Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3702/23.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: REGRAS DE INTERPRETAÇÃO / CLÁUSULAS DAS CONVENÇÕES COLETIVAS DE TRABALHO
TRABALHO PRESTADO EM DIA DE FERIADO
EMPREGADORA COM ATIVIDADE CONTÍNUA
Nº do Documento: RP202505123702/23.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE; REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I- Na interpretação das cláusulas das convenções coletivas de trabalho deve atender-se às normas referentes à interpretação da lei, nos termos preceituados no artigo 9.º do Código Civil.
II- Constando de cláusula de convenção coletiva que “O trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dia feriado será remunerado com um acréscimo de 100 % sobre a retribuição normal” – conforme fórmula (RM x 12): (52 x N ) x 2, sendo: RM = Remuneração mensal corresponde à soma da retri­buição pecuniária base, com o montante relativo ao subsídio noturno, o montante relativo à isenção de horário de traba­lho, o montante relativo ao prémio de línguas e o montante relativo a diuturnidades, quando a eles haja lugar; N = período normal de trabalho semanal –, exercendo a empregadora a sua atividade em funcionamento contínuo e não correspondendo o trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias feriado a trabalho prestado em dia de descanso, esse trabalho é prestado dentro do cumprimento do horário normal desses trabalhadores, muito embora beneficiando esses daquele acréscimo remuneratório de 100%.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação / processo n.º 3702/23.0T8VNG.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 2

Autor: Sindicato ...

Ré: A..., Lda.

_______

Nélson Fernandes (relator)

António Luís Carvalhão

Rui Penha[1]

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. Sindicato ... intentou ação de processo comum contra A..., Lda., peticionando que: se declare que aos associados do A., no pagamento da retribuição por trabalho prestado em dia feriado, se aplica o disposto nas Cláusulas 34.ª e 48.ª do C.C.T. celebrado entre a Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo (APHORT) e a Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (FESAHT), publicado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2018 (tabela e clausulado); se condene a R. a reconhecer que o trabalho em dia de feriado é remunerado com acréscimo de 100%, conforme a fórmula RM × 12 / 52 × n x 2, ou seja a 200%, sendo que a esta remuneração acresce a retribuição mensal do trabalhador; se declare ilícita e violadora do princípio da irredutibilidade da retribuição a diminuição do quantum de pagamento do trabalho prestado em dia feriado operado pela R. aos associados do A. após 1 de janeiro de 2019; se condene a R. no pagamento aos associados do A. do trabalho prestado em dia feriado após 1 de janeiro de 2019, de acordo com o disposto nas Cláusulas 34.ª e 48.ª do C.C.T. celebrado entre a Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo (APHORT) e a Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (FESAHT), publicado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2018 (tabela e clausulado), a liquidar em execução de sentença; se condene a R. a pagar ao A. juros à taxa legal sobre as quantias peticionadas e devidas, desde a data do vencimento da cada prestação retributiva, até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, que a Ré, desde a sua constituição, pagou aos seus trabalhadores pelo trabalho prestado por estes em dia feriado a retribuição normal, acrescida de 200%, o que injustificadamente deixou de fazer a partir de 1 de janeiro de 2019, em violação do disposto no Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho aplicável ao setor.

Realizada a audiência de partes e frustrada a tentativa de conciliação, tendo a Ré sido notificada para contestar, veio a mesma a fazê-lo, defendendo, em súmula, que até 1 de janeiro de 2019 retribuiu o trabalho prestado em dia feriado de forma errónea e por facto que não lhe pode ser imputado, razão pela qual, a partir daquela data, mudou a forma de retribuir o dito trabalho.

Fixado o valor da ação em €30.000,01, foi de seguida proferido despacho saneador, após o que, invocando-se que a seleção da matéria de facto controvertida se revestia de manifesta simplicidade, o Tribunal se absteve de fixar “a base instrutória (art.º 49.º n.º 3, aplicável por força do disposto no art.º 62.º n.º 2, parte final, ambos do C. P. Trabalho)”.

Seguindo os autos os seus termos subsequentes, realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta (transcrição):

“Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada, e, em consequência:

A. Declaro que aos associados do A., no pagamento da retribuição por trabalho prestado em dia feriado, se aplica o disposto nas cláusulas 34.ª e 48.ª do Contrato Coletivo celebrado entre a Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo (APHORT) e a Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (FESAHT), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de junho de 2018 (tabela e clausulado);

B. Condeno a R. a reconhecer, quanto aos associados do A., que o trabalho prestado em dia de feriado é remunerado com um acréscimo de 200% (duzentos por cento), sendo que a esta remuneração acresce a retribuição-base mensal do trabalhador;

C. Declaro ilícita, por violadora do princípio da irredutibilidade da retribuição, a diminuição do quantum de pagamento do trabalho prestado em dia feriado operado pela R. aos associados do A. após 1 de janeiro de 2019, inclusive;

D. Condeno a R. no pagamento aos associados do A. do trabalho prestado em dia feriado após 1 de janeiro de 2019, inclusive, de acordo com a interpretação referida em B., a liquidar em execução de sentença;

E. Condeno a R. a pagar ao A. juros de mora, à taxa legal, a incidir sobre as quantias a liquidar em execução de sentença, desde a data do vencimento da cada prestação retributiva, até efetivo e integral pagamento.

Custas pela R.

Registe e notifique.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apresentou a Ré requerimento de interposição de recurso, formulando no final das suas alegações, após convite formulado ao respetivo aperfeiçoamento, as conclusões seguintes:

“I. Com a apresentação do presente recurso pretende a Recorrente impugnar quer a decisão proferida sobre a matéria de facto, quer a decisão proferida sobre a matéria de direito, por entender, salvo o devido respeito, que o Meritíssimo Juiz a quo, face à prova produzida e ao Direito aplicável, fez uma errónea interpretação das Cláusulas 34.ª e 48.ª do Contrato Coletivo celebrado entre a Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo (APHORT) e a Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (FESAHT), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de junho de 2018 (doravante, CCT aplicável).

II. Entende a Recorrente que a interpretação da cláusula 48.ª do CCT aplicável determina que o trabalho prestado em dia de feriado é remunerado com um acréscimo de 100% (cem por cento) e não de 200% como decidido pelo Tribunal a quo.

III. Para que seja esse o sentido da Decisão, entende a Recorrente que foi o que decorreu da prova produzida e da aplicação do Direito aos Factos, factos esses que (i) quantos aos factos provados, deverão ser modificados (ii) como deverão ser dados com provados, outros, invocados na Contestação que o Meritíssimo Juiz a quo entendeu – erradamente, com o devido respeito – não serem relevantes para a decisão da causa.

IV. Pugna a Recorrente pela alteração da redacção do Facto Provado 15 substituindo-se a percentagem do acréscimo de 200% para 100%, passando a ter-se por provado: “15) Com a introdução, na Cláusula 78.ª n.º 2 do C.C.T. entre a UNIHSNOR Portugal – União das Empresas de Hotelaria, de Restauração e de Turismo de Portugal e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de junho de 2006, da fórmula matemática “(RM x 12):(52xn) x 2”, as partes quiseram prever que o trabalho prestado em dia feriado deve ser remunerado com um acréscimo de 100%, sem prejuízo da retribuição-base a que o trabalhador tem direito”.

Cfr. Depoimento da testemunha AA, Jurista da APHORT, há mais de 20 anos, a qual integrou e acompanhou as negociações do contrato colectivo em representação daquela Associação de empregadores, desde 2005/2006, ouvida na sessão de 19/02/2024, minutos 00:01:20 a 00:09:15, 00:09:45 a 00:12:50, 00:12:20 a 00:14:05, 00:14:50 a 00:15:20 e 00:16:00 a 00:20:05 e docs. 9, 11, 16, 17 e 18 juntos com a contestação).

V. A ser, assim, interpretada a percentagem do acréscimo de 100% e não de 200%, tal conduz à improcedência da acção e à absolvição da Recorrente no que toca aos Pontos B, C, D e E da Decisão, sendo crucial aferir os factos alegados na Contestação da Recorrente dados como não provados e que passam a ser relevantes para a boa decisão da causa, i.e., o motivo, por que a Recorrente, entre a sua abertura, em Dezembro de 2010 e Dezembro de 2018, actuou de uma forma e, a partir de Janeiro/2019 de outra, conforme resulta Provado do Facto 12 que não se sindica.

VI. Por se revelar importante para a decisão da causa, resultar da certidão do registo comercial, deve ser dado como provado o alegado no artigo 13º da Contestação: “A R. tem como objecto social: a) hotelaria e restauração em todas as suas modalidades; b) prestação de serviços e organização de eventos recreativos e de promoção turística, designadamente, de índole cultural, ambiental, gastronómica, enológica, de lazer e bem-estar e de animação; c) exploração de lojas destinadas à comercialização de produtos relacionados com as atividades acima referidas, designadamente bebidas alcoólicas e produtos alimentares; d) transporte de passageiros ou mercadorias, no âmbito da navegação local, em embarcações registadas no tráfego local; e) animação turística, nomeadamente, atividade marítimo turística; f) a gestão, promoção, aquisição, alienação, cessão e, em geral, exploração de direitos de propriedade intelectual e industrial, bem assim como as atividades de gestão da sua carteira de títulos; g) prestação de serviços conexos ou afins com todas as atividades acima mencionadas”. Cfr. doc 1 da Contestação.

VII. Na mesma senda, atendendo ao doc. nº 2 da contestação, deve ser dado como provado o alegado no artigo 14º da Contestação: “Na prossecução da sua actividade, a R. explora o estabelecimento hoteleiro designado A..., cuja abertura ao público ocorreu em 26 de Setembro de 2010.” Cfr. doc 2 da Contestação.

VIII. Por conecto com o Facto Provado 8 e por se tratar de facto público e notório, dispensando-se a prova, pois é do conhecimento comum que os hotéis não encerram, funcionando continuamente, todas as horas e dias do ano, deve ser dado como provado o alegado no artigo 15º da Contestação: “A R. não suspende a sua actividade, estando em funcionamento 365 dias por ano e 24 horas por dia”. Cfr. ALBERTO DOS REIS, CPC Anot., 3.°- pag. 259 e ss. e CASTRO MENDES, Do conceito de prova, págs. 711 e ss.

IX. Por se revelar relevante para a decisão da causa apurar as datas de admissão dos aqui associados da recorrida e resultar dos respectivos contratos de trabalho (aceites) juntos aos autos, deve-se dar como provado, o alegado no artigo 16º da Contestação: “Os associados do A., foram admitidos ao serviço da R. nas seguintes datas: BB, com a categoria profissional de Trintanário Principal, em 19/07/2010; CC, com a categoria profissional de Empregada de Andares de 1.ª, em 06/09/2010; DD, com a categoria profissional de Promotor de Vendas, em 18/07/2011; EE, com a categoria profissional de Empregada de Andares de 1.ª, em 01/04/2011; FF, com a categoria profissional de bagageiro de 1.ª, em 19/07/2010”. Cfr. docs. 3 a 7 da contestação.

X. Na mesma senda devem ser dados como provados o alegado nos artigos 23º, 24º, 25º e 26º da contestação (matéria interligada e conexa), nos seguintes termos:

a) Entre o início de funcionamento da R., em Setembro de 2010 e Dezembro de 2018, inclusive, ocorreu uma errada aplicação pela R. das disposições legais e convencionais a que se encontra obrigada, em concreto, no que toca ao pagamento de trabalho normal em dia feriado, ou seja, aquele que ocorre, dentro do período normal de trabalho e horário de trabalho do trabalhador;

b) No programa de processamento de salários da R., foi erradamente parametrizado o pagamento desse trabalho e, por via disso, além da retribuição mensal normal, na rúbrica referente ao trabalho normal em dia feriado, foi introduzido o acréscimo de “200%”, a somar, portanto, à retribuição mensal do trabalhador;

c) Nesse mesmo programa de processamento de salários da R. o trabalho suplementar prestado em dia normal de trabalho, está igualmente parametrizado para ser pago com acréscimo de 200%, ou seja, o valor da hora em singelo, mais o acréscimo de 100%, a somar à retribuição mensal do trabalhador;

d) A R. estava plena e absolutamente convencida que ao agir assim estava a cumprir com o pagamento a que estava legalmente obrigada, ou seja, que estava a aplicar correctamente a disposição convencional relativa ao pagamento do trabalho normal em dia feriado (respectivamente, as Cláusulas 78.ª e 79.ª do CCT de 2006, 82.º e 83.ª do CCT de 2011 e, por fim, 48.ª do CCT de 2018)”. Cfr. Depoimento de GG, ouvida na sessão de 19/02/2024, minutos 00:01:55 a 00:06:20 e 00:11:15 a 00:12:04; de HH, em 19/02/2024, minutos 00:04:23 a 00:06:35 e 00:06:41 e 00:08:30 e de FF também ouvido em 19.02.2024, minutos 00:03:00 a 00:05:00 e 00:08:45 a 00:10:07.

XI. Da prova documental e testemunhal produzida resulta e é relevante para a boa decisão da causa dar como provado que a formação dada ministrada pela APHORT permitiu à Recorrente verificar que tinha, erradamente, parametrizado o pagamento do trabalho prestado em dia feriado, com acréscimo de 200% e não de 100%, devendo ser aditado aos Factos Provados o alegado nos artigos 27º, 30º e 31º da Contestação (matéria interligada e conexa), nos seguintes termos:

a) Em seminário formativo que a APHORT promoveu, em 19 de Setembro de 2018, subordinado ao tema “O NOVO CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO”, ou seja, o publicado no BTE n.º 23, de 22/06/2018 e outorgado entre a APHORT e a FESAHT, em análise nestes autos, foi esclarecido que o pagamento dos feriados, sempre que prestado em dia normal de trabalho, ou seja, sem que fosse trabalho suplementar, tinha um acréscimo de 100%;

b) Nesse Seminário, esteve presente o trabalhador administrativo de Recursos Humanos da R., II, o qual, nessa data, se apercebeu que o pagamento do trabalho em dia normal e feriado na R. estava a ser feito de forma distinta, com acréscimo de 200% e não 100%;

c) O que transmitiu à Directora de Recursos Humanos da R., ao tempo, a Dra. GG”. Cfr. Doc. 9 da Contestação e Depoimentos, em 19/02/2024 de II, minutos 00:03:45 a 00:04:10 e de GG, minutos 00:21:45 a 00:22:50.

