Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4907/22.6T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Nº do Documento: RP202501134907/22.6T8VNG.P1
Data do Acordão: 01/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não só o princípio do inquisitório não visa suprir o ónus de alegação e indicação tempestiva dos meios probatórios tidos por pertinentes pelas partes para prova dos factos que lhes incumbe provar de acordo com as regras dos ónus de alegação e prova, como sempre está o mesmo limitado pelo que é o objeto do processo e assim pelo interesse que para o mérito dos autos poderá resultar da realização oficiosa de diligências probatórias.
II - A violação do disposto no artigo 640º nº 1 als. b) e c) e nº 2 al. a) do CPC ambos, impõe, sem mais, a rejeição da reapreciação da decisão de facto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 4907/22.6T8VNG.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunto – Jorge Martins Ribeiro

Adjunto – Miguel Baldaia Morais

Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca do Porto – Jz. Local Cível de Vila Nova de Gaia

Apelantes (AA)/ AA

Apelados (RR)/ BB e outros

Sumário (artigo 663º n.º 7 do CPC).

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

AA, na qualidade de CC da herança indivisa aberta por óbito de seus pais, instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, peticionando pela procedência da ação que seja declarada extinta por desnecessidade a servidão que descreveu na petição e que onera o seu prédio a favor do terreno da ré.

Contestou a R., excecionando a ilegitimidade ativa da A. (por desacompanhada dos demais herdeiros), bem como a sua ilegitimidade passiva, por em causa estar prédio pertença da R. e seus filhos, na sequência de partilha efetuada nos autos de inventário que identificou.

No mais impugnou o alegado, nomeadamente afirmando não pertencer o caminho em questão ao prédio da autora. Sendo ainda o mesmo necessário para aceder ao prédio da R..

Termos em que concluiu:

“a) deve ser julgada procedente a exceção de ilegitimidade da autora e, em consequência, a ré absolvida da instância;

b) se por mera hipótese, que se rejeita, tal exceção não proceder deve ser julgada procedente a exceção da ilegitimidade da ré e esta absolvida da instância.

Caso venham a ser julgadas improcedentes tais exceções, o que se não vislumbra,

Deve ser julgada improcedente a ação, essencialmente por inexistência dos requisitos necessários e por não se verificar a invocada desnecessidade.”

Respondeu a A. às exceções invocadas, pugnando pela improcedência da sua arguida ilegitimidade ativa.

E, pelo desconhecimento da atual titularidade do prédio que julgava ser apenas da R., declarando ser a invocada ilegitimidade passiva suprível por via do oportuno incidente de intervenção de terceiros.

Por decisão de 13/03/2023, foi entendido deverem intervir todos os herdeiros das heranças indivisas dos pais da A. e assim convidada a autora a deduzir o competente incidente de intervenção principal provocada.

Bem como foi entendido dever a ação ser instaurada contra todos os comproprietários do prédio identificado como pertença da R..

Assim igualmente se convidando a A. a deduzir o competente incidente de intervenção principal provocada.

Os indicados incidentes foram deduzidos, chamando a A. ao lado ativo CC, a qual devidamente citada veio declarar fazer seus os articulados apresentados pela autora.

E ao lado passivo foram chamados os demais comproprietários do prédio identificado inicialmente como pertença apenas da R.: DD, EE e FF.

Estes devidamente citados, não contestaram.


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Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi dispensada a identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Realizada audiência final, foi após proferida sentença e decidido julgar “a presente ação improcedente e absolve os réus de todos os pedidos contra si formulados.”


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Do assim decidido apelaram as AA., oferecendo alegações e formulando as seguintes

Conclusões:

I. Vem o presente Recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente improcedente a ação e, consequentemente, absolveu os Réus de todo o peticionado.

II. A Apelante não pode concordar com tal decisão, pois considera que não foi produzida prova suficiente para provar que o caminho existente entre o prédio da Autora e o prédio da Ré constitui um caminho público, e não uma servidão de passagem para o prédio da Ré.

III. O presente recurso visa submeter à apreciação do Tribunal Superior a decisão proferida sobre a matéria de facto, bem como a subsunção jurídica de tal factualidade constante da douta Sentença proferida pelo Mmº Juiz do Tribunal a quo.

IV. Com efeito, insurge-se a Recorrente com o facto de a Mmº Juiz ter considerado:

“Em súmula, a prova dos autos indica claramente a existência de um caminho de terra batida que tem origem na via pública e continua para o campo da ré, com sinais claros e visíveis de passagem de pessoas e veículos.

Este caminho passa em frente a casa da autora, mas não se produziu qualquer prova nos autos que permitisse dar como provado que se trata de um caminho de servidão e que esse trato de terra pertence ao prédio cujo direito de propriedade se encontra registado a favor da autora e da sua irmã.

