Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
636/22.9T8OBR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA PINTO DA SILVA
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
CONDENAÇÃO GENÉRICA
EQUIDADE
Nº do Documento: RP20250127636/22.9T8OBR.P1
Data do Acordão: 01/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando a existência dos danos é uma incógnita (hipótese em que falta um dos elementos constitutivos do direito indemnizatório) não pode haver condenação; ao invés, provando-se que há/houve danos, tem que ser proferida condenação, que passa ou pela prolação de uma condenação genérica ou pela fixação da indemnização com recurso à equidade.
II - A opção entre a fixação da indemnização em liquidação subsequente ou com recurso à equidade deve dirimir-se a favor do meio que permita ajustar o mais possível a fixação da indemnização à realidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 636/22.9T8OBR.P1

Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro

Juízo de Competência Genérica de Oliveira do Bairro – Juiz 1

Relatora: Juíza Desembargadora Teresa Pinto da Silva

1ª Adjunta: Juíza Desembargadora Fernanda Almeida

2º Adjunto: Juiz Desembargador Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo

Acordam os Juízes Desembargadores subscritores deste acórdão, da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO

A..., Lda, propôs a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra B..., Unipessoal, Lda, pedindo o reconhecimento de que a cessação do contrato de prestação de serviço celebrado entre a Autora e a Ré ocorreu de forma ilícita e, por via disso, a condenação da Ré no pagamento à Autora, a título de indemnização, da quantia de €33.130,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, como fundamento, que em meados do ano de 2020 foi contratada pela Ré para, no exercício da sua atividade, proceder à realização de serviços de catering em casamentos, batizados e bodas de ouro.

Após a execução de alguns serviços, a Ré comunicou-lhe que os eventos que decorressem na sua quinta passariam a ser executados pela Autora e enviou-lhe a lista dos eventos que teria de realizar no ano 2022, da qual constava um total de 1.730 (mil setecentos e trinta) convidados.

No dia 04-07-2022, a Ré comunicou-lhe que passaria a assumir a execução dos eventos agendados e que prescindia dos serviços da Autora, com efeitos imediatos. Tal conduta da Ré causou à Autora um prejuízo de €33.130,00, porquanto não realizou os eventos acordados com aquela, nos quais previa auferir, a título de lucro, €17,00 (dezassete euros) por cada convidado em batizado e €20,00 por cada convidado em casamento, sendo certo que, face aos compromissos que havia assumido junto da Ré, a Autora não aceitou a contratação de qualquer outro serviço para as datas que foram por aquela indicadas.

Na contestação, a Ré sustentou que contratou a Autora para realizar serviços de catering, mas tal sucedia evento a evento, negando que alguma vez tivesse contratado a Autora para, mediante remuneração, fornecer serviços de catering para todos os eventos que viesse a realizar na sua quinta, de forma temporalmente indeterminada.

Não obstante ter remetido à Autora a listagem dos eventos referentes ao ano de 2022, tratava-se de uma mera previsão dos serviços que teriam lugar nas suas instalações, os quais poderiam, ou não, vir a ser contratados à Autora.

Argumentou, ainda, que os valores a pagar por cada convidado dependiam da concreta ementa escolhida, bem como da respetiva idade, na medida em que as crianças até aos cinco anos não pagavam, e entre os cinco e os dez anos pagavam, apenas, 50%. Ademais, a confirmação do número final de convidados só ocorria uma semana antes do evento a realizar.

Sustentou também que comunicou à Autora que não voltaria a contratar os seus serviços antes do dia 04-07-2022, tendo esta ficado livre para prestar outros serviços, como sucedeu, e que a Autora aceitou a cessação da relação contratual existente entre as partes, pelo que, ao propor a presente ação, atua em abuso de direito.


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Foi dispensada a audiência prévia e proferido o despacho saneador em 20 de outubro de 2023, com fixação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

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Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais.

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Em 29 de maio de 2024 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em conformidade decide-se:

A) Condenar a ré “B..., Unipessoal, Lda.”, a pagar, à autora, “A..., Lda.” a quantia de 8.972,87 € (oito mil novecentos e setenta e dois euros e oitenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos desde 03-10-2022, bem como de juros vincendos, calculados à taxa supletiva legal para os juros comerciais sucessivamente em vigor;

B) Absolver a ré do demais peticionado pela autora».


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Inconformada com esta decisão, veio a Ré / Apelante dela interpor o presente recurso, pretendendo a revogação da sentença e a sua absolvição, formulando, para tanto, as conclusões que a seguir se transcrevem:

«1ª Perante uma situação como a dos autos em que é pedida uma indemnização pela revogação unilateral de um contrato de prestação de serviços de catering, mais concretamente os lucros que, em consequência da revogação, a Autora deixou de auferir e em que o apuramento do dano e portanto do montante a indemnizar tem de ser calculado pela teoria da diferença consignada no artº 566º nº2 do Código Civil, àquela cabe o ónus da prova, nos termos do artº 342º do mencionado diploma, não só da existência do dano em si, como da respectiva extensão e valor.

2ª O tribunal a quo deu efectivamente como provada a existência de um contrato de prestação de serviços de catering, a revogação unilateral do mesmo pela Ré ora Recorrente, bem como a existência de danos, derivados da não realização de serviços indicados no ponto 5 dos factos provados.

3ª Todavia, e no que se refere aos elementos que poderiam levar à concretização desses danos mormente a sua extensão e valor, o Tribunal considerou que nada se provou.

Com efeito, foi nomeadamente dado como não provado que:

- os valores das ementas cobrados pela Autora à Ré fossem concretamente e sempre de 42,00€ por pessoa em casamentos e de 30,00€ por pessoa em batizado (e) dos factos não provados);

- a margem de lucro obtida pela Autora por cada convidado fosse de 20,00€ por convidado em casamento e 17,00€ em baptizado (f )e g) dos factos não provados);

- a autora não tivesse realizado qualquer outro serviço de catering nas datas referidas no ponto 5 dos factos provados.

4ª À ausência de prova quanto aos factos acima mencionados acresce o total desconhecimento pelo Tribunal das despesas, encargos e custos que a Autora teria com a realização dos serviços em causa, caso o contrato se tivesse mantido.

5ª Não obstante o vazio de prova relativamente a factos que pudessem levar ao valor do dano, o Tribunal condenou a Ré ao pagamento, a título de indemnização de uma quantia certa, recorrendo à equidade para determinar o montante do lucro.

6ª Entendemos que inexistindo provada uma factualidade mínima acerca da extensão e valor do danos, que pudesse servir de base à respetiva quantificação, não poderia o Tribunal proceder à mesma e condenar a Ré ao pagamento da indemnização de 8.972,87€.

7ª Tanto mais, que o artº 566º nº 3, parece exigir duas condições; a indeterminação do valor exacto e a prova de limites máximos e mínimos para o valor do dano.

8ª Ao condenar a Ré nos termos já referidos, o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, violou não só o artº 566º, como o 342º, ambos do Código Civil.

9ª Devendo, pois, a Ré por ausência total de prova em relação ao quantum dos danos ser absolvida do pagamento da indemnização.

Para o caso de assim se não entender, o que apenas por cautela se admite, sempre se dirá que:

10ª Seguindo os parâmetros utilizados pelo Tribunal existe um erro na determinação do valor da indemnização no que se refere aos serviços de catering (não realizados) nos batizados.

11ª Com efeito, o que está em causa são os serviços de catering contratados pela Ré à Autora e que esta deixou de efectuar em virtude da cessação do contrato.

12ª Sucede que o Tribunal deu como provado (ponto 12 dos factos provados) relativamente aos baptizados do dia 07-08-2022 e 14-08-2022 que os respectivos serviços de catering tinham sido directamente solicitados pelos clientes finais à Autora, tendo sido alugado à Ré apenas o espaço.

13ª Face a tal, ter-se-á de considerar que aqueles eventos não estão abrangidos pela relação contratual que o Tribunal deu como provada; isto é a prestação de serviços de catering pela Autora à Ré. Consequentemente tais serviços nunca poderiam ser atingidos pelos efeitos da revogação do contrato existente entre as partes. Diga-se, aliás, que a causa de pedir configurada pela Autora é precisamente a revogação unilateral do contrato de prestação de serviços de catering. Não podendo pois a Ré ser responsabilizada pelo pagamento de serviços que não contratou.

