Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1800/20.0T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO COM ALEGAÇÕES
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP202401161800/20.0T8VCD.P1
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A junção de documentos na fase de recurso é apenas admitida excepcionalmente, a superveniência do documento ou a necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
II - O abuso de direito, pressupondo a existência de um direito subjectivo, existe quando o seu titular exorbita dos fins próprios desse direito ou do contexto em que é exercido. Mas, esse excesso há-de ser claro e manifesto, clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º[1] 1800/20.0T8VCD.P1
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Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível de Vila do Conde - Juiz 1

RELAÇÃO N.º 90
Relator: Alberto Taveira
Adjuntos: Márcia Portal
Lina Castro Baptista
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
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I - RELATÓRIO.
AS PARTES
A.: AA
R.: A..., S.A. e
B..., S.A.
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AA[2], instaurou acção declarativa com processo comum contra A..., S.A., e B..., S.A., pedindo que as Rés sejam condenadas solidariamente:
1. Pedidos Alternativos:
A)
a) reconhecida a resolução do contrato e/ou ser declarado resolvido o contrato, com a consequente entrega do veículo à 1ª Ré, e a condenação à restituição ao Autor da quantia paga de 24.200,00 € acrescida de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento, calculados desde a data da resolução do contrato;
b) paga a quantia de 30,00 € diária, desde a data da avaria, a título de paralisação do veículo/privação do uso, que à data da propositura da ação se cifrava em 3.990,00 €;
c) ser paga a quantia de 750,00 € mensais a título de indemnização, desde a citação até a afetiva devolução do preço,
d) paga a quantia de 6.000,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, até efetivo e integral pagamento;
e) paga a quantia de 764,11 € a título de danos patrimoniais referentes aos custos com seguros, impostos e outros.
B)
a) Condenação das Rés a pagar ao Autor uma indemnização de valor correspondente à quantia necessária para comprar um veículo novo, idêntico ao seu, ou equivalente ao seu, cujo montante deve ser determinado em futura liquidação.
b) paga a quantia de 30,00 € diária, desde a data da avaria, a título de paralisação do veículo/privação do uso, que à data da propositura da ação se cifrava em 3.990,00 €;
c) ser paga a quantia de 750,00 € mensais a título de indemnização, desde a citação até a afetiva devolução do preço, d) paga a quantia de 6.000,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, até efetivo e integral pagamento;
e) paga a quantia de 764,11 € a título de danos patrimoniais referentes aos custos com seguros, impostos e outros.

2. Na hipótese de se concluir pela inviabilidade de formular pedido alternativo que antecede:
Pedidos Principais:
a) reconhecida a resolução do contrato e/ou ser declarado resolvido o contrato, com a consequente entrega do veículo à 1.ª Ré, e a condenação à restituição ao Autor da quantia paga de €.24.200,00 acrescida de juros à taxa legal até efetivo e integral pagamento, calculados desde a data da resolução do contrato;
b) paga a quantia de 30,00 € diária, desde a data da avaria, a título de paralisação do veículo/privação do uso, que à data da propositura da ação se cifrava em 3.990,00 €;
c) ser paga a quantia de 750,00 € mensais a título de indemnização, desde a citação até a afetiva devolução do preço,
d) paga a quantia de 6.000,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, até efetivo e integral pagamento;
e) paga a quantia de 764,11 € a título de danos patrimoniais referentes aos custos com seguros, impostos e outros.
Pedidos subsidiários:
a) Serem condenadas a substituir o veículo ao Autor, por viatura nova em perfeitas condições de funcionamento e com garantia, sem quaisquer encargos,
b) paga a quantia de 30,00 € diária, desde a data da avaria, a título de paralisação do veículo/privação do uso, que à data da propositura da ação se cifrava em 3.990,00 €;
c) ser paga a quantia de 750,00 € mensais a título de indemnização, desde a citação até a afetiva substituição do veículo,
d) paga a quantia de 6.000,00 € a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, até efetivo e integral pagamento;
e) paga a quantia de 764,11 € a título de danos patrimoniais referentes aos custos com seguros, impostos e outros.
Pedido cumulativo:
Em qualquer das hipóteses, devem ser condenados a indemnizar o Autor por todos os outros valores suportados ou a suportar pelo Autor em virtude da verificação dos defeitos e avarias mencionados, e os relativos a encargos com o patrocínio da presente demanda, tudo a apurar em futura liquidação.

