Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
726/24.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
COMPRA E VENDA
OBJECTO DO CONTRATO
PERDA DO INTERESSE
Nº do Documento: RP20251113726/24.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Ocorre perda de interesse relevante (artigo 808.º, do C. C.) na celebração de contrato prometido de compra e venda quando:
a). o imóvel, objeto da futura compra, contém anexo que não está totalmente licenciado;
b). os promitentes compradores escolheram o imóvel também por conter aquele anexo;
c). os promitentes vendedores não se prontificaram a diligenciar pelo licenciamento, mesmo que notificados para o efeito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 726/24.3T8PRT.P1.

João Venade.

Isabel Rebelo Ferreira.

Manuela Machado.


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1). Relatório.

AA e BB, residentes na Rua ..., ..., Vila do Conde

propuseram contra

CC e DD, residentes na Rua ..., ...

Ação declarativa com processo comum, formulando os seguintes pedidos:

. A) seja declarada a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre Autores e Réus, melhor descrito no artigo 6.º do presente articulado, por incumprimento definitivo do mesmo por parte dos Réus;

B) sejam os Réus condenados a pagar aos Autores o montante de 50.000 EUR, respeitante ao dobro do que prestaram a título de sinal, acrescido de juros de mora desde a notificação aos Réus para o efeito e, os quais à presente data ascendem já ao montante de 5.720,55 EUR, bem como juros vincendos até efetivo e integral pagamento.

Em síntese, alegam que:

. por contrato promessa de compra e venda, celebrado em 28/02/2020, prometeram comprar aos Réus e, estes prometeram vender, livre de ónus e encargos e devoluto de pessoas e bens, o prédio urbano constituído em regime de propriedade total sem andares nem divisões suscetíveis de utilização independente, composto por casa de cave, r/c e andar e anexo, situado em ..., na Rua ..., ..., ..., Valongo, descrito na C. R. P., Civil e Comercial e Automóveis de Valongo sob o n.º ... e, inscrito na matriz predial urbana sob artigo ...:

. o preço de compra e venda convencionado foi de 250.000 EUR e, como sinal e princípio de pagamento, pagaram aos Réus a quantia de 25.000 EUR;

. os Réus omitiram o verdadeiro estado físico do imóvel prometido vender e comprar pois o anexo que faz parte integrante do prédio prometido vender não se encontrava devidamente licenciado na sua totalidade, pela Câmara Municipal ...;

. o anexo construído no prédio prometido tinha uma área superior àquela que se encontrava licenciada pela Câmara Municipal ...;

. em reunião, os Réus assumiram que os anexos por si construídos não se encontravam devidamente licenciados pelas entidades competentes;

. mantendo interesse no cumprimento do negócio prometido, efetuaram interpelação admonitória aos Réus para em 60 dias, comprovarem o licenciamento de toda a área dos anexos;

. os Réus propuseram uma redução do preço no montante de 10.000 EUR ou a reposição da área do anexo de acordo com a área do projeto originário, isto é, procedendo à demolição de grande parte do mesmo;

. os Autores mantiveram o propósito de adquirirem o imóvel com os anexos licenciados;

. os Réus acabaram por não cumprir a interpelação admonitória no prazo fixado, pelo que, por carta datada de 14/01/2021, declararam resolver o contrato.


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Citados, os Réus contestaram, negando a validade da pretensão dos Autores, argumentando antes que os mesmo se desinteressaram do negócio por motivos alheios à falta de licenciamento dos anexos.

Formulam pedido reconvencional nos seguintes termos:

. Reconhecer-se o direito a fazer seu o sinal que receberam, no valor de 25.000 EUR,

. condenar a reconvinda no pagamento, ao reconvinte, da quantia de 18.650 EUR a título de despesas com imobiliária e com renda a pagar por ter tido de sair do imóvel, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, calculados, à taxa legal em vigor, desde 28/08/2020, até efetivo e integral pagamento.

Na réplica, os reconvindos negam a pretensão em causa.


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Realizou-se audiência prévia onde se admitiu liminarmente a reconvenção, elaborou-se despacho saneador, fixou-se o objeto do litígio bem como os temas de prova.

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Efetuado o julgamento, foi proferida sentença nos seguintes termos:

«julga-se a presente acção procedente por provada, e consequentemente condenam-se os réus no pedido. Mais se julga a reconvenção improcedente por não provada, absolvendo-se os reconvindos do pedido reconvencional contra eles formulados.».


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Inconformados, recorrem os Réus/reconvintes, formulando as seguintes conclusões:

«150. – deste número até ao 193 está em causa a reprodução dos factos provados e não provados da sentença, sendo inócua a sua repetição em sede de conclusões:

DO ERRO de JULGAMENTO:

194. O tribunal a quo considerou provado que à data do negócio prometido, não constava da descrição predial o logradouro, bem como as áreas que foram posteriormente ao negócio em causa nos autos atualizadas e que o anexo que faz parte integrante do prédio prometido vender pelos Réus aos Autores não se encontrava devidamente licenciado na sua totalidade, pela Câmara Municipal ...;

195. Considerando ainda que, os Recorridos apenas tiveram conhecimento no dia 08 de Outubro de 2020 aquando do envio da documentação e, não de toda, necessária para a realização da escritura de compra e venda, designadamente caderneta predial urbana, certidão permanente, certificado energético e alvará de licença de utilização.

196. Pois é precisamente contra estes factos dados como provados que os Recorrentes se insurgem, pois dos documentos juntos e da prova testemunhal, não pode o tribunal concluir que os Recorridos têm direito à resolução do contrato por incumprimento culposo dos Recorrentes e à indemnização correspondente ao dobro do sinal prestado.

197. Os Recorridos juntaram aos autos uma certidão predial do prédio aqui em causa, onde se encontra descrita as seguintes áreas e configurações:

- Área Total 475m2, área coberta 215 m2, área descoberta 260m2, casa de cave, rés-do-chão e anexo, com logradouro.

198. A caderneta predial também junta pelos Recorridos, consta como:

- área total do terreno 457m2, Área de implantação do edifício: 143m2, Área bruta de Construção 288m2, Área Bruta Dependente 143m2, área Bruta privativa 125m2;

199. Desde logo e contrariamente ao dado como provado, o logradouro constava da descrição predial, bem como as áreas dos anexos.

200. Existiam algumas desconformidades, mas com a apresentação do Modelo 1 do IMI, as áreas foram alteradas e harmonizadas.

201. Ou seja, tais discrepâncias eram suscetíveis, como foram de retificação.

202. Pelo que quanto ao facto 13 dado como provado na douta sentença, não podia ter sido dado como provado com aquela redação, visto que o logradouro e a área dos anexos já constavam da certidão predial à data da celebração do contrato promessa de compra e venda.

203. Devendo o mesmo passar a constar que há data do negócio prometido, constava da descrição predial o logradouro e as áreas de Área Total 475m2, área coberta 215 m2, área descoberta 260m2, casa de cave, rés-do-chão e anexo, com logradouro. Continuando,

204. O tribunal deu ainda como provado que o anexo que faz parte integrante do prédio prometido vender pelos Réus aos Autores não se encontrava devidamente licenciado na sua totalidade, pela Câmara Municipal ... e que os Autores apenas tiveram conhecimento no dia 08 de Outubro de 2020 aquando do envio da documentação e, não de toda, necessária para a realização da escritura de compra e venda, designadamente caderneta predial urbana, certidão permanente, certificado energético e alvará de licença de utilização.