14ª Logo, ao número total de convidados (490) constante na lista referida no ponto 5 dos factos provados, haverá, seguindo a metodologia do Tribunal, que descontar 80 pessoas, o que perfaz 410.

15ª E será sobre este número que deverá ser descontada a percentagem de 20% considerada como o decréscimo entre o número de convidados previsto e o efetivo, o que dá 328.

16ª Aplicando-se em seguida sobre os 328 as restantes percentagens adoptadas pelo Tribunal, isto é a dedução de 5%(16,40) e 10%(32,80) referentes respectivamente a crianças que não pagam e às que pagam apenas metade. Ficando-se assim com 278,80 pessoas a pagar a totalidade do preço(6,375€) considerado pelo Tribunal e 32,80 a pagar apenas metade. O que perfaz quanto aos baptizados um total de 1881,91€, correspondente ao somatório de 1777,35€ (278,80x 6,375) e de 104,56€ (32,80 x 3,188), e não de 2.249,12€ como é determinado na sentença.

17ª A Ré foi condenada ao pagamento de juros de mora calculados desde a citação (03-10-2022). Não se pode todavia concordar que a mora da Ré se tenha iniciado naquele momento, pelas razões a seguir aduzidas.

18ª A indemnização em causa corresponde aos lucros cessantes para o apuramento dos quais é preciso o conhecimento de vários dados/factos para se chegar ao respectivo valor, nomeadamente os que servirão de base à aplicação da teoria da diferença.

19ª Dados que o devedor, neste caso a Recorrente, naturalmente que não dispunha e portanto não poderia proceder liquidação da obrigação, nem antes da acção, nem no momento da citação.

20ª A liquidação da obrigação ou do correspondente crédito apenas foi efectuada pelo Tribunal com recurso, até, critérios de equidade.

21ª Portanto não sendo possível a liquidação prévia do crédito, esta só se verifica com a prolação da sentença.

22ª Por outro lado, o contrato de prestação de serviços é livremente revogável nos termos do nº1 do artº 1170º do Código Civil, e assim foi considerado pelo Tribunal.

23ª A consagração da livre revogabilidade (unilateral) implica desde logo que a mesma é plenamente eficaz determinando a cessação imediata do contrato, mas implica igualmente que ao revogar unilateralmente o contrato a parte que o faz está a exercer um direito que lhe é legalmente concedido. Por conseguinte, a indemnização a que possa haver lugar em virtude da revogação, não decorre nem de nenhum facto ilícito, nem de nenhum incumprimento contratual.

24ª A falta de liquidez da obrigação, também não advém de qualquer acto ou facto que possa ser imputável ao devedor.

25ª Sobre o momento da constituição em mora dispõe o nº 3 do artº 508º do Código Civil que se o crédito for ilíquido não há mora enquanto não se tornar líquido. Norma que comporta duas excepções; uma quando a falta de liquidez for imputável ao devedor, e outra para as situações de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco situação em que a mora se constitui com a citação.

26ª No caso dos autos o crédito é ilíquido, a falta de liquidez não se deve ao devedor, e a obrigação não provém de qualquer facto ilícito, nem se enquadra na responsabilidade pelo risco. Consequentemente a Ré apenas se constitui em mora com o trânsito em julgado da sentença, e não, como determinado pelo Tribunal, com a citação, que ao assim julgar violou o disposto no mencionado artº 508º do referido Código,

27ª A obrigação da Ré corresponde à indemnização derivada da revogação do contrato de prestação de serviços. Revogação que como resulta do anteriormente exposto a propósito o momento da constituição em mora, é livre, consubstanciando portanto um acto lícito.

28ª Esta indemnização não tem pois a sua origem em qualquer facto respeitante à execução/inexecução do contrato de prestação de serviços, sendo totalmente autónoma do mesmo, por isso a obrigação correspondente não se pode incluir na noção de acto de comércio.

29ª Exige preliminarmente o artº 102º do Código Comercial como condição para efeitos de aplicação das taxas de juros aí previstas que se esteja perante um acto de comércio, não bastando portanto e apenas que as partes sejam empresas comerciais.

30ª Perante esta exigência, e tendo em conta que a obrigação de indemnização em causa não é um acto de comércio, o Tribunal não poderia condenar no pagamento dos juros à taxa prevista no nº3 do artº 102º do Código Comercial, mas sim à taxa dos juros civis(4%).

Conclui pela procedência do recurso, com a sua consequente absolvição do pagamento da indemnização a que foi condenada, ou se assim se não entender, deve:

- ser reduzido para 1881,91€, o valor da indemnização referente à prestação de serviços em baptizados e consequentemente para 8.605,66 o valor total da condenação;

- determinar-se que o momento da constituição em mora da Ré apenas ocorre com o trânsito em julgado da sentença e não com a citação;

- determinar-se que a taxa a aplicar aos juros moratórios é a prevista para os juros civis, e não a prevista no nº 3 do artº 102º do Código Comercial.»


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A Autora/Apelada apresentou resposta às alegações, sustentando a improcedência do recurso e a manutenção da sentença recorrida, concluindo:

«1. O recurso apresentado nos autos pela recorrente deverá ser julgado improcedente atendendo que a mesma não cumpriu o disposto no artigo 685.º-A do Código de Processo Civil, quanto à sua alegação, de forma sintética, dos fundamentos porque pede a alteração ou anulação da decisão.

2. A douta sentença encontra-se clara e devidamente fundamentada em plena conformidade com o legalmente estipulado, não merecendo, portanto, qualquer reparo.

3. A Recorrida intentou acção judicial contra a Recorrente para que fosse reconhecido o direito de indemnização pelos danos causados pela resolução unilateral do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes.

4. Estabelece o artigo 562.º do Código Civil que a reparação do dano causado deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

5. Prescreve o n.º 1 do artigo 566.º do mesmo diploma legal: «A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.»

6. Do confronto dos normativos transcritos, se conclui que no nosso ordenamento jurídico se encontra consagrado o princípio da reposição natural.

7. Provado o dano, não sendo possível atingir-se a determinação do seu montante exacto, nem se veja forma de o poder atingir com prova complementar sobre a quantificação dele, o meio adequado para o estabelecer é utilizar desde logo a equidade – artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil, dentro dos limites que o tribunal tenha disponíveis para o efeito.

8. O que foi devidamente respeitado na sentença proferida pelo Tribunal a quo e fundamentado de acordo com o principio da equidade para arbitrar a indemnização de 8.972,87€ à recorrida.

9. Quantia sobre a qual recaem juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento.

10. A obrigação de indemnização nasce no momento em que se declara a resolução do contrato (sem a invocação da justa causa).

11. Ora, a Recorrida limitou o seu pedido de juros de mora ao momento da citação, ao abrigo do disposto no artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil.

12. Juros estes que devem ser calculados à taxa aplicável às operações comerciais.

13. Os factos jurídicos ilícitos, geradores de responsabilidade civil extracontratual, quando resultem do exercício do comércio (o que sucede nos autos face aos factos dados como provados e à natureza da relação juridica estabelecida entre as partes no âmbito da actividade comercial de ambas), devem ser considerados como atos de comércio e, consequentemente, sujeitos às taxas de juros aplicáveis às operações comerciais.

14. Consequentemente, deverá o recurso interposto pela Apelante ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a decisão proferida.»


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Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.

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Recebido o processo nesta Relação, emitiu-se despacho que teve o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


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Delimitação do objeto do recurso

Da análise das conclusões vertidas pela Recorrente nas suas alegações, que versam sobre a decisão recorrida e que delimitam o objeto do recurso, estando o Tribunal impedido de conhecer de matérias não incluídas nessas conclusões, com exceção das que sejam de conhecimento oficioso, nos termos do previsto nos artigos 635º, nºs 4 e 5 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

1ª Se ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo, justificando os factos provados e o direito aplicável decisão de improcedência da ação.

Subsidiariamente, se:

2ª Deve ser reduzido para €1881,91, o valor da indemnização referente à prestação de serviços em batizados e, consequentemente, para €8.605,66 o valor total da condenação.

3ª Se o momento da constituição em mora da Ré apenas ocorre com o trânsito em julgado da sentença e não com a citação;

4ª Se a taxa a aplicar aos juros moratórios é a prevista para os juros civis, e não a prevista no nº 3, do artº 102º, do Código Comercial.