O Autor alega, em síntese, que no dia 29.06.2018 adquiriu um veículo automóvel, no estado de novo, mediante o pagamento de 24.200,00 €, a uma filial da A.... Pagou os devidos impostos e celebrou contrato de seguro.
O Autor tem problemas de saúde (locomoção) e passa a maior parte do seu tempo em França com a família, mas como vem com frequência a Portugal, adquiriu o referido veículo, com caixa automática, para se poder deslocar no nosso país. No dia 10.08.2019, o veículo teve um problema enquanto circulava, foi accionado o seguro e foi levado para as instalações da 1.ª Ré, tendo sido devolvido ao Autor em 04.10.2019, sendo que tal demora se deveu ao tempo de espera de peças de substituição. O veículo deu entrada nas oficinas da 1.ª Ré com 4329 km e saiu com mais 898 km. Entretanto, o Autor regressou a França e o veículo ficou estacionado na garagem da sua habitação.
Todavia, em 10.07.2020, quando o Autor circulava na viatura, a mesma deixou, subitamente, de acelerar, quando circulava na A27. Foi novamente accionado o seguro e a viatura foi transportada de reboque para as instalações da 1.ª Ré. O Autor sempre se dirigiu à 1.ª Ré como representante da 2.ª Ré, sendo que a primeira intervenção no veículo ocorreu ao abrigo a garantia. O veículo está, desde então, parado. O Autor, por ter perdido a confiança no veículo, com temor pela sua vida e a da sua esposa, não autorizou qualquer orçamento ou reparação do veículo e pediu a substituição do veículo, o que a 1.ª Ré não aceitou. O Autor resolveu o contrato de compra do veículo e pediu a devolução do preço pago. A 1.ª Ré comunicou que aceitava substituição do veículo, desde que o Autor pagasse a diferença entre o valor actual do veículo em questão e o valor do veículo novo a adquirir, o que o Autor não aceitou. A 1.ª Ré também se disponibilizou a reparar o veículo, o que o Autor não aceitou por não pretender a reparação do mesmo. O veículo padece de vício ou desconformidade que impede o seu uso normal do mesmo. Tal causa transtornos e medo ao Autor, bem como põe em causa a sua segurança. Acresce que o Autor está impedido de se deslocar no mesmo para períodos de lazer, encontrando-se impedido de usar de modo pleno o veículo. A esposa do Autor ficou com fobia de entrar no veículo. A situação vivenciada pelo Autor, com as duas avarias ocorridas num curto espaço de tempo, constitui um prejuízo para o Autor, que merece reparação.
O Autor é consumidor e beneficia da protecção da Lei de Defesa do Consumidor e tendo a 1.ª Ré vendido ao Autor um bem desconforme, o Autor tem direito a exigir a resolução do contrato e ainda tem direito a indemnização. A 2.ª Ré, enquanto produtora, é também responsável nos termos do DL n.º 383/89. Tem ainda o Autor direito a ser ressarcido pela privação do uso do veículo e pelos danos não patrimoniais sofridos.
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As Rés foram citadas e vieram contestar.
A 1.ª Ré veio contestar e deduzir reconvenção. Aceita a venda do veículo ao Autor, mas não o preço invocado, bem como que o veículo deu entrada na sua oficina no ano de 2019. Todavia, refere que o veículo foi provisoriamente reparado e devolvido ao Autor, dois dias depois, enquanto se aguardava a chegada das peças de substituição necessárias. Tal reparação/revisão ocorreu no dia 04.10.2019, sendo que só por isso se explica a diferença de quilometragem alegada pelo Autor. Aceita igualmente que o veículo entrou nas suas oficinas em 10.07.2020, de reboque, mas desconhece o sucedido e em que circunstâncias é que o veículo deixou de funcionar. Após o Autor deixar o veículo na oficina da 1.ª Ré, esta disponibilizou-se a efectuar uma avaliação do veículo para diagnóstico e posterior reparação, sem custos para o Autor, se se tratasse de uma avaria abrangida pela garantia e pediu autorização ao Autor para proceder à avaliação do veículo, sendo que o Autor não autorizou qualquer intervenção no veículo, fosse para reparar ou para proceder ao diagnóstico de forma a perceber a origem do problema. O Autor mostrou-se irredutível e decorridos 5 dias desde que deixou o veículo nas instalações da Ré, enviou uma comunicação a pedir a resolução do contrato e a exigir a devolução do preço. O Autor exigiu a substituição do veículo e não demonstrou abertura para qualquer outra solução, nem para permitir o diagnóstico, sendo que a 1.ª Ré apresentou propostas para tentar resolver a situação extrajudicialmente. Nessa altura o Autor foi informado de que não autorizando a avaliação e o diagnóstico do veículo teria de levantar o veículo da oficina da 1.ª Ré. Refere ainda que não havia modelo igual para substituir, mas poderia ser substituído por modelo idêntico, tendo o Autor de suportar a diferença entre o valor do veículo novo e o valor de mercado do seu próprio veículo, sob pena de enriquecimento sem causa. O Autor não aceitou tal solução, tal como não aceitou a reparação sem encargos e com oferta comercial para compensar dos incómodos.
O veículo continua parado na oficina da 1.ª Ré, sem circular e sem que se saiba se se verifica alguma avaria, e em caso afirmativo, qual a concreta avaria, tal como não se sabe o valor da reparação. Não há assim fundamento para o Autor pedir a resolução do contrato. Foi variadas vezes solicitado ao Autor que levantasse o veículo e foi até advertido de que teria de pagar o valor do depósito até ao momento que procedesse ao seu levantamento. A atitude do Autor que impede a Ré de avaliar o veículo e diagnosticar a avaria constitui uma actuação em abuso do direito. Os pedidos de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais são infundados.
A 1.ª Ré deduz reconvenção, na qual pede que o Autor seja condenado a pagar-lhe a quantia diária de 30,00 € por cada dia que o veículo se encontra depositado na oficina da 1.ª Ré desde 01.10.2020, data em que o interpelou para proceder ao seu levantamento. Tal valor é devido até ao levantamento do veículo pelo Autor.
Termina pedindo que a ação seja julgada totalmente improcedente, absolvendo-se a a 1.ª Ré A... do pedido e que o pedido reconvencional seja julgado totalmente procedente e, em consequência, ser o Autor condenado a pagar à Ré A... a quantia de 3.420,00 € mais IVA à taxa legal, no total de 4.206,60 €, acrescida dos respetivos juros de mora contados desde a notificação do presente pedido até efetivo e integral pagamento, e ainda a quantia que se for vencendo diariamente no valor 30,00 € até à entrega ou levantamento do veículo com a matrícula ..-VB-.. pelo Autor.
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A 2.ª Ré B... veio contestar e aí defende que o direito do Autor caducou porquanto para a responsabilidade do produtor há um prazo de caducidade dois anos para o exercício dos direitos a contar da entrega do bem, que ocorreu em 29.06.2018, e que por isso caducou em 30.06.2020. Defende ainda que não há qualquer defeito no veículo e desconhece o alegado pelo Autor. Acrescenta ainda que, mesmo que existisse algum defeito, o Autor tinha, em primeiro lugar, de pedir a reparação do veículo.
Termina pedindo que a acção seja julgada improcedente e a Ré absolvida do pedido, tudo com as legais consequências.
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O Autor veio responder e replicar relativamente à 1.ª Ré, defendendo que nunca a 1.ª Ré lhe comunicou que o depósito do veículo na sua oficina, tinha um custo de 30,00 € diários, pois se soubesse desse custo, retirava o veículo e colocava-o na garagem do apartamento que tem a poucos quilómetros da oficina. Aceita que não autorizou a reparação do veículo, mas nunca se recusou a que fossem realizadas avaliações de diagnóstico, desde que tal fosse sem custos para o Autor. Deixou o veículo na oficina da Ré para que esta não pudesse alegar que o mesmo tinha sido objecto de intervenções por terceiros, e assim fugir à sua responsabilidade. O valor de 30,00 € diários é excessivo.
Pronuncia-se igualmente quanto à contestação da 2.ª Ré, dizendo que a mesma não cumpre o disposto no art. 572.º do Código de Processo Civil, não distinguindo a defesa por impugnação da defesa por excepção.
Termina pedindo que a reconvenção da 1.ª Ré seja julgada improcedente por não provada e que a acção seja julgada procedente por provada (não se considerando a alegação da 2.ª Ré que não cumpriu com o ónus da individualização e especificação separada da matéria relativa a excepções).
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Posteriormente, e após convite, o Autor veio pronunciar-se quanto a excepção invocada pela 2.ª Ré, de caducidade, defendendo que o prazo de caducidade para a acção não se esgotara à data em que o Autor teve conhecimento do defeito e o denunciou.
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Em 23.12.2021, foi proferido despacho a admitir a reconvenção, a fixar valor à acção, foi proferido despacho saneador tabelar e o conhecimento da caducidade foi relegado para final, foram fixados o objecto do litígio e os temas da prova e foram admitidos os meios de prova.
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DA DECISÃO RECORRIDA
Após audiência de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA julgando totalmente improcedente a demanda, nos seguintes termos:
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos, decide-se:
A. Julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver ambas as Rés A..., S.A. e B..., S.A. de todos os pedidos formulados pelo Autor AA
B. Julgar a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolver o Autor AA do pedido formulado pela Ré A..., S.A.“.
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DAS ALEGAÇÕES
O A., vem desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. venerandos desembargadores, doutamente suprirão, deve ser dado integral provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a sentença proferida no tribunal “a quo” e determinando-se a procedência da acção e dos pedidos nela deduzidos; ou declara-la nula, com todas as consequências legais.”.
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O ora recorrente apresentou CONCLUSÕES, até à letra LLLLL.
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A R. A... apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso.
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Este Tribunal da Relação do Porto, conheceu da questão da admissibilidade do recurso – por duplicação ou repetição do teor das alegações de recurso – julgando improcedente tal pretensão.
Mais, foi decido, convidar o A. a aperfeiçoar as suas alegações – “(…) a corrigir as conclusões de recurso de modo a identificar de modo claro e preciso quais os pontos de factos que pretende ver sindicados por este Tribunal, com expressa e clara indicação dos meios de prova que sustentam a sua discordância, e indicar qual o sentido por si pugnado quantos aos apontados pontos de facto. Por fim, indicar quais sejam as questões de direito, nos termos do artigo 639.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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O recorrente na sequência do convite, veio apresentar novo requerimento de interposição de recurso, com novas alegações e NOVAS CONCLUSÕES de recurso.
1. O Recorrente impugna a matéria de facto, e o entendimento que a eles foi dado, sugerindo outro, com o qual entende, teria resultado em sentença diversa; e ainda a matéria de direito.
2. Na enunciação dos factos apurados, quando sopesado com a fundamentação e motivação da sentença a MM juiz a quo não usou uma metodologia que permite perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, com vista a ser submetida às normas jurídicas aplicáveis; não tendo compatibilizado a matéria de facto adquirida, com a solução jurídica alcançada.
3. A motivação e apreciação crítica proferida pelo tribunal a quo apresenta insuficiências, inexatidões, contradições, não tendo feita uma verdadeira apreciação e interpretação da prova produzida, o que desde logo enferma toda a motivação apresentada pelo Tribunal a quo e que deverá ser devidamente apreciada por este Tribunal ad quem.
4. O Tribunal a quo limitou-se a “credibilizar a prova” apresentada pelas Rés, quando a prova documental (relatório pericial, garantia, prova gravada (testemunhos)), explicaram ao Tribunal de forma clara e concisa, a ocorrência de 2 avarias na viatura nova, que se tratam de avarias na caixa de velocidades, ocorridas no período de 2 anos, que a 1ª Ré exigia que o diagnóstico ao veiculo fosse pago pelo recorrente, e que, a recorrente não agiu em abuso de direito.
5. O Recorrente comprou um veículo ligeiro de passageiros, combustível diesel, no dia 29.06.2018, em estado novo, coberto de garantia, a contar da entrega, sem limite de quilometragem, contra defeitos de material e de fabrico.
6. O recorrente é um homem idoso, com problemas de saúde (locomoção), que deixou de confiar na viatura, como dado provado em 9) e 12) 47).
7. O veículo de matrícula ..-VB-.., tem caixa automática.
8. No dia 10.08.2019, o veículo apresentou uma avaria na caixa de velocidades automática, com apenas 4329 Km, tendo sido rebocado para a oficina da 1.ª Ré, onde ao abrigo da garantia, onde foi reparado pela 1.ª Ré a expensas da 2.ª Ré.
9. A 1.ª Ré como não tinha peças em stock, encomendou-as, procedendo posteriormente à substituição da cablagem da caixa de velocidades, tendo o veículo saído da sua oficina com 5227Km, em 04.10 2019.
10. A viatura foi entregue, 3 meses após o reboque para a oficina da 1ª Ré, e com mais 800km.
11. Em 10-07-2020, o veículo apresenta 2ª avaria na caixa de velocidades.
12. O recorrente levou o veículo para a oficina da 1ª Ré, ainda na garantia.
13. O Recorrente além de permitir diagnóstico à viatura, usando da mesma forma de agir quando da 1ª avaria, pediu judicialmente a realização de perícia com vista a descortinar a verdadeira dimensão do problema e a razão para o veículo não circular desde 10.07.2020.
14. A MM Juiz a quo deu como provado, o facto 6) “O carro foi vendido a coberto da garantia, a contar da entrega, sem limite de quilometragem, contra defeitos de material e de fabrico.”, deveria ter dado como provado que o carro estava na garantia quando das 2 avarias, de acordo com o fatura interna de garantia da 1ª ré, condições gerais das garantias dos veículos ... (garantia), e que não foi contestado.
15. Protesta o recorrente em 2º grau de jurisdição, pela junção de documento que prova a cobrança do serviço de diagnóstico pela 1ª Ré, pelo que, também ao facto dado provado em 41) de que o Autor não autorizou que a 1.ª Ré procedesse ao diagnóstico do veículo de modo a perceber a origem do problema, deverá ter outra redação, ou seja, que o Autor não autorizava fosse realizado diagnóstico, se lhe fossem cobrados custos por esse serviço.
16. A junção do documento é necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância, que sustentou parte da motivação da sentença, no facto de alegadamente a 1ª ré não ter exigido nenhum valor pelo diagnóstico, e que o recorrente teria pura e simplesmente negado o diagnóstico á 1ª ré.
17. Não há uma única prova nos autos de que Recorrente recusou qualquer diagnóstico, tanto mais que a MM Juiz não deu provado o facto relacionado em j), ou seja,
18. a MM Juiz a quo não deu como provado que a 1ª Ré “Em ambas as hipóteses referidas em 42), antes da tomada definitiva de qualquer posição, a 1.ª Ré teria de efetuar um diagnóstico prévio e completo da eventual anomalia verificada, necessitando, por isso, da autorização do cliente e o Autor foi informado de que, não autorizando a avaliação e diagnóstico do veículo, teria de levantar o veículo na oficina da 1.ª Ré”.
19. As hipóteses a que se refere a MM Juiz a quo em 42) são: “Naquele momento, mas em data não concretamente apurada, a 1.ª Ré propôs a substituição do veículo do Autor por outro novo, com pagamento pelo Autor da diferença entre o valor comercial do veículo ..-VB-.. (sem qualquer avaria) e o preço do novo veículo ou, em alternativa, a reparação do veículo ..-VB-.. com oferta de serviço a combinar e/ou extensão de garantia.”
20. O recorrente autorizava fosse realizado o diagnóstico, desde que não lhe fosse cobrado esse custo, em virtude do veículo estar na garantia, até mesmo porque a MM Juiz não deu como provado que antes da tomada definitiva de qualquer posição, (substituição ou reparação) a 1ª Ré teria de efetuar um diagnóstico prévio e completo da eventual anomalia verificada, necessitando, para isso, da autorização do cliente e ora Recorrente.
21. Não se extrai do depoimento da Sra. BB - Início Gravação 20-12-2022 15:17:28 – Fim Gravação 20-12-2022 16:12:36h-, ter aquela recusado qualquer diagnóstico, tendo, isto sim, quando questionada pelo Advogado 1ª Ré, (ao minuto 25.34 – E então vocês nessa altura que vocês puseram em vila do conde, exigiram um carro novo certo?), respondido ao minuto 25-40m “A gente queríamos um carro novo, um carro que a gente tivesse confiança; e continua respondendo ao Advogado 1ª Ré: ao minuto 25.58m: Mas Sra., chegaram-lhes a pedir uma autorização para reparar o carro nessa altura?, ao que a Sra. BB respondeu ao minuto 26-05: “Nos queríamos que eles reparassem o carro e que me garantissem o carro arranjado como era devido. E que prolongassem o seguro. O seguro não, a garantia do carro. Então se agente comprou um carro e que não usou.”, e diante da insistência do Advogado 1ª Ré, ao minuto 26.41: E o que vocês reclamaram? Reclamaram a reparação ou a substituição do carro? reiterou, a sra. BB ao minuto 26.47m- “Ou uma coisa ou outra, desde que eles me garantissem o carro.”
22. Quando a Sra, BB se refere a querer um carro novo, não é no sentido literal de substituição, mas sim, pelo facto do seu carro ser comprado novo, pelo que pretendia o mesmo correspondesse a essa condição de novo, daí esclarecer “Nos queríamos que eles reparassem o carro e que me garantissem o carro arranjado como era devido.”, porquanto resultam de errada apreciação da prova e falta de conjugação da mesma.
23. A 1º Ré poderia ter realizado o diagnóstico que entendesse (desde que sem custos para o recorrente).
24. A MM Juiz a quo não poderia ter dado como provado o facto 41) “) O Autor também não autorizou que a 1.ª Ré procedesse ao diagnóstico do veículo de modo a perceber a origem do problema”, por não corresponder à verdade, nem o mesmo deriva de qualquer dedução da experiência comum.
25. As Recorridas ao garantirem ao recorrente, por determinado período de tempo, bom funcionamento do veículo vendido, estavam obrigadas a reparar qualquer avaria que, durante esse período surgisse, salvo se provasse que a mesma se devesse a conduta culposa do Recorrente no uso do carro (o que não é o caso dos autos).
26. O carro encontrava-se no período de garantia (legal e contratual), e não poderia ser-lhe cobrado o diagnóstico à viatura.
27. O facto provado em 41 devia ter a seguinte redação, “o autor não autorizava o diagnóstico na viatura, se lhe fosse cobrado o serviço”.
28. Os depoimentos gravados também obrigariam a dar como provados os factos dados como não provados nas alíneas k), L), P) – ou seja, que (k – “o veículo com matrícula ..-VB-.. apresenta problema que impede a sua circulação normal e regular.”); e que (L - O estado do veículo tal como referido em 33) e 34) põe em causa a segurança do mesmo); e, por fim, P) A reparação de 2019 foi mal sucedida.)
29. Pois que, analisando a prova gravada dos peritos, nomeadamente do Sr. Perito CC- Perito das Rés (na gravação onde consta DD), início às 9.59h, quando questionado pela Advogada Autora, 3.15m- Diga-me uma coisa, com essa bateria o carro ainda circulava?, o Sr. Perito respondeu (CC) ao minuto 3.25m- o carro não circulava; e insistindo na pergunta, ao minuto 3.26m Mesmo com a bateria o carro não circulava?; aquele respondeu ao minuto 3.29 – NÃO.…
30. Deveria ter dado como provado o fato relacionado em k), o que, consequentemente levaria a ter de dar como provado, que “o veículo com matrícula ..-VB-.. apresenta problema que impede a sua circulação normal e regular; tal como deveriam os factos, e que “L - O estado do veículo tal como referido em 33) e 34) põe em causa a segurança do mesmo”; e p) A reparação de 2019 foi mal sucedida.
31. A MM juiz deu como provado o facto 15), ou seja, que no dia 10-08-2019, o carro “foi a baixo” subitamente, na faixa de rodagem e o autor não conseguiu pô-lo novamente em movimento; e os factos 18 e 19, ou seja, que “a 1ª Ré verificou a necessidade de substituir os cabos da caixa de velocidades, mas como não tinha peças em stock; teve de as encomendar e aguardar pela sua receção”, e, que “em data não apurada, mas entre 12-08-2019 e 04-10-2019, a 1ª Ré procedeu a substituição da cablagem de caixa de velocidades”, e ainda,
32. deu como provada que a avaria ocorrida em 10-07-2020, no facto 29 e 33, referindo “que o veículo apresenta uma avaria mecânica na alavanca da seleção da caixa de velocidades e uma avaria eletrônica devido a baixa tensão da bateria.”.
33. Tanto na 1ª avaria como na 2 avaria há um problema que não é exclusivamente elétrico/eletrónico.
34. A informação do tipo de reparação realizada na caixa de velocidades em 2019 foi fornecida pela marca/A..., e não adveio dos registos do computador do veículo, conforme testemunho dos peritos na prova gravada.
35. A reparação da caixa de velocidades automática que foi feita, conforme referido pelo CC perito ao minuto 14.49 – “Está no histórico de intervenções em garantia”; DD ao minuto 14.48-“Está na marca”.
36. A reparação (o que foi feito na caixa de velocidades em 2019) não estava nos registos do computador do carro, onde só constava a data da intervenção, mas nos registos informáticos da 1ª Ré.
37. Então, deveria ter dado como provado o facto K e L, e P), ou seja, que o veículo apresenta problema que impede a sua circulação normal e regular, até mesmo pela dedução logico dedutiva dos factos dados como provados os factos 33) e 34): “ O veículo apresenta uma avaria mecânica na alavanca de seleção da caixa de velocidade e uma avaria eletróncia devido à baixa tensão da bateria”; “A avaria referida em 33) poderá ser resolvida apenas com a substituição do cabo de comando da caixa de velocidades que está danificado, COMO pode ser necessário proceder à substituição total da caixa de velocidades (depende dos resultados que vão sendo obtidos)”. (Grifo Nosso)
38. A caixa de velocidades está avariada.
39. O facto relacionado em (p) deveria ter sido dado como provado, pois que contrariando o facto dado como provado em 34), na fundamentação da sentença a MM Juiz a quo, acaba por dizer que não dá o facto como provado em p), “…apesar de as duas avarias terem ocorrido na caixa de velocidade, a primeira era relativa, foi feita, na cablagem (parte elétrica), nada tendo a ver com o cabo que tem de ser substituído neste momento (avaria mecânica)”.
40. A sentença é contraditória quando refere que a 1ª avaria se tratou de avaria elétrica, ao passo que a 2º de uma avaria mecânica, pois que, quanto à 1ª avaria ocorrida em 2019, deu como provado os factos 18, 19, 20, 25) que: 18) A 1.ª Ré verificou a necessidade de substituir os cabos da caixa de velocidades, mas como não tinha as referidas peças em stock, teve de as encomendar e aguardar pela sua receção.; 19) Entretanto, em data não apurada mas entre 12.08.2019 e 04.10.2019, a 1.ª Ré procedeu à substituição da cablagem da caixa de velocidades.; 20) O veículo foi devolvido ao Autor, em 04.10 2019, sendo que demora que se deveu ao tempo de espera de peças de substituição referidas em 18). (Grifo nosso)
41. Se a 1ª avaria fosse apenas elétrica, não necessitava de peças e de substituir cabos da caixa de velocidades.
42. O problema na caixa de velocidades de 2019 (1ª avaria) a ser tão simples, não precisaria de quase 3 meses de espera de cabos, muito menos de rodar quase 800 km entre a data de entrega do veículo na oficina da 1ª Ré, e a devolução ao Recorrente.
43. Dos depoimentos transcritos, bem como, dos fundamentos que levaram à convicção da MM Juiz a quo, que partiu claramente de pressuposto errado, também deveria ter dado como provado o facto referido em p), ou seja, a reparação em 2019 foi mal sucedida.
44. E, ao não dar como provados os factos em t), u) e w), por o Tribunal não ver produzida prova segura dos mesmos, então, a contrário, deveria ter dado como provado o facto relacionado em v) – “a carta referida em 49 não obteve resposta da 1ª Ré e o e-mail referido em 50) também não obteve resposta da 2ª Ré”; porque de facto, ao não se provarem os factos t, u, e W., prova o facto relacionado em V.
45. Também não se pode dar como provado o facto 33), pois ao dar como provado o facto 34 “a avaria referida em 33) poderá ser resolvida apenas com a substituição do cabo de comando da caixa de velocidades que está danificado, como pode ser necessário proceder à substituição total da caixa de velocidades (depende dos resultados que vão sendo obtidos”; então, não podia a MM Juiz a quo dar como provado que o veículo apresenta apenas uma avaria mecânica NA ALAVANCA de seleção da caixa de velocidades, por não ser certo ser um problema apenas na alavanca da caixa de velocidades, tanto que coloca a hipótese de substituir a caixa de velocidades.
46. O facto relacionado em 33) deveria ter a seguinte redação- o veículo apresenta uma avaria mecânica na caixa de velocidades e uma avaria eletrônica possivelmente devido a baixa tensão da bateria.
47. O facto dado como provado em 35) deveria ter a seguinte redação- a 1ª Ré não facultou veículo de cortesia (substituição) ao Autor – de acordo com a fundamentação e motivação da sentença para dar o facto 35 como provado, pois que a Mm Juiz diz que viria a pronunciar-se sobre o veículo de substituição definitiva no facto provado em 37, logo no fato 35 estava a referir-se à substituição por cortesia.
48. O recorrente enviou um e-mail através da sua mandatária a uma funcionária da 1ª Ré EE), em 15-07-2020 (facto 36), onde alegou, a resolução do contrato.
49. No mesmo dia, o Sr. FF, funcionário da 1.ª Ré respondeu ao email referido em 36) dizendo que “Tratando-se de um assunto jurídico, o mesmo será reencaminhado para o nosso departamento jurídico”.
50. O recorrente, diante da manutenção do posicionamento da 1ª Ré, ou seja, que não faria diagnóstico ao veículo se este não fosse pago pelo recorrente, enviou 1 mês depois, ou seja, em 17-08-2022 interpelação para resolução do contrato, através de carta, desta feita à 1ª Ré, referida no facto dado como provado em 38).
51. Apenas após esta interpelação à 1ª Ré, veio esta a propor a substituição do veículo do Autor por outro novo, com pagamento pelo Autor da diferença entre o valor comercial do veículo ..-VB-.. (sem qualquer avaria) e o preço do novo veículo ou, em alternativa, a reparação do veículo ..-VB-.. com oferta de serviço a combinar e/ou extensão de garantia, tal qual dado como provado em 42).
52. O período que mediou as “negociações”, não foi de 5 dias, mas de mais de 1 mês.
53. Deveria o facto dado provado em 42) estar concretizando cronologicamente, como os factos ocorrerem, com a seguinte redação: após o envio da carta referida em 38), mas em data não concretamente apurada, a 1ª Ré, propôs a substituição do veículo Autor por outro novo, com pagamento pelo Autor da diferença entre o valor comercial do veículo ..-VB-.. (sem qualquer avaria) e o preço do novo veículo ou, em alternativa, a reparação do veículo ..-VB-.. com oferta de serviço a combinar e/ou extensão de garantia.
54. A 1ª Ré só veio fazer a proposta referida em 42) após o envio da carta em 17-08-2022; quando já devidamente assessorada juridicamente.
55. A 1ª Ré não se disponibilizou a fazer diagnóstico sem custo, e muito menos aceitou substituir o veículo ao autor (quer de cortesia, quer definitivamente).
56. Só após 17 de agosto de 2020, veio a 1ª ré, já devidamente assessorada pelo jurídico, alega que o recorrente se teria recusado a autorizar um diagnóstico, ainda que sem custos.
57. O recorrente ainda assim só propôs a ação em aprx 4 meses depois.
58. O recorrente não agiu em abuso do direito, nem excedeu os limites impostos pela boa fé, na medida ainda que, denunciada a avaria, dentro do prazo legal, tendo as rés recusado diagnosticar e eliminar o vício ou reparar a avaria, ao recorrente assistia o exercício do seu direito.
59. Do depoimento transcrito acima da Sra. BB ao minuto 26.37m- Fui eu, foi o meu marido, foi o meu genro, foi a minha filha, fomos todos lá”; sendo que diante da avaria a 1ª Ré exigiu fazer um diagnóstico no veículo, pago pelo Recorrente.
60. O recorrente levou o veículo para a oficina da 1ª Ré, tal como o fizera na 1ª avaria, sendo abusivo vir alegar que precisaria de autorização para fazer um diagnóstico ao veículo e, ainda que o recorrente teria negado.
61. A caixa de velocidade automática é uma peça essencial ao funcionamento do veículo, e sem a qual, para o Recorrente o veículo não tem préstimo algum.
62. O carro, com uma caixa de velocidades que não funciona, padece de vício que, antes de mais, impede a realização do fim a que se destina - circular.
63. O veículo automóvel é defeituoso, não está conforme com o contrato de compra e venda, e deveria ter sido entregue isento de defeito, art 817 CC.
64. As recorridas deveriam garantir a boa qualidade do carro (durante o período abrangido pela garantia), bem como a manutenção em bom funcionamento (idoneidade para o uso), sendo responsáveis por todas as anomalias, avarias, falta ou deficiente funcionamento por causa inerente à coisa e dentro do seu uso normal.
65. O Autor tinha o ónus da denúncia da anomalia, sem necessidade de alegar e provar a concreta avaria ou defeito. O que fez.
66. O contrato de compra e venda celebrado entre o Recorrente e a 1ª Ré – trata-se de contrato celebrado entre um consumidor final (um particular não profissional) e um profissional que atua no quadro da sua atividade comercial.
67. A tutela dos direitos do consumidor, confere-lhe o direito à qualidade dos bens e serviços destinados ao consumo que tem assento constitucional, nos termos do art. 60, nº 1 da CRP.
68. O recorrente, quando da 1ª avaria exerceu o direito à reparação do defeito verificado na caixa de velocidade, e na 2ª avaria na caixa de velocidades automática exerceu o direito à resolução, pelo facto da não se disporem a efetuar o diagnóstico da viatura sem encargos/pagamento pelo Recorrente.
69. O Recorrente denunciou o defeito em tempo. O defeito, a falta de conformidade manifestou-se das 2 vezes, no prazo de 2 anos a contar da entrega, na caixa de velocidades automática, de um veículo novo, que apenas circulava em períodos de férias do recorrente em Portugal, presumindo-se que o defeito existia nessa data por a desconformidade se manifestar dentro do prazo.
70. Tanto na 1ª avaria, como na 2ª avaria, o problema reside na caixa de velocidades, sendo que na 2ª avaria, se desconhece se a substituição do cabo, seria suficiente à reparação, conforme relatório pericial e depoimentos dos peritos.
71. A avaria não deixa de ser no veículo, como um todo.
72. As recorridas dedicam a sua atividade, à venda de automóveis- A... e B..., e dentro do normal de atividades das oficinas, deveria teria feito um diagnóstico e comunicado ao Recorrente o resultado.
73. É ainda contraditória a sentença quando refere que, conjuntamente com a prova documental foi valorada a PROVA PERICIAL realizada pelos três peritos nomeados, cujo relatório pericial foi junto em 12.09.2022 e que se conjugou com os esclarecimentos prestados por escrito e juntos aos autos em 20.10.2022, e bem ainda, com os esclarecimentos prestados na audiência de julgamento,