XII. Da prova documental e testemunhal produzida resulta e é relevante para a boa decisão da causa dar como provado que a Recorrente foi cuidadosa ao confirmar a interpretação da Cláusula 48ª n.º 1 do CCT aplicável e em transmiti-lo aos seus trabalhadores, devendo ser aditada aos Factos Provados o alegado nos artigos 27º, 35º, 38º e 39º da Contestação (matéria interligada e conexa), nos seguintes termos:

a) A R. encetou diligências junto da APHORT e junto de outros departamentos de Recursos Humanos de Grupos Empresariais do sector para esclarecimento cabal e certeza da sua interpretação da Cláusula referente ao pagamento do trabalho prestado em dia feriado – a Cláusula 48.ª;

b) A R. cuidou de comunicar e explicar os motivos e fundamentos da alteração do pagamento de trabalho em dia normal e feriado às respectivas chefias que, por sua vez, transmitiriam às suas equipas.;

c) “O que fez, designadamente, por e-mail de 15 de Janeiro de 2019, subscrito pela Directora de Recursos Humanos, com o seguinte teor: Boa tarde a todos, Informamos que, a partir de 1 de janeiro de 2019, aplicaremos as regras de pagamento de feriados de acordo com o entendimento da APHORT, conforme o contrato coletivo de trabalho aplicável ao nosso setor. Tal significa que o valor a pagar pelo dia trabalhado num feriado terá um acréscimo de 100% sobre o valor base salarial. Mais relembramos que em dias de feriado, apenas deverão ser salvaguardadas as estruturas/ equipas mínimas para assegurar a operação nesses dias. Estas equipas têm de ser aprovadas previamente pelo respetivo diretor de departamento, utilizando o formulário em anexo. Qualquer dúvida, pf, esclarecer no departamento e RH. Cfr. Doc. 10 da Contestação e Depoimentos, em 19/02/2024, de GG, 00:06:30 a 00:08:04 e 00:30: 50 a 00:33:52 e de JJ, também 19/02/2024 minutos 00:07:25 a 00:08:30.

XIII. Resultou também e é relevante para a boa decisão da causa que a APHORT transmitiu à Recorrente o entendimento de que o acréscimo pela prestação de trabalho em dia feriado, dentro do período normal de trabalho é de 100% e não de 200%, pelo que deve ser dado como provado o alegado nos artigos 40º, 42º, 43º e 44º da Contestação (matéria interligada e conexa), nos seguintes termos: “Em 19 de Setembro de 2019, a APHORT promoveu novo Seminário formativo para os seus associados, desta feita, subordinado ao tema “FÉRIAS, FERIADOS E FALTAS”, fazendo, aqui a compilação dos dois CCT que outorgou, a saber, com a FESAHT e com a SITESE, publicados no BTE n.º 23/2018 e 47/2018 e na temática relativa a FERIADOS e, em concreto quanto à sua forma de pagamento e, com suporte na Cláusula 48.ª dos CCT´s, foi referido, designadamente que o trabalho prestado em dia feriado será remunerado com um acréscimo de 100% sobre a retribuição normal e dados exaustivos e claros exemplos práticos, o que consolidou a interpretação e tratamento que a R. efectuava, desde Janeiro de 2019”. Cfr. Doc. 11 da Contestação e Depoimento, em 19/02/2024, de GG, 00:09:45 a 00:10:55 e 00:19:30 a 00:25:57.

XIV. Tendo-se por provados os factos identificados nas Conclusões X a XIII, nos termos dos documentos e depoimentos aí identificados, devem ser dados como NÃO PROVADOS os Factos Provados 12 e 14.

XV. Provado está, salvo melhor opinião, o vertido no artigo 45 da Contestação, sendo relevante para a boa decisão da causa, revelando o enorme hiato temporal entre a alteração de pagamento pela Recorrente (em Janeiro de 2019) e a reacção da Recorrida (mais de dois anos volvidos), nos seguintes termos: Em 16 de julho de 2022, foram publicadas várias notícias nos jornais, as quais tendo por fonte declarações do ora A. acusavam a R. de incumprir as regras legais de pagamento do trabalho em dia feriado. Cfr. Doc. 12 da Contestação e Depoimento, em 19/02/2024, de JJ, a passagens 00:05:30 a 00:06:15.

XVI. De igual modo e, pelas mesmas razões deverá ser levada à matéria de facto provada o alegado artigo 46º da Contestação, nos seguintes termos: Face a tal alarme social e, com vista a manter a paz social da empresa, bem como esclarecer os trabalhadores sobre a interpretação e aplicação da percentagem aplicável à majoração do trabalho em dia feriado quando a prestação ocorre no período normal de trabalho, a Directora de Recursos Humanos da R. fez, logo em 18 de julho de 2022, uma comunicação interna a todos os trabalhadores. Cfr. Doc. 3 da Contestação e Depoimento, em 19/02/2024, de JJ, minutos 00:06:25 a 00:08:15.

XVII. Pugna-se, também, por ser levado à matéria de facto provada a questão atinente às reuniões havidas na DGERT, alegado nos artigos 47º e 48º da Contestação, nos seguintes termos: “Em 27 de Junho de 2022 e em 14 de Julho de 2022, tiveram lugar duas reuniões de conciliação na Direcção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), promovidas por participação do A. àquela entidade das mesmas não resultou conciliação, porquanto a R. entendeu estar a cumprir todas as disposições legais”. Cfr. Doc. 5 da petição Inicial e Depoimento, em 19/02/2024, HH minutos 00:08:40 a 00:09:30 e de JJ na audiência de julgamento de 19.02.2024, minutos 00:08:20 a 00:09:40.

XVIII. Atendendo ao conteúdo do doc. n.º 14 da contestação, deve ser dado como provado o alegado no artigo 49º da Contestação, com a seguinte redacção: “Já em 7 de Fevereiro de 2019, na sequência da alteração do pagamento do trabalho em dia feriado pela Ré, o A. dirigira uma interpelação a empresa do Grupo de que a R. fazia parte, a B..., S.A. que explora o Hotel ..., solicitando “….a regularização da situação no prazo máximo até ao final do corrente mês de Fevereiro, findo o qual ver-nos-emos forçados a acionar os mecanismos legais ao dispor”. Cfr. Doc. 14 da contestação

XIX. Face ao teor do doc. nº 15 da contestação, deve ser dado como provado o alegado no artigo 50º da Contestação, com o seguinte teor: A essa interpelação respondeu, em 27 de Fevereiro de 2019, a referida empresa, pela mão da já referida GG, Directora de Recursos Humanos, do Grupo, comum à R., de forma detalhada, fundamentada e justificada, no sentido de ser aplicada a majoração de 100% ao trabalho prestado em dia feriado integrante do período normal de trabalho, em nada se confundindo com a prestação de trabalho suplementar em dia feriado – conforme conteúdo do doc. nº 15 da contestação. Cfr. Doc. 15 da Contestação.

XX. Considerando o teor do doc. n.º 16 da contestação, que constitui Parecer emitido pela APHORT, que não pode ser ignorado pelo Tribunal, por uma questão de igualdade de armas e correta fundamentação, deve ser dado como provado o alegado no artigo 59º da Contestação, com o seguinte teor: Em 21 de Novembro de 2017, a APHORT emitiu Parecer no que toca ao tratamento a dar ao trabalho prestado em dia feriado, concluindo: 1 – o sector de actividade em que se inserem as empresas Associadas da APHORT é de laboração contínua; 2- O trabalho prestado em dia feriado, se dentro do horário normal de trabalho a cumprir não é considerado suplementar, sendo certo que esta caracterização não é de carácter recente mas já devidamente sustentada ao longo dos anos; 3 – o pagamento do trabalho prestado me dia feriado é feito actualmente em função da cláusula 83.ª, n.º 1 do CCT aplicável ao sector com um acréscimo salarial de 100%”. Cfr. Doc. 16 da Contestação.

XXI. Também se afigura provado pelo doc. n.º 17 da contestação, o alegado no artigo 62º da Contestação, devendo ser levado ao elenco dos Factos Provados o seguinte: O pagamento de feriados é matéria que já fora alvo de outros Pareceres e informações aos Associados, designadamente, a “INFORMAÇÃO AOS ASSOCIADOS N.º 131.V8”, de 31 de Julho de 2012, actualizada a 1 de Setembro de 2022. Cfr. Doc. 17 da Contestação.

XXII. Atendendo ao teor do doc. nº 18 da contestação, deve ser dado como provado o alegado no artigo 63º da Contestação, com a seguinte redacção: “Em 20 de Junho de 2023, e para efeito dos presentes autos a APHORT, a solicitação da R. sua associada, reafirmou o seu Parecer no sentido de que o pagamento do trabalho prestado em dia de feriado que integra o período normal de trabalho, é remunerado de um acréscimo de apenas 100%, e não de 200% - nos termos da fundamentação do doc. nº 18. Cfr. Doc. 18 da Contestação.

XXIII. Face ao conteúdo do doc. nº 19 da contestação e à prova testemunhal prestada relativa à informação prestada pela APHORT à Recorrente relativa à relevância da Cláusula transitória do CCT de 2006, em conjugação com o CT, deixando claro que clausula foi introduzida para, de forma escalonada, permitir às empresas que não pagavam o acréscimo de 100%, o passar fazer, progressivamente, igualando o sector, deve ser dado como provado o alegado no artigo 68º da Contestação, com o seguinte teor: Segundo informação prestada pela APHORT, à Recorrente, em 30 de Maio de 2023: A disposição transitória que refere do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado em 2006 surgiu exatamente para igualar o pagamento do trabalho em dia feriado junto de todos os Associados, uma vez que, conforme referimos tínhamos na altura, assim como atualmente, Associados que não pagavam tal trabalho, que pagavam esse trabalho com as diferentes percentagens do trabalho suplementar (conforme Código do Trabalho), com acréscimos calculados sobre o valor do dia e não hora ou com acréscimos horários de 50%, de 100%, 200%, 300%, até chegar ao pagamento atual em tempo de descanso, facto que o sindicato repudia.” Cfr. Doc. 19 da Contestação e depoimento de AA, em 19.02.2024, minutos 00:09:40 a 00:12:50 e 00:26:45 a 00:28:38.

XXIV. Atendendo ao teor do doc. nº 12 da contestação e aos depoimentos prestados resultou provado que não houve qualquer acção inspectiva pela Autoridade para as Condições de Trabalho a propósito do tratamento remuneratório dado pela Recorrente ao trabalho prestado em dia feriado, devendo ser dado como provado o alegado nos artigos 71º a 74º da Contestação (matéria interligada e conexa), nos seguintes termos:

a) Volvido quase um ano, não foi a R. alvo de qualquer acção de fiscalização por parte da entidade inspectiva – a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT);

b) Nem, antes disso, após ter alterado a forma de pagamento do trabalho em dia feriado, em Janeiro/2019.”; “Dado o universo de trabalhadores que a R. tem ao seu serviço e a exposição a que se encontra sujeita face ao estabelecimento hoteleiro que explora e ao alarme social provocado pelas notícias promovidas pelo A. a R. é, por vezes, alvo de visitas inspectivas;

c) E em nenhuma delas, resultou qualquer processo contra-ordenacional ou advertência da ACT, no que toca ao pagamento do trabalho em dia feriado. Cfr. Doc. 12 da Contestação e depoimento de GG, de 19.02.2024, minutos 00:02:00 a 00:19:40 a 00:19:00 e de KK, ouvido a 14.02.2024, nas passagens dos minutos 00:04:35 a 00:07:00.

XXV. Alegando de DIREITO, a sentença consubstancia uma errada errada interpretação das normas jurídicas chamadas ao caso com base no previsto no artigo 9º do Código Civil, porquanto está desfasada do teor literal, histórico, sistemático e teleológico da norma.

XXVI. O erro cometido pela Recorrida, no processamento salarial, não pode ser fundamento para entender-se que foi criado uso na empresa de pagamento do dia feriado com um acréscimo de 200%, porquanto:

(i) não decorreu tempo foi suficiente para que se constituísse um uso laboral relevante Cfr. JÚLIO MANUEL VIEIRA GOMES, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p.60 e cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.3.2019, proc. n.º 18047/16;

(ii) o pagamento de feriados não tem, nem teve regularidade e periodicidade mensal, pois só foi feito pela Recorrente quando os trabalhadores prestaram, efectivamente, trabalho normal em dia feriado Cfr. JÚLIO GOMES, in “Dos usos da empresa em Direito do Trabalho”, RDES, Ano XLIX (2008), n.º 1 a 4, Almedina, pp. 104, TIAGO COCHOFEL DE AZEVEDO, in Relevância jurídica dos usos laborais, Universidade Católica Portuguesa, 2012, pp. 116.e Acórdão Tribunal da Relação de Guimarães, de 30.3.2023, proc. n.º 283/21.2T8BGC.G1);

(iii) os trabalhadores nunca tiveram expectativa ou criaram a convicção de que tinham direito ao acréscimo de 200% pelo trabalho prestado em dia feriado; Cfr. neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9.3.2017, proc. n.º 401/15.0T8BRG.G1.S1, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.3.2019, proc. n.º 26175/16.9T8LSB.L1.S1 e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14.3.2016, proc. n.º 574/13.6TTMAI.P);

(iv) verifica-se a ausência de intenção liberatória da Recorrente, que no período em que pagou o acréscimo de 200%, fê-lo com a convicção de obrigatoriedade de cumprimento de cláusula convencional, sem detectar o seu erro. Cfr. JÚLIO GOMES e MARIA PALMA RAMALHO, bem como Acórdão da Relação de Lisboa de 23.5.2018, proc. n.º 26175/16.9T8LSB.L1-4 e Acórdão de 2.5.2019, proc. n.º 3749/17.5T8BRR.L1-4.

