Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13738/15.9T9PRT-K.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
IMPUGNAÇÃO
OPOSIÇÃO
RECURSO
REGIME LEGAL
Nº do Documento: RP2024012513738/15.9T9PRT-K.P1
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO APRESENTADA PELOS ARGUIDOS/ARRESTADOS
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – As regras que presidem à apreciação do pedido de arresto formulado no processo penal e, bem assim, naturalmente, a eventual aposição àquele, são as regras do processo civil.
II – Todavia, vem sendo entendido que tal não significa que se apliquem as normas do processo civil aos trâmites processuais que não tenham especificidade própria do procedimento cautelar, os quais são determinados pelo processo penal.
III – Daqui decorre que as regras aplicáveis ao recurso interposto da decisão do arresto ou da oposição ao arresto são as consagradas no processo penal, pois é este que desenha o tal travejamento basilar do regime jurídico do arresto como medida de garantia patrimonial.
IV – Ora, nas regras pertinentes ao recurso inclui-se naturalmente o prazo em que o arrestado pode recorrer, mas já não as regras que ditam a admissibilidade do recurso, por se tratar de uma especificidade própria do processamento do procedimento cautelar, com norma específica, por motivos que se prendem com a construção processual da providencia, quando o arrestado não foi ouvido e fez uso de outro meio de defesa.
V – Porém, os arrestados não podem simultaneamente interpor recurso e deduzir oposição do despacho que decretou o arresto.
VI – E, atenta a diversidade de regimes de recurso relativamente à decisão que decretou o arresto e à decisão que decide a oposição ao arresto, e dado não haver dúvidas que a decisão de oposição ao arresto é passível de recurso e, ainda, que nesse recurso se podem compreender as questões suscitadas também pela decisão inicial ou que decretou o arresto, não se vislumbra que sejam preteridos direitos do arguido/arrestado/reclamante ou que haja qualquer interpretação inconstitucional, que também não foi argumentada.
Reclamações: Reclamação n.º 13738/15.9T9PRT-K.P1

I.
Nos autos de arresto preventivo que correm com o n.º 13738/15.9T9PRT-G, foi proferida decisão, onde foi determinado o arresto preventivo dos bens e direitos identificados pelo Ministério Público no requerimento em apreço, a efetivar pelo Gabinete de Recuperação de Ativos nos moldes infra explicitados (...).
Não se conformando com essa decisão, entre outros, os arguidos AA, BB, CC, vieram recorrer, pretendendo a revogação daquele despacho e ordenado o levantamento do arresto dos bens dos Recorrentes.
Sobre o recurso interposto recaiu o seguinte despacho:
«Na sequência da instauração pelo Ministério Público da presente providência cautelar especificada de arresto, sem contraditório prévio, e da decisão judicial de fls. 19 e seguintes dos autos, que deferiu o peticionado pelo Ministério Público, vieram os requeridos:
- DD e EE interpor recurso daquela decisão judicial (cfr. fls. 70/95) e posteriormente deduzir oposição (cfr. fls. 144);
- FF e GG deduzir oposição (cfr. fls. 121), sendo que posteriormente o requerido FF interpôs recurso da referida decisão judicial (cfr. fls. 214);
- HH e as sociedades comerciais «A..., Lda.», «B..., Lda.» e «C..., Lda.» deduzir oposição (cfr. fls. 166/187);
- II requerer a revogação do arresto (cfr. fls. 183);
- JJ requerer a correcção do arresto decretado (cfr. fls. 210);
- CC deduzir oposição (cfr. fls. 243/299) e posteriormente interpor recurso daquela decisão judicial (cfr. fls. 285);
- AA deduzir oposição (cfr. fls. 267) e posteriormente interpor recurso daquela decisão judicial (cfr. fls. 285);
- BB deduzir oposição (cfr. fls. 271) e posteriormente interpor recurso daquela decisão judicial (cfr. fls. 285);
- Sociedades comerciais «D..., Lda.», «E..., Lda.» e «F..., Unipessoal, Lda.» interpor recurso daquela decisão judicial (cfr. fls. 285).
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Conforme se extrai dos autos, a providência de arresto foi decretada sem prévia audição dos requeridos/oponentes.
Com efeito, foi então entendido que o arresto deveria ser decretado, como foi, sem audiência prévia dos arrestados, por se mostrem preenchidos os requisitos legais necessário ao respetivo decretamento.