74. para na MOTIVAÇÃO DA SENTENÇA dizer “sem saber qual a verdadeira dimensão do problema e a razão para o veículo não circular desde 10.07.2020. É certo que se sabe que para poder circular, sempre terá de ser substituído o cabo de comando que está danificado. Mas não se sabe se é apenas esse o problema ou se há outros problemas mais graves que impossibilitem a circulação do veículo. E não se sabe porque o Autor não permitiu o diagnóstico. Ou seja, não se sabe se se trata de reparação de um cabo que custa €.200,00 a €.500,00 ou se é uma reparação de diversos milhares de euros. Acresce ainda que o Autor, para além de não ter permitido o diagnóstico, também não aceitou nenhuma das propostas que a 1.ª Ré, NAQUELA DATA APRESENTOU, conforme provado em 42), ou seja, a 1.ª Ré propôs a substituição do veículo do Autor por outro novo, com pagamento pelo Autor da diferença entre o valor comercial do veículo ..-VB-.. (sem qualquer avaria) e o preço do novo veículo ou, em alternativa, a reparação do veículo ..-VB-.. com oferta de serviço a combinar e/ou extensão de garantia.” (grifo nosso)
75. Mesmo que o Autor por mera hipótese académica não tivesse autorizado o diagnóstico, ainda assim o recorrente pediu fosse realizada PERÍCIA nos termos do art. 467 e 475 do CPC, tendo indicado os quesitos, “com o objetivo de se averiguar os defeitos/vícios/desconformidades de que padeceu e padece o veículo, com a devida identificação dos mesmos”.
76. A perícia ao veículo, com fixação do objeto da perícia nos termos do ar. 476 do CPC, foi realizada, constatou-se uma avaria no veículo, que não adveio do seu mau uso, de forma que resta equivocada e enferma de vicio que macula a decisão recorrida, quando conclui não saber se é apenas esse o problema ou se há outros problemas mais graves que impossibilitem a circulação do veículo, porque o recorrente não permitiu o diagnóstico.
77. Na verdade, a perícia foi conclusiva ao dizer que o veículo está parado e não circula, com um problema na caixa de velocidades. E está parado desde 2020.
78. O carro, sendo um bem destinado ao consumo, nos termos do nº 1 do art 4 do DL 67/2003, devia ser apto a satisfazer o fim a que se destina, circular- e produzir os efeitos que se lhes atribuem.
79. Há desconformidade no carro vendido, nos termos e para os efeitos da norma do nº 2 do art. 2 e 3 do DL 67/2003, pelo que deveria a MM Juiz concluir pela responsabilidade das Rés.
80. O recorrente que é consumidor, diante de 2 gigantes do comércio automóvel, tinha direito a que fosse reposta a conformidade preterida, por meio de reparação ou de substituição do bem, pela redução do preço, podendo, ainda, resolver o contrato (artigo 4º/1 do DL 67/2003), além do direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (artigo 12º/2 de Lei 24/96), que o Recorrente podia exercer isoladamente ou em conjunto com os outros direitos previstos naquele artigo 4º/1.
81. A anomalia, prejudica a efetiva utilização do carro, no período da garantia, sendo a responsabilidade da 1ª Ré.
82. O Autor fez pedidos alternativos, subsidiários e cumulativos. A MM Juiz julgou todos improcedentes e /ou prejudicados, quando pelo o exposto não poderia fazer, atentos os factos a dar como provados e não provados, e prova produzida, e o direito a aplicar ao caso.
83. Caso entendesse abusivo o pedido de resolução do contrato ainda assim, poderia ter julgado o pedido de substituição do veículo realizado pelo recorrente e demais pedidos indemnizatórios.
84. Não podia a MM Juiz concluir, em sede de fundamentação de direito, que a não atribuição ao Recorrente do seu direito ficou a dever-se a um comportamento abusivo do autor, sem considerar a atuação abusiva da 1ª ré ao exigir um diagnóstico pago, quando o veículo estava na garantia, violando os seus deveres contratuais, como efetivamente resulta provado.
85. O recorrente sempre agiu com verdade e boa fé, não excedeu os limites impostos pelos bons costumes, pela ordem pública e pelo fim social ou económico do direito em causa, mas, no legitimo exercício dos seus direitos.
86. A sentença é ainda obscura, confusa ou de difícil interpretação, fazendo errada aplicação do direito aos factos, quando, a MM Juiz conclui estar diante de uma situação de abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
87. A existência de abuso do direito, para a sua aplicação em cada caso concreto depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos. Não é este o caso.
88. O Recorrente exerceu os seus direitos, no caso concreto, dentro do objetivo natural e da razão justificativa da sua existência e nunca ostensivamente contra o sentimento jurídico dominante.
89. Dados os factos provados e não provados, e a dar como provados, e de todos os circunstancialismos, não se pode concluir haver desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.
90. O exercício dos direitos conferidos ao Recorrente, não são hierarquizados, conforme dispõe o nº 7 do ar. 4º do D.L. 67/2003.
91. O recorrente, adquirente do bem, optou pelo exercício do direito à resolução do contrato, porque a 1ª Ré, tanto para reparar como para substituir exigia fazer um diagnóstico ao veículo, mas pago por aquele.
92. Quem contribui para a desvalorização do carro são as Recorridas. O Recorrente nunca quis enriquecer à custa de ninguém. Quem age em claro abuso de direito e litiga de má fé contra um consumidor hipossuficiente são as Rés.
93. Não existe correlação entre o tempo que medeia entre a denúncia da avaria, e a comunicação da sua vontade de resolver o contrato celebrado, que possa levar à convicção da MM Juiz a quo ter o recorrente agido em abuso de direito, muito menos, com sucedâneo de que o Recorrente não permitiu diagnóstico do veículo de modo a perceber a origem do problema.
94. Pelas regras da experiência comum, não é sequer lógico que o Recorrente não permitisse realização de diagnóstico ao veículo, se o mesmo fosse sem custos.
95. Não há uma única prova nos autos, no sentido de que, antes da comunicação de resolução tenha a 1ª Ré pedido qualquer autorização de diagnóstico sem custo e que essa teria sido recusada.
96. A sentença resta ainda ambígua, confusa e de sentido equívoco, mostrando ter partido de pressupostos distintos do casu sub judice, quando No paragrafo 6º da fundamentação de direito, diz: “Revertendo às duas situações em apreço e conforme resulta dos factos provados em 1) e 2), constata-se que a 1.ª Ré vendeu ao Autor um veículo automóvel usado, ligeiro de passageiros, de marca Smart, modelo ..., com a matrícula ..-QB-...”
97. Os factos de que parte a MM Juiz a quo parte para decidir são diagonalmente opostos aos factos do litígio em causa.
98. Conforme resulta dos factos dados como provados 1 e 3, o autor comprou o veículo de marca ..., Modelo ..., pelo preço de €.24.200,00; ligeiro de passageiros, com combustível diesel, em estado novo, sem quilómetros percorridos e sem qualquer uso. A MM Juiz a quo partiu do pressuposto que estaria diante de um carro usado, aplicando, igualmente o direito de forma errada, ao subsumir-lhe as normas afetas à venda de bens usados.
99. A MM Juiz parte do pressuposto de que está em causa a compra e venda de coisas usadas, na parte final do parágrafo 8 da sentença que “tal regime igualmente à compra e venda de coisas usadas conforme resulta da conjugação dos arts. 3.º e 5.º, n.º 2 do referido Decreto-Lei.”
100. A MM Juiz a quo com a decisão e solução jurídica encontrada, mostram claramente a desatenção à prova e à concretização dos factos.
101. Não se trata de coisa móvel usada, portanto, não obstante seja de aplicar ao contrato o preceituado no referido Decreto-Lei n.º 67/2003, contudo, têm aplicação no caso o art. 3º e 5ª, nº 1 e 7, e não o nº 2.
102. O recorrente tem direito a resolver o contrato e/ou à substituição do mesmo, ante a prova do defeito ocorrido no veículo, dentro do prazo de 2 anos, nos termos do art. 4 e art. 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003.
103. O recorrente alegou e provou existir falta de conformidade entre o bem vendido/entregue e o contrato. Ocorreram 2 avarias na caixa de velocidades automática que impedem o recorrente de circular, isto apesar da MM juiz a quo não dar como provado o facto k) -O veículo com a matrícula ..-VB-.. apresenta problema que impede a sua circulação normal e regular.
104. Porem, mais uma contradição na sentença, quando na motivação de direito diz a MM Juiz “Ora, é evidente dos factos provados que o veículo apresenta um problema na alavanca da seleção da caixa de velocidades e que não havendo reparação da mesma, o veículo não circula, sendo que os veículos automóveis se destinam, normalmente e como uso habitual a circulação.”
105. Caso entendesse não ter direito à resolução, ainda assim, poderia ter julgado o pedido de substituição do veículo realizado e demais pedidos indemnizatórios. Também não o fez sob a alegação de que tal não o poderia ser feito contra a 2ª Ré. Contudo poderia julga-lo procedente contra a 1ª Ré e improcedente contra a 2ª Ré.
106. A distinção entre pedidos alternativos e subsidiários consiste em que, nos primeiros, o réu tem a faculdade de escolher um deles, dada a equivalência das prestações pretendidas pelo autor, e, nos segundos, embora apresentados sob a veste formal mais aparente de alternativa, a sua apreciação depende da improcedência do chamado pedido principal.
107. Em matéria de direito, o autor/recorrente sustenta que o tribunal errou no enquadramento jurídico dos factos, ao considerar qua o autor agiu em abuso de direito.
108. Decisão diversa da recorrida deveria ter sido proferida, concluindo-se pela resolução do contrato condenando-se a Ré á restituição do valor pago, ou a substituição do veículo, devendo, por via disso ser os demais pedidos analisados, com condenação da 1ª Ré e/ou 2ª Ré.
109. A sentença apresenta uma série de erros/vícios que precisam ser devidamente retificados, por este Tribunal ad quem.
110. A prova produzida, bem como a sua apreciação prudente, impõe que sejam dados como provados factos que estão no elenco dos não provados, e vice-versa, não tendo aos mesmos sido aplicada a lei de forma correta.
111. A motivação de direito apresentada, apresenta erro e vícios substanciais, por partir ainda de caso diagonalmente oposto ao presente, o que implica a nulidade da sentença.
112. A Sentença recorrida violou e/ou, interpretou erradamente, entre outros, o conjugadamente disposto, por um lado nos arts. 60, nº 1 da CRP; 607 nº 3 e 4 e 5 do CPC; arts. 3, 4, 5, do DL67/2003, e, por outro lado, violou e, ou interpretou erradamente, conjugadamente disposto nos arts no 396º do Código Civil, com violação do princípio da livre apreciação da prova, que determina que a prova produzida seja apreciada à luz das regras da lógica e das regras da experiência comum.”.
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II-FUNDAMENTAÇÃO.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil
Breve considerando.
Como se constata do processado nesta instância, tentou este Tribunal apelar ao poder de síntese do apelante, que é exigido por Lei. Mas, como se verifica, não surtiu efeito…
Contudo, como ficou decidido, não será caso de rejeição do recurso.
É certo que dificulta, e muito, a percepção, verificação e apreciação das questões que o recorrente pretende ver conhecidas por esta instância.
Este Tribunal identifica, com maior dificuldade, as questões, embora estejamos perante umas conclusões prolixas, inconsequentes e inócuas.
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Assim, as questões a decidir, são as seguintes:
A) Da junção de documento com o recurso.
B) Nulidade da sentença por obscura, confusa, ambígua, sentido equívoco ou de difícil interpretação.
C) Impugnação da resposta à matéria de facto dos pontos 6, 33, 35, 41 e 42 dos factos provados, na qual o recorrente indica redacção distinta, e als. k), l), p) e v) dos factos não provados, pugnando por serem dados como provados e com outra redacção.
D) Em caso de procedência do recurso da matéria de facto a alteração da decisão de direito.
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OS FACTOS
A sentença ora em crise deu como prova e não provada a seguinte factualidade.
2.1. Factos Provados
Em consequência da prova produzida em audiência de julgamento, resultou provado que:
1) O Autor, no dia 12.04.2018, dirigiu-se a uma concessionária da Marca ..., mais precisamente à filial da A... S.A., em Viana do castelo, e obteve proposta de venda n.º ..., para a compra do veículo de marca ..., Modelo ..., pelo preço de €.24.200,00.
2) Para o efeito, entregou caução no dia 16.04.2018, mediante cheque, no valor de €.4.200,00.
3) O Autor comprou o veículo ligeiro de passageiros, com combustível diesel, no dia 29.06.2018, em estado novo, sem quilómetros percorridos e sem qualquer uso, pagando a quantia de €.24.200,00 com o cheque n.º ... – Banco 1... para pagamento do preço de €.24.054,95 e do IUC de 2018 no valor de €.145,05.
4) Tendo sido devolvido o cheque caução referido em 2).
5) Foi realizada a declaração Aduaneira do Veículo, com data de 30.06.2018, onde consta a matrícula atribuída – ..-VB-.. e data de respetiva atribuição.
6) O carro foi vendido a coberto de garantia, a contar da entrega, sem limite de quilometragem, contra defeitos de material e de fabrico.
7) O autor recebeu missivas com data de 18.07.2018 e 22.08.2018, declarando para os devidos efeitos a venda do veículo, respetivamente em 29.06.2018 e 22.08.2018, com vista à autorização de circulação.
8) O autor subscreveu seguro com C..., Apólice n.º ..., com início em 20.07.2018, e pagou o valor de €.471,85.
9) O Autor, nascido a .../.../1949, é uma pessoa com deficiência motora de locomoção e reside a maior parte do tempo em França, perto das filhas.
10) Por se encontrar reformado, tal como a sua esposa, costumam vir com alguma frequência a Portugal, em particular no período de férias, onde possuem casa, em ....
11) Por força das orientações médicas, ou seja, por ser importante para a saúde física e emocional do Autor usufruir do clima à beira mar, e de alguns períodos de maior tranquilidade/descanso e lazer, acabou por comprar casa em Vila do Conde, para não ter de fazer constantemente viagens para zonas balneares, com os gastos inerentes a tais deslocações.
12) O veículo de matrícula ..-VB-.. tem caixa automática, para permitir ao Autor a sua condução, pela sua dificuldade motora.
13) A aquisição do referido veículo tinha o intuito de conferir ao Autor e à esposa autonomia, permitindo as deslocações entre ... e Vila do Conde e passeios familiares, quando estivessem em Portugal.
14) O carro que o Autor possuía em França era igualmente com caixa automática.
15) No dia 10.08.2019, o veículo, quando conduzido pelo Autor, “foi a baixo”, subitamente, na faixa de rodagem e o Autor não conseguiu pô-lo de novo em movimento.
16) O autor, acionou o seu seguro e foi chamado o reboque - D... – Unipessoal Lda., tendo o veículo sido rebocado e entregue no stand/oficina da 1.ª Ré, sita em Vila do Conde, para reparação.
17) O veículo, no momento referido em 16), tinha 4329 Km.
18) A 1.ª Ré verificou a necessidade de substituir os cabos da caixa de velocidades, mas como não tinha as referidas peças em stock, teve de as encomendar e aguardar pela sua recepção.
19) Entretanto, em data não apurada mas entre 12.08.2019 e 04.10.2019, a 1.ª Ré procedeu à substituição da cablagem da caixa de velocidades.
20) O veículo foi devolvido ao Autor, em 04.10 2019, sendo que demora que se deveu ao tempo de espera de peças de substituição referidas em 18).
21) Nesse tempo, o Autor e a esposa foram várias vezes à oficina, falando com diferentes pessoas que trabalhavam para a 1ª Ré.
22) Quando recebeu o veículo, foi entregue ao Autor a Ordem de Reparação n.º ..., da qual consta “Rev 1 ano cvliente aguarda”.
23) Na mesma data foi emitida a factura n.º ..., no valor de €.70,00.
24) No mesmo período, o veículo fez a revisão do «1 ano».
25) Quando recebeu o veículo, o mesmo tinha 5227 quilómetros.
26) O Autor sempre se dirigiu às instalações da 1.ª Ré na qualidade de representante da 2.ª Ré e a reparação referida em 19) foi realizada ao abrigo da garantia, tendo a 1ª Ré definido o tipo de intervenção a efetuar e assumindo a 2ª Ré os encargos dessa intervenção, pelo que não teve qualquer custo para o Autor.
27) O Autor e sua esposa, regressaram, a França para passar o Natal em família, tendo vindo novamente para Portugal, com vista a passar a Páscoa e as férias de verão em Portugal.
28) O carro, enquanto o Autor está na França não é conduzido por ninguém, ficando estacionado na sua garagem em Vila do Conde.
29) Entretanto, no dia 10.07.2020, por volta das 19.10 horas, quando o Autor e sua esposa circulavam na viatura, entre Viana do Castelo e Ponte Lima, na A27, a viatura começou a deixar de acelerar e deixou de circular.
30) O Autor accionou o seguro e o veículo foi rebocado pela E..., Sociedade Unipessoal, Lda. para a oficina da 1.ª Ré.
31) Nas circunstâncias referidas em 29), o Autor e a esposa aguardaram no local cerca de 3 horas.
32) O veículo está parado desde 10.07.2020, na oficina da 1.ª Ré.
33) O veículo apresenta uma avaria mecânica na alavanca de selecção da caixa de velocidade e uma avaria electrónica devido à baixa tensão da bateria.
34) A avaria referida em 33) poderá ser resolvida apenas com a substituição do cabo de comando da caixa de velocidades que está danificado, como pode ser necessário proceder à substituição total da caixa de velocidades (depende dos resultados que vão sendo obtidos).
35) No momento, não foi disponibilizado, pela 1.ª Ré, um veículo de substituição com características idênticas.
36) A mandatária do Autor, em 15.07.2020, enviou e-mail para a 1.ª Ré, recebido e lido na mesma data, com o seguinte teor:
«Exma Sra. EE,
Apresento os M/ melhores cumprimentos.
Serve o presente para informar V: Exas. de que fomos incumbidos pelo N/ Cliente – AA - para o quanto segue:
O Sr. AA comprou um veículo automóvel novo, de marca ... ..., pelo preço de 24.054, 95€. o veículo encontra-se abrangido por garantia.
Sucede que o veículo apresenta defeitos - avarias mecânicas (caixa de velocidades).
No dia 10 de julho de 2020, foi solicitada assistência em viagem, para encaminhamento do veículo a Concessionára, em virtude do veículo apresentar vicios (parou em uma via pública).
Solicitado veículo de substituição em condições idênticas; sem êxito.
Assim, considerando a informação via telefone de que o defeito apresenta-se na caixa de velocidades e que a mesma está bloqueada, bem ainda, a insegurança que o mesmo transmite ao comprador (pessoa com deficiência locomotiva), vem com o presente solicitar a resolução do contrato com a devolução do preço pago e respectivos juros, bem como, o ressarcimento por todos os danos, no prazo de 5 dias seguidos, considerando que o Sr. é emigrante em França. (…)»
37) No mesmo dia, FF, funcionário da 1.ª Ré respondeu ao email referido em 37) dizendo que «Tratando-se de um assunto jurídico, o mesmo será reencaminhado para o nosso departamento jurídico».
38) Em 17.08.2020, foi enviada carta registada com aviso de recepção para a 1.ª Ré com o seguinte teor:
«Interpelação para resolução contrato e devolução de preço
Exmos. Senhores,
Apresentamos os N/ melhores cumprimentos.
Serve a presente para informar V. Exas. de que fomos incumbidos pelo N/ Cliente acima identificado, de os informar do quanto segue:
O Sr. AA comprou um veículo automóvel novo, de marca ... ..., pelo preço de 24.054,95€. o veículo encontra-se abrangido por garantia - ... de 22-08-2018.
Sucede que já no ano passado dia 10-08-2019 o veículo apresentou avaria na caixa de velocidades, de forma que teve de ser rebocado para a oficina A... em Vila do Conde.
Na ocasião, após 2 meses sem o veículo, foi alegadamente reparado o defeito.
Pois que, no dia 10-07-2020, mais uma vez por avaria na caixa de velocidades, foi o carro rebocado para a Oficina A... em Vila do Conde, onde se encontra desde então. O veículo apresenta defeitos - avarias mecânicas (caixa de velocidades).
Foi solicitado veículo de substituição em condições idênticas; sem êxito.
Considerando o exposto e a insegurança que o automóvel transmite ao comprador (pessoa com deficiência locomotiva), vimos com o presente resolver o contrato de compra e venda com a consequente devolução do preço pago, bem como respetivos juros, bem como, o ressarcimento por todos os danos, no prazo de 5 dias seguidos.
Como entendemos que a via extrajudicial é a forma mais fácil, menos dispendiosa e mais correta para a resolução deste problema, estamos ao dispor para que entre em contato com este escritório, em prazo não superior a 5 (cinco) dias a contar da receção da presente carta, apresentando forma de solucionar este processo, pelos seguintes contactos: (…)
Caso assim não proceda e embora muito nos desagrade, intentaremos a competente ação, com os inerentes gastos com advogados, agentes de execução, juros vincendos, e demais consequências legais e incómodos para V. Exas. (…)»
39) Na mesma data, por via eletrónica a mesma informação foi prestada à 2.ª Ré - B..., que na sequência respondeu por e-mail, informando que tal teria feito abrir o dossier #....
40) O Autor não autorizou qualquer orçamento/reparação do veículo e pediu a substituição do veículo por outro da mesma marca e modelo.
41) O Autor também não autorizou que a 1.ª Ré procedesse ao diagnóstico do veículo de modo a perceber a origem do problema.
42) Naquele momento, mas em data não concretamente apurada, a 1.ª Ré propôs a substituição do veículo do Autor por outro novo, com pagamento pelo Autor da diferença entre o valor comercial do veículo ..-VB-.. (sem qualquer avaria) e o preço do novo veículo ou, em alternativa, a reparação do veículo ..-VB-.. com oferta de serviço a combinar e/ou extensão de garantia.
43) A 1.ª Ré não aceitou a substituição referida em 40) e o Autor não aceitou o referido em 42).
44) Em 14.08.2020, o Autor pagou o IUC no valor de €.147,21.
45) A imobilização do veículo tal como referido em 32) causa incómodos e transtornos ao Autor.
46) E privou o Autor de se deslocar no mesmo para gozar períodos de lazer, nos momentos em que esteve em Portugal, para gozo de férias.
47) O Autor deixou de confiar na viatura.
48) No início de agosto de 2020, antes de regressar a França, o Autor deslocou-se à oficina da 1.ª Ré para levantar uns pertences que estavam no interior do seu veículo.
49) O Autor enviou à 1.ª Ré carta registada com aviso de recepção datada de 06.11.2020 da qual consta que:
«(…) Adquiri o veículo automóvel novo, de marca …, pelo preço de 24.054,956 - matrícula ..-VB-...
O mesmo apresentando defeitos foi, pela 2 vez, rebocado até a V/ Oficina.
Entretanto, considerando tal facto, e o consequente pedido de resolução de contrato com devolução de preço; não aceite, foi pedido o agendamento de dia e hora para levantamento do mesmo.
Sem resposta, sou pela presente a reiterar o pedido antes realizado via contato telefónico, de marcação de dia e hora para levantamento do veículo, pois que até o momento não foi autorizado, com vista a evitar eventual pedido de pagamento de depósito.
Aproveita ainda, para solicitar o envio de todas as Fichas/Relatórios/Ordens de Trabalhos/Diagnósticos/Intervenções relativos ao referido veículo, desde a sua aquisição até o presente.
Mais pede toda e qualquer correspondência seja remetida para o seguinte endereço Av. ..., Iº sala ..., ... Póvoa de Varzim, considerando, que me encontro em frança e que, a correspondência eventualmente remetida para o endereço fornecido quando da aquisição do veículo, não terá recetor, em prazo não superior a 5 dias. (…)».
50) Na mesma data foi enviado e-mail para a 2.ª Ré com o seguinte teor:
«(…) Serve o presente para informar V: Exas. de que fomos incumbidos pelo N/ Cliente – AA - para o quanto segue:
O Sr. AA comprou um veículo automóvel novo, de marca ... ..., matricula ..-VB-.., pelo preço de 24.054, 95€. o veículo encontra-se abrangido por garantia.
Sucede que o veículo apresenta defeitos - avarias mecânicas (caixa de velocidades).
No dia 10 de agosto 2019, e, posteriormente no dia 10 de julho de 2020, foi solicitada assistência em viagem, para encaminhamento do veículo a Concessionária, em virtude do veículo apresentar vícios, ou seja, parou em uma via pública, sem qualquer sinalização ou advertência. Na primeira vez foi feita a reparação, sendo que da 29 vez o M/constituinte não pretende a reparação do veículo.
Pediu a substituição do veículo, não foi aceite em virtude de inexistir modelo idêntico.
Pretende agora a resolução e a devolução do preço pago, considerando a informação via telefone de que o defeito se apresenta na caixa de velocidades e que a mesma está bloqueada, bem ainda, a insegurança que o mesmo transmite ao comprador (pessoa com deficiência locomotiva), Vem com o presente informar a denúncia dos defeitos operada, a qual já fora realizada, conforme e-mail abaixo. (…)»
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2.2. Factos Não Provados
Da prova produzida em audiência de julgamento não resultou provado que:
a) Para além do referido em 3), foi efetuado pelo Autor o pagamento do Imposto Único de circulação, no valor de €.145,05.
b) O referido em 15) ocorreu sem qualquer aviso prévio no placard, e o Autor contatou uma filial da 1.ª Ré, que o informou de que estando o veiculo na garantia poderia deslocar-se a qualquer filial A..., com vista à reparação do veículo.
c) Após da entrega na oficina da 1.ª Ré, referida em 16), o veículo foi efectuado um diagnóstico, a avaria foi reparada provisoriamente de modo a permitir a circulação do veículo.
d) A 1.ª Ré entregou o veículo ao Autor em 13.08.2019, informando-o da necessidade de proceder à substituição da cablagem da caixa de velocidades na revisão seguinte do veículo.
e) Durante o período de tempo que mediou entre 13.08.2019 e 04.10.2019, o veículo esteve na posse do Autor e circulava pelos próprios meios.
f) Aquando do referido em 22), GG disse ao Autor que não entregava qualquer resumo das reparações que a 1.ª Ré tinha feito porque o carro ainda estava na garantia, e por isso também não pagaria nada.
g) Nas circunstâncias referidas em 29), o Autor e a esposa deslocaram-se para casa de táxi.
h) Entre 10.07.2020 e 15.07.2020 existiram diversos contactos telefónicos entre o Autor e a 1.ª Ré.
i) Após o referido em 29) a 32) e 40) a 43) o Autor regressou a França com o estado de saúde bastante mais agravado, em virtude da situação.
j) Em ambas as hipóteses referidas em 42), antes da tomada definitiva de qualquer posição, a 1.ª Ré teria de efetuar um diagnóstico prévio e completo da eventual anomalia verificada, necessitando, por isso, da autorização do cliente e o Autor foi informado de que, não autorizando a avaliação e diagnóstico do veículo, teria de levantar o veículo na oficina da 1.ª Ré.
k) O veículo com a matrícula ..-VB-.. apresenta problema que impede a sua circulação normal e regular.
l) O estado do veículo tal como referido em 33) e 34) põe em causa a segurança do mesmo.
m) A esposa do Autor ficou com fobia, pavor, receio de entrar e circular com e no mencionado veículo.
n) As avarias referidas afectam psicologicamente o Autor e ainda o afectam na sua saúde.
o) A viatura foi adquirida com as poupanças do Autor.
p) A reparação de 2019 foi mal sucedida.
q) Por diversas vezes, foi solicitado ao Autor o levantamento do veículo, tendo o mesmo recusado fazê-lo.
r) Logo que o Autor se recusou a autorizar a sua avaliação, foi-lhe solicitado pela 1.ª Ré que levantasse o veículo.
s) Nas circunstâncias referidas em 48), o Autor mais uma vez, recusou-se a levantar o veículo, tendo, já nessa altura, sido advertido de que teria de pagar o valor diário do depósito até ao momento em que procedesse ao seu levantamento.
t) No dia 1 de Outubro de 2020, foi enviado um email ao Autor do qual consta que:
«(…) Atendendo a que V. Ex. não aceita qualquer das propostas apresentadas pela A... para a resolução do assunto ou sequer autoriza que se proceda a uma vistoria ao veículo para diagnóstico de eventuais anomalias, solicito que proceda ao levantamento do veículo que se encontra no estabelecimento de Vila do Conde até ao final da presente semana.
Se existir algum impedimento para o seu levantamento no prazo indicado, queira fazer o favor de nos contactar para combinar data e hora para o fazer.
A partir da próxima semana, nada dizendo, iremos debitar o valor diário de 30€ a título de depósito do veículo.
Uma vez mais informámos que estamos disponíveis para resolver o assunto, procedendo à reparação ou retomando o veículo pelo seu valor actual de mercado, caso se confirme a existência de anomalias no veículo, necessitando contudo que autorize o seu diagnóstico. (…)»
u) No dia 2 de Outubro de 2020, foi enviada uma carta ao Autor com o mesmo teor do email de 01.10.2020.
v) A carta referida em 49) não obteve resposta da 1.ª Ré e o email referido em 50) também não obteve resposta da 2.ª Ré.
w) A carta referida em 49) teve resposta da 1.ª Ré, que enviou carta datada de 02.12.2020 com o seguinte teor:
«(…) A A... disponibilizou-se a efetuar um diagnóstico completo e preciso da avaria verificada no seu veículo e a proceder à sua reparação total e completa sem qualquer custo para V. Ex.ª caso se confirmasse a existência de defeito ao abrigo da garantia.
No entanto, V. Ex.ª recusou dar autorização à A... para qualquer intervenção no veículo mesmo que fosse apenas para efeitos de diagnóstico, exigindo de forma infundada e irredutível a devolução do preço do veículo.
O veículo pode ser levantado em dia e hora que entender mais conveniente, bastando para o efeito que avise no dia anterior. Caso o levantamento seja efetuado por terceiro, o mesmo deve estar munido de uma declaração de autorização, sendo que a mesma deverá ser confirmada, via telefone, por si ou pela sua advogada.
Neste contexto, depois de efetuarmos diversas tentativas para resolver o assunto e de solicitarmos a V. Ex.^ o levantamento do veículo - tudo sem êxito!, em 01-10-2020, enviamos uma comunicação via email e também por correio, solicitando, mais uma vez, que procedesse ao levantamento do veículo até ao final da semana sob pena de começarmos a exigir o valor do respectivo depósito - conforme cópia do email que se junta em anexo.
Desde sempre o veículo esteve disponível para ser levantado por V. Ex.ª, razão pela qual não se compreende a intenção da S/ carta remetida.
O veículo pode ser levantado em dia e hora que entender mais conveniente, bastando para o efeito que avise no dia anterior. Caso o levantamento seja efetuado por terceiro, o mesmo deve estar munido de uma declaração de autorização, sendo que a mesma deverá ser confirmada, via telefone, por si ou pela sua advogada. (…)»
x) Logo no início de Agosto de 2020, o Autor viajou para França, onde se encontra desde então, tendo decorrido, no máximo, 20 dias desde a data da ocorrência até à data em que os Autores regressaram a França.
y) O valor diário do depósito de um veículo na 1.ª Ré é de €.30,00 por dia.
z) O veículo foi entregue ao Autor a 29.06.2018.
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O demais alegado pelo Autor e pelas Rés constitui matéria de direito, de negação ou conclusiva ou é irrelevante para a decisão (considerando nomeadamente as regras do ónus da prova).”.
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DE DIREITO.
A)
Da junção de documento em recurso.
No presente recurso o apelante vem juntar documento, para segundo o mesmo, fazer prova da cobrança de valores pelo diagnóstico da avaria e que, portanto, não foi o A. quem impossibilitou a realização do diagnóstico na viatura. Alegam que tiveram acesso ao documento pro vi ada 1.ª R. que lho facultou “agora”. Que a junção do documento se tornou necessária agora por via do julgamento da primeira instância.
Alega a 1.ª R., que tal documento teve origem em “contactos” existentes entre AA. e 1.ª R., “a fim de se tentar evitar a fase de recurso – e, nessa senda, a pedido do próprio, ter sido emitido o orçamento em questão”.
Compulsado o dito documento, o mesmo atesta que foi elaborada a 07.04.2023, ie, bem depois da prolação da sentença, que é de 20.03.2023.