Muito pelo contrário os sinais visíveis existentes no local indiciam fortemente que esse caminho é público desde a entrada do prédio da ré até à via em alcatrão.”

V. A Recorrente entende que não foi produzida prova cabal e suficiente para tal súmula.

VI. Existe claramente um erro de julgamento, sendo que a decisão em causa não está correta e adequada ao caso em apreço, perante a factualidade carreada para os autos e o direito aplicável.

VII. Constata-se que não foi possível determinar, no tribunal “a quo”, a existência de um caminho de servidão, no entanto da prova documental junta aos autos pelas partes também não é possível concluir que tal caminho é público, inexistindo qualquer prova nesse sentido, bem como, não foi feita qualquer prova quanto à área do caminho em causa, relativamente ao seu comprimento, largura e área total.

VIII. Quanto à qualificação do caminho em causa nos autos, dado que não foi junta aos autos qualquer prova documental inteiramente esclarecedora nesse sentido, incumbia ao Douto Tribunal “a quo” ordenar oficiosamente à entidade pública competente a junção dos elementos necessários.

IX. Determina o artigo 411º do Código Processo Civil que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.” – Princípio do Inquisitório (sublinhado nosso).

X. Todos os participantes da justiça devem agir e diligenciar da melhor forma para a descoberta da verdade e realização da melhor justiça possível.

XI. O Princípio do Inquisitório existe exatamente para permitir ao Juiz na fase de instrução, obter o máximo de informação e detalhes possíveis, quando inexistem certezas e os meios de prova apresentados pelas partes não são suficientes, para um correto apuramento da verdade e uma boa composição do litígio, e consequentemente para uma melhor decisão da causa.

XII. O artigo 436.ºdo Código de Processo Civil estabelece igualmente que:

“1 - Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objetos ou outros documentos necessários ao esclarecimento da verdade.

2 - A requisição pode ser feita aos organismos oficiais, às partes ou a terceiros”.

XIII. Pelo que o Mº Juiz, se dúvidas lhe assistiam, tinha todas as ferramentas a que recorrer para as dirimir, mas fez tábua rasa de todas elas.

XIV. O que não logrou fazer, e sustentando agora na Douta Sentença que considera provado que “… esse caminho é público desde a entrada do prédio da ré até à via em alcatrão.” Sublinhado nosso.

XV. Ora, não existe nos autos qualquer prova documental que ateste que o caminho é público.

XVI. Que no caso em concreto, deve ser considerada uma violação grave de um princípio estruturante do Direito Processual Civil.

XVII. A decisão final ao dar cobertura a este desvio processual, violação do princípio do Inquisitório, acaba por assumi-lo, ficando ela própria contaminada.

XVIII. Ora, a matéria fáctica supra referida, se estamos perante um caminho de servidão ou caminho público, é essencial para a descoberta da verdade e a justa composição do litígio, sendo certo que o tribunal "a quo" podia (e devia) oficiosamente – ao abrigo art.436º do C.P.C. - ter determinado a junção aos autos das plantas cadastrais dos imóveis em causa, levantamentos topográficos e Planos Municipais e de Ordenamento do Território quanto aos imóveis que são propriedade da A. e dos RR., respetivamente ordenando que se oficiasse para esse efeito à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, a fim de se vir a aquilatar da existência de eventual caminho de servidão ou de caminho publico, se nesse local se localiza ou não um caminho público.

XIX. Além disso, para que, com um maior grau de certeza seja apurada a dita factualidade - ou seja, constatar se o caminho em causa é efetivamente um caminho público a junção aos autos dos documentos acima referidos é crucial para a descoberta da utilidade do dito caminho.

XX. E, a este propósito, não podemos olvidar - de todo - que o processo tem por objetivo o apuramento da verdade e a justa composição do litígio, devendo o Tribunal efetuar e ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências com vista a atingir esse fim - cfr. arts.5 º, 6º e 411º, todos do C.P.C.

XXI. Além disso, como decorre do citado art. 411º "incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer", donde resulta que a lei concede ao juiz a possibilidade (ampla) de averiguar factos, com vista à busca da verdade material.

XXII. Quer isto dizer que o juiz, perante esta norma - que consagra o princípio do inquisitório - não deve limitar-se a exercer a figura de mero espectador ou árbitro do litígio, devendo antes intervir no sentido de remover os obstáculos à realização da justiça, que passa, evidentemente, pela procura da verdade material!

