Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | CARLA TORRES FRAGA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ALUGUER CLAÚSULAS CONTRATUAIS GERAIS CLÁUSULA PENAL | ||
| Nº do Documento: | RP202511102182/24.7T8LOU-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - O aluguer de uma coisa móvel adquirida com esse propósito constitui um aluguer mercantil a que se aplicam as disposições do Código Civil relativas à locação. II - Às cláusulas não negociadas incluídas num contrato de aluguer aplica-se o regime geral das cláusulas contratuais gerais. III - A cláusula penal que, em caso de resolução do contrato de locação por causa imputável à locatária, prevê como indemnização o pagamento, a par dos alugueres vencidos e não pagos, dos alugueres vincendos, ocorrendo a resolução mais de dois anos e meio depois do início do contrato, cuja duração inicial era de cinco anos, tendo a coisa sido adquirida pela locadora com o objectivo de ser alugada à locatária e sendo a coisa desvalorizável, não se mostra desproporcional. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 2182/24.7T8LOU-A.P1 - Apelação Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este – Juízo de Execução de Lousada – Juiz 1 Relatora: Carla Fraga Torres 1.º Adjunto: Maria de Fátima Almeida Andrade 2.º Adjunto: Miguel Fernando Baldaia Correia de Morais Acordam os juízes subscritores deste acórdão da 5.ª Secção Judicial/3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório. Recorrente: A...,S.A. Recorrida: B..., S.A. e AA B..., S.A. e AA deduziram contra A...,S.A oposição mediante embargos de executado à execução que esta lhes moveu com base na livrança que identifica e que juntou com o requerimento executivo, tal como juntou o pacto de preenchimento, subscrito pelos embargantes/executados (Doc. 1), da referida livrança e o contrato denominado de locação clássica celebrado entre a exequente e a executada. Para o efeito, alegaram, em síntese, que o contrato que está subjacente à livrança, título dado à execução, é um contrato de locação terminado por resolução que, levada a cabo pela exequente/embargada em Abril de 2024, confere à mesma o direito à restituição dos bens locados, como é da vontade da própria executada, e ao pagamento das rendas até a data de resolução, no caso 2.176,00 €, e não, como pretende a exequente/embargada, ao pagamento de todas as rendas, o que, segundo refere, constitui ineptidão do requerimento executivo. Sem prescindir, acrescentou que os contratos (docs. n.ºs 1 e 8) são contratos de adesão, com cláusulas específicas, pré-determinadas sem negociação individualizada, cujo conteúdo não lhes foi comunicado pela exequente/embargada, nomeadamente o da cláusula 3 em particular no que respeita à duração inicial do contrato, durante o qual estava a executada impedida de denunciar o contrato, tornando tal cláusula abusiva por violação do disposto no art. 19.º do DL n.º 446/85, de 25/10, assim como não foram informados das condições para prestação do aval, seus efeitos e consequências. Para mais, segundo referem, dos referidos contratos não resulta a renúncia pelo executado/embargante ao benefício da excussão prévia, razão pela qual tem o mesmo direito a recusar o cumprimento enquanto o credor não tiver excutido todos os bens da devedora principal. Finalmente, invocou o preenchimento abusivo da livrança, porque o valor em dívida à data da cessação do contrato era de 2.176,00 €, não sendo devido, no valor do capital total, as prestações até ao final do contrato, e porque existe erro no cálculo de juros, não estando especificado no requerimento executivo a razão de ser das despesas de cobrança. Notificada, a exequente contestou, defendendo, em suma, que os bens locados se destinaram ao uso profissional da executada que recebeu a minuta do contrato com todas as suas cláusulas a fim de as analisar, assim negando que o contrato de locação seja um contrato de adesão com cláusulas pré-determinadas, não negociadas, e que tenha havido da sua parte qualquer violação do dever de informação, ao que acrescentou que os executados/embargantes são obrigados cambiários por via da subscrição da livrança que foi preenchida de acordo com o pacto de preenchimento que ambos também subscreveram, aceitando o pagamento da cláusula penal, que, a par das facturas vencidas, contemplava o valor equivalente à soma de todos os restantes alugueres que fossem devidos até ao termo do contrato. Em fase de saneador, foi julgada improcedente a excepção da ineptidão do requerimento executivo e o processo seguiu, sem identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova, para julgamento, na sequência do qual foi proferida sentença com o seguinte segmento decisório: “III- Decisão: Pelo exposto, julgo parcialmente procedente por provada a presente oposição à execução mediante embargos de executado, em consequência do que determino a redução da quantia exequenda para a quantia de 3.951,48 € (três mil novecentos e cinquenta e um euro e quarenta e oito cêntimos). * Custas a cargo dos opoentes/executados na proporção do decaimento”.Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a embargada, que, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões: (…) * A recorrida não apresentou contra-alegações.* O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.* Recebido o processo nesta Relação, proferiu-se despacho a considerar o recurso como próprio, tempestivamente interposto e admitido com o efeito e o modo de subida adequados.* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. Questões a decidir.Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas, e não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e sendo livre na interpretação e aplicação do direito (art. 5.º, n.º 3 do citado diploma legal), as únicas questões que se colocam a este Tribunal são: 1- saber da qualificação do contrato celebrado entre recorrente e recorrida, e 2- saber da validade da cláusula contratual pela qual, no caso da resolução do contrato de locação, a locatária ficou obrigada a pagar à locadora os alugueres vincendos até à data prevista para o termo do contrato. * III. Fundamentação de facto.O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos: 1. “A exequente deu à execução a Livrança n.º ..., sacada pela A..., S.A., que também é Tomadora, Aceitante, dona e legítima possuidora, subscrita por B..., S.A., e avalizada por AA, no valor de 11.556,57 € (valor de onze mil quinhentos e cinquenta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos, valor escrito por extenso diferente do valor escrito em numerário de 11.792,76), vencida em 18/04/2024, junta como doc . 1 da contestação e que aqui se dá integralmente por reproduzida. 2. A Livrança foi apresentada a pagamento junto da Subscritora e dos Avalistas, por cartas de 18/04/2024, não tendo sido paga até à presente data. 3. Exequente e executada B..., S.A celebraram o Contrato de Locação n.º ..., junto como doc. 8 com o req. executivo e que aqui se dá por integralmente por reproduzido. 4. O contrato de locação teve por objetos locados 1 sistema de CCTV, composto por vários equipamentos, melhor descritos na Fatura junta como doc. 9 junta com o req. executivo, adquiridos pela Locadora, pelo preço de 14.262,07€ (Doc. n.º 9), com o objetivo de os alugar à Locatária, que se obrigou a pagar no mínimo 20 (vinte) alugueres trimestrais, de 687,00€ (+ IVA) cada, com início da locação em 01/05/2021 e termo em 30/04/2026. 5. A Locatária não pagou os alugueres de outubro de 2023 a março de 2024 e o prémio de seguro para o ano de 2024, pelo que, após diversas interpelações, o contrato foi resolvido em 11/01/2024 (doc. 8). 6. Pelos representantes da exequente foi comunicado o conteúdo das cláusulas contratuais apostas nos contratos junto com o requerimento executivo, sob os documentos n.ºs 1. 7. O valor aposto na livrança corresponde a: 845,01 €, Fatura n.º ..., correspondente ao aluguer trimestral para os meses de outubro, novembro e dezembro de 2023; 845,01 €, Fatura n.º ..., correspondente ao aluguer trimestral para os meses de janeiro, fevereiro e março de 2024; 382,64 €, Fatura n.º ..., correspondente ao seguro anual para 2024. (Fatura que não se tinha ainda vencido ao tempo da resolução, mas que foi emitida e se venceu antes da ativação da livrança) 7.605,09 €, correspondentes aos alugueres vencidos antecipadamente, na data de resolução do contrato, e que correspondem aos alugueres de 01/04/2024 a 30/04/2026. 110,70 €, referente a custos de aviso e gestão de cobranças, valor previsto no contrato de locação; 4,31 €, referente a custos de retorno de entrada do débito direto, previsto no contrato; 279,82 €, referentes a juros de mora vencidos até 18/04/2024 e liquidados às taxas legais de 12,00 % e 12,50% 1.483,99 €, que correspondem ao valor dos bens locados. *** Factos Não provados1. Pelos representantes da exequente não foi comunicado o conteúdo das cláusulas contratuais apostas nos contratos junto com o requerimento executivo, sob os documentos n.ºs 1 e 8, e que permitiria aos embargantes a subscrição dos mesmos em consciência. 2. Não foi comunicado aos Oponentes o sentido, alcance, o significado jurídico e as consequências da inserção do conteúdo da cláusula 3.ª do contrato junto sob o documento n.