Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | MANUEL DOMINGOS FERNANDES | ||
| Descritores: | INTEGRAÇÃO NO PERSI COMUNICAÇÃO AO FIADOR EXCEÇÃO DILATÓRIA INOMINADA | ||
| Nº do Documento: | RP20251027167/24.2T8AGD-A.P1 | ||
| Data do Acordão: | 10/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A integração no PERSI e a sua extinção devem ser comunicadas pela instituição de crédito ao cliente/devedor incumpridor através de comunicação em suporte duradouro, tal como decorre dos arts. 3º, al. h), 14º, nº 4, e 17º, nº 3, do DL 227/2012, de 25 de outubro. II - Quanto ao fiador, a instituição de crédito tem de informar o fiador do incumprimento do devedor principal, e interpelá-lo ao cumprimento e ainda informá-lo que pode solicitar a sua integração no PERSI, quais as condições para que tal ocorra e ainda que está obrigada a integrar esse fiador no PERSI, caso este o solicite, (cf. art.º 21º, nºs 2 e 2 do citado D. Lei). III - Comprovada a existência do “suporte duradouro” contendo o teor da comunicação exigida pelo regime legal do PERSI, é admissível o recurso a qualquer meio de prova para comprovação complementar do cumprimento da obrigação da entidade bancária de levar ao conhecimento do destinatário o seu teor. IV - Tendo o executado contraditado o envio das cartas simples, a mera junção aos autos de cópia das cartas não atesta o efetivo cumprimento das exigências formais de integração no PERSI e da subsequente extinção do procedimento, por estarem em causa declarações recetícias que implicam a demonstração do envio e receção desses suportes, verificando-se, assim, a exceção dilatória inominada de incumprimento das condições de procedibilidade da execução. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 167/24.2T8AGD-A.P1-Apelação Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro-Juízo de Execução de Águeda Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes 1º Adjunto Des. Dr. José Eusébio Almeida 2º Adjunto Des. Dr.ª Anabela Mendes Morais Sumário: ……………………………… ……………………………… ……………………………… * Acordam no Tribunal da Relação do Porto:I-RELATÓRIO Por apenso à execução que A..., SA lhes moveu, vieram os executados AA e BB deduzir os presentes embargos de executado, alegando, para tanto e em síntese de que se constituíram fiadores nos contratos de mútuo apresentados como títulos executivos. O imóvel que foi hipotecado em garantia do cumprimento das obrigações ali contraídas foi vendido no âmbito do processo executivo n.º ..., em 09.07.2018, pelo valor de 50.752,80€. Em fevereiro de 2019, o mutuário foi declarado insolventes. Acontece que, só tiveram conhecimento da insolvência e da venda do imóvel aquando da citação para a presente execução, em 2 de fevereiro de 2024, sendo que, nunca lhes foi endereçada qualquer interpelação admonitória por parte da exequente ou pelo banco cedente, nem lhes foi dado conhecimento de que poderiam solicitar a sua inserção no PERSI, tendo sido violado o dever de informação. Mais invocam a prescrição do capital reclamado, referindo que tendo o banco cedente apresentado a reclamação de crédito no processo executivo ... em 30.01.2017 e sido vendido o imóvel em 09.07.2018, desde aquela data que não foram realizados quaisquer pagamentos por conta dos contratos de mútuo, pelo que a data de incumprimento se situa o dia 30.01.2017, razão pela qual tendo tido apenas conhecimento dessa situação de incumprimento em 02.02.2024 e 07.02.2024, o crédito exequendo prescreveu em 30.01.2022. Invocam, também, a prescrição da totalidade dos juros de mora, nos termos da alínea d) do artigo 310 do Código Civil. * Admitidos liminarmente os embargos de executado, foi notificada a exequente para deduzir contestação, o que fez.Quanto ao PERSI, alegou que foi comunicado, a cada um dos fiadores, por carta simples datada de 03.05.2017, o incumprimento contratual e foi feito o pedido para regularização da importância em dívida e ainda a possibilidade de solicitarem serem inseridos no PERSI. O Banco cedente considerou efetuada a interpelação aos fiadores, pelo que não tendo sido regularizada a dívida nem tendo os embargantes requerido a sua inserção no PERSI, não se verifica tal exceção. No que toca à prescrição, alega que o banco cedente considerou os contratos resolvidos em 19.05.2017, após o envio das cartas acima mencionadas. Tendo a execução sido instaurada em 20.01.2024, o direito de crédito da exequente não se encontrava prescrito, porque se encontra sujeito ao prazo ordinário de prescrição, de 20 anos. Acresce que, o banco cedente foi citado para reclamar o seu crédito no âmbito do processo de execução n.