XXIII. Ora, a definição do dever funcional do juiz emergente da norma processual acima referida - art.411º do C.P.C. - invocada como "poder-dever" subordinado ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, vem sendo sistematicamente afirmada na jurisprudência, de que é exemplo, entre outros, o AC, da R.P. de 8/9/2020, disponível in www.dgsi.pt, no qual, a dado passo, é afirmado que: - A dinâmica evolutiva do processo civil tem-se afirmado no confronto dialético entre dois princípios que na aparência se contradizem - dispositivo e inquisitório – com sucessivas cedências do primeiro e prevalência do segundo, com vista à realização do verdadeiro desiderato do processo afirmado nos artigos 8.º n. º 1 e 411.º do CPC: o apuramento da verdade e ajusta composição do litígio.

XXIV. Por outro lado, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, o citado artigo 411º faz apelo à realização de diligências probatórias que importem a justa composição do litígio, cumprindo ao juiz exercitar a inquisitoriedade, preservando o necessário equilíbrio de interesses, critérios de objetividade e uma relação de equidistância e de imparcialidade – cfr. C.P.C. Anotado, Vol. I, 2ª ed., págs.503/504.

XXV. Em sentido idêntico, afirmam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre que: Os poderes-deveres do juiz, estabelecidos na norma em apreço, não se limitam à prova de iniciativa oficiosa, como mostra o segmento "mesmo oficiosamente". Ao juiz cabe também realizar ou ordenar as diligências dos procedimentos probatórios relativos aos meios de prova propostos pelas partes, na medida em que necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio - cfr. C.P.C. Anotado, Vol. 2º, 3ª ed., pág. 208.

XXVI. Ainda no mesmo sentido, refere Gonçalves Sampaio que: - Sendo certo que o juiz não pode, nem deve, em princípio, substituir-se à parte, atento o princípio do dispositivo, temos para nós que, após a Reforma de 1995-1996, o juiz passou a ter uma intervenção mais ativa na instrução do processo, devendo fazer uso do poder-dever conferido pelo normativo do n.º 3 do artigo 265.º (princípio do inquisitório) sempre que as circunstâncias e a boa instrução do processo o aconselhem visando em última instância […] obter um melhor apuramento da verdade material e da justa composição do litigio — cfr. A prova por documentos particulares na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª ed., pág. 224.

XXVII. E, por último, em sentido similar ao já acima transcrito, relativamente ao conteúdo do 'poder-dever' em causa, veja-se o AC. Da R.L. de 17/5/2018, também disponível in www.dgsi.pt, no qual se afirmou o seguinte:- O artigo 411º do Código de Processo Civil, determinando que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, consagra um claro poder-dever do juiz, com vista à plena realização dos fins do processo.

XXVIII. Por isso, todas as dúvidas, contradições ou divergências que necessitem de esclarecimentos e respostas cristalinas, com vista ao cabal apuramento da verdade e da justa composição do litígio – nos termos do disposto no referido art.411º do C.P.C. - poderão ser dadas no tribunal “a quo”, com a realização de todas as diligências acima determinadas Fls. 14 / 15 deste aresto, parte sublinhada).

XXIX. Assim sendo, e com vista ao esclarecimento cabal de todo o circunstancialismo fáctico supra referido - cfr. nomeadamente as respostas positivas dadas aos pontos 9 a 13, 15 a 18, 20 a 22 dos factos provados e as respostas aos pontos 1, 4, 8 e 10 dos factos não provados – resulta claro que as respostas acima mencionadas não se poderão manter de todo, pelo que, nos termos do disposto no art.662º nº 2 alínea c) C.P.C., devem anular-se tais respostas constantes da factualidade provada e não provada e, em consequência, anular-se também a sentença recorrida, a fim de ser devidamente apurada a matéria fáctica em questão, o que deverá ser feito com a realização de todas as diligência de prova acima elencadas, sendo certo que, na repetição oportuna da audiência de julgamento, o tribunal "a quo" deverá ter em atenção o estipulado no nº 3 alínea c) do citado art.662º.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V/EXA.(S) DOUTAMENTE SUPRIRÃO APELA-SE QUE DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, PROFERINDO-SE ACÓRDÃO QUE ACOLHA A ALEGAÇÃO ORA EFECTUADA, SENDO AQUELA DECISÃO ALTERADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DETERMINE O QUE A RECORRENTE ACIMA ALEGOU E CONCLUIU.

Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, farão, como habitualmente, inteira e sã JUSTIÇA!”


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Apresentaram os RR. contra-alegações, tendo a final concluído:

“A – Tendo a recorrente alegado que entre os prédios serviente e dominante existe um “caminho /logradouro” resulta que ela própria põe em dúvida o seu direito de propriedade sobre o pedaço de terreno que constitui o leito do caminho.