Há que aferir da admissibilidade de tal documento, nesta fase processual de recurso.
Dispõe o artigo 423.º do Código de Processo Civil, o seguinte:
1- Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação
ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2- Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3- Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”.
Por sua vez, dispõe-se no artigo 425.º do Código de Processo Civil – que “depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
Existem assim três momentos para a apresentação de documentos, em primeira instância, por esta ordem:
a) Com os articulados em que se aleguem os factos que servem de fundamento da acção ou da defesa, tal como previsto nos artigos 552.º, n.º 6, e 572.º, alínea d), do Código de Processo Civil;
b) Após os articulados, mas até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, sendo nesse caso a parte apresentante condenada em multa se não provar a impossibilidade de apresentação dos documentos anteriormente;
c) E, depois, até ao encerramento da discussão (artigo 425.º do Código de Processo Civil), podem ser apresentados os documentos cuja junção não tenha sido possível até então e ainda aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

Em sede de recurso, rege o artigo 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que dispõe que “as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
Como refere ABRANTES GERALDES, In Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 242, “a junção da prova documental deve ocorrer preferencialmente na primeira instância, regime que se compreende, na medida em que os documentos visam demonstrar certos factos, antes do tribunal proceder á sua integração jurídica. A lógica imporia até que fosse ainda mais limitada a possibilidade de junção de documentos fora dos articulados, para melhor satisfação dos objetivos da celeridade”.
A junção de documentos na fase de recurso é apenas admitida excepcionalmente, compreendendo-se que seja assim porque os recursos são meios de impugnação de decisões, logo devem ser decididos com os mesmos pressupostos de facto que presidiram à decisão impugnada. Não são meios de criação de decisões sobre matéria nova.
Excepcionalmente o legislador abriu uma excepção a esta regra admitindo a junção de documentos em sede de recurso, numa de duas hipóteses:
- Superveniência do documento ou
- Necessidade do documento revelada em resultado do julgamento proferido na 1.ª instância.
Ora a factualidade que os recorrentes pretendem ver declarada como provada, que os AA. recusaram a realização de diagnóstico por parte da 1.ª R. pelo facto de lhe ser cobrado tal serviço, cronologicamente não diz respeito ´factualidade em questão.
Como bem observa a apelada, 1.ª R., a emissão documento é posterior à prolação da sentença, e por tal razão não se afigurar qual seja a necessidade de agora o juntar aos autos. Na realidade, era impossível ao Tribunal de 1.ª instância ter a possibilidade de o ponderar, dado que o mesmo é posterior ao julgamento da causa. Era manifestamente impossível a sua junção, pois o mesmo não existia. Não configura o mesmo qualquer confissão de facto.
Pelo exposto, não se admite a junção nestes autos de recurso do documento.
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B)
Nulidade da sentença por obscura, confusa, ambígua, sentido equívoco ou de difícil interpretação.
De modo sucinto e lacónico, argumenta o A.: “A sentença é ainda obscura, confusa ou de difícil interpretação, fazendo errada aplicação do direito aos factos, quando, a MM Juiz conclui estar diante de uma situação de abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.” – conclusão 86.ª.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea c) e d) do Código de Processo Civil, o seguinte:
1 - É nula a sentença quando: (…)
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;”.
Em nosso entender, o apelante não tem razão e, portanto, não se encontra verificado nenhum dos apontados vícios da decisão proferida pela primeira instância.
Vejamos.
Em sustento, ao que atrás foi exposto, vejamos o que a doutrina, pela pena de JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, 3.ª ed., pág. 734 e seguintes, em anotação ao artigo 615.º, afirmam quanto às apontadas nulidades:
Também a ininteligibilidade da parte decisória da sentença, contemplada na alínea c), quando subsista após a rejeição da arguição de nulidade, pelo juiz ou pelo tribunal de recurso, ou após a falta desta arguição (ver os arts. 615-4 e 617-1), merece a qualificação de nulidade. Com efeito, embora a ininteligibilidade, decorrente de ambiguidade ou obscuridade, tenha o tratamento da anulabilidade, carecendo da arguição da parte, a falta desta ou a sua rejeição tem o efeito de tornar definitivamente inaproveitável a sentença, por falta de decisão compreensível (LEBRE DE FREITAS, A ação declarativa cit., n.º 21.3.2. (40)). (…) No regime atual, a obscuridade ou ambiguidade, limitada à parte decisória, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236-1 CC e 238-1 CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar. Sendo assim, se o vício não for corrigido, a sentença não poderá aproveitar-se, sendo nula, nos termos gerais dos arts. 280-1 CC e 295 CC. (…)
Os casos das alíneas b) a e) do n.º 1 (excetuada a ininteligibilidade da parte decisória da sentença: ver o n.º 2 desta anotação) constituem, rigorosamente, situações de anulabilidade da sentença, e não de verdadeira nulidade.
Respeitam eles à estrutura ou aos limites da sentença. Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) (falta de fundamentação). c) (oposição entre os fundamentos e a decisão). Respeitam aos seus limites os das alíneas d) (omissão ou excesso de pronuncia) e e) (pronúncia ultra petitum). (…)
Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (ver o n.º 2 da anotação ao art. 608).”.
Não se vislumbra qual seja a obscuridade, ambiguidade, ininteligibilidade, redundância, incerteza e imprecisão – pelo menos neste momento processual - de que padeça a decisão que conheceu do mérito da causa.
É cristalina a decisão do M.ma Juíza.
Pelo exposto, improcede a arguida nulidade.
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C)
Impugnação da resposta à matéria de facto dos pontos 6, 33, 35, 41 e 42 dos factos provados, na qual o recorrente indica redacção distinta, e als. k), L), p) e v) dos factos não provados, pugnando por serem dados como provados e com outra redacção.