º 8 do req. executivo”. * IV. Fundamentação de direito.Delimitadas as questões essenciais a decidir, nos termos sobreditos sob o ponto II, cumpre apreciá-las. 1- Da qualificação do contrato celebrado entre recorrente e recorrida Da factualidade assente colhe-se que a recorrente e a recorrida celebraram um contrato que denominaram de locação, pelo qual, a primeira adquiriu a um terceiro, pelo preço de 14.262,07 €, um sistema de CCTV, composto de vários equipamentos, para, como sucedeu, alugar à segunda, que, em contrapartida, se obrigou a pagar no mínimo 20 alugueres trimestrais, de 687,00 € + IVA cada, com a duração de 1/05/2021 a 30/04/2026 (pontos 3 e 4 dos factos provados). Desse contrato, junto como doc. 8 com o requerimento executivo, e que se deu como reproduzido na sentença recorrida (ponto 3 dos factos provados), consta, sob o número 3, que “A GR [locadora] tem o direito de resolver o contrato se o Locatário não pagar duas rendas consecutivas. Tendo em conta i) que a GR adquiriu o OL no interesse do Locatário, ii) o custo financeiro com a aquisição do OL e a sua perda de valor e iii) os custos administrativos com a celebração deste contrato, entre outros, se a GR exercer o seu direito de resolução sem aviso prévio, terá direito a exigir, a título de cláusula penal, o valor equivalente à soma de todas as rendas que fossem devidas até ao termo inicial base do contrato. O mesmo se aplica em caso de denúncia antecipada do contrato por iniciativa do Locatário. Este valor será devido no momento da recepção da notificação da resolução ou da comunicação de denúncia” (sobreposição do ponto 12 dos termos e condições gerais do mesmo contrato junto como doc. 1 da Contestação). O contrato em causa acabou por ser resolvido em 11/01/2024, pelo que a locadora deu à execução a livrança subscrita pela locatária e avalizada por AA, aqui recorridos, no valor de 11.556,57 €, de que faz parte, além do mais, os alugueres do último trimestre de 2023 e do primeiro trimestre de 2004, um e outro no valor de 845,01 €, assim como o valor de 7.605,09 €, correspondente aos alugueres de 1/04/2024 a 30/04/2026, vencidos antecipadamente, na data da resolução do contrato. Na sentença recorrida, o contrato celebrado entre a recorrente e a recorrida foi qualificado como um contrato de locação financeira que, de acordo com o art. 1.º do DL n.º 149/95, de 24/06, consiste no contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados. Nos termos do contrato dos autos, o equipamento dele objecto, embora previamente selecionado pela locatária e adquirido pela locadora no interesse daquela, não podia ser adquirido pela locatária, o que, em face da noção de locação financeira, não pode deixar de comprometer a sua qualificação como tal, ou como aluguer de longa duração, e de impor a sua acomodação legal no âmbito do simples contrato de locação previsto no art. 1022.º do CC por remissão das disposições conjugadas dos arts. 481.º e 482.º do Código Comercial (com interesse, veja-se Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, in “Direito Comercial”, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, págs. 345 e ss. e acórdãos da RL de 10/05/2022, proc. 679/22.2T8TVD.L1-7, rel. Edgar Taborda Lopes e de 25/01/2024, proc. 122/22.7T8BRR-D.L1-1, rel. Nuno Teixeira, ambos in www.dgsi.pt). 2- Da validade da cláusula contratual pela qual, no caso da resolução do contrato de locação, a locatária ficou obrigada a pagar à locadora os alugueres vincendos até à data prevista para o termo do contrato. Resolvido o contrato de locação a 11/01/2024 por falta de pagamento dos alugueres de Outubro de 2023 a Março de 2024 e do prémio de seguro para o ano de 2024, a locadora, aqui recorrente, além de exigir, entre outros valores, os alugueres do último trimestre de 2023 e do primeiro trimestre de 2004, ambos no valor individual de 845,01 €, e da prestação do seguro anual para 2024, no valor de 382,64 €, pretende obter da locatária, aqui recorrida, assim como do recorrido, os alugueres vincendos à data da resolução do contrato, e que correspondem aos alugueres de 1/04/2024 a 30/04/2026, no valor de 7.605,09 €, valor este que lhe foi negado na sentença recorrida com o fundamento de a cláusula contratual em que se sustenta este valor ser uma cláusula proibida nos termos do art. 19.º, al. c) do DL 446/85. Vejamos. Antes do mais, é de registar que, assentando a presente execução numa livrança, dotada, enquanto título de crédito, das características da literalidade, abstração e autonomia, nem por isso a recorrente, à luz dos arts. 17.º e 77.º da LULL, está a salvo, nem isso reivindica em sede recursória, das excepções fundadas nas relações extracartulares estabelecidas entre si e os recorridos, no caso, por via do contrato de locação e do pacto de preenchimento da livrança (documentos 1 e 2 com o requerimento executivo a que a decisão sobre a matéria de facto faz menção nos respectivos pontos 3 e 6)), posto que as relações entre os intervenientes no título, sendo eles os titulares das relações extracartulares que lhe deram causa, são relações imediatas (com interesse, Pedro Pais de Vasconcelos e Pedro Leitão Pais de Vasconcelos, in loc. cit., págs. 373 e ss. e acórdão do STJ de 3/05/2005, rela. Faria Antunes, cujo sumário está publicado no site da PGRL, e da RP de 12/01/2023, proc. 9735/21.3T8PRT-A.P1, in www.dgsi.pt). Em segundo lugar, deve notar-se que, tal como reclama a recorrente, ficou provado, pelas razões melhor expostas na fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida, que o conteúdo das cláusulas contratuais apostas nos contratos juntos com o requerimento executivo foi comunicado pelos representantes da exequente (ponto 6 dos factos provados), assim como ficou não provado que esse conteúdo, inclusive o sentido, alcance, significado jurídico e consequências jurídicas do conteúdo da cláusula 3.