O decretamento do arresto sem prévia audição dos requeridos é um dos casos excecionais em que a lei adjetiva admite expressamente o afastamento do princípio basilar do processo civil, que é o princípio do contraditório, quer na sua dimensão negativa, a que alude o n.º 1 do artigo 3.º, do Código de Processo Civil, quer na sua dimensão positiva, consagrada no n.º 3 do mesmo artigo 3.º, antes do juiz proferir decisão decretando ou indeferindo o arresto requerido.
A observância do princípio do contraditório dos arrestados apenas é concretizada uma vez proferida decisão decretando o arresto e uma vez executada ou materializado este, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 372.º, do Código de Processo Civil, onde se estatui que, quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º.
Assim, nos casos em que a providência cautelar seja decretada sem observância do princípio do contraditório, como é o caso típico do arresto e sucedeu no caso em apreço, a observância desse princípio apenas é cumprida após a prolação da decisão que decrete a providência cautelar e após a execução desta, colocando a lei adjectiva à disposição dois meios, ditos alternativos, de reação contra aquela, que se consubstanciam no recurso e na oposição.
Tratando-se de dois meios de reacção contra a sentença que decrete a providência cautelar sem audiência prévia do requerido ou requeridos, que na expressão do n.º 1 do artigo 372.º são «alternativos», daqui deriva, por um lado, que o requerido ou requeridos da providência cautelar não podem usar desses dois meios de reacção em simultâneo e, por outro lado, não podem escolher livremente entre um desses meios de reacção, pois que a opção por um ou outro dos meios de reacção que a lei lhes faculta depende dos fundamentos que invoquem.
Quando o requerido entenda que, face aos elementos apurados a providência cautelar não devia ser deferida, isto é, quando pretenda apenas imputar à decisão que decretou a providência cautelar, sem audiência prévia daquele, erro de direito, por entender que a facticidade apurada, quando subsumida ao quadro jurídico aplicável, não permitia ao tribunal decretar o procedimento cautelar, por não estarem preenchidos os pressupostos fácticos e/ou jurídicos necessários ao respetivo decretamento, ou quando pretenda impugnar o julgamento da matéria de facto realizado pelo Tribunal, mas mediante a apresentação exclusivamente de prova documental de que disponha e que seja dotada de força probatória legal, nos termos da alínea a), do n.º 1 do artigo 342.º, do Código de Processo Civil, o requerido terá de interpor recurso da sentença que decretou a providência cautelar, nos termos gerais, naturalmente, caso o processo comporte a interposição de recurso ordinário, questionando o acerto da decisão, tanto no que respeita aos factos considerados provados (face à prova documental, com força probatória legal que junta aos autos), como quanto à verificação dos pressupostos legais de decretamento da providência cautelar.
Já se o processo não admitir recurso ordinário ou o requerido pretender alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência decretada ou determinar a sua redução, isto é, caso pretenda alegar novos factos (não alegados pelo requerente da providência cautelar, em sede de requerimento inicial, mas que são agora alegados pelo requerido, em sede de oposição, estando-se aqui perante a alegação de factos principais constitutivos de excepções que o requerido pretenda invocar com vista a impedir, extinguir ou modificar os factos alegados e perfunctoriamente provados pelo requerente da providência cautelar e de onde fez derivar o direito que visou acautelar com o decretamento da providência cautelar que requereu e que lhe foi deferida, ou a alegação de factos instrumentais que visem abalar a convicção do julgador quanto à verificação de factos essenciais que tenham constituído fundamento da providência) ou quando pretenda produzir novos meios de prova, mas sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova (por ele agora arrolados ou carreados para os autos em sede de oposição), tendentes a afastar os fundamentos da anterior decisão que decretou a providência cautelar, abalando a convicção do julgador quanto à verificação dos factos que tenham constituído fundamento do decretamento da providência, nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 372.º, do Código de Processo Civil, aquele terá de deduzir oposição, no prazo geral (artigo 293.º, n.º 2, ex vi artigo 365.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil).
