período de 95 dias de atraso na execução da obra. 11) A B..., em 19-02-2024, apresentou ao tribunal arbitral um requerimento no qual: A) alegou que o acórdão proferido padecia de obscuridades ou ambiguidades nos segmentos em que apreciou e decidiu sobre: A.1.) a indemnização devida pela A... para compensar a B... dos custos por esta suportados para corrigir defeitos da obra; A.2.) a indemnização devida pela A... para compensar a B... dos encargos acrescidos que esta teve com a fiscalização da obra, bem como para reembolsá-la do acréscimo de encargos bancários que teve que suportar; B) alegou que o acórdão proferido omitiu decisão sobre o pedido que a B... formulou a solicitar a devolução de duas das quantias que pagou a terceiros, sob reserva, no âmbito do acordo celebrado entre as partes após a extinção do contrato de empreitada. 12) A B... concluiu o ponto A.1.) do seu requerimento acima referido da seguinte forma: «(…) Pelo que importa que o Tribunal Arbitral venha esclarecer o sentido e alcance da decisão proferida, esclarecendo: Se o Tribunal entende que a A... deve pagar o custo de correção de todos os defeitos verificados (independentemente de, em 21.06.2022, estarem ou não reparados)? Se o Tribunal entende que a A... só deve pagar o custo de correção dos defeitos que em 21.06.2022 ainda se encontravam por reparar? Quais as patologias reparadas que foram dadas como provadas na resposta ao quesito 167? Correspondem às 19 patologias constantes das reclamações enunciadas no quesito 166?» 13) A B... concluiu o ponto A.2.) do seu requerimento com o seguinte texto: «(…) ORA, A fundamentação desenvolvida pelos srs. Árbitros é absolutamente contraditória, Pois se por um lado consideram que entre 15/05/2019 e 31/07/2020 o atraso da conclusão da obra decorre de culpa da ambas as partes – atraso concorrente – e após 31/07/2020 o atraso decorre de culpa exclusiva da A..., Por outro defendem que apenas são indemnizáveis os custos suportados pela B... a partir de 31/07/2020, e, mesmo quanto a estes, entendem que a responsabilidade das partes deve ser repartida. Com efeito, considerando os srs. Árbitros que entre 15/05/2019 e 31/07/2020 o atraso da conclusão da obra decorre de culpa da ambas as partes – atraso concorrente – e após 31/07/2020 o atraso decorre de culpa exclusiva da A..., Afigura-se que a decisão não podia ser outra senão no sentido de: - considerar indemnizáveis 50% dos custos suportados entre 15/05/2019 e 31/07/2020, em virtude de nesse período de tempo o atraso da obra decorrer de culpa da ambas as partes – atraso concorrente. - considerar indemnizáveis os custos suportados a partir de 31/07/2020 na sua totalidade, em virtude de nesse período de tempo o atraso da obra decorrer de culpa exclusiva da A.... Ora, estando em causa uma premissa e uma conclusão inconciliáveis, importa que este Tribunal aclare o texto decisório … (…) O mesmo se aplica ao pedido de reembolso de encargos bancários relativamente ao qual o Tribunal conclui pela condenação da A... no “correspondente a metade do acréscimo de encargos bancários suportados pela Demandada”, já que “o atraso verificado na conclusão da obra se deveu, em partes sensivelmente iguais, a Demandante e Demandada”. Desta feita, não se compreendendo nem concedendo a contradição de que o texto decisório enferma, quanto ao vindo de expor, importa que o Tribunal esclareça, de forma objectiva, a sua posição, dando, assim, cumprimento aos objectivos de transparência da actividade jurisdicional e de ponderação das decisões judiciais, a que estão subjacentes à exigência da fundamentação destas.» 14) A B... finalizou o seu requerimento de 19-02-2024 da seguinte forma: «Termos em que se requer a V. Exas. se dignem: (i) nos termos do disposto no artigo 42.º, n.º 1 do Regulamento de Arbitragem do Instituto de Arbitragem Comercial e 45.º, n.ºs 1 e 2 da Lei da Arbitragem Voluntária, proceder à rectificação do Acórdão, esclarecendo as obscuridades e ambiguidades de que o mesmo enferma; (ii) nos termos do n.º 2 do mencionado artigo 42.º e do n.º 5 do referido artigo 45, proferir sentença adicional sobre o supramencionado pedido que não foi objecto de decisão.» 