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II – FUNDAMENTAÇÃO

Fundamentação de facto
Na sentença recorrida consideraram-se, com interesse para a decisão, os seguintes factos provados e não provados:
Factos provados
1) A Autora dedica-se à comercialização de mobiliário, artigos de iluminação e decoração, exploração de restaurante, fornecimento de refeições para eventos (catering), aluguer de equipamentos para organização de festas e eventos.
2) A Ré dedica-se à produção de vinhos, turismo, serviços de recreação e lazer, rotas/percursos, animação turística e criação ou desenvolvimento de produtos turísticos, construção de obras, promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários e arrendamento de bens imobiliários.
3) No exercício das suas atividades, em meados de 2019, a Ré solicitou à Autora que realizasse serviço de catering, nomeadamente, casamentos, batizados, bodas de ouro, aniversários, na Quinta daquela, contra o pagamento de quantias monetárias.
4) Em data não apurada, anterior a Janeiro de 2022, a Ré comunicou à Autora que passaria a ser apenas esta a realizar o serviço de catering dos eventos que tivessem lugar na Quinta daquela.
5) A Ré marcou vários serviços para o ano de 2022, tendo enviado à Autora, em 07-05-2022, uma lista com os seguintes eventos, para que esta realizasse o respetivo serviço de catering:
9- 15.05.2022 – Batizado Dora – 70 pessoas
10- 20.05.2022 – Aniversário (jantar) ... – 50 pessoas
11- 21.05.2022 – Casamento ... e ... – 78 pessoas
12- 28.05.2022 – Casamento ... – 216 pessoas
13- 29.05.2022 – Comunhão ... (salão aquário) – 40 pessoas
14- 29.05.2022 – Comunhão AA (salão samião) – 40 pessoas
15- 04.06.2022 – Casamento ... e ... – 100 pessoas
16- 05.06.2022 – Batizado ... – 115 pessoas
17- 10.06.2022 – Casamento ... e ... – 80 pessoas
18- 11.06.2022 – Casamento ... (é o tal que quer mudar de sítio)
19- 11.06.2022 – Batizado Salão Aquário BB
20- 12.06.2022 – Batizado CC Salão aquário – 51 pessoas
21- 12.06.2022 – Batizado DD Salão Samião – 55 pessoas
22- 18.06.2022 – Casamento EE – 130 pessoas
23- 25.06.2022 – Casamento ... – 110 pessoas
24- 02.07.2022 – Casamento ... e ... – 60 pessoas
25- 09-07-2022 – Casamento ... – 120 pessoas
26- 10.07.2022 – Batizado ...
27- 16.07.2022 – Casamento ... – 80 pessoas
28- 23.07.2022 – Casamento FF – 90 pessoas
29- 30.07.2022 – Casamento ... e ... – 120 pessoas
30- 31.07.2022 – Batizado GG (salão aquário) – 50 pessoas
31- 31.07.2022 – Batizado ... (salão samião) – 70 pessoas
32- 06.08.2022 – Casamento ...
33- 07.08.2022 – Batizado ... Luxemburgo
34- 13.08.2022 – Casamento HH – 50 pessoas
35- 13.08.2022 – Casamento ... (salão aquário)
36- 14.08.2022 – Casamento ... e ...
37- 14.08.2022 - Batizado ... II Salão Aquário
38- 15.08.2022 – Batizado ...
39- 20.08.2022 – Casamento ... – 150 pessoas
40- 21.08.2022 – Bodas de Ouro – 80 pessoas
41- 03.09.2022 – Casamento JJ – 120 pessoas
42- 10.09.2022 – Casamento ...
43- 11.09.2022 – Batizado ... Salão Aquário
44- 11.09.2022 – Batizado ... Salão Samião
45-17.09.2022 – Casamento KK – 180 pessoas
46- 17.09.2022 – Casamento LL salão aquário – 50 pessoas;
47- 25-09-2022 – Casamento ... salão aquário – 60 pessoas
48- 01.10.2022 – Casamento ... e ... – 60 pessoas
49- 02.10.2022 – Batizado MM – 50 pessoas.
6) Nos eventos referidos em 5) em que não foi indicado o número de convidados, o mínimo era de quarenta pessoas, conforme o acordado entre a Autora e a Ré.
7) Para assegurar os serviços referidos em 5), a Autora abdicou de realizar serviços de catering noutros locais, para outras pessoas.
8) No dia 04-07-2022, a Ré comunicou à Autora que a partir dessa data a própria iria realizar todos os serviços dos eventos a realizar na sua Quinta, deixando a Autora de assegurar o catering dos mesmos.
9) Nessa sequência, todos os serviços identificados em 5), após 04-07-2022, foram executados pela Ré, sem a colaboração da Autora.
10) Antes do referido em 8), a Ré falou com funcionários da Autora para irem trabalhar para si e informou-os que esta última ia deixar de prestar serviços na sua quinta.
11) Em consequência do referido em 8), a Autora deixou de auferir os lucros correspondentes aos serviços indicados em 5), após 04-07-2022.
12) O serviço de catering dos batizados a decorrer nos dias 07-08-2022 e 14-08-2022, referidos em 5), foram solicitados pelos clientes diretamente à Autora, tendo sido alugado à Ré, apenas, o espaço da quinta.
13) Os casamentos referidos em 5), agendados para os dias 11-06-2022 e 10-09-2022, não se realizaram.
14) Da lista referida em 5) não constam alguns serviços que foram efetuados pela Autora, até 02-07-2022.
15) A confirmação do número total de convidados dos eventos referidos em 5) ocorria uma semana antes da respetiva realização.
16) O valor a cobrar pela Autora à Ré dependia do tipo de ementa escolhido pelos clientes.
17) Após o referido em 8), a Autora realizou o serviço de catering de dois casamentos, noutros locais, um no dia 14-08-2022 e outro no dia 20-08-2022.
18) O número de pessoas previsto nos eventos referidos em 5) incluía crianças, as quais:
18.1) até aos cinco anos não pagavam;
18.2) e entre os seis e os dez anos pagavam 50% do valor da ementa.
19) No dia 16-06-2022, NN, cujo casamento se realizou na Quinta da Ré em 14-05-2022, escreveu o seguinte comentário na página da internet ...: «Nada tem a ver com a quinta que é maravilhosa, linda e o senhor OO incansável, falo da maneira como alguns dos nossos convidados foram atendidos com pouco profissionalismo…».
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Factos Não Provados
a) O referido em 3) tivesse ocorrido, concretamente, em meados de 2020;
b) O referido em 4) tivesse ocorrido, concretamente, após a execução de alguns trabalhos pela Autora;
c) O número total de pessoas constante da lista referida em 5) fosse de 1.730 pessoas;
d) A Autora não tivesse realizado qualquer outro serviço nas datas referidas em 5);
e) Os valores das ementas, cobrados pela Autora à Ré, fossem, concretamente e sempre, de 42,00 € (quarenta e dois euros) por pessoa nos casamentos, e de 30,00 € (trinta euros) por pessoa nos batizados;
f) Os ganhos/lucros referidos em 11) fossem, concretamente, de 17,00 € (dezassete euros) por cada convidado em batizados, e de 20,00 € (vinte euros) por cada convidado em casamentos, depois de descontadas as despesas a suportar pela Autora com a prestação do serviço;
g) Ao não realizar os eventos referidos em 5), após 02-07-2022, a Autora tivesse deixado de auferir um lucro no montante de 33.130,00 € (trinta e três mil cento e trinta euros);
h) A Ré contratasse os serviços da Autora evento a evento e os serviços referidos em 5) fossem uma mera previsão, podendo, ou não, vir a ser contratados à Autora;
i) A autora se tivesse recusado a realizar os eventos referidos em 12);
j) O prazo de quinze dias após o referido em 8) fosse suficiente para a Autora se organizar de forma a poder prestar serviços a outras pessoas;
k) A autora tivesse realizado um serviço de catering no dia 07-08-2022;
l) O referido em 8) tivesse ocorrido em data anterior a 04-07-2022;
m) No casamento realizado em 24-04-2022, a Autora não tivesse servido pães com queijo nas entradas, conforme o acordado;
n) No casamento realizado em 13-05-2022 a Autora não tivesse servido tiras de entrecosto grelhadas e pães com queijo, conforme o acordado;
o) Nos batizados realizados em 15-05-2022 e em 11-06-2022, e nas comunhões realizadas em 29-05-2022, a Autora não tivesse servido a paleta de enchidos nas entradas, conforme o acordado;
p) No casamento realizado em 10-06-2022, a Autora tivesse servido uma sopa diferente da acordada;
q) Na comunhão realizada em 19-06 2022, a Autora não tivesse servido rojões nas entradas, conforme o acordado;
r) No casamento realizado em 14-05-2022, os funcionários da Autora:
- tivessem empurrado o noivo, dizendo-lhe que tinha de sentar para poderem começarem a servir um prato;
- tivessem mandado alguns convidados sentarem-se para comer;
- tivessem dito a uma senhora, que pediu para servirem a sopa ao marido, que ela não percebia nada daquilo e que ele, servente, é que estava a servir e era ele quem mandava;
s) NN tivesse dito à Ré, pessoalmente e através de mensagem escrita, que com esta empresa de eventos (catering) nunca mais;
t) O comportamento dos funcionários da Autora tivesse originado diversas queixas dos clientes da Ré, que lhe manifestaram o seu desagrado;
u) A autora tivesse dito à Ré que qualquer dia a deixava na mão com algum serviço, porque não iria aparecer para o realizar;
v) A Ré tivesse receado que a Autora deixasse de realizar eventos acordados entre ambas, que apresentasse falhas nas ementas e que os funcionários da mesma tivessem comportamentos como os referidos em r);
w) A Ré tivesse sentido insegurança e receio em relação à qualidade do serviço da Autora e quanto à não realização do mesmo;
x) O representante da Autora tivesse manifestado à Ré a sua vontade de não voltar a prestar qualquer serviço à mesma, porque o preço que esta pagava não compensava o trabalho, nomeadamente nos batizados;
y) Em finais de 2021/início de 2022, a Autora tivesse colocado a hipótese de, mediante retribuição mensal a pagar à Ré, alugar a quinta desta para aí realizar eventos;
z) Em Maio de 2022, a Autora tivesse dito à Ré que esta deveria formar o seu próprio serviço de catering, porque não pretendia continuar a prestar-lhe o mesmo;
aa) Quando do referido em 8), o representante da Autora tivesse dito que já estava à espera e que já deveria ter acontecido há mais tempo, e que tal tivesse criado na Ré a convicção de que a Autora aceitava não voltar a realizar serviços para a Ré e que tal era do interesse daquela.
*

