Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | ANABELA MORAIS | ||
| Descritores: | COMPRA E VENDA DE AUTOMÓVEL FALTA DE CONFORMIDADE PRESUNÇÃO DE DESCONFORMIDADE REDUÇÃO DO PREÇO DANO DE PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO | ||
| Nº do Documento: | RP2025101317663/23.1T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Pretendendo o recorrente o aditamento de um facto que já se mostra incluído na decisão proferida quanto à matéria de facto, no elenco dos factos não provados, a pretensão recursória deve ser apreciada como impugnação da decisão da matéria de facto e, nessa medida, deve observar os pressupostos de ordem formal elencados pelo legislador no nº1 do artigo 640º do CPC. II - A inversão do ónus da prova, com fundamento no nº2 do artigo 344º do Código Civil, tem como pressupostos: uma conduta ilícita e culposa da contraparte; um resultado de impossibilidade de prova para a parte onerada; o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa e entre a impossibilidade. III - Trata-se de formalidade “ad probationem” a exigida pelo nº 5 do artigo 12º do Decreto-Lei 84/2021, pelo que a efectivação da comunicação da avaria da avaria adquirida pode ser demonstrada por confissão feita nas peças processuais, pelo Mandatário da parte e aceite pela contraparte, de forma expressa, clara e inequívoca, nos termos e para os efeitos dos artigos 46º e 465º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil. IV - No âmbito das relações entre consumidor e vendedor profissional, por força do regime decorrente do Decreto-Lei nº 84/2021, a prova de que a falta de conformidade já existia, no momento da entrega do bem, cabe ao consumidor. No entanto, o comprador da viatura que alegue e demonstre a desconformidade, no prazo de dois anos a contar da data da entrega do bem, apenas tem de alegar e demonstrar o defeito de funcionamento da coisa adquirida (a desconformidade do bem vendido) e que essa desconformidade se manifestou dentro do prazo de dois anos, a contar da entrega. V - Uma vez provado o facto que dê origem à presunção de desconformidade, terá o vendedor o ónus de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa vendida e imputável ao comprador (designadamente por falta de diligência ou violação de deveres de cuidado), a terceiro ou devida a caso fortuito. VI - Na redução do preço, nos termos do artigo 19º do Decreto-Lei 84/2021, não sendo possível o recurso ao critério previsto no n.º 1 do art.º 884.º do C.Civil, uma vez que tal pressupõe que o preço global do bem seja descriminado em parcelas, associando-se uma parte do preço a uma parte do bem, o que no caso da venda de uma viatura não acontece, a resposta à determinação da redução do preço está no n.º 2, ou seja, é feita por meio de avaliação. VII - A impossibilidade de fruição de um bem próprio, em consequência de uma actuação ilícita de outrem, determina um corte temporal no legítimo direito de fruição. Reportando-se a privação a um determinado período e sendo o direito de propriedade também integrado pelo direito de fruição, aquela traduz-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e naturalmente irrecuperável nesse poder de fruição que envolve até o direito de não usar. IX - Comprovado que o lesado adquirira a viatura para passeios esporádicos, na falta de quantificação objectiva, é legítimo o recurso à equidade para fixar a compensação pelo dano de privação do uso do veículo. X - Na fixação equitativa do dano de privação do uso, utilizando, como referência, o valor de locação, por ser o preço mais próximo que o mercado oferece para a utilização de um bem e que corresponde ao dispêndio que seria feito se o lesado procurasse um bem substitutivo através da locação, importa ponderar que o lesado não destina o bem privado a negócios de locação e o valor da locação inclui uma parcela correspondente ao lucro do locador, o qual se lhe destina a compensar da disponibilização do bem locado, não correspondendo exatamente ao valor económico do uso. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 17663/23.1T8PRT.P1
Acordam as Juízas da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo Relatora: Anabela Mendes Morais; Primeira Adjunta: Ana Olívia Esteves Silva Loureiro Segunda Adjunta: Teresa Pinto da Silva
I_ Relatório O autor AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o réu BB, pedindo que:
Para o efeito, alegou, em síntese, que: _ O réu dedica-se à actividade de comércio de veículos automóveis, no seu A..., encontrando-se os anúncios de diversas viaturas online, para venda na página do B.... _ No dia 15 de Fevereiro de 2022, no referido stand, o autor comprou ao réu que lhe vendeu uma viatura automóvel, de marca Ford, modelo ..., com a matrícula ..-..-RH, de combustível gasolina. _ A viatura vendida encontrava-se no estado de usada e teve previamente a matrícula WND... da Alemanha, tendo sido importada pelo réu, para venda. _ Ficou acordado entre o A. e o R. como preço da compra e venda do referido veículo a quantia de €104.500,00 (cento e quatro mil e quinhentos euros), a pagar do seguinte modo: (i) pagamento da quantia total de €49.500,00 (quarenta e nove mil e quinhentos euros), em numerário; (ii) pela entrega definitiva e transferência da propriedade para o R, de um veículo automóvel, pertença do A., no estado de usado, marca Porsche, modelo ..., com a matrícula ..-..-NQ, ao qual foi atribuído, mediante acordo de ambas as partes, o valor de €55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros). _ No dia 15 de Fevereiro de 2022, o A. entregou, em numerário, ao R., a quantia de €49.500,00 e a viatura Porsche ...; e o R. entregou ao A. a viatura Ford .... Nessa altura o R. não entregou ao A. nenhum documento escrito intitulado de “Declaração de Garantia”, apesar de, por diversas vezes, este ter-lhe solicitado a entrega desse documento. _ O A. adquiriu a viatura apenas para passeios esporádicos e tinha a mesma estacionada, num armazém do qual é proprietário, tendo a utilizado, no período compreendido entre 15 de Fevereiro de 2022 e 23 de Dezembro de 2022, nos seus passeios esporádicos, sem que tivesse detectado ou tivesse surgido qualquer tipo de anomalia na mesma. _ No dia 23 de Dezembro de 2022, uma vez que não utilizava a viatura diariamente, o A. decidiu colocá-la a trabalhar. _ Nesse dia, após dar à ignição e ter colocado a viatura a trabalhar, o A., sentado e ao volante da mesma, cerca de cinco minutos depois e sem qualquer aviso luminoso ou sonoro, ouviu um estalo e a viatura desligou-se; de seguida, deu à ignição novamente, mas já não conseguiu colocar a trabalhar o motor da viatura. _ Após o sucedido, o A., no próprio dia 23 de Dezembro de 2022, contactou telefonicamente o R. e comunicou-lhe o que tinha acontecido, questionando o mesmo de como iria resolver a situação uma vez que a viatura não trabalhava e disponibilizando-se a levar a viatura à oficina da marca na sua área de residência, caso o R. concordasse, o que sucedeu. _O A., em meados do mês de Janeiro de 2023, chamou um reboque e levou a viatura à marca Ford, onde foi elaborado um relatório – documento nº4 junto com a petição - com a descrição das anomalias que a mesma apresentava: (i) motor bloqueado não rodando de forma manual; (ii) corrente de distribuição partida, tendo a mesma trancado todo o mecanismo de distribuição do motor; (iii) fortes sinais de gripagem na cabeça e nas árvores de cames do lado direito do motor; e (iv) sinais de gripagem nos cilindros do motor. _ O A. veio posteriormente a saber que houve uma avaria na bomba de óleo, por cedência do anel de compressão de óleo, factor que desencadeou uma deficiente pressão de óleo no circuito do motor o que provocou danos irreparáveis no motor, tendo a correia de distribuição ficado partida e o motor completamente danificado, o que inviabiliza a utilização da viatura. _ A oficina da marca Ford efectuou um orçamento[1] de reparação da viatura. _ O A. veio posteriormente a descobrir que a viatura adquirida ao R., era uma viatura sinistrada no seu país de origem, Alemanha, facto que este lhe omitiu e que o A. considera relevante, uma vez que, na celebração do contrato, caso tivesse conhecimento que a viatura era sinistrada nunca teria celebrado o contrato de compra e venda da viatura em causa. _ O R. recusou-se a efectuar a reparação da viatura, até ao momento, ou a sua substituição por outra semelhante à que o A. adquiriu, apesar de diversas insistências por parte deste para resolução do problema. _ Actualmente, o custo da reparação do defeito/avaria manifestado na viatura ascende à quantia de €71.491,20 (setenta e um mil quatrocentos e noventa e um euros e vinte cêntimos). _ O A. não lhe interessa ficar com uma viatura com uma avaria que impede a sua total utilização e o réu revelou-se incapaz de proceder à sua reparação ou substituição, pelo que pretende, com fundamento no artigo 15º, n.º 1, alínea b), do Decreto Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro, que seja decretada a redução proporcional do preço que pagou pela viatura, permitindo-lhe, com esse valor, mandar reparar a viatura, uma vez que o R. se recusa a fazê-lo ou apresentar outra alternativa viável para o A. _ De acordo com o previsto no artigo 19.º do Decreto Lei n.º 84/2021, de 18 de Outubro, a redução do preço deve ser proporcional à diminuição do valor da viatura que recebeu, em comparação com o valor que teria se estivesse em conformidade. _ Implicando a reparação da viatura a colocação de um novo motor, em virtude de o motor que se encontra na viatura não ter reparação possível, considera proporcional a redução do valor da viatura em 71.491,20€ (setenta e um mil quatrocentos e noventa e um euros e vinte cêntimos). _ O A. despendeu tempo, está impedido de circular com a viatura e está ainda desapossado da mesma; contabilizando todo o tempo em que a mesma esteve e está parada para reparação, cerca de nove meses, no seu total, pretende ser indemnizado pela privação do uso da viatura nesse período, calculando o quantitativo da indemnização em função do custo médio do aluguer de um carro de gama baixa, apesar de o veículo em causa ser de gama alta, à razão de 25,00€, por dia, num total de € 6 750,00 (seis mil setecentos e cinquenta euros).
Concluiu o autor que o acordo por si celebrado é um contrato de compra e venda de consumo, sujeito ao regime das garantias relativas à venda de bens de consumo, previsto no Decreto-Lei n.º 84/2021 de 18 de Outubro, e é fonte de uma relação jurídica de consumo, sujeita subsidiariamente às regras da Lei 24/96, de 31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor.