Argumenta o recorrente que tais factos, atrás citados deveriam ter resposta distinta.
Para tanto, argumenta com indicação de meios de prova, peritagem e testemunha BB.
Sucintamente pede que o ponto 6[3], deveria ter dado como provado que, o carro estava na garantia no momento das 2 avarias. O recorrente indica meio de prova que fundamenta a sua discordância, no documento junto com o requerimento de recurso.
Quanto ao ponto 41[4], deveria ser dado como provado que, o Autor não autorizava fosse realizado diagnóstico se lhe fosse cobrados custos pelo serviço. O recorrente indica meio de prova que fundamenta a sua discordância, no documento junto com o requerimento de recurso. Mais argumenta que foi dado como não provado o facto da alínea j[5], pois que se trata de facto que implica a comprovação do contrário (facto a provar). Que do depoimento de BB não resulta que o A. tenha proibido a realização de disgnóstico.
Os factos não provados nas alíneas k) – O veículo com a matrícula ..-VB-.. apresenta problema que impede a sua circulação normal e regular –, l) – O estado do veículo tal como referido em 33) e 34) põe em causa a segurança do mesmo –, p) – A reparação de 2019 foi mal sucedida – e v) – A carta referida em 49) não obteve resposta da 1.ª Ré e o email referido em 50) também não obteve resposta da 2.ª Ré – deveriam ser dados como provados. Que tal factualidade resulta provada em decorrência da prova pericial, devidamente conjugado com a factualidade provada em 15, 18 e 19.
O ponto de facto 33[6] deveria ter uma outra redacção, o veículo apresenta uma avaria mecânica na caixa de velocidades e uma avaria eletrónica possivelmente devido a baixa tensão da bateria. Argumenta que deveria ter resposta distinta face ao facto provado em 34.
O ponto de facto 35[7] deveria ter uma outra redacção, a 1ª Ré não facultou veículo de cortesia (substituição) ao Autor. Que em face da resposta positiva do ponto 37, deveria ter resposta distinta.
O ponto de facto 42[8] deveria ter uma outra redacção, após o envio da carta referida em 38), mas em data não concretamente apurada, a 1ª Ré, propôs a substituição do veículo Autor por outro novo, com pagamento pelo Autor da diferença entre o valor comercial do veículo ..-VB-.. (sem qualquer avaria) e o preço do novo veículo ou, em alternativa, a reparação do veículo ..-VB-.. com oferta de serviço a combinar e/ou extensão de garantia. Argumenta que tal decorre da resposta aos pontos 38 dos factos provados.
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Como vimos são as conclusões do requerimento de recurso quem fixa o objecto do recurso.
Vejamos.
Dispõe o artigo 640.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, com a epígrafe, “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)“.
A Doutrina tem vindo a expor, de modo repetido e claro, quais os requisitos que o recurso de apelação, na sua vertente de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, terá de preencher para que possa ocorrer uma nova decisão de matéria de facto.
Nesta sede, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5.ª Ed., em anotação à norma supratranscrita importa reter o seguinte.
a) Em primeiro lugar, deve o recorrente obrigatoriamente indicar “os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões”;
b) Em segundo lugar, tem o recorrente que indicar “os concretos meios probatórios” constantes dos autos que impõe sobre aqueles factos (alínea a)) decisão distinta da recorrida;
c) Em terceiro lugar, em caso de prova gravada, terá de fazer expressa menção das passagens da gravação relevantes;
d) Por fim, recai o ónus sobre o recorrente de indicar a decisão que, no seu entender, deveria ter sido proferida sobre as questões de factos impugnadas (alínea a)).
Com a imposição destes requisitos o legislador faz recair sobre o recorrente o ónus de alegação, de modo reforçado, para que a instância de recurso não se torne aleatória e imprevista, ie, que os recursos possam ter natureza genérica e inconsequente (neste sentido o autor citado, in ob. cit., pág. 166).
Assim, será caso de rejeição total ou parcial do recurso da impugnação da decisão da matéria de facto, nos seguintes casos:
a) Ocorrer a falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto – artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.
b) Ocorrer a falta de indicação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados – artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
c) Ocorrer a falta de indicação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes dos autos, designadamente, documentos, relatórios periciais, ou registados, designadamente, depoimentos antecipadamente prestados, ou nele gravados, com expressa indicação das passagens da gravação que funda diversa decisão.
d) E por fim, ocorrer a falta de indicação expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido por cada segmento da impugnação.
Como refere, ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in ob. cit, 5.ª Ed., pág. 169, em anotação ao artigo supratranscrito, a apreciação rigorosa destes requisitos deve ocorrer sempre, pois só assim se dá efectiva validade ao princípio da auto-responsabilidade das partes. Com efeito, são as partes e não o Tribunal que fixam o objecto do recurso através das conclusões. O Tribunal de 2.ª instância deste modo poderá proceder a um verdadeiro novo julgamento da matéria de facto, tendo como baliza a fixação do tema a decidir, os concretos pontos de facto.