Fundamentação de direito

1 – Se ocorreu erro de julgamento do Tribunal a quo, justificando os factos provados e o direito aplicável decisão de improcedência da ação

Não se discute nesta apelação o entendimento perfilhado na sentença recorrida, nos termos do qual, no ano de 2022, entre a Autora e a Ré foi celebrado um contrato de prestação de serviço, inominado ou atípico, ao qual são aplicáveis as disposições legais do mandato – artigo 1154º e 1156º, do Código Civil.

Nos termos do identificado contrato, cabia à Autora assegurar o serviço de catering de todos os eventos que tivessem lugar na Quinta da Ré, nomeadamente os que estavam agendados e discriminados na lista enviada àquela em 7 de maio de 2022, a realizar entre 15 de maio de 2022 e 2 de outubro de 2022.

Também não se mostra impugnada a conclusão vertida na sentença recorrida, nos termos da qual o contrato em causa nos autos foi celebrado por certo tempo (pelo menos até 2 de outubro de 2022), bem como para determinado assunto (serviços de catering de todos os eventos a realizar na quinta da Ré no ano de 2022), tendo a Ré revogado unilateralmente o contrato no dia 4 de julho de 2022, com efeitos imediatos, sem a antecedência conveniente.

Na realidade, a Apelante não coloca em causa a posição plasmada na decisão do Tribunal a quo segundo a qual, tendo em conta o ramo de atividades das partes, nomeadamente os concretos serviços prestados pela Autora, se afigura que a antecedência conveniente para pôr termo à relação contratual existente entre aquela e a Ré seria, no mínimo, de três meses, ou seja, após o termo da época alta da realização de eventos da natureza dos contratados (como sejam casamentos e batizados).

Mostra-se, assim, verificada a previsão do artigo 1172º, nº1, alínea c),por remissão do artigo 1156º, ambos do Código Civil, pelo que a Ré se constituiu na obrigação de indemnizar a Autora pelos prejuízos sofridos por esta em consequência da revogação unilateral do contrato por parte da Ré, com efeitos imediatos.

O que a Recorrente impugna é o montante da indemnização, fixado pelo Tribunal a quo em €8.972,87, com recurso à equidade. Argumenta que, face à ausência de prova quanto aos factos que poderiam levar à concretização da extensão e valor dos danos, e que assim pudessem servir de base à respetiva quantificação, não poderia o Tribunal condenar a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização, aquela quantia. Ao fazê-lo, violou o disposto nos artigos 342º e 566º, do Código Civil.

Quid juris?

A respeito desta questão, consignou-se na decisão recorrida o seguinte:

«Nos termos do disposto no artigo 562º do Código Civil, a reparação do dano causado deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

Quando a reconstituição natural não seja possível, a indemnização será fixada em dinheiro, tendo esta como medida a «diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos» - artigo 566º do Código Civil.

O dever de indemnizar compreende:

▪ os danos emergentes, isto é, os danos que resultam da frustração duma vantagem já existente, correspondente ao efectivo prejuízo causado;

▪ e os lucros cessantes, ou seja, a não concretização de uma vantagem que, de outra forma, operaria, correspondente aos benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.

O dano de natureza patrimonial mede-se, em princípio, pela diferença entre a situação real actual do lesado, e a situação hipotética em que ele se encontraria, se não tivesse sofrido a lesão. É a chamada teoria da diferença.

No concreto âmbito de aplicação do citado artigo 1172.º do Código Civil deve atender-se às receitas expectáveis da prestadora dos serviços, aqui autora, ou seja, à remuneração que esta estaria à espera e que, em virtude da revogação, deixou de auferir.

No entanto, têm de ser consideradas, também, as despesas que a prestadora de serviço teria tido, caso o contrato permanecesse em vigor, e que deixou de suportar, bem como o que logrou ganhar noutros serviços, na sequência da cessação daquele.

Assim, o ressarcimento dos danos tem por base os lucros cessantes da prestadora de serviços, após a dedução das despesas em que não incorreu por força da revogação antecipada do vínculo contratual, bem como do lucro obtido com a alocação dos seus meios a outros serviços.

A medida do ressarcimento não corresponde, como tal e sem mais, às retribuições contratualmente previstas, cabendo à prestadora do serviço, aqui autora, o ónus de alegar e provar os prejuízos efectivamente sofridos em consequência da cessação do vínculo contratual por decisão unilateral da contraparte, aqui ré.

Ora, a autora peticiona uma indemnização no montante de 33.130,00 €, a título de lucros cessantes futuros, invocando que, caso a ré não tivesse denunciado o contrato:

teria celebrado todos os eventos previstos na lista identificada em 5) dos factos provados, a partir de 04-07-2022, que tinham uma previsão de 1.730 pessoas;

o custo que a ré cobrava por cada pessoa era de 42,00 € em casamentos, e de 30 € em baptizados;

deduzindo as despesas que teria que suportar para prestar os serviços, teria obtido um ganho de 20,00 € por pessoa em casamentos e de 17,00 € em baptizados, o que, multiplicando pelo número de clientes indicado na referida lista e, quanto aos que não tinham previsão, considerando um mínimo de 40 pessoas, perfaz o valor por si peticionado.

Sucede que a autora não logrou provar a factualidade subjacente ao valor de indemnização que peticiona.

Com efeito, ficou por demonstrar que:

os valores das ementas, cobrados pela autora à ré, fossem, concretamente e sempre, de 42,00 € por pessoa, nos casamentos, e de 30,00 € por pessoa, nos baptizados;

os ganhos/lucros auferidos pela autora, na realização de eventos na Quinta da ré fossem, concretamente, de 17,00 € por cada convidado em baptizados, e de 20,00 € por cada convidado em casamentos, depois de descontadas as despesas a suportar com a prestação do serviço;

a autora não tivesse realizado qualquer outro serviço nas datas referidas em 5) dos factos provados;

ao não realizar os eventos referidos em 5) dos factos provados, após o dia 04-07-2022, a autora tivesse deixado de auferir um lucro no montante de 33.130,00 € - e), f) e g) dos factos não provados.