15) Através de despacho proferido em 21-02-2024, o Tribunal Arbitral ordenou a notificação da A... para, querendo, no prazo de dez dias, dizer o que se lhe oferecesse sobre o requerimento da B.... 16) Por requerimento de 4-03-2024 a A... pronunciou-se sobre o aludido requerimento, pugnando pela improcedência das pretensões formuladas pela B.... 17) Em 22-03-2024, o tribunal arbitral proferiu um “acórdão arbitral rectificativo” que foi notificado às partes por correio electrónico em 25-03-2024, no qual: · subdividiu as ambiguidades ou obscuridades invocadas pela B... em três questões, a saber: I. – «… Se o tribunal entende que a A... deve pagar o custo de reparação de todos os defeitos não reparados, o que pressupõe a necessidade de aclarar quais os defeitos que deu como provados.» II. – «… O reembolso das despesas com encargos bancários e das despesas com os serviços de fiscalização ocorridos a partir da data do incumprimento do contrato pela Demandante, ou seja, 21/07/2020, deve ser referente à totalidade das despesas.» III. «… Suscita a Demandada a questão da obscuridade relativamente à responsabilidade pelo pagamento das despesas ocorridas em consequência do atraso na conclusão da obra, nos termos seguintes: – quanto ao acréscimo de despesas com os serviços de fiscalização em consequência desse atraso após a data tida como prevista para a conclusão da obra (31/07/2020); – quanto à responsabilidade pelo acréscimo das despesas durante o período concorrente de atraso na execução (entre 15/05/2019 e 31/07/2020), devem esses custos ser repartidos em partes iguais.» · quanto à primeira questão (I), após se pronunciar sobre a mesma, concluiu o seguinte: «Considera o tribunal, face a esta obscuridade, ser necessário esclarecer que das respostas aos quesitos 166.º e 167.º resulta ter considerado todas as patologias constantes do quesito 166.º como verificadas e, portanto, provadas – umas reparadas e outras não reparadas. E, em consequência, não se tendo pronunciado sobre a responsabilidade relativa à sua correcção, o Tribunal, nos termos do artigo 45.º, n.º 5, da LAV, altera, na conclusão decisória, a alínea d), que passa a ter o seguinte teor: “a Demandante é condenada a pagar à demandada a quantia que for liquidada em incidente de liquidação em execução de sentença relativamente à despesa de correcção de defeitos de execução da obra, quer os referidos na alínea i) de B – Pedidos da Demandada/Reconvinte (defeitos não reparados) quer os demais referidos na resposta ao quesito 166 em conjugação com a resposta ao quesito 167, para a qual remete (defeitos reparados).”» · quanto à segunda questão (II), pronunciou-se da seguinte forma: «Parece evidente ser correta a posição de considerar o reembolso das despesas com encargos bancários e das despesas com os serviços de fiscalização ocorridos após 21/07/2020, havendo, de facto, contradição entre os fundamentos invocados e a conclusão do tribunal. Isso mesmo será considerado na parte decisória, sendo certo que, embora tenha sido apurado o quantitativo respeitante às despesas de fiscalização, o mesmo não sucede quanto ao excesso de encargos bancários, cuja liquidação ficará relegada para o incidente de liquidação em execução de sentença.» · quanto à terceira questão (III), pronunciou-se da seguinte forma: «Quanto à responsabilidade pelo acréscimo de despesas com os serviços de fiscalização, relativos ao período de atraso na conclusão da obra por culpa exclusiva da Demandante (desde 31/07/2020 até à conclusão da obra), tal como visto relativamente ao acréscimo de encargos bancários durante o mesmo período, deve esse acréscimo ser imputado na sua totalidade à Demandante, como foi já considerado no ponto anterior (II), na redacção dada à alínea c). Quanto à responsabilidade pelo acréscimo das despesas durante o período concorrente de atraso na execução (entre 15/05/2019 e 31/07/2020), é entendimento do tribunal que (…) (…) Assim sendo, não tendo sido apurado que os danos verificados em consequência de atrasos concorrentes emergem da consuta exclusiva da Demandante, é de considerar inexistir na situação em análise, um direito de indemnização por parte da Demandada.» · subsequentemente, procedeu à análise da questão atinente à invocada falta de pronúncia sobre o direito da B... ser reembolsada de quantias que pagou sob reserva, após o que, invocando o disposto no artigo 45.º, n.º 5 da LAV e do artigo 42.º, n.