B – Aliás, juntou aos autos, documentos que demonstram que do seu prédio não faz parte qualquer logradouro – docs. 3,6,7 e 8, juntos com a p.i.

C – Sendo que, nem sequer trouxe aos autos qualquer comprovativo de que é legítima titular do direito real sobre o imóvel que refere, designadamente registo predial ou outra, servindo os documentos que refere apenas para efeitos fiscais.

D – E, não logrou provar e até alegar factos que demonstrassem a desnecessidade da permanência da servidão em causa.

E – Resta que, as conclusões são praticamente, um arrazoado de normas na tentativa de impor ao julgador a obrigação de indagar se o leito da servidão é um caminho público.

F – Ora, nem tal facto foi alegado pelas partes nem se trata de facto com interesse para a decisão.

G – Pelo que, não devia nem podia o Sr. Juiz ocupar-se ou preocupar-se com factos inócuos para a decisão a proferir.

I – Aliás, entende-se que este recurso, que a A. resolveu introduzir nos autos, carece de qualquer fundamento válido, pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, nem sequer deve ser recebido.

Termos em que, o presente recurso não deve ser admitido, com as legais consequências; ou caso assim se não entenda, deve o mesmo ser julgado totalmente improcedente e a recorrente condenada no pagamento das custas. E, assim, se fará JUSTIÇA.”


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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.


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II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelas apelantes serem questões a apreciar:

1) Se, em violação do princípio do inquisitório, foi omitida a realização de diligências probatórias essenciais ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, tendo em vista a apurar “se estamos perante um caminho de servidão ou caminho público”, para o que o tribunal a quo deveria, neste contexto e ao abrigo do artigo 436º do CPC ter determinado oficiosamente: a junção aos autos das plantas cadastrais dos imóveis em causa, levantamentos topográficos e Planos Municipais e de Ordenamento do Território quanto aos imóveis que são propriedade da A. e dos RR., respetivamente ordenando que se oficiasse para esse efeito à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, a fim de se vir a aquilatar da existência de eventual caminho de servidão ou de caminho publico, se nesse local se localiza ou não um caminho público.

(…) para que, com um maior grau de certeza seja apurada a dita factualidade - ou seja, constatar se o caminho em causa é efetivamente um caminho público a junção aos autos dos documentos acima referidos é crucial para a descoberta da utilidade do dito caminho” [vide conclusões XVIII e XIX].

2) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto: tendo por objeto os pontos 9 a 13, 15 a 18, 20 a 22 dos factos provados e 1, 4, 8 e 10 dos factos não provados [vide conclusão XXIX].

Nesta sede sendo ainda apreciada e como questão prévia a observância dos ónus de impugnação e especificação sobre as recorrentes incidentes.

3) erro na aplicação do direito.


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III- Fundamentação

Foram julgados provados os seguintes factos:

“Da petição inicial:

1. Encontra-se inscrito nas Finanças, a favor da autora e da sua irmã CC, em compropriedade, o direito de propriedade sobre o prédio da herança aberta e indivisa de seu pai, GG, NIF da Herança ...08, e sua mãe, HH, NIF da Herança ...10, sendo a cabeça de casal dessa herança.

2. O aludido prédio situa-se na RUA ..., ..., ..., ... ..., Área total do terreno: 74,0000 m² Área de implantação do edifício: 34,0000 m² Área bruta de construção: 34,0000 m² Área bruta privativa: 34,0000 m², Tipo de Prédio: Prédio em Prop. Total sem Andares nem Div. Susc. de Utiliz. Independente, Descrição: Prédio de 1 só piso destinado a habitação constituído por: Vestíbulo, cozinha, sala, 2 quartos e banho incompleto. Afetação:

Habitação Nº de pisos: 1 Tipologia/Divisões: T2., com o valor patrimonial atual de €12.210,45, inscrito na matriz urbana sobe o artigo 9242 (que teve origem no artigo ...35 da extinta freguesia ...), da união de freguesias ... e ..., do concelho ....

3. Com confrontações: Norte - II; Sul - JJ; Nascente - II; Poente - KK.

4. O referido prédio não se encontra inscrito em qualquer conservatória de registo predial.

5. Os pais da autora ocuparam o dito prédio que lhes servia de habitação desde pelo menos o ano de 1981.

6. Sendo atualmente a autora e sua família que ocupa tal prédio, que lhe serve de habitação desde o ano de 1981.

7. Tudo à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.

8. Relativamente a impostos, não pagam IMI pois gozam de isenção.

9. O prédio da Autora confronta com o prédio/terreno da Ré, conforme localização por vista google que ora se junta como DOC 6.