º ..., o que fez em 30.01.2017, tendo o prazo de prescrição ficado interrompido até ao trânsito em julgado da decisão de adjudicação do imóvel penhorado, o que sucedeu em 07.06.2018. * Realizou-se a audiência prévia, onde se fixou o objeto do litígio e se identificaram os temas da prova.* Teve lugar a audiência de julgamento que decorreu com observância do legal formalismo.* A final foi proferida decisão que julgou procedentes os embargos determinando, por consequência, a extinção da execução.* Não se conformando com o assim decidido veio a exequente interpor recurso, concluindo as suas alegações pela forma seguinte:(i) Julgou o Tribunal a quo verificada a exceção dilatória inominada de incumprimento das condições de procedibilidade da execução, por considerar que a Recorrente não logrou a prova que lhe competia de ter cumprido com o procedimento PERSI junto dos fiadores, o que devia fazer mediante a prova do efetivo envio e recebimento das comunicações destinadas à comunicação da possibilidade de solicitar a sua integração no PERSI aquando a verificação do incumprimento do contrato ao qual prestaram fiança. (ii) A Recorrente procedeu à junção das comunicações impostas no que concerne ao regime do PERSI, delas resultando o seu envio aos Embargantes, porém sem recurso a qualquer registo de correio comprovativo do seu envio ou receção; (iii) O entendimento que o suporte duradouro no envio das cartas deve ser feito pela demonstração do efetivo envio e receção das comunicações não colhe o devido acolhimento na letra e espírito da Lei, nomeadamente no Decreto Lei que regulamenta este procedimento; (iv) Suporte duradouro é pois ‘‘é qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.”, não resultando qualquer menção expressa à exigência de comprovativo postal de envio e receção das missivas; (v) Onde o legislador pretendeu o menos não pode o julgador exigir o mais, vinculando o credor, in casu a Recorrente, ao cumprimento de um ónus, com as graves consequências que advêm do incumprimento, que não era legalmente exigido à data do envio das comunicações. (vi) Entendimento que tem vindo a ser sufragado pela Jurisprudência, nomeadamente, que se o Legislador pretendesse que a prova do cumprimento do procedimento estivesse dependente de registo postal, tê-lo-ia feito de modo expresso, o que, como muito evidenciado, não aconteceu. (vii) Relembra-se sobre esta temática o teor dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 05 de novembro de 2018, proferido no âmbito do Processo n.º 3413/14.7TBVFR-A.P1, os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 21 de maio de 2020 proferido no âmbito do Processo n.º 715/16.1T8ENT-B.E1 e de 10 de setembro de 2020, proferido no âmbito do Processo n.º 1834/17.2T8MMN-A.E1. * Devidamente notificada contra-alegou a executada concluindo pelo não provimento do recurso.* Corridos os vistos legais cumpre decidir.* II- FUNDAMENTOSO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil. * No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:a)- saber se estão reunidos os pressupostos para julgar procedente a exceção dilatória inominada resultante da falta de integração dos executados-embargantes no PERSI, enquanto condição objetiva de procedibilidade da ação executiva. * A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOÉ a seguinte a matéria de facto que vem dada como provado pelo tribunal recorrido: A)- Foi dado à execução o contrato de mútuo com hipoteca e fiança, celebrado em 19.11.2017, entre o Banco 1..., SA, CC na qualidade de mutuários e AA e BB, na qualidade de fiadores. B)- No referido contrato, os ora embargantes, que ali figuram como terceiros outorgantes, declaram o seguinte: “Que, pela presente se confessam e constituem solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pelo primeiro outorgante no âmbito do presente contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia.” C)- No referido contrato, foi constituída hipoteca voluntária sobre o prédio urbano composto por fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente a habitação, tipo T1, rés-do chão, sita na Rua ... de maio, freguesia ..., concelho de Ílhavo, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ílhavo sob o n.