Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
767/18.0T8SJM.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISABEL PEIXOTO PEREIRA
Descritores: REDE ELÉCTRICA
SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
MUDANÇA DOS POSTES E APOIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Nº do Documento: RP20251113767/18.0T8SJM.P1
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O direito do proprietário à deslocação dos apoios e postes de linhas de média tensão que oneram um prédio em termos de uma servidão administrativa é conferido quando se trate de construção de edifícios novos ou de ampliação de existentes.
II - A matéria atinente à deslocação de apoios das redes elétricas encontra-se sujeita a um procedimento próprio e específico, regulado nos artigos 43.º e 44.º do Decreto-Lei n.º 43335/1960, que estabelece o modo e as condições em que o proprietário pode exigir a alteração do traçado das linhas.
III - Cabe ao proprietário — como interessado na deslocação — promover os procedimentos legais aí previstos.
IV - A falta de promoção do procedimento administrativo pelo proprietário inviabilizou a formação do seu eventual direito a não ter de custear a obra, dependente já de a autoridade competente concluir que, dadas as características do terreno e a natureza do equipamento em causa, a obra não poderia ser executada noutro local, situação que isentaria o proprietário de qualquer pagamento.
V - Outrossim, a demora temporal na resolução de uma situação desta natureza, que demandou, perante a não instrução do processo pela Autora, estudo técnico prévio, como a formulação de hipóteses sucessivas que melhor correspondessem às objecções e pretensões da Autora, não pode, só por si, ser interpretada como falta de diligência.
VI - Não consta dos autos qualquer elemento que permita concluir o que, concretamente, era necessário realizar em termos de trabalhos técnicos e operacionais para o apuramento de soluções alternativas para a relocalização pretendida, nem quanto tempo seria, em condições normais, exigível à Ré para concluir tais tarefas, com o que, não resultando caracterizada a ultrapassagem de um prazo razoável, não se afirma a actuação culposa que seria pressuposto de uma obrigação de indemnizar.

(Sumário da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 767/18.0T8SJM. P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de São João da Madeira - Juiz 2


Relatora: Isabel Peixoto Pereira
1ª Adjunta: Paulo Duarte Mesquita
2ºAdjunto: Judite Pires








I.

A..., SA, veio instaurar acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra B..., S.A., que passou a designar-se C..., concluindo a final pedindo a condenação da Ré a, a expensas suas, deslocar os postes e linha de alta tensão (apoio 28) que se encontram implantados e passam no prédio da Autora que descreveu sito à Rua ..., ..., ..., no prazo de sessenta dias após o trânsito em julgado da presente acção. Bem assim a pagar à Autora a quantia de 3.000,00€, a título de indemnização pelos prejuízos sofridos, correspondente ao custo da apresentação de novo pedido de comunicação prévia para a realização das obras pretendidas executar, junto da Câmara Municipal de S. João da Madeira e a quantia de 3.600,00/mensais, a contar da citação até à retirada efetiva do poste, correspondente à perda mensal em que faz incorrer a Autora, em virtude da sua conduta omissiva na mudança do mesmo, impossibilitando a construção. Finalmente, sanção pecuniária compulsória nunca inferior a 50,00€ por cada dia de atraso no cumprimento da peticionada deslocação.

Alegou, em síntese, que se dedica à construção e obras públicas, à compra e construção de edifícios, à revenda de imóveis adquiridos para esse fim, ao arrendamento de bens imóveis, bem como à compra, venda e aluguer de equipamentos. Referiu ainda ter adquirido à sociedade anónima D..., S.A. um prédio urbano, destinado a fábrica, composto por rés-do-chão, primeiro andar, anexo e logradouro, situado em espaço de loteamento aprovado pela Câmara Municipal de São João da Madeira. Ora, apresentou uma comunicação prévia junto do Município de São João da Madeira, propondo-se edificar mais 1.220 m², área essa que ainda lhe restava em termos de possibilidade e direito de construção. Tal comunicação foi admitida e aprovada. Na sequência, procedeu à constituição do edifício em propriedade horizontal, composto pelas frações A, B e C, pagando IMI relativo a todas elas. A fração C destina-se também a uso industrial, mas apenas existe juridicamente na propriedade horizontal, pois nunca chegou a ser construída. No local onde a Autora pretendia edificar encontra-se instalado um apoio e um poste da B..., pertencente a uma linha de alta tensão, cuja presença e respetivos afastamentos de segurança impedem a construção pretendida.
A Autora sustenta que a obra projetada não pode ser executada noutro local e que o terreno não permite melhor aproveitamento enquanto o poste não for removido. Após diversas tentativas e vários ofícios enviados à Ré, solicitando a alteração da linha e do apoio, recebeu resposta apenas por ofício datado de 04/04/2017.
Entretanto, a comunicação prévia caducou em 11/10/2017, sendo que um novo pedido implicaria custos superiores a 3.000,00 €. A Autora afirma ainda que, em virtude dessa impossibilidade, não pode arrendar o pavilhão que pretendia construir, o que lhe causa um prejuízo mensal não inferior a 3.600,00 €.


Regularmente citada, a Ré apresentou contestação, alegando, em suma, ser titular da licença de estabelecimento da referida linha aérea de distribuição de energia elétrica em alta tensão, concedida por despacho de 20/05/1992. Sustenta que, à data em que a Autora adquiriu o prédio urbano, este já se encontrava onerado com uma servidão elétrica, a qual foi aceite pela Autora ao adquirir o imóvel.

A Ré reconhece ter recebido apenas um ofício da Autora, em 19/04/2016, solicitando a alteração da linha e do apoio. Descreveu as diligências subsequentes — abertura de ficha, realização de estudo e reuniões —, tendo chegado a propor um local alternativo dentro do prédio da Autora, o qual esta rejeitou, ou outro indicado pela Autora, correspondente a uma área de estacionamento público, cuja utilização dependeria da aprovação da Câmara Municipal de São João da Madeira, que nunca chegou a ser obtida.
A Ré acrescenta que não recebeu qualquer resposta da Autora à sua comunicação, nem qualquer notificação do Município para se pronunciar sobre a viabilidade da construção projetada.
Defende tratar-se não de uma ampliação, mas sim da construção de um novo edifício (a edificação da fração C), o que implica licenciamento próprio, nos termos do artigo 43.º do regime aplicável, concluindo que os custos da deslocação da linha pretendida pela Autora não são da sua responsabilidade.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, a qual julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré da totalidade dos pedidos contra ela deduzidos.

É desta decisão absolutória que vem interposto recurso pela A., mediante as seguintes Conclusões:
5[1]. O facto não provado nº 2, deve ser julgado provado, por assim o impor a fundamentação de facto da própria sentença (depoimento das testemunhas AA, BB, CC e DD, bem como o legal representante da recorrente), cotejada com a caderneta predial junta à p.i., com declaração junta à p.i. como documento 8, com o documento junto pela A. recorrente em 10/05/2019 e com os documentos juntos na audiência final de 14/10/2019, bem como com o concreto trecho das testemunhas AA supra referenciados.
6. Não foi produzida qualquer outra prova, pelo que, a consistência, coerência e credibilidade do depoimento desta testemunha, cotejada também com os factos provados 25 e 27 impõem a peticionada alteração.
7. Quanto ao facto não provado 3, por se tratar de facto público e notório não impugnado pela recorrida, tem de dar-se por provado.
8. Os factos provados 40 e 41 têm de dar-se por não provados, por ausência de prova, refletida na própria fundamentação de facto.
9. O facto provado 44 não pode dar-se por provado, por toda a prova produzida a este respeito impor decisão diversa, concretamente: quanto consta da fundamentação de facto da sentença, os trechos dos depoimentos das testemunhas CC, DD e EE, cotejado com o facto provado 47 [e ofício de fls. 61].
10. Qualquer homem médio, colocado perante o ofício da B... de fls. 61 e perante o que lhe foi transmitido pelos anteriores proprietários, não equacionaria a existência de qualquer constrangimento à construção, pelo que, a decisão tomada a este respeito contraria as regras da experiência.
11. Os factos provados 45 e 46, considerando que inexiste qualquer prova que os sustente, como resulta a contrario da sentença recorrida, e que são contrários às decorrências legais, devem ser dados por não provados.
12. Quanto ao facto 39, deve ser alterada a sua redação nos termos peticionados, por assim o impor a parte final do facto provado 46 e a fundamentação de facto da sentença recorrida.
13. S.d.r. e s.m.o., a fundamentação de facto não é apta à prova dos factos dados por provados e supra impugnados e revela-se deficitária.
14. E a de direito não convence, por errada.
15. Em primeiro lugar, resulta da fundamentação de direito da sentença que, o Tribunal sustenta a decisão em factos que não constam do probatório, o que impede a recorrente de cabalmente a contraditar, em violação do art. 607º, nº 4 e 5 do CPC, vício que deve ser declarado.
16. Por outro lado, entendeu o Tribunal – em face dos art. 43º e 44º do DL 43335 de 19/11/1960 - que o ónus de apresentar uma alternativa à modificação da linha cabia à recorrente, o que s.m.o., não encontra respaldo na lei.
17. O que resulta dos preceitos, aplicados aos factos in casu [ampliação para o mesmo fim] é que o proprietário pode exigir da concessionária a deslocação dos postes e linhas, sem mais.
18. Ao assim não decidir, o Tribunal fez errada interpretação dos art. 43º do citado DL 43335, do Decreto-Lei n.º 26852, de 30 de julho, com as posteriores alterações, e do Decreto Regulamentar n.º 1/92].
19. Por último, o Tribunal não tomou em consideração, na análise de direito, o que deu por provado sob o nº 24 a 27 e 47, o que, s.d.r., até configura uma contradição entre a fundamentação de facto (provada) e o decidido.
20. Tendo a ré assumido o compromisso que consta do provado 47, sabendo-se que a construção em causa colide com a linha de alta tensão, constituiria manifesto abuso de direito [art. 334º do C.C.] onerar a A. com a obrigação de tratar da aprovação de um traçado alternativo para a linha.