Mais, é de atender ao decidido pelo recente Ac do Supremo Tribunal de Justiça de UJ de 14.11.2023, n.º 12/2023, do qual consta: “Nos termos do art. 640.º/1/c, do CPCivil, o recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões do recurso a decisão alternativa pretendida, desde que essa indicação seja feita nas respetivas alegações “. Na fundamentação do citado Ac. pode-se ler:
Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.
O recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto, cumpre o ónus constante do n.º 1, c), do artigo 640, se a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, constar das conclusões, mas também da leitura articulada destas últimas com a motivação do vertido na globalidade das alegações, e mesmo na sequência do aludido, apenas do corpo das alegações, desde que do modo realizado, não se suscitem quaisquer dúvidas.”.
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Ponderando e apreciando a instância de recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, o recorrente, indica claramente o sentido que pugna por ver alterado por este Tribunal da Relação do Porto.
De igual modo, indica, ainda que de modo superficial, qual o meio de prova que sustenta a alteração peticionada dos factos – prova documental e testemunhal.
Pelo exposto o recorrente, nesta parte, preenche os apontados requisitos, pelo que se impõe o seu conhecimento.

Passemos então a apreciar a impugnação da decisão da matéria de facto.
Em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, a Relação tem, efectivamente, poderes de reapreciação da matéria de facto, procedendo a julgamento sobre a factualidade, assim garantindo um verdadeiro duplo grau de jurisdição.
Quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal, tal matéria encontra-se regulada no artigo 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “modificabilidade da decisão de facto”, que preceitua no seu n.º 1 que “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em 1.ª instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC, em ordem a verificar a ocorrência do invocado erro de julgamento.
Não se ignora o papel relevante da imediação na formação da convicção do julgador e que essa imediação está mais presente no tribunal da 1.ª instância. Todavia, ainda assim, o resultado dessa imediação deve ser objetivado em argumento probatório, suscetível de discussão racional, além do mais, para evitar os riscos da arbitrariedade“, in Ac. Supremo Tribunal de Justiça, 62/09.5TBLGS.E1.S1, de 02.11.2017, relatado pelo Cons. TOMÉ GOMES, in dgsi.pt.

A primeira instância fundamentou do seguinte modo:
No que concerne à prova documental foram valorados a proposta de compra de 12.04.2018, os cheques de 16.04.2018 e 20.07.2018, a declaração aduaneira de veículo, a autorização de circulação de 18.07.2018 e de 22.08.2018, a factura de 20.07.2018, o certificado de matrícula, apólice de seguro, informação de seguro, factura de 22.08.2018, documento francês que confere prioridade ao Autor válido até 02.11.2016 por incapacidade/deficiência, documento da Peugeot em francês, declarações de assistência em viagem de 17.07.2020 relativas aos dias 10.08.2019 e 10.07.2020, guia de transporte n.º ..., ordem de reparação de 04.10.2019, factura de 04.10.2019, registo de reboque folha n.º ..., comprovativo de pagamento do IUC de 17.08.2020 e de 30.06.2021, documento médico de 25.11.2020, emails, cartas, documento médico relativo a hospitalização do Autor em 20.10.2020, print do sistema da 2.ª Ré, factura interna garantia da 1.ª Ré, condições gerias das garantias dos veículos ..., o cartão de visita de GG e o email da 1.ª Ré remetido em 04.01.2023 (com documento que comprova a entrada do veículo do Autor em 12.08.2019 e print das intervenções no veículo).
Conjuntamente com a prova documental foi valorada a prova pericial realizada nos autos pelos três peritos nomeados, cujo relatório pericial foi junto em 12.09.2022 e que se conjugou com os esclarecimentos prestados por escrito e juntos aos autos em 20.10.2022 e bem ainda com os esclarecimentos prestados na audiência de julgamento. (…)
O facto provado em 6) decorre dos respectivos articulados nos termos do disposto no art. 574.º, n.º 2 do Código Civil, pois as Rés não impugnaram tal facto. (…)
No que concerne aos factos provados em 33) e 34) resultam os mesmos do relatório pericial colegial elaborado, e dos esclarecimentos escritos e prestados em audiência pelos Srs. peritos. Relativamente à prova pericial, de acordo com o art. 389.º do Código Civil, a força probatória da resposta aos quesitos é livremente fixada pelo tribunal. Todavia, nada nos leva a afastar do relatório elaborado que é colegial e unânime. Com efeito, os Srs. Peritos constataram e explicaram fundadamente, e por isso aderimos integralmente às suas conclusões, que o veículo tem problemas que constam no histórico que se prendem essencialmente com o facto de o mesmo se encontrar parado há muito tempo e sem bateria, e que por isso nem relevamos (conforme quadro que consta do ponto 1.2. do relatório e que explicaram a diferença entre uns e outros) e também que tem, actualmente, uma avaria num cabo mecânico que liga a alavanca das velocidades à caixa. Explicaram ainda que só depois de tal cabo ser substituído é que se poderá saber se esse é o único problema, ou se, aparecerão mais problemas, o que poderia levar à necessidade de substituir toda a caixa de velocidades. Deste modo, considerando a prova pericial unanime, demos como provados estes factos com as explicações e esclarecimentos que resultam do próprio relatório.
Quanto ao facto provado em 35) – e note-se que interpretamos este facto como sendo um veículo de substituição no momento da avaria, como se de um veículo de cortesia se tratasse e não da substituição definitiva (a que aludiremos infra em 37)) - resulta da posição do Autor e da 1.ª Ré tal como decorre dos articulados, em conjugação com o depoimento de BB, que disse ter solicitado carro de substituição com caixa automática e que a 1.ª Ré lhes disse que não tinham carros com caixa automática, sendo que este depoimento também não foi infirmado por outros elementos de prova e, por isso, demos tal facto como provado.
Relativamente aos factos provados em 36) a 39), 49) e 50) valorou-se o teor dos documentos juntos, sendo que o envio e a recepção dos mesmos não foi posta em causa pelas partes e por isso, demos tal factualidade como provada, por serem os mesmos meio de prova bastante de tal matéria.
Os factos provados em 40) e 41) resultam dos articulados, sendo que foi o próprio Autor que alegou tal factualidade referida em 40), aceite pela 1.ª Ré e que resultou evidente da prova testemunhal produzida, que não autorizou a reparação e pediu, por carta, logo cinco dias após a avaria, a substituição do veículo. Já o facto provado em 41) resultou dos depoimentos de EE, HH e FF, que disseram todos de forma espontânea e coerente entre si que os clientes não autorizaram o diagnóstico do carro, sendo que HH disse mesmo que as instruções era «não mexer». Conjuntamente valoraram-se as cartas/emails elaboradas pela Ré e datadas de 01.10.2020 e 02.10.2020 (é certo que não se provou que tivessem sido recepcionadas pelo Autor por se tratar de cartas simples), mas também a carta de 02.12.2020 dirigida para o escritório da Mandatária do Autor, e que também não se comprova que tenha sido recebida porque a ter sido enviada, foi por via postal simples (sem prejuízo de fazermos uma breve nota para a estranheza de o Autor alegadamente não ter recebido qualquer das cartas ou emails da 1.ª Ré, mas de ter havido comunicações que nem se percebe quais foram, pois das cartas que enviou vê-se que foi pedida a substituição de veículo, o que não foi aceite, mas sem que haja uma única correspondência que comprove isso mesmo). Por sua vez, BB disse que a 1.ª Ré se quisesse podia o diagnóstico, mas que o Autor não pagava. Contudo, o seu depoimento não foi corroborado por qualquer outro elemento de prova e saiu até infirmado pelos demais depoimentos, a que acresce o teor das cartas/emails enviadas pela Mandatária do Autor, cinco dias volvidos, a pedir a substituição do carro e de onde não resulta, de forma evidente, que permitia a realização do diagnóstico do problema e com a posição do Autor até ao final da audiência de julgamento (e não se diga que pedir fichas/relatórios/diagnósticos… desde a aquisição, significa que autorizou a realização do dito diagnóstico após 10.07.2020).Acresce que os depoimentos das testemunhas EE, HH e FF, para além de não terem sido infirmados por outros meios de prova, são também congruentes com o desenrolar dos factos, pois não faz sentido, nem é conforme com as regras da experiencia e da normalidade comuns, que o Autor tivesse autorizado o diagnóstico e que a Ré não o tivesse feito, deixando o veículo ficar parado na sua oficina, de mais a mais, quando fez uma proposta de substituição do veículo do Autor por um outro ou a sua reparação, o que sempre implicava que pretenderia saber a gravidade ou extensão do problema. Note-se com efeito, que apesar de ter sido realizada a perícia, não é possível saber, com segurança, qual o problema que o veículo apresenta, pois como resultou do relatório pericial e dos esclarecimentos é que o veículo necessita que seja substituído um cabo mecânico que faz a ligação entre a alavanca das velocidades e a caixa de velocidades. Depois de substituído esse cabo, não se sabe. Não se sabe se o veículo ficaria a circular ou se haverá outra ou outras avarias. Ou seja, ainda agora não é possível saber qual o(s) problema(s) concreto(s) de que o veículo padece, não tendo o Autor pedido ou permitido a mudança de tal cabo. Assim, conjugando os referidos elementos de prova produzidos, nomeadamente os depoimentos das testemunhas EE, HH e FF, com a postura do Autor, no processo e sendo que tais depoimentos que não foram infirmados por outros elementos de prova sólidos (pois apenas BB se limitou a aludir a tal questão, mas fê-lo de forma leve e pouco esclarecedora, pois disse se quisesse fazer o diagnóstico que fizesse, mas eu não pagava…) demos tal facto como provado.
O facto provado em 42) resulta dos articulados, nomeadamente da posição assumida pelo Autor e pela 1.ª Ré, sendo que na medida do que foi dado como provado, há acordo das partes. Relevou-se ainda o depoimento de BB que confirmou que a 1.ª Ré apresentou tais propostas. Também da posição vertida nos articulados do Autor e da 1.ª Ré resultou como provada a factualidade referida em 43). (…)
Os factos não provados em i), m) e n) ficaram a dever-se à ausência de prova consistente e sólida do mesmo, porquanto o relatório médico junto não permite estabelecer qualquer agravamento do estado de saúde do Autor, a que acresce que nem permite sequer apurar qualquer nexo entre esse dito agravamento e o sucedido. Por outro lado, o depoimento de BB não é meio de prova bastante de tal factualidade, considerando até a descrição que a própria fez do estado de saúde do Autor, o tipo de problema e a data de inicio dos mesmos. Acresce que não é conforme com as regras da experiência comum que a avaria, duas vezes, de um veículo cause pavor de entrar e circular no mesmo, sendo que a própria também não relatou tal factualidade. Assim, não se fez prova consistente desse facto e por isso, o mesmo foi dado como não provado.
No que concerne aos factos não provados em k) e l) valoramos o teor do relatório pericial e respectivos esclarecimentos dos Srs. peritos. Com efeito, como exposto supra, não se sabe, volvidos mais de dois anos e meio qual o verdadeiro e efectivo problema que a caixa de velocidades do veículo apresenta. Apenas se apurou que é necessário substituir uma peça /cabo de comando da caixa de velocidades que está danificado, e depois dependendo dos resultados obtidos poderá não ser necessário mais nada, como poderá ser necessário substituir mais uma ou várias peças ou no limite poderá ser necessário proceder à substituição total da caixa de velocidades (depende dos resultados que vão sendo obtidos). Deste modo, não há prova consistente e sólida de que se trate de um problema que impeça o veículo de circular e que ponha em causa o mesmo.
Também o referido em p) não viu produzida prova segura do mesmo. Com efeito, apesar de as duas avarias terem ocorrido na caixa de velocidade, a primeira era relativa, foi feita, na cablagem (parte eléctrica), nada tendo a ver com o cabo que tem de ser substituído neste momento (avaria mecânica), e por isso, não há qualquer prova desta factualidade e por isso foi dada como não provada.
Quanto aos factos não provados em q) a s), o tribunal não viu produzida prova consistente e sólida dos mesmos, sendo que em concreto quanto ao referido em s), a própria EE negou ter feiro tal comunicação e nenhuma outra prova se fez acerca de tal data.
Relativamente aos factos não provados em t), u) e w), o Tribunal não viu produzida prova segura dos mesmos. Que as cartas foram emitidas, não temos dúvidas porque estão juntas, todavia, nenhuma prova se fez do seu envio ao Autor, a que acresce o erro no email para o qual foram enviadas as comunicações (como resulta dos emails juntos com a réplica) e considerando a ausência de prova do envio, foi esta matéria dada como não provada.
O facto não provado em v) ficou a dever-se à total ausência de prova. E também os factos não provados em x) e y) se ficaram a dever à ausência de prova sólida e consistente dos mesmos, razão pela qual foram dados como não provados. No que ao valor referido em y) concerne, acresce ainda não foi junto qualquer documento. (…)“.

I) Quanto ao ponto 6 dos factos provados, face à decisão de não admissão do documento neste fase processual, recurso, cai por terra a sustentação da argumentação aqui trazida.
De igual modo, a consideração dos diversos meios de prova, não permite resposta distinta ou diversa. Aqui não podemos deixar de acompanhar o fundamento da decisão da 1ª instância, e que aqui, de novo, damos por reproduzido.

II) Relativamente aos demais pontos de facto impõe-se previamente um considerando.
Quando o recorrente argumenta que certa factualidade tem que ser dada como provada ou não provada em decorrência certa factualidade que foi dada como provada ou não, sdr, estar-se-á no âmbito de um “ataque” à decisão por contradição entre os factos provados ou entre estes e os não provados. Assim, não é caso de nulidade da sentença ao abrigo do disposto no artigo 615.º do Código de Processo Civil. Não ocorre qualquer vício formal que inquine a decisão proferida. Na realidade, estamos perante a invocação de erro de julgamento de facto, situação que tem enquadramento na previsão do artigo 662.º do Código de Processo Civil.

Prosseguindo, quanto ao ponto 41 dos factos provados, a resposta deverá manter-se, dado o manancial dos depoimentos das testemunhas, incluindo a mulher do A.. De modo consistente, coerente e espontânea, a prova testemunhal, EE, HH e FF afirmaram tal realidade. A prova testemunha, indicada, vem corroborada pela prova documental, tal como acertadamente vem referido na decisão em crise.
A apontada falta de credibilidade do depoimento de BB, mulher do A., é na nossa apreciação acertada. Na realidade esta testemunha apresenta um relato impreciso, muito “agarrado” a uma versão factual, sendo significativo o modo como o seu depoimento foi prestado.
Assim, de modo correcto, a M.ma Juíza, atribuiu mais credibilidade ao depoimento das mencionadas testemunhas, em detrimento da testemunha BB.
De igual modo, a apontada incongruência ou contradição entre o facto provado em 41 – não autorização do A. a proceder ao diagnóstico – e a alínea j) dos factos não provados, não se encontra verificada, ie, não há contradição entre as respostas (positiva e negativa). Está o Tribunal perante duas realidades: o facto provado do A. não ter autorizado a realização da operação de diagnóstico; com a realidade de troca de correspondência na qual se menciona a mesma realidade (a de que era sempre precisa a autorização do A. para o diagnóstico). Mas a factualidade dada como não provada., tal como vem expressamente mencionada pela M.ma Juíza em nada contende uma com a outra ou que são conflituantes.
Improcede assim a pretensão.

Pugna o recorrente que as alíneas k), l), p) e v) deveriam ter obtido resposta positiva. Argumenta que tal decorre da prova pericial – as avarias que a viatura apresenta impedem a sua circulação e, portanto, o seu uso normal.
A fim de evitar redundâncias de argumentação, este Tribunal chega à mesma conclusão que a 1ª instância quanto à resposta a esta factualidade. Sem que que se realize o discutido diagnóstico não é possível determinar e determinar e saber qual a avaria de que padece a viatura. É certo que é preciso substituir um cabo do comando da caixa de velocidades. Mas para aferir e determinar definitivamente qual o problema é necessário mais intervenção na viatura, que carece de consentimento do A., que não o dá. Sem tal reparação/substituição e diagnóstico é que a viatura é passível de ser “declarada” reparada, bem ou mal. E certamente, é possível chegar à conclusão, pugnada pelo recorrente, se tal avaria impede a circulação da viatura. Ora, é precisamente este o percurso lógico dedutivo que é apresentado pelo laudo pericial e bem como dos esclarecimentos que os srs. Peritos prestaram em audiência de julgamento.
Já quanto ao argumento que esta factualidade teria que ser dada como provada, em face de resposta aos pontos 15, 18 e 19 – ocorrência das avarias e a deslocação da viatura para as instalações da 1ª R. e aí permanecendo parada – não é por si só suficiente para que se declare que as avarias impedem a circulação e que a sua reparação não é possível. Certamente, não será esta a linha de argumentação do A. se o carro tem uma avaria e não deixa que se proceda à sua reparação, pretende ver declarado provado que a viatura não pode circular …
Vai assim desatendida a pretensão.

A pugnada alteração à resposta ao ponto 33, qual a natureza da avaria, mecânica ou eléctrica, face à resposta ao ponto 34 deveria ter uma diferente resposta. Novamente aqui, trazemos à colação a fundamentação da M.ma Juíza. Em primeiro lugar, o laudo pericial e esclarecimentos prestados pelos sra Peritos é bastante esclarecedor pelo acerto da resposta dada.
Improcede assim a pretensão.

Relativamente ao ponto 35 dos factos provados, a razão de ser da resposta dada, está perfeitamente explanada e descrita na decisão da primeira instância. E a explicação é que a 1ª R. não tinha viatura de substituição com caixa automática. Que os meios de prova em que se sustentou tal resposta não foram impugnados pelo recorrente. Assinala o recorrente que em face da resposta do ponto 37 (No mesmo dia, FF, funcionário da 1.ª Ré respondeu ao email referido em 37) dizendo que «Tratando-se de um assunto jurídico, o mesmo será reencaminhado para o nosso departamento jurídico».) deveria ter sido respondido que foi facultado o veículo. Deste facto, não pode resultar provada a versão que o recorrente pretende ver declarada. Um não significa a ocorrência do outro.
Improcede a pretensão.