XXVII. Não sendo devido o pagamento de 200% em acréscimo à retribuição base, mas apenas 100% e não relevando o erro da Recorrente ocorrido durante o período de 8 anos para a fixação de uso laboral é inaplicável o princípio da irredutibilidade da retribuição.

XXVIII. A retribuição especial prevista no artigo 48º do CCT, referente ao acréscimo pelo trabalho prestado em dia feriado – retribuição que não tem um carácter periódico nem regular – não integra o conceito de retribuição à qual se possa aplicar proibição da diminuição do valor da retribuição dos trabalhadores, não sendo, consequentemente, susceptível de consubstanciar qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição. Cfr. ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, Processo 07S3786 de 16/1/2008 e o ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE LISBOA de 18/6/2008, Processo Processo nº 3374/2008-4 e de 26/03/2015.

EM SUMA,

XXIX. A decisão recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação da cláusula 34º, 36º e 48º do CCT celebrado entre a APHORT e a ARESHP, bem como dos artigos 129º nº 1 al. d) e 258º, ambos do CT, aplicando erradamente o direito aos factos e desconsiderou do seu iter cognitivo a integração da aplicação do previsto nos artigos 2º, 23º, 31º, 33º e 47º do CCT celebrado entre a APHORT e a ARESHP e ainda o artigo 269º do CT.

XXX. Aplicando correctamente as referidas normas, a decisão deve ser a de que, no que toca ao pagamento de trabalho normal em dia feriado, ou seja, aquele que ocorre dentro do período normal de trabalho e horário de trabalho do trabalhador, é aplicável um acréscimo de 100% sobre a retribuição base (e não 200%), sendo que da aplicação da fórmula resulta o valor da retribuição total do dia de feriado, incluindo a retribuição base.

XXXI. E, finalmente, no que toca à rectificação do erro no processamento do pagamento dos dias feriados operada pela Recorrente, que tal conduta seja julgada admissível e legal, por não violar o princípio da irredutibilidade da retribuição, nem se ter constituído qualquer uso laboral, o que tudo conduz à absolvição da Recorrente.”

Conclui pela procedência do recurso.

2.1. Contra-alegou o Autor, concluindo do modo seguinte:

“1 – A Recorrente, nas suas doutas alegações, enumera um infindável número do que apelida “conclusões” quando o não são;

2 – Mistura alegações, com conclusões e opiniões, a que chama conclusões;

3 - As suas “conclusões”, inúmeras que o não são, são complexas e prolixas, pelo que deverá a Recorrente ser notificada para as sintetizar, conforme dispõe o nº3 daquele artigo 639º;

4 – Pelo que e sem prescindir, todas as conclusões da Recorrente devem improceder;

5 – O Tribunal fez uma correcta apreciação da prova produzida que valorou de acordo com a sua convicção;

6 – Os fundamentos apresentados pela Recorrente, com vista à alteração da matéria dada como provada, não legitimam a sua efectiva alteração;

7 – Nenhum normativo legal foi violado, mormente os referidos pelo Recorrente;

8 – O recurso terá que improceder.”

2.2. O recurso veio a ser admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo

3. Apresentados os autos ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto fez-se constar nomeadamente o seguinte:

“(…) Volvendo ao caso dos autos o Autor, na qualidade de representante dos seus associados/trabalhadores, constituiu mandatário, instaurou a ação e nela interveio sempre devidamente representado e sem que o Ministério Público alguma vez interviesse acessoriamente, tendo apresentado contra-alegações ao recurso da Ré de acordo com a estratégia processual que delineou com o seu mandatário, na qual não deve o Ministério Público imiscuir-se por se entender nada haver a suprir que pudesse relevar na posição que o Autor sustenta.

Acresce que também se não descortinam quaisquer interesses de ordem pública ou social inerentes à jurisdição laboral que imponham pronúncia do Ministério Público, e além do mais consideramos bem fundamentada a sentença recorrida, tanto ao nível da matéria de facto como na sua subsunção ao Direito.”


***

Corridos os vistos legais, cumpre decidir:

II – Questões a decidir

Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639., n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) impugnação da matéria de facto; (2) saber se a sentença recorrida, no âmbito da aplicação da lei e do direito, fez uma incorreta interpretação do disposto em cláusula do CCT aplicável.

III – Fundamentação

A. Fundamentação de facto

Fez-se constar da sentença, na pronúncia sobre a matéria de facto, o seguinte:

“Os factos provados:

Atenta a prova produzida, considero assente, com relevo para a decisão da causa, a seguinte factualidade:

1) O A. é uma Associação Sindical com os Estatutos publicados no B.T.E. 3.ª Série, n.º 11 de 15.6.1982, e alterações publicadas nos BTE n.º 22, 3.ª série de 30.11.1994 e nos B.T.E. 1ª Série, n.º 13, de 8.4.2004 e BTE n.º 2 de 15.1.2012, segundo os quais, “é a associação sindical constituída pelos trabalhadores nele filiados que exercem a sua atividade profissional na indústria de hotelaria, turismo, restaurantes e similares, nestas se considerando as cantinas, refeitórios, fábricas de refeições, bares, abastecedoras de aeronaves, casinos, salas de jogo, rent-a-car, agências de viagens e fábricas de pastelaria e confeitaria, estabelecimentos termais, estabelecimentos de turismo em espaço rural, estabelecimentos de spa, parques de campismo, lares com e sem fins lucrativos, estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, estabelecimentos de hospitalização privada, bem como pelos trabalhadores que exercem profissões características destas indústrias noutros sectores de atividade e desde que não representados por sindicato do respetivo ramo de atividade”;

2) Exerce a sua atividade nos distritos de Braga, Bragança, Porto, Viana do Castelo e Vila Real e é filiado na Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal – FESAHT;

3) O A. tem como objetivo, entre outros, organizar os trabalhadores seus associados para defesa dos seus direitos coletivos e individuais e promover, organizar e apoiar as ações conducentes à satisfação das reivindicações desses mesmos trabalhadores e, no âmbito das suas competências, compete-lhe celebrar convenções coletivas de trabalho, fiscalizar e reclamar a aplicação das leis, instrumentos de regulamentação coletiva e regulamentos de trabalho na defesa dos interesses dos trabalhadores e prestar assistência sindical, jurídica ou outra aos associados nos conflitos resultantes de relações ou acidentes de trabalho;

4) O Associado tem o direito de beneficiar da ação desenvolvida pelo sindicato e pelas estruturas sindicais em que está inserido, em defesa dos interesses profissionais, económicos e culturais comuns a todos os associados ou dos seus interesses específicos;

5) O A. teve e tem a prestar trabalho na R., entre outros, os Associados constantes das declarações juntas como documento n.º 1 à petição inicial e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos;

6) De acordo com as referidas declarações, os trabalhadores ao serviço da R. nelas identificados, associados do A., declararam que pretendem e concordam que o Sindicato ..., filiado na FESAHT - Federação dos Sindicatos de Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, proponha ação contra A..., Ld.ª, N.I.F. ......, para condenação desta;

7) O A. encontra-se filiado na FESAHT;

8) A R. é associada da APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo, e dedica-se à indústria de hotelaria, nomeadamente explorando e gerindo, entre outros, um estabelecimento de hotelaria denominado “A...”, estabelecimento esse classificado como hotel de 5 estrelas e que proporciona, mediante remuneração, serviços de alojamento e serviço de alimentação, com fornecimento de refeições, bebidas e cafetaria, sito na sua sede, onde todos os identificados associados do A. e aqui por ele representados trabalham;

9) Aos associados do A. a R. aplica o Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo – APHORT – e a Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria, e Turismo de Portugal – FESAHT, publicado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2018, no B.T.E. n.º 31, de 22 de agosto de 2011 (revisão global), o qual sucedeu ao publicado no B.T.E. n.º 26, de 15 de julho de 2008, que sucedeu ao publicado no B.T.E. n.º 23, de 22 de julho de 2006 celebrado entre a UNIHSNOR e a FESAHT, que por sua vez reviu o publicado no B.T.E. n.º 38, de 15 de outubro de 2004, que reviu o publicado no B.T.E. n.º 26, de 15 de julho de 2002, que por sua vez reviu o publicado no B.T.E. n.º 29, de 8 de agosto, n.º 36, de 29 de setembro, e n.º 43, de 22 de novembro, todos de 1998, n.º 29, de 8 de agosto de 1999, e n.º 30, de 15 de agosto de 2000;

10) O referido C.C.T. celebrado entre a APHORT e a FESAHT foi estendido por força da Portaria de Extensão publicada no B.T.E. n.º 47, de 22 de dezembro de 2008, sendo que também por força da Portaria de Extensão n.º 220/2018, de 27 de julho, se estendeu o C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2018;

11) De acordo com as escalas de trabalho e horários definidos, os Associados do A. a prestar trabalho na R. trabalharam dias feriados todos os anos desde pelo menos 2010;

12) Em janeiro de 2019, a R., de forma unilateral e sem o consentimento e aceitação dos associados do A., reduziu o valor do pagamento do trabalho em dia feriado, passando a remunerá-lo com um acréscimo de 100%, sem prejuízo da retribuição-base a que aqueles têm direito;

13) O horário de trabalho dos trabalhadores da R. associados do A. e por este aqui representados é de 40 horas de trabalho semanal;

14) Desde a data da sua constituição e respetivo início de laboração em 2010 e até dezembro 2018, com exceção do período de intervenção da Troika em Portugal, a R. sempre pagou aos seus trabalhadores associados no A. o trabalho prestado em dia feriado com um acréscimo de 200%, sem prejuízo da retribuição-base a que aqueles tinham direito;

15) Com a introdução, na Cláusula 78.ª n.º 2 do C.C.T. entre a UNIHSNOR Portugal – União das Empresas de Hotelaria, de Restauração e de Turismo de Portugal e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de junho de 2006, da fórmula matemática “(RM x 12):(52xn) x 2”, as partes quiseram prever que o trabalho prestado em dia feriado deve ser remunerado com um acréscimo de 200%, sem prejuízo da retribuição-base a que o trabalhador tem direito.

Os factos não provados:

Nada mais foi dado como provado, com relevo para a decisão da causa.”

B. Discussão

1. Matéria de facto

1.1. Apreciação do recurso

Ponto 15.º, provado:

Pugna a Recorrente no sentido de que este ponto deve ser alterado, passando a ter a redação seguinte:

“15) Com a introdução, na Cláusula 78.ª n.º 2 do C.C.T. entre a UNIHSNOR Portugal – União das Empresas de Hotelaria, de Restauração e de Turismo de Portugal e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de junho de 2006, da fórmula matemática “(RM x 12):(52xn) x 2”, as partes quiseram prever que o trabalho prestado em dia feriado deve ser remunerado com um acréscimo de 100%, sem prejuízo da retribuição-base a que o trabalhador tem direito”.

Socorrendo-nos ainda do corpo das alegações, indica como prova, para suportar a declaração, o que diz resultar dos depoimentos das testemunhas KK e AA, transcrevendo passagens que localiza no registo de gravação.

Pronuncia-se o Apelado, nas contra-alegações, pela adequação do julgado, sendo que, não obstante fazer referência ao que teria resultado do depoimento de testemunhas, apenas quanto a II faz indicação, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 640.º do CPC, da localização no registo de gravação de uma passagem do seu depoimento (“”vd. passagem da gravação deste depoimento entre 09.50m e 12.14m”).

Da motivação sobre a matéria de facto resulta o seguinte:

“(…) Resta-nos debruçar, nesta sede de apreciação crítica da prova, sobre a questão de saber qual terá sido o espírito dos outorgantes do C.C.T. outorgado entre a UNIHSNOR Portugal – União das Empresas de Hotelaria, de Restauração e de Turismo de Portugal e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de junho de 2006, ao terem introduzido, na respetiva Cláusula 78.ª n.º 2, a fórmula matemática “(RM x 12):(52xn) x 2”, que não constava das anteriores redações dos precedentes Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho aplicáveis ao setor da hotelaria. A este propósito, diga-se desde já que o mandatário que interveio, em representação da FESAHT, na outorga do referido C.C.T. foi KK, que, nessa qualidade, melhor do que ninguém saberá qual foi o espírito que presidiu à introdução da descrita fórmula matemática. Ora, aquele mandatário, enquanto representante do A., prestou declarações de parte em audiência final, referindo, sem hesitar, que a referenciada introdução destinou-se a esclarecer de uma vez por todas as dúvidas que ainda pudessem subsistir quanto à forma de cálculo da retribuição devida pelo trabalho prestado em dia feriado, qual seja, a retribuição normal, acrescida de duas vezes mais. Na mesma senda seguiu a testemunha LL, que também convenceu o tribunal quanto à circunstância de ter participado nas negociações do C.C.T. de 2006, explicando pormenorizadamente as razões que levaram ao acrescento da dita fórmula matemática. Ainda quanto àquele propósito, a testemunha AA, que explicou que também acompanhou de perto as negociações do identificado C.C.T. a partir de 2005, afirmou, estranhamente, não se recordar da razão ou razões pelas quais foi introduzida, na versão de 2006, a fórmula matemática “(RM x 12):(52xn) x 2”, nem logrou avançar qualquer explicação lógica para tal acrescento.