10. Sendo o prédio da Ré um terreno com 1730m2, inserido em zonas de áreas urbanizadas em transformação de moradias de acordo com o PDM, sito na Rua ..., em frente aos prédios com o nºs de policia dessa rua ..., conforme planta de localização e descrição que consta no site da ERA onde se encontra para venda.

11. Entre o prédio da Autora e da Ré existe um caminho de passagem para o prédio da Ré.

12. O referido caminho é único acesso para a entrada da casa da Autora.

13. A Ré, desde há muitos anos, para aceder ao seu terreno, que passa por esse caminho.

14. A Autora já por várias vezes se opôs à utilização desse caminho.

15. O terreno da Ré tem acesso direto à via pública, através da Rua ..., em frente aos nºs de policia ...01, ...99 e ...95, existindo nesse local um portão com cerca de um metro de largura.

16. Podendo utilizar esse acesso, para entrarem a pé no seu terreno.


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Da contestação:

17. No local há um caminho que desde sempre existiu com piso em terra batida, de sinais visíveis e permanentes, o qual sempre foi o único acesso com veículos ao prédio da ré e para o qual dá a porta de entrada para o prédio que a A. diz ser seu

18. O caminho em terra batida referido no número anterior tem origem no caminho do ..., também em terra batida o qual dá acesso à residência da demandada e de outras residências com os nºs. de policia ...5 e ...9.

19. O prédio referido da ré, situa-se acima do nível da estrada alcatroada, entre 3 a 6 metros.

20. A área do caminho em causa é de cerca de 20 metros de comprimento por cerca de 3 metros de largura, tendo uma área total de cerca de 80m2, e sempre se manteve em terra batida de sinais visíveis e permanentes.

21. O caminho que constitui a continuação do trilho do ... é o único acesso possível ao prédio dito da ré, para pessoas, animais, veículos e tratores.

22. Este caminho, existe há mais de 60 anos em terra batida, o qual se revela por sinais visíveis e permanentes com sulcos provocados pela sua utilização.

23. O acesso alternativo o prédio da ré, através da via alcatroada, é um portal muito estreito com a altura de cerca de 3-4 metros entre o início junto da via alcatroada e o campo.”

O tribunal a quo julgou ainda como não provada a seguinte factualidade:

“Factos não provados:

Da petição inicial:

1. Entre o prédio da Autora e da Ré existe um caminho/logradouro, que constitui uma servidão de passagem para o prédio dos Ré.

2. Os AA. desconhecem qual a forma de constituição dessa servidão, que já existe pelo menos desde 1981, muito antes dos pais da autora comprarem a casa,

3. A Ré, desde há muitos anos, para aceder ao seu terreno, que passa por esse caminho, o que causa grandes transtornos à Autora, sobretudo a nível de privacidade.

4. É manifestamente desnecessária a utilização de passagem da Ré pelo prédio da Autora, já que possui entrada direta para o seu prédio.

5. Nos últimos tempos, há cerca de um mês, construi-o um muro de blocos de tijolo na entrada do aludido caminho, para impedir a entrada e passagem por meio de veículo automóvel para o prédio da Autora.

6. Tal ato deu origem a uma queixa crime por parte dos AA, encontrando-se tal queixa a correr termos no DIAP do Tribunal de Vila Nova de Gaia, nos autos de processo que por enquanto a autora desconhece.

7. Não se verificando acrescido ou incomportável incómodo ou prejuízo para a Ré


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Da contestação:

8. O prédio que a A. refere nos nºs. 1º. a 4º. do seu articulado, como sendo parte da herança indivisa aberta por morte de seus pais, não integra qualquer logradouro que possa corresponder ao caminho de servidão que refere.

9. Tal prédio, tem entradas para além do nº. 37, pelo número 41 de polícia que dá diretamente para o caminho em causa, que sempre permaneceu de sinais visíveis e permanentes, como se vê da caderneta predial e da verba 4 da relação de bens, que a A. juntou à p. i..

10. Este caminho constitui a continuação da RUA ..., com trilho que sempre foi de terra batida.

11. Há muito o prédio que a A. refere no seu articulado, como da herança dos pais, se encontra totalmente desabitado.

12. O acesso ao campo da ré pela via alcatroada, é um estreito portal que não é utilizado há mais de 40 anos, dada a total impossibilidade de, por ele, aceder ao prédio.”


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Conhecendo.

1) Da não realização de diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade, em violação do princípio do inquisitório e consequências daí advenientes.

Como acima assinalado, a primeira questão colocada à nossa apreciação respeita a uma alegada violação por parte do tribunal a quo em, ao abrigo do princípio do inquisitório, não ter oficiosamente ordenado a realização de diligências instrutórias que as recorrentes entendem pertinentes e indispensáveis à justa composição do litígio.