ª do contrato junto sob o n.º 8 do requerimento executivo - não tenha sido comunicado aos oponentes. Aliás, em consonância com o que é defendido pela recorrente, a sentença considerou que “a exequente cumpriu, em concreto…o referido dever de comunicar e informar a aqui opoente B..., Lda. sobre as cláusulas gerais apostas no contrato que foi outorgado entre ambas…”. Assim sendo, recordemos o teor cláusula 3.ª do Contrato, coincidente com o ponto 12 dos termos e condições gerais que constam do mesmo contrato (documento 1 junto com a contestação): “A GR [locadora] tem o direito de resolver o contrato se o Locatário não pagar duas rendas consecutivas. Tendo em conta i) que a GR adquiriu o OL no interesse do Locatário, ii) o custo financeiro com a aquisição do OL e a sua perda de valor e iii) os custos administrativos com a celebração deste contrato, entre outros, se a GR exercer o seu direito de resolução sem aviso prévio, terá direito a exigir, a título de cláusula penal, o valor equivalente à soma de todas as rendas que fossem devidas até ao termo inicial base do contrato. O mesmo se aplica em caso de denúncia antecipada do contrato por iniciativa do Locatário. Este valor será devido no momento da recepção da notificação da resolução ou da comunicação de denúncia”. Esta cláusula está inserida num contrato – documento 8 junto com o requerimento executivo que foi dado como reproduzido no ponto 3 dos factos provados da sentença recorrida- cuja configuração revela, de forma inequívoca, que as respectivas cláusulas, com excepção da identificação da locatária e do vendedor/fornecedor do objecto locado, do próprio objecto locado, da duração inicial do contrato e do número e do valor das prestações trimestrais, estavam já elaboradas quando foram apresentadas à recorrida. Assim, a recorrida não teve possibilidade de negociar a generalidade do clausulado contratual. Se aspectos essenciais do contrato, como a duração do contrato e o valor do aluguer trimestral, se referem ao contrato individual celebrado entre recorrente e recorrida, outros, igualmente essenciais, como seja a renovação automática do contrato caso não seja denunciado nos termos aí previstos, a atribuição do risco pela perda acidental, roubo, destruição ou deterioração do objecto locado, o seguro, os direitos relativos aos defeitos do objecto locado, a impossibilidade de aquisição do bem locado pela locatária, e os termos da resolução contratual e da cláusula penal convencionada, obedecem a um texto padronizado aplicável à generalidades dos interessados. Relativamente a este importante conteúdo do contrato de locação, que o define como tal, o que resulta da própria matéria de facto mais concretamente do teor do contrato de locação junto como documento 8 que se deu como reproduzido na sentença, é que o mesmo corresponde a cláusulas pré-elaboradas pela recorrente que constam de todos os contratos individuais do mesmo tipo celebrados por esta com os seus clientes, salvo no que diz respeito à identificação destes, ao objecto locado, à duração do contrato, ao número e ao valor das prestações de aluguer. Exceptuadas estas matérias, o contrato de locação do autos (doc. 8 com o requerimento executivo) revela não ter sido objecto de negociação entre os respectivos outorgantes, porquanto a recorrida não interferiu no seu conteúdo, mormente no conteúdo da supra descrita cláusula 3.ª que abarca a resolução contratual por parte da locadora e a cláusula penal ora em crise. Ora, os recorridos alegaram no art. 32.º da petição de embargos de executado que “Os contratos (documentos n.ºs 1 e 8) juntos pela Exequente aos autos são contrato de adesão, com cláusulas específicas, mas também pré-determinadas sem negociação individualizada”. Esta factualidade, em face do objecto do presente recurso, relativa à pré-determinação, sem negociação, da cláusula 3.ª do contrato de locação (doc. 8), à luz do art. 1.º, n.º 2 do DL 446/85 de 25/10, é um facto essencial nuclear da excepção invocada pelos recorridos, porquanto a individualiza e identifica (com interesse, vide Paulo Pimenta, in “Processo Civil Declarativo”, 2014, Almedina, pág. 20). Apesar de alegada pelos recorridos na sua petição de embargos, os descritos factos indispensáveis ao conhecimento da invocada excepção, não foram, porém, objecto de decisão por parte do tribunal recorrido. Quando assim é, o art. 662.º, n.