205. Ora uma vez mais tal facto não pode de forma alguma ser dado como provado, se não vejamos.

206. Foi junto com a contestação um email datado de 22 de fevereiro de 2020 do email ..........@..... para a EE, mediadora que representava e acompanhava os Recorridos, e que mediou o negócio por parte deste, cujo teor é o seguinte:

207. Bom dia EE, obrigada pelo seu feedback, Uma vez a proposta afinal aceite por ambas as partes envolvidas, venho por este meio reencaminhar-lhe os documentos referentes ao imóvel para que possa analisar- Assim sendo, remeto em anexo CPU (versão disponível) CRP onde é mencionada uma penhora de 2009, certificado energético e cópia da licença de utilização.

208. Pelo que a representante dos Recorridos, teve acesso em 22 de fevereiro de 2020, ou seja, antes da elaboração do contrato promessa, da documentação supra.

209. E como mediadora que é, aquando da visita ao local e após ter rececionado a documentação, não poderia ter deixado de verificar aquela discrepância.

210. Ora se, com a mesma documentação e sem qualquer visita ao local, os Recorridos alegam só ter tido conhecimento a 08 de outubro de 2020, da discrepância, como não foi possível logo antes da celebração da escritura?

211. Porque efetivamente foi, razão pela qual passou a constar no referido contrato as cláusulas que se transcrevem:

212. - foi prometido vender pelos Réus aos Autores “(…) no estado e condições em que se encontra e, pelos mesmos aceites.

213. Estipula o n.º 4 da Cláusula Quarta do Contrato Promessa de Compra e Venda: “Sem prejuízo do número anterior, os Primeiros Outorgantes declaram que, anteriormente à assinatura do presente Contrato, facultarão toda a informação e documentação disponível referente à fração objeto do presente Contrato;

214. E, o n.º 5 da mesma Cláusula prevê: “Os Segundos Outorgantes declaram que, através dos documentos referidos no ponto anterior da presente cláusula e das visitas feita à fração, conhece perfeitamente o actual estado físico da fracção objecto deste Contrato e que, por ela não é considerado obstáculo à compra e venda prometida, não podendo invocar quaisquer vícios aparentes do mesmo, para não comparecer no acto da celebração do contrato definitivo de compra e venda.

215. Tudo conjugado, não pode o tribunal considerar como provado que os Recorridos não tinham conhecimento de tal discrepância.

216. Posteriormente, confrontada com o documento número 10, da PI, referiu que os anexos iam de ponta a ponta do terreno.

217. Os mesmos documentos que serviram de base à elaboração do CPCV, foram os mesmos que o Senhor Solicitador teve acesso.

218. Ora se aquele pela simples análise dos mesmos e sem se deslocar ao local, conforme consta do seu depoimento gravado, o Sr, Solicitador se apercebeu dessa desconformidade, como poderia os Recorridos não se aperceberem.

219. Ora o tribunal, deu como provado que “Sendo impossível apenas com as visitas ao local e com os documentos até então dados a conhecer aos Autores constatar a existência de área do anexo não licenciada, uma vez que as áreas cobertas constantes do registo predial da certidão matricial correspondiam ambas a 143 m2, encontrando-se as mesmas harmonizadas.”

220. Mas como supra se demonstrou era impossível a não verificação/constatação pelos Recorridos e Mediadora de tal facto.

221. Pois veja-se que o imóvel após a resolução, foi vendido e nessa sequência foi junto com a Contestação o documento 10, referente a uma avaliação bancária efetuada pelo Banco 1..., onde na última página do mesmo se pode ler que “O anexo é destinado a cozinha regional com forno a lenha. Existe uma construção contígua com cerca de 43,50m2 destinado a estacionamento e lavabo, que não se encontra registado.”

222. Tal facto foi constatado pelo avaliador, conjugado pela visita e documentos.

223. Pelo tal facto não pode ser dado como provado.

224. Ao sê-lo, existiu uma incorreta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos dados como provados.

225. Os Réus assumiram que os anexos por si construídos não se encontravam, pois, devidamente licenciados pelas entidades competentes.

226. Assumiram, desde logo aquando do início das conversações entre Recorrentes e Recorridos

227. Foi o que a testemunha FF referiu, e confrontando com as cláusulas contratuais, onde os Recorridos declaram ter conhecimento de tais factos.

228. Os Autores formaram a sua vontade em adquirir o prédio prometido, não só, mas também, pela existência do anexo nele edificado, dado que o mesmo correspondia às suas necessidades, dados como provados pelo tribunal, os Recorrentes não podem concordar. E em resposta à interpelação admonitória por parte dos Autores aos Réus, estes responderam, assumindo a desconformidade da área do anexo, propondo uma redução do preço no montante de €: 10.000,00 ou, a reposição da área do anexo de acordo com a área do projeto originário, isto é, procedendo à demolição de grande parte do mesmo.

229. Tais propostas têm por base não uma assunção de razões e verdades, mas sim evitar a todo o custo o recurso à via judicial

230. No entanto e apesar disso, efetivamente os Recorrentes sempre recusaram a devolução do sinal, propondo quer a redução do preço quer a celebração da escritura, ou até a legalização dos anexos pelo Recorridos.

231. O que revela o conhecimento dos Recorridos quanto à situação dos anexos, pois até se falou em correção de áreas.

232. No entanto os Recorridos encontravam outro imóvel, mais perto da sua anterior residência, e perderam o interesse na aquisição deste prédio, aproveitando-se do não licenciamento para resolverem o contrato, alegando perda de interesse.

233. No qual não podiam de todo armazenar cerca de 25 teares.

234. E nos anexos aqui em questão, também não caberia, 25 teares, porque eram constituídos por uma cozinha regional.

235. Veja-se que o imóvel adquirido pelos Recorridos em Vila do Conde, ..., muito mais perto de Matosinhos, e que apenas possui Cave e rés-do-do- chão, conforme descrito na escritura de compra e venda junta com a contestação.

236. Esse desinteresse no imóvel antes inclusive do aditamento, foi constatado pelo Recorrente marido e pelo FF, angariador imobiliário.

237. O mesmo se refira quanto aos factos não provados, nomeadamente quanto: “Nas visitas ao imóvel prometido, os Autores depararam-se com um imóvel cujo anexo construído tem uma extensão a todo o comprimento do lote nem antes e/ou posteriormente à celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda foi-lhes informado que a área construída do anexo autorizada e licenciada pela Câmara Municipal ... não compreendia a enorme extensão do mesmo. Os reconvintes, por estarem absolutamente convencidos da efectiva concretização, da venda do seu imóvel, e para facilitar a mudança aos reconvindos, alugaram a fração “J” sita na Rua ..., ... em ..., Valongo, tendo pago a título de renda inicia o valor correspondente a 12 rendas, no montante global de 7500,00€ (sete mil e quinhentos euros)

238. E quanto ao facto 4. Os reconvindos sempre souberam e aceitaram a existência da discrepância da área dos anexos, e que existia licença para a realização da escritura do imóvel dos reconvintes, só não concluindo a compra do prédio por terem encontrado outro imóvel mais próximo do local de trabalho, e que acabaram por adquirir.

239. Desde logo após a inquirição do Sr. FF comprovou-se que efetivamente foi transmitido a não legalização de toda a área correspondente aos anexos e como já foi explanado, era de todo impossível que uma área tão extensa, ocupando “muro a muro” a Mediadora EE não se apercebesse de tamanha diferença, nem mesmo os Recorridos.