º .... D)- Na cláusula sétima do documento complementar, ficou acordado o seguinte: “O Banco reserva-se o direito de considerar imediatamente vencido o empréstimo se o imóvel hipotecado foi alienado, desvalorizado ou por qualquer outro modo onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, ou ainda se o(s) mutuário(s) deixar(em) de cumprir pontualmente qualquer das obrigações assumidas.” E)- Foi dado à execução o contrato de abertura de crédito e fiança, celebrado em 19.11.2007, entre o Banco 1..., SA, CC como mutuário, AA e BB, na qualidade de fiadores. F)- No referido contrato foi constituída hipoteca voluntária sobre o mesmo prédio identificado em C). G)- Pelos ora embargantes, foi declarado o seguinte: “Que, pela presente se confessam e constituem solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pelo primeiro outorgante no âmbito do presente contrato, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia.” H)- A cláusula Oitava do documento complementar prevê o seguinte: “O Banco reserva-se o direito de considerar imediatamente vencido o empréstimo se o imóvel hipotecado foi alienado, desvalorizado ou por qualquer outro modo onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, ou ainda se o(s) mutuário(s) deixar(em) de cumprir pontualmente qualquer das obrigações assumidas.” I)- O Banco 1..., SA foi citado, no âmbito do processo de execução 78/14.9T2OVR do Juízo de Execução de Ovar para reclamar o seu crédito. J)- Em 30.01.2017, apresentou reclamação de créditos no valor de 75.095,87€ por conta dos contratos identificados em A) e E). K)- À data da reclamação de créditos, os contratos agora em execução não apresentavam qualquer incumprimento. L)- O Banco 1..., SA, elaborou duas missivas, com data de 03.05.2017, em que figuravam como destinatários, em cada uma deles, os embargantes, com o seguinte teor: “Incumprimento do contrato de crédito hipotecário nº ... Titulado por: CC Conta de depósitos à ordem nº ... Exmo(a). Senhor(a), Lamentamos informar que, por insuficiência de saldo na conta de depósitos à ordem acima indicada, não foi possível proceder à liquidação da prestação abaixo mencionada, relativa ao contrato em epígrafe, encontrando-se por regularizar os seguintes valores: Agradecemos que V. Exa., na qualidade de fiador e com responsabilidade solidária com o(s) mutuário(s), promova a regularização da importância em dívida, acrescida de juros de mora e respetivo imposto do selo calculados até à data do efetivo pagamento, num prazo de dez dias contados a partir da data de emissão desta carta. Alertamos que, a manter-se o incumprimento para além do prazo indicado, é o Banco 1... obrigado a comunicar a situação ao Banco de Portugal que, por sua vez, procederá à divulgação pelo sistema bancário português. Nos termos previstos no Decreto-Lei nº 227/2012 de 25 de outubro, pode V. Exa. solicitar-nos, através de carta, no prazo máximo de dez dias contados a partir da data de receção desta carta, a integração do contrato de crédito no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI). (…)” M)- A quantia reclamada no processo de execução identificado em I) foi reconhecida por sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 20.06.2017. N)- Em 09.07.2018, no âmbito do mesmo processo executivo, o imóvel identificado em C) e F) foi adjudicado ao Banco 1..., SA pela quantia de 50.752,80€. O)- O Banco 1..., SA obteve o pagamento do valor de 47.871,05€ por conta do crédito reclamado. P)- O mutuário CC foi declarado insolvente por sentença proferida em 22.02.2019 no âmbito do processo de insolvência n.