º 2, al. c) do CPC, determina que a Relação deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, além do mais, considere indispensável a ampliação desta. Comentando esta disposição legal, Abrantes Geraldes clarifica que “Pode ainda revelar-se uma situação que exija a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova matéria de facto alegada pelas partes que se revele essencial para a resolução do litígio, na medida em que assegure um enquadramento jurídico diverso do suposto pelo tribunal a quo. Trata-se de uma faculdade que nem sequer está dependente da iniciativa do recorrente, bastando que a Relação se confronte com uma omissão objetiva de factos relevantes. Todavia, considerando que a reavaliação da pertinência é feita pela Relação, a possibilidade de anulação do julgamento para ampliação da decisão da matéria de facto deve ser encarada com rigor acrescido e reservada para os casos em que se revele indispensável….Por outro lado,… a anulação da decisão da 1.ª instância apenas deve ser decretada se não constarem do processo todos os elementos probatórios relevantes. Ao invés, se estes estiverem acessíveis, a Relação deve proceder à sua apreciação e introduzir na decisão da matéria de facto as modificações que forem consideradas oportunas” (in “Recursos em Processo Civil”, 7ª Edição Atualizada, Almedina, pág. 357 e ss.). Neste sentido, tem-se igualmente pronunciado a jurisprudência, de que se cita, a título de exemplo, o acórdão da RP de 10/03/2025 (proc. 4280/21.0T8PRT.P1, rel. Carlos Gil): “De facto, nos termos do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil, a Relação deve, ainda, mesmo oficiosamente anular a decisão proferida na 1ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta. Deste modo, o tribunal ad quem apenas deve proceder à ampliação da matéria de facto sempre que conclua que, à luz das diversas soluções plausíveis das questões decidendas, existe matéria de facto alegada que não foi conhecida pelo tribunal recorrido, emitindo um juízo de provado ou não provado e isso desde que se trate de matéria indispensável à dilucidação das aludidas soluções plausíveis” (in www.dgsi.pt). Sendo assim, pode ler-se no sumário do acórdão da RP de 15/09/2025 (proc. 687/23.6T8PFR.P1, rel. Carlos Gil) que a “ampliação da decisão da matéria de facto, quando necessária, processar-se-á no tribunal ad quem, desde que para tanto constem do processo todos os elementos que permitam essa ampliação, pressupondo que sobre a matéria em causa foi produzida prova, com a devida observância do contraditório” (in www.dgsi.pt). Transpondo para o caso dos autos, o que se verifica é, justamente, que a matéria em causa “pré-determinação pela recorrente, sem negociação, da cláusula 3.ª do contrato de locação celebrado entre recorrente e recorrida”, é matéria indispensável, à luz das várias soluções plausíveis de direito, para a resolução de questão incluída no objecto do presente recurso. Outrossim, trata-se de matéria que resulta demonstrada da análise do próprio contrato em que está inserida a cláusula em causa– documento 8 junto com o requerimento executivo-, e sobre a qual a recorrente teve oportunidade de pronunciar-se, como, de resto, fez (cfr. art. 21.º e 41.º da Contestação). Neste conspecto, decide-se ampliar a matéria de facto com a seguinte factualidade: “A recorrente pré-determinou, sem negociação com a recorrida, a cláusula 3.ª do contrato de locação celebrado entre ambas”. Assim sendo, de acordo com o disposto no art. 1.º, n.º 2 e 17.º do DL n.º 446/85, de 25/10, o regime das cláusulas contratuais gerais instituído por este diploma legal e pelas suas sucessivas alterações (RCCG), aplica-se igualmente à referida cláusula, cujo conteúdo, tendo sido inserido no contrato individualizado celebrado com a recorrida, e tendo sido aceite por esta, não foi, todavia, por ela influenciado por já estar previamente elaborado (com interesse, José Manuel de Araújo de Barros, em anotação aos referidos preceitos, in “Cláusulas Contratuais Gerais”, Almedina, e acórdãos da RP de 13/03/2012, proc. 3951/08.0TBVFR.P1, rel. M. Pinto dos Santos, e de 10/10/2024, proc. 785/23.6T8MAI-A.P1, rel. Isabel Peixoto Pereira). Impõe-se, pois, apreciar a cláusula 3.ª do contrato, na parte supra transcrita, à luz do RCCG, designadamente dos seus arts. 12.º, 17.º e 19, al. c) que consideram proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, e, consequentemente, nulas, as cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir. Recordando o clausulado em discussão: “A GR tem o direito de resolver o contrato se o LC não pagar duas rendas consecutivas. Tendo em conta i) que a GR adquiriu o OL no interesse do Locatário, ii) o custo financeiro com a aquisição do OL e a sua perda de valor e iii) os custos administrativos com a celebração deste contrato, entre outros, se a GR exercer o seu direito de resolução sem aviso prévio, terá direito a exigir, a título de cláusula penal, o valor equivalente à soma de todas as rendas que fossem devidas até ao termo inicial base do contrato…”. Na situação dos autos, a recorrente efectivamente resolveu o contrato de locação por falta de pagamento dos alugueres de Outubro de 2023 a Março de 2024, tendo, outrossim, exigido, a título indemnizatório, as rendas vincendas correspondentes aos alugueres de 1/04/2024 a 30/04/2026, no valor de 7.605,09 €, em conformidade com a descrita cláusula penal. É o art. 810.