Respondeu a Ré, pugnando pela improcedência do Recurso e, desde logo, pela manutenção do juízo probatório e enquadramento jurídico da decisão, concluindo:
A Recorrente deduziu recurso de Apelação, alegando erro na valoração da prova e erro na aplicação de Direito.
Contudo nenhuma razão lhe assiste, devendo manter-se – na íntegra – a decisão proferida pelo tribunal a quo, que se encontra devidamente fundamentada e em conformidade com os elementos probatórios constantes dos autos e ainda com o Direito vigente.
Desde logo, o facto não provado n.º 2 deve manter-se, uma vez que não foi apresentada prova documental ou testemunhal que sustentasse a impossibilidade de executar a obra noutro local, podendo ler-se na sentença que inexistem nos autos elementos técnicos ou projeto alternativo que documentem e atestem tal impossibilidade.
Mais se dirá que a incompatibilidade técnica entre a linha e a construção é um tema autónomo e distinto da impossibilidade de execução da construção noutro local, sendo certo que a sentença estabelece corretamente tal diferença, não logrando a Recorrente alegar ou provar documentalmente que é impossível construir a obra projetada em outro ponto do seu terreno.
O facto não provado n.º 3 foi corretamente julgado, pois a atividade da Recorrida C... é exercida no âmbito de uma concessão outorgada pelo Estado Português e sujeita a remuneração fixada por lei e ainda a regulação própria pela Direção Geral de Energia e Geologia, pelo que não é exercida de acordo com as regras do livre mercado.
Neste conspecto, mais se dirá que os artigos 1.º a 6.º da Contestação foram confirmados pelos factos provados n.ºs 2 a 4, decorrendo da lei o exercício da atividade de distribuição de energia elétrica.
O facto provado n.º 40 deve manter-se, pois resulta dos depoimentos das seguintes testemunhas: AA [depoimento 14/10/2019, com início às 10h39 e término às 10h47, minutos 23:45 a 25:10]; FF [depoimento de 19/11/2020, com início às 10h22 e término às 11h58, minutos 05:05 a 05:35 e minutos; GG [depoimento de 14/06/2021, com início às 15h04 e término às 15h30, minutos 06:05 a 09:05]; HH [depoimento de 14/06/2021, com início às 15h31 e término a 15h53, minutos 05:05 a 05:35]; bem como dos documentos n.º 11 da Petição Inicial e n.º 6 da Contestação.
Tendo a Recorrente aceite o teor da carta junta como documento 11 à sua própria Petição, forçoso se torna manter como provado o facto n.º 40, pois é nessa mesma carta que se refere que seria a A... a obter a autorização municipal.
Mais se dirá que existem dois locais dentro do terreno da Recorrente que são elegíveis para colocar o apoio e viabilizam a construção projetada, pelo que foi a A... a pedir a deslocação do apoio para fora do seu terreno, comprometendo-se a obter a respetiva autorização do Município para esse efeito (tudo conforme depoimentos das testemunhas: FF [depoimento de 19/11/2020, com início às 10h22 e término às 11h58, minutos 27:10 a 29:20]; e GG [depoimento de 14/06/2021, com início às 15h04 e término às 15h30, minutos 07:00 a 07:05 e minutos 10:10 a 12:05].
O facto provado n.º 41 foi corretamente julgado, uma vez que para além de não ter sido impugnado pela Recorrente, resulta diretamente dos pontos 14 e 26 dos factos provados, inexistindo qualquer documentação ou depoimento testemunhal em sentido contrário.
O facto provado n.º 44 decorre do teor da carta junta como documento de fls. 61 dos autos, bem como da pré-existência da linha elétrica quando o terreno foi adquirido pela A....
O estabelecimento e exploração da linha elétrica implicam a constituição de uma servidão administrativa legal e aparente, cuja existência e alcance jurídico não podiam ser ignorados pela Recorrente.
Mais se dirá também que a carta de fls. 61 remete para os artigos 43.º e 44.º do DL n.º 43335/1960, que regulam os termos de qualquer modificação de linha, sendo certo que esta referência e remissão normativas representam – por si só - um constrangimento à modificação.
Os factos provados n.ºs 45 e 46 resultam dos depoimentos das testemunhas FF, GG E HH, bem como dos documentos n.º 11 da Petição Inicial e n.º 6 da Contestação, aqui se reiterando tudo quanto se disse nos parágrafos G a I supra.
A verdade é que a Recorrente A... declarou à Recorrida que iria tentar obter a autorização do Município para efeitos de colocação do apoio no parque de estacionamento da edilidade, o que nunca veio a acontecer!
O facto provado n.º 39 deve manter-se, remetendo-se integralmente para o que se deixou consignado relativamente aos factos n.ºs 40, 45 e 46.
Mais se dirá que é irrelevante a alteração da redação proposta pela Recorrente para este facto n.º 39, pois limita-se à alteração do verbo utilizado, sem qualquer modificação do conteúdo substancial deste ponto.
A sentença recorrida fez correta aplicação do Direito vigente, designadamente dos artigos 43.º e 44.º do DL n.º 43335/1960, respeitando o regime da servidão administrativa e os princípios da proporcionalidade e segurança jurídica.
Desde logo se dirá que resultam inaplicáveis as considerações iniciais feitas pela Recorrente neste conspecto do recurso, uma vez que são resultado da interpretação que a própria fez do enquadramento jurídico constante da sentença e que transcendem o sentido da solução de Direito aplicada pelo Tribunal recorrido.
Conforme bem assinala a sentença, a Recorrente A... não pode exigir à Recorrida C... que desloque o apoio para fora do terreno onerado, existindo dois locais alternativos viáveis dentro desse mesmo terreno, que são tecnicamente compatíveis com a construção projetada (conforme decorre da jurisprudência proferida nos processos n.º 980/19.2T8VRL.G2.S1 (STJ) e n.º 846/17.0T8BCL.G1 (TRG).
Dito de outro modo, o apoio deve ser removido para outro local dentro do terreno da Recorrida, pois este já está se encontrava – e encontra - onerado com a servidão administrativa.
Ao exigir a remoção para fora do seu terreno, a Recorrente está a denegar as prerrogativas legais da servidão administrativa e a desrespeitar os princípios da segurança e estabilidade jurídicas e de minimização da interferência dos atos administrativos.
Concluindo, está a Recorrida obrigada a suportar a servidão e a disponibilizar um dos dois locais alternativos que existem dentro do seu terreno e que são compatíveis com a edificação que pretende levar a cabo, estando a solução jurídica plasmada na sentença em alinhamento com o teor da lei e da jurisprudência.
Em suma, deve manter-se a decisão recorrida, que não merece qualquer censura.

São as seguintes as questões a decidir nos autos:
(…)

1. Da correcção do juízo de direito empreendido na sentença, mediante o bem fundado enquadramento do regime legal e aplicação daquele aos factos.

Esclareça-se já que vem a ser nesta sede o contexto do vício apontado sob a conclusão 19º das alegações da recorrente, por não estar aí caracterizada uma verdadeira e própria nulidade da sentença, por contradição, antes um verdadeiro erro de julgamento, não obstante a inserção sistémica da conclusão.

*

1.
Isto posto, resultaram provados em sede de decisão recorrida os seguintes factos:
1. A Autora dedica-se, além do mais, à construção e obras públicas, compra e construção de prédios, a revenda de prédios adquiridos para esse fim, arrendamento de bens imóveis, à compra e venda e aluguer de equipamentos.
2. A Ré é concessionária da rede de distribuição de energia elétrica em alta tensão e média tensão e ainda concessionária da rede elétrica de baixa tensão em múltiplos concelhos, entre os quais o concelho ....
3. É titular da licença vinculada de distribuição e concessionária da rede nacional de distribuição (RND) em todo o país).
4. A rede nacional de distribuição de eletricidade em média e alta tensão, cuja concessão foi atribuída à Ré, foi por contrato outorgado pelo membro do Governo responsável pela área de energia, em representação do Estado.
5.No que concerne à rede de alta tensão esta inclui, além do mais, as linhas e os apoios de alta tensão.
6. Tem um apoio com n.º 28 da linha aérea de distribuição de energia elétrica em alta tensão a 60 KV ... – Devesa Velha.
7.A Ré é titular da licença de estabelecimento da referida linha aérea de distribuição de energia elétrica em alta tensão, conferida pela Delegação Regional da Indústria e Energia do Norte, do Ministério da Indústria e Energia – por despacho datado de 20.05.1992 e emitido no âmbito do processo n.º 1/4482.
8. Essa licença veio mais tarde a ser renovada, por despacho datado de 30-10-2013, emitido no âmbito do Processo n.º EPU/37349, pela Direção Regional de Economia do Norte do Ministério da Economia
9.Por escritura pública de compra e venda de 18/06/2014, do Cartório Notarial da Sra. Dra. II, à Rua ..., da cidade de S. João da Madeira, a Autora adquiriu à Sociedade Anónima D..., S.A., o prédio urbano, destinado a fábrica, de rés-do-chão e 1º andar, anexo e logradouro, situado na Devesa Velha, à Rua ..., ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...28º, com o valor patrimonial tributário de 531.490,00€, descrito na Conservatória do Registo Predial de S. João da Madeira sob o n.º ...56.... João da Madeira.
10. A Autora procedeu ao registo definitivo da aquisição, pela Ap. ...40 de 18/06/2014.
11. O prédio que a Autora adquiriu encontrava-se já construído, ocupando em construção o espaço construído actualmente e correspondente às fracções A e B.
12. Situa-se em espaço de loteamento aprovado pela Câmara Municipal de São João da Madeira.
13. E dentro do perímetro urbano.
14. A Autora procedeu à correspondente comunicação prévia, junto do Município de S. João da Madeira, pela qual se propunha edificar mais 1220m2, o que ainda lhe remanescia em termos de possibilidade e direito de construção, que foi qualificada como “ampliação”.
15. O projecto veio a merecer admissão e aprovação.
16. A Autora procedeu ainda, e nesta sequência, à constituição do edifício em propriedade horizontal com as fracções A, B, e C. –
17. O conjunto das fracções constitui uma unidade fabril.
18. Participou a propriedade horizontal e está a pagar 959,70€ + 958,13€ de IMI, anualmente, pelas frações A e B, resultante da edificação primitiva,
19. Mas também 838,88€/ ano pela fração C.
20. A fração C destina-se também a indústria, nunca foi construída e só existe na propriedade horizontal.
21.Tem um valor patrimonial tributário atribuído apenas pela participação fiscal da propriedade horizontal de 239.680,00€.
22. Não obstante as reclamações, até ao momento a Autora não conseguiu ver-se isenta do pagamento de IMI da inexistente fração autónoma,
23. Encontrando-se o despacho que não a isentou, quanto à fracção C, impugnado no processo n.º 1246/17.8BEVAR do TAF de Aveiro – U.O. 2.
24.No espaço onde a Autora pretende construir e viu licenciada “a ampliação” do edifício - sem alteração do fim a que se destina - correspondente à ocupação do terreno pela fracção C, existe um apoio e um poste da B... em linha de alta tensão.
25. Razão pela qual a Autora não consegue edificar o que pretende e pode, pois o poste e os afastamentos que este impõe, não lho permitem.
26.A Ré enviou uma carta à Autora solicitando a alteração da linha e apoio recebido a 19.04.2016.
27.A Ré respondeu-lhe, por ofício datado de 04/04/2017, nos seguintes termos:




28. Não pode, em consequência, arrendar o pavilhão a construir.
29. O valor de renda de um pavilhão como o pavilhão C é de cerca de 3.600,00€/ mês.
30.O pedido de comunicação prévia referido foi apresentado caducou em 11/10/2017.
31. Quando a Autora adquiriu o prédio urbano já este se encontrava onerado com a constituição da servidão elétrica.
32. A Autora apenas remeteu à Ré um único ofício, recebido a 19.04.2016, solicitando a alteração da linha e do apoio.
33.Foi junto à carta remetida pela Ré – com o número ...01 - o desenho, do qual consta o traçado alternativo para a linha e o local alternativo para colocação do apoio n.º 28, no terreno propriedade do Município, tal como sugerido pela própria Autora.
34.A Ré, em 02.05.2016, criou em sistema o pedido de modificação de rede, abrindo a respetiva ficha.
35. Em seguida, a Ré fez um primeiro levantamento da rede existente e realizou um estudo para verificação de possíveis locais alternativos para colocação do apoio n.º 28.
36. A Ré contactou a sociedade Autora – informando-a que o apoio poderia ser colocado em outro ponto dentro da fração C.
37.Ou, em alternativa, em outro terreno, desde que a sociedade Autora obtivesse a respetiva autorização para o efeito.
38. A Ré efetuou uma reunião no local com o representante da sociedade Autora.
39. Nesse contacto, o referido representante equacionou colocar o apoio num terreno contíguo propriedade da Câmara Municipal de São João da Madeira, onde se encontra um parque de estacionamento automóvel.
40. O representante da sociedade Autora comprometeu-se a apresentar o pedido de cedência de parcela de terreno e obter a autorização do Município para o efeito.
41.A Ré nunca recebeu qualquer notificação por parte do Município de São João da Madeira para se pronunciar quanto à viabilidade da construção projetada.
42. Relativamente à questão da alteração do traçado e da localização do apoio, esta foi a única comunicação recebida pela Ré, seja no que concerne à Autora, seja no que concerne a qualquer outra entidade.
43. Após o envio da carta referida, mais nenhuma carta a Ré teve por parte da Autora.
44. A Autora bem sabia qual o constrangimento à construção projetada.
45. Assim como sabia que tinha que obter a aprovação do Município para colocação do apoio no local alternativo que ela própria sugeriu.
46. A Autora não obteve a autorização necessária para se proceder à referida alteração, bem sabendo que dessa autorização estava dependente a viabilidade da alteração pretendida e sugerida.
47-A B... entregou à anterior proprietária do imóvel de que a Autora é atualmente proprietária a sociedade “E..., Lda.” um documento do qual consta “a B... obriga-se, no caso de futuramente o poste ou os condutores da linha AT impedirem a execução de qualquer construção, a efectuar as necessárias obras e modificações em conformidades com os artºs 43º e 44º e seus parágrafos do Decreto-Lei nº 43335 de 19 de Novembro de 1960.”

Os Factos não provados são os seguintes:
1.A apresentação de novo pedido de comunicação prévia acarreta custos nunca inferiores a 3.000,00€.
2. A obra pretendida executar não pode ser executada noutro local, nem o terreno permite o melhor aproveitamento sem que o poste seja retirado.
3. A Ré distribui energia com intuito lucrativo.
4. A Autora só recebeu a carta da Ré, depois de muitas tentativas e vários ofícios.


Para fundamentar a sua convicção probatória consignou o tribunal recorrido o seguinte: «A convicção do Tribunal assentou na ponderação de toda a prova produzida, conjugada entre si e segundo as regras da experiência comum, concretamente, prova documental, depoimentos testemunhais e declarações do legal representante da Autora.
Analisaram-se os documentos de:
-Fls.6: escritura pública de compra e venda de 2014,
-Fls. 8/Verso: certidão permanente do alvará de loteamento 4/84 e alterações,
-Fls. 12: caderneta predial da fracção A,
-Fls. 13: caderneta predial da fracção B,
-Fls. 14: caderneta predial da fracção C,
-Fls. 15: certidão referente à anterior proprietária do prédio da Autora, referente ao indíce de construção,
- Fls. 15/verso: admissão da comunicação prévia, que incidem sobre as obras de ampliação respeitam o PDM e o alvará de loteamento de 11.02.2026 ampliação e remodelação de uma unidade industrial em que se verifica a fixação de um prazo de 20 meses para execução de obras, em 11 de Outubro de 2017.
-Fls.16: Título constitutivo de propriedade horizontal 21.04.2016.
-Fls. 20/verso:
-Fls. 21: comprovativo de pagamento DUc
-Fls.22: declaração do engenheiro testemunha AA, onde, além do mais, consta que com o poste implantado na construção pretendida apenas consegue atingir 700m2 e não 1220m2,
-Fls. 22/verso: comprovativo de liquidação processo de TAF de Aveiro,
-Fls. 23: processo de impugnação judicial do despacho,
-Fls. 25: documentação do despacho,
-Fls 25 e verso e fls. 28: petição inicial daqueles autos,
-Fls. 28/verso: carta de 13 de Abril de 2016 à Ré, recibo de admissão nº 1/16 título das obras de ampliação,
-Fls.29 resposta da Ré,
-Fls.29verso a 31, certidão permanente da Autora,
Fls. 41/verso título de licença de distribuição de energia elétrica em MT e AT do Director Geral Energia de 14 de Setembro de 2000, -Fls. 47 Licença de Estabelecimento da Delegação Regional de Industria e Energia do Norte, da Linha aérea 60V Estarreja- Devesa,
- Fls.47/verso Licença de estabelecimento,30.10.2013, instalação eléctrica localizada em Santiago Riba Ul, Concelho de Oliveira de Azeméis igual ao de fls. 55,
-Fls.48 carta igual,
-Fls. 48/verso admissão de comunicação prévia 1/16 requerida pela Autora,
-Fls.49 ficha de modificação da rede,
-Fls. 49/verso planta,
-Fls. 61- documento entregue aos anteriores proprietários,
-Fls.63- e fls. 74
-Informações dos autos n.º 1246/17.8BEVAR do TAF de Aveiro – U.O. 2.
O legal representante da Autora JJ, prestou as seguintes declarações de forma credível: que adquiriu o prédio por aquele valor porque tinha viabilidade para construir 1200metros.
Confirmou o pedido na viabilidade e que se dirigiu à B... para tirar o poste e a resposta demorou.
Admitiu que os técnicos da B... sugeriram no local no terreno e, alternativamente, perante a não aceitação analisaram outro sítio fora do terreno, abordou a Câmara Municipal de São João da Madeira com a planta que não aceitou porque era estacionamento público.
Confirmou em consonância, que estava a pagar IMI da fracção que não construiu e referiu-se ao valor da renda mensal de um armazém equivalente.
A testemunha AA, técnico da F..., Lda., descreveu de forma credível e conforme a documentação a sua intervenção.
Concretamente, que foi consultado antes da aquisição pela Autora que lhe pediu avaliação, Que para o efeito, considerou a depreciação do apoio da B... mas perante a diferença do valor, o legal representante da vendedora, disse que dava para ampliar e tinham um documento para poder construir naquele local.
Pronunciou-se sobre o projecto de reabilitação e ampliação de um pavilhão industrial que descreveu, sendo que havia uma terceira fração a construir, para mesmo fim, loteamento industrial, único fim e de industria
Analisou os documentos 4 e 5 e que a comunicação prévia que foi admitido, sem necessidade de licenciamento, por estar em conformidade com o loteamento e o objetivo ser industria ou destinando-se a arrendamento ou a venda.
A intenção era construir o máximo possível, industrial mas uma fracção autónoma e independente.
Descreveu a fracção a existir com uma separação física entre o que foi projetada com uma ligação disse que há uma união física, uma cobertura numa zona do estacionamento, os edifícios em si são separados mas grande parte desligada.
Só depois de aprovado foi possível constituir, foi transformado em propriedade horizontal e dividir em três fracções, pelos quais a Autora, paga IMI.
Quanto aos constrangimentos da edificação da fracção, descreveu o local, sendo que construção é geminada encostada a outra construção do outro lote e fica mais complicada por causa das saídas de emergência.
Explicou que no projeto para assegurar as saídas de emergência e assegurar as descargas, evacuação, túnel para desenfumagem e corta fogo e distância, mas aí não convenceu pois não apresentou estudo rigoroso que seria necessário face à extensão da áreas disponível, que suscita que a Autora ainda tinha espaço para construir.
Confirmou o valor locatício de uma fracção como que pretendia construir em conformidade com o já contante na declaração junta.
Relativamente à deslocação do poste, referiu que a Autora pediu uma alternativa para outro poste, B..., que não no terreno da A, e ainda pediu camara que negou porque era numa extremidade de um parque de estacionamento da Camara de São João da Madeira.
Tal como a testemunha seguinte transmitiu credibilidade e o seu depoimento foram conformes a prova documental junta.
Porém, não convenceram plenamente o tribunal quanto à conclusão da impossibilidade da construção com a deslocação do poste dentro do terreno.
A testemunha BB, engenheiro Electrótecnico que participou no projecto em parceria com o Eng AA.
Descreveu, em conformidade, com o documentado e referido pela testemunha anterior o projecto das 3 frações do mesmo edifício, e que aquela construir esta separado como uma fração autónoma mas licenciada para ter autonomia funcional e que apoio que está lá implantado de alta tensão colide com a construção da fracção C..
Justificando ter uma cércea elevada e com as distâncias de segurança das partes mais próximas do edifício até à linha, concluindo sem cabal fundamentação, nomeadamente por referências as áreas de que não é possível construir com o poste.
A testemunha EE consultora também prestou um depoimento credível. Indicou que o legal representante da Autora a consultou antes de contratar e que a finalidade era rentabilizar o imóvel.
Também descreveu o projeto e que as três frações têm fim industrial, analisado o dossier foi entregue pelos vendedores que tinha apresentação do imóvel e da potencialidade de construir, documentos camarários 4 e 5 da petição inicial e a leitura que fizeram do documento junto era que a B... não inviabilizaria a construção, que tiraria o poste e não que comparticipariam nos custos tal como transmitira o anterior proprietário.
Que todos confiaram que a deslocação do poste não tinha contrapartida para a Autora. Afirmou que edifício a construir serviria para dar apoio às indústrias que já lá estavam.
Mencionou em conformidade o valor locatício da fracção C por comparação com o das outras.
A testemunha CC e seu filho a testemunha DD, anteriores proprietários e representantes da sociedades anteriores proprietárias, confirmaram o documento junto que lhe foi dado pelo engenheiro da B... e que interpretaram que quando pretendessem construir, a B... retirava o Poste e não tem qualquer despesas para retirar sendo que autorizou a implantação do apoio e linha sem receber qualquer valor.
Referiu este último que a empresa solicitou a informação à Camara Municipal sobre a capacidade construtiva para poder garantir à compradora.
Transmitiram sinceridade, embora do documento junto não se infira a conclusão partilhada.
A testemunha FF (responsável pelo departamento redes Alta-tensão Norte), prestou um depoimento objectivo, seguro e convenceu o Tribunal. Á data era responsável pelo investimento norte projetava e construía rede de alta tensão inclui a linha devesa velha Alta Tensão que está licenciada.
Descreveu o local do Apoio da Autora, na parte de traz de permeio entre as extremas, perpendicular à via publica e conforme doc. 6, a linha não passa por cima do pavilhão, em zona livre do terreno e 20 metros de altura.
Pronunciou-se sobre a constituição da linha, do governo que constituiu a servidão administrativa e autorização para construir no domínio publico, no projetou uma vez atribuída a licença de estabelecimento, que não é negociável a colocação da linha, o local sim e o valor tabelado.
Especificou os contactos estabelecidos entre Autora e Ré e que emitiram um ofício porque havia um pedido para alterar a localização, fizemos o estudo um parque da Câmara e foi enviada uma carta que nunca teve resposta.
Questionado sobre os actos praticados após a receção da carta, mencionou receberem centenas de pedidos de clientes e respondem sempre e, no caso em apreço, respondera só depois das diligências encetadas que descreveu: Disse que de imediato contactou legal representante da Autora, foram ao terreno, fizeram desenhos, estudos e topografias e a carta quase um ano depois, sendo que não há prazo para regulamentar para responderem e existem centenas de pedidos por ano.
No estudo para a alteração da rede, em que aceitam a possibilidade de deslocar na parte exterior do terreno camarário e a carta porque se dispôs a tratar na Câmara Municipal de São João da Madeira para encaminhar nesse pedido.
Confirmou que o apoio pode ser deslocado mas que a Ré é que teria abordar a Câmara Municipal para colocar o poste do lado de fora, doc.6 da contestação e o desenho que acompanhou a carta, que reflete o lugar alternativo, que a Autora sugeriu era na baia do estacionamento ainda ficava longe do terreno da Autora, seria este o local e fizeram o estudo técnico e era viável. Porém, a obra não avançou pois ficou à espera se tinha ou não autorização da câmara, nem sequer resposta a carta embora tenha sabido informalmente que foi negativa.
Afirmou que nas reuniões tidas nem se falou de repartição de encargos, nem de valores, pois só depois que orçam apresentando a solução e seus custo, que a Ré, procura o menor custo mas se cliente prefere que passe dois postes prefere mudar mais diz que paga, uma modificação, entre os 15,000,00€ e 30,000,00€, sem IVA.
Manifestou a viabilidade técnica e espacial para a deslocação dentro do prédio da Autora, tem duas possibilidades para a colocação do poste a era sobrante e de 1200metros.
Descreveu a fracção C, classificando-a de independente por não ter qualquer parede comum.
A testemunha GG (projetista da linha), gestor da obra, também de forma credível, confirmou que a Autora, no seu prédio tinha espaço mas não pretendia por ia fazer um estacionamento e queria colocar o apoio fora do seu prédio.
Confirmou o teor da carta junta, ou seja, que o apoio tem de ser colocado em terreno da Autora ou sítio que consiga, tendo para o efeito no local sugerido, que contactar a entidade camarária.
A testemunha HH, topógrafo, também, de forma credível, confirmou que, quando o pedido se deslocou prédio da Autora chegou para verem um projeto para o apoio dentro da propriedade e que a Autora não aceitou apresentando justificações várias para o rejeitar. Primeiramente, não queria porque ia por caixas, ar condicionado, queria espaço para a circulação de camiões, não avançaram pois não houve locais alternativos viáveis e o outro espaço era na via pública.
A convicção negativa resulta quer da insuficiência da prova quer da prova do contrário.
Pertencem ao primeiro segmento os factos nº1e nº2.
E ao segundo as restantes.
Embora o legal representante da Autora JJ tenha declarado que dentro da propriedade não era possível construir a fração projetada objectivamente, não conseguia colocar num sítio “sem estorvar” justificando com a necessidade de espaço para a circulação dos camiões e que o terreno com ribeiro.
Não ficou provada tal impossibilidade mas apenas que para a Autora era inconveniente remetendo para “o dito pelos engenheiros”.
A testemunha AA transmitiu que não existe outro sítio no terreno pois a construção não pode chegar mais para traz por ser um talude, zona não edificável e a APA não autorizar mas perante as áreas em causa da parcela sobrante e à mingua de mais elementos como a referida posição da APA perante projecto diferente, a prova não permitiu concluir nesse sentido com segurança.
Na declaração subscrita pelo mesmo, referiu que era possível construir uma fracção com uma área inferior à projetada, para 700m2.
Relativamente ao documento junto emitido pela Ré, a que se referiram os anteriores proprietários, apenas cabe referir que o teor do mesmo não permite extrair a Ré poderá efectuar a deslocação do apoio da linha licenciada quando simplesmente o proprietário do prédio quisesse construir.
Quanto aos custos da comunicação prévia, não foi apresentada prova suficiente.»

Quanto aos factos pois quanto aos quais vem impugnado o julgamento que antecede:
Impõe-se analisar a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pelo recorrente, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, por forma a apurar se a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise. Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes[2], que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia. «Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Em resumo, reapreciação dos meios de prova, de todos os meios de prova, mas verificação ainda da correcção do juízo probatório constante da sentença recorrida, em termos de não estar em causa a substituição de um juízo probatório possível por outro, mas a confirmação da evidência da apreciação errada da prova pelo juiz recorrido.
De todo o modo, a impugnação da matéria de facto não se destina a contrapor a convicção da parte e do seu mandatário à convicção formada pelo tribunal, com vista à alteração da decisão. Destina-se, sim, à especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (art. 640.º, n.º 1, al. b), do Cód. Proc. Civil).

Quanto ao facto não provado sob 2.
A recorrente reconduz-se ao depoimento das testemunhas AA, cujos concretos trechos de depoimento transcreve no corpo das alegações, BB, CC e DD, bem como do legal representante da recorrente), cotejada com a caderneta predial junta à p.i., com declaração junta à p.i. como documento 8, com o documento junto pela A. recorrente em 10/05/2019 e com os documentos juntos na audiência final de 14/10/2019, mais pretendendo que a consideração dos factos provados sob 25 e 27 impõem a peticionada alteração.
Sem razão.
Desde logo, não se alcança, nem vem esclarecido qual o relevo ou significado probatório da caderneta predial junta à p.i., como da declaração junta à p.i. como documento 8, ou do documento junto pela A. recorrente em 10/05/2019 ou ainda dos documentos juntos na audiência final de 14/10/2019… para a demonstração do facto em apreço (!?).
O facto levado ao ponto da matéria assente não se confunde, tanto mais que aquele outro encontra eco na matéria provada, com a realidade da impossibilidade da execução do projecto da A. exactamente aprovado, por via do impedimento do poste, manifesta, já que o projecto desenhava a construção no espaço mesmo ocupado pelo poste…
A incompatibilidade técnica, rectius, física ou espacial entre a obra projectada/prevista ou planeada pela A e o local onde actualmente se encontra implantado o apoio, plenamente demonstrada, não se confunde, a um tempo:
- com a possibilidade física/espacial e legal de colocação do apoio noutro local do prédio da A, possibilitando já a execução do edifício ou fracção C projectada e nos termos aprovados/comunicados;
- nem também com eventual possibilidade de execução daquela idealizada obra (o edifício sob C) noutro ponto do prédio pré-existente, mesmo ou também com outra configuração ou mediante alteração mínima/inconsequente da área.
Trata-se, pois, de matérias distintas, com pressupostos técnicos e jurídicos diferentes, cuja delimitação é essencial para a correcta apreciação do litígio. Ora, o facto sob 2 dos não provados reporta-se inequivocamente à falta de aquisição probatória de que a edificação mesma da fracção C fosse impossível (obviamente que mediante a alteração do projecto) no espaço livre e disponível da totalidade do espaço/área da já idealizada fracção C…
Ora, o juízo formulado quanto ao facto não provado n.º 2, com o assinalado conteúdo, encontra-se devida e razoavelmente fundamentado, assente numa análise coerente da totalidade da prova produzida. Assim ainda ou também a de sentido contrário aos depoimentos dos dois engenheiros que analisaram/avaliaram/estudaram o plano/projecto da A.[3] [e à “posição” dos quais se remeteram já e apenas o legal representante da A., por não dispor naturalmente dos conhecimentos técnicos imprescindíveis] pelos técnicos (projectista da linha, GG e topógrafo, HH) e responsável da Ré (FF). Estes, tendo intervindo/participado nas diligências relacionadas com a pretensão de alteração da localização do apoio, não deixaram de se referir à viabilidade da concretização/execução/construção noutros termos[4], mas no mesmo espaço, do projectado edifício “novo”, bem como à viabilidade da alteração do apoio no espaço/área da totalidade do prédio pré-existente (mediante duas hipóteses), “libertando” agora o terreno da fracção C[5].
Ausente agora, quando se atente outrossim na área da parcela e na do projectado edifício, a corroboração objectiva (e independente) de uma tal impossibilidade (pela junção de planos ou projectos que a evidenciassem, material, geométrica ou fisicamente e, de forma não escamoteável, pela falta de apresentação nos autos de uma qualquer declaração/comprovação de inviabilidade, mormente Informação técnica desfavorável – emitida pelos serviços técnicos da câmara municipal ou de outra entidade (como a APA, ICNF, CCDR, etc.), indicando/identificando que por razões urbanísticas, ambientais ou técnicas, não era possível licenciar a construção noutros moldes situacionais.
Com propriedade, lê-se na motivação da decisão que “(..) perante as áreas em causa da parcela sobrante e à mingua de mais elementos como a referida posição da APA perante projecto diferente, a prova não permitiu concluir nesse sentido com segurança.” E, com referência à descredibilização do depoimento a que apela a Recorrente[6] que: “ (…) mas aí não convenceu pois não apresentou estudo rigoroso que seria necessário face à extensão da área disponível, que suscita que a Autora ainda tinha espaço para construir.” Mais adiante, quanto à ausência de confiabilidade também das declarações nesse segmento do referido BB: “ (…) não convenceram plenamente o tribunal quanto à conclusão da impossibilidade da construção com a deslocação do poste dentro do terreno. (…) Justificando ter uma cércea elevada e com as distâncias de segurança das partes mais próximas do edifício até à linha, concluindo sem cabal fundamentação, nomeadamente por referências as áreas de que não é possível construir com o poste.”
Como resulta do que antecede, o tribunal a quo agiu de forma prudente e metodicamente correta, ao não dar como provado um facto cuja verificação careceria de sustentação técnica inequívoca. A conclusão, portanto, é que o ponto factual em causa deve manter-se inalterado, respeitando o fundamentado e justificado juízo probatório e os patentes e explicitados limites da prova produzida, que, nessa parte, se tem por insuficiente ou inconcludente à aquisição respectiva.
Quanto aos factos sob 40 e 41, 44 a 46 da matéria assente, admita-se a parcimónia da explicitação do juízo crítico sobre os depoimentos mesmos, resumidamente expostos ou referidos na motivação, quando é certo que o que se pretende com a fundamentação é levar ao conhecimento do destinatário o percurso cognoscitivo e valorativo que o autor do acto decisório percorreu para decidir, sendo o critério o da compreensibilidade por um destinatário normal na posição do destinatário real.
Não constituindo apreciação crítica da prova a mera reprodução dos depoimentos e declarações prestadas em audiência, sempre a deficiência da fundamentação só constitui nulidade quando for de tal forma relevante que impeça o conhecimento da razão para determinado facto ter sido dado como provado ou não provado ou dos raciocínios subjacentes[7].
Ora, no que interessa já aos factos sob 40, 45 e 46, justamente a totalidade dos depoimentos transcritos a propósito caracteriza, de forma coincidente, non discrepans, aquela matéria/realidade factual. Com a particular relevância de estarem em causa, desde logo, as declarações de parte do legal representante mesmo da Autora e o depoimento da “sua” mais relevante testemunha, o Engenheiro AA, os quais, basicamente, confirmam ou corroboram a “história” trazida a juízo pelas testemunhas da Ré directamente intervenientes no processo subsequente ao endereço da pretensão de alteração da localização do apoio (poste) pela Autora à Ré, os já referidos FF, GG e HH. Assim é que das declarações apreciandas na motivação e ali basicamente “resumidas” (ainda quando objecto logo de interpretação, naturalmente, posto que não se reconduzindo a transcrição), confirmada já a correcção da “compreensão ou percepção destas” pela audição da totalidade da prova ali convocada, sindicada, pois, a conformidade do juízo ao teor da prova por declarações em audiência, emerge, justa, coincidente e unanimemente a realidade ali fixada. Logo que, na sequência do pedido pela Autora de mudança do apoio (sem prejuízo de delongas ou demoras temporais), a Ré realizou estudos e proposta (alternativa ou dupla) de mudança do lugar do apoio para outras localizações no prédio (originário) da Autora, a que esta foi opondo objecções ou impedimentos, relacionados à sua própria “conveniência” no aproveitamento do espaço como gizado/ imaginado e projectado, sendo que a dado passo se apresentou a possibilidade de “relocalização” fora do prédio da Autora, com o que alertada esta que teria de ser ela mesma a lograr a autorização/deferimento pela proprietária respectiva, justamente a Câmara, posto que o espaço possível vinha a ser a baia de um parque de estacionamento da autarquia, compromisso que assumiu, então, por ser do seu interesse a deslocalização para “fora” do espaço do seu prédio. Atitude ou comportamento que está conforme, de resto a juízos de normalidade e bem assim resulta corroborado pelos termos da comunicação pela Ré quanto à alteração proposta, que o foi justamente no “interesse” da Autora, como atestado de forma coincidente pela totalidade da prova.
Resulta, pois, justificada na motivação a aquisição da convicção respectiva, a saber, a totalidade da prova produzida a propósito…
Como é sabido, o princípio da livre apreciação das provas é constitucional e legalmente vinculado, não tendo carácter arbitrário, nem se circunscrevendo a meras impressões criadas no espírito do julgador. O mesmo está desde logo sujeito aos princípios estruturantes do processo justo e equitativo (a) – como seja o da legalidade das provas –, como ainda condicionado pelos critérios legais que disciplinam a sua instrução (b), estando, por isso, submetido às regras da experiência e da lógica comum (i), e nalguns casos expressamente previstos (v.g. 364.º exigência legal de documentos escrito) subtraído a esse juízo de livre convicção (ii), sendo imprescindível que esse julgamento dos factos, incluindo a sua análise crítica, seja motivado (c).
Como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 23-02-2023, proc. n.º 30/21.9T8PVZ.P1, in www.dgsi.pt: «[…] Os artigos 346.º do Código Civil e 516.º do Código de Processo Civil mandam que na dúvida o juiz decida contra a parte onerada com a prova. Todavia, não existe entre nós norma ordinária ou constitucional que se pronuncie sobre o que deve ser entendido por dúvida, rectius, por dúvida relevante para fazer operar essa consequência.
A nosso ver a prova de um facto num processo judicial e para fins jurídicos é, por princípio, a demonstração de um alto grau de probabilidade (e não de mera possibilidade) de o mesmo corresponder à realidade material dos acontecimentos (dita verdade ontológica). O poder soberano que o Tribunal exerce, impondo às partes, mais que os efeitos jurídicos dos factos, os efeitos práticos da decisão jurisdicional, supõe e exige, como matriz radical da sua própria legitimidade, não uma qualquer probabilidade (apenas mais provável que não) mas um alto grau de probabilidade.
Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz a ideia de que o facto em discussão, mais do que ser possível e verosímil, possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, a um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que, em princípio, se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.
Esta regra carece, contudo, de adequação prática. Trata-se de uma regra que o julgador, com recurso ao bom senso e ao justo equilíbrio das coisas, há-de definir e aplicar caso a caso, em função das exigências de justiça que o mesmo coloca, determinadas a partir de aspectos como o da acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da acção.