240. Conjugado com o contrato de arrendamento junto, datado de junho de 2020, as transferências das rendas, o tribunal ao considerar não provado o item 46 da douta sentença.

241. Devendo estes factos ser aditados aos factos provados.

242. Reapreciando a matéria de facto, de acordo com o supra explanado, obrigatoriamente o desfecho da ação terá de ser diferente da solução fática e jurídica que o tribunal adotou.

243. Assim no caso dos autos, a não celebração do contrato visado com o contrato promessa celebrado entre Recorridos e Recorrentes, ficou a dever-se a causa imputável aos promitentes compradores.

244. Pois como se constata dos documentos, nomeadamente troca de emails, cartas, contrato promessa e aditamento, quer em 25 de agosto de 2020 e em setembro de 2020, os Recorridos não tinham condições para celebrar o contrato prometido.

245. Os Recorrentes de boa-fé esperaram e aceitaram deferir o prazo de celebração.

246. O que levou a ficarem completamente convencidos da seriedade dos pedidos de prorrogação.

247. Os Recorridos poderiam ter marcado a escritura dentro dos 180 dias provocando o incumprimento dos Recorridos, mas como pessoas sérias que são não o fizeram.

248. O mesmo não aconteceu com os Recorridos, pois não é de todo credível que tenham aguardado até outubro, muito para além dos prazos fixados para solicitar ao Dr. GG a verificação da documentação.

249. Esses prazos mais não serviram para que os Recorridos aproveitassem para, construir toda uma tese de desconhecimento das conformidades apontadas.

250. Para assim efetuarem nova compra, desvinculando-se daquela, e exigindo ainda a devolução do sinal, mesmo depois de terem causado os danos reclamados pelos Recorrentes.

251. Ora, nada do supra exposto prova a culpa por parte dos Recorrentes, pelo que não podia o tribunal aplicar artigo 442º, nº 2, CC.

252. Ao alegar perda de interesse pela não legalização dos anexos, tendo conhecimento desse facto, e sendo possível a venda do imóvel nessas condições, pois como ficou demonstrado o imóvel foi vendido nessas condições a HH, a resolução não pode operar (artº 801º, nº 1 do Código Civil).

253. Pelo que não podem ser absolvidos do pedido Reconvencional formulado, pela omissão do seu conhecimento pelo tribunal, por considerar que os Recorridos culposamente incumpriram o contrato promessa.

254. Deve assim ser admitido o mesmo, condenando-os nos pedidos formulados.

255. Em face do exposto verifica-se que não assiste razão à Meritíssima Juíza a quo, quando decidiu condenar o Recorrentes no pedido formulados pelos Recorridos, violando o disposto nos artigos 607º nº 4 CPC, artigos 406º, nº1, 410º, 2 e 3, 432º, 441º e 808, nº 2 todos do Código Civil, incorrendo em manifesto Erro de Julgamento.».

Pedem o provimento do recurso, revogando-se a decisão, absolvendo-se os Recorrentes dos pedidos formulados, admitindo-se o pedido Reconvencional e nele condenando os Recorridos.


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Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção do decidido.

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As questões a decidir são:

. apreciação da matéria de facto, e especial incidente sobre quando os Autores poderiam ter conhecimento da falta de licenciamento dos anexos;

. aferir se há incumprimento do contrato promessa pelos Réus ou, ao contrário, pelos Autores/reconvindos e consequências jurídicas desse incumprimento.


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2). Fundamentação.

2.1). De facto.

Resultaram provados os seguintes factos:

«1.º Por Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado em 28 de Fevereiro de 2020, os Autores prometeram comprar aos Réus e, estes prometeram vender, livre de ónus e encargos e devoluto de pessoas e bens, o prédio urbano constituído em regime de propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, composto por casa de cave rés-do-chão e andar e anexo, situado em ..., na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Valongo, descrito na Conservatória dos Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Valongo sob o n.º ... e, inscrito na matriz predial urbana sob artigo ..., com o valor patrimonial de €: 83.040,00, com a Licença de Utilização n.º ..., emitida pela Câmara Municipal ... em 31 de Dezembro de 1997 e, detentor do Certificado Energético n.º ..., válido até 24-05-2019.

2º O preço de compra e venda convencionado foi de €: 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros)

3º Como sinal e princípio de pagamento, os Autores pagaram aos Réus a quantia de €: 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), por meio de cheque.

4º O remanescente do preço, ou seja, a quantia de €: 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil euros) seria paga na data da celebração da escritura de compra e venda;

5º Nos termos do n.º 1 da Cláusula Quarta do Contrato Promessa, a escritura de compra e venda seria outorgada até a um prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias contados a partir da data da assinatura do mesmo.

6º A escritura deveria ser realizada até ao dia 25 de Agosto de 2020.

7º Os Autores e Réus acordaram, através da celebração de um Aditamento do Contrato Promessa de Compra e Venda, outorgado em 14 de Agosto de 2020, que a escritura se realizaria até ao dia 30 de Setembro de 2020.

8º O prédio urbano supra descrito, objecto do Contrato Promessa de Compra e Venda, foi prometido vender pelos Réus aos Autores “(…) no estado e condições em que se encontra e, pelos mesmos aceite.

9º Estipula o n.º 4 da Cláusula Quarta do Contrato Promessa de Compra e Venda: “Sem prejuízo do número anterior, os Primeiros Outorgantes declaram que, anteriormente à assinatura do presente Contrato, facultarão toda a informação e documentação disponível referente à fracção objecto do presente Contrato;

10º E, o n.º 5 da mesma Cláusula prevê: “Os Segundos Outorgantes declaram que, através dos documentos referidos no ponto anterior da presente cláusula e das visitas feita à fracção, conhece perfeitamente o actual estado físico da fracção objecto deste Contrato e que, por ela não é considerado obstáculo à compra e venda prometida, não podendo invocar quaisquer vícios aparentes do mesmo, para não comparecer no acto da celebração do contrato definitivo de compra e venda”

11º Os Réus entregaram aos Autores a caderneta predial e a certidão da Conservatória do Registo Predial, bem como o certificado energético, documentos estes que faziam parte integrante do Contrato Promessa em causa nos autos;

12º Os Autores visitaram o imóvel objecto do contrato prometido, acompanhados pela angariadora imobiliária EE, por duas vezes.

13º À data do negócio prometido, não constava da descrição predial o logradouro, bem como as áreas que foram posteriormente ao negócio em causa nos autos actualizadas.

14º O anexo que faz parte integrante do prédio prometido vender pelos Réus aos Autores não se encontrava devidamente licenciado na sua totalidade, pela Câmara Municipal ...;

15º Facto este que os Autores apenas tiveram conhecimento no dia 08 de Outubro de 2020 aquando do envio da documentação e, não de toda, necessária para a realização da escritura de compra e venda, designadamente caderneta predial urbana, certidão permanente, certificado energético e alvará de licença de utilização.

16º Analisada a documentação supra-referida, para além de outras situações respeitantes a divergências registrais, passíveis de rectificação, os Autores constataram que, o anexo construído no prédio prometido tinha uma área superior àquela que se encontrava licenciada pela Câmara Municipal ....

17º Por esse facto, foi pelos Autores solicitado o agendamento de uma reunião com os Réus, que teve lugar no dia 15 de Outubro de 2020, na Agência Imobiliária A..., mediadora imobiliária do negócio prometido;

18º Na referida reunião foram apresentadas aos Autores três soluções para a outorga da escritura de compra e venda, as quais se infra discriminam:

1 - Celebrar a escritura de compra e venda do imóvel no estado em que se encontra edificado;

2 - Celebrar a escritura de compra e venda do imóvel no estado em que se encontra edificado, mediante a emissão de um documento particular por parte dos Réus, no qual assumiam o compromisso de repor a situação licenciada (originária);

3 - Resolução do contrato promessa de compra e venda.