º, n.º 1 do CC que, dizendo que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível, nos dá a noção de cláusula penal. Em anotação ao citado art. 810.º, Antunes Varela e Pires de Lima escrevem que “O disposto no artigo anterior não impede a estipulação duma cláusula penal, pela qual as partes fixem, por acordo, o montante da indemnização, no caso de não-cumprimento ou mora do devedor ao mesmo tempo que criam ou podem criar um novo ou mais eficaz instrumento de pressão sobre o devedor…O principal objectivo da cláusula penal é evitar dúvidas futuras e litígios entre as partes quanto à determinação do montante da indemnização. Muitas vezes, porém, ela é fixada com o carácter de verdadeira penalidade ou, ao contrário, com o intuito de pôr um limite à responsabilidade, nos casos em que os danos possam atingir proporções exageradas em relação às previsões normais dos contraentes” (in “Código Civil Anotado”, Vol. II, 3.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, pág. 74). O TRL, a este propósito, em acórdão de 8/05/2014 (Proc. 1689/12.3TVLSB.L1-8, rel. BB) redigiu, sobre o assunto, a seguinte síntese que, data vénia, se transcreve: «A doutrina admite dois tipos de cláusula penal: a) cláusula penal indemnizatória, em que o acordo das partes tem por finalidade liquidar a indemnização devida em caso de não cumprimento definitivo, de mora ou de cumprimento defeituoso; b) cláusula penal compulsória, em que o acordo das partes tem por finalidade compelir o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento. No primeiro caso, os contraentes recorrem à cláusula penal a fim de fixarem, desde logo e antecipadamente, a indemnização que será devida em caso de incumprimento da obrigação principal. Contudo, como afirma António Pinto Monteiro, outras vezes o escopo das partes não é esse: “Dada a especial natureza do contrato e, bem assim, o particular interesse do credor no efectivo cumprimento do mesmo, ele só contrata mediante a inclusão de uma clausula penal com o intuito de incutir na outra parte a necessidade de respeitar as obrigações assumidas. O credor, neste caso, utiliza a clausula penal como instrumento de pressão, compelindo a outra parte, através da ameaça especial que sobre ela passa a impender, em virtude de ter de ter de efectuar outra prestação – mais gravosa – caso não cumpra devidamente a prestação a que se obrigou[10]”. E, acrescenta, mais adiante, tal autor: “No primeiro caso, estipula-se a cláusula penal a fim de liquidar o dano, ou seja, com o objectivo de fixar antecipadamente o montante da indemnização. No segundo, recorre-se à cláusula penal a fim de incentivar o devedor ao cumprimento, servindo a mesma de medida compulsória, destinada a zelar pelo respeito efectivo das obrigações assumidas[11]”. E, consoante a pena convencionada vise sancionar o incumprimento propriamente dito ou a simple mora do devedor, assim estaremos perante uma cláusula penal compensatória ou moratória”(inhttps://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRL:2014:1689.12.3TVLSB.L1.8.BF/). Verdade que, em caso de resolução, a indemnização a que, ao abrigo dos arts. 798.º e 801.º do CC, o credor tem direito, tradicionalmente, é a chamada indemnização do interesse negativo ou da confiança. Trata-se, como ensina Antunes Varela, “da indemnização do prejuízo que o credor teve com o facto de se celebrar o contrato – ou por outras palavras, do prejuízo que ele não sofreria, se o contrato não tivesse sido celebrado” (in “Das Obrigações em geral”, vol. II, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 107 e ss.). Sintetizando a problemática, Pedro Romano Martinez escreve que “No domínio da responsabilidade contratual, a indemnização pode prosseguir dois objectivos diversos: restabelecer a situação que existiria se a parte lesada não tivesse celebrado o contrato; ou colocar a parte lesada em circunstâncias idênticas à que se verificariam se o contrato houvesse sido pontualmente cumprido. A prossecução desta primeira finalidade, vulgarmente designada por interesse contratual negativo, justificar-se-ia no caso de o credor resolver o contrato e estar adstrito a devolver a prestação recebida…De modo diverso, a indemnização pelo interesse contratual positivo visa cobrir os prejuízos resultantes do incumprimento, colocando a parte lesada na situação em que estaria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido…Tradicionalmente, tem-se defendido que a indemnização cumulada com a resolução do contrato, na hipótese prevista no n.º 2 do art. 801.