Como vimos, era à autora que incumbia provar os concretos prejuízos por si sofridos, o que não logrou fazer.

Todavia, tal não determina, só por si, a improcedência da acção.

Isto porque se apurou que para assegurar os serviços que lhe foram adjudicados pela ré, a autora abdicou de realizar serviços de catering noutros locais, para outras pessoas, e que, em consequência da cessação do contrato com efeitos imediatos, deixou de auferir os lucros correspondentes àqueles serviços.

É, pois, inequívoco que a autora sofreu prejuízos emergentes da cessação do contrato por parte da ré, com efeitos imediatos, apenas não se tendo apurado o quantum exacto dos mesmos – 7) e 11) dos factos provados.

Uma vez que os prejuízos estão consolidados, não carecendo da ocorrência de qualquer evento futuro, e que o incidente de liquidação posterior existe, apenas, para os casos em que as partes estão impossibilitadas de deduzir, ab initio ou até à prolação da sentença, um pedido de determinado montante, por ainda não ser conhecida a extensão dos danos a ressarcir, o que não se verifica in casu, impõe-se ao Tribunal que recorra à equidade, nos termos previstos no artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, aqui aplicável por analogia.

Com efeito, tal como se assinalou no aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 30-11-2021, que acompanhamos:

«VI. Só pode relegar-se para liquidação em execução de sentença (ut artº 609º, nº2 do CPC) em última extremidade: quando, de todo em todo, seja impossível, por falta de elementos, efectuá-la (essa liquidação) no processo declarativo. É que a liquidação implica o exercício de actividade que, pela sua natureza, pertence, não à fase executiva, mas à fase declarativa.

VII. Se foram alegados danos e bem assim o seu montante e, não obstante a falta de prova de alguns dos factos alegados, os restantes factos provados permitem a fixação de um valor indemnizatório, então não deve o tribunal perder mais tempo com mais e demoradas produções de prova, arbitrando, então, a indemnização que julgue equilibrada e ajustada aos factos que tenha por assentes nos autos. Isto é, deverá então o Tribunal julgar com recurso à equidade uma vez que não lhe é permitido «abster-se de julgar, alegando dúvida insanável acerca dos factos em litígio», conforme estatuído no art. 8º, nº 1 do C.C..» (sublinhado nosso)

Assim, dispõe o artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil, que:

«Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.»

A equidade traduz-se no critério decisivo para a fixação do montante da compensação por danos cujo valor exacto não possa ser averiguado.

Trata-se, assim, do padrão de justiça do caso concreto e «mostra-se apta a colmatar as incertezas do material probatório, bem como a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litigio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de provas que pudessem ser provados.»

No caso em apreço, importa considerar os seguintes factos provados e as seguintes circunstâncias:

a relação contratual entre a autora e a ré perdurava há cerca de três anos e, no ano de 2022, todos os eventos a realizar na Quinta desta última deveriam ser assegurados por aquela – 3) a 5) dos factos provados;

em 07-05-2022 a ré comunicou à autora quais os eventos que teriam lugar, estando, então, agendados 25 eventos a partir de 04-07-2022, com previsão de um total de 1.330 pessoas, a que acrescem os convidados dos eventos que não possuem indicação quanto ao número dos mesmos (seis baptizados e quatro casamentos);

considerando que cada evento teria um mínimo de 40 pessoas, obtemos uma previsão total de 1.730 pessoas, a partir de 04-07-2022 – 5) e 6) dos factos provados;

o casamento agendado para o dia 10-09-2022 não se realizou, havendo, assim, que descontar 40 pessoas (obtendo-se 1690 pessoas) – 13) dos factos provados;

após a cessação do contrato pela ré, a autora realizou o serviço de catering de dois casamentos, noutros locais, um no dia 14-08-2022 e outro no dia 20-08-2022, datas para as quais estavam agendados eventos na Quinta daquela – 17) dos factos provados;

não tendo a autora alegado que se tratava de serviços que já tinha agendados antes e que iria ou conseguiria realizar em simultâneo com os eventos que decorreram na Quinta da ré, nessas mesmas datas, nem que auferiu naqueles eventos valores inferiores aos que teria obtido caso a ré não tivesse denunciado o contrato, impõe-se excluir do cálculo dos danos sofridos os casamentos realizados pela ré, naquelas datas (casamento ... e ... – 40 pessoas, e Casamento ... – 150 pessoas);

obtém-se, assim, um total de 1.500 pessoas;

a confirmação do número total de convidados dos eventos ocorria uma semana antes da respectiva realização, pelo que os números considerados consubstanciam uma previsão, e não os convidados que efectivamente compareceram nos eventos em causa – 15) dos factos provados;

ora, em regra, o número final de convidados é inferior ao previsto, havendo sempre pessoas que não confirmam a sua presença ou que informam que não poderão comparecer, ainda que se nos afigure que a variação não é, em regra, muito significativa;

nesta medida, apelando a critérios de equidade, mas também de segurança e rigor, no sentido de não se correr o risco de arbitrar um valor superior ao efectivo prejuízo sofrido pela autora, considerar-se-á um decréscimo de 20% de pessoas em cada evento (a testemunha OO referiu um decréscimo de 10 a 15%, no seu depoimento, mostrando-se ajustado considerar um valor superior, visto que nos encontramos no âmbito da equidade);

desta forma, excluindo os três casamentos acima referidos, temos que o número total previsto de convidados, nos eventos a decorrer após 04-07-2022, era de 1010 em casamentos e de 490 em baptizados (e nas bodas de ouro), o que, deduzindo 18%, perfaz (1010x0,20=202) e (490x0,20=98) 808 e 392 convidados, respectivamente;

o número de pessoas previsto incluía crianças, as quais até aos cinco anos não pagavam, e entre os seis e os dez anos pagavam 50% do valor da ementa – 18) dos factos provados;

o número de crianças em eventos desta natureza é variável, sendo, em regra, pouco significativo até aos cinco anos e mais relevante entre os seis e os dez anos;

desta feita, apelando a critérios de equidade, impõe-se considerar que 5% dos convidados eram crianças até cinco anos, que não pagavam, e 10% eram crianças entre os seis e os dez anos, que pagavam metade;

tanto significa que se considerará que, dos 808 convidados em casamentos, 50,4 não pagariam e 80,8 pagariam, apenas, metade do valor, e que dos 392 convidados em baptizados/bodas de ouro, 19,6 não pagariam e 39,2 pagariam, apenas, 50%;

o valor a cobrar pela autora, à ré, dependia do tipo de ementa escolhido pelos clientes;

a autora alegou que cobrava 42,00 € por pessoa em casamentos e 30,00 € por pessoa em baptizados, o que, como vimos, não logrou provar;

neste âmbito, importa considerar que a autora não fornecia bebidas (cf. depoimentos de OO e de PP) e que os preços alegados não eram os valores finais a pagar pelo cliente, visto que esse era cobrado pela ré (OO afirmou que se os clientes fossem contratados directamente por si ganhava mais, sendo certo que a ré também teria que obter a sua parte de lucro);

desconhece-se as várias ementas utilizadas pelas partes, bem como os extras que poderiam ser adicionados pelos clientes; todavia, é do conhecimento geral que eventos como casamentos e baptizados têm um custo significativo por pessoa, para o cliente final, nomeadamente, quando realizados em quintas, o que já sucedia no ano de 2022;

nesta medida, temos por seguro afirmar que os valores base cobrados pela autora, à ré, pelos serviços de catering que prestava, não poderiam ser muito inferiores aos alegados;

nesta medida, teremos em consideração 85% do valor alegado pela autora;

consideraremos, assim, que a autora cobrava à ré um mínimo de 35,7 € por cada convidado em casamentos, e 25,50 € por cada convidado em baptizados;

desconhece-se os custos e despesas suportados pela autora para prestar os serviços;

no entanto, é do conhecimento geral que a margem de lucro nesse tipo de eventos não é despicienda;

conjugando tal facto com a circunstância de a autora não cobrar, em regra, directamente ao cliente final, mas sim à ré, bem como à necessidade de garantir que a reparação a arbitrar não excede os prejuízos efectivamente sofridos pela autora, entendemos adequado considerar uma margem de lucro de 25%;

como tal, cabe considerar que a autora teria um lucro de 9,375 € por cada convidado adulto em casamentos, e de 6,375 € por cada convidado adulto em baptizados.

Ponderando todos estes elementos e circunstâncias, entendemos adequado e proporcional fixar equitativamente o montante total da indemnização a pagar pela ré, à autora, para ressarcimento dos prejuízos sofridos por aquela em consequência da cessação do contrato dos autos com efeitos imediatos, no montante total de 8.972,87 € (oito mil novecentos e setenta e dois euros e oitenta e sete cêntimos) sendo:

- quanto aos casamentos: 676,80 adultos x 9,375 € = 6.345,00 € + 80,8 crianças x 4,68811 € = 378,75 €;

- e quanto aos baptizados/bodas de ouro – 333,2 adultos x 6,375 = 2.124,15 € e 39,2 crianças x 3,188 €13 = 124,97 €».

Ora, cumpre desde já salientar que entendemos não ser de manter esta decisão do Tribunal a quo, que procedeu ao cálculo do montante indemnizatório arbitrado com recurso à equidade, em consequência de – face à fluidez da matéria de facto provada – não ter sido possível obter um valor exato para o tipo de danos em causa.

É certo que a Autora formulou um pedido de indemnização respeitante aos ganhos que deixou de auferir em virtude da revogação unilateral do contrato por parte da Ré.

De igual modo, concordamos com a sentença recorrida quando sustenta que era à Autora que incumbia provar os concretos prejuízos por si sofridos, o que não logrou fazer, o que, todavia, não determina, por si só, a improcedência da ação.

Isto porque logrou a Autora provar que:

- 5) A Ré marcou vários serviços para o ano de 2022, tendo enviado à autora, em 07-05-2022, uma lista com os seguintes eventos, para que esta realizasse o respetivo serviço de catering:
9- 15.05.2022 – Batizado Dora – 70 pessoas
10- 20.05.2022 – Aniversário (jantar) ... – 50 pessoas
11- 21.05.2022 – Casamento ... e ... – 78 pessoas
12- 28.05.2022 – Casamento ... – 216 pessoas
13- 29.05.2022 – Comunhão ... (salão aquário) – 40 pessoas
14- 29.05.2022 – Comunhão AA (salão samião) – 40 pessoas
15- 04.06.2022 – Casamento ... e ... – 100 pessoas
16- 05.06.2022 – Batizado ... – 115 pessoas
17- 10.06.2022 – Casamento ... e ... – 80 pessoas
18- 11.06.2022 – Casamento ... (é o tal que quer mudar de sítio)
19- 11.06.2022 – Batizado Salão Aquário BB
20- 12.06.2022 – Batizado CC Salão aquário – 51 pessoas
21- 12.06.2022 – Batizado DD Salão Samião – 55 pessoas
22- 18.06.2022 – Casamento EE – 130 pessoas
23- 25.06.2022 – Casamento ... – 110 pessoas
24- 02.07.2022 – Casamento ... e ... – 60 pessoas
25- 09-07-2022 – Casamento ... – 120 pessoas
26- 10.07.2022 – Batizado ...
27- 16.07.2022 – Casamento ... – 80 pessoas
28- 23.07.2022 – Casamento FF – 90 pessoas
29- 30.07.2022 – Casamento ... e ... – 120 pessoas
30- 31.07.2022 – Batizado GG (salão aquário) – 50 pessoas
31- 31.07.2022 – Batizado ... (salão samião) – 70 pessoas
32- 06.08.2022 – Casamento ...
33- 07.08.2022 – Batizado ... Luxemburgo
34 – 13.08.2022 – Casamento HH – 50 pessoas
35 – 13.08.2022 – Casamento ... (salão aquário)
36- 14.08.2022 – Casamento ... e ...
37- 14.08.2022 - Batizado ... II Salão Aquário
38- 15.08.2022 – Batizado ...
39- 20.08.2022 – Casamento ... – 150 pessoas
40- 21.08.2022 – Bodas de Ouro – 80 pessoas
41- 03.09.2022 – Casamento JJ – 120 pessoas
42- 10.09.2022 – Casamento ...
43- 11.09.2022 – Batizado ... Salão Aquário
44- 11.09.2022 – Batizado ... Salão Samião
45-17.09.2022 – Casamento KK – 180 pessoas
46 - 17.09.2022 – Casamento LL salão aquário – 50 pessoas;
47 – 25-09-2022 – Casamento ... salão aquário – 60 pessoas
48- 01.10.2022 – Casamento ... e ... – 60 pessoas
49- 02.10.2022 – Batizado MM – 50 pessoas.
6) Nos eventos referidos em 5) em que não foi indicado o número de convidados, o mínimo era de quarenta pessoas, conforme o acordado entre a Autora e a Ré.
7) Para assegurar os serviços referidos em 5), a Autora abdicou de realizar serviços de catering noutros locais, para outras pessoas.
8) No dia 04-07-2022 a Ré comunicou à Autora que a partir dessa data a própria iria realizar todos os serviços dos eventos a realizar na sua Quinta, deixando a Autora de assegurar o catering dos mesmos.
9) Nessa sequência, todos os serviços identificados em 5), após 04-07-2022, foram executados pela Ré, sem a colaboração da Autora.
11) Em consequência do referido em 8), a Autora deixou de auferir os lucros correspondentes aos serviços indicados em 5), após 04-07-2022.

Ou seja, é legitimo concluir que a Autora logrou provar que sofreu prejuízos com a cessação do contrato por parte da Ré – os correspondentes aos lucros cessantes, isto é, a remuneração que a Autora poderia extrair da execução do contrato se este tivesse sido integralmente cumprido e que, em virtude da revogação, deixou de auferir, deduzida das despesas que teria tido, caso o contrato permanecesse em vigor, e que deixou de suportar, bem como do que logrou ganhar noutros serviços, na sequência da cessação daquele.

Por isso, não colhe a pretensão da Apelante ao requerer a improcedência da ação, sem mais. Dito de outro modo, recaindo sobre a Autora o ónus da prova dos factos relevantes para a fixação do montante da indemnização devido pela antecipada revogação unilateral do contrato de prestação de serviços, a matéria de facto apurada reflete, com a necessária segurança, a repercussão patrimonial negativa que a opção da Ré teve na esfera jurídica da Autora.

A indemnização desses prejuízos deverá reconstituir a situação patrimonial que existiria se o contrato tivesse perdurado até ao limite do prazo acordado, através da atribuição do valor correspondente à diferença entre a situação em que a Autora ficou e aquela em que virtualmente estaria se o contrato não tivesse sido intempestivamente revogado pela Ré, atento o disposto no artigo 566º, nº3, do Código Civil.

Neste caso, uma vez que a matéria de facto apurada permite apurar a existência de danos, mas não logrou a Autora provar o valor exato dos mesmos, não concordamos com a decisão recorrida quando defende que se impõe desde já, para a quantificação desses danos, o recurso à equidade, invocando para tanto o disposto no artigo 566º, nº3, do Código Civil.

É certo que nesta norma o legislador preceitua que “Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”.

No entanto, como evidencia Lopes do Rego, enquanto relator, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de outubro de 2010, proferido no âmbito do processo nº 272/06.7TBMTR.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt, «Não deve, por outro lado, perder-se de vista a diferença essencial que intercorre entre o recurso à equidade para obter a quantificação de danos ligados à violação de bens eminentemente pessoais – danos morais, lesão do direito à vida – e o apelo a juízos equitativos para obter uma exacta e precisa quantificação de danos patrimoniais resultantes da inutilização ou privação de um bem material: é que, no primeiro caso, o recurso à equidade constitui elemento absolutamente essencial e insubstituível para avaliar o dano, representando o juízo equitativo um verdadeiro momento constitutivo na determinação da compensação adequada a tal tipo de danos; pelo contrário, no segundo tipo de hipóteses, o recurso à equidade – consentido pelo art. 566º, nº3, do CC – desempenha uma função meramente complementar e acessória, representando um instrumento para suprir possíveis insuficiências probatórias relativamente a um dano, inquestionavelmente sofrido pelo lesado, mas relativamente indeterminado quanto ao seu exacto montante.

(…) a aplicação do regime prescrito no nº3 do art 566º do CC em sede de puros e típicos danos patrimoniais envolve, desde logo, a questão de saber se a indefinição factual acerca do real valor do dano sofrido é susceptível de suprimento através de uma ponderação equitativa; é que, como atrás se referiu, o apelo à equidade é, neste caso, puramente complementar e acessório da aplicação da teoria da diferença, pressupondo que o «núcleo essencial» do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado – não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário «salto no desconhecido», dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados.

A previsão contida no referido preceito legal supõe, na verdade, o preenchimento de duas condições ou requisitos: não estar determinado apenas o «valor exacto» do dano mas terem sido provados «limites», máximo e mínimo, para esse dano – que não podem considerar-se verificadas quando, no momento do julgamento, ocorre uma essencial indefinição acerca do valor real do dano material sofrido, pressupondo a formulação do juízo complementar de equidade uma base factual minimamente sólida e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa: é que, se essa base consistente não existir no processo, a solução legalmente imposta é o proferimento de condenação genérica, relegando-se para ulterior tramitação incidental a concretização do montante exacto e preciso dos danos, por ser de supor que a remoção da situação de dúvida sobre o valor de tal tipo de danos possa razoavelmente ser ainda suprida por uma ulterior actividade probatória, sujeita, aliás, a um particular reforço do inquisitório» - cfr. Artigo 360º, nº4, do Código de Processo Civil.

Transpondo estas considerações gerais para o caso dos autos, às quais aderimos, entendemos que não será de acolher o critério da equidade seguido na sentença proferida em 1ª instância para quantificar os danos sofridos pela Ré. Note-se que essa decisão alicerça o a sua posição na posição plasmada no aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de novembro de 2021, proferido no âmbito do processo nº 6438/15.1T8GMR.G1.S1, relatado por Fernando Baptista, do qual resulta que “se forem alegados danos e bem assim o seu montante e, não obstante a falta de prova de alguns dos factos alegados, os restantes factos provados permitem a fixação de um valor indemnizatório, então não deve o tribunal perder mais tempo com mais e demoradas produções de prova, arbitrando, então, a indemnização que julgue equilibrada e ajustada aos factos que tenha por assentes nos autos com recurso à equidade.” (sublinhado nosso).

Saliente-se que também concordamos com a posição defendida neste acórdão.

Simplesmente, in casu, diferentemente do que parece sustentar a decisão recorrida, afigura-se-nos que a matéria de facto provada não contém um suporte factual minimamente consistente para servir de base à formulação do juízo complementar de equidade, destinado a obter um valor pecuniário exato. Ou seja, como se infere daquele acórdão, “os restantes factos provados não permitem a fixação de um valor indemnizatório”.

Com efeito, no caso concreto não se apuraram sequer limites máximos e mínimos entre os quais pudesse funcionar um juízo concretizador, baseado na equidade, pelo que o apelo à mesma por parte do Tribunal a quo representa “um salto no desconhecido”.

Desde logo carecem de demonstração os seguintes argumentos, essenciais, de que o Tribunal a quo se serviu para quantificar os prejuízos sofridos pela Autora:

* Em regra, o número final de convidados é inferior ao previsto, havendo sempre pessoas que não confirmam a sua presença ou que informam que não poderão comparecer, pelo que se considerou um decréscimo de 20% de pessoas em cada evento

Desta forma, excluindo os três casamentos acima referidos, temos que o número total previsto de convidados, nos eventos a decorrer após 04-07-2022, era de 1010 em casamentos e de 490 em batizados (e nas bodas de ouro), o que, deduzindo 20%, perfaz (1010x0,20=202) e (490x0,20=98) 808 e 392 convidados, respetivamente.

* O número de crianças em eventos desta natureza é, em regra, pouco significativo até aos cinco anos e mais relevante entre os seis e os dez anos, impondo-se, por isso, considerar que 5% dos convidados eram crianças até cinco anos, que não pagavam, e 10% eram crianças entre os seis e os dez anos, que pagavam metade.

Daí a conclusão que dos 808 convidados em casamentos, 50,4 não pagariam e 80,8 pagariam, apenas, metade do valor, e que dos 392 convidados em batizados/bodas de ouro, 19,6 não pagariam e 39,2 pagariam, apenas, 50%.

* A Autora alegou que cobrava 42,00 € por pessoa em casamentos e 30,00 € por pessoa em batizados, o que não logrou provar.

Desconhece-se as várias ementas utilizadas pelas partes, bem como os extras que poderiam ser adicionados pelos clientes; todavia, é do conhecimento geral que eventos como casamentos e batizados têm um custo significativo por pessoa, para o cliente final, nomeadamente, quando realizados em quintas, o que já sucedia no ano de 2022; nesta medida, temos por seguro afirmar que os valores base cobrados pela Autora à Ré pelos serviços de catering que prestava não poderiam ser muito inferiores dos alegados, o que levou o Tribunal a quo a considerar 85% do valor alegado pela Autora e a afirmar que a Autora cobrava à Ré um mínimo de 35,7 € por cada convidado em casamentos, e 25,50 € por cada convidado em batizados.

* Desconhece-se os custos e despesas suportados pela Autora para prestar os serviços; no entanto, é do conhecimento geral que a margem de lucro nesse tipo de eventos não é despicienda; conjugando tal facto com a circunstância de a Autora não cobrar, em regra, diretamente ao cliente final, mas sim à Ré, bem como a necessidade de garantir que a reparação a arbitrar não excede os prejuízos efetivamente sofridos pela Autora, entendeu o Tribunal a quo adequado considerar uma margem de lucro de 25%, o que o levou a concluir que a Autora teria um lucro de €9,375 por cada convidado adulto em casamentos, e de €6,375 por cada convidado adulto em batizados.

Neste circunstancialismo, entendemos que não podia o Tribunal de 1ª instância decidir com recurso à equidade, devendo antes proferir-se uma condenação genérica, ao abrigo do preceituado no nº2, do artigo 609º, do Código de Processo Civil, por não haver elementos factuais suficientemente consistentes para quantificar a indemnização devida.

Importa ainda evidenciar que, conforme defende Lopes do Rego, no Acórdão do STJ de 8 de novembro de 2021, proferido no âmbito do processo nº 37/056.3TBBRR.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt, tal decisão “não significa obviamente qualquer quebra da igualdade das partes ou das regras sobre repartição do ónus probatório – traduzida em outorgar ao lesado uma dupla possibilidade de provar os pressupostos do seu direito: é que, na fase de liquidação, a processar incidentalmente na própria instância declaratória já finda, o A. – para além de estar obviamente limitado pelo pedido que havia formulado – não pode naturalmente invocar danos concretos diversos dos que alegou e cuja existência ficou demonstrada na acção em que veio a ser proferida condenação genérica, cabendo-lhe apenas a oportunidade de, em termos instrumentais e probatórios, demonstrar qual o exacto quantitativo pecuniário de tais danos já processualmente sedimentados.”

Ou seja, no caso dos autos, a Autora está limitada quer pelo valor indemnizatório que peticionou na ação, quer pelos danos concretamente invocados e provados (estando-lhe vedado, no incidente de liquidação, vir invocar danos concretos diversos).

De salientar que da própria decisão recorrida resulta que é de supor ser possível a remoção da situação de dúvida sobre o valor concreto dos danos através de uma ulterior atividade probatória.

Neste sentido, pode-se ler na motivação da sentença recorrida que “À autora, por seu turno, cabia demonstrar os concretos prejuízos sofridos em consequência da actuação da ré, o que não logrou fazer integralmente, não obstante a credibilidade que nos mereceram os depoimentos das testemunhas por si arroladas.

Com efeito, o único meio de prova produzido nesse particular foi o depoimento da testemunha OO, que não logrou precisar os prejuízos sofridos pela autora.

Ademais, não foi junto aos autos qualquer documento idóneo a demonstrar quer os preços das ementas com que a autora trabalhava, quer, sobretudo, a margem de lucro que obtinha em cada serviço.

De notar que as margens de lucro alegadas, de 20,00€ por pessoa em casamentos, e de 17,00€ por pessoa, em baptizados, correspondem a 47,62% e a 56,67% do preço cobrado, respectivamente, valores que se assomam excessivos e que, como tal, só através de prova documental se poderiam ter por demonstrados.

Com efeito, os valores facturados e as margens de lucro obtidas têm que estar devidamente espelhados na contabilidade da autora, relativamente aos concretos serviços que executou anteriormente para a ré, visto que ambas são sociedades comerciais, obrigadas a ter escrituração mercantil.

Por outro lado, a própria testemunha da autora, OO, único meio de prova produzido nesta matéria, afirmou que a margem de lucro da autora era de 32% a 35%, valores que se mostram mais próximos das regras da experiência comum, mas cuja demonstração, em termos exactos, ainda assim, carecia de prova documental, que não foi apresentada”.

Em síntese, só quando a existência dos danos é ainda uma incógnita (hipótese em que falta um dos elementos constitutivos do direito indemnizatório) é que não pode haver condenação; ao invés, sendo já certo que há / houve danos, tem que ser proferida condenação.

Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2023, proferido no âmbito do processo nº 10376/18.8T8SNT.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt, “sabendo-se que há / houve dano, tem que ser concedida uma indemnização – e passa ou pela fixação da indemnização com recurso à equidade (…) ou pela prolação duma condenação genérica, tendo em vista a sua posterior liquidação(…)”.

E, como refere António Santos Abrantes Geraldes e outros[1] “A opção entre a fixação da indemnização com recurso à equidade e a liquidação subsequente deve dirimir-se a favor do meio que dê mais garantias de se ajustar à realidade.”

No caso, entendemos ser preferível e mais adequada a opção pela condenação genérica, pois que podem ser trazidos elementos e contributos factuais que irão permitir ajustar o mais possível a fixação da indemnização à realidade (como seja o número de convidados que, de facto, compareceram nos eventos realizados, o número de crianças até aos cinco anos e entre os seis e os dez anos que esteve presente, a ementa escolhida pelos clientes, a margem de lucro da Autora).

Relegando-se a fixação da indemnização para incidente de liquidação (por os elementos de facto serem insuficientes para a quantificação do dano), tal pressupõe a prévia definição (em extensão) do que se manda liquidar, ou seja, que se defina / caracterize o objeto da liquidação (que se identifique o dano “in natura”). No caso, o dano a liquidar é o valor do lucro que a Autora deixou de auferir por não ter realizado os eventos identificados no ponto 5 dos factos provados (tendo sendo como limite máximo o valor do pedido), deduzidos dos eventos que não se realizaram, elencados no ponto 13) dos factos provados (casamentos agendados para os dias 11 de junho e 10 de setembro, ambos do ano de 2022) e dos eventos realizados nos dias 14 de agosto e 20 de agosto de 2022, face ao facto provado sob o ponto 17, devendo também deduzir-se o evento realizado no dia 7 de agosto de 2022, atento o facto provado sob o ponto 12 dos factos provados.

Esta decisão tem, naturalmente, influência na questão dos juros devidos, questão aliás que também foi suscitada pela Apelante nas conclusões de recurso.

Uma vez que se trata de um crédito ilíquido, não pode considerar-se que a Ré se encontra em mora enquanto o crédito não se tornar líquido – artigo 805.º, n.º 3 do Código Civil.

Daí que apenas sejam devidos juros desde o transito em julgado da liquidação que vier a ser efetuada de tais danos.

No recurso, sustenta a Recorrente que a taxa a aplicar aos juros moratórios é a prevista para os juros civis e não, como foi entendido na sentença recorrida, a prevista no nº 3, do artigo 102º, do Código Comercial.

No entanto, entendemos que não assiste razão à Recorrente.

É sabido que a mora, ou seja, o incumprimento no tempo devido da prestação, constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor (artigo 804.º do Cód. Civil).

Nas obrigações pecuniárias, partindo-se do pressuposto que o dinheiro tem um rendimento necessário que dispensa a prova quanto à existência do dano e ao nexo causal, essa indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (artigo 806.º, n.º 1 do Código Civil).

O legislador entendeu estabelecer uma diferenciação da taxa dos juros consoante a natureza do crédito pecuniário incumprido (cível, comercial ou fiscal).

No que ao caso dos autos interessa, e limitado o campo de discussão à taxa supletiva, tratando-se de obrigações pecuniárias cíveis, a taxa é de 4% (fixada na Portaria n.º 291/2003, de 08 de abril), e no caso das obrigações pecuniárias comerciais/transações comerciais sujeitas ao Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, são aplicáveis as sucessivas taxas que decorrem da Portaria n.º 277/2013, de 26 de agosto.

Para efeitos das “obrigações pecuniárias comerciais” vale o disposto no artigo 102.º do Código Comercial, onde se prevê “Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os atos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se”.

Daqui decorre que o estabelecimento de juros moratórios a créditos de que sejam titulares empresas comerciais nos termos dos § 3º desse normativo tem como pressuposta a existência de um “ato comercial” gerador desse crédito (não bastando a mera qualidade de “empresa” por parte do titular).

Por seu lado, o Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011) veio estabelecer regras específicas para os atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas. Ou seja, tem como pressuposto a existência de uma transação comercial entre empresas.

No caso em análise, a fonte da obrigação de indemnizar que incide sobre a Ré tem como causa uma responsabilidade civil por facto lícito – qual seja, a revogação unilateral, sem justa causa, por parte da Ré, do contrato de prestação de serviço que celebrou com a Autora.

Ou seja, o crédito objeto de liquidação integra-se no âmbito acautelado pelo artigo 102.º § 3º do Código Comercial, porquanto emerge de um ato comercial. Com efeito, estatui-se no artigo 2.º do Código Comercial “Serão considerados atos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar”.

O Código Comercial acolheu, assim, um critério dual na determinação do que são atos comerciais:

- Objetivo, enquanto considera como atos de comércio os que, enquanto tal, estão regulados no Código Comercial (v.g. mandato, conta corrente, operações de banco, transporte, compra e venda, empréstimo, depósito, reporte, etc.), sendo hoje entendimento pacífico que podem aí ser incluídos outros atos, ainda que não regulados no Código Comercial, desde que reúnam os requisitos que a própria lei comercial considera indispensáveis para atribuir a certa espécie deles a qualidade de mercantil – atos praticados “no exercício do comércio e para o exercício do comércio”.

- Subjetivo, enquanto considera como comerciais os atos praticados por comerciantes, desde que não tenham natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar, ou seja, se do próprio ato não resultar a não ligação ou conexão com o concreto giro comercial do agente.

No caso dos autos, a Autora e a Ré são comerciantes, atuaram no exercício das respetivas atividades e a indemnização que vier a ser liquidada é devida à Autora por força da cessação do contrato de prestação de serviços que havia sido celebrado entre ambas, pelo que assiste à Autora o direito ao recebimento de juros comerciais, a coberto do artigo 102.º § 3 do Código Comercial.


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Das Custas

De acordo com o disposto no artigo 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil, a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

Por seu lado, acrescenta o nº2, do citado preceito, que se entende que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Termos em que, perante a procedência parcial da apelação, se decide que as custas serão suportadas pela Recorrente e pela Recorrida em partes iguais.


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Síntese Conclusiva (da exclusiva responsabilidade da Relatora – art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
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III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes subscritores deste acórdão, da 5ª Secção, Cível, do Tribunal da Relação do Porto, em julgar a apelação parcialmente procedente, e, consequentemente, revogar a sentença recorrida, condenando a Ré B..., Unipessoal, Lda, a pagar à Autora A..., Lda, a título de indemnização, a quantia a fixar em incidente de liquidação, correspondente ao valor do lucro que a Autora deixou de auferir por não ter realizado os eventos identificados no ponto 5 dos factos provados, deduzidos dos eventos elencados nos pontos 13) dos factos provados (casamentos agendados para os dias 11 de junho e 10 de setembro, ambos do ano de 2022), dos eventos realizados nos dias 14 de agosto e 20 de agosto de 2022, e do evento realizado no dia 7 de agosto de 2022, quantia essa com o limite máximo de €33.130,00 (trinta e três mil, cento e trinta euros). À quantia que vier a ser liquidada acrescem juros, calculados à taxa supletiva legal para os juros comerciais, devidos desde a data do trânsito em julgado da decisão de liquidação até efetivo e integral pagamento.

Custas pela Apelante e pela Apelada em partes iguais.
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Porto, 27 de janeiro de 2025

Des. Dr.ª Teresa Pinto da Silva
Des. Dr.ª Fernanda Almeida
Des. Dr. Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo

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[1] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª edição, pág. 785.