Acresce precisar que, sendo o procedimento cautelar decretado sem audiência prévia do requerido e nos casos em que o processo admita recurso ordinário, pretendendo o requerido reagir contra a decisão que decretou a providência cautelar mediante meios de reacção que são fundamento de recurso e de oposição, porque o mesmo não pode utilizar esses dois meios de reação (recurso e oposição) em simultâneo, mas apenas alternativamente, o meio de reacção será, nesse caso, a oposição, em que o requerido terá de alegar os novos factos e/ou arrolar ou apresentar os novos meios de prova que pretenda que sejam, respectivamente, produzidos e apreciados pelo tribunal, com vista a afastar os fundamentos da providência anteriormente decretada e, acessoriamente, alegará os fundamentos que, a não haver oposição, constituiriam fundamento de recurso.
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No caso em apreço constatamos que os requeridos DD, EE, FF, CC, AA e BB interpuseram recurso da decisão judicial que decretou o arresto e deduziram igualmente oposição.
Assim, e no seguimento do entendimento supra expresso, impõe-se não admitir os recursos interpostos pelos requerentes, dando prosseguimento ao processado com a apreciação das oposições apresentadas.
Importa, igualmente, dar sem efeito o despacho judicial de fls. 209, na parte em que admitiu o recurso interposto pelos oponentes/recorrentes DD e EE, proferido por manifesto lapso (uma vez que não se atentou na circunstância de também haver sido apresentada oposição ao arresto).
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Nestes termos, tendo em atenção tudo quanto acabo de deixar dito e sem necessidade de ulteriores considerações, decido:
- Dar sem efeito o despacho judicial de fls. 209, na parte em que admitiu o recurso interposto pelos oponentes/recorrentes DD e EE, não admitindo os recursos apresentados;
- Não admitir os recursos apresentados pelos oponentes/recorrentes FF, CC, AA e BB;
- Admitir as oposições apresentadas pelos requeridos DD e EE (cfr. fls. 144), FF e GG (cfr. fls. 121), HH e as sociedades comerciais «A..., Lda.», «B..., Lda.» e «C..., Lda.» (cfr. fls. 166/187), II (cfr. fls. 183), JJ (cfr. fls. 210), CC (cfr. fls. 243/299), AA (cfr. fls. 267) e BB (cfr. fls. 271);
- Por estarem em tempo, terem legitimidade e a decisão ser recorrível, admitir os recursos (cfr. fls. 285) interpostos pelas arrestadas «D..., Lda.», «E..., Lda.» e «F..., Unipessoal, Lda.» do despacho judicial de fls. 19 e seguintes, os quais têm subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo – artigos 401.º, n.º 1, alíneas b) e d), 406.º, n.º 2, 407.º, n.º 2, alínea c), 408.º, este “a contrario”, e 411.º, n.º 1, todos do Código de Processo Penal.»[ fim de citação]
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É deste despacho que os reclamantes CC, AA e BB trazem a presente reclamação, na qual aduzem os seguintes fundamentos, já sob a forma de conclusões:
- os Recorrentes, agora Reclamantes, deduziram oposição ao despacho que ordenou o arresto dos seus bens e, simultaneamente, mas por razões distintas, interpuseram recurso do mesmo despacho;
- o douto despacho agora reclamado não admitiu o recurso, aplicando diretamente o n° 1 do art. 372° do Código de Processo Civil, que consagra, no domínio do processo civil, a regra segundo a qual o arrestado não pode usar, em simultâneo, os dois meios de reação — oposição e recurso;
- tal despacho ofende o disposto nos artos 399º e 400°, CPP, e envolve uma interpretação inconstitucional do art° 228°, 1, do mesmo diploma, por ofensa do n° 1 do art° 32°, CRP.
- o direito ao recurso em processo penal, incluindo o interposto da decisão de arresto enquanto medida de garantia patrimonial, rege-se por um conjunto de regras e normas próprio, completo e sem lacunas, disciplinado nos artºs 399°, 400° e segs do CPP, não podendo sofrer quaisquer restrições não previstas nesses preceitos;
- a aplicação do n° 1 do art° 372° do CPC ao arresto preventivo decretado em processo penal, que impede o Arrestado de reagir contra o despacho usando, em simultâneo, ainda que com base em fundamentos distintos, da oposição e do recurso, consubstancia uma hipótese de irrecorribilidade que ofende o disposto no artos 399° e 400°, CPP.
Termina pedindo que seja revogado o despacho reclamado, ordenando-se que o recurso seja recebido e prossiga os seus termos.