º do CC, será pelo interesse contratual negativo do credor (a parte lesada), visando somente ressarcir os danos emergentes e lucros cessantes sofridos com a celebração do contrato incumprido…” (in “Da Cessação do Contrato”, pág. 196). Todavia, o mesmo autor, em crítica à posição tradicional, sublinha que, “Não sendo a retroactividade consequência necessária da resolução, admite-se, até na lógica da teoria clássica, que a indemnização pelo interesse contratual positivo seja cumulada com a resolução. De facto, tendo a resolução eficácia ex nunc, não há uma total dissolução do vínculo, pelo que o efeito extintivo dá origem a uma relação de extinção. Como segunda crítica, admite-se que, apesar de existir fundamento para resolver o contrato em razão do incumprimento do devedor, o credor opte, antes, por realizar a sua contraprestação exigindo a indemnização pelo interesse contratual positivo. Sendo a resolução o exercício de um direito potestativo, cabe à parte lesada optar por exercer o direito, desvinculando-se, ou manter o contrato, cumprindo a contraprestação; nesta segunda hipótese não poderia ser negada ao credor a indemnização pelo interesse contratual positivo” (in loc. cit., págs. 196 e ss.). De igual modo, a jurisprudência, de que é exemplo o acórdão da RP de 10/10/2024 (Proc. 785/23.6T8MAI-A.P1- rel. Isabel Peixoto Pereira), reconhece que “… situações há, em função da qualidade do credor e das características do contrato celebrado, em que o interesse contratual negativo e o interesse contratual positivo acabam por coincidir, em que as oportunidades perdidas com a celebração não diferem dos interesses insatisfeitos com a inexecução” (in www.dgsi.pt). E porque assim é, explica-se no mesmo acórdão que “Em tese, pois, não é proibido ou ilegítimo que a indemnização corresponda ao interesse contratual positivo. No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva”. O próprio STJ em acórdão de 15/02/2018, a que aquele aresto faz referência, (Proc. 7461/11.0TBCSC.L1.S1; rel. Tomé Gomes), escreveu que: “a tese da admissibilidade da cumulação da resolução com a indemnização pelo interesse contratual positivo assenta em argumentação sólida, que, numa análise sistémica de todo o quadro normativo relevante, melhor corresponde ao primado da responsabilidade civil contratual e da sua função na reintegração dos interesses do credor lesado pela frustração do programa negocial. Assim sendo, propendemos a considerar, em tese, admissível aquela cumulação, na linha do que foi ponderado no acórdão do STJ de 21/10/ 2010, proferido no processo n.º 1285/07.7TJVNF.P1.S1, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado. E, no atual panorama da jurisprudência, afigura-se ser mais curial prosseguir por via da ponderação de caso a caso, sem a condicionar, de forma apriorística, ao critério abstrato de regra-exceção. Para tanto, consideramos, à luz da doutrina acima convocada nesse sentido, em síntese, que: a) – Do preceituado no artigo 801.º, n.º 2, do CC, no respeitante à ressalva do direito a indemnização, em caso de resolução de contratos bilaterais, nenhum argumento interpretativo substancialmente decisivo se pode extrair no sentido de excluir o direito de indemnização pelos danos positivos resultantes do incumprimento definitivo desde que não se encontrem cobertos pelo aniquilamento resolutivo das prestações que eram devidas; b) – Por isso mesmo, impõe-se equacionar a solução na perspetiva da finalidade e função da resolução, enquadrada no plano mais latitudinário do programa negocial, multidimensional, envolvente e da relação de liquidação em que, por virtude dessa resolução, se transfigura a relação contratual originária; c) – Nesse quadro, deve ser reconhecido o primado do princípio geral da obrigação de indemnizar o credor lesado, consagrado no artigo 562.º do CC, segundo o método da teoria da diferença acolhido pelo artigo 566.º, n.º 2, do mesmo diploma, como escopo fundamental reintegrador dos interesses atingidos pelo incumprimento do contrato; d) – Nessa medida, tendo em conta a “diversidade ontológica” da invalidade e da resolução, deve ser relativizada a eficácia retroativa atribuída a esta pelos artigos 433.º e 434.º, n.º 1, por equiparação aos efeitos daquela estatuídos nos artigos 289.º e 290.º do CC, em termos de salvaguardar a vertente da tutela ressarcitória (a par da tutela restituitória ou recuperatória), quanto aos danos positivos resultantes do incumprimento que serviu de fundamento à mesma resolução e não abrangidos pelo obliteração resolutiva das prestações que eram devidas, assim se ressalvando a finalidade da resolução (que se tem por restrita) a que se refere a parte final do citado artigo 434.º, n.