º 2, do Regulamento do Instituto da Arbitragem Comercial, proferiu uma “decisão adicional à sentença proferida” no final da qual julgou improcedente a pretensão de reembolso deduzida pela Demandada (B...). · Por fim, condensou o teor do acórdão primitivo com as alterações decorrentes das decisões acabadas de proferir sobre o requerimento de esclarecimento, rectificação, e prolação de sentença adicional apresentado pela B..., organizando um texto integrado com o teor completo da decisão final do tribunal arbitral sobre o mérito da causa, denominado “Acórdão Arbitral Retificado”, com o seguinte dispositivo: a) a demandada é condenada a pagar à demandante a quantia de €:221.864,10, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação até ao efectivo pagamento; b) a demandante é condenada a pagar à demandada a quantia global de €:9.542,90 (ressarcimento de indemnizações pagas pela demandada por não cumprimento de obrigações assumidas para com promitentes-compradores), acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação da reconvenção até ao efectivo pagamento; c) a demandante é condenada a pagar à demandada a quantia global de €:8.000,00, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação da reconvenção até ao efectivo pagamento, relativa ao excesso de encargos com os serviços de fiscalização decorrente de atraso na execução da obra; d) a demandante é condenada a pagar à demandada a quantia que for fixada em incidente de liquidação em execução de sentença correspondente a metade do acréscimo de encargos bancários suportados pela demandada decorrente de atraso na execução da obra; e) a demandante é condenada a pagar à demandada a quantia que for liquidada em incidente de liquidação em execução de sentença relativamente à despesa de correcção de defeitos de execução da obra, quer os referidos na alínea i) de B – Pedidos da Demandada/Reconvinte (defeitos não reparados) quer os demais referidos na resposta ao quesito 166 em conjugação com a resposta ao quesito 167, para a qual remete (defeitos reparados); f) as custas do processo serão suportadas em partes iguais por demandante e demandada (…). 18) No final do acórdão arbitral rectificativo referido em 17), o sr. árbitro Dr. AA anexou “declaração de voto vencido” quanto à decisão proferida sobre a primeira ambiguidade ou obscuridade conhecida (mais concretamente sobre a questão: Se o tribunal entende que a A... deve pagar o custo de reparação de todos os defeitos não reparados, o que pressupõe a necessidade de aclarar quais os defeitos que deu como provados), concluindo a mesma da seguinte forma: «… Por todas estas razões, não se verifica nenhuma obscuridade ou ambiguidade no Acórdão neste particular, pelo que a inclusão das patologias descritas no Quesito 166 para liquidação em execução de sentença, constitui uma modificação do Acórdão, já depois de esgotado o poder jurisdicional do tribunal, extravasando claramente o âmbito do previsto no Artigo 45.º da LAV.». - Não há outra factualidade concreta alegada pelas partes que, tendo relevo para a decisão a proferir por esta Relação, tenha ficado por provar. V – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 1. Consagrada no ordenamento jurídico português desde 1986, a arbitragem voluntária é uma forma de resolução alternativa de litígios, em que as partes, em vez de submeterem o conflito que as opõe à apreciação e decisão dos tribunais estaduais, convencionam que essa decisão será proferida, sim, por uma ou mais pessoas (árbitros) investidas de poderes para, em conformidade com a lei, julgarem o diferendo. De acordo com actual Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (LAV), a decisão que seja proferida pelo tribunal arbitral sobre o mérito da causa, ou aquela que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, por princípio, não é susceptível de recurso para o tribunal estadual, apenas o podendo ser se as partes tiverem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e, também, desde que a causa não tenha sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável (cf. artigo 39.º, n.º 4 da LAV). De todo o modo, salvo se as partes tiverem acordado em sentido diferente, podem ser dirigidos aos tribunais estaduais pedidos de anulação de sentenças arbitrais. Devido, porém, a objectivos de preservação da autonomia e da eficácia da arbitragem, os fundamentos legalmente admitidos para a anulação da sentença são limitados, resumindo-se àqueles que estão especificamente previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do artigo 46.º da LAV, preceito legal cujo teor é o seguinte: «3 - A sentença arbitral só pode ser anulada pelo tribunal estadual competente se: a) A parte que faz o pedido demonstrar que: i) Uma das partes da convenção de arbitragem estava afectada por uma incapacidade; ou que essa convenção não é válida nos termos da lei a que as partes a sujeitaram ou, na falta de qualquer indicação a este respeito, nos termos da presente lei; ou ii) Houve no processo violação de alguns dos princípios fundamentais referidos no n.º 1 do artigo 30.ºcom influência decisiva na resolução do litígio; ou iii) A sentença se pronunciou sobre um litígio não abrangido pela convenção de arbitragem ou contém decisões que ultrapassam o âmbito desta; ou iv) A composição do tribunal arbitral ou o processo arbitral não foram conformes com a convenção das partes, a menos que esta convenção contrarie uma disposição da presente lei que as partes não possam derrogar ou, na falta de uma tal convenção, que não foram conformes com a presente lei e, em qualquer dos casos, que essa desconformidade teve influência decisiva na resolução do litígio; ou v) O tribunal arbitral condenou em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar; ou vi) A sentença foi proferida com violação dos requisitos estabelecidos nos n.os 1 e 3 do artigo 42.º; ou vii) A sentença foi notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com ao artigo 43.º; ou b) O tribunal verificar que: i) O objecto do litígio não é susceptível de ser decidido por arbitragem nos termos do direito português; ii) O conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português. No caso sub judice, não se vislumbra que o objecto do litígio surgido entre a Autora A... e a Ré B... não possa, de acordo com a nossa lei, ser decidido por arbitragem, nem que a sentença arbitral proferida tenha ofendido qualquer princípio da ordem pública internacional do Estado português, pelo que é manifesto inexistir qualquer fundamento para anular ex officio tal sentença. Invoca, no entanto, a Autora A... que se verifica in casu o fundamento de anulação previsto na subalínea v) da alínea a) do artigo 46.º, n.º 3 da LAV, por, segundo o alegado, o tribunal arbitral ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento. A mencionada subalínea v) prevê a possibilidade de anulação da decisão arbitral sempre que esta condena em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, conhece de questões subtraídas ao âmbito de conhecimento do tribunal arbitral ou deixa de se pronunciar sobre questões que devia apreciar. Estes vícios são os mesmos que, como causas de nulidade das sentenças em geral, se encontram descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código do Processo Civil. Tratam-se de anomalias decorrentes da violação do princípio do dispositivo (subjacente ao disposto nos artigos 5.º, 552.º, n.º 1, als. d) e e), e 609.º do Código do Processo Civil) [1], o qual, devido à natureza privatística dos litígios cuja resolução é pedida ao tribunal, faz recair sobre as partes não só o ónus de iniciativa processual, como também o ónus de, através da alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir (bem como daqueles em que se baseiam as excepções invocadas) e da formulação do pedido, delimitarem o âmbito da intervenção do tribunal. Assim, tal como não pode o tribunal dirimir, oficiosamente, litígios cuja resolução não lhe foi solicitada pelos interessados, também não pode o tribunal emitir condenações que extravasem aquilo que lhe foi pedido, como acontece quando condena em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do que se pediu (condenação extra uel ultra petitum), nem quando conhece de questões de que não podia tomar conhecimento (excesso de pronúncia) ou deixa de se pronunciar sobre questões que devia apreciar (omissão de pronúncia). No caso específico da nulidade da sentença por excesso de pronúncia, a mesma verifica-se quando o julgador ultrapassa os limites processuais e decide questões que, por não terem sido suscitadas pelas partes nem serem de conhecimento oficioso, não integram o objecto do processo [2]. Centrando agora a nossa atenção no caso dos autos, desde já se pode adiantar que, face aos princípios acima enunciados, não se detecta que a sentença proferida em sede de arbitragem tenha decidido qualquer questão que, por não integrar o objecto do processo, estivesse subtraída ao âmbito do conhecimento do tribunal arbitral. O tribunal arbitral, após proferir sentença sobre o litígio que lhe foi submetido pelas partes, procedeu, na sequência do requerimento que lhe foi dirigido nos termos do disposto no artigo 45.