19º Nessa reunião, os Réus assumiram que os anexos por si construídos não se encontravam pois devidamente licenciados pelas entidades competentes.

20º Os Autores formaram a sua vontade em adquirir o prédio prometido, não só, mas também, pela existência do anexo nele edificado, dado que o mesmo correspondia às suas necessidades.

21º Sendo impossível apenas com as visitas ao local e com os documentos até então dados a conhecer aos Autores constatar a existência de área do anexo não licenciada, uma vez que a área coberta constante do registo predial da certidão matricial correspondiam ambas a 143 m2, encontrando-se as mesmas harmonizadas.

22º Mantendo os Autores interesse no cumprimento do negócio prometido, viram-se forçados a efectuarem aos Réus uma interpelação admonitória, datada de 19 de Outubro de 2020, registada com aviso de receção, nos seguintes termos:

“(…) informo o que referi na parte final do ponto 24º supra, isto é, mantenho o interesse no negócio prometido, desde que sejam devidamente licenciados junto da Câmara Municipal ..., a área dos anexos existente aquando da visita efectuada ao imóvel, pois foi com base na mesma que formei a minha vontade em adquiri-lo. Assim sendo e, conforme previsto no artigo 777º n.º 1 do Código Civil, venho pela presente interpelar V. Exas. para, no prazo fixado de 60 (sessenta) dias a contar da receção da presente missiva, comprovarem o licenciamento de toda a área dos anexos, através da apresentação de projecto aprovado pela Câmara Municipal ... e da emissão da respectiva licença de utilização, exigências estas de que depende o cumprimento do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado.”

23º Em resposta à interpelação admonitória por parte dos Autores aos Réus, estes responderam, assumindo a desconformidade da área do anexo, propondo uma redução do preço no montante de €: 10.000,00 ou, a reposição da área do anexo de acordo com a área do projeto originário, isto é, procedendo à demolição de grande parte do mesmo;

24º A esta missiva dos Réus, responderam os Autores no dia 16 de Novembro de 2020, reiterando o interesse na celebração do negócio prometido, nos termos e condições constantes da interpelação admonitória já remetida àqueles:

“Mantém-se o interesse na celebração do negócio, desde que seja legalizada a área de anexos não licenciada, pois foi essa a realidade física que se presenciou e na qual se tomou a decisão de adquirir o imóvel, sendo que a reposição da área de anexos conforme as telas finais aprovadas pela Câmara Municipal ... defrauda as expectativas criadas no início do processo, não satisfazendo de todo as nossas necessidades ter apenas a área de anexos constante das telas finais aprovadas. Reafirma-se a fixação constante da carta de 19 de Outubro do prazo de 60 (sessenta) dias, o qual já se encontra a correr, para comprovarem o licenciamento de toda a área dos anexos, através da apresentação de projeto aprovado pela Câmara Municipal ... e da emissão da respetiva licença de utilização, exigências estas de que depende o cumprimento do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado”.

25º A interpelação admonitória efectuada pelos Autores aos Réus exigia que estes, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da ressecção dessa mesma interpelação, ou seja, desde 28 de Outubro de 2020, comprovassem o licenciamento de toda a área do anexo que integra o prédio prometido, devendo comprovar a apresentação e aprovação do respectivo projecto pela Câmara Municipal ... e, consequentemente, a emissão da respectiva licença de utilização;

26º Os Autores por carta datada de 14 de Janeiro de 2021 e, recepcionada pelos Réus em 19 de Janeiro do mesmo ano, DECLARARAM A RESOLUÇÃO do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado em 28 de Fevereiro de 2020, alegando para o efeito:

“A resolução contratual operada pela presente missiva prende-se com o facto de V. Exas. não terem cumprido a n/”interpelação admonitória” efectuada por carta registada com aviso de recepção datada de 19 de Outubro de 2020, na qual foi fixado um prazo de 60 (sessenta) dias a contar da sua recepção, para comprovarem o licenciamento de toda a área dos anexos, através da apresentação de projecto aprovado pela Câmara Municipal ... e da emissão da respectiva licença de utilização. Na referida interpelação foram V. Exas. informados que o cumprimento do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado dependia do cumprimento dessa “interpelação admonitória”. O prazo fixado terminou em 27 de Dezembro de 2020 sem V. Exas. cumprirem a interpelação, não tendo comprovado a aprovação de licenciamento pela Câmara Municipal ... e da emissão da respectiva licença de utilização, relativamente a toda a área dos anexos. Assim, atendendo à injustificável mora no cumprimento das v/obrigações, vimos resolver o Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado em 28 de Fevereiro de 2020, dado que perdemos o interesse na manutenção do negócio, considerando, definitivamente, como não cumprida a obrigação. Fica, nesta data e com efeitos imediatos, resolvido o Contrato Promessa celebrado, por incumprimento definitivo do mesmo por parte de V. Exªs.”.

27º Por carta datada de 17 de Fevereiro de 2021, os Autores interpelaram os Réus para procederem ao pagamento, em dobro, do montante pago por aqueles a título de sinal, ou seja, para procederem ao pagamento do valor de €: 50.000,00 (cinquenta mil euros);

28º Os Réus recusaram-se a proceder ao pagamento do sinal em dobro, afirmando que haviam tomado agora a iniciativa de procederem ao licenciamento da área remanescente do anexo.

29º Os AA encontravam-se acompanhados e assessorados pela Mediadora Imobiliária, B... Unipessoal Lda., NIPC ..., LICENÇA AMI.

30º Os RR., por intermédio do Sr. FF, da Mediadora Imobiliária A..., forneceram à Exma. Senhora D. EE a caderneta predial, certidão predial, o alvará de utilização e certificado energético.

31º Os AA celebraram um contrato promessa em Fevereiro de 2021 para a aquisição da actual casa de morada de família.

33º Os reconvintes pagaram à Mediadora Imobiliária, B... Unipessoal Lda., NIPC ..., LICENÇA AMI, por partilha do negócio com a A..., a quantia de 5000,00€ (cinco mil euros).

34º Pagaram ainda a quantia de 6150,00€ (seis mil cento e cinquenta euros) à Imobiliária A....

35º Os reconvintes arrendaram a fracção “J” sita na Rua ..., ... em ..., Valongo, tendo pago a título de renda inicial o valor correspondente a 12 rendas, no montante global de 7500,00€.

36º Os Réus procederam à rectificação à divergência registral de áreas e de pisos junto da Autoridade Tributária e Aduaneira no dia 26 de Maio de 2021 e na Conservatória do Registo Predial no dia 01 de Setembro de 2021.».


*

E resultaram não provados:

«1. Nas visitas ao imóvel prometido, os Autores depararam-se com um imóvel cujo anexo construído tem uma extensão a todo o comprimento do lote nem antes e/ou posteriormente à celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda foi-lhes informado que a área construída do anexo autorizada e licenciada pela Câmara Municipal ... não compreendia a enorme extensão do mesmo.

2. Os Réus obtiveram o licenciamento do aumento da área construída, designadamente da área bruta dependente (ANEXOS) junto da Câmara Municipal ....