º 1; e) – Consequentemente, ao contraente fiel, perante o incumprimento definitivo imputável ao outro contraente, assistirá a faculdade de optar, em simultâneo, pela resolução do contrato de forma a libertar-se do respetivo dever típico de prestar ou a recuperar a prestação já por si efetuada, e pelo direito a indemnização dos danos decorrentes daquele incumprimento não satisfeitos pelo valor económico das prestações atingidas pela resolução; f) – Todavia, em caso de resolução, poderá ser ainda assim desatendida a indemnização pelos danos positivos, quando esta revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado, à luz do princípio da boa fé, o concreto contexto dos interesses em jogo, atento o tipo de contrato em causa, sem prejuízo, nessas circunstâncias, do direito a indemnização em sede do interesse contratual negativo nos termos gerais” (com interesse igualmente o acórdão da RP de 19/12/2023, proc. 4423/20.0T8MTS.P1, rel. Artur Dionísio Oliveira e o acórdão da RE de 16/03/2023, proc. 1127/20.8T8TMR.E1, rel. Isabel de Matos Peixoto Imaginário, todos in www.dgsi.pt). Retomando o caso dos autos, a recorrente resolveu o contrato de locação, com duração de 1/05/2021 até 30/04/2026, em 11/01/2024 quando já havia decorrido mais de metade da duração do contrato. O objecto da locação, um sistema de CCTV, composto por vários equipamentos, foi adquirido pela recorrente pelo preço de 14.262,07 € para ser alugado à recorrida pelo período mínimo de 20 trimestres durante o qual seria compensado do seu investimento por via do recebimento de rendas - e de outras despesas associadas ao contrato – em montante equivalente ao da aquisição do bem locado, cujo valor, atenta a sua natureza, se ressente negativamente da inerente evolução e actualização no domínio tecnológico. Ora, o que as partes acordaram para o caso de incumprimento contratual por parte da recorrida foi justamente, através da resolução, pôr fim à relação contratual, e, através da concomitante indemnização, ressarcir a recorrente, além do mais, da quantia que, efectivamente, esta receberia até ao fim do contrato de locação, o que corresponde a uma indemnização pelo interesse contratual positivo, porquanto confere à recorrente a reconstituição do benefício que obteria com a execução do contrato. Sucede que é justamente o valor global dos alugueres vencidos e não pagos juntamente com os alugueres vincendos que, compensando a recorrente dos custos com a aquisição da coisa locada, entretanto desvalorizada, e das despesas com o contrato, elimina o prejuízo que a recorrente teve com a celebração do contrato de locação. De facto, em situações como a dos autos em que, por força do fracionamento das prestações, a relação contratual se prolonga no tempo e em que existem bens desvalorizáveis pelo uso, a indemnização pelo interesse contratual positivo, é a que, preservando o efeito útil da cessação da relação jurídica provocado pela resolução, recupera o equilíbrio que era suposto ser realizado pelo cumprimento contratual. Note-se que a própria devolução do bem locado, a par do recebimento dos alugueres vincendos, não constitui uma duplicação da satisfação dos interesses da locadora. Na realidade, a devolução da coisa locada, traduzindo o cumprimento de uma obrigação da locatária (art. 1038.º, al. i) do CC), deixou de equivaler ao custo da sua aquisição, que, assim, permanece um prejuízo para a recorrente só compensado com o recebimento da totalidade dos alugueres vencidos e vincendos à data da resolução. Não existe, portanto, cumulação indevida na restituição da coisa locada e na atribuição à recorrente das rendas vincendas após a resolução (cfr. art. 811.º do CC). Neste sentido podemos ler no sumário do acórdão da RL de 2/05/2023 (proc. 2242/10.1YXLSB.L1-6; rel. Anabela Calafate) que: “Tendo o contrato de locação por objecto equipamento informático e não decorrendo do clausulado contratual que a locadora possa vir a comercializar novamente esses bens e que não sofra prejuízo por ter investido o seu capital na sua aquisição para os entregar ao locatário, não é manifestamente desproporcionada a cláusula penal que atribui à locadora a faculdade de, ao resolver o contrato, exigir o pagamento imediato do valor correspondente a todos os alugueres que seriam devidos até ao final do prazo previsto no contrato apesar de o locatário ser obrigado a devolver o equipamento”. Afigura-se-nos, pois, que a cláusula penal em análise, inclusive por inexistir a cumulação a que se refere o art. 811.º, n.º 1 do CC, não revela ser desproporcional aos danos da recorrente, e, como tal, não sendo proibida à luz do art. 19.º, al. c) do RGCG, não é uma cláusula nula, de acordo com o art. 12.º do mesmo diploma legal. Nesta perspectiva, procedendo o recurso, revoga-se a sentença recorrida, e, consequentemente, julga-se improcedente a oposição à execução, não se reduzindo a quantia exequenda para a quantia de 3.951,48 €. As custas do recurso são pelos recorridos que ficaram vencidos (art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC). * Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):……………………………… ……………………………… ……………………………… * V. DecisãoPerante o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em, na procedência do recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a oposição à execução mediante embargos dos recorridos, não se reduzindo a quantia exequenda para a quantia de 3.951,48 €. Custas pelos recorridos. Notifique. Porto, 10/11/2025 Carla Fraga Torres Fátima Andrade Miguel Baldaia de Morais |