º, n.ºs 2 e 5, da LAV, ao esclarecimento da sua decisão, bem como à prolação de sentença adicional sobre partes dos pedidos que lhe haviam sido apresentados no decurso do processo, passando o esclarecimento a fazer parte integrante da sentença final (cf. artigo 45.º, n.º 3 in fine da LAV), juntamente com a sentença adicional. Desta forma, a decisão definitiva do litígio é aquela que se encontra condensada no “acórdão arbitral rectificativo” proferido em 22-03-2024 e que foi notificado às partes em 25-03-2024. Visto o dispositivo deste acórdão, não se identifica aí qualquer segmento decisório que tenha ultrapassado, no âmbito da solução do conflito, os limites daquilo que foi pedido e definido pelas partes nos seus articulados, nomeadamente na petição e na reconvenção que foram apresentadas pela A... e pela B..., respectivamente. Nada foi decidido que não fizesse parte do objecto do processo e dos respectivos thema decidenda. Sustenta, contudo, a A... que a tribunal arbitral, ao proceder ao esclarecimento da sentença previsto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 45.º da LAVA, extravasou o âmbito daquilo que lhe era permitido efectuar e, conhecendo aquilo que lhe estava vedado, alterou indevidamente aquilo que havia decidido anteriormente. Sucede que esta questão, tanto quanto se entende, encontra-se subtraída ao âmbito da apreciação que cumpre efectuar em sede de acção de anulação da sentença arbitral, pois a mesma, em bom rigor, diz respeito ao mérito da decisão que foi tomada pelo tribunal arbitral relativamente ao requerimento de aclaração que lhe foi dirigido por uma das partes num momento em que, face ao disposto no artigo 45.º da LAV, a sentença arbitral ainda não tinha natureza definitiva. Com efeito, resulta do disposto no artigo 42.º, n.º 7 da LAV, que a sentença arbitral apenas tem força executiva e carácter obrigatório entre as partes (nos mesmos termos que a sentença de um tribunal estadual transitada em julgado) quando dela não caiba recurso e quando a mesma ‘já não seja susceptível de alteração nos termos do artigo 45.º’. Por isso, quando é suscitada a intervenção do tribunal arbitral nos termos do artigo 45.º da LAV, só depois deste tribunal arbitral decidir sobre a rectificação ou o esclarecimento da sentença, ou sobre a prolação de sentença adicional, é que ficam estabilizados os termos da decisão final sobre o litígio, relativamente aos quais cumprirá aferir, caso seja formulado o pedido de anulação previsto no artigo 46.º da LAV, se se verifica, ou não, algum dos fundamentos de anulação da sentença arbitral referidos no n.º 3 desse artigo 46.º. Ora, sendo certo que, conforme dispõe o artigo 19.º da LAV, os tribunais estaduais, no âmbito dos processos de arbitragem, só podem intervir nos casos expressamente previstos na lei, afigura-se-nos claro que, uma vez suscitada a intervenção destes tribunais para decidirem sobre a anulação de uma determinada sentença arbitral, a sua actividade encontra-se limitada à aferição daquilo que está definido no artigo 46.º da LAV, não lhes competindo, designadamente, apreciar o mérito das questões decididas pela sentença arbitral [3], nem, muito menos, apreciar o mérito das decisões que foram tomadas pelo tribunal arbitral ao longo do processo, digam estas respeito a questões processuais ou a questões substantivas (apenas com a excepção, face ao estabelecido no artigo 18.º, n.º 9 da LAV, da decisão interlocutória pela qual o tribunal arbitral declare a respectiva competência) [4]. Nesta conformidade, parece-nos claro também que, no âmbito da presente acção de anulação de decisão arbitral, não compete a este tribunal sindicar o acerto jurídico da decisão que foi proferida pelo tribunal arbitral quanto ao pedido de aclaração ou esclarecimento que uma das partes lhe dirigiu nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 2 da LAV. 2. Concluindo-se, por tudo quanto se vem de explicar, que não existe fundamento para, face ao disposto no artigo 46.º, n.º 3, al. a), v, da LAV, anular (ainda que parcialmente) a sentença que foi proferida pelo tribunal arbitral sobre o litígio surgido entre a A... e a B..., resta apreciar se, conforme propugnado também na petição desta acção judicial, existe fundamento para anular o acórdão arbitral final que foi proferido em 22-03-2024, por falta de cumprimento dos prazos de decisão previstos no artigo 45.º da LAV. As considerações atrás desenvolvidas sobre o âmbito da intervenção dos tribunais estaduais nas acções de anulação de sentenças arbitrais facilitam a decisão ainda pendente. Com efeito, nas acções especiais de anulação previstas no artigo 46.º da LAV, o tribunal apenas tem competência para anular as decisões finais dos tribunais arbitrais se se verificar algum dos fundamentos expressamente referidos no n.º 3 desse artigo. Ora, analisados estes fundamentos, constata-se que, no que diz respeito à anulação por eventual violação de prazos legais, apenas se encontra prevista a possibilidade de ser anulada a sentença arbitral que haja sido notificada às partes depois de decorrido o prazo máximo para o efeito fixado de acordo com o artigo 43.º da LAV (cf. artigo 46.º, n.º 3, al. a), vii, da LAV). Nenhuma outra inobservância de prazos previstos na Lei é susceptível de fulminar a sentença de nulidade. Como tal, uma vez que, no caso dos autos, jamais foi alegado, nem se encontra demonstrado, que tenha sido excedido o prazo máximo de prolação e notificação da sentença final definido nos termos do artigo 43.º da LAV (e que também deve ser respeitado quando há lugar à rectificação, esclarecimento ou completação da sentença – cf. artigo 45.º, n.º 6 in fine, da LAV), desnecessário se torna sindicar se, in casu, o tribunal arbitral apreciou ou não o pedido de esclarecimento que lhe foi dirigido dentro do prazo previsto no artigo 45.º, n.º 3 da LAV, se este prazo foi prolongado, ou se o tribunal, por ter-lhe sido apresentado, em simultâneo com o requerimento de aclaração, um pedido de prolação de sentença adicional, passou a dispor do prazo previsto no artigo 45.º, n.º 5, segunda parte, da LAV, para decidir as duas questões. Mesmo que se concluísse que os prazos do artigo 45.º não foram respeitados, a anulação só poderia sobrevir se estivesse demonstrado nos autos que foi ultrapassado o prazo máximo para a prolação e notificação da sentença final às partes. Essa demonstração não foi efectuada e, consequentemente, falece também a possibilidade de, por esta via, ser decretada a peticionada anulação (parcial) da sentença do tribunal arbitral. VI – DO VALOR DA CAUSA E DA RESPONSABILIDADE POR CUSTAS No processo especial de anulação da sentença arbitral, regulado, em termos gerais, pelo n.º 2 do artigo 46.º da LAV, não há lugar a saneador, pelo que o valor da acção deve ser fixado na respectiva sentença (cf. artigo 306.º, n.º 2, in fine do Código do Processo Civil). A Autora A... não peticionou a anulação total da decisão final proferida pelo tribunal arbitral, mas apenas que fosse anulado o acórdão rectificativo de 22-03-2024, na parte em que alterou o acórdão inicial, proferido em 18-01-2024. O valor da acção não corresponde, por isso, ao valor do processo de arbitragem (€:1.000.000,00), mas apenas ao valor da vantagem patrimonial discutida entre Autora e Ré nestes autos, a qual foi computado na petição inicial em €:226.481,34. Este valor não foi impugnado pela Ré e, face aos fundamentos invocados, pela Autora, não se vislumbram motivos para corrigi-lo oficiosamente, devendo, por isso, ser definitivamente fixado, conforme previsto no artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais. Quanto às custas da acção, visto que se concluiu que o pedido de anulação da sentença arbitral deve ser julgado improcedente, as mesmas devem ser suportadas pela Autora A..., atento o seu decaimento (cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil). VII – DECISÃO Pelos fundamentos expostos, acorda-se em: a) julgar improcedente o pedido de anulação da sentença arbitral; b) condenar a Autora, A..., S.A., no pagamento das custas da acção; c) fixar o valor da causa em €:226.481,34 (duzentos e vinte e seis mil, quatrocentos e oitenta e um euros e trinta e quatro cêntimos). - Notifique.*** SUMÁRIO (elaborado pelo relator nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do C.P.C.) …………………………………………. …………………………………………. …………………………………………. * Porto, 2025/05/26. José Nuno Duarte Miguel Baldaia de Morais Eugénia Cunha. Acórdão datado e assinado electronicamente (redigido pelo primeiro signatário segundo as normas ortográficas anteriores ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990) ______________________ |