Diligências essas através das quais afirmam pretender ver demonstrado/apurado “se estamos perante um caminho de servidão ou caminho público”.

Para tanto entendendo que ao abrigo do artigo 436º do CPC deveria o tribunal a quo ter determinado oficiosamente: a junção aos autos das plantas cadastrais dos imóveis em causa, levantamentos topográficos e Planos Municipais e de Ordenamento do Território quanto aos imóveis que são propriedade da A. e dos RR., respetivamente ordenando que se oficiasse para esse efeito à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, a fim de se vir a aquilatar da existência de eventual caminho de servidão ou de caminho público, se nesse local se localiza ou não um caminho público.

(…) para que, com um maior grau de certeza seja apurada a dita factualidade - ou seja, constatar se o caminho em causa é efetivamente um caminho público a junção aos autos dos documentos acima referidos é crucial para a descoberta da utilidade do dito caminho” [vide conclusões XVIII e XIX].

A pertinência da pretensão assim formulada pelas recorrentes passa desde logo e em primeira linha pela consideração do que foi o objeto processual – conformado que é este pelo pedido e causa de pedir delineado pelas AA.. E numa segunda linha, pelos limites próprios do objeto do recurso, o qual se não destina à reapreciação de questões novas.

Recorda-se: as AA. formularam pedido de declaração de extinção de servidão de passagem que onera o seu prédio a favor do prédio dos RR. com fundamento na desnecessidade (vide em concreto artigos 15º a 20º da p.i.), invocando para tanto o disposto no artigo 1569º nºs 2 e 3 do CC (vide artigo 25º da p.i.). Mais alegando constituir abuso de direito por parte da R. (entende-se dos RR., na sequência do incidente de intervenção de terceiros oportunamente deduzido) pretender continuar a passar pelo logradouro da casa de habitação pertencente à autora, quando podem livre e desimpedidamente aceder ao seu terreno pela via pública através da rua da Rua ..., em frente aos nºs de policia ...01, ...99 e ...95, onde têm um portão para o efeito.

Fundamento da ação foi, pois, a alegada existência de uma já desnecessária servidão de passagem sobre o prédio das AA., a qual onerando esse mesmo prédio favorece o prédio dos RR..

Sendo esta a causa de pedir da ação que ao tribunal a quo coube apreciar, resulta claro que a pretensão de ver apurado se o caminho em questão é público constitui, desde logo, uma questão nova agora trazida à dinâmica dos autos, em sede de recurso.

E, tendo em conta a argumentação das recorrentes, é de referir que da fundamentação do tribunal a quo resulta afirmado, na sua súmula e para o que releva para o destino dos autos, que “a prova dos autos indica claramente a existência de um caminho de terra batida que tem origem na via pública e continua para o campo da ré, com sinais claros e visíveis de passagem de pessoas e veículos.

Este caminho passa em frente a casa da autora, mas não se produziu qualquer prova nos autos que permitisse dar como provado que se trata de um caminho de servidão e que esse trato de terra pertence ao prédio cujo direito de propriedade se encontra registado a favor da autora e da sua irmã[1].”

Esta era a prova que incumbia as AA. ter efetuado e não lograram alcançar.

A adicional argumentação do tribunal a quo que da súmula consta e que em seguida se reproduz, em nada altera o que era o ónus de prova das AA.

Consta do subsequente trecho da fundamentação da decisão de facto “Muito pelo contrário os sinais visíveis existentes no local indiciam fortemente que esse caminho é público desde a entrada do prédio da ré até à via em alcatrão.

No que concerne ao uso desse veículo, ficamos convencidos que sempre serviu para permitir o acesso ao campo da ré, pelos motivos descritos anteriormente, e que o acesso pela via pública só permite a entrada de pessoas e que o terreno da ré tem um declive superior a 3 metros em relação à via pública.”

Como já referido, a natureza pública ou não do caminho em nada releva para o destino dos autos. Caso a mesma viesse a ser demonstrada a pretensão das AA. claudicaria. E caso viesse a não ser demonstrada, de igual modo e perante os termos em que a pretensão das AA. foi formulada claudicaria, atenta a factualidade que vem julgada provada e não provada.

A questão da natureza pública do caminho, leva-nos ainda à segunda objeção que sobre a pretensão das recorrentes recai.

É entendimento uniforme o de que ao tribunal de recurso não podem ser colocadas questões novas, invocar argumentos ou fundamentos novos, antes não submetidos à apreciação do tribunal a quo. Entendimento este que na sua base tem o princípio de que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado – vide o disposto no artigo 627º do CPC do qual decorre ser por via de recurso que as decisões judiciais proferidas podem ser impugnadas. O mesmo é dizer, a impugnação tem por objeto a decisão proferida, afastando como tal a reapreciação de questões novas.