I.1_ Citado, o réu BB apresentou contestação. Alegou, em síntese, que: _ Foi acordado o preço de €49.500,00 o qual foi pago do seguinte modo: €2.500,00, por depósito em 20/01/2022; €5.000,00, por transferência em 21/01/2022; €5.000,00, por transferência em 24/01/2022; €2.500,00, por transferência em 26/01/2022; e €29.500,00, por retoma da viatura Porsche de matrícula ..-..-NQ. _ O negócio da venda da viatura Ford ... concluiu-se no dia 15/02/2022, data em que o autor entregou ao réu a viatura Porsche de matrícula ..-..-NQ e este entregou àquele a viatura Ford em causa nos presentes autos. _ Admitiu não ter entregado ao autor nenhum documento escrito intitulado de “Declaração de Garantia”, rejeitando que este tenha solicitado a entrega de tal documento. _ O autor contactou o réu, no dia 23/01/2023, dizendo-lhe que, no dia 22/12/2022, para ir almoçar, deslocou-se na referida viatura e, no regresso, acenderam-se as luzes de aviso de avaria de motor e de aviso de óleo, mas, mesmo assim, continuou a conduzir a viatura até ao armazém em que trabalhava, onde a estacionou e desligou. No dia seguinte, 23/12/2022, no armazém onde tinha deixado a viatura, colocou-a a trabalhar e foi mover umas paletes; passados cerca de cinco minutos, o motor desligou, tendo então tentado ligar novamente o motor, sem êxito, _ O autor comunicou, ainda, que o veículo se encontrava na oficina da C... em Sacavém, que tinha mandado abrir o motor e que este apresentava corrente de distribuição partida, tendo-lhe enviado fotografias do motor já aberto e parcialmente desmontado. _ O relatório da oficina da Ford foi elaborado em 27/01/2023, admitindo o réu a avaria na bomba de óleo, por cedência do anel de compressão de óleo, factor que desencadeou uma deficiente pressão de óleo no circuito do motor, rejeitando que os danos verificados sejam irreparáveis e que o motor tenha ficado completamente danificado, remetendo para o relatório que juntou como documento nº9[2]. _ Até ser citado, o réu desconhecia que se tratava de uma viatura sinistrada no seu país de origem – Alemanha e que tal facto não corresponde à verdade. O réu importou o veículo da Alemanha onde teve a matrícula WND... e não teve conhecimento do historial anterior do veículo, nomeadamente quanto a acidentes, pelo que nada omitiu ao autor do que sabia e nem este questionou o réu sobre antecedentes relativos ao veículo. _ Quando o réu adquiriu a viatura, esta vinha devidamente inspeccionada pelas competentes autoridades alemãs e foi inspeccionada em Portugal antes da sua entrega ao autor, nunca apresentando qualquer anomalia nessas inspecções. _ Em 23/01/2023, quando o autor contactou o réu, o que ele pretendia era que “contactasse a empresa das garantias”, tendo este esclarecido que era quem garantia e que por ser o maior importador de viaturas daquele tipo, em Portugal, trabalhava com uma oficina que tinha pessoal especializado nesse tipo de viaturas e que todas as reparações ao abrigo da sua garantia eram feitas nessa oficina, pelo que o Autor não devia ter mandado desmontar o motor por sua iniciava, como fez. _ Depois, e após o réu, a pedido do autor, ter feito diligências no sentido de encontrar um motor de substituição, informou-o de ter encontrado um motor na Alemanha por €14.000, posto em Portugal, e com menos Kms que o motor com avaria. _Porém, o autor primeiro pretendeu que o réu suportasse metade do custo do novo motor e, depois, já pretendia que suportasse a totalidade desse custo, o que o réu lhe disse recusar, quer porque o próprio autor lhe dizia que havia mandado desmontar o motor, o que fez sem lhe ter dado conhecimento e obtido a sua autorização, e também porque não iria assumir qualquer responsabilidade sem que primeiro fosse averiguada a causa do sucedido. _ Em 31/01/2023, o réu solicitou ao D... que lhe indicasse uma entidade habilitada a averiguar a causa e a extensão dos danos, tendo-lhe sido indicada a E..., que se dedica à inspecção de veículos e dispõe de uma rede de Centros de Inspecção espalhada por todo o país, dispondo de pessoal qualificado para o efeito pretendido. _ Em 09/02/2023, o réu requisitou à empresa E... uma auditoria à viatura de modo a determinar-se as causas e extensão dos danos por ela sofridos e aquilatar da sua responsabilidade, ou não, pela sua reparação. _ Em 10/02/2023, os técnicos da E... deslocaram-se à C..., onde a viatura se encontrava e onde foram recebidos pelo responsável da oficina que lhes mostrou a viatura com desmontagens já efectuadas e os informou de que a viatura entrou na oficina de reboque e com o motor sem rodar mas com o óleo do motor e líquido de refrigeração em níveis correctos. _ Foram ainda informados de que não tinha sido efectuado nenhum diagnóstico electrónico à unidade de gestão do motor, e verificaram que, pelas desmontagens existentes a essa data, já não era possível, acedendo aos dados de registo de anomalias, verificar o histórico do funcionamento do veículo, nomeadamente o registo dos Kms percorridos, nem o funcionamento das luzes de aviso, por os dados armazenados terem sido apagados com a desmontagem. _ Os técnicos da E... encontraram: _ Concluíram os técnicos da E... que a “[situação] anómala, foi motivada pela tentativa de agarramento dos materiais das capas de biela, no respectivo moente da cambota e, as características que apresentam, são um indício evidente de deficiente pressão de lubrificação, sendo verificado, após desarme da bomba de óleo, que a mesma apresenta danos no interior, nomeadamente ao nível do anel de compressão de óleo, anel esse que gera pressão no sistema de óleo do motor” e que “os danos existentes no interior da bomba de óleo, por cedência do anel de compressão do óleo, por fadiga do material que não resistiu às horas de funcionamento a que esteve sujeito, terá sido o motivo necessário para o cenário de deficiente pressão de óleo no circuito de lubrificação do motor” e que “[n]estas circunstâncias, [a imobilização] atempada do veículo, nomeadamente após o 1º alerta ao Condutor, poderia evitar a extensão de danos verificada no motor e, consequentemente, um cenário de reparação, economicamente, mais favorável”, ou seja, terá havido uma cedência do anel de compressão existente no interior da bomba de óleo do motor que causou deficiente pressão de óleo no circuito de lubrificação do motor, problema facilmente resolúvel com a substituição dessa bomba. _ O motor é reparável, bastando para tal substituir as peças danificadas não aproveitadas ou recuperáveis. _ Ao ordenar a desmontagem do motor e ao ser efectuada, o autor e a oficina que procedeu a essa desmontagem provocaram a perda dos registos de anomalia/erro memorizados e até o registo dos quilómetros percorridos, e ao ser feita essa desmontagem sem que primeiro fosse feito um diagnóstico electrónico à unidade de gestão do motor, também inviabilizaram a verificação do estado de funcionamento dos sinais avisadores luminoso e sonoro, razão pela qual o réu rejeitou e rejeita a responsabilidade pela reparação do motor, aceitando apenas a responsabilidade pela substituição da referida bomba de óleo. _ Foi o autor que, por sua iniciava e sem conhecimento e autorização do réu, mandou desmontar o motor, em vez de solicitar-lhe a determinação da causa do não funcionamento do motor e a eventual reparação nos termos da garantia legal. _ O réu propôs ao autor a retoma da viatura por valor a combinar e vender-lhe outra das que dispunha, tendo ele recusado por nenhuma das que o réu dispunha lhe agradar. _ A bomba de óleo danificada é avaria de fácil reparação, bastando para tal substituí-la, o que o réu nunca se recusou a fazer. Os restantes danos são da responsabilidade do autor que não atendeu aos avisos luminosos e sonoros do sistema de avisos com que a viatura está equipada, insistindo em manter o motor em funcionamento até que esses danos se produziram. _ O dano no motor não é completo pois este é reparável. _ Considera “manifestamente exagerados” a redução do valor da viatura proposto pelo autor [€71.491,20] e o valor pedido a título de indemnização pela privação do uso da mesma, obtido com base na privação da viatura durante cerca de nove meses x custo médio do aluguer de um carro de gama baixa, à razão de €25,00, por dia, no total de € 6.750,00 (seis mil setecentos e cinquenta euros). _ O A. pretende uma indemnização diária pela privação do uso mas, afirma que não a utilizava diariamente e que a mesma foi adquirida apenas para passeios esporádicos.
I.2_ Foi proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova. I.3_ Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, constando do seu dispositivo: “Julga-se a acção parcialmente procedente e: - decreta-se a redução proporcional do preço que o autor pagou pela viatura, marca Ford, modelo ..., com a matrícula ..-..-RH e, em consequência, o réu é condenado a devolver ao autor o valor de 33.858,00€ (trinta e três mil oitocentos e cinquenta e oito euros); - condena-se o réu a indemnizar o autor no montante de 2.000,00€ (dois mil euros), pela privação do uso da viatura durante nove meses. Do mais pedido, vai o réu absolvido. Custas por ambas as partes na proporção do decaimento. Registe e notifique.”
I.4_ Inconformado com a sentença, o réu interpôs recurso da mesma, formulando as seguintes conclusões: (…)
I.5_ O autor apresentou resposta, contendo as seguintes conclusões: (…)
I.6_ Por despacho de 22/10/2024, foi interposto recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, regime de subida e efeito adequados. I.7_ Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II_ Questões a decidir: Nos termos dos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que resultem dos autos. Assim, perante as conclusões da alegação do Recorrente há que apreciar as seguintes questões: 1_ Aditamento, à decisão proferida quanto à matéria de facto, dos seguintes factos: 2_ Inversão do ónus da prova, com fundamento no nº2 do artigo 344º do Código Civil, por o autor ter tornado “impossível ao Réu fazer prova de que os danos no motor resultaram, não da avaria da bomba de óleo, mas de o [Autor] ter ignorado os avisos de falta de pressão de óleo e mantido o motor do veículo em funcionamento”. 3_ Inobservância, pelo autor, da forma prevista no nº 5 do artº 12º do Decreto-Lei 84/2021, para efectuar a comunicação da avaria da viatura, ao réu, e, em caso afirmativo, as consequências dessa conduta. 4_ Responsabilidade do réu deve ser limitada à substituição da bomba de óleo ou abranger a totalidade dos danos sofridos pela viatura. 5_ Caso se conclua que a responsabilidade do réu abrange a totalidade dos danos da viatura, determinar a redução do preço e se no cálculo desse valor deve ser tomado em consideração: _ o “valor de venda alegado pelo Autor que o próprio Tribunal deu por não provado” e o “valor do orçamento para reparação com motor novo” que se mostra impugnado; _ “a contribuição do Autor para a extensão dos danos no motor” e que essa contribuição foi total. 6_ Saber se não é devida indemnização pela privação do uso por o Autor ter adquirido a viatura para deslocações esporádica e a responsabilidade do Réu estar limitada à substituição da bomba de óleo, avaria cuja reparação não requer nem um dia de trabalho.
III_ Fundamentação de facto Na sentença objecto de recurso, foram considerados os seguintes factos: “Factos provados 1 - O Réu dedica-se à atividade de comércio de veículos automóveis no seu A... encontrando-se os anúncios de diversas viaturas online, para venda na página do B.... 2 - No dia 15 de Fevereiro de 2022, o Autor comprou ao Réu que lhe vendeu uma viatura automóvel, de marca Ford, modelo ..., com a matrícula ..-..-RH, de combustível gasolina. 3 - A viatura vendida pelo R. ao A, encontrava-se no estado de usada, teve antes matrícula WND... da Alemanha, e foi importada para venda pelo R. 4 - Quando o Réu adquiriu a viatura, esta vinha inspecionada pelas competentes autoridades alemãs, como também foi inspecionada em Portugal antes da sua entrega ao Autor, não apresentando qualquer anomalia nessas inspecções. 5 - O preço acordado foi, pelo menos, o de 49.500,00 €, pago, em parte, em dinheiro e, noutra parte, pela retoma da viatura do autor, o Porsche com a matrícula ..-..-NQ. 6 - O A. não utilizava a viatura diariamente, uma vez que a mesma foi adquirida apenas para passeios esporádicos, e tinha a mesma estacionada, num armazém que lhe pertence. 7 - No dia 23/12/2022, no dito armazém, o autor deu à ignição e colocou o motor a trabalhar, mantendo a viatura parada, um tempo depois ouviu um estalido e a viatura desligou-se e já não conseguiu colocá-la, novamente, a trabalhar. 8 - O A. chamou um reboque e levou a viatura à oficina da marca Ford onde fizeram um relatório com a descrição das anomalias. 9 – São elas: - Motor bloqueado, não rodando de forma manual; - Corrente de distribuição partida, tendo a mesma trancado todo o mecanismo de distribuição do motor; - Fortes sinais de gripagem na cabeça e nas arvores de cames do lado direito do motor; - Sinais de gripagem nos cilindros do motor. 10 - Os danos resultaram de uma avaria na bomba de óleo, por cedência do anel de compressão do óleo, factor que desencadeou uma deficiente pressão de óleo no circuito do motor e provocou danos irreparáveis no motor, tendo a correia de distribuição ficado partida e o motor completamente danificado (gripado). 11 - A oficina, da marca Ford, elaborou um orçamento para reparação da viatura no montante de 71.491,20€. 12 - Com o acionamento dos avisadores de falha de pressão de óleo – o que não se apurou ter sucedido ou não – o condutor da viatura deveria imobilizá-la de imediato o que teria limitado a avaria à bomba de pressão de óleo e evitado os danos no motor. 13 - O R. recusou-se a efectuar a reparação ou substituição da viatura por outra semelhante à que o A. adquiriu, imputando os danos no motor ao autor. 14 - O A., através da sua Mandatária, enviou, [ao réu][3], a carta, no dia 10 de Março de 2023, que este recebeu, na qual foi solicitada uma resolução do problema. 15 - O A. despendeu tempo e está impedido de circular com a viatura. 16 - O Réu solicitou ao D... que lhe indicasse uma entidade habilitada a averiguar a causa e a extensão dos danos. 17 - Tendo-lhe sido indicada a E.... 18 - Em 10/02/2023, os técnicos da E... deslocaram-se à C..., onde a viatura se encontrava, e onde foram recebidos pelo responsável da oficina que lhes mostrou a viatura com o motor desmontado e os informou de que a viatura entrou na oficina de reboque e com o motor sem rodar mas com o óleo do motor e líquido de refrigeração em níveis correctos. 19 - Foram ainda informados de que não tinha sido efectuado nenhum diagnóstico electrónico à unidade de gestão do motor. 20 - E verificaram que, devido às desmontagens realizadas, os dados de registo de anomalias estavam irremediavelmente perdidos, impossibilitando a verificação do histórico do funcionamento do veículo, nomeadamente o funcionamento dos avisos luminoso e sonoro da falha de pressão de óleo. 21 - O Autor permitiu que a oficina fizesse a desmontagem do motor. * Factos não provados 1 - Ficou acordado entre o A. e o R. como preço da compra e venda, o valor de 104.500,00€, a pagar com a entrega de 49.500,00€ em numerário e com o Porsche a que foi atribuído o valor de 55.000,00€. 2 – No dia 23/12/2022, o Autor decidiu colocar o motor a trabalhar só para não estar muito tempo sem trabalhar. 3 - Não houve qualquer aviso luminoso ou sonoro no painel de instrumentos. 4 - Após o sucedido, o A., no próprio dia 23 de Dezembro de 2022, via telefone, ligou para o R. a dar conta do que tinha acontecido, questionando-o como iria resolver a situação uma vez que a viatura não trabalhava e disponibilizando-se a levar a viatura à oficina da marca na sua área de residência, caso o R. concordasse, sugestão com a qual o R. concordou. 5 - Foi em meados de Janeiro que a viatura foi levada de reboque para a oficina da Ford. Contestação 6 - O Autor contactou o Réu no dia 23/01/2023, dizendo-lhe que, no dia 22/12/2022, tinha ido almoçar na referida viatura e, no regresso, acenderam as luzes de aviso de avaria de motor e de aviso de óleo, mas que, mesmo assim, foi a conduzir até ao armazém em que trabalhava, onde a estacionou e desligou. 7 - E que, no dia seguinte, 23/12/2022, no armazém onde a tinha deixado, colocou a viatura a trabalhar e foi mover umas paletes. 8 - E que, passados cerca de 5 minutos, o motor desligou, tendo ido ver o que se passava e tentado ligar novamente o motor, sem êxito. 9 - E ainda que o veículo se encontrava na oficina da C... em Sacavém, que tinha mandado abrir o motor e que este tinha a corrente de distribuição partida, tendo-lhe enviado umas fotografias do motor já aberto e parcialmente desmontado. * Os demais factos alegados são irrelevantes para a decisão.”.
IV_ Fundamentação Jurídica 1ª Questão Dissente o réu/recorrente da decisão proferida quanto à matéria de facto selecionada pelo Tribunal a quo, sustentando que se encontram demonstrados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos que pretende ver aditados à matéria de facto provada: Advoga o recorrido que o recorrente não indica qualquer prova que obrigue a decisão diferente da proferida pelo Tribunal a quo, cingindo-se a invocar o seu desacordo quanto à análise e valoração da prova produzida, reflectida na sentença recorrida; e a indicar excertos dos depoimentos que lhe interessam, deles fazendo uma leitura diferente da realizada pelo Tribunal a quo, esquecendo toda a demais prova produzida. Ao invés, o Tribunal a quo analisou a globalidade das declarações e depoimentos prestados, em conjunto com a demais prova, e não apenas reduzidos excertos retirados do conjunto declarado e descontextualizados, como o recorrente faz. Por último, refere que nos termos do artigo 640º, nº1, alíneas a) e b) e c), do C.P. Civil, na impugnação da matéria de facto, para além da especificação dos concretos pontos de facto que considerada incorrectamente julgados, deve o recorrente indicar as concretas provas que inelutavelmente impunham decisão diferente da proferida e não provas que permitiriam tão só uma outra decisão. Previamente à apreciação da pretensão recursória de aditamento, à matéria de facto provada descrita na sentença recorrida, impõe-se efectuar breves esclarecimentos. Em primeiro lugar, importa distinguir o aditamento de factos à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo da impugnação dessa decisão. Na primeira situação, o recorrente não reage contra a factualidade considerada provada e não provada na sentença recorrida, mas contra a circunstância de existirem factos enunciados nos articulados oportunamente apresentados pelas partes, por si entendidos como pertinentes para a decisão a proferir e sobre os quais o Tribunal a quo não emitiu qualquer decisão, de provado ou não provado. Na segunda situação, o recorrente insurge-se contra os factos consignados, pelo Tribunal a quo, na decisão da matéria de facto. De harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 5º do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas. Assim, o Tribunal ad quem deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que existe matéria de facto alegada pelas partes, essencial à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas e que não foi conhecida pelo Tribunal a quo. Além de tais factos, articulados pelas partes, são ainda considerados pelo Tribunal os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes tenham alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por força do exercício das suas funções (artigo 5º, nº 2, do Código de Processo Civil). Estando em causa a impugnação da decisão da matéria, dispõe o artigo 640º, n.º 1, do Código de Processo Civil, “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a. Os concretos pontos de factos que considera incorretamente julgados; b. Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c. A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Dispõe o n.º 2 do artigo 640º do Código de Processo Civil,, do Código de Processo Civil, ”No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: De harmonia com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, publicado no DR 220, 1ª série, de 14 de Novembro de 2023), «Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa». Pode ler-se, na fundamentação - que permitimo-nos respeitosamente transcrever - do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência citado: «Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640[…]. 5 — Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada.». Ensina António Abrantes Geraldes[4] que o sistema actual de apelação que envolva a impugnação sobre a matéria de facto exige ao impugnante, o seguinte: «a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) O recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considera oportunos; (…) e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos e pendor genérico e [inconsequente].». Transpondo tais princípios para os presentes autos, trata-se, efectivamente, de aditamento à decisão da matéria de facto, os factos enunciados pelo recorrente sob os pontos nºs 23 e 24. Situação diversa ocorre com o facto identificado sob o nº22. Da leitura dos factos considerados não provados, facilmente se constata que aquele facto que o recorrente pretende que seja carreado, como facto provado, para a decisão da matéria de facto, já se monstra incluído nesta decisão, como facto não provado (cfr. facto constante do ponto 6 dos factos não provados: “O Autor contactou o Réu no dia 23/01/2023, dizendo-lhe que, no dia 22/12/2022, tinha ido almoçar na referida viatura e, no regresso, acenderam as luzes de aviso de avaria de motor e de aviso de óleo, mas que, mesmo assim, foi a conduzir até ao armazém em que trabalhava, onde a estacionou e desligou.”). Embora não identifique, nas conclusões, nem no corpo das alegações, que considera incorrectamente julgado o facto vertido no ponto 6 dos factos não provados e que pretende ver carreado para os factos provados um dos seus segmentos com a redacção “Em 23/01/2023, o autor comunicou ao réu a avaria ocorrida na viatura”, pode extrair-se do corpo das suas alegações que o recorrente entende que da prova produzida resulta demonstrado tal facto, constando das conclusões que pretende a sua inclusão nos factos considerados provados. Assim, embora de forma imperfeita, o recorrente cumpriu o ónus imposto pela alínea a) do nº1 do artigo 640º do CPC, permitindo o exercício do contraditório ao recorrido, atento o teor da resposta apresentada, peça processual na qual o recorrido se pronunciou sobre os elementos de prova indicados pelo recorrente, considerando que este se limitou “a indicar excertos dos depoimentos que lhe interessam, deles fazendo uma leitura diferente da realizada pelo Tribunal a quo, esquecendo toda a demais prova produzida”. Por último, e salvo o devido respeito, a observância dos pressupostos de ordem formal da impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto não está dependente do resultado alcançado aquando da apreciação do seu mérito. Feitas estas considerações, importa, então, apreciar a impugnação da decisão da matéria quanto à factualidade “[e]m 23/01/2023, o Autor comunicou ao Réu a avaria ocorrida na viatura”, vertida no ponto nº6[5] dos factos não provados e a pretensão recursória de aditamento dos factos enunciados pelo recorrente sob os pontos 22 e 23.
i. Impugnação da decisão proferida quanto ao facto “[e]m 23/01/2023, o Autor comunicou ao Réu a avaria ocorrida na viatura”, constante do ponto 6 dos factos não provados e sua inserção, nos factos provados [conclusão 1] Pretende o réu/recorrente que seja incluído, nos factos provados, o facto por si alegado no artigo 12º da contestação: “22. Em 23/01/2023, o Autor comunicou ao Réu a avaria ocorrida na viatura”. Sustenta que este facto tem interesse para a boa decisão da causa porquanto, o autor, detectada a avaria, tinha a obrigação de comunicá-la ao réu, por carta, correio electrónico ou por qualquer outro meio susceptível de prova, nos termos gerais, em conformidade com o disposto no nº 5 do artigo 12º do Decreto-Lei nº84/2021. O autor alegou ter comunicado a avaria, logo no dia 23/12/2022, mas tal foi impugnado pelo réu e dessa comunicação não foi feita qualquer prova, pelo que tal facto resultou não provado. No entanto, foi feita a comunicação pois, “o réu não é adivinho e só o autor, não o réu, é que podia ter detectado a desconformidade que ocorreu”. Acrescenta o recorrente que “foi por ter existido tal comunicação que o réu contratou a E... para apurar o que se passou”, facto que não está incluído nos factos provados mas que consta do documento nº9 junto com a contestação, não impugnado, e foi confirmado pelas testemunhas: Com base nestes elementos de prova, concluiu o réu que “tudo aponta para que a comunicação da desconformidade tenha ocorrido a 23/01/2023”, facto que pretende ver incluído nos factos provados. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, o documento nº9 junto com a contestação [orçamento elaborado por E..., S.A.] é inidóneo para demonstrar a data na qual o autor efectuou a comunicação da avaria da viatura, ao réu. Do conteúdo desse relatório resulta, apenas, que foi efectuada uma auditoria técnica mecânica à viatura adquirida pelo autor, ao réu, e que a auditoria foi requisitada em 9/2/2023. Não resulta a data na qual o autor comunicou essa avaria. Ouvida a gravação do depoimento da testemunha DD, filho do autor, salvo o devido respeito, não resulta do mesmo que a comunicação da avaria foi efectuada, pelo seu pai, “algumas semanas depois”. Efectivamente, entre o minuto 18.30 e o minuto 20.30, a testemunha referiu que “assistiu a uma chamada” entre o seu pai, ora autor, e o Senhor BB, ora réu, “algumas semanas depois” de ter ocorrido a avaria. Todavia, como refere o recorrido, não se pode analisar os depoimentos com base em “reduzidos excertos retirados do conjunto declarado e descontextualizados”. Ouvida a gravação do depoimento da testemunha DD, entre o minuto 18-11 e o minuto 18-30 – ou seja, os 18 minutos imediatamente antecedentes aos indicados pelo recorrente -, verificar-se-á, sem qualquer dúvida, que pela mesma não foi dito que nesse contacto telefónico, o seu pai, ora autor, efectuou a comunicação da avaria ao réu. Pelo contrário. Explicou a testemunha que, nesse contacto telefónico, já havia “desentendimento” entre o seu pai e o Senhor BB (réu), quanto à avaria da viatura adquirida e à sua reparação. Declarou a testemunha que quando ocorreu a avaria da viatura, “já era final de tarde, estava de saída e não presenciou a primeira comunicação” entre o seu pai e o réu e na qual aquele deu conhecimento a este da ocorrência. Esclareceu a testemunha que tomou conhecimento dessa comunicação pelo que o seu pai lhe transmitiu. Em data posterior, quando se encontrava em casa dos seus pais – o que justificou, acrescentando que costumava passar em casa dos pais, aos fins-de-semana -, ocorreu uma conversa telefónica entre o seu pai e o réu durante a qual estiveram ambos, “cerca de meia”, a falar “sempre o mesmo”. Declarou que “conseguiu ouvir parte” dessa conversa telefónica. Localizou esta conversa telefónica, entre o seu pai e o réu “nos primeiros dias de Janeiro, umas semanas depois” (e não um mês, desde 23/12/2022 a 23/1/2023) da avaria ter ocorrido. Pelo exposto, não decorre da prova que essa conversa entre autor e réu tenha ocorrido em 23/1/2023, ou seja, um mês após a avaria. Referiu a mesma testemunha que, nessa altura, já não existia entendimento entre o seu pai e o réu, clarificando, logo de seguida, qual o motivo: “uns dias, o Senhor BB vinha com a ideia de reparar; noutro dia, o Senhor BB já não pretendia reparar” mas “trocar a viatura”. Acrescentou a testemunha que numa dessas conversas telefónicas, entre o seu pai e o réu, aquele exigiu a reparação da viatura, tendo este respondido «vamos ver, vamos ver...» e, após essa conversa, “o Senhor BB não se responsabilizou por mais nada”, considerando injusto o seu pai ter de suportar o pagamento da quantia devida à oficina por ter sido “indicada pelo Senhor BB”. Concorda-se com o Tribunal a quo que na valoração do depoimento prestado pela testemunha DD não pode deixar de ser ponderado a relação de parentesco entre si e o autor. Como é manifesto, não tendo a testemunha presenciado a comunicação da avaria no próprio dia em que esta sucedeu, esse facto deve constar entre a matéria de facto não provada, tal como decidiu o Tribunal a quo (cfr. ponto 4 dos factos não provados). Porém, em momento algum do seu depoimento, a testemunha referiu ter estado presente aquando da comunicação da avaria ao réu ou que a comunicação da avaria foi efectuada durante a conversa telefónica que localizou nos “primeiros dias do mês de Janeiro” de 2024/ “algumas semanas depois” da ocorrência. Assim sendo, é manifesto que da prova indicada pelo réu, não se extrai que em “23/01/2023, o Autor comunicou ao Réu a avaria ocorrida na viatura. Todavia, atento o objecto destes autos, assiste razão ao recorrente quando refere tratar-se de facto pertinente para a decisão, saber se foi efectuada, ou não, a comunicação da avaria. O réu admitiu ter recebido a comunicação da avaria, incidindo a controvérsia, apenas, quanto à localização temporal dessa comunicação. Embora da prova não resulte demonstrado a data da efectivação dessa comunicação, dúvidas não subsistem que o réu admite que no dia 23/1/2023, pelo menos, já tinha tomado conhecimento, através do autor, da ocorrência. Assim, sendo, procede-se ao aditamento, aos factos provados, do ponto 22 com a seguinte redacção: “22. Em data não concretamente apurada mas, não posterior a 23/1/2023, o autor comunicou ao réu a avaria da viatura adquirida a este”. Procede, assim, parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto. Pretende o réu/recorrente que seja aditado, à decisão proferida quanto à matéria de facto, o seguinte facto, alegado na petição: “23. No dia 23/01/2022, o Autor ligou o motor que se manteve a trabalhar por, pelo menos, cinco minutos com o Autor no interior da viatura.” Advoga o recorrente que este facto tem interesse para a decisão da causa e encontra-se demonstrado pelo depoimento das testemunhas EE [aos minutos 2:20 a 2:43 e 3:20 a 3:40, disse que o autor, quando colocou o carro a trabalhar, ficou na viatura e que o motor parou 5 ou 10 minutos depois”], e DD [minuto 06:40 ao minuto 7:06, referiu que o seu pai, depois de pôr a viatura a trabalhar, nunca mais se ausentou do interior da viatura até ao motor parar], funcionário e filho do autor, respectivamente. Dos factos provados já consta, no ponto 7, que “No dia 23/12/2022, no dito armazém, o autor deu à ignição e colocou o motor a trabalhar, mantendo a viatura parada; um tempo depois ouviu um estalido e a viatura desligou-se e já não conseguiu colocá-la, novamente, a trabalhar.”. Ouvida a gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas pelo recorrente e atenta a posição assumida pelo autor, no artigo 23º da petição inicial, desde já se adianta que assiste razão ao recorrente. Declarou a testemunha EE que se encontrava no interior do armazém onde se encontrava a viatura. Ouviu o barulho do motor da viatura a trabalhar e, depois, “deixou de trabalhar”, dirigindo-se, então, ao local onde se encontrava a viatura, momento em que viu o autor a sair do seu interior. Assim, por esta testemunha não foi referido ter visto o autor sentado no interior da viatura, no banco do condutor, no momento em que começou a escutar o som do motor da viatura ou em qualquer outro momento. Inquirida sobre o tempo decorrido desde o momento em escutou o som do motor da viatura e o momento em que a viatura “deixou de trabalhar”, a testemunha respondeu “cinco ou dez minutos, talvez”. Pelo exposto, a testemunha não observou o que sucedeu entre o momento em que o autor colocou o motor da viatura a funcionar e o momento em que o mesmo deixou de funcionar, mas, apenas, depois deste acontecimento e sobre o tempo em que a viatura esteve a funcionar, o seu depoimento não apresenta consistência. A testemunha DD declarou que estava a 20/30 metros de distância e que a viatura esteve a funcionar durante 2/3 minutos - e não durante “cinco ou dez minutos”, período avançado, em termos dubitativos, pela anterior testemunha -, momento em que escutou “um estalo mecânico” e a viatura deixou de trabalhar. Declarou, ainda, que o seu pai permaneceu sentado, no interior do veículo. Como já foi referido, na valoração do depoimento prestado pelo filho do autor, não pode deixar de ser ponderada a relação de parentesco entre ambos, não existindo qualquer outro elemento de prova que corrobore os factos por si narrados. Todavia, conforme se referiu, no articulado por si apresentado, o autor admite que durante, pelo menos, cinco minutos, a viatura esteve a trabalhar, estando ele no seu interior. Tal facto mostra-se desfavorável à posição do autor e favorável à posição do réu, na medida em que este atribui a responsabilidade pela extensão dos danos (admite a sua responsabilidade limitada à bomba de óleo) ao facto de aquele não ter atendido aos avisos luminosos e sonoros do sistema de avisos com que a viatura está equipada, insistindo em manter o motor em funcionamento até que esses danos se produziram. Pelo exposto, considera-se demonstrada a factualidade indicada pelo recorrente. Procede, assim, nesta parte, o recurso e, em consequência, altera-se o ponto 7 dos factos provados, passando a constar do mesmo a seguinte redacção: “7 - No dia 23/12/2022, no dito armazém, o autor deu à ignição e colocou o motor a trabalhar, mantendo a viatura parada. O motor esteve a trabalhar durante, pelo menos, cinco minutos, permanecendo o autor no interior da viatura, momento em que ouviu um estalido e a viatura desligou-se, já não tendo conseguido colocá-la, novamente, a trabalhar”. Sustenta o réu/recorrente que: _ “é do conhecimento geral que as viaturas automóveis de motor a combustão interna vêm equipadas com avisadores de pressão de óleo que se destinam a alertar os condutores quando a pressão do óleo no motor é inferior à normal de funcionamento, devendo estes, quando activados os alertas, desligar o motor quando alertados, até se descobrir a causa dessa baixa de pressão e repor a normalidade. O fim desses alertas é evitar que, com a continuação dos motores em funcionamento em falência da lubrificação, se venham a produzir neles danos mais graves”. _ A testemunha FF é “bem conhecedora da viatura” objecto destes autos pois, fez a sua revisão antes de ser entregue ao autor. Declarou a testemunha que a “viatura vem equipada com três avisos diferentes de insuficiente pressão de óleo - um aviso luminoso em quadrante, um aviso em ponteiro e ainda um aviso sonoro -” e que “este veículo está equipado com duas válvulas de pressão de óleo, uma para a luz e outra para o ponteiro, e que não avariam ao mesmo tempo”. Com esta fundamentação e por considerar que tem “interesse para a boa decisão da causa”, pretende que seja aditado, aos factos provados, o seguinte: “24. O veículo em causa nos autos está equipado com três avisos de falta de pressão de óleo, sendo um luminoso, outro de ponteiro e outro sonoro e tem duas válvulas diferentes, sendo uma para o aviso luminoso e outra para o aviso de ponteiro” . Esta factualidade não foi alegada por qualquer das partes, nos articulados. Constituindo factualidade relevante para alicerçar a defesa por excepção, não podia deixar de ser articulada pelo réu. Resultando da instrução da causa, ainda que se considerasse tratar-se de factos concretizadores dos alegados pelas partes, não podem ser tomados em consideração pelo Tribunal ad quem por não se mostrar cumprido o exercício do contraditório (artigo 2º, alínea b) do artigo 5º). Por último, factos notórios são apenas aqueles que sejam do conhecimento geral, ou seja, os que sejam do conhecimento da massa dos cidadãos portugueses regularmente informados[6], isto é, com acesso aos meios normais de informação. A circunstância de a viatura em causa nos autos se encontrar equipada “com três avisos de falta de pressão de óleo, sendo um luminoso, outro de ponteiro e outro sonoro” e possuir “duas válvulas diferentes, sendo uma para o aviso luminoso e outra para o aviso de ponteiro” não constitui facto notório. Pelo exposto, improcede, nesta parte, a pretensão recursória do recorrente/réu. * De harmonia com o disposto no artigo 662º, nº2, alínea c), do CPC, a Relação deve, mesmo oficiosamente, “[a]nular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”. Foi alegado pelo autor, no artigo 23º da petição, que “o custo da reparação do defeito/avaria manifestado na viatura ascende à quantia de 71.491,20€ (setenta e um mil quatrocentos e noventa e um euros e vinte cêntimos)”. O Tribunal a quo não se pronunciou – decidindo como provado ou não provado - sobre este facto, sendo o mesmo relevante para a decisão a proferir considerando que pelo autor foi peticionada a redução do preço da viatura, calculada com base no custo da sua reparação, e mostra-se impugnada, neste recurso, a decisão proferida pelo Tribunal a quo, de procedência desse pedido. Vejamos qual a prova produzida. O orçamento ao qual o autor aludiu para demonstrar aquele facto, mostra-se impugnado pelo réu. A testemunha DD, filho do autor, referiu que as peças para reparação do motor da viatura adquirida têm de ser importadas, esclarecendo desconhecer o preço exacto de cada peça. Mencionou ainda, a existência de motores usados, para a viatura, no valor de €20.000,00. O depoimento da testemunha FF, arrolada pelo réu, não incidiu sobre esta matéria. Sendo esta a prova, não se encontra demonstrado o custo da reparação dos danos elencados no ponto 9 dos factos provados. Assim, importa aditar aos factos não provados, o seguinte: 10. O custo da reparação da viatura, adquirida pelo autor, ao réu, tendo por referência as anomalias constantes do ponto 9 dos factos provados, ascende à quantia de 71.491,20€ (setenta e um mil quatrocentos e noventa e um euros e vinte cêntimos). * Em conclusão, procede-se à alteração da decisão da matéria de facto, proferida pelo Tribunal a quo, nos seguintes termos: i. Altera-se a redacção do ponto 7 dos factos provados, passando o mesmo a conter a seguinte factualidade: “7 - No dia 23/12/2022, no dito armazém, o autor deu à ignição e colocou o motor a trabalhar, mantendo a viatura parada. O motor esteve a trabalhar durante, pelo menos, cinco minutos, permanecendo o autor no interior da viatura, momento em que ouviu um estalido e a viatura desligou-se, já não tendo conseguido colocá-la, novamente, a trabalhar”. ii. Adita-se, aos factos provados, o ponto 22, com a seguinte redacção: 22. Em data não concretamente apurada mas, não posterior a 23/1/2023, o autor comunicou ao réu a avaria da viatura adquirida a este. iii. Adita-se, aos factos não provados, o ponto 10, com a seguinte redacção: 10. O custo da reparação da viatura, adquirida pelo autor, ao réu, tendo por referência as anomalias constantes do ponto 9 dos factos provados, ascende à quantia de 71.491,20€ (setenta e um mil quatrocentos e noventa e um euros e vinte cêntimos).
2ª Questão Dissente o recorrente da decisão proferida pelo Tribunal a quo quanto à inversão do ónus da prova. Advoga que o autor, ao invés de comunicar-lhe a avaria logo que a detectou, como impõe a boa fé e a lei, fê-lo um mês depois dessa ocorrência. “Em resultado de, logo em 26/12/2022, o Autor ter levado o veículo à oficina da Ford e ordenado a abertura do motor, o que foi feito, perderam-se os dados da centralina, nomeadamente os relativos às anomalias de funcionamento dos vários componentes do veículo e das datas em que ocorreram e Kms percorridos”. Acrescenta que não descortina “outra razão para o veículo ter sido levado à oficina da Ford e o motor ter sido aberto senão a de fazer desaparecer os registos existentes da centralina antes da comunicação ao Réu da desconformidade, assim tornando[-lhe] impossível [fazer] prova de que os danos no motor resultaram, não da avaria da bomba de óleo, mas de o [autor] ter ignorado os avisos de falta de pressão de óleo e mantido o motor do veículo em funcionamento” [conclusões 5, 6 e 7]. Argumenta, ainda - articulação entre a conclusão 7 e o corpo das alegações (pág.7) – que não é crível que uma oficina da marca não saiba que, ao abrir o motor sem antes preservar, seja porque forma for, os dados da centralina, estes perdem-se definivamente, aludindo, ainda, aos conhecimentos de mecânica que o autor possui e ser “motorista de pesados”, factos confirmados pela testemunha DD. Conclui o recorrente que o autor/recorrido “agiu com culpa ao tornar essa prova impossível ao Réu” e que “ao contrário do que considerou o Tribunal recorrido, há inversão do ónus da prova, devendo, em consequência, entender-se que é sobre o Autor que recai o ónus de provar que os alarmes não foram accionados. E tal prova não foi feita.”. Vejamos se assiste razão ao recorrente. Dispõe o artigo 342º do Código Civil que: “1. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado. 2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita. 3. Em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito.”. Nos termos do nº2 do artigo 344º do Código Civil, verifica-se a “inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações.”. A propósito do nº2 do artigo 344º do Código Civil, escreve Luís Filipe Pires de Sousa[7], «O fundamento de inversão do ónus da prova prevista no nº 2 é a justa (re)distribuição do ónus da prova. A inversão estabelecida no nº2 «significa que passa a ser a parte responsável pela frustração da prova a ter o ónus de provar o facto contrário de que a parte inicialmente onerada teria de provar. O nº 2 tem como pressupostos: uma conduta ilícita e culposa da contraparte; um resultado de impossibilidade de prova para a parte onerada; o nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa e entre a impossibilidade. Acompanhando Pires Salpico, cabe à parte inicialmente onerada com a prova demonstrar, tendo em vista beneficiar da inversão do ónus da prova, o seguinte: «que existe ou existiu um meio prova, que o meio prova seria relevante para a decisão da causa (pressuposto positivo do nexo da causalidade), de que não restam outros meios de prova relevantes (pressuposto negativo do nexo de causalidade) e que o mesmo se encontrava em posse da contraparte ou, em condições de serem alterados pela contraparte (componente para o pressuposto da ilicitude e da culpa)». Este nº 2 prevê a violação de um dever material de conservação de meios de prova que emerge de diversos dispositivos legais, tais como os artigos 574º e 575º Código Civil, 44º do Código Comercial, artigo 4º, nº 3, da Lei 41/2004, e artigos 47º, nº 5, al. a) e 48º, nº 7, da Lei 5/2004 das Comunicações Eletrónicas, podendo afirmar-se que o direito civil consagra um dever geral substantivo de conservação de coisas que são (ou possam vir a ser) meios de prova. José Lebre de Freitas[8] entende que se verifica o condicionalismo do nº2 do artigo 344º do Código Civil quando a conduta do recusante impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir, já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos. Se outra prova dos factos em causa não existir ou, existindo, for insuficiente, a recusa pode dar lugar à inversão do ónus da prova, que ficará a cargo da parte não cooperante. Volvendo aos presentes autos, a conclusão do recorrente assenta em premissas que não se encontram demonstradas, sendo sobre si que impende o ónus de prova de tais circunstâncias. Os argumentos aduzidos pelo recorrente são os seguintes: _ O autor só comunicou a avaria decorrido um mês sobre essa ocorrência. Tal facto não se encontra demonstrado. Dos factos provados resulta, simplesmente, que a viatura adquirida pelo autor, em 15/2/2022, ao réu, no dia 23/12/2022, avariou: no armazém, “o autor deu à ignição e colocou o motor a trabalhar, mantendo a viatura parada; um tempo depois ouviu um estalido e a viatura desligou-se e já não conseguiu colocá-la novamente a trabalhar”. Foi comunicada a ocorrência à Ré, mas não se encontra demonstrada a data em que a mesma foi realizada. _O autor levou a viatura à oficina da marca Ford e ordenou a abertura do motor, o que foi feito antes efectuar a comunicação, ao réu, da avaria, tornando-lhe, assim, impossível fazer prova de que os danos no motor resultaram, não da avaria da bomba de óleo, mas de o autor ter ignorado os avisos de falta de pressão de óleo, mantendo o motor do veículo em funcionamento. Não resulta da factualidade provada que a colocação da viatura, na oficina da marca Ford, pelo autor, e a autorização dada por este para a abertura do motor dessa viatura, antecedeu a comunicação, ao réu, da avaria. _ O autor é motorista de pesados e “tem alguns conhecimentos de mecânica”. Salvo o devido respeito, “alguns conhecimentos de mecânica” não permitem extrair a conclusão que o autor tinha conhecimento que aberto o motor, seria perdida toda a informação constante da centralina. Concordamos com o recorrente que “não é credível que uma oficina da marca Ford não saiba que, ao abrir o motor sem antes preservar, seja porque forma for, os dados da centralina, estes se perdem definivamente”. Todavia, a questão não se centra no conhecimento da oficina mas, no conhecimento que o autor possuía e se a colocação da viatura, nessa oficina, foi efectuada em data prévia à comunicação do sucedido, ao réu. Como refere o Tribunal a quo, “o nº2 do artigo 344ºdo Código Civil exige dois requisitos: _ que a impossibilidade da realização da prova de um determinado facto se tenha tornado impossível de fazer, por acção (ou inacção) da parte contrária e; _ que tal acção/inacção da parte contrária lhe seja imputável a título culposo - cf. Acórdão do STJ de 18/5/2010, disponível em www.dgsi.pt. Ora, pese embora a perda dos registos da centralina do veículo seja decorrente da abertura do motor autorizada pelo autor, os factos não permitem dizer que ele actuou culposamente. Isto é, que estava ciente que a abertura do motor resultaria na perda dos dados registados na centralina. Logo, não há inversão do ónus da prova.”. Pelo exposto, improcede, nesta parte, o recurso.
3ª Questão Invoca o recorrente que o autor/recorrido não comunicou a avaria nos termos previstos no artigo 12º, nº5, do Decreto-Lei 84/2021. Dispõe o nº5 do artigo 12º do Decreto-Lei 84/2021 que “A comunicação da falta de conformidade pelo consumidor deve ser efetuada, designadamente, por carta, correio eletrónico, ou por qualquer outro meio suscetível de prova, nos termos gerais”. Em regra, as exigências legais de forma são ad substantiam, como se retira do disposto no art.º 220.º do C.C. que comina com a nulidade a inobservância da forma legalmente prescrita (n.º 1 do art.º 364.º). Admite, contudo, o referido artigo 220.º, que a lei preveja outra sanção para a falta de forma. É o que ocorre quando o documento seja exigido apenas para facilitar a prova da declaração – formalidade ad probationem. Neste caso, da inobservância da forma legalmente imposta apenas resulta dificultada a prova, não sendo afectada a validade do acto, que, porém, só poderá ser provado ou por um meio mais solene, com força probatória superior à do documento exigido, ou por confissão, de acordo com o disposto no n.º 2 do acima mencionado art.º 364.º. Assim, a distinção doutrinária entre formalidades “ad substantiam” e formalidades “ad probationem” radica no facto de as primeiras serem insubstituíveis por outro meio de prova e cuja inobservância gera a nulidade (cfr. artigo 220º CC), enquanto que as segundas, a sua falta pode ser suprida por outros meios de prova, nos termos do artigo 364º, nº2, do C.C. De harmonia com o disposto no artigo 352º do Código Civil, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. A confissão feita nas peças processuais, pelo Mandatário da parte e aceite pela contraparte, de forma expressa, clara e inequívoca, nos termos e para os efeitos dos artigos 46º e 465º, nº 2, ambos do Código de Processo Civil, adquire força probatória plena contra o confitente, nos termos do artigo 358º, nº1 do Código Civil, como modalidade de confissão judicial escrita. No caso, estamos perante uma formalidade “ad probationem”. Conforme já se referiu, o Ilustre Mandatário do réu, na contestação e na peça de recurso, admitiu que o autor efectuou a comunicação da avaria. Uma das suas pretensões recursórias consiste, precisamente, na inclusão desse facto na matéria de facto considerada provada. O autor afirmou, no seu articulado, ter efectuado tal comunicação, Pelo exposto, encontra-se demonstrada a comunicação da avaria, pelo autor, ao réu, imposta pelo disposto no nº 5 do artigo 12º do Decreto-Lei 84/2021. Improcede, nesta parte, o recurso.
4ª Questão Dissente o réu/recorrente da decisão proferida pelo Tribunal a quo por ter sido considerado responsável pela totalidade dos danos verificados na viatura e não, apenas, pela substituição da bomba de óleo, responsabilidade que nunca enjeitou [conclusão 9]. A questão suscitada consiste em saber se existe responsabilidade do réu/recorrente, enquanto vendedor, pelos danos que a viatura vendida apresenta ou se, pelo contrário, a sua responsabilidade está limitada à bomba de óleo. Não é ponto de controvérsia a celebração entre as partes de um contrato de compra e venda que teve por objecto um veículo usado cuja falta de conformidade se manifestou posteriormente à entrega. Nesse contrato de compra e venda, o réu/recorrente é o vendedor e o autor/recorrido, o comprador. O contrato de compra e venda de veículo usado celebrado entre as partes integra-se na subcategoria de contrato de compra e venda de bem de consumo, considerando que ficou provado que o autor, ora recorrido, adquiriu o veículo para uso não profissional [ ponto 6 dos factos provados: O A. não utilizava a viatura diariamente, uma vez que a mesma foi adquirida apenas para passeios esporádicos]. A compra e venda vem definida no artigo 874º do Código Civil, como sendo “o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”. Deste modo, a celebração deste tipo de contrato gera obrigações recíprocas: a obrigação do vendedor de transmitir a propriedade da coisa ou a titularidade do direito e a obrigação de entregar a coisa; e a obrigação do comprador de pagar o preço - artigos 879º, 882º e 883º, todos do Código Civil. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, sendo o contrato de compra e venda o acordo mediante o qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (art. 874º do CC), submetido ao princípio da liberdade de forma (art. 219º, ex vi, art. 875º do CC), tratando-se, por isso, de um negócio consensual, que pode ser celebrado por escrito ou verbalmente, quando seja celebrado pela forma verbal, fica concluído mal se forme o consenso entre vendedor e comprador. Embora a obrigação de conformidade com o contrato derive já dos princípios gerais e do regime legal do contrato de compra e venda no Código Civil (arts. 406º, 763º, 879º e 882º), o consumidor adquirente de coisa defeituosa beneficia, ainda, da protecção conferida pela Lei de Defesa do Consumidor,[9] [10] bem como, se aplicável, do regime de compra e venda celebrado entre profissionais e consumidores, instituído pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, e pelo Decreto-Lei nº 9/2021, de 29/01; e, actualmente, regulado pelo Decreto-Lei 84/2021, de 18 de Outubro) que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Maio de 1999, estipulando o artigo 5º do Decreto-Lei 84/2021 que o vendedor “deve entregar ao consumidor bens que cumpram os requisitos constantes dos artigos 6º a 9º”. Trata-se de direito com consagração constitucional, no âmbito dos direitos fundamentais, conforme resulta do disposto no artº 60 da nossa Constituição. Nos termos deste imperativo constitucional, aos consumidores é garantido o “direito à qualidade dos bens e serviços consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, bem como à reparação de danos.”[11] O Decreto-Lei 84/2021, de 18 de Outubro, regula as relações de consumo, nomeadamente a compra e venda de consumo – ou seja, a compra e venda celebrada entre um profissional e um consumidor – e sendo um regime especial, prevalece sobre o regime geral do Código Civil. Assim sendo, o contrato em discussão nos autos será apreciado à luz do preceituado no referido Decreto-Lei n.º 84/2021, sem prejuízo da aplicação das normas gerais do Código Civil no que não for expressamente regulado pelo regime resultante do citado diploma. De acordo com o regime geral de compra e venda, recai sobre o comprador o ónus de alegação e prova de que existe um defeito da coisa vendida (artº 342 do C.C.) Provado o defeito da coisa, estabelece o artº 799 do C.C., a presunção de culpa do vendedor, cabendo a este a prova de que o defeito não provém de culpa sua. No âmbito das relações entre consumidor e vendedor profissional, por força do regime decorrente do Decreto-Lei nº 84/2021, a prova de que a falta de conformidade já existia, no momento da entrega do bem, cabe ao consumidor (cfr. decorre do disposto nos artigos 12º, nº1 e nº 2, alínea c), e 13º, nºs 1 e 2, do D.L. 84/2021). No entanto, o artigo 13º, nº1, do D.L.14/2021, veio estabelecer uma presunção de que as faltas de conformidade que se verifiquem num prazo de dois anos a contar da data da entrega do bem, já existiam nessa data, salvo quando essa presunção for incompatível com a natureza do bem ou com as características da falta de conformidade. Decorrido esse prazo, passa a caber ao consumidor demonstrar que a falta de conformidade já existia a data de entrega do bem (artigo 13º, nº4, do DL 84/2021). Assim, sobre o comprador que alegue e demonstre a desconformidade, no prazo de dois anos a contar da data da entrega do bem, não impende o ónus de alegar e provar a causa concreta da origem do mau funcionamento e a sua existência à data da entrega (v. arts. nº1, do art. 342º, 349º e nº1, do 350º, do Código Civil). Apenas tem de alegar e demonstrar o defeito de funcionamento da coisa adquirida (a desconformidade do bem vendido) e que essa desconformidade se manifestou dentro do prazo de dois anos, a contar da entrega (cfr. decorre do disposto nos artigos 12º, nº1 e nº 2, alínea c), e 13º, nºs 1 e 2, do D.L. 84/2021). Uma vez provado o facto que dê origem à presunção de desconformidade, terá o vendedor o ónus de alegar e provar que a causa do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa vendida e imputável ao comprador (designadamente por falta de diligência ou violação de deveres de cuidado), a terceiro ou devida a caso fortuito. A este propósito, escreve Menezes Leitão[12], “A imposição ao vendedor da garantia de conformidade implica uma alteração substancial bastante importante no regime da compra e venda de bens de consumo, na medida em que vem afastar a solução tradicional do caveat emptor, segundo ao qual caberia sempre ao comprador aquando da celebração do contrato, assegurar que a coisa adquirida não tem defeitos e é idónea para o fim a que se destina. Face ao novo regime da venda de bens de consumo, esta averiguação deixa de ser imposta ao consumidor para ser objecto de uma garantia específica, prestada pelo vendedor, cabendo a ele o ónus da prova, segundo as regras gerais, de ter cumprido essa obrigação de garantia.” Em síntese, a presunção constante do artigo 13.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º84/2021 liberta o consumidor da difícil prova da existência de falta de conformidade no momento da entrega do bem, não deixando no entanto de ter de provar a falta de conformidade. O vendedor pode sempre ilidir esta presunção se provar que a falta de conformidade não existia no momento da entrega, devendo-se a facto posterior que não lhe seja imputável, mas, não o fazendo, tem-se esta por verificada, excepto se incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade. A responsabilidade civil pela venda de coisa defeituosa encontra acolhimento, no nosso ordenamento civil, nos artigos 913º a 915º do Código Civil. Dispõe o nº1 do artigo 913º do Código Civil que “Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”. Verificando-se o defeito da coisa vendida, estabelece o artigo 15.º do Decreto-Lei 84/2021, quanto aos direitos do consumidor que «em caso de falta de conformidade do bem, [o] consumidor tem direito: a ) À reposição da conformidade, através da reparação ou da substituição do bem; b) À redução proporcional do preço; ou c) À resolução do contrato. A propósito do artigo 913º do Código Civil, ensina Manuel A. Carneiro da Frada[13], “Contempla-se aí o vício que desvaloriza a coisa ou que impede a realização do fim a que é destinada, e a falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias à realização daquele fim, esclarecendo-se também, que na determinação do fim e sempre que o contrato seja omisso, se deve atender à função normal das coisas da mesma categoria. Ressalta da enumeração precedente a parificação entre os vícios e a falta de qualidade quanto ao regime instituído”. Sobre a querela acerca da natureza objectiva ou subjectiva do defeito da coisa, refere “Para os objectivistas o defeito (…) verifica-se logo que a coisa vendida não corresponda às características objectivas do género em que se integra, isto é, quando não tenha os préstimos necessários à utilização usual ou comum das coisas da mesma categoria. Os subjectivistas, por seu turno, assentam o critério do defeito na idoneidade da coisa em relação ao uso contratualmente previsto: decisivo será o fim que se desprende do contrato”. Conclui que “o vício da coisa se traduz numa sua imperfeição material (...) que afecta a sua utilizabilidade ou valor para o comprador”. Assim, a coisa é defeituosa quando esteja afectada por vícios materiais ou vícios físicos, ou seja, por defeitos intrínsecos da coisa, inerentes ao seu estado material, em desconformidade com o contratado, uma vez que não corresponde às características acordadas ou legitimamente esperadas pelo comprador. Ensina Pedro Romano Martinez [14], “A coisa é defeituosa se tiver um vício ou se for desconforme àquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal das coisas daquele tipo, enquanto que a desconformidade representa uma discordância com respeito ao fim acordado.” acrescentando o mesmo autor que “Quando não houver acordo específico das partes acerca do fim a que a coisa se destina atende-se à função normal de coisas da mesma categoria (art. 913º, nº 2, CC). Há um padrão normal relativamente à função de cada coisa, e é com base nesse padrão que se aprecia da existência do vício.” Para Luís Menezes Leitão [15], “A aplicação do regime da venda de coisas defeituosas assenta em dois pressupostos de natureza diferente, sendo o primeiro a ocorrência de um defeito e o segundo a existência de determinadas repercussões desse defeito no âmbito do programa contratual. Quanto ao primeiro pressuposto, a lei faz incluir assim no âmbito da venda de coisas defeituosas, quer os vícios da coisa, quer a falta de qualidades asseguradas ou necessárias. Apesar de a distinção entre vícios e falta de qualidades não se apresentar tarefa fácil, parece que se poderá sustentar que a expressão "vícios", tendo um conteúdo pejorativo, abrangerá as características da coisa que levam a que esta seja valorada negativamente, enquanto que "a falta de qualidades", embora não implicando a valoração negativa da coisa, a coloca em desconformidade com o contrato. Em relação ao segundo pressuposto, para que os defeitos da coisa possam desencadear a aplicação do regime da venda de coisas defeituosas toma-se necessário que eles se repercutam no programa contratual, originando uma de três situações: a desvalorização da coisa; a não correspondência com o que foi assegurado pelo vendedor e a sua inaptidão para o fim a que é destinada. A primeira situação refere-se aos vícios e a segunda à falta de qualidades, enquanto que a terceira abrange estas duas situações.” Transpondo tais princípios para o caso dos autos, resulta da matéria de facto provada que no dia 15 de Fevereiro de 2022, o autor comprou ao réu uma viatura automóvel, de marca Ford, modelo ..., com a matricula ..-..-RH, de combustível gasolina, no estado de usada. No dia 23/12/2022, o autor colocou o motor a trabalhar, mantendo a viatura parada; e passado um tempo não concretamente apurado, ouviu um estalido e a viatura desligou-se, não tendo aquele conseguido colocá-la novamente a trabalhar. Em data não concretamente apurada, mas não posterior a 23 de Janeiro de 2023, o autor comunicou – por meio não apurado - a avaria ao réu. A viatura apresenta as seguintes anomalias: motor bloqueado, não rodando de forma manual; corrente de distribuição partida, tendo a mesma trancado todo o mecanismo de distribuição do motor; fortes sinais de gripagem na cabeça e nas árvores de cames do lado direito do motor; e sinais de gripagem nos cilindros do motor. Tais anomalias foram motivadas por uma avaria na bomba de óleo, por cedência do anel de compressão do óleo, factor que desencadeou uma deficiente pressão de óleo no circuito do motor e provocou danos irreparáveis no motor, tendo a correia de distribuição ficado partida e o motor completamente danificado (gripado). O réu/recorrente admite a verificação da avaria na bomba de óleo, bem como a sua responsabilidade pela reparação desse dano. Todavia, rejeita a responsabilidade pelos demais danos verificados que imputa ao autor. Decorre da matéria de facto provada que imobilizada a viatura imediatamente após serem accionados os sistemas de aviso de falha de pressão de óleo, os danos limitar-se-iam à avaria da bomba de pressão de óleo. Contudo, não se encontrando demonstrado se ocorreu, ou não, o funcionamento dos avisadores de falha de pressão de óleo, sendo sobre o réu que impende o ónus de prova dessa factualidade. Como refere o Tribunal a quo, “segundo o réu, os danos no motor não decorrem de uma falta de conformidade do bem com o contrato mas da actuação descuidada do autor que deveria ter imobilizado a viatura, [após o primeiro] accionamento dos alertas da falha de pressão de óleo. Mas não se apurou se os alertas se ligaram ou não. E cabia ao réu fazer essa prova.”. Contrariamente ao defendido pelo recorrente, é sobre si, vendedor, que recai o ónus de ilidir a presunção e provar que a falta de conformidade não existia no momento da entrega e que se deveu a facto posterior que não lhe seja imputável, o que não sucedeu. Pelo exposto, o réu/recorrente responde pela totalidade dos danos verificados na viatura, pelo que improcede, o recurso nesta parte.
5ª Questão Dissente o réu/recorrente da redução do preço que o autor pagou pela viatura marca Ford, modelo ..., com a matrícula ..-..-RH e da sua condenação a devolver-lhe a quantia de 33.858,00€ (trinta e três mil oitocentos e cinquenta e oito euros) porquanto, considera que “não é correcto, como fez o Tribunal recorrido, para encontrar a proporção da redução, recorrer ao valor de venda alegado pelo Autor que o próprio Tribunal deu por não provado e ao valor do orçamento para reparação com motor novo, orçamento aliás impugnado, quando a reparação, podia ser feita com um motor usado em boas condições pois, que o veículo já foi vendido no estado de usado, substancialmente mais barato, como a testemunha filho do Autor reconheceu”. Advoga, ainda, que se impunha, no caso da redução do preço, “levar em conta a contribuição do Autor para a extensão dos danos no motor, que o Réu considera ser total mas que, de qualquer modo, não está determinada” [conclusões 10 e 11]. Não foi objecto deste recurso a questão da existência de hierarquia entre os direitos à disposição do consumidor nos casos em que ocorre a desconformidade da coisa vendida. Nessa medida, proceder-se-á à apreciação e decisão da expressão quantitativa da redução do preço. Considerando a factualidade demonstrada e o acima exposto a propósito da presunção decorrente do artigo 13º do Decreto-Lei n 84/2021, não assiste razão ao recorrente no que tange à “contribuição do autor, para a extensão dos danos no motor”. Atentas as regras do ónus da prova, é sobre si que recai o ónus de prova – e de alegação – de factos demonstrativos da alegada contribuição do autor para a ocorrência do dano, não resultando da factualidade provada qualquer conduta do autor da qual se possa extrair qualquer contributo para a produção do evento. No que concerne aos danos a reparar, encontram-se os mesmos apurados, atento o conteúdo do ponto 9 dos factos provados: a viatura adquirida pelo autor apresenta as seguintes anomalias: motor bloqueado, não rodando de forma manual; corrente de distribuição partida, tendo a mesma trancado todo o mecanismo de distribuição do motor; fortes sinais de gripagem na cabeça e nas árvores de cames do lado direito do motor; sinais de gripagem nos cilindros do motor”. Estes são os danos do veículo cuja reparação se impõem (cfr. a decisão dada por este tribunal à 4ª questão quanto à medida da responsabilidade do réu). Todavia, já assiste razão ao recorrente quanto ao cálculo efectuado pelo Tribunal a quo da proporção da redução, com recurso “ao valor de venda alegado pelo Autor que o próprio Tribunal deu por não provado e ao valor do orçamento (…) impugnado”. A redução do preço é feita nos termos do artigo 19º do Decreto-Lei 84/2021 que dispõe: “A redução do preço é proporcional à diminuição do valor dos bens que foram recebidos pelo consumidor, em comparação com o valor que teriam se estivessem em conformidade.” Consta da sentença recorrida que “O autor nada alegou sobre o valor do automóvel que recebeu em comparação com o valor que teria se estivesse em conformidade. Nem nada se provou a esse respeito. Contudo, da p.i. decorre que o autor lhe atribui o valor correspondente ao preço que, alegadamente, pagou: 104.500,00€. E o autor argumenta que a desvalorização corresponde ao custo da reparação. O que faz sentido. Assim, a desvalorização foi de 71 491,20€ em 104.500,00€ = 68,4%. Do preço comprovadamente pago, o réu tem a devolver ao autor 49.500,00€ x 68,4%= 33.858,00€. Considerado provado que o “preço acordado foi, pelo menos, o de 49.500,00 €, pago, em parte, em dinheiro e, noutra parte, pela retoma da viatura do autor, o Porsche com a matrícula ..-..-NQ”, o preço a utilizar no cálculo é o que se encontra provado e não qualquer outro que tenha sido alegado nos articulados. O mesmo sucede com o custo da reparação da viatura que consta de um orçamento que se mostra impugnado (artigo 19º da contestação). Incumbe ao autor a demonstração do custo da reparação pois, constitui facto integrante da causa de pedir[16]. Não tendo logrado demonstrar esse facto, não pode o mesmo ser utilizado no cálculo da redução do preço. A não prova de um facto alegado equivale à não articulação desse facto, tudo se passando como se o mesmo não existisse. De harmonia com a disposição citada, a redução do preço deve, em regra, ser determinada pela diferença entre o preço acordado e o valor objectivo da coisa com defeito. Sobre a redução do preço, à luz do artigo 19º do Decreto-Lei 84/2021, refere Luís Manuel Teles Menezes Leitão[17], «Haverá [que] determinar qual a diminuição do valor dos bens, em virtude da desconformidade com o contrato, reduzindo o preço devido pelo comprador nessa proporção. Caso comprador já tenha pago o preço respectivo pela totalidade, o excesso deverá ser-lhe restituído.». Conforme resulta do já exposto, o quadro fáctico apurado não permite aferir qual o valor da viatura em virtude das anomalias que apresenta e especificadas no ponto 9 dos factos provados. A questão que se coloca consiste em saber se o tribunal pode, com recurso à equidade, fixar o valor da redução do preço da viatura. De acordo com o disposto no artigo 566º do Código Civil: “1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor. 2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. 3. Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.” Dispõe o artigo 913º, nº 1 do CC, “Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes”. Na secção referente à compra e venda de bens onerados, sob a epígrafe “Redução do preço”, dispõe o nº1 do artigo 911º do C.C. que a redução do preço será realizada “em harmonia com a desvalorização resultante dos ónus ou limitações”, estipulando o nº 2 que “São aplicáveis à redução do preço os preceitos anteriores, com as necessárias adaptações”. Sob a epigrafe “redução do preço”, dispõe o artigo 884º do CC: “1. Se a venda ficar limitada a parte do seu objecto, nos termos do art. 292º ou por força de outros preceitos legais, o preço respeitante à parte válida do contrato é o que neste figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global. 2. Na falta de discriminação, a redução é feita por meio de avaliação”. Na situação dos autos, não se mostra possível o recurso ao critério previsto no n.º 1 do art.º 884.º do C.Civil, uma vez que tal pressupõe que o preço global do bem seja descriminado em parcelas, associando-se uma parte do preço a uma parte do bem, o que no caso da venda de uma viatura não acontece. Assim, a resposta à determinação da redução do preço está no n.º 2, ou seja, a redução é feita por meio de avaliação. Essa avaliação não foi requerida por nenhuma das partes, nem determinada oficiosamente pelo tribunal a quo. O artigo 609º, nº2, do CPC estabelece que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida. Sobre a questão, ensina o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 25/3/2003[18], «Ainda que se entenda que a redução do preço não corresponde a uma indemnização, em certos casos a redução do preço pode ter um efeito prático idêntico ao da indemnização, mormente quando se pede o pagamento de quantia necessária para pagar o custo das obras de reparação. Nos quatro métodos propostos por P. Romano Martinez para determinar o montante do preço a reduzir sempre terá lugar de relevo a avaliação, nomeadamente no método estabelecido no art. 50º da Convenção de Viena que atende ao preço acordado, ao valor objectivo da coisa com defeito e ao valor ideal do bem.». Pronunciando-se sobre a opção do juiz em determinar o quantitativo da indemnização com recurso à equidade, nos termos do art.º 566.º, n.º 3, do C.Civil ou remeter a sua quantificação para posterior incidente de liquidação, no Acórdão citado, decidiu o Suprem Tribunal de Justiça: «A lei é adversa à fixação da indemnização em liquidação em execução de sentença, preferindo a determinação por equidade, nos termos do art. 566º, n.º 3, do CC. Não quer a lei - nem deve o Juiz - arrastar a solução dos litígios, recomeçando na liquidação em execução de sentença o que devia ter acabado na acção declarativa. (…) Do cotejo destes normativos resulta que só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora se prove a sua existência, não existam os elementos indispensáveis para fixar o seu quantitativo, nem sequer recorrendo à equidade. O que é essencial é que esteja provada a existência dos danos, ficando dispensada apenas a prova do respectivo valor. Só quando o tribunal verificar a existência de um dano, mas não dispuser de dados que possibilitem a sua quantificação, é que pode e deve relegar para execução de sentença a fixação do seu montante.». No mesmo sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 16/11/2023[19] : «A propósito da obrigação de indemnização não é seguro que se deva proceder, desde logo, a uma quantificação com base na equidade. Não se apurando o valor exacto do dano, coloca-se a questão de saber se o tribunal pode desde logo fixar a indemnização, com base na equidade (art.566 nº3 do CC ) ou se deveria relegar a quantificação para incidente posterior (art.609 e 378 nº2 do CPC ) e sobre a qual existem três orientações: (1)em princípio deve ser fixada a indemnização com base na equidade, só devendo relegar-se para liquidação posterior quando houver total carência de elementos para a formulação do juízo de equidade, ou seja, “dos limites que tiver por provados”, pelo que o art.566 nº3 CC prevalece sobre o art.609 nº2 do CPC; (2), a indemnização segundo critérios de equidade só se impõe quando esgotadas as possibilidades de apuramento com base nas quais haja de ser determinado, mesmo em sede de liquidação em execução de sentença (agora liquidação posterior ), já que a contradição entre a norma do art.566 nº3 do CC e a do art.609 nº2 (anterior 661 nº2 ) do CPC é meramente aparente; (3) a opção depende do juízo que, em face das circunstâncias concretas, se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade de futura determinação, ou aquela que dê maiores garantias de se mostrar ajustada à realidade. O princípio da racionalidade para fazer face à morosidade da justiça leva a que a interpretação do art.566 nº3 do CC seja a de que se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos até à sentença e também não seja possível ou previsível determiná-lo em incidente posterior de liquidação, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. Acontece que na situação de redução do preço não se está propriamente a arbitrar uma indemnização, mas a restabelecer o equilíbrio das prestações, reclamado pelo princípio da justiça contratual. Assim, o apuramento da desvalorização, na situação em análise, impõe-se através da liquidação posterior (art.609 nº2 PC). Por outro lado, não parece que a redução opere por simples operação aritmética, pois tal implicaria que a redução se faria nos termos previstos para a venda de coisas determinadas, com preço fixado à razão de tanto por unidade, prevista no artigo 887 CC (“é devido o preço proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas, sem embargo de no contrato se declarar coisa diferente.”). Ora, esta regra vale para a venda ad mesuram, em que é devido o “preço proporcional”. Para a venda ad corpus o nº2 do art.888 CC prevê a “redução ou aumento proporcional” do preço. Neste contexto, impõe-se relegar-se para incidente posterior, através da avaliação, o apuramento da quantificação da redução do preço.». Revertendo aos presentes autos, os elementos referentes ao valor da viatura, “em virtude da desconformidade com o contrato”, são extremamente escassos ou inexistentes. Além das anomalias que apresenta, não existe qualquer outro elemento, nomeadamente o custo da reparação de tais anomalias. Não permitindo o suporte factual fixar, de uma forma séria e minimamente segura, uma quantificação da desvalorização da viatura, com recurso à equidade, consideramos mais adequado apurar o valor da indemnização em posterior liquidação, nos termos dos artigos 663º, n.º 2, e 609º, n.º 2, do CPC.. A realização de uma avaliação feita nos termos do art.º 884.º n.º 2 do C.Civil por quem tenha conhecimento específico na matéria melhor poderá determinar o valor da indemnização. Esse valor deve ser fixado com base em critérios objectivos, nomeadamente o custo da reparação das anomalias enunciadas no ponto 9 dos factos provados e da eventual desvalorização em face dessas anomalias. O limite máximo da indemnização não pode ser o indicado pelo autor, no pedido por si deduzido, na petição (e atribuído na sentença recorrida), ou seja, 71 491,20€, porquanto o preço acordado e pago que se encontra demonstrado é no valor de 49.500,00€ (e não no valor por si alegado de 104.500,00€). Permitir que a redução do preço seja superior ao preço que foi pago traduzir-se-á num enriquecimento sem causa correspondente à diferença entre o valor que fosse atribuído a título de indemnização e o preço pago (49.500,00€). Tendo sido pago, na íntegra, o preço, a redução do preço será materializada mediante a condenação do vendedor, ora réu, na devolução do corresponde montante que vier a ser apurado. Na sentença recorrida foi fixado o valor de 33.858,00€, valor com o qual o autor se conformou. A indemnização a fixar, a título de redução do preço, não pode, assim, ultrapassar este valor (cfr. artigo 635º, nº5, do CPC). Assim, o valor deve ser fixar em liquidação de sentença tendo por base o preço da venda da viatura que consta do ponto 5 dos factos provados - valor de 49.500,00€ - e por limite máximo o valor fixado na sentença recorrida – 33.858,00€. Assim, condena-se o réu a pagar ao autor a quantia a liquidar em execução de sentença nos termos do art. 609º, nº 2 do CPC, tendo como valor máximo o valor de 33.858,00 (trinta e três mil, oitocentos e cinquenta e oito euros). Procede, nesta parte, o recurso.
6ª Questão Dissente o réu/recorrente da sua condenação a pagar, ao autor, a quantia de 2.000,00€ (dois mil euros), a título de indemnização pela privação do uso da referida viatura, durante nove meses, 2.000,00€ (dois mil euros). Sustenta que “a condenação em indemnização pela privação do uso não deve subsistir, não só porque o Autor utilizava a viatura para deslocações esporádicas, fim para o qual a adquiriu, como também, estando a responsabilidade do Réu limitada à substituição da bomba de óleo, trata-se de avaria cuja reparação não requer nem um dia de trabalho”. Vejamos se assiste razão ao recorrente. Consta da decisão recorrida que «O autor pede, ainda, uma indemnização pela privação do uso do veículo durante nove meses à razão de 25,00€, por dia, num total de 6.750,00€. [Os] danos invocados pelo autor foram a perda tempo com a tentativa de resolução do problema tempo e a privação do uso da viatura. Há que ter em conta que o veículo não era usado no dia-a-dia. Servia apenas para passeios esporádicos. Logo, a indemnização terá que ser muito mais reduzida do que a pedida. Com recurso à equidade, o tribunal fixa-a em 2.000,00€.». Não é unívoca, nem na doutrina, nem na jurisprudência, a resposta à questão da ressarcibilidade da privação do uso, existindo duas concepções antagónicas: Na primeira corrente, a resposta que tem sido dada parte basicamente da aplicação da teoria da diferença. Quando a indemnização é negada invoca-se a falta de prova de uma diferença patrimonial entre a situação constatada no momento da decisão e a que existiria se não ocorresse o evento[22]. Para a segunda corrente, a admissibilidade da indemnização, é sustentada, como explica António Santos Abrantes Geraldes[23], pela “constatação naturalística de que a privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui uma perda que deve ser considerada, tudo se resumindo à detecção do método mais adequado para a quantificação da indemnização compensatória”. Conclui António Santos Abrantes Geraldes [24] que “provado que a indisponibilidade do bem foi causa directa da redução ou perda de receitas ou da perda de oportunidade de negócios, não se questiona o direito de indemnização atinente aos lucros cessantes”. Mas, mesmo que nada se apure a respeito da utilização ou do destino que seria dado ao bem, os argumentos anteriormente aduzidos a respeito da indemnização pela privação do uso de veículos automóveis justificam, “mutatis mutandis”, a atribuição de uma compensação monetária ao lesado pelo período correspondente ao impedimento ou à redução dos seus poderes de fruição ou de disposição. Esta corrente é igualmente perfilhada por Luís Menezes Leitão[25] defendendo que «entre os danos patrimoniais, incluiu-se naturalmente a privação do uso das coisas ou prestações, como sucede no caso de alguém ser privado da utilização de um veículo seu ou ser impedido de realizar uma viagem turística que tinha contratado. Efetivamente, o simples uso constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano».[26] Existe uma terceira posição, de alguma forma intermédia entre as duas antecedentes, indicada por Maria da Graça Trigo[27], que parte da exclusão da reparação do dano em abstracto mas, num segundo nível admite como suficiente a prova da ocorrência de danos concretos com base numa presunção[28]. Pronunciando-se sobre a questão, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 23/2/2023[29], “…é nossa convicção que - no seguimento de resto de jurisprudência que nesta matéria é prevalecente - a privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que é lícito ao proprietário gozar, de acordo com o preceituado no artigo 1305.º do Código Civil, isto é, o uso e fruição da coisa”. No Acórdão desta Relação de 20/5/2024, proferido no processo nº 6323/19.8T8MTS.P1(disponível em www.dgsi.pt), relatado pela ora relatora, já foi perfilhado igual entendimento. Nesse Acórdão, defendeu-se que “É um facto que só os danos concretos merecem ser ressarcidos. Todavia, isso não significa que o chamado "dano da privação do uso" deva incluir-se na categoria do dano abstracto, sob pena de se afrontarem juízos assentes em padrões de normalidade. Esta integração é contrariada pela simples verificação de que a impossibilidade de fruição de um bem próprio, em consequência de uma actuação ilícita de outrem, determina um corte temporal no legítimo direito de fruição, conforme acima referido. Reportando-se a privação a um determinado período e sendo o direito de propriedade também integrado pelo direito de fruição, aquela traduz-se, em termos práticos, num corte temporalmente definido e naturalmente irrecuperável nesse poder de fruição.” Como refere Nuno Alexandre Pires Salpico[30], “Provada a utilização normal do bem privado (especialmente se o bem privado for um bem económico de relevância geral para a vida) é possível presumir, segundo o curso normal das coisas, que essa privação trouxe um conjunto de prejuízos para o lesado, sendo os mesmo calculáveis ao abrigo do artigo 566º, nº3 do CC. Repare-se que a mera demonstração da utilização normal do bem privado é suficiente para revelar que pelo menos alguma utilidade foi frustrada (…) independentemente de se saber da extensão e soma de utilidade advindas daquela utilização”. Em suma, integrando o direito de propriedade, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, e que isso envolve até o direito de não usar, a privação do uso reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” desses, justificando-se, assim, o ressarcimento que supra a modificação negativa que a privação do uso determina na relação entre o lesado e o seu património[31]. Transpondo tais princípios para os presentes autos, da matéria de facto provada consta que a viatura adquirida pelo autor não era por este utilizada a diariamente e a sua aquisição teve por finalidade “apenas para passeios esporádicos”. No ponto 15 dos factos provados consta que o autor “despendeu tempo e está impedido de circular com a viatura”, sendo o primeiro segmento inócuo, face ao seu carácter abstracto. Sobre o autor recai o ónus de alegar e demonstrar os factos constitutivos do seu direito. Na petição inicial, limitou-se a alegar que “despendeu tempo” sem concretizar minimamente quando e quanto e o motivo. Resta, assim, o pedido de condenação do réu, no montante de 6.750,00€ (seis mil setecentos e cinquenta euros), pela privação do uso da viatura durante cerca de nove meses, à razão de 25,00€, por dia, valor indicado pelo autor como “custo médio do aluguer de um carro de gama baixa, apesar de o veículo em causa ser de gama alta”. Considerando o acima exposto, assiste o direito, ao autor/recorrido, à indemnização pelos dias de paralisação da viatura, desde o momento em que se encontra impossibilitado de circular com a mesma, limitado ao período de nove meses (limitação imposta pelo pedido deduzido). O Tribunal a quo não indicou qual o critério adoptado para obter o valor de 2.000,00€. Dispõe o artigo 566º, nº3, do Código Civil que “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”. Verificado o dano de privação do uso do veículo, na falta de quantificação objectiva, é legítimo o recurso à equidade para fixar a respectiva compensação. Refere Nuno Alexandre Pires Salpico[32], «Na fixação equitativa do dano de privação do uso tem sido utilizado, como referência, o valor de locação[33], o que se compreende por ser o preço mais próximo que o mercado oferece para a utilização de um bem e que corresponde ao dispêndio que seria feito se o lesado procurasse um bem substitutivo através da locação[34]. Porém, frequentemente, o lesado não destina o bem privado a negócios de locação, e o valor da locação inclui uma parcela correspondente ao lucro do locador, o qual se lhe destina a compensar da disponibilização do bem locado, não correspondendo exatamente ao valor económico do uso. Por isso, é de ponderar a solução de Maria da Graça Trigo ao delimitar o valor locativo uma vez feita a prova de utilização regular do bem privado, enquanto tecto máximo na fixação equitativa dos danos patrimoniais ao abrigo do artigo 566º, nº 3, do Código Civil, consoante as circunstâncias concretas e a prova produzida”. Decidiu esta Relação, no Acórdão de 8/6/2022[35], «o autor não é uma empresa de aluguer de automóveis que por definição é lucrativa e que para o desempenho dessa atividade suporta custos diversos, quer com aquisição dos veículos destinados ao aluguer, respetivos seguros e encargos fiscais, despesas de pessoal para receber os clientes, elaborar e celebrar os contratos, despesas de publicidade e etc…. Por isso, o custo do aluguer de um veículo além de cobrir a margem de lucro a que qualquer atividade económica aspira, tem que necessariamente cobrir os custos inerentes ao desenvolvimento de tal atividade, sob pena de insolvência a breve trecho da entidade que a desenvolve. E porque assim é, o dano da privação do uso do veículo sinistrado, sempre que o lesado não prova a efetiva realização de despesas com o aluguer de um veículo de substituição, não se pode aferir pelo valor locativo de um veículo similar ao sinistrado, sob pena de um injustificado enriquecimento do lesado.». Refere, ainda, o referido Acórdão, que «[amiúde] a jurisprudência dos tribunais superiores tem tomado como referência para cálculo do dano da privação valores de dez euros diários e até inferiores[15] e num caso estando em causa um veículo de gama bem superior ao veículo do recorrente[16]. Importa ainda referir que a privação do uso do veículo sinistrado não se traduziu só num dano para o lesado mas também em poupança de despesas, pois que, além do mais, a circulação do veículo implica gastos com combustível e desgaste do material. Tudo isso deve ser sopesado na fixação da indemnização por privação do uso do veículo.». Considerando o acima exposto, a viatura concreta em causa e feita a prova de utilização esporádica da mesma, considera-se adequada a indemnização no valor de 540,00€ (quinhentos e quarenta euros), cálculo efectuado com base no custo diário no valor de 10,00€ (dez euros) e no número de dias correspondente a 1/5 do período indicado, pelo autor, no seu pedido (9 meses x 30 dias = 270 dias: 5 = 54 x 10€). Procede parcialmente, nesta, o recurso. * Considerando a procedência parcial do recurso, as custas do recurso e da acção são da responsabilidade do recorrente e do recorrido, na exacta proporção do respectivo decaimento na parte líquida, fixando-se na parte ilíquida, provisoriamente, em 50% para cada uma das partes. (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * V_ Decisão Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação interposta pelo réu e, em consequência, decide-se: Custas do recurso e da acção a cargo do recorrente e do recorrido, na exacta proporção do decaimento na parte líquida, fixando-se, na parte ilíquida, provisoriamente, em 50% para cada uma das partes (artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). * Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Anabela Morais Ana Olívia Loureiro Teresa Pinto da Silva ________________ [1] Orçamento junto com a contestação como documento nº8, emitido por C..., em nome do autor, datado de 10/3/2023, no valor de €71.491,20. [3] Constando do ponto 14 dos factos provados a identificação do destinatário da carta com o pronome “este” e sendo o conteúdo desse ponto decalcado do artigo 21º da petição inicial, procedeu-se à sua correcção, passando a constar “ da sua redacção, do ponto 24 dos factos provados por forma a constar do mesmo “… enviou, [ao réu], a carta, no dia 10 de Março de 2023, que este recebeu…”, onde constava “… enviou a carta, no dia 10 de Março de 2023, que este recebeu…”. [4] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed. actualizada, Almedina, 2022, págs. 197 e 198. [5] O ponto 6 dos factos provados tem a seguinte redacção: “6 - O Autor contactou o Réu no dia 23/01/2023, dizendo-lhe que, no dia 22/12/2022, tinha ido almoçar na referida viatura e, no regresso, acenderam as luzes de aviso de avaria de motor e de aviso de óleo, mas que, mesmo assim, foi a conduzir até ao armazém em que trabalhava, onde a estacionou e desligou”. [6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/2/2005, proferido no processo 04S3165, acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/91bbb8ffd64c926c80256fc8003cae97?OpenDocument. [7] Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material, 3ª edição, Almedina, 2023, págs. 42 a 50. [8] José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, pág. 409. [9] Refere Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, Almedina, 4.ª edição, pág. 136, A Lei da Defesa do Consumidor “reconhece ao consumidor um direito à qualidade dos bens ou serviços destinados ao consumo, direito esse que é objecto de uma garantia contratual injuntivamente imposta Artigo 16º), no âmbito do qual “os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor” (artigo 4º).Temos aqui a imposição de uma garantia de qualidade, não apenas em face das disposições legalmente estabelecidas mas ainda em relação às legítimas expectativas do consumidor, garantia essa que vem a ser concretizada pelo DL 84/2021….”. [10] Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 24/96, de 31/7 e alterada pelo Decreto-Lei nº 67/2003 de 08/04, pelas Leis nº10/2013, de 28/01, nº47/2014 de 28/07, nº 63/2019, de 16 de Agosto, pelos Decretos-Lei 59/2021, de 14 de Julho, e Decreto-Lei nº109-G/2021, de 10/12 e pela Lei nº 28/2023, de 4/7. [11] No âmbito deste preceito constitucional, mostram-se abrangidos seis tipos diferentes de direitos, identificados por Esteves Araújo, Bernardo Joaquim Azevedo Evangelista, na sua dissertação de mestrado, “Responsabilidade do Produtor Perante o Consumidor na Venda de Bens de Consumo”, 2014, disponível online in http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream, como “ 1- Direito à qualidade de bens e serviços consumidos e a segurança dos produtos; 2- Direito à formação e informação do consumidor; 3- Direito à proteção da saúde; 4- Direito à proteção da segurança; 5 - Direito à proteção dos interesses económicos; 6 - Direito à reparação de danos; (…) O primeiro dos direitos sub categorizados, garante, por um lado a aptidão dos bens e serviços para os fins a que são reservados, e por outro a inexistência de defeitos de funcionamento ou deterioração dos seus atributos (…), o último dos supra direitos sub categorizados, tutela o direito de indemnização pelos prejuízos causados pelo fornecimento de bens ou serviços defeituosos e em geral pela violação dos direitos do consumidor.” [12] Luís Manuel Telles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Almedina,14ªed., pág. 142. [13] Manuel A. Carneiro da Frada, em “Direito das Obrigações”, Lições coordenadas pelo Prof. Doutor António Menezes Cordeiro, AAFDL, 1991, vol. III, págs. 77 e 78. [14] Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, Almedina, pág. 125. [15] Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. III, Contratos em Especial, Almedina, 4.ª edição, pág. 120. [16] No artigo 23º da petição, alegou o autor que “Actualmente, o custo da reparação do defeito/avaria manifestado na viatura ascende à quantia de 71.491,20€ (setenta e um mil quatrocentos e noventa e um euros e vinte cêntimos)”, por reporte ao orçamento junto pelo réu, como documento nº8. com a sua contestação. [17] Luís Manuel Teles Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, 14ªedição, Almedina, 2022, pág. 155. [18] Acórdão de 2503.2003, proferido no processo 03A692, acessível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido, Acórdão do TRL de 2022-05-12, proferido no Processo nº 10626/18.0T8LSB.L2-2, acessível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/10626-2022-189936175. [19] Acórdão de 16/11/2023, do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 2232/20.6T8CSC.L1.S1, acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/555b3a7d96d504a280258a6a0040d365?OpenDocument; no mesmo sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo nº1007/17.4T8VCT.G1.S2, acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8d3ac8dbb0f3fd9d80258bcb0064f924?OpenDocument. [20] Nesse sentido, Paulo Mota Pinto, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, volume I, pp. 590, 594-596: “Na verdade não é a simples impossibilidade de usar que está em causa, mas a impossibilidade de se satisfazer por essa via uma necessidade concreta”. Jurisprudência citada por Paulo Mota Pinto, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, volume I, p. 571 notas 1642 e 1643. [21] Defendendo que a simples privação do uso é ressarcível, António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Responsabilidade Civil, I volume, pp. 48 e ss.; Américo Marcelino, Acidentes de viação e responsabilidade civil, 11.ª edição, Lisboa, Petrony, 2012, pp. 379-380; Luís de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, volume I, p. 301 e nota 739; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das obrigações, p. 777, nota 3: “O dano da privação do uso é ressarcível de acordo com os princípios gerais da responsabilidade civil, ainda que se reconduza a puro e simples impedimento da utilização”. [22] Neste sentido, Acórdão do STJ de 04-05-2010, processo n.º 727/06.3TBBCL.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt; Acórdão do STJ de 03-05-2011, processo n.º 2618/05.06TBOVR.P1, consultável em www.dgsi.pt; Acórdão do STJ de 12-01-2012, processo n.º 1875/06.5TBVNO.C1.S1. [23] Temas da Responsabilidade Civil, I Volume, 3ª Edição, Almedina, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, 3ª edição, pág. 59. [24] Temas da Responsabilidade Civil, I Volume, 3ª Edição, Almedina, “Indemnização do Dano da Privação do Uso”, 3ª edição, págs 92 e 93. [25] Direito das Obrigações, vol. I, pág. 297. [26] Neste sentido, o Acórdão do STJ de 29-11-2005, processo n.º 05B3122, consultável via www.dgsi.pt; o Acórdão do STJ de 05-02-2009, processo n.º 08B3994, consultável via www.dgsi.pt; o Acórdão do TRG de 07-11-2019, processo n.º 15/18.2T8AMR.G1, consultável via www.dgsi.pt. [27] Maria da Graça Trigo, em “Responsabilidade Civil, Temas Especiais”, UCP, pág. 59. [28] Neste sentido, o Acórdão do STJ de 15-11-2011, processo n.º 6472/06.2TBSTB.E1.S1; o Acórdão do STJ de 27-11-2018, processo n.º 78/13.7PVPRT.P2.S1, consultável via www.dgsi.pt; o Acórdão do TRL de 25-02-2021, processo n.º 400/18.0T8LRS.L1-6, consultável via www.dgsi.pt. [29] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/2/2023, proferido no processo nº 213395/21.7T8LSB.L1-6, consultável em www.dgsi.p.: [30] Nuno Alexandre Pires Salpico, Cálculo de Danos e Equidade, Almedina, 2023, pág. 266. [31] Neste o sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 6-6-01, in CJSTJ, tomo II, pág. 124, onde se considerou a indemnização correspondente ao valor de uso de um andar “independentemente da prova de qualquer dano sofrido pelos proprietários do andar, sendo bastante a demonstração de que o seu ocupante o usa sem título legítimo”; e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6-6-91, in CJ, tomo III, pág. 173, onde se atribuiu uma indemnização pelo facto de o comodatário não ter entregado o prédio ao proprietário, apesar de não se ter provado que este o teria arrendado. [32] Nuno Alexandre Pires Salpico, Cálculo de Danos e Equidade, Almedina, 2023, pág. 268. [33] Acórdão do STJ de 23-11-2011, processo n.º 397-B/1998.L1.S1. No sumário do acórdão do STJ de 11-12-2012, processo n.º 549/05.9TBCBR-A.C1.S1, consultável via http://www.gde.mj.pt/jSTJ.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ff604450d36c079880257adb0034746b?OpenDocument constatam-se os seguintes critérios: “o grau de violação dos deveres que integram a relação obrigacional, a facturação ou lucro médio mensal conseguido com o veículo, o tempo média da sua utilização e os serviços que o lesado deixou de efectuar, bem como o aproveitamento do motorista em outras viaturas”. [34] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 8/3/2022, proferido no processo nº 768/21.0T8VIS.C1.G1, consultável via www.dgsi.pt:” “À míngua de quaisquer outros elementos, temos que nos socorrer dos parâmetros que a jurisprudência tem fixado em situações algo semelhantes, pois a ponderação prudencial inerente à equidade também é sensível ao estabelecimento de critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade (art. 8º, nº 3, do CC)”. [35] Acórdão proferido no processo nº2638/19.3T8OAZ.P1, acessível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/2638-2022-189486675. Na nota de rodapé com o nº15 consta «Vejam-se por exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21 de setembro de 2017, proferido no processo nº 252/08.8TBVLN.G1, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de dezembro de 2019, proferido no processo nº 3088/19.7YRLSB-2 e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28 de maio de 2020, proferido no processo nº 289/19.T8MCN.P1, todos acessíveis na base de dados da DGSI.». Na nota de rodapé com o nº16, consta «Veja-se, a propósito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de setembro de 2021, proferido no processo nº 6250/18.6T7GMR.G1.S1». |