º … do Juízo do Comércio de Aveiro–Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro. Q)- O Administrador de Insolvência reconheceu o crédito da exequente, no valor de 52.557,76€, em sede de relatório de 17.04.2019. R)- No âmbito deste processo, foi-lhe concedida a exoneração do passivo restante em 21.10.2022. S)- Não foi recuperado qualquer montante no âmbito do referido processo de insolvência. T)- Por contrato de cessão de créditos, em 27 de janeiro de 2021 o Banco 1... S.A. cedeu à Sociedade B..., S.A.R.L, uma carteira de créditos, bem como todas as garantias a eles inerentes. U)- Em 1 de março de 2021, foi enviada carta registada, com aviso de receção aos embargantes, pelo Banco 1..., SA, co o seguinte teor: “(…) Assunto: Notificação de cessão de créditos (…) Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 583.° do Código Civil, serve a presente para informar V. Exa(s), na qualidade de garante/aceitante, de que, por meio de contrato de cessão de créditos com data de 27/01/2021, o Banco 1... S.A. cedeu à B... S.À.R.L., que lhe adquiriu, todos os créditos que até então titulava sobre V. Exa(s) emergente(s) da(s) operação/operações de contratos de crédito n.ºs ..., .... Mais informamos que a referida cessão de créditos inclui, nos termos do disposto no art.º 582.º do Código Civil, a transmissão para a B... S.À.R.L. de todos os direitos e garantias acessórias ao(s) crédito(s), designadamente, o direito de obter o cumprimento, judicial ou extrajudicialmente, das referidas obrigações. Em consequência, e com efeitos a partir da data da presente notificação, o pagamento do(s) crédito(s) identificados em referência apenas é liberatório quando efetuado em favor da B... S.À.R.L.. A partir deste momento deverá V. Exa(s) tratar de todos os assuntos respeitantes ao(s) crédito(s) cedido(s), exclusivamente com a B... S.À.R.L., pelo que todas as importâncias devidas a título de pagamento deverão ser pagas para a conta bancária C..., Lda com o IBAN ..., junto do Banco 2... ou utilizando a seguinte Entidade e Referência através do multibanco (…) Informamos que, para efeitos de gestão e recuperação dos créditos cedidos, a B... S.À.R.L. será representada pela sociedade C..., Lda., pelo que todos os contactos respeitantes ao(s) seu(s) crédito(s) devem agora ser direcionados para os dados que se indicam em seguida: (…)” V)- Por contrato de cessão de créditos celebrado a 19 de abril de 2021, B..., S.A.R.L, cedeu à ora Exequente A..., S.A., os créditos que detinha sobre os ora Executados, cessão da qual resultou a transmissão de créditos para a mesma, bem como de todas as garantias a eles associadas. W)- Foi enviada carta registada para os ora embargantes, por C..., Lda., nos seguintes termos: “(…) Pela presente, vimos notificar V. Exa., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 583.º do Código Civil, de que o(s) crédito(s) identificado(s) infra do(s) qual(is) é devedor (os “Créditos Cedidos”) foi(ram) cedido(s) pela B..., S.à.r.L (a “Cedente”), por Contrato de Cessão de Créditos datado de 19/04/2021, à A..., S.A., uma sociedade de titularização de créditos, com sede na Avenida ..., n.º ..., 5º andar, ... Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa com o n.º único de registo e de identificação fiscal ... (o “Cessionário”): N.º Operação(ões)/ Contrato(s): ..., ... Nos termos do disposto no artigo 582.º do Código Civil, com a cessão do(s) crédito(s), foram igualmente transmitidos ao Cessionário todas as garantias e acessórios do direito transmitido (incluindo, indemnizações e quaisquer outras obrigações pecuniárias, e, designadamente, o direito de obter o cumprimento judicial ou extrajudicial das obrigações). Em conformidade, e com efeitos a partir da presente data, todas as importâncias devidas a título de pagamento do(s) crédito(s) identificado(s) em referência, deverão ser pagas ao Cessionário para a conta bancária com o IBAN ... junto do Banco 2..., conta esta da titularidade da C..., Lda., ou utilizando a seguinte Entidade e Referência através do multibanco: (…) Informamos que, a entidade responsável pela gestão do(s) crédito(s) cedido(s) é a C..., Lda. (“Gestora de Créditos”), pelo que, todos os contactos respeitantes ao(s) seu(s) crédito(s) devem ser direcionados para: (…)” X)- Os embargantes rececionaram as cartas referenciadas em U) e W). * Factos Não Provados:1). O banco cedente ou a exequente enviaram aos embargantes as cartas identificadas L). * III. O DIREITOComo supra se referiu é apenas uma questão que importa apreciar e decidir: a)- saber se estão reunidos os pressupostos para julgar procedente a exceção dilatória inominada resultante da falta de integração dos executados-embargantes