Como afirmado no Ac. STJ de 19/10/21, nº de processo 5145/15.0T8PBL-A.C2.S1 in www.dgsi.pt (e convocando anterior Ac. do mesmo STJ de 07/10/2014):

«Constitui jurisprudência perfeitamente consolidada a de que os recursos se destinam a reapreciar as questões decididas pelo tribunal ad quo, e não a submeter a decisão do tribunal de recurso, questões novas, exceto as de conhecimento oficioso, seja de mérito, seja de natureza adjetiva.

Assim decidiu, entre muitos outros, o Acórdão do STJ de 07.10.2014, P. 56/04 (Sumários, Out/2014, p. 14):

“Por norma, não pode na alegação de recurso invocar-se questões ou meios de defesa novos, que não tenham oportunamente sido deduzidos (art. 627º/1); os recursos ordinários são de revisão ou de reponderação, tendo por objeto, fundamentalmente, a decisão impugnada ou recorrida, não visando os recursos criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, ressalvando-se, porém, as questões novas que sejam de conhecimento oficioso.”».

A natureza pública do caminho em questão nunca foi objeto de discussão.

E a junção dos documentos que agora as recorrentes invocam deveria ter sido ordenada oficiosamente outra coisa não poderiam demonstrar. Nomeadamente e no que releva, perante a causa de pedir, que o caminho que as recorrentes descreveram como sendo utilizado pelos RR., onerando o seu (das AA.) prédio é pertença do seu prédio e adicionalmente mostra-se a servidão assim constituída desnecessária.

Estes eram os pressupostos do diferimento da pretensão formulada pelas AA., pressupostos que às mesmas incumbia demonstrar e que na sua não demonstração – perante a factualidade que o tribunal a quo julgou provada e não provada – claudicou [sobre a concreta impugnação da decisão de facto, em seguida nos pronunciaremos].

Nesta perspetiva a demonstração (ou não) da natureza pública do caminho em questão, em nada alteraria a necessidade de prova por parte das AA. dos pressupostos factuais do seu direito acima já assinalados.

E se assim é, sendo certo que o legislador reforçou com a reforma de 1995/1996 o princípio do inquisitório com vista a privilegiar a decisão de fundo sobre o mérito, para tanto conferindo ao juiz um papel mais interventivo na condução do processo, na busca da verdade material realizando as diligências probatórias que relevem para a justa composição do litígio, sempre tais diligências estarão delimitadas pela sua própria pertinência para o que nos autos se visa apreciar, em função do que é o objeto do processo delineado pelo pedido e causa de pedir. Bem como pelo respeito pelos princípios da igualdade, preclusão e autorresponsabilidade, implicando não pretender o legislador que tais poderes supram as faltas das partes no que à tempestiva indicação dos seus próprios meios probatórios concerne.

Como apreciado no Ac. TRP de 27/01/2022, nº de processo 1513/20.3T8PNF.P1 in www.dgsi.pt em que foi analisada questão idêntica:

“O princípio do inquisitório não impõe ao tribunal o dever de acolher toda e qualquer pretensão instrutória de uma das partes em qualquer momento e condição formulada, e menos ainda que, oficiosamente, sob a invocação da relevância dos meios que aponta, lhe faculte a produção de qualquer prova que tempestivamente podia e devia ter oferecido e deixou de requerer, prejudicando com isso o regime especificamente prescrito para esse efeito e, em igualdade, para ambas as partes.

Expende-se no acórdão da Relação do Porto de 4.6.2013[...]: “Com efeito, só em concreto, seja por via da dinâmica da produção da restante prova produzida em sede própria (maxime em audiência de julgamento), e sob contraditório, ou por via de sugestão de qualquer das partes, nessa mesma sede e sob o mesmo contraditório, haverá o tribunal de averiguar da utilidade ou necessidade da produção de outros meios de prova para além dos oportunamente produzidos ou requeridos pelas partes. Só em concreto, isto é, nas concretas circunstâncias da atividade instrutória desenvolvida conforme tempestivamente proposto pelas partes, é que o tribunal poderá considerar a necessidade de outros meios de prova, que se revelem necessários "ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio". E isso, poderá até acontecer no decurso da audiência de julgamento, ou até antes, se, na situação concreta, o tribunal entender antecipadamente ser essencial à realização desses objetivos a produção de qualquer meio de prova que as partes não requereram.”[...]