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II. Apreciando.
A questão a decidir é a de saber se é de manter a rejeição do recurso interposto da decisão inicial de arresto, sem que os arrestados hajam sido ouvidos antes do decretamento da providência, com base no disposto no artigo 372º, n.º 1 do CPC, atento o entendimento sufragado pelo tribunal de que o arguido preventivamente arrestado não pode usar simultaneamente a oposição ao arresto e o recurso dessa decisão.
Vejamos.
Decorre dos autos que os arrestados/reclamantes não foram ouvidos previamente ao decretamento do arresto. E ainda que, após notificação da decisão de arresto deduziram oposição.
Passemos à questão.
Dispõe, o artigo 10º da lei 5/2002 de 11.01, que «em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no código de processo penal.»
Dispõe o artigo 228º, n.º 1 do CPP que «a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil...».
Resulta desta disposição que as regras que presidem à apreciação do pedido de arresto formulado no processo penal e, bem assim, naturalmente a eventual aposição àquele, são as regras do processo civil.
Todavia, vem sendo entendido que tal não significa que se apliquem as normas do processo civil aos trâmites processuais que não tenham especificidade própria do procedimento cautelar, os quais são determinados pelo processo penal.
Tendo essencialmente em atenção que «o arresto preventivo é uma medida de garantia patrimonial de natureza processual penal, aplicada de acordo com o disposto no CPP, sendo subsidiariamente aplicável a lei do processo civil em tudo o que o código não preveja e se harmonize com os princípios gerais do processo penal.”[1][2]
Daqui decorre que as regras aplicáveis ao recurso interposto da decisão do arresto ou da oposição ao arresto são as consagradas no processo penal, pois é este que desenha o tal travejamento basilar do regime jurídico do arresto como medida de garantia patrimonial.
Ora, nas regras pertinentes ao recurso inclui-se naturalmente o prazo em que o arrestado pode recorrer, mas, no caso concreto, já não as regras que ditam a admissibilidade do recurso, por se tratar de uma especificidade própria do processamento do procedimento cautelar, com norma específica, por motivos que se prendem com a construção processual da providencia, quando, como é o caso, o arrestado não foi ouvido e fez uso de outro meio de defesa.
Como decorre do n.º 1 do artigo 372º do CPC:
1 - Quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento da providência, é-lhe lícito, em alternativa, na sequência da notificação prevista no n.º 6 do artigo 366.º:
a) Recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução, aplicando-se, com as adaptações necessárias, o disposto nos artigos 367.º e 368.º.
Por sua vez, o n.º 3 do mesmo artigo dispõe:
3 - No caso a que se refere a alínea b) do n.º 1, o juiz decide da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, e, se for o caso, da manutenção ou revogação da inversão do contencioso; qualquer das decisões constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.
Vejamos o que pretendeu o legislador com estas disposições para cabalmente dar resposta às dúvidas - inconstitucionalidades(?) - que sobressaem nesta reclamação.
Fazendo apelo ao Sr. Conselheiro Lopes do Rego[3]:
Diz-nos o Sr. Conselheiro, na vigência do artigo 388º do CPC anterior que, compulsado, é nas disposições transcritas em tudo idêntico ao atual artigo 372º do CPC: «... se o requerido não foi ouvido antes do decretamento da providencia, conserva naturalmente tal direito “geral” ao recurso – que terá como função a reapreciação da decisão recorrida, sem naturalmente envolver, como é típico do nosso sistema de recursos, a apreciação de “matéria nova”.
Pretendendo o requerido, não oportunamente ouvido, exercer o direito de defesa de que ficou privado, trazendo à colação novos factos ou meios de prova não valorados pelo tribunal, tendentes a afastar os fundamentos da providencia ou a determinar a sua redução aos “justos limites”, é-lhe facultada a dedução superveniente da defesa, em prazo contado da notificação da decisão que decretou a providência (...) a tramitação da oposição “superveniente”, prevista neste preceito, obedece estritamente ao estatuído acerca do formalismo da oposição que teria sido pertinente deduzir no momento próprio, se tivesse ocorrido prévia audição do requerido; (...).