3. Os reconvintes, por estarem absolutamente convencidos da efectiva concretização, da venda do seu imóvel, e para facilitar a mudança aos reconvindos, alugaram a fração “J” sita na Rua ..., ... em ..., Valongo, tendo pago a título de renda inicia o valor correspondente a 12 rendas, no montante global de 7500,00€ (sete mil e quinhentos euros)

4. Os reconvindos sempre souberam e aceitaram a existência da discrepância da área dos anexos, e que existia licença para a realização da escritura do imóvel dos reconvintes, só não concluindo a compra do prédio por terem encontrado outro imóvel mais próximo do local de trabalho, e que acabaram por adquirir.».


*

2.2). Do recurso.

A). Impugnação da matéria de facto.

Facto provado 13.

À data do negócio prometido, não constava da descrição predial o logradouro, bem como as áreas que foram posteriormente ao negócio em causa nos autos atualizadas.

Os recorrentes pretendem que passe a ter a seguinte redação:

À data do negócio prometido, constava da descrição predial o logradouro e as áreas de Área Total 475m2, área coberta 215 m2, área descoberta 260m2, casa de cave, rés-do-chão e anexo, com logradouro.

No fundo, pretendem que se julgue provado que constava da descrição predial o logradouro e as áreas, ainda que desatualizadas.

Vejamos.

O tribunal considerou o facto provado por acordo mas os Réus questionaram esta alegação (articulada em 21.º, da petição inicial, impugnada no artigo 2.º, da contestação).

Há assim que aferir, documentalmente (já que o que está em causa é o que consta em documento) o que se encontrava registado à data da celebração do contrato promessa, a saber, em 28/02/2020.

Importa ainda notar que está provado que os Réus procederam à retificação à divergência registral de áreas e de pisos junto da Autoridade Tributária e Aduaneira no dia 26/05/2021 e na C. R. P. no dia 01/09/2021 (facto 36), factualidade que não é questionada.

E este facto assenta no teor do documento n.º 2 junto com a réplica (05/04/2024) onde consta o pedido de 01/09/2021, assinado pelo Réu CC, a pedir a indicada retificação. Esta tinha o seguinte âmbito: o prédio compõe-se atualmente de casa de cave, r/c e anexo, área coberta de 215 m2 e descoberta de 260 m2.

Na cópia da certidão do registo predial, junto no mesmo documento n.º 2, consta a descrição atual do imóvel, como sendo casa de cave, r/c e anexo e logradouro, com área total de 475 m2, coberta de 215 m2 e descoberta de 260 m2, refletindo assim a indicada atualização; originalmente, é descrito com a área coberta de 143 m2 e descoberta de 332 m2, composta de casa de cave, r/c e andar e anexo, sem indicação de logradouro.

Esta área original foi a que se atendeu na avaliação bancária, junta como documento n.º 10, com a contestação, pedida em 29/04/2021, com visita efetuada em 06/05/2021, com disponibilização do relatório ao Banco 1… em 10/05/2021, ou seja, tudo em data anterior à alteração de 01/09/2021.

Houve assim um aumento da área coberta, provocando uma diminuição da área descoberta, que não estava refletida aquando da celebração do contrato promessa.

Assim, não têm razão os recorrentes, mantendo-se o facto como resultou provado.


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Facto 14.

O anexo que faz parte integrante do prédio prometido vender pelos Réus aos Autores não se encontrava devidamente licenciado na sua totalidade, pela Câmara Municipal ....

Mas, com o devido respeito, pensamos que não há qualquer efetiva impugnação deste facto (e bem, mesmo na perspetiva dos recorrentes). Na verdade, o facto corresponde ao artigo 22.º, da petição inicial, o qual é expressamente aceite no artigo 1.º, da petição inicial. E, porventura, devido a ser um facto aceite pelos Réus, estes, no recurso, não suscitam qualquer objeção a este facto, nem propõem qualquer diferente redação.

O que efetivamente os recorrentes questionam, na sequência imediata, é que deste facto os Autores apenas tenham tido conhecimento no dia 08/10/2020 aquando do envio da documentação, que corresponde ao facto provado 15), que consideram que não pode ser dado como provado (no que se subentende que deverá então ser julgado como não provado).

Este facto 15 tem a seguinte redação:

14º O anexo que faz parte integrante do prédio prometido vender pelos Réus aos Autores não se encontrava devidamente licenciado na sua totalidade, pela Câmara Municipal ...;

15º Facto este que os Autores apenas tiveram conhecimento no dia 08 de Outubro de 2020 aquando do envio da documentação e, não de toda, necessária para a realização da escritura de compra e venda, designadamente caderneta predial urbana, certidão permanente, certificado energético e alvará de licença de utilização.

Os recorrentes alegam que a mediadora do negócio, junto dos recorridos, recebeu a documentação por mail de 22/02/2020 e que, ao visitar-se o local, tendo em seu poder essa documentação, teriam de se ter apercebido da diferença.

Mas, salvo melhor opinião, o que está em causa é a falta de licenciamento de anexos e não uma divergência de áreas; ora, essa omissão não é percetível ao olhar-se para um imóvel nem pelos documentos onde estejam, ou não, inscritos os anexos já que, podendo estar registados, podem não ser legais e, não estando registados, podem ser legais, apenas não estando atualizado o registo.

Nem dos documentos aí referidos nesse mail (caderneta predial urbana, registo predial e certificado energético) resulta que haja ou não licenciamento, o qual só se pode verificar através do competente ato de licenciamento ou de informação de que inexiste esse licenciamento.

Pode, com maior ou menor cuidado, analisarem-se as áreas que estão registadas e, após se visualizar o imóvel, suspeitar-se que a área coberta real seria maior do que a registada mas isso estará dependente da experiência das pessoas envolvidas, do tipo de análise que se efetua (se para a celebração de uma promessa, em que se pode ser menos rigoroso ou, já para se concretizar a compra e venda, procurando-se então mais rigor na análise).

Os recorrentes alegam que já em fevereiro de 2020 foi enviado um mail à mediadora que atuava em nome dos Autores/promitentes compradores, com a junção de documentação que permitia determinar que já não havia licenciamento, que denomina de «aquela discrepância».

Mas dos documentos em causa, já referidos, não resulta a falta de licenciamento mas antes um eventual problema com áreas; por outro lado, não resulta que os documentos tenham sido entregues/enviados aos aqui Autores nessa data, mas sabemos que em 08/10/2020 foi enviado mail aos mesmos com tal documentação (documento 5, junto com a petição inicial).

De qualquer modo, não podemos ter a segurança mínima necessária de que só no dia 08/10/2020 é que os Autores tiveram conhecimento de que havia falta de licença dos anexos, não só porque a documentação já estava na posse de alguém que auxiliaria na compra do imóvel os Autores como temos dúvidas que a reunião que se efetiva em 15/10/2020 já não teria na base uma investigação mais apurada do que a simples análise de documentos (depoimento de II, solicitador e que intermediou o negócio em auxílio dos Autores, que mencionou se deslocou à Câmara ... para se inteirar da questão).

Assim, consideramos que, pelo menos em 08/10/2020, os Autores tomaram conhecimento da falta de licenciamento referida em 14), não se podendo ter a segurança de quanto antes podem ter tido esse conhecimento; assim, altera-se o facto 15) para esta redação:

15.º Facto este que os Autores tiveram conhecimento, pelo menos, no dia 08 de Outubro de 2020 aquando do envio da documentação e, não de toda, necessária para a realização da escritura de compra e venda, designadamente caderneta predial urbana, certidão permanente, certificado energético e alvará de licença de utilização.


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Quanto ao facto 16), não é invocada qualquer questão, sendo que, de seguida, é impugnado o facto provado 21, com a seguinte redação:

Sendo impossível apenas com as visitas ao local e com os documentos até então dados a conhecer aos Autores constatar a existência de área do anexo não licenciada, uma vez que a área coberta constante do registo predial da certidão matricial correspondiam ambas a 143 m2, encontrando-se as mesmas harmonizadas.

Já referimos que seria possível descortinar algum tipo de problema com a área coberta pela análise do local e as áreas registadas, com maior ou menor cuidado/diligência; mas daí a poder concluir-se, com base nessa documentação, que falta o licenciamento, pensamos que não era efetivamente possível. Como referimos, seria necessária outro tipo de atuação, como veio a suceder: consulta do processo camarário.

Assim, mantém-se a prova deste facto.


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Factos provados 19), 20), 23) – e não 20, 21 e 24 que não correspondem aos factos escritos pela recorrente na alegação 102 -.

19). Nessa reunião, os Réus assumiram que os anexos por si construídos não se encontravam pois devidamente licenciados pelas entidades competentes

20). Os Autores formaram a sua vontade em adquirir o prédio prometido, não só, mas também, pela existência do anexo nele edificado, dado que o mesmo correspondia às suas necessidades.

23). Em resposta à interpelação admonitória por parte dos Autores aos Réus, estes responderam, assumindo a desconformidade da área do anexo, propondo uma redução do preço no montante de €: 10.000,00 ou, a reposição da área do anexo de acordo com a área do projeto originário, isto é, procedendo à demolição de grande parte do mesmo.

Com o devido respeito, pensamos que a impugnação, além de pouco compreensível, tem de ser rejeitada.

Os recorrentes mencionam que os recorridos/Autores já estavam desinteressados do imóvel mas não mencionam afinal qual seria o interesse que teriam na aquisição do mesmo (e algum deveriam ter pois celebraram um contrato promessa) e que deixaram de ter.

Mas os recorrentes nunca indicam qual a redação que deveria ser dada a estes factos, o que implica a rejeição da impugnação de facto, nesta parte, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, c), do C. P. C.: quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Assim, rejeita-se a impugnação quanto a estes factos.


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Factos não provados 1, 3 e 4:

1. Nas visitas ao imóvel prometido, os Autores depararam-se com um imóvel cujo anexo construído tem uma extensão a todo o comprimento do lote nem antes e/ou posteriormente à celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda foi-lhes informado que a área construída do anexo autorizada e licenciada pela Câmara Municipal ... não compreendia a enorme extensão do mesmo.

3. Os reconvintes, por estarem absolutamente convencidos da efectiva concretização, da venda do seu imóvel, e para facilitar a mudança aos reconvindos, alugaram a fração “J” sita na Rua ..., ... em ..., Valongo, tendo pago a título de renda inicia o valor correspondente a 12 rendas, no montante global de 7500,00€ (sete mil e quinhentos euros).

4. Os reconvindos sempre souberam e aceitaram a existência da discrepância da área dos anexos, e que existia licença para a realização da escritura do imóvel dos reconvintes, só não concluindo a compra do prédio por terem encontrado outro imóvel mais próximo do local de trabalho, e que acabaram por adquirir.

Em relação ao facto 1), os recorrentes nada mencionam sobre o motivo por que deve ser julgado provado, sendo que se trata de factualidade alegada pelos Autores no artigo 18.º, da réplica, pelo que não faz sentido que os Réus pretendam que se apure matéria que lhes é potencialmente desfavorável.

Pensamos assim que se trata de um lapso e que não se pretendeu efetivamente questionar esta não prova; o que sucederá é que os recorrentes pretendem a prova do contrário, ou seja, que houve essa transmissão de informação mas, o âmbito desse conhecimento e informação já está provada no facto 15.º acima analisado.

A não prova deste facto 1) relacionar-se-á com o desconhecimento/dúvida se não poderá ter havido algum conhecimento prévio a outubro de 2021, como já referimos.

Improcede assim esta argumentação.

Sobre o facto 4), não há a mínima prova sobre esse alegado desinteresse pela compra do imóvel, sempre sabendo os recorrentes da falta de licenciamento, não sendo suficiente mencionar que, se se recusa qualquer hipótese de acordo, é porque não se queria celebrar o contrato definitivo.

Quanto ao facto 3, efetivamente consta dos autos contrato de arrendamento celebrado entre os reconvintes em 01/06/2020, como arrendatários e JJ e KK, como senhorios, com início em 15/06/2020, por um ano, com renda anual de 7.500 EUR (documento 2 junto com a contestação), constando do mesmo documento dois comprovativos de duas transferências bancárias para aquele KK, nos valores de 5.000 e 2.500 EUR, por parte do Réu, com data de 02 e 03 de junho de 2020.

Não é suscitada qualquer questão quanto à veracidade de tais documentos, pelo que pensamos que seria correta a prova da celebração do contrato e pagamento da renda, como foi, pois esta factualidade está provada no facto 35.

Assim, por ser o correto, tem de manter-se provado este facto 35 e eliminar o facto não provado 3, na parte que o contradiz.

No que se refere a que a celebração do contrato se deveu a estarem absolutamente convencidos da concretização do negócio com os Autores, pensamos que é natural pensar que houve a saída do imóvel pois consideravam que o iriam vender, como FF acaba por referir em julgamento.

Assim, elimina-se o facto não provado 3, passando a resultar provado o seguinte:

. 35) Os reconvintes, por julgarem que o imóvel, objeto do contrato promessa acima referido, ia ser vendido aos reconvindos, arrendaram a fração “J” sita na Rua ..., ... em ..., Valongo, tendo pago a título de renda inicial o valor correspondente a 12 rendas, no montante global de 7.500 EUR.


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2.2). Do direito.

Entre Autores, como promitentes compradores e Réus, como promitentes vendedores, foi celebrado em 28/02/2020 um contrato promessa de compra e venda de um imóvel, figura regulada no artigo 410.º, n.º 1, do C. C..

Os primeiros entregaram aos segundos a quantia de 25.000 EUR, a título de sinal e também como princípio de pagamento (assim se abatendo à dívida total a título de preço, de 250.000 EUR).

Pelo menos em 08/10/2020, os Autores constataram que o anexo construído no prédio prometido tinha uma área superior àquela que se encontrava licenciada pela Câmara Municipal ..., pelo que se veio a efetivar uma reunião entre os contraentes, ocorrida em 15/10/2020.

Procurou-se obter solução para aquela falta de licenciamento, ora propondo-se:

. celebrar a escritura de compra e venda do imóvel no estado em que se encontrava edificado;

. celebrar a escritura de compra e venda do imóvel no estado em que se encontra edificado, mediante a emissão de um documento particular por parte dos Réus, no qual assumiam o compromisso de repor a situação licenciada (originária);

. resolver o contrato promessa.

O contrato prometido deveria celebrar-se, conforme inicialmente acordado, até 25/08/2020 mas depois, por acordo, essa data foi alterada para 30/09/2020.

Temos assim que, quando aquela reunião se efetiva, já existe um atraso na marcação da data do contrato definitivo (reunião em 15/10, sendo a data limite para concretização da compra e venda 30/09, ambos de 2020).

A marcação dessa data estava a cargo dos promitentes compradores, ora Autores (cláusula 4.ª, n.º 2, do contrato). De qualquer modo, esse prazo não era impreterível ou essencial, no sentido de que, ultrapassado o mesmo, o contrato se considerava resolvido já que, não só esse tipo de consequência não está previsto para essa situação, como o que se prevê é que o contrato pode realizar-se depois (ou no caso de os promitentes vendedores não comparecerem à primeira data ou no caso de os promitentes compradores não diligenciarem pela marcação, revertendo-se a marcação para os ora recorrentes/promitentes vendedores – cláusula 5.ª -).

Assim, ocorrendo mora na marcação da escritura, a mesma, para efeitos de vigência do contrato promessa, é irrelevante pois os Réus/recorrentes, não retiram qualquer consequência desse atraso, apenas questionando a validade da resolução operada pelos Autores, aqui recorridos.

Ora, não existindo notícia de que as partes tenham atingido um consenso sobre a manutenção ou cessação do contrato, os promitentes compradores interpelaram os promitentes vendedores, por carta de 19/10/2020, definida como interpelação admonitória, onde mencionam que, mantêm o interesse no negócio desde que ocorra o licenciamento dos anexos em questão, concedendo o prazo de 60 dias a contar da receção da comunicação, para se comprovar o referido licenciamento.

Ocorrendo efetivamente uma interpelação para que os promitentes vendedores adotem uma determinada atitude (licenciamento dos anexos), não foi efetuada, na nossa perspetiva, a admonição/advertência de que, caso tal não se efetivasse, por exemplo, se considerava o contrato promessa definitivamente incumprido, nos termos do artigo 808.º, n.º 1, do C. C.[1].

O que se informa é que mantêm interesse na celebração do negócio desde que se efetive o licenciamento, pelo que a conclusão é a de que, não se procedendo ao licenciamento, perdem o interesse; mas não se adverte que, pela simples falta de cumprimento do prazo que se concedeu, o contrato se considerar definitivamente incumprido.

O máximo que se refere é: «...exigências estas de que depende o cumprimento do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado.». Mas desta frase, na nossa visão, não se retira (muito menos expressamente)[2] que se não forem cumpridas as exigências em 60 dias, o contrato está definitivamente incumprido; pode a parte considerar que, não sendo cumpridas as suas exigências, naquele prazo, tem motivos para considerar que perdeu o interesse o negócio.

Aquela advertência também não surge depois na carta de 16/11/2020 onde, mantendo-se o já referido, menciona-se que se reafirma a fixação constante da carta de 19 de outubro do prazo de 60 (sessenta) dias, o qual já se encontra a correr, para comprovarem o licenciamento de toda a área dos anexos, através da apresentação de projeto aprovado pela Câmara Municipal ... e da emissão da respetiva licença de utilização, exigências estas de que depende o cumprimento do Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado.

E depois, por carta datada de 14/01/2021, recebida pelos Réus em 19/01/2021, os Autores declararam resolvido o contrato promessa, nos seguintes termos:

. «a resolução contratual operada pela presente missiva prende-se com o facto de V. Exas. não terem cumprido a n/”interpelação admonitória” efectuada por carta registada com aviso de recepção datada de 19 de Outubro de 2020…»;

. «atendendo à injustificável mora no cumprimento das v/obrigações, vimos resolver o Contrato Promessa de Compra e Venda celebrado em 28 de Fevereiro de 2020, dado que perdemos o interesse na manutenção do negócio, considerando, definitivamente, como não cumprida a obrigação.».

Mas, como vimos, não houve a efetivação de uma interpelação admonitória mas somente uma interpelação a conceder um prazo para os promitentes vendedores diligenciarem pelo licenciamento dos anexos mas não se referindo, em termos de advertência, qual seria a consequência.

Daí que não se pode considerar que os Réus entraram em incumprimento definitivo do contrato na sequência de interpelação admonitória (aliás, pensamos que os próprios Autores assim o consideraram pois fazem apelo à perda de interesse e à demonstração de que os Réus não queriam cumprir o contrato e não à mera decorrência de um prazo, com efeitos resolutivos do contrato, conforme resulta do facto 26).

E também o tribunal recorrido terá entendido deste modo pois menciona que com a falta de cumprimento da interpelação admonitória, dentro do prazo fixado pelos Autores, os réus constituíram-se em mora, apesar de se referir a interpelação admonitória.

Vejamos então se há matéria que permita concluir que ocorreu perda de interesse dos Autores na celebração do contrato definitivo, tal como estatuído no artigo 808.º, do C. C., nos seguintes termos:

«1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.

2. A perda do interesse na prestação é apreciada objetivamente.».[3]

Esta perda de interesse, no caso, reveste-se de duas vertentes:

. uma relativa ao uso do anexo por se necessitar do mesmo – facto provado 20 – os Autores formaram a sua vontade em adquirir o prédio prometido, não só, mas também, pela existência do anexo nele edificado, dado que o mesmo correspondia às suas necessidades;

. e outra pelo simples facto de os anexos não estarem licenciados e a parte não querer adquirir o bem nesses termos, ilegais – artigo 32.º, da petição inicial - …desconformidade a qual obrigaria os Autores a adquirirem um prédio com um anexo não licenciado, isto é, ilegal -.

No que respeita à primeira vertente, não dispomos de factos suficientes para concluir que, um promitente comprador nas circunstâncias deste contrato, poderia considerar-se como tendo perdido o interesse na celebração do contrato de compra e venda.

Desconhece-se a área dos anexos e qual a área que os Autores necessitavam de usar, uso que teria de ser impressivo no sentido de que só com a existência legal daquele anexo é que o interesse se poderia manter.

E desconhece-se qual a área que era necessária legalizar e se a mesma não podia corresponder aos interesses dos Autores.

E, por fim, também não sabemos qual o custo com a eventual demolição de parte dos anexos que, a porventura ter de ser efetuada pelos Autores, poderia não ser elevado e, ainda assim permitir um uso que satisfizesse os seus interesses.

Quanto à segunda vertente, a nossa visão é que nenhum comprador tem de ser forçado a adquirir um bem que não esteja nas devidas condições legais.

No caso concreto, existindo a realização de obras ilegais, no sentido de que não estão licenciadas pela entidade competente, relacionada com o urbanismo, pensamos que o promitente comprador, tendo por base unicamente esta situação, pode alegar com sucesso a perda de interesse na celebração do contrato definitivo.[4]

O artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26/07, ainda em vigor à data da celebração do contrato promessa (revogado pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 08/01), dispunha que:

1 - Não podem ser realizados atos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas frações autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o documento particular.

2 - Nos atos de transmissão de imóveis é feita sempre menção do alvará da autorização de utilização, com a indicação do respetivo número e data de emissão, ou da sua isenção.

3 – (…)

4 - A apresentação de autorização de utilização nos termos do n.º 1 é dispensada se a existência desta estiver anotada no registo predial e o prédio não tiver sofrido alterações.».

Ou seja, é necessário que a autorização de utilização do imóvel seja atual, refletindo alterações realizadas no imóvel.

Ora, se se construiu um anexo e não se licenciou o mesmo (supondo que poderia ser licenciado), a autorização de utilização não era atual, não refletindo a realidade, não se podendo exigir que o comprador tenha de adquirir o bem em desconformidade com um requisito legal.

O próprio artigo 62.º, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16/12 (R. J. U. E.), estabelece que:

1 - A autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas na sequência de realização de obra sujeita a controlo prévio destina-se a verificar a conclusão da operação urbanística, no todo ou em parte, e a conformidade da obra com o projeto de arquitetura e arranjos exteriores aprovados e com as condições do respetivo procedimento de controlo prévio, assim como a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, podendo contemplar utilizações mistas.

2 - No caso dos pedidos de autorização de utilização, de alteração de utilização ou de alguma informação constante de licença de utilização que já tenha sido emitida, que não sejam precedidos de operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio, a autorização de utilização de edifícios ou suas frações autónomas destina-se a verificar a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, bem como a idoneidade do edifício ou sua fração autónoma para o fim pretendido, podendo contemplar utilizações mistas.

Ou seja, tenha ou não de haver controlo prévio da administração pública, sempre a autorização de utilização tem de respeitar o que efetivamente existe no imóvel.

Não estamos a referir que, na prática, não seja possível celebrar o contrato de compra e venda pois basta que se omita a alteração às entidades públicas para que, salvo outro circunstancialismo alheio a esta problemática, o contrato se possa efetivar (como se terá efetivado em relação a outro comprador, ouvido em julgamento).

Mas, detetada esta falta de conformidade com regras legais, o promitente comprador pode, legitimamente, pugnar pela sanação da mesma.

E foi o que os Autores fizeram, notificando os Réus para, em 60 dias, comprovarem o licenciamento dos anexos em questão.

Não temos dados para qualificar este prazo como insuficiente (e, por isso, irrazoável) já que se desconhece qual o tempo médio que seria necessário para a edilidade municipal deferir esse pedido.

Por outro lado, sendo matéria que seria favorável aos Réus (demonstrado que o prazo era reduzido, poderia considerar-se que não tinha sido concedido um prazo razoável), tinha que ser alegada e demonstrada pelos mesmos (artigo 342.º, n.º 2, do C. C.), o que não sucedeu.

Por fim, os Réus responderam a essa notificação dos Autores e não manifestaram qualquer vontade de proceder ao licenciamento: apresentaram duas propostas, uma de redução do preço e outra de demolição parcial dos anexos (facto 24).

Mas está provado que os Autores formaram a sua vontade em adquirir o prédio prometido, não só, mas também, pela existência do anexo nele edificado, dado que o mesmo correspondia às suas necessidades (facto 20).

Assim, tendo os Autores formado a vontade de celebrar o contrato prometido com base na existência do anexo edificado no imóvel e sendo confrontados não só com a atitude dos promitentes vendedores (que, no fundo, se orientam para outro lado, ou seja, ou os Autores aceitam um imóvel com um anexo não licenciado, sujeito a ser demolido, ou adquirirem o imóvel sem o anexo que lhes foi exibido e cuja existência alavancou a celebração da promessa), pensamos que é legítimo concluir que, sem se efetivar o licenciamento e não havendo vontade dos Réus em o realizar, os Autores perderam objetivamente o interessa na celebração do contrato definitivo.

Esta perda de interesse tem por base a atuação dos Réus, que exibiram um imóvel com uma realidade física que não tem suporte a nível legal e também por, sendo-lhes solicitada a remoção da ilegalidade, sem motivo que tenha sido alegado e demonstrado, não [5]o fizeram (note-se que, depois de serem interpelados, em fevereiro de 2021, para pagarem o sinal em dobro, os Réus recusaram-se a proceder ao seu pagamento, afirmando que haviam tomado agora a iniciativa de procederem ao licenciamento da área remanescente do anexo – facto 28.º -, tornando ainda mais incompreensível porque não o fizeram antes ou não se disponibilizaram para o fazer anteriormente.).

Não há qualquer facto que permita imputar aos Autores responsabilidade no desfecho em análise:

. não se apura que soubessem da falta de licenciamento;

. não se demonstra que o tinham de saber pois, uma questão é ver-se um imóvel e analisar documentos onde constam as áreas do imóvel outra é saber se, de uma eventual desconformidade de área, se retira não só uma diferença de área mas antes uma falta de licenciamento;

. não tomaram qualquer atitude que demonstrasse que poderiam adquirir o imóvel sem o anexo ter a configuração que visualizarem e que lhes foi exibido.

Assim, conclui-se que a impossibilidade de realização do contrato definitivo se deve à atuação dos Réus, presumidamente culposa (artigo 799.º, n.º 1, do C. C.) e que, pelo referido, não conseguiram não só afastar essa presunção como pensamos que se apura a culpa efetiva ao, no fundo, omitiram a falta de licenciamento e depois não diligenciarem pela legalização.

Assim, nos termos do artigo 442.º, n.º 2, do C. C., se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue; se o não cumprimento do contrato for devido a este último, tem aquele a faculdade de exigir o dobro do que prestou; daí que têm os Autores direito a receber dos Réus a quantia de 50.000 EUR (sinal de 25.000 EUR x 2).

Foi nesta quantia que os Réus foram condenados, acrescidos de juros de mora, a contar de 01/03/2021 (pensamos que se refere ao recebimento da interpelação referida no facto provado 27); não vemos qualquer impedimento a que se considere esta data como o início da mora no pagamento da referida quantia, até porque o contrato foi declarado resolvido por carta de 14/01, recebida pelos Réus em 19/01, ambos de 2020 (facto 26.º), mora contada nos termos do artigo 805.º, n.º 1, do C. C. (data da interpelação, numa altura em que efetivamente já os Réus estavam em mora na devolução de sinal em dobro, relativamente a contrato já resolvido).

Foi assim correta a condenação dos Réus na ação.

E, concluindo-se que aos Réus deve ser imputada a responsabilidade pelo incumprimento contratual, não existe sustento para que possam fazer seu o sinal que receberam nem que, eventuais danos que tenham sofrido por causa da celebração do contrato, sejam ressarcidos pelos agora reconvindos. São os reconvintes os responsáveis pela resolução do contrato, tendo assim de suportar os prejuízos que lhes advenham da mesma.

Foi, assim, igualmente correta a improcedência da reconvenção.

Conclui-se pela total improcedência do recurso.


*

3). Decisão.

Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelos recorrentes.

Registe e notifique.


Porto, 2025/11/13.
João Venade
Isabel Ferreira
Manuela Machado
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[1] 1. Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
[2] «E têm os autores entendido - e bem! -, em face do espírito e do próprio texto da lei, que, para o devedor em mora ficar nessa situação de faltoso em definitivo, se torna necessário mesmo que na interpelação feita pelo credor, ao abrigo do disposto no artigo 808º, se inclua expressamente a advertência de que, não cumprindo o devedor dentro do prazo suplementar fixado, a obrigação se terá para todos os efeitos por não cumprida. – Antunes Varela, R. L. J. Ano 128, páginas 136-138 -.
[3] No Ac. da R. L. de 13/05/2025, processo n.º 6918/24.8T8SNT.L1-7, www.dgsi.pt, menciona-se doutrina e jurisprudência sobre o que significa a perda de interesse apreciada objetivamente, sendo, no fundo, como se refere, citando Ac. S. T. J., de 18/12/2003, processo 03B3697 que «não basta o juízo valorativo arbitrário do próprio credor antes aquela (falta de interesse) há de ser apreciada objetivamente, com base em elementos suscetíveis de serem valorados por qualquer pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz).”
[4]Seguiremos o vertido no Ac. da R. E. de 12/04/2018, processo n.º 7715/16.0T8STB.E1, www.dgsi.pt.
[5]Sendo que, como se mencionou em julgamento, o imóvel foi vendido em 22/09/2021, conforme resulta da cópia de registo predial junta com a petição inicial, sem se ter efetuado o licenciamento como o adquirente referiu.