Não esqueçamos que nos encontramos perante um processo de partes, em que impera o dispositivo quanto à alegação da matéria de facto e quanto ao ónus da prova, com julgamento segundo um critério de legalidade; não é um processo de jurisdição voluntária em que o legislador privilegia a intervenção do tribunal, pela oficiosidade dos atos[...], sem vinculação à observância rigorosa do direito aplicável, designadamente do direito processual”

De acordo com Lopes do Rego[…], “o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes”.

Já assim o lembrava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.05.2002[7] ao referir que “o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal não serve para suprir comportamentos negligentes das partes”, pressupondo “que estas cumpriram minimamente o ónus que sobre elas recai de indicarem as provas de que pretendem socorrer-se”.

Concluindo, não só o princípio do inquisitório não visa suprir o ónus de alegação e indicação tempestiva dos meios probatórios tidos por pertinentes pelas partes para prova dos factos que lhes incumbe provar de acordo com as regras dos ónus de alegação e prova, como sempre está o mesmo limitado pelo que é o objeto do processo e assim pelo interesse que para o mérito dos autos poderá resultar da realização oficiosa de diligências probatórias.

Perante o exposto, não se mostrando pertinentes para o mérito dos autos as diligências que as recorrentes defendem deveriam ter sido oficiosamente ordenadas ao abrigo do princípio do inquisitório, nenhuma censura merece a atuação do tribunal a quo.

Implicando a improcedência do primeiro fundamento do recurso interposto.

2) Cumpre em segundo lugar apreciar da impugnação da decisão de facto.

E como questão prévia – observância dos ónus de impugnação e especificação sobre as recorrentes incidentes.

Em função do acima enunciado cumpre em segundo lugar aferir se a decisão de facto merece censura.

Para o efeito se aferindo previamente se foram observados os ónus de impugnação e especificação de que depende a sua reapreciação.

A regularidade da impugnação da decisão de facto, depende da verificação dos seguintes pressupostos:

- obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

- no caso de prova gravada, incumbindo ainda ao(s) recorrente(s) [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

- sendo ainda ónus do(s) mesmo(s) apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Pelo que das conclusões é exigível que conste, no mínimo, de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição do objeto do recurso nessa parte.

Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.

Analisados quer o corpo alegatório quer as conclusões resulta evidente que as recorrentes não indicaram nenhum meio de prova concreto produzido que implicasse decisão diversa da proferida.

Aliás, embora identificando os pontos factuais sobre os quais manifestam o seu desacordo quanto ao decidido, facto é que tão pouco indicaram o sentido decisório pretendido.

E, finalmente, porquanto não concretizaram quais os meios probatórios que no seu entender implicavam decisão diversa, tão pouco observaram o disposto no nº 2 al. a) do artigo 640º do CPC.

A violação do disposto no artigo 640º nº 1 als. b) e c) e nº 2 al. a) do CPC ambos, impõe, sem mais, a rejeição da reapreciação da decisão de facto.

Tanto é quanto baste para que se julgue rejeitado o recurso da decisão de facto. O que assim de decide.


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Do direito.

Mantido o decidido em sede de decisão de facto, impõe-se a total improcedência do recurso quanto à subsunção jurídica dos factos ao direito.

Relembra-se que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, não obstante e sem prejuízo do limite imposto pelo artigo 609º quanto ao objeto e quantidade do pedido, não estar o tribunal vinculado às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [vide artigo 5º nº 3 do CPC].

Das alegações de recurso resulta que a pretensão das recorrentes em ver alterada a subsunção jurídica do direito aos factos, dependia na totalidade da alteração da decisão de facto.

Com efeito e tal como analisado pelo tribunal a quo, após o devido enquadramento legal, perante a factualidade que foi julgada provada e aqui mantida, mesmo que se tivesse julgado provada a existência de uma servidão, que o tribunal a quo negou, “Ainda que assim não fosse, os factos provados dizem-no que o acesso ao prédio da ré sempre se fez pelo caminho em terra que a autora reclama como sendo de servidão, caminho esse que confere utilidades que o acesso pelo portão da via alcatroada não tem, uma vez que este último portão é apenas para o acesso de pessoas enquanto que o acesso pelo caminho de terrena permite a entrada de pessoas e veículos.

Quer isto dizer que, ainda que se tivesse demonstrado a existência do caminho de servidão, sempre a ação teria que ser julgada improcedente na medida em que não se demonstrou a desnecessidade dessa putativa servidão.”

Ou seja, a decisão de julgar improcedente pretensão das recorrentes não merece qualquer censura.


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III. Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente a presente apelação, consequentemente mantendo a decisão sob recurso.

Custas pelas recorrentes.

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Porto, 2025-01-13

(M. Fátima Andrade)

(Jorge Martins Ribeiro)

(Miguel Baldaia Morais)

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[1] Sublinhado nosso.