Por fim, quanto ao ponto 42, usando a mesma lógica recursiva, alega que a resposta ao ponto 38, decorre a apontada e pugnada alteração.
Uma vez mais sem sucesso. A 1ª instância deu o facto provado com fundamento no acordo das partes. Não foi posto em causa pelo recorrente que a confissão acarrete este resultado.
Não vai assim, satisfeita a pretensão do recorrente.
**
*
D)
Em caso de procedência do recurso da matéria de facto a alteração da decisão de direito. E apreciação do fundamento do abuso de direito para a não procedência do pedido do A..
Em primeiro lugar a menção que se faz na sentença, segundo parágrafo da pág 27 (versão electrónica, pdf) claramente que se trata de manifesto lapso.
O mesmo é perfeitamente perceptível da leitura clara e atenta da decisão.
Assim, nada a apontar ou a retirar consequência de tal lapso.

O recorrente põe em causa o fundamento que levou à improcedência da sua pretensão, o abuso de direito.
Argumenta “que a não atribuição ao Recorrente do seu direito ficou a dever-se a um comportamento abusivo do autor, sem considerar a atuação abusiva da 1ª ré ao exigir um diagnóstico pago, quando o veículo estava na garantia, violando os seus deveres contratuais, como efetivamente resulta provado.” (conclusão 84ª).
Que “O recorrente sempre agiu com verdade e boa fé, não excedeu os limites impostos pelos bons costumes, pela ordem pública e pelo fim social ou económico do direito em causa, mas, no legitimo exercício dos seus direitos.”, (conclusão 85ª).
Vejamos.
O abuso de direito tem lugar quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito – artigo 334.º do Código Civil.
O abuso de direito, pressupondo a existência de um direito subjectivo, existe quando o seu titular exorbita dos fins próprios desse direito ou do contexto em que é exercido. Mas, esse excesso há-de ser claro e manifesto, clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, no dizer de Vaz Serra, sem se exigir, todavia, a consciência de se estarem a exceder os limites do direito, dado ter sido adoptada pelo Código Civil uma concepção objectivista do abuso de direito. O abuso de direito existe quando o direito é exercido fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e com o fim de causar dano a outrem [É este o ensinamento que se colhe, entre outros dos Acs. S.T.J., de 98/11/12 e 00/05/10, in B.M.J., 497º-343 e C.J., VI-3º, 110 (S.T.J.)].
A teoria do abuso de direito, na formulação adoptada pela nossa lei, apresenta-se como um verdadeiro limite intrínseco do exercício dos direitos subjectivos ou, nas palavras de MANUEL ANDRADE [in R.L.J., Ano 87º, pág. 307], serve como válvula de segurança para os casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação das normas legais obstando a injustiças clamorosas que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado.
É que todas as relações jurídicas entre as pessoas implicam um princípio de confiança e de auto-vinculação, criando expectativas futuras. E é precisamente esta confiança vinculativa que proíbe que alguém exerça o seu direito em manifesta oposição a uma tomada de posição anterior em que a outra parte acreditou e aceitou. Mas esta situação de confiança tem de radicar num comportamento que de facto possa ser entendido como uma tomada de posição vinculante em relação a uma dada situação futura [cfr. BAPTISTA MACHADO, in R.L.J., Ano 117º, pág. 321 e segs].
Como é referido no citado aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2010 (ALVES VELHO), “O instituto do abuso de direito, como princípio geral moderador dominante na globalidade do sistema jurídico, apresenta-se como verdadeira «válvula de segurança» vocacionada para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, de tal forma que se reveste, ele mesmo, de uma forma de antijuridicidade cujas consequências devem ser as mesmas de qualquer acto ilícito.
Quando tal sucede, isto é, quando o direito que se exerce não passa de uma aparência de direito, desligado da satisfação dos interesses de que é instrumento, e se traduz «na negação de interesses sensíveis de outrem» (COUTINHO DE ABREU, “Do Abuso de Direito”, pp. 43), então haverá que afastar as normas que formalmente concedem ou legitimam o poder exercido. (…)
Importa, pois, determinar se os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes saem ofendidos, designadamente de forma clamorosa, face às concepções ético-jurídicas dominantes, pois que é no âmbito da conduta tida por contrária à boa fé que há-de emergir o “venire”.
A boa fé, como princípio normativo de actuação – que é o conceito em que aqui releva (art. 762º-2 CCiv.) -, encerra o entendimento de que as pessoas devem ter um comportamento honesto, leal, diligente, zeloso, tudo em termos de não frustrar o fim prosseguido pelo contrato e defraudar os legítimos interesses ou expectativa da outra parte.””.

2. Uma primeira prevenção: para que estejamos perante abuso de direi-to, ponto é que o agente tenha algum direito; se se tratar de uma conduta a que não subjaz qualquer direito, ela poderá ser ilícita, mas não abusiva no exercício de um direito.
Por outro lado, o preceito não se aplica apenas a direitos subjetivos pro-prio sunsu: nele se incluem posições jurídicas ativas, como faculdades, poderes, liberdades (incluindo a liberdade contratual consagrada no art. 405.º). (…)
4. Dos limites ao exercício de um direito subjetivo destaca-se, em primeiro (e importante) lugar, a boa fé, cláusula geral que o CC refere com alguma frequência e que, se, nos primeiros tempos após a entrada em vigor do diploma, foi pouco utilizada (quando não praticamente ignorada pela jurisprudência), é hoje objeto de estudos doutrinários e não raro invocada pelos tribunais.
A paradoxal aparente descrença do legislador nesta noção - ou a convicção, como era frequente ao tempo, de que abuso do direito apenas tinha oportunidade de invocação a propósito da propriedade - levou a que, no n.º 2 do art. 762.º, se repita que o exercício do direito de crédito deve conformar-se com a boa fé.
5. Os bons costumes constituem a segunda limitação ao exercício de um direito: estamos perante uma cláusula geral de direito privado que remete para princípios morais sociais (que não, longe disso, necessariamente sexuais, religiosos ou ético-individuais) que devem regular o comportamento das pessoas honestas em todos os seus aspetos, incluindo, mas não restringindo, os económicos.
6. Outra importante limitação ao exercício de um direito subjetivo é o fim social ou económico do direito. E fácil compreender que assim seja: se o direito objetivo (hoc sensu) é sinteticamente um poder jurídico para realizar um interesse, está-se fora do domínio de permissão jurídica sempre que o interesse tutelado pelo direito não é aquele que é prosseguido pelo seu titular. Não significa isto necessariamente que cada direito tenha uma só finalidade, escopo ou razão de ser, mas que a permissão jurídicas tem objetivos que, defraudados, não se contêm nela. A violação desse fim, como qualquer outra situação de abuso, resulta em regra dos efeitos do exercício e não dele próprio em abstrato. Pode-se, naturalmente, formular esta ideia dizendo que a norma jurídica que confere o direito leva, na sua interpretação, ao recorte de poder (ou liberdade) que atribui ao respetivo titular.”, in Código Civil Anotado, 2ª ed., Coord. ANA PRATA, anotação ao artigo 334.º, pág. 441, 442.

Ora, da factualidade dada como provada, resulta ter o A. um comportamento/acção que claramente se integra no apontado instituto legal do abuso de direito.
O A. adquiriu a viatura em Junho de 2018, em estado de novo, com as características, por si escolhidas.
Que em Agosto do seguinte ano, 2019, o carro apresentou uma avaria, tendo sido reparado na oficina da 1ª R., substituição da cablagem da caixa de velocidades, dentro da garantia.
Que em Julho de 2020 o carro avariou novamente, levado para a oficina da 1ª R., este nunca mais circulou, nem foi reparado. Que se trata de uma outra avaria, distinta da primeira.
Desde tal data, entrada na oficina da 1ª R., o A. não autorizou a realização da operação de diagnóstico e reparação. Manifestou o A. a pretensão da substituição do veículo por outro da mesma marca e modelo.
Em singelo é esta a factualidade que no entender da primeira instância improcede a pretensão do A. e da qual o recorrente discorda.
A primeira instância decidiu fundamentando do seguinte modo:
A questão que se põe é que o Autor, cinco dias após o veículo ter deixado de circular na A27 e de ter sido levado para as instalações da oficina da 1.ª Ré, de reboque, comunicou a sua vontade de resolver o contrato celebrado e não permitiu que a 1.ª Ré não procedesse ao diagnóstico do veículo de modo a perceber a origem do problema. Não permitiu à data, nem actualmente, pois continua-se sem saber qual a verdadeira dimensão do problema e a razão para o veículo não circular desde 10.07.2020. É certo que se sabe que para poder circular, sempre terá de ser substituído o cabo de comando que está danificado. Mas não se sabe se é apenas esse o problema ou se há outros problemas mais graves que impossibilitem a circulação do veículo. E não se sabe porque o Autor não permitiu o diagnóstico. Ou seja, não se sabe se se trata de reparação de um cabo que custa €.200,00 a €.500,00 ou se é uma reparação de diversos milhares de euros. Acresce ainda que o Autor, para além de não ter permitido o diagnóstico, também não aceitou nenhuma das propostas que a 1.ª Ré, naquela data apresentou, conforme provado em 42), ou seja, a 1.ª Ré propôs a substituição do veículo do Autor por outro novo, com pagamento pelo Autor da diferença entre o valor comercial do veículo ..-VB-.. (sem qualquer avaria) e o preço do novo veículo ou, em alternativa, a reparação do veículo ..-VB-.. com oferta de serviço a combinar e/ou extensão de garantia. (…)
Considerando isto, entendemos, tal como é propugnado pela Ré, que o Autor ao comunicar a resolução do contrato de compra e venda, cinco dias após o veículo ter ficado imobilizado, sem permitir o diagnóstico e sem aceitar qualquer das propostas da Ré, actua em abuso do direito. Não só porque não permitindo o diagnóstico também impede a 1.ª Ré de saber o que efectivamente sucedeu com o veículo, nomeadamente a causa concreta e efectiva pela qual o veículo não circula e pela qual é necessário substituir o aludido cabo que liga a alavanca das velocidades à caixa. Mas também porque a 1.ª Ré fez propostas para a resolução do dissenso e não aceitou qualquer delas. (…)
Acresce mesmo que com os factos que se provaram não se pode considerar sem mais que o veículo é um veículo que a 1.ª Ré vendeu ao Autor era desconforme com o contrato por não apresentar a qualidade e o desempenho habituais de um carro, e por não possuir as características usuais e normais de um veículo automóvel, impossibilitando a sua utilização normal. A avaria, o danificar de um componente que poderá ser substituído, só por si, não permite concluir nesse sentido.
Consequentemente, considerando todos os factos provados, temos de entender que o email enviado pelo Autor à 1.ª Ré, em 15.07.2020, nos moldes em que foi realizada, não foi devidamente fundada, e por isso a comunicação da resolução pelo Autor à 1.ª Ré, nos termos em que foi feita, constitui um abuso do direito e por isso, não é admissível, tudo nos termos do art. 4.º, n.º 5 do Decreto-lei n.º 67/2003 e art. 334.º e ss. do Código Civil. “.

De modo acertado a M.ma Juíza aplicou, e bem, o apontado instituto jurídico do abuso de direito. Os factos atinentes à conduta do A., revelam comportamento antijurídico ou antiético que pode e é configurável, nos termos da Lei supracitada, como um exercício abusivo do direito de exercer este direito.
O exercício do direito à resolução do contrato nos termos por si apresentados e exercidos comporta a inexistência de fundamento para a resolução do contrato – artigo 4.º, n.º 5 do Decreto-Lei n.º 67/2003.

Como nota final, entendeu a primeira instância que a formulação dos pedidos alternativos é inadmissível, por não permitida por lei. Como se constata das conclusões, o recorrente contra este segmento da decisão limita-se a afirmar “Caso entendesse não ter direito à resolução, ainda assim, poderia ter julgado o pedido de substituição do veículo realizado e demais pedidos indemnizatórios. Também não o fez sob a alegação de que tal não o poderia ser feito contra a 2ª Ré. Contudo poderia julga-lo procedente contra a 1ª Ré e improcedente contra a 2ª Ré. “(conclusão 105ª).
Neste aspecto concordamos com o afirmado pela 1ª instância: “Acresce que o Autor escolheu a resolução, que é um dos direitos conferidos pela Lei, e para tanto demandou a 1.ª Ré mas, o referido regime legal não permite, em alternativa condenar as Rés – a vendedora e a produtora – no pagamento da indemnização que pede e, por isso, improcede tal pedido alternativo. Ou seja, nem há alternativa entre o pedido de resolução e o pedido de indemnização nos termos em que foi formulado, nem há alternativa entre demandar a 1.ª Ré (vendedora) ou demandar ambas pedindo uma indemnização.”.
Não há que dissentir do decidido. Na realidade, dada a formulação dos pedidos, efectivamente não existe alternatividade entre pedido de resolução e o da indemnização.
Por outro lado, quanto ao pedido subsidiário de substituição do veículo de viatura nova, formulado contra ambas as RR., também aqui o recorrente não obtém vencimento.
Quer o A. a mesma condenação de ambas as RR., viatura nova. Mas como afirmado na sentença, é pressuposto de tal que ocorra uma desconformidade da viatura, para o A. tivesse direito a exercer os direitos do artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003 – “o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato”.
Já relativamente à 2ª R., teria que estar demonstrado que a coisa é defeituosa. A factualidade dada como provada não permite que se possa qualificar a viatura como defeituosa. “Sem prejuízo dos direitos que lhe assistem perante o vendedor, o consumidor que tenha adquirido coisa defeituosa pode optar por exigir do produtor a sua reparação ou substituição, salvo se manifestar impossível ou desproporcionado tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de a solução alternativa ser concretizada sem grave inconveniente para o consumidor.” – artigo 6.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003.
A factualidade alegada manifestamente não permite que se possa assacar responsabilidade – procedência do pedido – quanto à 2ª R..
Por tudo o exposto, improcede o recurso.
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III DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo A. (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
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Porto, 19 de Janeiro de 2024
Alberto Taveira
Márcia Portela
Lina Castro Baptista