no PERSI, enquanto condição objetiva de procedibilidade da ação executiva. Como se evidencia da decisão recorrida aí se propendeu para o entendimento de que se verificava a referida excepção dilatória inominada. Desse entendimento dissente a apelante alegando que procedeu à junção das comunicações impostas no que concerne ao regime do PERSI, delas resultando o seu envio aos Embargantes, porém sem recurso a qualquer registo de correio comprovativo do seu envio ou receção. Quid iuris? Importa, desde logo, enfatizar que não tendo a apelante impugnado o quadro factual que o tribunal recorrido deu como provado e não provado, como lhe era, aliás, permitido (cfr. artigo 640.º e ss. do CPCivil), conformou-se com o mesmo sendo, portanto, em função dele que a questão supra enunciada terá de ser decidida. O Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro, que entrou em vigor no dia 01 de janeiro de 2013, visou, como consta do artigo 1.º, estabelecer princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, na qualidade de consumidores e criar a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações. Com esse objetivo, indica no seu preâmbulo, como medida essencial, a definição de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), “no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”. O diploma em causa veio obstar que as instituições bancárias confrontadas com situações de mora ou incumprimento relativamente a contratos de crédito celebrados, pudessem imediatamente recorrer às vias judiciais para obterem a satisfação dos seus créditos relativamente aos devedores que possam integrar o conceito de “consumidores”, tal como este é tratado pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril), visando, com isso, e através dos mecanismos nele previstos, a proteção dos que, na relação contratual da qual emergiram aqueles contratos, têm uma posição mais enfraquecida e menos protegida. Após a entrada em vigor do referido diploma e ao abrigo do disposto no artigo 39.º do citado diploma, as instituições bancárias ficaram obrigadas a promover várias diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) (artigo 12.º e 14º do citado D.Lei nº 272/2012, de 25 de Outubro), “no âmbito do qual devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”. Como se refere no Ac. STJ de 9 de fevereiro 2017, Proc. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1[1] “[o] PERSI constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo, entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação (artigos 14.º, 15.º e 16.º)”. Na fase inicial, a instituição, depois de identificar a mora do cliente, informa-o do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado; persistindo o incumprimento, integra-o, obrigatoriamente, no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa (artigos 13.º e 14.º, nº 1). Na fase de avaliação e proposta, a instituição de crédito procede à avaliação da situação financeira do cliente para apurar se o incumprimento é momentâneo ou tem carácter duradouro. Findas as diligências, apresenta ao cliente uma ou mais propostas de regularização do crédito adequadas à sua situação financeira e necessidades, se considerar que o mesmo tem condições para cumprir. Se a averiguação feita tiver revelado incapacidade do cliente bancário para retomar o cumprimento das suas obrigações ou regularizar o incumprimento, mesmo com recurso à renegociação do contrato ou à sua consolidação com outros contratos de crédito, comunica ao cliente o resultado da avaliação e a inviabilidade de obtenção de um acordo no âmbito do PERSI, o qual se extinguirá [artigo 17.º, nº 2 al. c)]. A fase da negociação tem por objetivo obter o acordo do cliente para a proposta ou uma das propostas apresentadas pela instituição de crédito com vista à regularização do incumprimento. Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedado à instituição de crédito intentar ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito [artigo 18.º nº 1 al. b) ]. A jurisprudência tem entendido, de forma unânime, que sendo a integração do devedor no PERSI e a ulterior extinção daquele procedimento condições objetivas de procedibilidade da ação executiva, esta só poderia ser instaurada verificadas as referidas condições, isto é, integração do mutuário devedor no PERSI e extinção do procedimento e a sua comunicação a este em suporte duradouro (designadamente, carta ou email), recaindo sobre o exequente o ónus de o comprovar. Instaurada execução sem que se mostrem verificadas as aludidas condições, tal virá a redundar na verificação de uma exceção dilatória inominada ou atípica, que determina a absolvição do executado da instância executiva.[2] Como se defendeu no Ac. Rel. Porto 26 de abril de 2021, Proc. 19728/19.5T8PRT-A.P1[3] “[…] quando a instituição bancária de todo se demitiu dos seus deveres legais de regularização dos contratos de crédito bancário, nada diligenciando quer junto do seu cliente bancário, quer junto dos fiadores do mesmo[…] por identidade de razão e até por maioria de razão, o regime deve ser o mesmo que seria aplicável se acaso tivesse sido instaurado o PERSI, pois que, a não se entender deste modo, facilmente se frustrariam os propósitos do legislador de sujeitar as instituições bancárias a um dever de tentarem a regularização dos contratos de crédito incumpridos, beneficiando-se as instituições infratoras desse dever legal. Por isso, em sede de direito civil, a violação do impedimento legal ao exercício do direito de ação, constitui causa legal de inexigibilidade das obrigações exequendas, patologia de conhecimento oficioso (artigo 578º do Código de Processo Civil) e não suprível no processo judicial indevidamente instaurado”. Resta referir que suscitada a excepção em sede de embargos de executado, na distribuição do ónus de prova observam-se a regras gerais, cabendo ao executado/embargante a prova dos factos que invoca como fundamento de oposição à execução, nos termos gerais do artigo 342.º, nº 2 do CCivil. Esta regra material afere-se pela posição de cada parte na execução e não pela estrita posição formal na oposição à execução, o que significa que, é ao executado/embargante, que tem uma posição de demandado na execução, que cumpre alegar e provar os factos impeditivos ou extintivos do direito de que o exequente se arroga.[4] Postos estes breves considerandos, cumpre agora aferir se, atendendo aos factos dados como provados, a exequente cumpriu as formalidades ínsitas no artigo no artigo 21.º, nº s, 1, 2 e 3 do DL 227/2012 de 25/10, ou seja, se informou os executados/fiadores da possibilidade de solicitarem a sua integração no PERSI. Preceitua o citado normativo que: “ 1 - Nos casos em que o contrato de crédito esteja garantido por fiança, a instituição de crédito deve informar o fiador, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida. 2 - A instituição de crédito que interpele o fiador para cumprir as obrigações decorrentes de contrato de crédito que se encontrem em mora está obrigada a iniciar o PERSI com esse fiador sempre que este o solicite através de comunicação em suporte duradouro, no prazo máximo de 10 dias após a referida interpelação, considerando-se, para todos os efeitos, que o PERSI se inicia na data em que a instituição de crédito recebe a comunicação anteriormente mencionada. 3 - Aquando da interpelação para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora, a instituição de crédito deve informar o fiador sobre a faculdade prevista no número anterior, bem como sobre as condições para o seu exercício. 4 - Sem prejuízo de se tratar de um procedimento autónomo relativamente ao PERSI desenvolvido com o cliente bancário, é aplicável ao PERSI iniciado por solicitação do fiador o disposto no n.º 4 do artigo 14.º e nos artigos 15.º a 20.º, com as devidas adaptações.” Portanto, o nº 2 do transcrito inciso exige que a instituição de crédito informe o cliente/fiador da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro, conceito este que é definido pelo artigo 3º, alínea h), do mesmo diploma, como “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”. Neste sentido, exigindo o citado diploma legal, como forma da declaração, uma comunicação em suporte duradouro, uma carta pode ser entendida como tal, pois, possibilita reproduzir de modo integral e inalterado o seu conteúdo. A exigência de comunicação em suporte duradouro remete-nos para a noção de documento que é dada pelo artigo 362.