Na verdade, se o padrão de prova for particularmente exigente tal pode conduzir à negação dos direitos, na medida em que dificulta a demonstração dos pressupostos de facto do direito. Todavia, a aceitação de um padrão pouco exigente importa precisamente o mesmo risco, na exacta medida em que ao facilitar a prova de quase tudo acaba por contemporizar com estratégias processuais vagas, difusas e pouco sustentadas, seja do lado activo seja do lado passivo da lide e, portanto, potencia a possibilidade de se fazer a prova do que não é verdade, perturbando o reconhecimento dos direitos correspondentes ao que realmente sucedeu. Por conseguinte, caso a caso o juiz deve adequar essa regra – esse grau de exigência – aos contornos da concreta situação que tem para julgar e ao contexto da prova dos factos que a corporizam.
[…] a circunstância de um facto ser verosímil ou possível não significa que o mesmo seja verdadeiro, mas o contrário também é correcto. A vida diz-nos que por vezes ocorrem factos que eram pouco verosímeis ou não ocorrem factos que além de possíveis eram perfeitamente verosímeis. No entanto, o normal é haver verosimilhança no processo causal gerador de um facto, pelo que a maior verosimilhança do facto torna-o mais provável e a menor verosimilhança menos provável. São as regras da experiência que o determinam. Daí que se possa afirmar a seguinte regra probatória não escrita: quanto mais inverosímil e improvável o facto é, à luz da inteligência que rege os comportamentos humanos e das leis das ciências exactas, normalmente reconduzidas às regras da experiência, mais ou melhor prova deve ser exigida.
Quando os factos têm intervenção humana ou resultam de acções humanas é necessário atentar que as pessoas movem-se por interesses, motivações, objectivos, propósitos, emoções, impulsos. Estes são resultado do funcionamento do intelecto da pessoa enquanto animal dotado de razão, consciência, identidade pessoal. Nessa medida, perscrutar a realidade de um facto humano ou com intervenção humana é, antes de mais, averiguar a razão que subjaz a essa actuação, que lhe dá origem e a orienta, e, sobretudo, apurar se a mesma é compatível com o quadro de actuação de qualquer outra pessoa nas mesmas circunstâncias.
Por isso, um dos elementos decisivos para a formação da convicção do julgador é a verosimilhança dos factos sobre os quais recai a controvérsia, ou seja, a pertinência lógica dos mesmos ao domínio dos acontecimentos humanos que por definição possuem motivações apreensíveis, são norteados pela inteligência humana (no sentido de serem comportamentos orientados para um fim compreensível e delineados por processos intelectualmente aptos, mesmo quando são comportamentos asnáticos) e estão de acordo com o que as regras da experiência nos ensinam ser expectável, corresponder ao devir normal.
Comportamentos privados de racionalidade, opostos ou diferentes da actuação que o comum dos cidadãos teria, cuja lógica ou motivação não é sequer perceptível ou se mostra destituída de coerência, são estranhos e como tal, ainda que possíveis, são pouco prováveis, indiciando que ou o comportamento não foi realmente aquele que é afirmado ou o seu objectivo é diferente daquele que se pretende.
[…] Nos termos do artigo 414.º do Código de Processo Civil, havendo dúvidas sobre a realidade de um facto, a decisão deve ser desfavorável à parte a quem o facto aproveita. À outra parte não é exigida a prova do facto contrário, basta-lhe tornar o facto duvidoso. Isso mesmo resulta do artigo 346.º do Código Civil segundo o qual à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos e se o conseguir, rectius, se lograr criar dúvidas sobre a verificação dos factos, a questão é decidida contra a parte onerada com a prova. Por conseguinte, o esforço probatório a produzir pela parte sobre quem recai o ónus de prova é tanto maior quanto maior forem as dúvidas sobre o facto criadas pelos meios de prova produzidos pela parte contrária, mesmo que estes não sejam suficientes para fazer a prova do contrário.
Desse modo, na nossa leitura, numa situação como a que nos ocupa, não existe meio de prova que seja, pela sua própria natureza, isto é, abstractamente, mais valioso que outro, e todos se encontram sujeitos não apenas à livre apreciação do tribunal, como, sobretudo, aos critérios racionais de avaliação epistemológica do seu valor probatório relativo.»
No caso, quer no que importa ao teor da obrigação declarada ao proprietário onerado com a servidão administrativa, quer no que interessa também ao compromisso pela Autora de lograr a autorização do proprietário do prédio para o qual era a transferir o apoio, são justamente as regras da experiência comum e juízos de normalidade, a partir do comportamento de um decisor económico “normal” que corroboram perifericamente os factos atestados em sede de declarações. Com efeito, uma declaração de quase “isenção” dos ónus que caracterizam a colocação de apoio/poste num determinado imóvel por via da constituição de uma servidão, pela sua “excepcionalidade” e relevo ou importância imporia uma redacção bem mais clara, inequívoca ou evidente, não sendo a leitura acrítica e de mero autoconvencimento do sentido da declaração efectivamente entregue, o comportamento esperado de um agente económico profissional ou a conduta previsível de um decisor económico qualificado, sendo que em causa o proprietário de um edifício fabril. Outrossim a imposição à Autora, pela Ré, das diligências e custos relacionados à autorização do proprietário do imóvel para qual era a fazer a transferência corresponde agora ao comportamento racional de um decisor económico experiente, como também a aceitação desse encargo pela Autora, quando se atente no “proveito” para si da desoneração total do seu prédio corresponde, naturalmente, à acção previsível de um agente económico profissional. Donde a credibilização dos factos que correspondem a estas realidades. Na verdade, na medida da excepcionalidade da situação, ainda quando a colocação do poste/apoio o tenha sido sem contrapartida financeira, não é verosímil que os termos da declaração escrita não se reconduzam sem margem para dúvidas à retirada incondicional e gratuita, antes a uma remissão genérica ou geral para um regime legal… Outrossim não se prefigurando para a Ré qualquer vantagem na deslocalização do apoio para outro prédio, sendo certo que carecida de autorização, correspondendo a uma opção/preferência da Autora, o normal é que venha a ser esta a assumir o ónus de obter a autorização pressuposta. Ambas estas realidades estão mais próximas do comportamento normal ou espectável, pelo que não deixam de se constituir como situações indiciárias, que, adicionadas à prova directa, já aludida, justificam a aquisição probatória nos termos em que o foi.
O facto sob 41 emerge sem mais das declarações das já aludidas testemunhas da Ré, sendo que totalmente ausente a prova de uma tal comunicação, com o que evidente a afirmação probatória daquele facto, de resto razoavelmente inócuo ou meramente instrumental.
A impugnação pela Autora do facto sob 44 resulta já da fragilidade e, nessa parte, verdadeira equivocidade, da motivação, por tê-lo sido tão só mediante a reprodução do teor de declarações em audiência, sem concreta apreciação crítica do resultado probatório a partir delas.
Sempre se reconhece que os termos da motivação são susceptíveis de revelar uma aparente contradição entre aquele facto e a implícita convicção subjacente, melhor se dirá persuasão insinuada ou latente, que não também efectivamente declarada, como é de boa técnica quando se trata de justificar aquisições probatórias. Assim, a da convicção pela Autora de que a Ré retiraria sem custos e mediante mero pedido ou solicitação o apoio ou poste do lugar onde se encontrava…
Nessa medida, aparentemente contraditória a demonstração sob o facto 44 da consciência pela Autora de que a mudança do apoio era necessariamente a realizar para outro lugar do mesmo prédio e a custear por si…
Desde logo, configurando-se a sentença como um acto jurídico não negocial, nos termos e para os efeitos do artigo 295º do CC, passível de interpretação, de acordo com as regras gerais da determinação do conteúdo e significado dos negócios jurídicos; donde cabível o recurso ao contexto global da declaração (do facto demonstrado, pois), em termos de se reconduzir o facto provado e adquirido apenas e só à consciência necessária pela A. de que o modo como desenhou a implantação da fracção C implicava a mudança do apoio, posto que no espaço daquele.
A partir, pois, da conjugação entre facto provado e fundamentação, possível a aquisição daquele sentido útil e não contraditório do facto.
De todo o modo, vista já a posição da Recorrida quanto aos termos da impugnação, discutível agora a necessidade de “ampliação” ou declaração efectiva da falta de consciência pela Autora daquela realidade, como pressuposta na motivação…
E é quando se vem a revelar a total inutilidade do facto, em termos de não se impor qualquer correcção ou ampliação dos factos provados ou não provados, no que importa àquela consciência ou convicção pela Autora.
Na verdade, o único facto susceptível de relevar vinha a ser o da vontade real ou efectiva subjacente à declaração pela Ré havida como assente sob 47, para além da declaração mesma ali transcrita. Assim: a de que a Ré se comprometia à retirada “incondicional” e sem custos do apoio.
Ora, prova absolutamente ausente de uma tal realidade, pela total contradição da prova que podia relevar quanto a essa questão: as declarações do anterior proprietário e filho, no confronto com as dos responsáveis da Ré pela implantação/alteração da linha e a inconcludência da declaração mesma a caracterizar a assunção de uma tal obrigação. Do ponto de vista, repete-se, da demonstração da vontade real, que vem a ser a única cuja sede o é a da matéria de facto. Na verdade, toda a argumentação da Recorrente quanto ao “sentido” que um declaratário normal atribuiria à declaração da Ré, em apreço, vem a ser já relativa à interpretação da declaração, a qual se constitui como uma questão de direito, que não como um problema de facto.
Agora, notoriamente falha, decisivamente, como se anota na motivação da sentença, nessa parte certeiramente, a prova de uma tal realidade assumida/declarada pela Ré ao anterior proprietário, pela inconcludência da declaração que a documenta.
Nessa medida, queda-se inócua agora a convicção pela Autora de que a declaração comporte ou não um tal sentido… Irreleva, já que não é essa convicção que torna ou não o comportamento pretendido exigível, mas efectivamente o âmbito da obrigação assumida pela Ré, corporizada na declaração que caberá interpretar.
Donde, perfeitamente anódino o facto sob 44, a que, coerentemente com a fundamentação, apenas se pode atribuir o sentido lapalissiano já referido, mantendo-se.
Não se tem agora por caracterizada, finalmente, a insuficiência da matéria de facto à decisão, nomeadamente por não ser inteiramente exacto que os factos constantes da motivação jurídica e não precisamente coincidentes com a redacção respectiva não estejam já “acolhidos” na matéria assente.
Ora, ainda que se da interpretação dos factos provados, o tribunal a quo tiver retirado conclusões que esses factos não lhe permitiriam ou não lhe permitiam na sua totalidade, que vem a ser, justamente, o caso que temos por prefigurado nos autos agora, estamos ainda perante erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e não perante qualquer nulidade da sentença.
Ora, a consideração na sentença, em sede de fundamentação jurídica, dos factos a cuja “ausência” do elenco dos provados se reconduz a Recorrente entende-se resultar antes de uma narrativa da realidade espelhada nos factos provados, inferindo-se tê-lo sido a partir já da convicção, sem reflexo exacto na redacção do elenco dos factos assentes. A evitar, pois, sendo que caberá sempre que os factos considerandos o sejam os próprios adquiridos. Aliás, se o juiz entender que outros (porventura mais significativos ou relevantes) são os que emergiram,
De todo o modo, permanece irrelevante à decisão jurídica da causa aquela “interpretação da realidade”, com o que não é caso de ampliar os factos (provados ou não provados) respectivos, desatendendo-se agora àquele segmento ou considerações…

2.
Quando se considerem agora os pedidos deduzidos e a argumentação pela Recorrente, caberá afrontar, basicamente, dois problemas, coenvolvendo o primeiro deles uma outra questão:
- o do direito à retirada do apoio e poste implantados no prédio da Autora e a decisão sobre a quem cabe suportar os encargos ou despesas respectivos;
- apurar se a actuação da Ré se revelou ilícita e culposa, de modo a gerar, na esfera jurídica da Autora, o direito a ser indemnizada pela necessidade de submeter novo pedido de comunicação prévia para a realização das obras pretendidas executar e ademais pelo rendimento que deixou de auferir com o arrendamento da fracção que estava autorizada a implantar, entre o momento da citação e a efetiva realização dessa alteração/retirada do apoio e poste que impedem a concretização da obra.
Para melhor compreensão dos interesses em conflito, importa transcrever, tal como se fez na sentença recorrida, parte do Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de novembro de 1960, diploma que continua a reger a matéria em apreço: «8. A expansão das redes de alta tensão, condição essencial do desenvolvimento da eletrificação das povoações rurais, tem dado origem a conflitos cada vez mais frequentes entre a obrigação dos concessionários de construírem e manterem essas linhas e os direitos dos proprietários dos terrenos atravessados.
A legislação vigente, que impõe aos proprietários, ainda que com certas restrições, o dever de suportar a servidão de passagem das linhas, mediante justa indemnização pelos prejuízos causados, garante-lhes, todavia, o direito de exigir a remoção dos elementos da linha sempre que pretendam executar obras de construção, reparação ou ampliação.
À sombra deste direito, têm-se, porém, verificado abusos, forçando deslocações de traçados para permitir pequenas construções que, sem prejuízo sensível, poderiam ser erguidas algumas dezenas de metros mais à direita ou à esquerda.
Por outro lado, as linhas elétricas de transporte e distribuição de energia desempenham uma função de interesse público que ultrapassa em muito as conveniências dos respetivos concessionários. As principais artérias da rede elétrica nacional, especialmente as de tensão igual ou superior a 60 kV, não podem estar sujeitas a frequentes deslocações, sob pena de inconvenientes técnicos e de irregularidades no abastecimento de energia. Cumpre, evidentemente, respeitar o direito de propriedade, mas também subordiná-lo ao interesse público.
Restringe-se agora, prudentemente, o direito de exigir a remoção de linhas, que se reconhecia com excessiva latitude: mantendo-o intacto quando o seu exercício não seja fruto de mero capricho e não acarrete inconvenientes técnicos; condicionando-o, em certos casos, ao pagamento de uma indemnização moderada; e proibindo-o quando tais inconvenientes tornem desaconselhável a deslocação da linha ou se ao proprietário não convenha o pagamento da referida indemnização.»
Feita esta contextualização, avancemos para o caso concreto, começando pela análise da disciplina legal aplicável.
Conforme resulta do referido Decreto-Lei n.º 43335/1960, a relação que se estabelece entre o concessionário da rede eléctrica e o proprietário dos terrenos atravessados pelas linhas é de natureza extracontratual[8], uma vez que decorre da existência de uma entidade concessionária que, para exercer a sua atividade, necessita de fazer passar as linhas elétricas pelo espaço de prédios pertencentes a particulares. Ainda assim, a lei impõe a todos os sujeitos jurídicos o dever de respeitar o direito de propriedade, conforme consagrado no artigo 1305.º do Código Civil.
A relação jurídica entre as partes não deriva, pois, de qualquer contrato, o que exclui o domínio da responsabilidade contratual.
Sem discussão este aspecto na situação decidenda, quando se atente já no facto de não ter resultado caracterizada/provada/demonstrada, pelas razões melhor expostas em sede de matéria de facto, a assunção de um compromisso (de natureza unilateral) pela Ré, quanto à obrigação de retirada/mudança incondicional ou ad nutum do proprietário do prédio onerado/serviente e sem encargos.
É que bem assim, agora por interpretação da declaração reproduzida em 47 dos factos assentes, não resulta, independentemente da vontade real subjacente à corporização da obrigação declarada/assumida, que daquele documento se extraia uma tal vinculação ou obrigação.
Na interpretação das declarações negociais, à luz dos art. 236º e seguintes do CC, deve o intérprete considerar a letra da declaração, no quadro das circunstâncias de tempo, de lugar, e de outras, que precederam a sua emissão ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, ou seja, a finalidade prática visada pelas partes e o próprio tipo ou natureza do relacionamento que justifica a declaração.
Pese embora seja revelante o elemento literal do contrato, as regras linguísticas e gramaticais são, por si só, insuficientes para interpretar negócios jurídicos e, naturalmente, declarações unilaterais que prefigurem actos jurídicos não negociais, razão por que a doutrina foi desenvolvendo teorias jurídicas de tal interpretação, consagrando a lei que uma declaração negocial deve ser interpretada com o sentido que seria apreendido por um “declaratário normal” – um homem honesto medianamente instruído e diligente - colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, sendo que, para alcançar a “impressão do destinatário”, deve atender-se aos diversos elementos disponíveis que traduzem o contexto em que a declaração foi emitida.
Ora, atente-se desde logo na ausência de alegação pela Aurora mesma dos factos que corresponderiam ao contexto da declaração… Não basta, afigura-se-nos, que não tenha havido uma contrapartida económica para a instalação do apoio[9], sendo certo que o teor literal da declaração induz que não esteve em causa uma situação excepcional, mas uma pura e simples recondução ao regime legal.
Tudo para dizer que não tem o mínimo de correspondência na letra da declaração aprecianda a pretendida vinculação da Ré a uma mudança do lugar/situação/implantação do apoio e poste sem verificação dos requisitos legais gerais e em qualquer caso mediante o assumir dos custos pela Ré.
A um tempo, reconduzidos, pois, como adiantado ao quadro do relacionamento extracontratual e ao regime legal respectivo, quedando-se sem significado autónomo o teor da comunicação/declaração sob 47.
Não obstante o proprietário gozar, em exclusivo e plenamente, dos poderes de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, os interesses gerais da comunidade podem impor restrições a tais poderes dominiais. Assim o reconhece o artigo 1308.º do Código Civil, ao dispor que, “nos casos previstos na lei”, o proprietário pode ser privado, no todo ou em parte, dos seus direitos, assistindo-lhe, então, o direito a justa indemnização (artigo 1310.º do mesmo Código).
O litígio dos autos inscreve-se precisamente neste domínio das restrições ao direito de propriedade impostas por razões de interesse público, concretamente pela necessidade de distribuição de energia elétrica à população.
Ao remeter o artigo 1308.º do Código Civil a regulamentação destas restrições para legislação especial, resulta que a disciplina aplicável não se encontra no próprio Código, mas sim no Decreto-Lei n.º 43335/1960, que contém as regras específicas para esta matéria[10].
A Ré é uma empresa que, como concessionária do serviço público de produção, transporte e distribuição de energia elétrica, beneficia do reconhecimento da utilidade pública das suas instalações (v. art. 1 do DL 43335 de 19/11/60).
Conforme resulta do disposto no art. 51º, 2º desse diploma, a Ré tem o direito, nomeadamente, a aceder a terrenos que não lhe pertençam e montar nesses prédios os necessários apoios, sempre que isso se mostre necessário ao cumprimento das suas funções.
No entanto, decorre do § 1º do mesmo preceito que tais direitos só poderão ser exercidos quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação, licenciamento este que se encontra regulado no DL 26852 de 30/6/1936, alterado pelo DL 446/76 de 5/6 e portaria nº 344/89 de 13/5.
Destes diplomas decorre pois que a Ré beneficia do direito de servidão administrativa.
Na verdade, conforme escreveu Marcello Caetano (in Manual de Direito Administrativo, vol. II, pág. 1052) servidão administrativa é o encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa.
Podia assim a Ré fazer passar pelo terreno da A. (dos seus antepossuidores), como fez, as linhas de transporte de energia (em AT), bem como montar no mesmo os necessários apoios, não obstante a discordância dos respetivos proprietários, posto que titular da necessária licença, já emitida, como provado[11].
Assim, na situação em análise a Ré colocou um apoio e poste no prédio dos anteriores proprietários do imóvel da A, ocupando nesse terreno o espaço necessário a tal implantação, o que fez dispondo da respetiva licença de estabelecimento[12], com o que, na data em que o poste foi implantado no prédio da A. a servidão administrativa já se encontrava regularmente constituída.
Impondo-se, pois, à A., na qualidade de proprietária do prédio onerado o dever de suportar a implantação do poste de suporte das linhas de transporte da energia eléctrica.
A A. sustenta, a um tempo, que tem direito à deslocação do apoio e poste implantados no seu prédio, sem ter de suportar quaisquer custos e bem assim que tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos decorrentes da alegada actuação culposa da Ré, por ter demorado excessivamente na deslocação do poste, que a impediu de edificar ou construir uma outra fracção no prédio e arrendá-la e mais a obriga, para o efeito, à apresentação novamente de uma participação que viabilize a construção, cujo custo reclama.
Ora, o diploma que rege a situação em causa estabelece, no seu artigo 43.º, o seguinte: “Os proprietários dos terrenos atravessados por linhas de alta tensão terão sempre o direito de exigir do concessionário, sem qualquer indemnização, o afastamento ou substituição dos apoios das linhas quando tal se torne necessário para a realização de obras de ampliação em edifícios existentes, desde que destas não resulte alteração do fim a que os mesmos se destinam. Parágrafo único – Quando o proprietário do terreno for o próprio consumidor servido diretamente pela linha de alta tensão, o direito referido neste artigo só poderá ser exercido mediante o pagamento da indemnização prevista no corpo do artigo seguinte.”
E no artigo 44.º, complementa-se: “No caso de construção de novos edifícios ou de ampliação de edifícios existentes, em condições diferentes das previstas no artigo anterior, o direito referido no mesmo artigo fica condicionado ao pagamento prévio de uma indemnização ao concessionário, equivalente a metade do custo das indispensáveis modificações a efetuar nas linhas. § 1.º – Não haverá lugar à indemnização prevista no corpo do artigo se a fiscalização do Governo verificar que as características do terreno não permitem a execução da obra projetada com outra localização. § 2.º – Se a tensão das linhas for igual ou superior a 60 kV, não poderá o proprietário exigir a deslocação dos apoios, se a fiscalização do Governo a considerar tecnicamente inconveniente. § 3.º – (…)”
Da leitura destas disposições resulta que a lei reconhece aos proprietários o direito de exigir a deslocação dos postes em determinadas circunstâncias, garantindo-lhes, porém, proteção apenas quando o pedido se funde em obras de construção ou ampliação de edifícios. A letra da lei é inequívoca: o direito à deslocação dos apoios é conferido quando se trate de edifícios novos ou em ampliação.
Ora, em causa uma obra desta natureza, não importando decisivamente se em causa construção de edifício novo ou ampliação, porquanto correspondendo-lhe o mesmo regime.
Novamente cabe citar o preâmbulo do decreto-lei, por ser particularmente elucidativo quanto às finalidades tidas em vista pelo legislador: “Restringe-se agora, prudentemente, o direito de exigir a remoção de linhas, que estava reconhecido com demasiada latitude: mantendo-o intacto quando se mostre que o seu exercício não provém de simples capricho e que dele não resultam inconvenientes de ordem técnica; condicionando-o, em certos casos, ao pagamento de uma indemnização relativamente moderada; proibindo-o, se os inconvenientes de ordem técnica tornarem desaconselhável a deslocação da linha ou se ao proprietário não convier o pagamento da indemnização referida.”
O espírito do legislador foi, pois, o de equilibrar os interesses do proprietário e da concessionária, permitindo a deslocação dos apoios sempre que o interesse do primeiro o justificasse e não houvesse inconvenientes técnicos relevantes.
Ora, os fundamentos que podem justificar a deslocação do apoio e poste — a afectação da utilidade e fruição do prédio — são substancialmente idênticos, quer se trate da construção ou ampliação de edifícios, quer da implementação de estruturas ou equipamentos indispensáveis à otimização da exploração fabril, como se poderia problematizar no caso vertente. Ambos se enquadram na lógica de melhoria e aproveitamento racional do prédio.
Em conclusão, o artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 43335/1960 confere ao proprietário o direito de exigir a deslocação das linhas quando pretenda construir ou ampliar edifícios, mediante o pagamento prévio de metade do custo das modificações.
O n.º 1 do artigo 44.º condiciona o exercício desse direito ao pagamento da referida indemnização, salvo se — nos termos do § 1.º — a autoridade administrativa competente reconhecer que as características do terreno não permitem executar a obra noutro local, hipótese em que o proprietário fica isento de qualquer pagamento.
Não resultou caracterizada esta hipótese, desde logo, pelas razões melhor expostas em sede de conhecimento da impugnação da matéria de facto…, sendo certo que mais afastada também a reclamada assunção da obrigação de mudança de localização sem despesas por via da declaração pela Ré, conforme supra analisada.
Por outro lado, cabe ao proprietário — como interessado na deslocação — promover os procedimentos legais aí previstos, promovendo o consenso com a concessionária para determinação do custo das modificações, e, na falta de acordo, instaurar o competente processo de arbitragem destinado à fixação desse custo, conforme previsto no § 3.º do artigo 44.º, que remete para os procedimentos descritos nos artigos 38.º a 42.º do mesmo diploma.
Por conseguinte, cabia à Autora tomar a iniciativa de expor a situação à Ré e de a convidar à negociação, procurando uma solução consensual. E, não sendo possível o acordo, incumbia-lhe desencadear o procedimento arbitral previsto na lei.
Ora, entendendo a Autora que, atendendo às características do terreno, a deslocação se enquadrava na isenção prevista no § 1.º do artigo 44.º, deveria igualmente dirigir requerimento à entidade administrativa competente, instruído com os elementos necessários, para que esta apreciasse se a construção só poderia ser efetuada naquele local, ou se existiam alternativas técnicas viáveis que evitassem a deslocação dos postes.
Nada disto foi feito. A Autora formulou apenas a pretensão de retirada/alteração da localização, com fundamento na sua pretensão de construir o edifício projectado, sem promover qualquer dos procedimentos legalmente previstos.
Quanto, pois, às consequências desta omissão quanto à sua pretensão indemnizatória, fundada na alegação de que a Ré agiu com negligência ao não proceder, com a celeridade devida, à deslocação do apoio e poste, temos para não resultar caracterizada na situação decidenda a ilicitude e, decisivamente, a culpa da Ré na não alteração da localização.
Tendo a Autora deixado de observar as formalidades legais, ao omitir o procedimento adequado, colocou a questão fora do quadro legal regulador, situando-a num domínio não previsto expressamente na lei. Nestas condições, a Ré agiu dentro dos limites da diligência que entendeu adequada ao caso concreto.
A negligência consiste na violação de um dever de cuidado ou de diligência[13]. Ora, para que a conduta da Ré possa ser tida por negligente, seria necessário identificar qual o dever jurídico que teria sido violado.
Dir-se-á que deveria ter agido com maior rapidez. Contudo, mesmo admitindo a existência de um dever geral de diligência na salvaguarda dos interesses patrimoniais de terceiros, os factos provados não permitem concluir que a Ré tenha atuado de forma culposa.
Com efeito, a Autora apresentou o pedido de deslocação, sem, porém, o instruir com qualquer proposta de traçado alternativo ou elementos técnicos que o fundamentassem. Perante tal pedido, ausente a prova de qualquer insistência ou diligência após o requerimento inicial, a Ré teve de realizar levantamento topográfico e estudo local, indispensáveis à definição do novo traçado da linha e da localização do apoio.
Resultou demonstrado que o fez, resultando duas localizações alternativas propostas (dentro do prédio da A. e sem discutir a Ré a possibilidade de a construção mesma o ser noutro lugar, com o que aparentemente disponível a acautelar o maior interesse da Autora), sendo que, a dado passo, por ser da conveniência da Autora, foi colocada a possibilidade de deslocação para fora do prédio da Autora, o que exigiu novo estudo dessa possibilidade e, decisivamente, exigia uma série de processos jurídico-materiais mais complicados, assim a autorização da proprietária do prédio a onerar então. Ora, no quadro dessa possibilidade vantajosa para a Autora, esta assumiu o encargo de lograr a autorização/consentimento da proprietária do prédio no qual a Ré verificara anteriormente a viabilidade técnica de instalação do apoio e poste a deslocar do prédio da A… Ficou, pois, a Ré a aguardar o resultado dessa diligência pela Autora, sendo que dos autos não resulta qualquer comunicação pela Autora à Ré da frustração daquela autorização/consentimento, nem também uma nova pretensão de deslocação, em função da impossibilidade entretanto verificada…
A demora na resolução de uma situação desta natureza, que demandou, perante a não instrução do processo pela Autora, estudo técnico prévio, como a formulação de hipóteses sucessivas que melhor correspondessem às objecções e pretensões da Autora (o que se infere dos factos provados, na medida da apresentação de 2 soluções alternativas e, finalmente, da anuência pela Ré ao estudo de uma localização num outro prédio). Assim, o tempo decorrido não pode, só por si, ser interpretado como falta de diligência.
Não consta dos autos qualquer elemento que permita concluir o que, concretamente, era necessário realizar em termos de trabalhos técnicos e operacionais para o apuramento de soluções alternativas para a relocalização pretendida, nem quanto tempo seria, em condições normais, exigível à Ré para concluir tais tarefas.
A inexistência de informação sobre os recursos humanos e técnicos mobilizados — próprios ou contratados — impede o tribunal de aferir se foi ou não o prazo de resposta adequado ou razoável.
Cumpre recordar que, nos termos dos artigos 264.º, n.º 2, e 664.º do Código de Processo Civil, incumbe às partes a instrução do processo, devendo o tribunal basear-se apenas nos factos alegados e provados, podendo atender oficiosamente apenas aos factos notórios, instrumentais ou resultantes da discussão da causa.
Não se esqueça que a carta/missiva pela Ré que corporiza a proposta “final” (na sequência da intenção/pretensão da Autora de retirada da poste do seu prédio e instalação em terreno alheio, a implicar a extinção da servidão que o onerava) vem a sê-lo após a apresentação anterior (cuja concreta ocasião não resulta apurada) de alternativas de relocalização no mesmo prédio…
Acresce a assunção pela Autora da obrigação de lograr a “parte de leão” da entretanto “combinada” transferência: a autorização da proprietária da parcela na qual era a executar a relocalização.
Sempre não alegada a oportuna e tempestiva comunicação pela A. à Ré da frustração daquela possibilidade, por falta da autorização respectiva, em termos de reiniciar o processo tendente à transferência do poste e apoio.
Tudo para dizer que não resulta, a um tempo, o incumprimento pela Ré da sua “obrigação” de relocalizar o apoio e poste, mediante a não aquisição, desde logo, da impossibilidade da construção/ampliação pela A. noutro local do seu prédio do edifício projectado, com o que sequer demonstrado o pressuposto legal da “obrigação” de relocalização ou transferência e, assim, a ilicitude do comportamento mesmo.
Ainda que, em obediência agora a juízos de boa fé, atento o comportamento pela Ré no sentido de ter por justificada e possível a alteração de localização como pretendida (deixando livre o espaço ocupado pelo poste e apoio, viabilizando a construção como querida), se tenha por afirmada a “obrigação” de proceder à relocalização daqueles, não está adquirido nos autos que esta não o tenha sido por via de qualquer comportamento negligente da Recorrida.
Deste modo, não se demonstrou qualquer conduta negligente da Ré suscetível de gerar responsabilidade civil pelos alegados prejuízos da Autora.
Não há, pois, base factual que permita imputar à Ré qualquer atuação ilícita ou culposa que tenha causado danos à Autora.
Improcede, assim, o recurso interposto pela Autora, ainda quanto à pretensão de condenação da Ré a proceder à “retirada”/mudança de local do poste e apoio e à declaração de que tal mudança não está sujeita ao pagamento de qualquer quantia pela Autora.
Como se deixou assinalado, a matéria atinente à deslocação de apoios das redes elétricas encontra-se sujeita a um procedimento próprio e específico, regulado nos artigos 43.º e 44.º do Decreto-Lei n.º 43335/1960, que estabelece o modo e as condições em que o proprietário pode exigir a alteração do traçado das linhas.
De acordo com o referido regime, quando o proprietário exige a deslocação dos postes, poderá ocorrer que o mesmo fique responsável pelo pagamento prévio à concessionária de metade do custo da obra — mas tal obrigação depende da observância dos procedimentos formais previstos na lei, designadamente da apreciação, pelas autoridades administrativas competentes, sobre a existência ou não de fundamento para a isenção desse pagamento.
Com efeito, dispõe o § 1.º do artigo 44.º que o proprietário fica isento de qualquer indemnização “se a fiscalização do Governo verificar que as características do terreno não permitem a execução da obra projetada com outra localização”.
Ora, no caso concreto, tal procedimento prévio não foi desencadeado pela Autora, que, não o promovendo, inviabilizou a possibilidade de verificação administrativa de que a obra — a deslocação dos apoios — poderia, ou não, ser evitada, e de se apurar se existia fundamento para eventual comparticipação do proprietário nos custos.
Importa recordar que o valor da obra só se tornaria determinável após a definição do novo traçado. Conhecido o custo, o proprietário poderia optar por desistir da pretensão, caso não lhe conviesse o pagamento da indemnização correspondente.
Neste ponto, o artigo 45.º do mesmo diploma é claro ao dispor que:
“Se não lhe convier o pagamento da indemnização prevista no artigo anterior, ou se se der o caso previsto no § 2.º do mesmo artigo, o proprietário poderá requerer (…) que o concessionário lhe adquira pelo justo valor o prédio atravessado pelas linhas.”
Deste modo, a falta de promoção do procedimento administrativo pela Autora inviabilizou a formação do seu eventual direito a não ter de custear a obra, dependente já de a autoridade competente concluir que, dadas as características do terreno e a natureza do equipamento em causa, a obra não poderia ser executada noutro local, situação que isentaria o proprietário de qualquer pagamento.
Em síntese e como conclusão deste segmento: Não tendo sido observado o procedimento prévio imposto pelos artigos 44.º e 45.º do Decreto-Lei n.º 43335/1960, no qual se deveria ter apurado se a indemnização era ou não devida e, sendo-o, qual o respetivo montante. Acresce que, ainda que se entendesse admissível apreciar agora a questão da dispensa do pagamento, não existem nos autos factos provados suficientes que permitam sequer afirmar a inexistência de um crédito indemnizatório a favor da Ré.
Efectivamente, não foi demonstrado que a deslocação pudesse ser evitada, nem que a sua execução decorresse apenas de mera conveniência do Autor, e não de impossibilidade técnica de realização da obra sem a remoção do apoio e poste. É que, como é sabido, da mera falta de prova de um facto não se infere a prova do respectivo contrário.
Não pode, pois, proceder qualquer das pretensões da Autora, como se decidiu na sentença recorrida.






III.

Face a todo o exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se integralmente a decisão absolutória recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique.













Porto, 13 de Novembro de 2025

Isabel Peixoto Pereira
Paulo Duarte Mesquita
Judite Pires

________________________________________________
[1] As conclusões anteriores (sob 1 a 4) referem-se a questão prévia oportuna e definitivamente apreciada pelo tribunal recorrido, com o que inócuas ao âmbito do presente recurso.
[2] Ob. citada, págs. 274 e 277.
[3] AA e BB.
[4] Acresce, muito embora reportando-se já a uma diminuição da área projectada, a declaração junta aos autos (referida na motivação como junta a fls. 22) e da autoria do aludido engenheiro AA, convocada aliás na motivação do tribunal, quanto à possibilidade da construção junta aos autos.
[5] Destes depoimentos não resultou, o que não deixa de ser curioso, que a Autora tivesse argumentado alguma vez a impossibilidade legal de construir na área livre e disponível da parcela C, mas antes que a totalidade das “objecções” por aquela apresentada às alternativas propostas iam antes e apenas relacionadas com aspectos de menor praticidade ou  conveniência ou diminuição de outras valências pretendidas para a “unidade fabril”, numa tentativa de “atirar” o apoio/poste para fora do prédio…
[6] Sempre de forma coarctada ou esparsa, sem atentar na globalidade e contexto dos segmentos reproduzidos.
[7] Reportando-se já sob a conclusão 18 à ausência de indicação de prova nessa parte, não aduz a Recorrente a nulidade emergente da falta de fundamentação, que não se verifica, tanto mais que em sede de motivação se alcança, quando menos por inferência lógica, a causa da convicção quanto aos concretos pontos da matéria de facto impugnada.
[8] Cfr. sobre a distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual, Manuel de Andrade, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. I, pág. 127, Coimbra/1987.
[9] Segundo o preceituado no art.º 37.º daquele DL n.º 43.335, “Os proprietários dos prédios onerados com este tipo de servidões têm direito a indemnização, sempre que da ocupação resulte a redução do rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos decorrentes da construção das linhas”. Estatuindo o art.º 38.º desse mesmo DL que o valor das indemnizações será determinado por comum acordo entre as duas partes e, na falta dele, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados, o que não ocorreu no caso em apreço.
[10] Assim é que, pese embora a revogação pelo Decreto-Lei n.º 15/2022, este não rege a situação sob apreciação, mantendo outrossim em vigor o referido regime, nas situações criadas ao abrigo do mesmo.
[11] Nem mesmo para a obtenção dessa licença é necessária tal autorização em face do disposto no art. 16º, nº 3 do mencionado DL 26852, com a redação do DL 446/76, uma vez que, como decorre dessa norma, só é exigida a junção de autorização dos proprietários para obtenção da licença quando as instalações a executar não gozem de declaração de utilidade pública, o que não ocorre no caso em apreço.
[12] Nos termos do artigo 51.º Dec. Lei nº 43335, de 19 de Novembro de 1960: a declaração de utilidade pública confere ao concessionário, entre outros, o direito de atravessar prédios particulares com canais, condutas, caminhos de circulação necessários à exploração, condutores subterrâneos e linhas aéreas, e montar nesses prédios os necessários apoios (2.º) .Significa, pois, que as Licenças emitidas correspondem a declaração de utilidade pública e são títulos constitutivos da servidão administrativa. Por sua vez, o § 1.º do artigo 51.º do referido diploma, estes direitos só poderão ser exercidos quando o concessionário tiver obtido a necessária licença de estabelecimento da instalação respectiva e sempre com as restrições impostas pelos regulamentos de segurança e pelo Regulamento de Licenças para Instalações Eléctricas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26852, de 30 de Julho de 1936.
[13] No âmbito da negligência cabem em primeiro lugar os casos «Em que o autor prevê a produção do facto ilícito como possível, mas por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria crê na sua não verificação e só por isso não toma as providências necessárias para o evitar», assim como se compreendem os casos «em que o agente não chega sequer, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, a conceber a possibilidade de o facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse a diligência devida» - Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4.ª edição, pág. 491 e 492 .