Por outro lado, se é verdade que, conforme resulta de fls. 80, 82 e 83 do documento junto aos autos em 20 de fevereiro de 2024, a APHORT entende que o trabalho prestado em dia feriado deve ser remunerado com um acréscimo singelo de 100% da retribuição normal – entendimento confirmado pelos depoimentos das testemunhas AA, HH, JJ e II –, não menos verdade é que esta não foi sempre a posição assumida por aquela Associação, tanto assim que, conforme referiu a testemunha GG, a indicação dada à R. para efetuar o pagamento com um acrescento de 200% em relação à retribuição normal foi dada pela própria APHORT. De resto, esta última testemunha, anterior Diretora de Recursos Humanos do grupo no qual se insere a R. – e, por isso, também desta –, afirmou, de forma objetiva, que, por ter vindo de uma outra área que não a hotelaria, encetou todos os esforços (quer junto da APHORT, quer junto de outros parceiros) no sentido de percecionar com rigor a forma de cálculo das diversas componentes retributivas, tendo chegado à conclusão que deveria proceder, quanto ao trabalho prestado em dias feriado, nos termos já atrás descritos e que foram implementados na R. até dezembro de 2018, inclusive.

Ainda por outro lado, a vontade que as partes contratantes pretenderam introduzir em termos convencionais quanto à forma de cálculo do trabalho prestado em dia feriado no sentido de este ser retribuído com um acréscimo de 200% sobre a retribuição normal, não é de todo descabida, tanto mais que, conforme informaram, com conhecimento de causa, as testemunhas MM e GG, havia e há unidades hoteleiras que pagavam e continuam a pagar aos seus trabalhadores o trabalho prestado em dia feriado com o referido acréscimo de 200%.”

Apreciando, importa desde já evidenciar que, estando em causa na presente ação, uma divergência clara das partes a respeito da interpretação que deve ser feita de cláusula de contrato coletivo de trabalho, assim mais exatamente a respeito do pagamento do trabalho prestado em dia feriado, interpretação essa que como é consabido (e aliás também referido na sentença) deve atender às normas referentes à interpretação da lei, nos termos preceituados no artigo 9.º do Código Civil, a resposta que é dada pelo Tribunal, no ponto em análise incorpora em si mesma, muito embora ao nível de qual teria sido a vontade das partes ao contratarem, o sentido que deveria ser dado ao conteúdo da referida cláusula, ao fazer-se constar que se quis “prever que o trabalho prestado em dia feriado deve ser remunerado com um acréscimo de 200%, sem prejuízo da retribuição-base a que o trabalhador tem direito” . De resto, esclareça-se do mesmo modo, também com a redação que a Recorrente oferece em alternativa se verifica tal circunstância, neste caso, porém, com sentido diverso, ao pretender que se faça constar que o que se quis prever foi que “o trabalho prestado em dia feriado deve ser remunerado com um acréscimo de 100%, sem prejuízo da retribuição-base a que o trabalhador tem direito”, o que bem evidencia que acaba por ser também transferida, para o âmbito da pronúncia em sede de matéria de facto, a decisão sobre qual deverá ser a solução de direito, em face da polémica que as partes trouxeram a juízo e a evidente discordância que assumem a esse respeito.

De resto, deixando-se consignado que se procedeu à reanálise da prova produzida, incluindo a indicada pelas partes no presente recurso – com audição, em alguns casos integral, dos registos de gravação no que à prova gravada diz respeito –, é precisamente essa clara divergência que se extrai dessa prova, com versões claramente contraditórias que foram apresentadas, bem evidentes nos depoimentos que foram prestados e em particular nos que foram indicados no presente recurso, sendo que, adiante-se desde já, dentro dos poderes que nos são concedidos no âmbito da reapreciação da matéria de facto, para efeitos de formação da nossa convicção, aquela prova não nos permite sequer ter como suficientemente seguro, enquanto nessa fundado, sem esquecer naturalmente a letra / texto da cláusula que aqui está em causa (como aliás entendemos que será pressuposto), que a intenção das partes tenha sido, efetivamente, aquela que o Tribunal recorrido fez constar do ponto em reanálise, mas também, de resto pelas mesmas razões, a redação que é oferecida pela Recorrente em substituição. Na verdade, em face da prova, os depoimentos em causa apresentam-se sem dúvidas como apontando em sentidos diversos, para não dizermos contrários, sem que consigamos detetar circunstâncias que nos permitam dar maior ou menor primazia a uns em detrimento de outros.

Por decorrência do exposto, resta-nos a solução de determinarmos a eliminação deste ponto da factualidade provada, o que se decide.

Aditamento de factos alegados nos artigos 13.º a 16.º da contestação:

Sustenta a Recorrente que deve ser aditado:

- Por resultar provado da certidão do registo comercial, junto como documento n.º 1 junto com a contestação, que foi aceite pelo Autor. o alegado no artigo 13.º da contestação: “A R. tem como objecto social: “ a) hotelaria e restauração em todas as suas modalidades; b) prestação de serviços e organização de eventos recreativos e de promoção turística, designadamente, de índole cultural, ambiental, gastronómica, enológica, de lazer e bem-estar e de animação; c) exploração de lojas destinadas à comercialização de produtos relacionados com as atividades acima referidas, designadamente bebidas alcoólicas e produtos alimentares; d) transporte de passageiros ou mercadorias, no âmbito da navegação local, em embarcações registadas no tráfego local; e) animação turística, nomeadamente, atividade marítimo turística; f) a gestão, promoção, aquisição, alienação, cessão e, em geral, exploração de direitos de propriedade intelectual e industrial, bem assim como as atividades de gestão da sua carteira de títulos; g) prestação de serviços conexos ou afins com todas as atividades acima mencionadas.”

- Com base no documento n.º 2 junto com a contestação, o alegado no artigo 14.º da contestação: “Na prossecução da sua actividade, a R. explora o estabelecimento hoteleiro designado A..., cuja abertura ao público ocorreu em 26 de Setembro de 2010.”

- Porque “conecto com o Facto Provado 8 e por se tratar de facto público e notório, dispensando-se a prova, pois é do conhecimento comum que os hotéis não encerram, funcionando continuamente, todas as horas e dias do ano, deve ser dado como provado o alegado no artigo 15.º da contestação: “A R. não suspende a sua actividade, estando em funcionamento 365 dias por ano e 24 horas por dia”.

- Referindo que se revela “relevante para a decisão da causa apurar as datas de admissão dos aqui associados da recorrida e resultar dos respectivos contratos de trabalho (aceites) juntos aos autos” (sob os n.ºs docs 3 a 7 da contestação, que habilitam a prova do facto), deve-se dar como provado, o alegado no artigo 16.º da contestação: “Os associados do A., foram admitidos ao serviço da R. nas seguintes datas: BB, com a categoria profissional de Trintanário Principal, em 19/07/2010; CC, com a categoria profissional de Empregada de Andares de 1.ª, em 06/09/2010; DD, com a categoria profissional de Promotor de Vendas, em 18/07/2011; EE, com a categoria profissional de Empregada de Andares de 1.ª, em 01/04/2011; FF, com a categoria profissional de bagageiro de 1.ª, em 19/07/2010”.

Socorrendo-nos das contra-alegações, resulta que o Apelado não se pronuncia expressamente sobre a matéria aqui em causa, constatando-se, também, que o Tribunal recorrido – diversamente, aliás, do que entendemos que resultará do disposto no artigo 607.º do CPC – não faz qualquer referência expressa na sentença a factos concretos que não tenham resultado provados – apenas se fez constar a afirmação genérica de que “Nada mais foi dado como provado, com relevo para a decisão da causa”.

Apreciando, então, na consideração dos argumentos e elementos de prova indicados pela Recorrente, não contrariados quer na sentença quer no presente recurso, entendemos que se justifica, efetivamente, que os mencionados factos sejam aditados à factualidade provada, nos teremos propostos, o que se decide.

Aditamento dos artigos 23.º a 27.º, da contestação:

Defende a Recorrente que deve ser dado como provado o alegado nestes artigos (matéria interligada e conexa), nos seguintes termos:

a) Entre o início de funcionamento da R., em Setembro de 2010 e Dezembro de 2018, inclusive, ocorreu uma errada aplicação pela R. das disposições legais e convencionais a que se encontra obrigada, em concreto, no que toca ao pagamento de trabalho normal em dia feriado, ou seja, aquele que ocorre, dentro do período normal de trabalho e horário de trabalho do trabalhador;

b) No programa de processamento de salários da R., foi erradamente parametrizado o pagamento desse trabalho e, por via disso, além da retribuição mensal normal, na rúbrica referente ao trabalho normal em dia feriado, foi introduzido o acréscimo de “200%”, a somar, portanto, à retribuição mensal do trabalhador;

c) Nesse mesmo programa de processamento de salários da R. o trabalho suplementar prestado em dia normal de trabalho, está igualmente parametrizado para ser pago com acréscimo de 200%, ou seja, o valor da hora em singelo, mais o acréscimo de 100%, a somar à retribuição mensal do trabalhador;

d) A R. estava plena e absolutamente convencida que ao agir assim estava a cumprir com o pagamento a que estava legalmente obrigada, ou seja, que estava a aplicar correctamente a disposição convencional relativa ao pagamento do trabalho normal em dia feriado (respectivamente, as Cláusulas 78.ª e 79.ª do CCT de 2006, 82.º e 83.ª do CCT de 2011 e, por fim, 48.ª do CCT de 2018)”.

Indica como prova o que diz resultar dos depoimentos das testemunhas GG, HH e FF, transcrevendo passagens que localiza no registo de gravação.

Não se pronunciando, mais uma vez, o Autor, nas contra-alegações, sobre esta matéria, constatando-se, também, do mesmo modo como antes o referimos o Tribunal recorrido, cumprindo-nos apreciar, desde já diremos que a pretensão da Recorrente não pode proceder pois que, afinal, o que visa é a introdução de expressões conclusivas e valorativas, ou seja, juízos de valor, com a agravante de se relacionam diretamente com a questão de direito que é objeto da ação, ou seja o modo como deve ser pago o trabalho em dia feriado, assim, para além do mais as menções, quanto consta “(…) uma errada aplicação pela R. das disposições legais e convencionais a que se encontra obrigada (…)”, ou ainda “(…) foi erradamente parametrizado o pagamento desse trabalho (…)”, já que a afirmação de que seria errada determinada aplicação significaria que a correta / adequada encerraria necessariamente um juízo e conclusão, que envolve nomeadamente a aplicação dos critérios interpretativos à norma.

Daí que não devam tais menções integrar o âmbito da pronúncia sobre a matéria de facto, por terem já subjacente a decisão de mérito na ação ao nível da aplicação do direito.

Socorrendo-nos dos ensinamentos de Alberto dos Reis, relembramos que a prova “só pode ter por objeto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é atividade estranha e superior à simples atividade instrutória”[2]. Manuel de Andrade, por sua vez, sem deixar de afastar o Direito – ou dizer, juízos de direito – não deixava também de considerar como passível de constituir objeto de prova “tanto os factos do mundo exterior, como os da vida psíquica”, “tanto os factos reais (….) como os chamados factos hipotéticos (lucros cessantes; vontade hipotética ou conjetural das partes, para efeitos, v.g., de redução ou de conversão de negócios jurídicos, etc)», «Tanto os factos nus e crus (….) como os juízos de facto (….)”[3]. Também Anselmo de Castro referia que “toda a norma pressupõe uma situação da vida que se destina a reger, mas que não define senão tipicamente nos seus caracteres mais gerais”, como ainda que “a aplicação da norma pressupõe, assim, primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, que possam enquadrar-se na hipótese legal”, sendo “esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência” que “constituem, respetivamente, o facto e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto” – acrescentando de seguida: “E, segundo, um juízo destinado a determinar se os factos em concreto averiguados cabem ou não efetivamente na situação querida pela norma, típica e abstratamente nela descrita pelos seus caracteres gerais – juízo este já jurídico (o chamado juízo de qualificação ou subsunção), visto pressupor necessariamente interpretação da lei, isto é, do âmbito ou alcance da previsão normativa. Só por este seu diverso conteúdo, facto e direito, juízo de facto e de direito, se distinguem, pois não diferem em estrutura. Para o efeito é indiferente a natureza do facto: são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos. Do conteúdo que deve revestir decidirá apenas a norma legal. Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que a ele possa ou não chegar-se diretamente, ou somente através de regras gerais e abstratas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regras da experiência). Raros, aliás, são os casos em que o conhecimento do facto dispense esses juízos e possa fazer-se apenas na base de puras perceções.”[4] Não obstante, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2015[5], importará esclarecer que “A meio caminho entre os puros factos e as questões de direito situam-se os juízos de valor sobre matéria de facto, nos quais deverá distinguir-se entre aqueles para cuja formulação se há-de recorrer a simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, e aqueles cuja emissão apela essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista”.

Em face do exposto, sem necessidade de outras considerações, o recurso improcede nesta parte.

Aditamento dos artigos 27.º, 30.º, 31.º e 32.º, da contestação:

Afirmando que por ser relevante para a boa decisão da causa, defende ainda a Recorrente que deve ser aditado como provado o que consta dos referidos artigos (matéria interligada e conexa), nos seguintes termos: “

a) Em seminário formativo que a APHORT promoveu, em 19 de Setembro de 2018, subordinado ao tema “O NOVO CONTRATO COLECTIVO DE TRABALHO”, ou seja, o publicado no BTE n.º 23, de 22/06/2018 e outorgado entre a APHORT e a FESAHT, em análise nestes autos, foi esclarecido que o pagamento dos feriados, sempre que prestado em dia normal de trabalho, ou seja, sem que fosse trabalho suplementar, tinha um acréscimo de 100%;

b) Nesse Seminário, esteve presente o trabalhador administrativo de Recursos Humanos da R., II, o qual, nessa data, se apercebeu que o pagamento do trabalho em dia normal e feriado na R. estava a ser feito de forma distinta, com acréscimo de 200% e não 100%;

c) O que transmitiu à Directora de Recursos Humanos da R., ao tempo, a Dra. GG”. Cfr. Doc. 9 da Contestação e Depoimentos, em 19/02/2024 de II, minutos 00:03:45 a 00:04:10 e de GG, minutos 00:21:45 a 00:22:50.”

Indica como prova o que diz resultar do documento 9 da Contestação, que corresponde à apresentação da Formação promovida pela APHORT, e dos depoimentos das testemunhas II e GG, transcrevendo passagens que localiza no registo de gravação.

Cumprindo-nos pronúncia, desde já diremos que não se vislumbra qual a relevância que possa resultar, para a decisão da causa, do pretendido aditamento dos aludidos pontos, pois que, salvo o devido respeito, estando em causa o modo como deve ser interpretado o teor da cláusula do contrato coletivo, por parte do Tribunal, tais factos são em absoluto desprovidos de utilidade para tais efeito.

Por decorrência do exposto, improcede o recurso nesta parte.

Aditamento dos artigos 35.º, 38.º e 39.º, da contestação:

Afirmando que por ser relevante para a boa decisão da causa, diz a Recorrente que deve ser aditado como provado o que consta dos referidos artigos, com a seguinte redação:

32. “Em face dessa constatação, a R. encetou diligências junto da APHORT e junto de outros departamentos de Recursos Humanos de Grupos Empresariais do sector para esclarecimento cabal e certeza da sua interpretação da Cláusula referente ao pagamento do trabalho prestado em dia feriado – a Cláusula 48.ª”.

33. “A R. cuidou de comunicar e explicar os motivos e fundamentos da alteração do pagamento de trabalho em dia normal e feriado às respectivas chefias que, por sua vez, transmitiriam às suas equipas.”

34. “O que fez, designadamente, por e-mail de 15 de Janeiro de 2019, subscrito pela Directora de Recursos Humanos, com o seguinte teor: Boa tarde a todos, Informamos que, a partir de 1 de janeiro de 2019, aplicaremos as regras de pagamento de feriados de acordo com o entendimento da APHORT, conforme o contrato coletivo de trabalho aplicável ao nosso setor. Tal significa que o valor a pagar pelo dia trabalhado num feriado terá um acréscimo de 100% sobre o valor base salarial. Mais relembramos que em dias de feriado, apenas deverão ser salvaguardadas as estruturas/ equipas mínimas para assegurar a operação nesses dias. Estas equipas têm de ser aprovadas previamente pelo respetivo diretor de departamento, utilizando o formulário em anexo. Qualquer dúvida, pf, esclarecer no departamento e RH.”

Indica como prova o que diz resultar do documento 10 junto com a Contestação, que corresponde à apresentação da Formação promovida pela APHORT, e dos depoimentos das testemunhas GG e JJ, transcrevendo passagens que localiza no registo de gravação.

Apreciando, valendo aqui as mesmas razões que mencionámos a respeito dos pontos anteriores, para onde remetemos evitando repetições, improcede também o recurso nesta parte.

Aditamento dos artigos 40.º, 42.º, 43.º e 44.º, da contestação:

Afirmando que por ser relevante para a boa decisão da causa, diz a Recorrente que deve ser aditado como provado o que consta dos referidos artigos, “(matéria interligada e conexa), nos seguintes termos:

“Em 19 de Setembro de 2019, a APHORT promoveu novo Seminário formativo para os seus associados, desta feita, subordinado ao tema “FÉRIAS, FERIADOS E FALTAS”, fazendo, aqui a compilação dos dois CCT que outorgou, a saber, com a FESAHT e com a SITESE, publicados no BTE n.º 23/2018 e 47/2018 e na temática relativa a FERIADOS e, em concreto quanto à sua forma de pagamento e, com suporte na Cláusula 48.ª dos CCT´s, foi referido, designadamente que o trabalho prestado em dia feriado será remunerado com um acréscimo de 100% sobre a retribuição normal e dados exaustivos e claros exemplos práticos, o que consolidou a interpretação e tratamento que a R. efectuava, desde Janeiro de 2019”.

Indica como prova: “Doc. 11 da Contestação e Depoimento, em 19/02/2024, de GG, 00:09:45 a 00:10:55 e 00:19:30 a 00:25:57”.

Mais uma vez valem quanto a esta matéria as mesmas razões que mencionámos a respeito dos pontos anteriores, para onde remetemos evitando repetições desnecessárias, pelo que improcede também o recurso nesta parte.

Pontos 12.º e 13.º, provados:

“12) Em janeiro de 2019, a R., de forma unilateral e sem o consentimento e aceitação dos associados do A., reduziu o valor do pagamento do trabalho em dia feriado, passando a remunerá-lo com um acréscimo de 100%, sem prejuízo da retribuição-base a que aqueles têm direito;

13) O horário de trabalho dos trabalhadores da R. associados do A. e por este aqui representados é de 40 horas de trabalho semanal;”

A pretensão da Recorrente, no sentido de serem dados como não provados os citados pontos assenta, se bem se percebe, como a mesma o refere, no pressuposto de que tivesse procedido o recurso quanto ao aditamento que pretendia da matéria que antes apreciámos, razão pela qual, não tendo obtido satisfação tal pretensão, cairia pela base o que agora pretende, a que acresce, diga-se, que sequer se vislumbra qual o fundamento, baseado na prova indicada, que justificaria a formação de convicção, por parte desta Relação, diversa da que esteve na base da resposta dada em 1.ª instância.

Improcede, pois, o recurso também nesta parte.

Aditamentos do vertido nos artigos 45.º a 50.º, 59.º, 62.º, 63.º, 68.º, 71.º e 74.º, da contestação:

Com o argumento de que será relevante para a boa decisão da causa, invoca por último a Recorrente que seja dada como provada a matéria alegada dos referidos artigos, com a redação que indica.

Ora, mais uma vez, a verdade é que não se vislumbra qual a relevância que possa resultar, para a decisão da causa, do pretendido aditamento da aludida matéria, pois que, tal como já o salientámos anteriormente, estando em causa, na presente ação, a questão de se saber qual o modo como deve ou não ser interpretado o teor da cláusula do contrato coletivo, apreciação essa a realizar pelo Tribunal, não assumem, para o efeito, diversamente do que parece entender a Recorrente, relevância a matéria de indica, pois que, afinal, dessa não resultaria qualquer elemento com interesse para aquela interpretação.

Improcede assim também nesta parte o recurso.

1.2. Em face do decidido anteriormente, o quando factual a atender, para dizermos de direito, é o que foi considerado em 1.ª instância, mas com as alterações antes introduzidas.

2. O Direito do caso:

Em face das conclusões que delimitam o objeto do recurso nos termos antes ditos, baseando-se também na alteração da matéria de facto por que também pugnou, invoca a Recorrente, no âmbito da aplicação do direito, no essencial os argumentos seguintes:

- ocorre uma errónea interpretação das Cláusulas 34.ª e 48.ª do Contrato Coletivo celebrado entre a Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo (APHORT) e a Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal (FESAHT), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de junho de 2018 (doravante, CCT aplicável), sustentando que a interpretação da cláusula 48.ª do CCT aplicável determina que o trabalho prestado em dia de feriado é remunerado com um acréscimo de 100% (cem por cento) e não de 200% como decidido pelo Tribunal a quo, o que implica a improcedência da ação e a sua absolvição no que toca aos Pontos B, C, D e E da Decisão;

- entre o início do seu funcionamento, em setembro de 2010 e dezembro de 2018, inclusive, ocorreu uma errada aplicação da sua parte das disposições legais e convencionais a que se encontra obrigada, em concreto, no que toca ao pagamento de trabalho normal em dia feriado – no programa de processamento de salários foi erradamente parametrizado o pagamento desse trabalho e, por via disso, além da retribuição mensal normal, na rúbrica referente ao trabalho normal em dia feriado, o acréscimo de “200%”, a somar, portanto, à retribuição mensal do trabalhador, sendo que diz, esse seu erro, no processamento salarial, não pode ser fundamento para entender-se que foi criado uso na empresa de pagamento do dia feriado com um acréscimo de 200%;

- a retribuição especial prevista no artigo 48º do CCT, referente ao acréscimo pelo trabalho prestado em dia feriado – retribuição que não tem um carácter periódico nem regular – não integra o conceito de retribuição à qual se possa aplicar a proibição da diminuição do valor da retribuição dos trabalhadores, não sendo, consequentemente, suscetível de consubstanciar qualquer violação do princípio da irredutibilidade da retribuição;

Pronunciando-se o Apelado pela total improcedência do recurso, cumprindo-nos apreciar, constata-se que resulta da sentença nomeadamente o seguinte (transcrição):

«(…) As questões que, por via da presente lide, cumpre dilucidar entroncam na da interpretação das cláusulas atinentes aos Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho.

(…)

Como já tivemos oportunidade de referir, as questões que aqui cumpre apreciar entroncam na da interpretação da Cláusula 82.ª n.º 2 do Contrato Coletivo entre a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (doravante, B.T.E.) n.º 31, de 22 de agosto de 2011, Cláusula aquela que corresponde à Cláusula 48.ª n.º 1 do Contrato Coletivo entre a APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2018.

Previamente à abordagem do referenciado tema, há que nos debruçarmos sobre a circunstância de saber se aqueles Instrumentos de Regulamentação Coletiva do Trabalho e os que os antecederam são de aplicar às relações laborais estabelecidas entre os aqui Associados do A. e a R. A este propósito e conforme bem se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de dezembro de 2007 (consultável em www.dgsi.pt), “para que a uma relação de trabalho seja aplicável um determinado instrumento de regulamentação coletiva, é necessário que as partes (trabalhador e empregador) se encontrem filiados nas respetivas entidades (sindicais e patronais) outorgantes, ou que o mesmo IRCT seja aplicável por força de uma PE, ou ainda que as partes tenham convencionado, em sede de contrato individual de trabalho, a aplicabilidade daquele instrumento de regulamentação coletiva.”.

De facto, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da dupla filiação, nos termos do qual as Convenções Coletivas de Trabalho apenas obrigam as entidades empregadoras que as subscrevam (ou as inscritas em associações de empregadores signatárias) e os trabalhadores ao seu serviço que sejam filiados em associações sindicais outorgantes, conforme resulta do preceituado no art.º 496.º do C. do Trabalho. Vista a matéria de facto tida por assente, forçoso se torna concluir que, in casu, o referenciado princípio mostra-se preenchido. Realmente, provou-se que o A. encontra-se filiado na FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, e que a R. é associada da APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo.

Fechado que foi o parêntesis, diremos que por via da interpretação de um determinado ato jurídico pretende-se apurar qual o sentido que o texto tem e, no caso de este poder conter vários sentidos, cumprirá determinar qual deles foi pretendido pelo autor ou autores daquele ato.

(…)

Assentes aquelas ideias iniciais, recorramos, em primeira linha, ao elemento literal da interpretação. Lembremos o que diz a supra referida Cláusula 48.ª:

1- O trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dia feriado será remunerado com um acréscimo de 100 % sobre a retribuição normal, conforme fórmula: RM x 12 / 52 x N x 2 sendo: RM = Remuneração mensal corresponde à soma da retribuição pecuniária base, com o montante relativo ao subsídio noturno, o montante relativo à isenção de horário de trabalho, o montante relativo ao prémio de línguas e o montante relativo a diuturnidades, quando a eles haja lugar; N = período normal de trabalho semanal.

2- Além disso, nos 3 dias seguintes após a realização do trabalho em dia de descanso semanal, terá o trabalhador de gozar o dia ou dias de descanso por inteiro em que se deslocou à empresa para prestar serviço.

3- Se por razões ponderosas e inamovíveis não puder gozar os seus dias de descanso, o trabalho desses dias ser-lhe-á pago como suplementar.

Primeiramente, cumpre notar que a Cláusula ora transcrita – que se manteve inalterada, quanto à retribuição a fixar por trabalho prestado em dias de descanso semanal, nas anteriores versões do Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho em apreço (cfr. a Cláusula 78.ª n.º 2 do C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2006, a Cláusula 78.ª n.º 2 do C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 26, de 15 de julho de 2008, e a Cláusula 82.ª n.º 2 do C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 31, de 22 de agosto de 2011) – não distingue entre os empregadores que suspendem a sua atividade aos domingos e feriados e os empregadores que não têm de o fazer. Sendo assim, o regime por aquela Cláusula instituído aplica-se a ambas as situações: ubi lex non distinguit nec non distinguere debemus.

Posto isto, a letra do n.º 1 da Cláusula acima transcrita alude a um acréscimo de 100% sobre a retribuição normal de acordo com uma fórmula matemática cujo resultado é multiplicado por dois.

A considerar-se que a letra da Cláusula em apreço, por si só, poderia não nos direcionar para a pretendida solução única, num segundo nível lancemos mão do elemento sistemático da hermenêutica jurídica. A este propósito, cumpre, desde logo, compaginar a dita Cláusula com o que refere a Cláusula 35.ª do mesmo C.C.T.: as empresas comunicarão aos respetivos trabalhadores, com pelo menos 6 dias de antecedência relativamente a cada feriado, se pretendem que estes trabalhem naquele dia. Ora, esta redação inculca a ideia segundo a qual o trabalho prestado em dia feriado não está incluído no horário de trabalho normal. Pois se o estivesse não faria qualquer sentido aquele “aviso prévio”.

Igualmente em termos de sistematicidade, há que trazer à colação o regime transitório instituído pela Cláusula 164.ª do C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2006 – que, relembre-se, pela primeira vez introduziu, na respetiva Cláusula 78.ª n.º 2, a fórmula matemática (RM x 12): (52 x n) x 2 – a qual dispõe:

As empresas que à data da entrada em vigor deste CCT não estejam a aplicar a fórmula prevista no n.º 2 da cláusula 78.ª para o pagamento do trabalho prestado em dia feriado, poderão dispor de um regime transitório nos seguintes termos:

- (RM×12):(52×n)×1,4;

- (RM×12):(52×n)×1,7;

- (RM×12):(52×n)×2.

Também daquele regime transitório afigura-se-nos não restarem margem para dúvidas quanto ao esclarecimento que, a partir do ano de 2006, se pretendeu alcançar relativamente ao modo de cálculo da retribuição devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. De facto, também por via da referida transitoriedade se deixou claro o sentido que, a partir de 2006 e sem margem para dúvidas, se pretendeu atribuir à introdução da fórmula matemática (RM x 12):(52 x n) x 2, qual seja, o de retribuir em dobro o trabalho prestado em dia de descanso semanal, sem prejuízo da retribuição-base.

Ainda assim, recorramos ao elemento histórico da interpretação negocial. Neste circunspecto, há que dar relevo à diferente redação que a correspondente Cláusula tinha no C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 38, de 15 de outubro de 2004: o trabalho prestado em dia de descanso semanal será remunerado com um acréscimo de 100% sobre a retribuição normal (cfr. a Cláusula 65.ª n.º 2 daquele C.C.T. de 2004). Ou seja, se as partes outorgantes tiveram a necessidade de introduzir, na atinente Cláusula e a somar ao apontado acréscimo de 100% sobre a retribuição normal, a fórmula matemática RM x 12 / 52 x N x 2, quiseram com isso esclarecer definitivamente alguma dúvida que existisse quanto ao cálculo da retribuição devida em dia de descanso semanal. Dito de outra forma: é preciso atribuir algum sentido prático e lógico à introdução da descrita fórmula matemática.

Admitindo-se, no entanto, que dúvidas ainda pudessem subsistir, vejamos qual o foi o espírito que presidiu à criação da Cláusula interpretanda, isto é, cumpre agora determinar qual a intenção dos redatores daquela. A este nível, provou-se que com a introdução, na Cláusula 78.ª n.º 2 do C.C.T. entre a UNIHSNOR Portugal – União das Empresas de Hotelaria, de Restauração e de Turismo de Portugal e a FESAHT – Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 23, de 22 de junho de 2006, da fórmula “(RM x 12):(52xn) x 2” (fórmula esta que, acrescentamos nós, foi replicada na Cláusula 78.ª n.º 2 do C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 26, de 15 de julho de 2008, na Cláusula 82.ª n.º 2 do C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 31, de 22 de agosto de 2011 e na Cláusula 48.ª n.º 1 do C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2018), as partes quiseram prever que o trabalho prestado em dia feriado deve ser remunerado com um acréscimo de 200%, sem prejuízo da retribuição-base a que o trabalhador tem direito.

Da simbiose de todos aqueles elementos da hermenêutica negocial retira-se que o que as partes pretenderam foi estipular um regime de retribuição do trabalho prestado em dia feriado que corresponde ao dobro da retribuição normal e sem prejuízo desta.

Apesar daquele sentido do regime convencional, o certo é que a R., a partir de janeiro de 2019, de forma unilateral e sem o consentimento e aceitação dos associados do A., reduziu o valor do pagamento do trabalho em dia feriado, passando a calculá-lo com um acréscimo de apenas 100% relativamente à retribuição normal. Cabe então perguntar: será que a R. o poderia fazer?

A proibição de diminuição da retribuição do trabalhador estava já plasmada no art.º 21.º n.º 1 c) do Decreto-lei nº 49 408, de 24 de novembro de 1969 (vulgarmente denominada de L.C.T., em vigor à data da celebração do contrato de trabalho entre as partes); foi posteriormente mantida no art.º 122.º d) do Código do Trabalho de 2003; e continua atualmente a estar consagrada no art.º 129.º n.º 1 d) do Código do Trabalho de 2009 (aplicável ao caso dos autos, uma vez que a alteração retributiva ocorreu no ano de 2019, quando aquele diploma já se encontrava em vigor).

Ora, aquela última citada norma dispõe que é proibido ao empregador diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos no próprio Código do Trabalho ou em Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho.

Impõe-se, assim, em primeiro lugar, saber exatamente o que se deve entender por retribuição.

Preceituava o n.º 1 art.º 82.º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, que só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho. Acrescentava ainda o n.º 2 do mesmo artigo que a retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.

A propósito, ensinava Pedro Romano Martinez (no Direito do Trabalho, 1994/95, págs. 419 a 423), em comentário à norma citada, serem três os elementos constitutivos da noção de retribuição ali plasmada:

i) a retribuição corresponde à contrapartida da atividade do trabalhador (sendo o contrato de trabalho bilateral, a retribuição encontra-se sinalagmaticamente ligada à atividade prestada pelo trabalhador);

ii) a retribuição pressupõe o pagamento de prestações de forma regular e periódica (a atribuição de carácter retributivo a determinada prestação do empregador exige a verificação de periodicidade e regularidade no seu pagamento), o que não se confunde com uma absoluta igualdade das prestações; iii) a prestação tem de ser feita em dinheiro ou em espécie, ou seja, tem de ter valor patrimonial.

Ademais, definia o art.º 84.º da L.C.T. a figura da retribuição variável, estabelecendo que na determinação do seu valor deveria ter-se em conta a média dos valores que o trabalhador recebia ou tinha direito a receber nos últimos doze meses ou no tempo de execução do contrato, caso este tivesse durado por um período inferior a doze meses (cfr. n.º 2 do citado preceito).

Por seu turno, os art.ºs 249.º e 252.º n.º 2, ambos do C. do Trabalho de 2003, mantiveram a redação dos art.ºs 82.º n.º 1 e 84.º n.º 2, ambos da L.C.T. O mesmo valendo para os art.ºs 258.º e seguintes do atual C. do Trabalho.

Realmente, o art.º 258.º n.º 1 do atual Código do Trabalho (nos exatos termos em que o faziam já o art.º 82.º da L.C.T. e o art.º 249.º n.º 1 do Código do Trabalho de 2003), dispõe que se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.

Por outro lado, o n.º 2 da mesma norma completa que a retribuição compreende a retribuição base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie.

Já o n.º 3 esclarece que se presume constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.

Lançando mão de um excerto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de abril de 2009, consultável em www.dgsi.pt, e no qual, entre outros autores, se cita Monteiro Fernandes, “deduz-se do referido preceito que a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desenvolvida, ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida. Constituindo critério legal da determinação da retribuição a obrigatoriedade do pagamento da(s) prestação(ões) pelo empregador, dele apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, contrato individual de trabalho, ou pelos usos da profissão e da empresa, e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da atividade pelo trabalhador – ou a sua disponibilidade para o trabalho – mas sim causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade para este. No que respeita à característica de periodicidade e regularidade da retribuição, significa, por um lado, a existência de uma vinculação prévia do empregador (quando se não ache expressamente consignada) e, por outro, corresponde à medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo, dessa forma, relevância ao nexo existente entre as retribuições e as necessidades pessoais e familiares daquele”.

A retribuição pode dividir-se em dois tipos de diferentes prestações: a retribuição base – que corresponde ao exercício da atividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido no contrato de trabalho ou em convenção coletiva – e as prestações complementares ou acessórias, por vezes também apelidadas de “aditivos” – são os vulgarmente denominados subsídios, prémios, gratificações, etc. –, que se considerarão como consubstanciando retribuição desde que assumam as características acima enunciadas.

Ora, o valor patrimonial de todas essas prestações tanto pode corresponder a um pagamento efetuado diretamente em dinheiro, como pode também ser o montante económico correspondente a uma determinada prestação em espécie.

Definido assim em traços gerais o conceito de retribuição, voltemos então ao início, ou seja, ao princípio da irredutibilidade da retribuição.

Sabemos já que aquele está consagrado no art.º 129.º n.º 1 d) do Código do Trabalho, e determina a proibição de o empregador diminuir a retribuição ao trabalhador.

Tenha-se em conta que, como se decidiu no já supra citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de abril de 2009, aquela proibição engloba quer a remuneração base, quer todas as outras prestações regulares e periódicas, feitas como contrapartida do trabalho. Porém, importa desde logo ter em consideração que tal proibição, embora consubstancie um princípio estruturante da posição jurídica do trabalhador, não pode ser encarada como absoluta. Em primeiro lugar, porque o próprio texto da lei consagra expressamente duas exceções à mesma, permitindo a diminuição da retribuição nos casos expressamente permitidos na lei e em Instrumentos de Regulamentação Coletiva. Depois, porque como tem vindo a ser decidido de forma praticamente uniforme pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a retribuição é constituída por diversas parcelas ou elementos, é lícito ao empregador diminuir o valor de algumas delas (ou até suprimi-la integralmente), desde que o quantitativo da retribuição global (apurado pelo somatório das diversas parcelas retributivas) resultante da alteração não se mostre inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração (neste sentido, vejam-se, v.g., os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de janeiro de 2008, de 26 de março de 2008, 4 de junho de 2008 e de 10 de julho de 2008, todos consultáveis em www.dgsi.pt).

Isto é, o que a lei salvaguarda é a impossibilidade de redução do valor global da retribuição, ainda que parcelas dessa retribuição possam ser alteradas ou até suprimidas.

A este propósito, escreve Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 4.ª edição, 2007, pág. 759) que “quando estejam em causa reestruturações ou reformas na organização da empresa, como em quaisquer outros casos em que o ajustamento salarial seja engendrado dentro de uma lógica de gestão empresarial global e articulada, a modificação da forma de pagamento da retribuição, na medida em que não envolva a diminuição da “retribuição global” do trabalhador, é lícita. A licitude de tal modificação funda-se no facto de não acarretar a diminuição da retribuição real efetivamente auferida pelo trabalhador, e, além disso, por ser promovida dentro dos limites da boa fé, segundo critérios de razoabilidade, de normalidade social e dentro de uma lógica empresarial séria e objetiva”.

No mesmo sentido se pronuncia Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, pág. 475), ao concluir que “desde que não resulte diminuído o valor total da retribuição, a estrutura dela pode ser unilateralmente alterada pelo empregador, mediante a supressão de algum componente, a mudança de frequência de outro, ou, ainda, a criação de um terceiro. Todavia, a alteração unilateral só é admissível, a nosso ver, quando se refira a elementos fundados nas estipulações individuais ou nos usos, excluindo-se, por conseguinte, os que derivem da lei ou da regulamentação coletiva”.

Por último, porque tal como também tem vindo a ser jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares. A este propósito, explicita o já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de abril de 2009, que “as prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio noturno, isenção de horário e outros subsídios) apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição - neste sentido, entre outros, os acórdãos deste Supremo de 25 de Setembro de 2002, 4 de Maio de 2005, e 17 de Janeiro de 2007 (…) em www.dgsi.pt. Isto é, embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação que lhe serve de fundamento, podendo o empregador suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição (…). Do que fica dito, impõe-se concluir que é permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição”.

Efetuada esta breve resenha teórica, analisemos então novamente o caso concreto. Ponderada a matéria de facto tida por provada, relembre-se que a R., a partir de janeiro de 2019, de forma unilateral e sem o consentimento e aceitação dos associados do A., reduziu o valor do pagamento do trabalho em dia feriado, passando a calculá-lo com um acréscimo de apenas 100% relativamente à retribuição normal. A nosso ver, a operada diminuição efetiva da retribuição dos associados do A. não assentou em nenhuma das hipóteses que o Código do Trabalho considera como válida. Sem descurar que a R. não alegou nem provou, como lhe competia, que os referidos associados, não obstante aquela diminuição da retribuição-base, mantiveram ou até viram aumentada a sua retribuição global líquida.

Àquele propósito, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10 de outubro de 2019 (consultável em www.dgsi.pt): “A questão centra-se no confronto do princípio da irredutibilidade salarial contido no art. 129.º n.º 1 al. d) do Código do Trabalho, com a redução da retribuição base, ocorrida em Setembro de 2012, que a Ré argumenta ter merecido a aceitação da trabalhadora – facto não provado. De todo o modo, observar-se-á que o princípio da irredutibilidade da retribuição constitui uma das garantias do trabalhador no contexto da relação laboral, dele decorrendo a impossibilidade de redução da retribuição auferida, ressalvando-se apenas os casos previstos no Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. O Código prevê alguns casos de diminuição da retribuição: redução do tempo de trabalho ou da suspensão do contrato de trabalho em situação de crise da empresa – art. 305.º n.º 1 al. a) – passagem do trabalhador do regime de trabalho a tempo integral para o regime do trabalho a tempo parcial – art. 154.º n.º 3 – ou a descida de categoria, nos casos em que é admitida e com autorização dos serviços inspectivos do ministério responsável pela área laboral – art. 119.º. Fora destas situações, a diminuição da retribuição, nomeadamente por mero acordo com o trabalhador, não é admitida por lei e constitui, de resto, contra-ordenação muito grave – art. 129.º n.º 2 do Código do Trabalho. Deste modo, está afectado de nulidade o acordo celebrado entre o empregador e o trabalhador que vise a redução da retribuição, fora das condições legais em que tal é permitido, mantendo o trabalhador o direito às diferenças entre a retribuição que lhe seria devida e a efectivamente prestada (Neste sentido, cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.10.2013 (Proc. 70/11.6TTLSB.L1.S1) e de 24.01.2018 (Proc. 2137/15.2T8TMR.E1.S1), ambos em www.dgsi.pt.)”.

No mesmo sentido segue o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de junho de 2015 (igualmente consultável em www.dgsi.pt). “I - A diminuição da retribuição apenas é possível nas específicas situações previstas no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. II - Da circunstância de a um trabalhador, chefe de departamento, ao longo de três anos lhe ter sido paga retribuição inferior à devida e de o mesmo não ter reclamado de tal situação não se pode concluir pela aceitação da retribuição que lhe foi paga, pois esta situação envolveria uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, que só podia ser reduzida nas circunstâncias referidas em I). III - Por isso, não age com abuso do direito o trabalhador que, decorridos esses três anos e na sequência da resolução do contrato de trabalho com outro fundamento, vem pedir o pagamento das diferenças entre a retribuição que lhe foi paga e a devida.”.

A que acresce o recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de fevereiro de 2023 (também consultável no mesmo site): “(…) E tal diminuição é proibida nos termos do art. 129º, nº 1, al. d), do CT/2009, mesmo que com o acordo do trabalhador, sendo que não se verifica nenhuma das situações nele previstas que permitam a diminuição da retribuição. Com efeito, dispõe o citado preceito que é ao empregador proibido diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho. Ora, não existe, no CT/2009, disposição legal que permita tal diminuição, nem ela decorre de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (…).”.

Em jeito de conclusão, dir-se-á que a retribuição dos associados do A. pelo trabalho por estes prestado em dias feriado, todos os anos desde pelo menos 2010, nunca poderia ter sido reduzida, como foi.

Não obstante e na falta de elementos factuais (v.g., número de feriados trabalhados, retribuições efetivamente pagas a esse título pelos associados do A.) que permitam proceder ao cálculo dos diferenciais remuneratórios devidos pela R. a título de trabalho prestado em dias feriado, remete-se a respetiva quantificação para liquidação de sentença (art.º 609.º n.º 2 do C. P. Civil).»

Em face da citada fundamentação, importa deixar consignado, desde logo, que é no quadro factual provado que deve assentar a aplicação do direito no caso, razão pela qual importará atender, então, também, às alterações que ocorreram, nesse âmbito, aquando da apreciação do recurso dirigido à impugnação da matéria de facto, como ainda, por outro lado, que se atenda, no âmbito da aplicação da lei e do direito, ao quadro normativo, em que se inclui, como fator de resto de manifesta e determinante relevância, ao conteúdo do CCT aplicável, para efeitos da sua interpretação, tanto mais que é essa que é objeto de discordância pelas partes.

Daí que, começando-se a apreciação por este último aspeto, ou seja da tarefa de interpretação que importa fazer, desde já diremos que não se discorda das considerações realizadas na sentença a propósito do modo como deve em geral ser realizada tal interpretação, de resto socorrendo-se de relevante Jurisprudência, assim, para além do mais, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de maio de 2023.

No caso, a divergência das partes incide sobre a cláusula 48.ª, na qual resulta:

1- O trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dia feriado será remunerado com um acréscimo de 100 % sobre a retribuição normal, conforme fórmula: RM x 12 / 52 x N x 2 sendo: RM = Remuneração mensal corresponde à soma da retribuição pecuniária base, com o montante relativo ao subsídio noturno, o montante relativo à isenção de horário de trabalho, o montante relativo ao prémio de línguas e o montante relativo a diuturnidades, quando a eles haja lugar; N = período normal de trabalho semanal.

2- Além disso, nos 3 dias seguintes após a realização do trabalho em dia de descanso semanal, terá o trabalhador de gozar o dia ou dias de descanso por inteiro em que se deslocou à empresa para prestar serviço.

3- Se por razões ponderosas e inamovíveis não puder gozar os seus dias de descanso, o trabalho desses dias ser-lhe-á pago como suplementar.

Apreciando, chamando também à aplicação os critérios interpretativos aplicáveis, a que se alude aliás na sentença, nos termos que antes o dissemos, desde já diremos, com a natural salvaguarda do respeito devido, que não acompanhamos a solução a que se chegou em 1.ª instância, pois que o conteúdo da cláusula em análise, desde logo o seu texto, mas também por apelo aos demais critérios interpretativos, não permite afirmar, como dito na sentença, que esteja previsto que “o trabalho prestado em dia feriado deve ser remunerado com um acréscimo de 200%, sem prejuízo da retribuição-base a que o trabalhador tem direito”, como, ainda, que “da simbiose de todos aqueles elementos da hermenêutica negocial retira-se que o que as partes pretenderam foi estipular um regime de retribuição do trabalho prestado em dia feriado que corresponde ao dobro da retribuição normal e sem prejuízo desta”.

Na verdade, o que se retira da cláusula em interpretação, de modo evidente e perfeitamente percetível, pois que é inegavelmente apenas isso que se diz, de resto em exata conformidade com a aplicação da fórmula matemática que também se fez constar, é que o trabalho prestado em dia feriado (é apenas esse que está em causa na ação e no presente recurso) “será remunerado com um acréscimo de 100 % sobre a retribuição normal”, sendo que, salvo o devido respeito, em face dessa redação, não se alcança em que possa ter qualquer apoio, mesmo que mínimo, uma qualquer interpretação que considere, como na sentença, que onde se estabeleceu 100% se deva considerar 200%.

Relembremos, para dar sustentação ao que antes afirmámos, também como na sentença recorrida, o texto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2003[6], quando se escreve[7]:

“(…) Na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo ou regulativo - como é o caso, uma vez que estamos perante cláusulas cuja finalidade é a de regular as relações individuais de trabalho estabelecidas entre os trabalhadores e o empregador - há que ponderar, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas - de aplicação directa aos contratos de trabalho em vigor - e, por outro lado, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados - ac. do STJ de 01-102015., Proc.º 4156/10.6TTLSB.L1.S1.

Este Supremo Tribunal tem reiteradamente afirmado que a interpretação da parte normativa das convenções colectivas deve seguir as regras da interpretação da lei - cf., entre outros, os ac. 22-06-2022, Proc. n.º 14406/20.5T8SNT.L1.S1, e de 01-06-2022, Proc. n.º 638/20.0T8PRT.P1.S1 (4.ª Secção)

A este respeito o artigo 9.º do Código Civil, embora afirme no seu n.º 1 que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, afirma, depois, que "não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso" (n.º 2) e que "na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (n.º 3).

A letra da lei - aqui a letra da cláusula da convenção - é não apenas o ponto de partida da interpretação, mas o limite da mesma, o que é de particular importância nesta sede já que as partes de uma convenção não devem obter pela interpretação da convenção pelo tribunal o que não lograram obter nas negociações.

"I. A interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho deve obedecer às regras próprias da interpretação da lei.

II. O enunciado linguístico da norma é o ponto de partida da atividade interpretativa, cujo objetivo é procurar reconstituir o pensamento das partes outorgantes da convenção, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

III. Na atividade de interpretação devem ser considerados os limites do próprio texto, de forma a excluir entre os seus possíveis sentidos o pensamento que não tenha na sua letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso" - ac. do STJ de 1404-2021, Proc. n.º 378/19.2T8PNF.P1.S1.

"I. Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no art. 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros.

II. Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica.- ac. de 28-09-2017, Processo n.º 1148/16.5T8BRG.G1.S1.”.

Não obstante o que antes referimos, que por si só retira sustentação à solução afirmada em 1.ª instância (pois que, tendo sido na interpretação que foi feita da cláusula aplicável que se fundou a decisão, falhando esse pressuposto interpretativo, falhará por decorrência o suporte dessa decisão), sempre esclareceremos o seguinte:

Desde logo, pois que se nos afigura que aí poderá ter residido o elemento que teria estado na base da solução a que se chegou em 1.ª instância, para dizermos que a circunstância de o acréscimo remuneratório previsto na cláusula em análise ser de aplicar ao trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dia feriado não permite concluir, sem mais, que a retribuição desse trabalho tenha de ser, em termos finais, exatamente a mesmo em ambos os casos.

É que esta cláusula, como aliás resulta também claro do seu texto, tem a ver unicamente com a aplicação do acréscimo que expressamente prevê em termos remuneratórios, assim de 100% para ambos esses casos, nada nos permitindo concluir, apenas com recurso à mesma, que o trabalho, num ou noutro desses casos, tenha sempre a mesma natureza, assim desde logo, circunstância a que se terá de atender, quanto a tratar-se de trabalho normal ou de natureza suplementar / extraordinário.

Este será um aspeto com real relevância, desde logo porque da cláusula aqui em apreciação não resulta, afinal, que o trabalho prestado em dia feriado seja havido como suplementar, como aliás não o diz em relação ao prestado em dia de descanso semanal, razão pela qual se nos imporá que nos socorramos, nesse âmbito, de outras cláusulas do CCT que o esclareçam, ou na sua falta do regime que resulta do Código do Trabalho (CT).

Abrindo um parênteses, para se ver da relevância do aspeto que mencionámos, aqui esclarecemos também que é aí que reside uma diferença substancial e determinante em relação às situações sobre as quais incidiram, por exemplo, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 28 de novembro de 2018 e do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de julho de 2018[8], de resto referente a cláusulas de CCTs subscritos pelo Autor da presente ação, pois que em tais cláusulas se fez constar, expressamente, que o trabalho prestado em dias feriado será havido como suplementar, o que, como já o dissemos, não ocorre no caso, em que nada se diz, assim na cláusula que se interpreta, a tal respeito.

Assim, fazendo-se também alusão na sentença que a referida cláusula “se manteve inalterada, quanto à retribuição a fixar por trabalho prestado em dias de descanso semanal, nas anteriores versões do Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho em apreço (cfr. a Cláusula 78.ª n.º 2 do C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2006, a Cláusula 78.ª n.º 2 do C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 26, de 15 de julho de 2008, e a Cláusula 82.ª n.º 2 do C.C.T. publicado no B.T.E. n.º 31, de 22 de agosto de 2011)”, afirmando-se, de seguida, que a mesma cláusula “não distingue entre os empregadores que suspendem a sua atividade aos domingos e feriados e os empregadores que não têm de o fazer”, para concluir que, “sendo assim, o regime por aquela Cláusula instituído aplica-se a ambas as situações” (ubi lex non distinguit nec non distinguere debemus), no entanto, porém, apesar de não nos merecer propriamente censura tal genérica afirmação, a verdade é que tal não permite, sem mais, concluir que nas duas situações aí previstas, ou seja, por um lado o trabalho prestado em dia de descanso semanal e por outro o que seja prestado em dia feriado, a remuneração deva ser necessariamente e sempre a mesma. Como já o dissemos, e desde logo, se vista isoladamente, o que tal cláusula permite afirmar é que em ambos os casos a remuneração será acrescida de “100 % sobre a retribuição normal”, mas, sem que já resulte, porém, qualquer elemento, mínimo que seja, que nos permita extrair que o resultado final, quanto ao valor da remuneração a receber pelo trabalhador, tenha de ser o mesmo, pois que, nada mais constando da cláusula, repete-se, por apelo aos critérios interpretativos, não se pode retirar que estejam sujeitos ao mesmo regime, sendo que só assim o seria, nomeadamente, se a remuneração, sem o acréscimo resultante da aplicação desta cláusula, devida pelo trabalho em cada uma das situações (em dia de descanso semanal, por um lado, e em dia feriado, por outro), devesse ser também igual, por aplicação de outras cláusulas do CCT que o indiquem, ou na falta dessas do regime previsto no CT – já que se o não for a diferença repercutir-se-á no resultado final.

De resto, salvo o devido respeito, em face também do referido pressuposto, não se poderá também acompanhar o caminho seguido pela sentença recorrida pois que, sendo verdade que na cláusula, como se diz nessa sentença, se vista isoladamente, acrescentamos nós, “não distingue entre os empregadores que suspendem a sua atividade aos domingos e feriados e os empregadores que não têm de o fazer”, no entanto, porém, a verdade é que constam outras cláusulas a que importará atender, desde logo, pois que com real importância nesse âmbito, em particular, sobre a natureza do trabalho prestado, assim como dito normal ou porventura suplementar (para o que pode também assumir relevância a circunstância de os estabelecimentos serem ou não de laboração contínua). Assim, nomeadamente: quando vistas as cláusulas estabelecidas a respeito da definição do período diário e semanal de trabalho (21.ª), regimes de horário de trabalho (23.ª), dias descanso semanal (33.ª), quais os dias de feriado e dever de comunicação (34.ª e 35.ª), ou ainda sobre o modo como deve ser pago o trabalho suplementar e direito conferido pela sua prestação (47.ª: seus n.ºs 1 e 2, assim, que a remuneração da hora suplementar será igual à retribuição efetiva da hora normal acrescida de 100 %. de acordo com a fórmula aí prevista; n.ºs 3 a 8, sobre “direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25 % das horas de trabalho realizado” e ainda, designadamente, caso esse não seja gozado, por razões ponderosas e inamovíveis, que o mesmo será “pago como suplementar”; também, porque elucidativo do que antes dissemos, a título exemplificativo, o que se dispõe na cláusula 34.ª, sobre dias feriado, quando, depois de se elencarem no seu n.º 1 quais são os feriados obrigatórios, no seu n.º 2, para além de se excecionarem desde logo os estabelecimentos de abastecedoras de aeronaves, se utiliza a expressão “é recomendável o encerramento dos estabelecimentos” mas referindo-se apenas “no dia 1 de maio”, acrescentando-se de seguida que “em relação àqueles que se mantenham em laboração e sempre que não impeça o normal funcionamento do estabelecimento, deve ser dispensado, pelo menos, metade do pessoal ao seu serviço” – constando aliás no seu n.º 3 referência aos “estabelecimentos que não sejam de laboração contínua”, estabelecendo-se que “no dia 24 de dezembro são obrigados a dispensar os trabalhadores, no máximo a partir das 20 horas”. O que antes referimos visa salientar que, em face do que resulta da cláusula, conjugada com as demais constantes do CCT, assim as antes mencionadas, a atividade prestada, quer em dia feriado quer em domingos, pode afinal estar incluída no horário do trabalhador, enquanto trabalho normal prestado.

De resto, a respeito da afirmação constante da sentença de que a letra do n.º 1 da Cláusula, ao aludir a “um acréscimo de 100% sobre a retribuição normal de acordo com uma fórmula matemática cujo resultado é multiplicado por dois”, importa que esclareçamos, de novo com a salvaguarda do respeito devido, que esse “resultado”, a que se alude, será o que resultar, para utilizarmos as mesmas palavras, da aludida multiplicação por dois, ou seja, em termos matemáticos, o designado produto (enquanto resultado da multiplicação entre os dois fatores) – não se nos afigurando assim propriamente exato, para não dizermos que será incorreto, dizer, por referência ao acréscimo de 100% a que se alude sobre a retribuição normal, que o seja “de acordo com uma fórmula matemática cujo resultado é multiplicado por dois”. Repete-se, o resultado / produto é o que já resulta da multiplicação.

Do mesmo modo, agora a propósito do que se dispõe na cláusula 35.ª do CCT (as empresas comunicarão aos respetivos trabalhadores, com pelo menos 6 dias de antecedência relativamente a cada feriado, se pretendem que estes trabalhem naquele dia), sequer poderemos acompanhar a sentença quando (dizendo-se que se estará a lançar “mão do elemento sistemático da hermenêutica jurídica”) se afirma que a redação da referida cláusula “inculca a ideia segundo a qual o trabalho prestado em dia feriado não está incluído no horário de trabalho normal”, “pois se o estivesse não faria qualquer sentido aquele “aviso prévio”. É que, nada mais resultando da cláusula do que o dever de informação que dessa consta, importa conciliar tal cláusula com as demais, desde logo a precedente (34.ª), a que antes já nos referimos, sobre dias feriado, cujas considerações agora se repetem, quando referimos que, elencando-se no seu n.º 1 quais são os feriados obrigatórios, no seu n.º 2, para além de se excecionarem desde logo os estabelecimentos de abastecedoras de aeronaves, se utiliza a expressão “é recomendável o encerramento dos estabelecimentos” mas referindo-se apenas “no dia 1 de maio”, acrescentando-se de seguida que “em relação àqueles que se mantenham em laboração e sempre que não impeça o normal funcionamento do estabelecimento, deve ser dispensado, pelo menos, metade do pessoal ao seu serviço” – constando aliás no seu n.º 3 referência aos “estabelecimentos que não sejam de laboração contínua”, estabelecendo-se que “no dia 24 de dezembro são obrigados a dispensar os trabalhadores, no máximo a partir das 20 horas”. Como já o dissemos, em face do que resulta da referida cláusula, conjugada com as demais que antes também mencionámos, transparece antes o sentido de que a atividade prestada, em dia feriado (como ainda em domingos), pode estar incluída no horário normal do trabalhador, ou seja, enquanto trabalho normal prestado.

Também sequer se poderiam acompanhar, esclareça-se mais uma vez, as considerações constantes da sentença quando se refere que o regime transitório instituído pela Cláusula 164.ª[9] do CCT publicado no B.T.E. n.º 23, de 22 de junho de 2006 permite extrair a conclusão de que tal regime transitório não deixará dúvidas: “quanto ao esclarecimento que, a partir do ano de 2006, se pretendeu alcançar relativamente ao modo de cálculo da retribuição devida pelo trabalho prestado em dia de descanso semanal. De facto, também por via da referida transitoriedade se deixou claro o sentido que, a partir de 2006 e sem margem para dúvidas, se pretendeu atribuir à introdução da fórmula matemática (RM x 12):(52 x n) x 2, qual seja, o de retribuir em dobro o trabalho prestado em dia de descanso semanal, sem prejuízo da retribuição-base.” Na verdade, e desde logo, a cláusula em causa (164.ª) não se refere sequer ao trabalho prestado em dia de descanso semanal e sim em dia feriado, importando ter presente, na procura da razão de ser para a sua estatuição, desde logo o regime que se encontrava estabelecido no CCT anterior, então substituído, publicado no BTE n.º 38.º de 2004, sendo que, no que aqui importa, neste já se encontrava estabelecido que a retribuição do trabalho prestado em dia de descanso semanal seria remunerado com um acréscimo de 100% [10], o que não ocorria com o trabalho prestado em dia feriado[11]. De resto, visto este CCT, já do mesmo resultava, também, na nossa ótica de modo claro, que se previam as situações em que os estabelecimentos tivessem laboração contínua, bastando para o efeito atentar no seu capítulo VI (“Duração do trabalho”), assim as cláusulas 49.ª e seguintes. Estas considerações visam salientar que, diversamente do que se entendeu na sentença recorrida, passando no CCT de 2006 a estabelecer-se, de resto ex novo, que o trabalho prestado em dia feriado seria remunerado com um acréscimo de 100%, acréscimo esse que, como vimos antes, já se encontrava estabelecido no CCT anterior para o trabalho em dia de descanso semanal (cláusula 79.ª, n.º 1: O trabalho prestado em dias feriados, quer obrigatórios quer concedidos pelo empregador, será havido e pago nos termos do n.º 2 da cláusula anterior)[12], percebe-se então que o regime estabelecido na aludida cláusula 164.ª, no sentido de que o respetivo pagamento – para as empresas que à data da sua entrada em vigor não estivessem a aplicar a fórmula então estabelecida – pudesse ser feito nos termos do regime transitório que se fez constar, para os anos seguintes, até ao ano de 2009 em que já seria de aplicar a fórmula estabelecida.

Por decorrência do exposto, sem necessidade de outras considerações, sendo pacificamente aceite, como antes dito, que na interpretação das cláusulas das convenções coletivas de trabalho se deve atender às normas referentes à interpretação da lei, nos termos preceituados no artigo 9.º do Código Civil, no caso, mais uma vez com salvaguarda do respeito devido, atendo todo o teor da cláusula em análise, não permite, de modo algum, dar sustentação ao entendimento, afirmado na sentença e defendido pelo Apelado, de que, com base apenas nessa cláusula do CCT, o trabalho prestado em dia feriado deve ser remunerado com um acréscimo de 200%, sem prejuízo da retribuição-base a que o trabalhador tem direito.

Como referido no Acórdão de 8 de maio de 2023[13], seguindo-se o Acórdão desta Relação de 8 de fevereiro de 2019[14], também a propósito de interpretação de cláusula de CCT muito embora diverso e situação também diversa, mas que neste aspeto será aplicável ao caso, “em todas estas normas o padrão é o acréscimo de determinada percentagem sobre a remuneração que o trabalhador aufere normalmente”.

Por decorrência do exposto, sem necessidade de outras considerações, assiste efetivamente razão à Recorrente quanto a esta analisada questão.

Ora, em face da solução a que chegámos anteriormente, o modo como a Ré passou a remunerar, a partir de janeiro de 2019, o trabalho prestado em dia feriado não está, diversamente do que foi invocado na ação pelo Autor – assim que a Ré deixou injustificadamente de pagar aos seus trabalhadores pelo trabalho prestado por estes em dia feriado a retribuição normal, acrescida de 200%, a partir de 1 de janeiro de 2019, em violação do disposto no Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho aplicável ao setor –, como ainda na sentença recorrida, em desconformidade com o que resulta estipulado no CCT aplicável, razão pela qual deixa de ter fundamento o suporte que naquela decisão foi encontrado em tal afirmada desconformidade, incluindo para efeitos de aplicação do princípio da irredutibilidade da retribuição, consagrado, como é consabido, no artigo 129.º, n.º 1, alínea d), do CT, a que acresce, a propósito da aplicação em geral de tal princípio, tal como aliás também salientado na sentença recorrida (baseando-se em jurisprudência que cita), que tal proibição, embora consubstancie um princípio estruturante da posição jurídica do trabalhador, não pode ser encarada como absoluta, desde logo, como mais uma vez aí se esclarece, porque o próprio texto da lei consagra expressamente duas exceções, permitindo a diminuição da retribuição nos casos expressamente permitidos na lei e, também, em Instrumentos de Regulamentação Coletiva, sendo que é neste último âmbito que se insere, afinal, por decorrência da interpretação que se operou de cláusula de CCT aplicável, a questão do pagamento da retribuição em dia feriado que foi colocada na ação.

Por outro lado, importando ainda ter presente, em face do quadro factual provado (após a nossa intervenção no presente recurso, em particular o aditamento a que se procedeu da matéria que foi alegada no artigo 15.º da contestação), que a Ré não suspende a sua atividade, estando em funcionamento 365 dias por ano e 24 horas por dia, importará ter presente que o próprio CT, no n.º 2 do seu artigo 269.º, prevê um regime próprio para as empresas não obrigadas a suspender o funcionamento em dia feriado – tendo o trabalhador que presta trabalho normal em dia feriado “direito a descanso compensatório de igual duração ou a acréscimo de 100% da retribuição correspondente, cabendo a escolha ao empregador” –, ou seja, não se pode dizer, sequer, que o pagamento que é realizado pela Ré colida com tal regime do CT, regime esse, que, importa dizê-lo, sequer é imperativo, podendo assim ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (conforme se dispõe no n.º 1 do artigo 3.º do CT). Acompanhando-se o texto do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de julho de 2018[15], diremos também que, sendo os Instrumentos de Regulamentação Coletiva de Trabalho fonte do direito do trabalho, disciplinadora do contrato de trabalho, que não podem contrariar normas legais imperativas, mas que, em regra, podem afastar as normas legais reguladoras do contrato de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário, sendo que, no que se refere às normas que respeitem ao descanso compensatório por trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em feriado e as relativas à remuneração do trabalho prestado em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, essas “não têm carácter imperativo e delas resulta o seu afastamento”, pelo que, “deste modo, podem ser alteradas por Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho por outras que, nomeadamente, sejam mais favoráveis para os trabalhadores, sendo que estando, tais matérias, correlacionadas com os direitos dos trabalhadores ao repouso, à conciliação da sua atividade com a sua vida pessoal e familiar e à proteção da família, são naturalmente mais propensas para serem objeto de negociação coletiva”.

No caso, constando da cláusula do CCT que “O trabalho prestado em dia de descanso semanal e em dia feriado será remunerado com um acréscimo de 100 % sobre a retribuição normal” – conforme fórmula (RM x 12): (52 x N ) x 2, sendo: RM = Remuneração mensal corresponde à soma da retribuição pecuniária base, com o montante relativo ao subsídio noturno, o montante relativo à isenção de horário de trabalho, o montante relativo ao prémio de línguas e o montante relativo a diuturnidades, quando a eles haja lugar; N = período normal de trabalho semanal –, exercendo afinal a Ré / empregadora a sua atividade em funcionamento contínuo e não correspondendo o trabalho prestado pelos trabalhadores nos dias feriados a trabalho prestado em dia de descanso, esse trabalho será assim prestado dentro do cumprimento do horário normal desses trabalhadores, muito embora beneficiando esses daquele acréscimo remuneratório de 100%, pelo que, nestas situações, em que é prestado trabalho normal em dia feriado, a retribuição diária do dia que corresponde ao dia feriado está já incluída na retribuição mensal que o trabalhador aufere, por correspondência a 30 dias, justamente porque aquele dia “feriado” corresponde a um “dia normal de trabalho”.

Depois das considerações que fizemos anteriormente, importa ter presente que é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, integrado também pelas que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, não relevando outras que eventualmente pudessem ser levantadas[16].

Desde modo, apreciados que foram os argumentos efetivamente levantados no recurso, já que outros não foram invocados, incluindo através da possibilidade, a ser o caso, de ampliação do objeto do recurso, resta-nos concluir, na procedência do recurso, pela revogação da sentença recorrida.

Custas da ação e do recurso pelo Autor, sem prejuízo, se for esse o caso, de isenção de que beneficie (alíneas f) e h) do n.º 1 do artigo 4.º do RCP).


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Sumário – artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

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IV - DECISÃO

Acordam os juízes que integram a Secção social do Tribunal da Relação do Porto, procedendo parcialmente na parte dirigida à impugnação da matéria de facto, nos termos decididos no presente acórdão, em julgar procedente o recurso no âmbito da aplicação do direito, com a consequente revogação da sentença recorrida, sendo no presente acórdão a Ré absolvida de todo o peticionado.

Custas da ação e do recurso pelo Autor, sem prejuízo, sendo o caso, de isenção de que beneficie.


Porto, 12 de maio de 2025

(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
António Luís Carvalhão
Rui Penha
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[1] Após redistribuição, por impedimento da anterior Exma. Adjunta.
[2] CPC ANOTADO, III, pág. 212
[3] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Lda, 1993, pág.194.
[4] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra – 1982; pág. 268
[5] Relator Conselheiro Melo Lima, in www.dgsi.pt.
[6] Diário da República de 17 de maio de 2023
[7] De resto, para além de muitos outros que nos dispensamos de identificar, em conformidade com o que resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de fevereiro de 2010, também citado na sentença, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Respetivamente, Processo n.º 1450/17.9T8CVL.C1, Relatora Desembargadora Paula Maria Roberto, e Processo n.º 735/17.9T8CBR.C1.S1, Relator Conselheiro Ferreira Pinto, ambos in www.dgsi.pt.
[9] As empresas que à data da entrada em vigor deste CCT não estejam a aplicar a fórmula prevista no n.o 2
da cláusula 78.a para o pagamento do trabalho prestado em dia feriado, poderão dispor de um regime transitório
nos seguintes termos:
2007—(RM×12):(52×n)×1,4;
2008—(RM×12):(52×n)×1,7;
2009—(RM×12):(52×n)×2.
[10] Cláusula 65.ª
Retribuição do trabalho prestado em dias de descanso semanal
1—É permitido trabalhar em dias de descanso semanal, nos mesmos casos ou circunstâncias em que é autorizada
a prestação de trabalho extraordinário.
2—O trabalho prestado em dia de descanso semanal será remunerado com um acréscimo de 100% sobre a retribuição normal.
3—Além disso, nos três dias seguintes após a realização desse trabalho extraordinário, terá o trabalhador de gozar o dia ou dias de descanso por inteiro em que se deslocou à empresa para prestar serviço.
4—Se por razões ponderosas e inamovíveis não puder gozar os seus dias de descanso, o trabalho desses dias ser-lhe-á pago como extraordinário.
[11] Vejam-se designadamente as cláusulas 66.ª e 67.ª.
[12] Cláusula 78.ª: n.º 2: O trabalho prestado em dia de descanso semanal será remunerado com um acréscimo de 100% sobre a retribuição normal, conforme a seguinte fórmula: (RM×12):(52×n)×2
[13] Relatado pelo aqui relator.
[14] Relator Desembargador Jerónimo Freitas, in www.dgsi.pt.
[15] Processo n.º 735/17.9T8CBR.C1.S1, Relator Conselheiro Ferreira Pinto, in www.dgsi.pt.
[16] Em que se poderia inserir, nomeadamente, qualquer eventual relevância que pudesse resultar do modo como a Ré fez o pagamento até 2019.