º do CCivil “qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”. Mas, a exigência de suporte duradouro apenas se refere às comunicações, propriamente ditas, no caso concreto, às cartas que a exequente/apelante diz ter enviado aos embargantes/apelados, e não à receção efetiva das mesmas por estes. No que se refere à prova da receção efetiva das cartas pelos embargantes, a lei não exige que haja suporte duradouro. Na verdade, se a intenção do legislador fosse a de sujeitar as partes do procedimento extrajudicial de regularização das situações de incumprimento a comunicar através de carta registada com aviso de receção, tê-la-ia consagrado expressamente. Acontece que, a simples junção aos autos de cópia das cartas não atesta o efetivo cumprimento das exigências formais de integração no PERSI e da subsequente extinção do procedimento, dado que estão em causa declarações recetícias (artigo 224.º do CCivil), sendo que, a prova do envio dessas comunicações e da sua receção pelos destinatários, competirá ao credor, por se tratar de uma condição de admissibilidade da ação (cf. art.º 342.º, nº 1, do C.Civil. É claro que, não obstante a simples apresentação da cópia das missivas em causa não valer, por si só, como prova do respetivo envio e receção pelos executados, devem ser consideradas como princípio de prova desse envio e receção, nada impedindo a prova por testemunhas do facto-indiciário do envio das cartas juntas aos autos, acionando a presunção de que estes as receberam, que aos executados caberá ilidir.[5] Acontece que, no caso sub Júdice, esse facto indiciário não vem provado, aliás, o tribunal recorrido deu como não provado que o banco cedente ou a exequente tivesse enviado aos embargantes as cartas identificadas L (ponto 1. dos factos não provados) que, aliás, tudo se passa como nem sequer tivesse sido alegado. Constata-se, pois, a ausência de demonstração probatória, do onerado com a respetiva prova (a exequente), de que as comunicações de integração e extinção do PERSI foram remetidas e rececionadas pelos executados/embargantes, pelo que não se tem por comprovada a sua integração em PERSI, nos termos em que o banco mutuante/cedente do crédito se encontrava vinculado. Ocorre, assim, a invocada exceção inominada de falta de demonstração da prévia integração dos executados/embargantes em PERSI.[6] * Improcedem, desta forma, todas as conclusões formuladas pela recorrente e, com elas, o respetivo recurso.* IV-DECISÃOPelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente, por não provada, e consequentemente confirmar a decisão recorrida. * Custas pela apelante/exequente (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).* Porto, 27 de outubro de 2025.Manuel Domingos Fernandes José Eusébio Almeida Anabela Morais ______________ [1] In www.dgsi.pt. [2] Neste sentido, entre outros, podem consultar-se os Ac. Rel. Lisboa 04 de novembro de 2021, Proc. 9509/15.0T8ALM-A.L1-6, Ac. Rel. Lisboa 21 de outubro de 2021, Proc. 12205/18.3 T8SNT-A.L2-2, Ac. Rel. Lisboa 07 de maio de 2020, Proc. 2282/15.4T8ALM-A.L1-6, Ac. Rel. Porto 23 de fevereiro de 2021, Proc. 8821/19.4T8PRT-A.P1, Ac. Rel. Porto 09 de maio de 2019, Proc. 21609/18.0T8PRT-A.P1, Ac. STJ 16 de novembro de 2021, Proc. 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S1, Ac. STJ 09 de fevereiro de 2017, Proc. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt. [3] Disponível em www.dgsi.pt. [4] Cf. Rui Pinto in Manual da Execução e Despejo,1ª edição, agosto de 2013, Coimbra Editora, Coimbra, pag. 438; Ac. Rel. Coimbra 24 de novembro de 2020, Proc. 3655/18.6T8CBR-B.C1; Ac. Rel. Lisboa 07 de maio de 2020, Proc. 2282/15.4T8ALM-A.L1-6, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. [5] Neste sentido se pronunciaram os Ac. Rel. Porto 05 de novembro de 2018, Proc. 3413/14.7TBVFR-A.P1, Ac. Rel. Lisboa 05 de janeiro de 2021, Proc. 105874/18.0YIPRT.L1-7, Ac. STJ 13 de abril de 2021, Proc. 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-05-2022, processo n.º 2342/18.0T8ENT-A.E1 e de 15-09-2022, processo n.º 193/22.6T8ELV-A.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.. [6] Cf. neste sentido, acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-60-2023, processo n.º 708/22.6T8SNT.L1-7; de 14-07-2022, processo n.º 6804/14.0T8ALM-C.L1-2; do Tribunal da Relação de Coimbra de 14-06-2022, processo n.º 172/20.8T8VLF-A.C1 |