O sistema instituído visa evitar que a parte tenha o ónus de lançar mão simultaneamente do recurso (...) e do exercício da oposição subsequente, sempre que entenda que concorrem os pressupostos das alíneas a) e b) do nº 1 deste preceito – com o inconveniente manifesto de questões, muitas vezes conexas, estarem simultaneamente a ser reapreciadas na 1ª instância e na Relação.
Daí que, verificando-se os fundamentos da oposição, traduzidos na invocação de matéria nova, deva a parte começar por deduzi-la, aguardando a prolação da decisão que a aprecie, que se considera “complemento e parte integrante” da sentença inicialmente proferida: e abrindo-se, só neste momento, a via do recurso, relativamente a todas as questões suscitadas, quer pela decisão originária, quer pela que a completa ou altera
Com efeito, uma vez que foi deduzida oposição ao arresto decretado a decisão proferida «é uma mera “decisão provisória” insuscetível de constituir caso julgado que precluda a ulterior apreciação jurisdicional da oposição deduzida supervenientemente pelo requerido, constituindo a segunda decisão complemento ou parte integrante da primeira, pelo que – emitida esta – o procedimento passa a ter uma decisão unitária. Deduzida oposição nestes termos, e sendo admissível recurso desta segunda decisão, proferida sobre a oposição, o seu objeto pode compreender a impugnação pelo requerido dos fundamentos da decisão inicial que decretou a providência.[4] »
Resulta assim claro que os arrestados não podem simultaneamente interpor recurso e deduzir oposição do despacho que decretou o arresto. Resultam claras as razões da construção legal da disposição no seu todo.
No sentido de que o arrestado não pode simultaneamente interpor recurso e deduzir oposição à decisão que decretou o arresto, e que os meios disponibilizados ao lesado não são cumulativos pronuncia-se João Conde Correia[6]; no mesmo sentido os acórdãos do TRP de 11.04.2018 e do TRG de 22.10.2018[7]; e ainda o ac. do STJ de 31.10.2017[8],
Uma vez que os arrestados, aqui reclamantes, deduziram oposição não podem simultaneamente recorrer nesta fase e relativamente aquela primeira decisão.
Temos assim, por clara a inadmissibilidade do recurso, neste momento.
E, atenta a diversidade de regimes de recurso relativamente à decisão que decretou o arresto e à decisão que decide a oposição ao arresto, sobre a qual rege o n.º 3 do artigo 372ºdo CPC e dado não haver «dúvidas que a decisão de oposição ao arresto é passível de recurso e, ainda, que nesse recurso se podem compreender as questões suscitadas também pela decisão inicial ou que decretou o arresto», não vemos que sejam preteridos direitos do arguido/arrestado/reclamante ou que haja qualquer interpretação inconstitucional, que também não foi argumentada.
Assim a Reclamação é para indeferir e o despacho reclamado [que é parte de um despacho mais extenso] para manter.
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III.
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada pelos arguidos/arrestados/reclamantes, mantendo-se o despacho sob reclamação.
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Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, art. 513º do CPP e art. 8º, n.º 9, do RCP e tabela anexa n.º III.
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Notifique.
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Porto, 25 de janeiro de 2024
Maria Dolores da Silva e Sousa
[Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto]
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[1] Manuel da Costa Andrade/ Maria João Antunes, “Da natureza processual penal do arresto preventivo” RPCC, 27, I. pág. 137.
[2] Como decorre do mesmo estudo, a pág. 144: «As normas da lei processual civil terão (…) de ser aplicadas sem pôr em causa nem contrariar as imposições de direito processual penal. Direito a que cabe: definir o lugar do arresto preventivo na tipologia dos meios coercivos, em geral, e das medidas de garantia patrimonial em particular, precisar a sua intencionalidade e programa político criminal e desenhar o travejamento basilar do respetivo regime jurídico.»
[3] Cf. Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª edição, 2004, Almedina, p. 356 e 357
[4] Cf. Ac. do STJ de 06.07.2000, CJ/STJ, 2000, 2º, págs. 153 a 155.
[5] Despacho que é diverso do despacho que decide a oposição ao arresto, e sobre o qual em matéria de recurso rege o n.º 3 do artigo 372º, do CPC.
[6] Cf. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, T. III, pág.. 638
[7] Acessíveis in www.dgsi.pt.
[8] Acedido aqui: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e3bb04f51a91f6a9802581cc0037c387?OpenDocument.
Decisão Texto Integral: