Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PAULO COSTA | ||
| Descritores: | ERRO SOBRE A ILICITUDE E SUA CENSURABILIDADE | ||
| Nº do Documento: | RP20251112212/25.4GBOAZ.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/12/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO DO ARGUIDO | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - Analisando a fundamentação da sentença e comparando-a com a exigente definição de erro notório, verifica-se que o tribunal utilizou uma inferência lógica (baseada nas regras da experiência sobre a importância e o cuidado que se dá a um impedimento significativo) para rejeitar a alegação de erro do arguido e concluir pela existência de dolo. Esta avaliação, inserida no âmbito da livre apreciação da prova, não configura uma distorção de ordem lógica ou uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou insustentável, pelo que não se verifica um erro notório na sentença, de acordo com o conceito legal apresentado. II - Entre duas versões que poderiam ser plausíveis, a encontrada pelo tribunal a quo mostra-se a mais plausível porquanto não contraria as regras da experiência nem se mostra arbitrária e resulta da relação direta da juiz a quo com o arguido, pelo que conclui-se não ser de alterar a matéria fáctica relativa à exclusão da culpa e nomeadamente no que diz respeito à falta de consciência da ilicitude do facto praticado, não tendo aplicação o disposto no art. 17º, n º 1 do Código Penal, caindo igualmente por terra a questão da censurabilidade ou não da sua conduta prevista no seu nº 2, na medida em que pressuporia a prévia conclusão de que havia atuado sem aquela consciência. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 212/25.4GBOAZ.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis Acordam, em conferência, na 1ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto I. Relatório No Processo Sumário em epígrafe identificado do Tribunal Judicial em epígrafe id., foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo: “Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgo a acusação deduzida nestes autos provada e procedente e, em consequência, decido condenar o arguido AA pela prática, em 28-03-2025 de um crime de condução de violação de proibições ou interdições, previsto e punido pelo art.º 353º C. Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa à razão diária de 9,00€ (nove euros), o que perfaz um total de 900,00€ (novecentos euros), desde já se consignando que haverá a descontar um dia de multa, nos termos do disposto no artigo 80.º, n.º 2, do CP, em virtude do período de detenção sofrido pelo arguido em 28-03-2025. *** Nas custas do processo, fixando-se em 2 UC’s a taxa de justiça art. 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e arts. 513º e 514º do Código de Processo Penal.”Inconformado, veio o arguido interpor recurso, pugnando pelo seu provimento com os fundamentos que constam da motivação, e formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem: 1. A decisão recorrida padece de erro de julgamento quanto à culpa do Arguido, por desconsideração do disposto no artigo 17.º do Código Penal — erro sobre a ilicitude do facto. 2. O Arguido, no momento da condução, encontrava-se sinceramente convencido de que o prazo da inibição de conduzir já havia terminado. 3. Tal convicção foi formada com base no decurso do tempo, na ausência de comunicação oficial sobre o termo da inibição e/ou com base em informação obtida de forma informal. 4. Não ficou demonstrado que o Arguido tivesse atuado com dolo ou com indiferença perante a ordem jurídica, mas sim com base num erro não censurável. 5. Nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Código Penal, quem atua sem consciência da ilicitude do facto e sem censurabilidade do erro, age sem culpa. 6. Ainda que se entenda existir alguma censurabilidade, o artigo 17.º, n.º 2, do Código Penal prevê a atenuação da pena. 7. A sentença recorrida violou, assim, os princípios da culpa e da proporcionalidade penal, bem como o disposto nos artigos 17.º e 1.º do Código Penal. 8. Deve, por isso, ser revogada a sentença condenatória, absolvendo-se o arguido por exclusão da culpa, ou, subsidiariamente, ser atenuada a pena aplicada. 9. A sentença recorrida incorre em erro na apreciação da prova, ao afirmar que o arguido confessou integral e sem reservas os factos constantes da acusação. 10. Tal afirmação não corresponde ao conteúdo efetivo das declarações prestadas pelo arguido em audiência, que em momento algum confessou de forma total e incondicional os factos imputados, tendo antes explicado que acreditava de boa-fé que já podia conduzir, por entender que a inibição de conduzir já havia cessado. 11. A valoração incorreta da prova produzida, ao considerar uma inexistente confissão integral, teve impacto na formação da convicção do tribunal quanto à culpa do arguido, violando o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. 12. O tribunal a quo ignorou a relevância do erro sobre a ilicitude do facto, nos termos do artigo 17.º do Código Penal, pois o arguido demonstrou de forma coerente que acreditava que a sua conduta era lícita, não tendo agido com consciência da ilicitude. 13. O erro do arguido sobre a duração da pena acessória não é censurável, tendo sido potenciado pela falta de comunicação oficial clara e pela ausência de qualquer impedimento no momento da condução. 14. Deve, por isso, ser reconhecido que o arguido atuou sem culpa, por força do artigo 17.º, n.º 1, do Código Penal, o que implica a sua absolvição. 15. Subsidiariamente, se se entender que o erro era censurável, deve a pena aplicada ser atenuada, nos termos do artigo 17.º, n.º 2, do mesmo diploma. 16. A sentença violou os princípios da culpa, da livre apreciação da prova com base na experiência comum (art. 127.º CPP) e do processo equitativo. 17. Deve, assim, ser revogada a decisão recorrida, com absolvição do arguido ou redução da pena aplicada, conforme os princípios legais aplicáveis. Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a Sentença recorrida e substituída por outra que revogue a condenação do Arguido, absolvendo-o, por exclusão da culpa nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Código Penal; ou se assim não se entender, seja atenuada a pena nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, proferindo-se acórdão em conformidade com os princípios da legalidade, culpa e proporcionalidade penal.” Admitido o recurso, o Ministério Público veio responder pugnando pelo seu não provimento e pela manutenção da decisão recorrida, concluindo: “Assim e em conclusão a. O recorrente não cumpriu as exigências do art. 412.º nº 3 e 4 do Código de Processo Penal para a impugnação da matéria de facto. b. Não se vislumbra no texto da decisão quaisquer dos vícios elencados no art. 410.º nº 2 do Código de Processo Penal. c. Estando assente a matéria de facto dada como provada e não sendo pelo recorrente suscitada qualquer outra questão, deve o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do art. 420.º nº 1 al. a) do Código de Processo Penal.” Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso e pela manutenção da decisão recorrida. Houve resposta ao parecer. “Em face do exposto, reafirma o ora Recorrente a validade e pertinência do recurso apresentado. E fá-lo reforçando que o recurso cumpre os requisitos do artigo 412.º, n.ºs 3 e CPP, uma vez que: - Foram indicados os pontos concretos de facto impugnados (consciência da ilicitude e confissão integral); - Foram referidos os excertos da prova (declarações do arguido e respetiva gravação); - E foi identificada a natureza do erro (erro não censurável sobre a ilicitude). Pelo que, defender que, ainda que se entenda não cumpridos de forma rigorosa os requisitos formais, o Tribunal da Relação pode e deve conhecer dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 CPP, pois o erro notório na apreciação da prova resulta do texto da sentença e da própria acta. Na esteira do que, não pode o Recorrente deixar de reafirmar que a sentença recorrida valorou erradamente as declarações do Arguido como confissão integral, o que afetou a apreciação da culpa, ignorando o erro sobre a ilicitude (artigo 17.º CP). Mais, ignorar o obvio e sustentar que a posição do Ministério Público viola o princípio da proporcionalidade e da culpa, pois a convicção sincera do Arguido de que podia conduzir elimina o dolo. Nestes termos e, nos melhores de Direito que V.ªs Exas. doutamente suprirão, requer-se que o Tribunal da Relação conheça do mérito do recurso, não acolhendo o parecer do Ministério Público e, consequentemente, revogue a sentença recorrida, absolvendo o Arguido AA por ausência de culpa (erro não censurável sobre a ilicitude, artigo 17.º, n.º 1 CP); Subsidiariamente, Atenue a pena aplicada ao abrigo do artigo 17.º, n.º 2 do mesmo diploma; Fazendo-se, assim, a costumada JUSTIÇA.” Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência. Nada obsta ao conhecimento do mérito. II. Fundamentação O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar (Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, nomeadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do CPP. In casu, o recurso, delimitado pelas conclusões da respetiva motivação, tem por objeto as questões seguintes: -Observância dos requisitos do art. 412º, n º 3 e 4 do CPP. -Vicio do erro notório na apreciação da prova. - Desconsideração do erro sobre a ilicitude do facto. - Subsidiariamente, caso o erro seja considerado censurável, atenuação da pena aplicada. II. A decisão recorrida Importa apreciar tais questões tendo presente o teor da decisão recorrida e os factos que dela constam, e respetiva motivação e parte do enquadramento jurídico que se transcrevem: “ (…)discussão da causa e com relevância para a decisão a proferir, resultaram provados os seguintes factos, que no âmbito que nos autos de processo sumário nº 645-24.3GBOAC, que corre termos no juízo do local criminal de Oliveira da Semestre, Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, 1.Por sentença proferida a 30 de outubro de 2024 e transitada em julgado a 2 de dezembro de 2024, foi o arguido condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º nº 1 e 69 nº 1 alineado ao Código Penal, na pena principal de 70 dias de multa e ainda na pena acessória de previsão de conduzir o veículos a motor pelo período de 3 meses e 20 dias. 2.A Carta de Condução foi apreendida à ordem destes autos no dia 9 de dezembro de 2024, cumprimento e sobredito a pena acessória de previsão de conduzir veículos com motor. 3.Todavia no dia 28 de março de 2025, pelas 22h10, na rua ..., em ..., o apelido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca com a matrícula ..-JO-.., da marca Opel, modelo ..., cor cinzenta. 4.Não obstante, a sua carta de condução estar apreendida para efeitos de cumprimento da referida pena acessória. 5.Da forma descrita, sabia que o Arguido que ainda não tinha decorrido o período de tempo durante o qual não podia conduzir veículos motorizados, conforme lhe foi imposto por uma sentença criminal, agindo com a intenção concretizada de violar uma proibição que lhe for imposta, que o Arguido agiu livre, voluntário e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 6.Quanto às condições pessoais e sociais económicas do Arguido, que o mesmo é reformado, auferindo uma reforma no valor de cerca de 1.000 euros. 7.Reside sozinho, tem uma filha, mas já maior e com vida independente. 8.Reside em casa própria e que tem uma despesa de cerca de pelo menos 60 a 70 euros mensais em farmácia e ainda que tem quarto ano de escolaridade. 9.O Arguido foi condenado no processo nº … pela prática do crime de condução sob o efeito de álcool. 10.Factos praticados a 19 de outubro de 2024, tendo aí sido condenado numa pena de 70 dias de multa, distinta a 10 de junho de 2025 e na pena acessória de 3 meses e 20 dias. Não ficam aqui quaisquer factos por provar. Relativamente à formação da convicção do Tribunal quanto a estes factos, o arguido prestou declarações em audiência de julgamento, reconhecendo, por um lado, a condenação de que tinha sido objeto no âmbito do processo 645, quanto a esta condenação e a questão aqui da concreta pena assessória, da entrega do título de condução, do período durante o qual perdurava esta sanção assessória. O Tribunal teve, em consideração para além das declarações do Arguido, também a certidão referente a este processo que consta de folhas 42 e seguintes, nomeadamente a ata de audiência de julgamento e ao despacho que liquidou a pena assessória, do qual consta que essa pena terminada precisamente a 29 de março de 2025. No que concerne ao elemento subjetivo, a vontade e consciência de atuar nos termos descritos. É certo aqui que o Arguido referiu em sede de audiência de julgamento que se enganou no dia, que achava que o dia em que estava a conduzir, o dia 28, sexta-feira de março, era já o dia 29. O certo é, e também aqui referiu o Arguido, que o transtorno causado por esta proibição de conduzir foi de facto significativo e, portanto, a sua ânsia, o seu desejo de voltar a poder conduzir era, de facto, significativo e por isso não se compreende como é que o Arguido, considerando aqui a relevância desta questão, pudesse estar confundido nos dias e achado que aquele dia já era alguém que podia conduzir e não tivesse verificado, de facto, essa circunstância. E, portanto, entendemos aqui que, de facto, o Arguido sabia que ainda não podia conduzir nesse dia, mas que acabou por ainda assim arriscar e conduzir nesse dia. Quanto às condições pessoais, sociais e económicas do arguido, o Tribunal teve aqui em consideração as declarações também prestadas pelo mesmo, que nesta parte mereceram a total credibilidade, e quanto aos antecedentes criminais teve em consideração o teor do certificado de registro criminal que está junto aos autos. Quanto ao enquadramento jurídico a dar a estes factos(…) Por outro lado, o elemento subjetivo que está aqui presente É um dolo genético, isto é, tem de ser representada que a conduta que é adotada viola uma proibição ou uma interdição e que essa proibição ou interdição foi imposta por uma sentença criminal, como é o caso das penas acessórias previstas pelo artigo 69º do Código Penal. Ora, tendo em conta o que aqui ficou demonstrado, entendemos que, de facto, quer o tipo subjetivo, quer o tipo objectivo, aliás, e o tipo, quer o tipo subjetivo, se encontram aqui preenchidos, uma vez que, de facto, o Arguido foi aqui condenado, além de mais, numa pena acessória de previsão de conduzir veículos com motor, por sentença que transitou em julgado desde dezembro de 2024, sendo esta proibição pelo período de 3 meses e 20 dias e que de facto o arguido estava aqui a conduzir ainda dentro deste período e que a atividade de condução ocorreu na via pública e não tendo ainda decorrido o tempo total referente a essa pena acessória e também assim que o arguido tendo aqui representado essa circunstância ainda assim atuou com essa vontade de realizar e por isso não havendo aqui qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa o Tribunal conclui que com a sua conduta o arguido cometeu, tal como vinha acusado, em autoria material, um crime de violação de proibições ou interdições previsto e punido pelo artigo 353º do Código Penal. Quanto às consequências deste crime, ele é punido com uma pena que pode ir de 1 mês a 2 anos de prisão ou de 10 a 240 dias de multa, sendo certo que diz-nos o artigo 40º do Código Penal que a aplicação de penas tem por finalidade a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, quer isto dizer que por um lado pretendemos demonstrar perante a comunidade que a norma que foi violada existe, está em vigor e tem que ser respeitada e por outro lado há o orgulho de demonstrar que o comportamento que adotou ou melhor, aplicar uma pena que permita ao arguido compreender que o comportamento adotado é um comportamento desadequado e que faça com que o mesmo deixe de adotar este tipo de comportamentos, portanto comportamentos que violem as normas em vigor na sociedade. Por outro lado ainda, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa que se verificar no caso concreto. Diz-nos ainda o artigo 70º do Código Penal, que nos casos, como é o caso dos autos, em que o crime é punido de forma alternativa com uma pena de prisão ou com uma pena de multa, o tribunal deve dar prevalência à pena não privativa da liberdade, sempre que isso der ainda resposta às exigências de prevenção que no caso se fizerem sentido. Neste caso, então, importa atender aqui às exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir. Ora, no caso das exigências de prevenção geral, elas não são ainda particularmente elevadas, mas já apresentam aqui um grau moderado, uma vez que é aqui necessário reafirmar a obediência devido às decisões dos judiciais, ou seja, houve o crime cometido pela violação de uma sentença judicial, pelo menos no que concerne à sanção acessória. Houve um comportamento grave aos olhos da sociedade, que é uma segunda norma que está a ser violada. Por outro lado, relativamente às exigências de prevenção especial, apesar de não se apresentarem ainda num patamar mínimo, também ainda não se apresentam particularmente elevadas, uma vez que de facto o arguido está aqui socialmente inserido. Económico e socialmente inserido e tem apenas um antecedente criminal que é precisamente aquele no âmbito do qual foi aplicada aqui a sanção acessória, que agora foi aqui incumprida. E por isso, tudo isto ponderado, o Tribunal entende que ainda é possível aplicar aqui uma pena não privativa da liberdade e ainda assim dar resposta às exigências de prevenção que este caso reclama e por isso o Tribunal opta pela aplicação de uma pena de multa. Quanto à medida concreta desta pena, diz-nos o artigo 71º do Código Penal que ela deve ter em consideração a culpa do agente, as exigências de prevenção que eu acabei de referir e ainda todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente e neste caso temos então aqui a favor do arguido que o grau da ilicitude da conduta é ainda mediano, temos também aqui que o arguido beneficia de integração social e económica, por outro lado e contra o arguido, temos a circunstância de o mesmo ter atuado aqui na modalidade mais grave do dolo e temos também aqui a circunstância de o arguido ter um antecedente criminal pela prática de um ilícito estradal que é aquele precisamente no hábito qual é aplicado a pena assessória que dá origem à prática dos factos em causa nestes autos. E a ser assim, o tribunal entende em face daquilo que ficou aqui demonstrado que é adequado e suficiente aplicar a pena de 100 dias de multa. Por ser aqui uma pena de multa, diz-nos o artigo 47º nº 2 do Código Penal, que cada dia de multa corresponde e 500 euros que o Tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais e quanto a isto, tendo em conta aquilo que ficou aqui demonstrado por um lado quanto aos rendimentos do orgulho e por outro lado quanto à composição do seu agregado familiar e aos encargos inerentes a isso mesmo, o Tribunal decide fixar aqui o quantitativo diário no valor de 9 euros. (…).” Vejamos. Alega o M.P. a quo que o recorrente, ao pretender impugnar a matéria de facto dada como provada, não observou os requisitos legais necessários para que a decisão, dos factos provados e não provados, possa ser reapreciada e modificada, não cumprindo, nem na motivação, nem nas conclusões, o disposto no art. 412.º nº 3 e 4 do Código de Processo Penal. O recorrente não terá indicado os concretos pontos de facto que, no seu entender, foram incorretamente julgados, ainda que se depreenda que impugna o facto relativo ao elemento subjetivo do tipo de ilícito, por concluir que não ficou demonstrado que tenha atuado com culpa, mas sim com base num erro não censurável sobre a ilicitude do facto. E, do mesmo modo, não indica as concretas provas produzidas que justificam a decisão que preconiza e que impunham uma decisão diversa da proferida, seja ou não com referência ao que da ata consta acerca da gravação e aos respetivos suportes técnicos, nomeadamente, as concretas passagens das suas declarações que impunham que se concluísse que tinha agido em erro. De facto, é certo que junta uma transcrição da globalidade das suas declarações, bem como da sentença. Porém, por um lado, a exigência legal da indicação das concretas provas que impõem decisão diversa, quando por referência à prova produzida em audiência de discussão e julgamento, apenas é cumprida com a indicação das concretas passagens das declarações ou depoimentos produzidos, não se bastando com a transcrição integral das declarações, como faz o recorrente. E, por outro lado, o certo é que a transcrição das declarações junta, presume-se que feita por um programa informático, não tem qualquer fidedignidade nem validade. Apreciando Quando o recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 412º, nº 3, a), do CPP, recai sobre si um especial dever de especificação dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, porquanto são estes que, de acordo com o que supra se expôs, irão delimitar o objeto do recurso, o que foi feito. Assim, não basta dizer que o tribunal apreciou erradamente a prova, é preciso que o recorrente identifique devidamente o ponto de facto que foi dado como provado, se é o caso, e não devia ter sido, na sua perspetiva, e qual a razão por que entende que assim deva ser. Ainda de acordo com a mesma norma, o recorrente tem de especificar as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, e sendo caso disso, as provas que devem ser renovadas – alíneas b) e c). Vendo de perto o recurso e sua motivação, não pode concluir-se no sentido pretendido pelo M.P. é certo que o recorrente não é primoroso na forma como faz a impugnação, contudo, torna-se evidente que questiona o elemento subjetivo do tipo legal de crime em questão e este é o ponto concreto dos elementos de facto dados como provados a este respeito na sentença e junta uma transcrição das declarações prestadas pelo arguido, o que constitui a prova concreta com que pretende impor decisão diversa. Por sua vez, a transcrição que juntou das declarações prestadas pelo arguido, cumpre minimamente, não querendo ser estritamente formalista, as exigências do nº 4 do art. 412º do CPP, porquanto foi a única prova produzida em julgamento (com menção às declarações do Arguido prestadas em audiência e às respetivas gravações, designadamente no período temporal entre 00:00:01 e 00:06:00, conforme transcrito e junto aos autos) e incide sobre a matéria do dolo. Não cumprindo estritamente aquele nº 4, satisfaz e permite percecionar o pretendido, pelo que não ocorre violação do disposto no art. 412º do CPP. Assim, o recurso cumpre os requisitos formais e substanciais exigidos pelo artigo 412.º do CPP. Do vício. A impugnação da matéria de facto em sede de recurso para o Tribunal da Relação pode ser feita por invocação dos vícios decisórios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, sindicando, dessa forma, as anomalias ou disfunções emergentes do texto da decisão, e uma outra, mais ampla e abrangente – porque não confinada ao texto da decisão –, com base nos elementos de documentação da prova produzida em julgamento, permitindo um efetivo grau de recurso em matéria de facto, mas impondo, na sua adoção, a observância das formalidades previstas no artigo 412º, nº3 e nº 4, do CPP (erro de julgamento em matéria de facto). A impugnação da matéria de facto por invocação dos vícios decisórios previstos no nº 2 do artigo 410º do CPP, de conhecimento oficioso, e que traduzem defeitos estruturais da decisão, e não do julgamento e, por isso, a sua evidenciação só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo, por se tratar de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna, e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Como é consabido, a decisão da matéria de facto em sede de recurso pode ser sindicada por duas vias alternativas: no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410º/2 do Cód. de Processo Penal, ou através da designada impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º/3/4/6, do mesmo diploma. No primeiro caso, estabelece o aludido art. 410º/2 do Cód. de Processo Penal que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) o erro notório na apreciação da prova. Em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível apelar a elementos estranhos àquela para o fundamentar – como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, em ‘Código de Processo Penal Anotado’, 10ª ed., pág. 729 ; Germano Marques da Silva, em ‘Curso de Processo Penal’, Vol. III, 2ª ed., pág. 339; ou ainda Simas Santos e Leal Henriques, em ‘Recursos em Processo Penal’, 6.ª ed., pág. 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente. Serão falhas que hão-de resultar da própria leitura da decisão e que são detetáveis pelo cidadão médio, devendo ser patentes, evidentes, imediatamente percetíveis à leitura da decisão, revelando juízos ilógicos ou contraditórios. O conceito de erro notório na apreciação da prova verifica-se quando se retira de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, ou quando, usando um processo racional e lógico, se chega a uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum. Exige-se que existam distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou uma apreciação manifestamente ilógica e insustentável, que não passe despercebida à observação comum do homem médio. Analisando a sentença proferida e a sua fundamentação, o ponto crucial para a eventual ocorrência de um erro notório reside na apreciação do elemento subjetivo por parte do arguido AA. O tribunal deu como provado que o arguido foi condenado por um crime anterior de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo-lhe sido aplicada a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 3 meses e 20 dias. A carta de condução foi apreendida a 9 de dezembro de 2024, para cumprimento da pena acessória. A pena acessória terminou precisamente a 29 de março de 2025. O arguido conduziu um veículo automóvel a 28 de março de 2025, pelas 22:10. O arguido sabia que não tinha decorrido o período de tempo durante o qual não podia conduzir e agiu com a intenção concretizada de violar a proibição imposta por sentença criminal. A defesa do arguido em audiência de julgamento foi a de que se enganou no dia, achando que o dia 28 de março (sexta-feira) já era o dia 29, a data em que a proibição cessava. O tribunal, ao analisar este aspeto, rejeitou esta alegação, fundamentando a sua convicção da seguinte forma: 1. O arguido referiu que o transtorno causado pela proibição de conduzir foi significativo. 2. A sua ânsia e desejo de voltar a poder conduzir eram de facto significativos. 3. O tribunal considerou que, dada a relevância desta questão e o desejo intenso de voltar a conduzir, "não se compreende" como é que o arguido pudesse estar confundido nos dias ou não tivesse verificado de facto essa circunstância. 4. A conclusão é que o arguido sabia que ainda não podia conduzir nesse dia, mas ainda assim arriscou e conduziu. O tribunal concluiu, por conseguinte, que o arguido cometeu o crime de violação de proibições ou interdições (Artigo 353º do Código Penal), estando preenchidos o tipo objetivo e o tipo subjetivo (dolo). O eventual erro notório, neste caso, incidiria sobre a inferência que o tribunal retirou dos factos comprovados para estabelecer o dolo (elemento subjetivo). Para que se verificasse um erro notório, a conclusão do tribunal (de que o arguido agiu com conhecimento e vontade, e não por engano) teria de ser manifestamente ilógica, arbitrária, ou de todo insustentável face às regras da experiência comum. A inferência utilizada pelo tribunal é a seguinte: Se a proibição causou um transtorno significativo e o desejo de voltar a conduzir era grande, as regras da experiência comum ditam que o arguido teria um cuidado extremo para saber a data exata em que o impedimento cessava, tornando a alegação de engano de um dia (28 vs. 29 de março) inverosímil. Esta linha de raciocínio, embora possa ser discutível (uma vez que uma pessoa pode, de facto, cometer um engano de um dia por lapso, mesmo em questões importantes), não atinge o patamar de "erro notório" tal como definido. O tribunal não deu como provado um facto que contradiz outro facto provado. A incongruência, se existir, não resulta de uma descoordenação factual imediata (incompatibilidade no espaço, tempo ou circunstâncias), mas sim de uma avaliação da credibilidade da alegação do arguido e de uma inferência sobre a sua intenção. O juízo de valor de que é "incompreensível" que alguém se engane na data de cessação de uma proibição que lhe causa grande ansiedade baseia-se numa aplicação racional (ainda que estrita) das regras da experiência comum sobre a atenção que se presta a assuntos de grande relevância pessoal. Esta não é uma conclusão que "não passe despercebida imediatamente" ao homem médio como sendo totalmente falsa ou insustentável. Em jeito de conclusão, analisando a fundamentação da sentença e comparando-a com a exigente definição de erro notório, verifica-se que o tribunal utilizou uma inferência lógica (baseada nas regras da experiência sobre a importância e o cuidado que se dá a um impedimento significativo) para rejeitar a alegação de erro do arguido e concluir pela existência de dolo. Esta avaliação, inserida no âmbito da livre apreciação da prova, não configura uma distorção de ordem lógica ou uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou insustentável, pelo que não se verifica um erro notório na sentença, de acordo com o conceito legal apresentado. Pretende o recorrente sustentar-se na argumentação de que o tribunal a quo considerou que o recorrente confessou os factos e tal não ser verdade. Ora, não obstante o que consta da ata não corresponder à verdade, certamente devido a lapso ao fazer -se menção da existência de uma confissão por parte do arguido o certo é que da decisão judicial a quo não resulta tal. Analisando a fundamentação da sentença e a formação da convicção do tribunal, verifica-se que o arguido prestou declarações em audiência de julgamento, mas estas declarações não constituíram uma confissão integral e sem reservas relativamente a todos os elementos do crime, especialmente o elemento subjetivo (dolo). O arguido reconheceu em sede de audiência de julgamento a condenação de que tinha sido objeto no âmbito do processo anterior (…). Relativamente à condenação, à pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor e ao período durante o qual esta sanção acessória perdurava, o tribunal teve em consideração as declarações do arguido, mas também se socorreu da certidão referente a esse processo (constante a folhas 42 e seguintes), que incluía o despacho que liquidou a pena acessória e do qual constava que a pena terminava a 29 de março de 2025. Além disso, as condições pessoais, sociais e económicas do arguido (ser reformado com rendimento de 1.000€, residir sozinho, ter despesas com farmácia, e ter o quarto ano de escolaridade) foram tidas em consideração com base nas declarações prestadas pelo arguido, que mereceram total credibilidade nesta parte. Contudo, a ideia de uma confissão "integral e sem reservas" é contrariada pela posição do arguido relativamente ao elemento subjetivo do crime (a vontade e consciência de atuar). O arguido referiu em audiência de julgamento que se enganou no dia, alegando que achava que o dia em que estava a conduzir (28 de março, sexta-feira) já era o dia 29 de março, data em que a proibição cessava. O tribunal rejeitou esta alegação de engano para formar a sua convicção sobre o dolo, fundamentando-se nas regras da experiência comum: Embora o arguido tenha admitido os factos objetivos (conduzir o veículo no dia 28 de março de 2025, durante o período em que a carta estava apreendida), e as suas declarações tenham sido usadas para comprovar esses factos e as suas condições pessoais, a sua defesa baseada no engano de um dia impediu que se classificasse a sua intervenção como uma confissão livre, integral e sem reservas do crime de violação de proibições ou interdições (Artigo 353.º do Código Penal), uma vez que negou ter atuado com dolo (intenção e conhecimento de violar a proibição). Embora o Arguido tenha prestado declarações de modo espontâneo, circunstanciando os factos, ele não confessou livre e espontaneamente a totalidade dos factos que lhe eram imputados, porque invocou em seu favor o erro na ilicitude. O tribunal estava ciente disto e laborou sobre isso mesmo, inferindo o dolo e culpa ao rejeitar a sua alegação de engano. Nos termos e para os efeitos do art. 410º/2/a) do Cód. de Processo Penal, improcede nesta parte da alegação do recorrente. Erro de julgamento quanto à culpa. Os argumentos de recurso apresentados centraram-se na existência de um erro na apreciação da prova (erro de julgamento), especificamente no que concerne ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo- o dolo, culpa, ou seja a inferência que o tribunal retirou da prova produzida violaria as regras da experiência. O elemento subjetivo, não havendo confissão infere-se dos demais factos dados como provados, uma vez que estamos num domínio interno, subjetivo. A argumentação principal do Recorrente centra-se no facto de ter atuado sem consciência da ilicitude e com a convicção, considerada de boa-fé e não censurável, de que o período de inibição de conduzir já havia terminado. Alega ter havido desconsideração do Erro e Ausência de Culpa (Art. 17.º, n.º 1, CP): A Sentença fez uma errada apreciação da matéria de facto e de direito no que se refere à sua culpabilidade, desconsiderando o erro sobre a ilicitude. O Arguido foi condenado por um crime praticado em 28-03-2025, embora a pena acessória de inibição de conduzir, imposta num processo anterior (…), que transitou em julgado em 02-12-2024, fosse de 3 meses e 20 dias. O arguido procedeu à entrega da carta de condução em 9 de dezembro de 2024. O Arguido afirmou que não agiu com consciência da ilicitude, mas sim com a convicção sincera – errada, mas que se pretende que seja não censurável – de que o prazo da inibição havia terminado precisamente no dia em que foi fiscalizado (28-03-2025). O Arguido demonstrou em audiência que acreditava que o prazo estava ultrapassado e que podia legalmente conduzir. O seu raciocínio era de que pensava que o dia da fiscalização correspondia ao primeiro dia subsequente ao termo da inibição. Ele não procurou violar a lei, mas sim agir de forma conforme à mesma, presumindo o cumprimento da pena acessória imposta. A crença errada do Arguido foi alimentada não só pela informação incorreta que obteve de forma informal junto de amigos que lhe computaram os dias, como também por informação errada sobre o dia em questão. A principal justificação para a não censurabilidade do erro é a ausência de comunicação formal: O Arguido não recebeu qualquer comunicação formal indicando o termo da proibição. O Arguido presumiu, com base no decurso do tempo e na ausência de impedimentos adicionais, que estaria habilitado a conduzir nesse dia (28-03-2025). A ausência de comunicação formal sobre o início ou fim do cumprimento efetivo da pena acessória contribuiu de forma decisiva para o erro. O Tribunal a quo ignorou que o Arguido afirmou que acreditava que o prazo da inibição já se encontrava ultrapassado. Ao presumir erroneamente uma consciência da ilicitude que não foi demonstrada, o Tribunal incorreu num erro que teve consequências diretas na apreciação da culpa. Face à existência de erro sobre a ilicitude não censurável, o Recorrente sustenta que, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Código Penal, deve ser absolvido por exclusão da culpa. Subsidiariamente, se o erro for considerado censurável, a pena deverá ser atenuada em conformidade com o artigo 17.º, n.º 2, do CP. A essência do argumento é que o Arguido foi condenado com base num pressuposto incorreto de que tinha plena consciência da proibição, quando na verdade, o seu comportamento e as suas declarações revelam uma postura cooperante de quem não pretendeu desrespeitar a ordem jurídica, mas foi levado a erro pela falta de meios formais de se certificar do termo da pena. Vejamos de perto, já verificámos que o tribunal não incorreu num erro notório, mas poderá de alguma forma ter efetuado, da analise do conjunto dos factos levados à audiência, uma errada apreciação dos factos. O Arguido alegou que a sua convicção errada (pensava que podia conduzir no dia 28-03-2025) foi potenciada pela falta de comunicação formal sobre o termo da proibição. Ele afirmou que acreditava que o prazo da inibição já se encontrava ultrapassado e que podia legalmente conduzir. A defesa insiste que ele não agiu com dolo nem com indiferença perante a ordem jurídica. A sua crença errada foi causada pela informação errada obtida informalmente junto de amigos que lhe computaram os dias, e pensava que o dia da fiscalização (28-03-2025) correspondia ao primeiro dia subsequente ao termo da inibição. A defesa sublinha que a ausência de uma comunicação formal por parte das autoridades sobre o termo efetivo da proibição contribuiu de forma decisiva para o erro. A defesa alega que, como ele cumpriu a pena acessória anterior (entregou a carta em 09-12-2024) e agiu com a convicção sincera de que a conduta não era punível. Tendo presente o que acima se disse a propósito da apreciação realizada pelo tribunal, o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de violação de proibições ou interdições (Artigo 353.º do Código Penal). A pena acessória de proibição de conduzir terminava, precisamente, a 29 de março de 2025. O facto de condução ocorreu a 28 de março de 2025. O arguido referiu em audiência que se enganou na data, achando que o dia 28 de março já era o dia 29, ou seja, o dia em que a proibição terminava. O tribunal avaliou esta alegação de erro e considerou-a inverosímil. O tribunal notou que o arguido tinha um desejo ("ânsia") significativo de voltar a conduzir, dado o transtorno causado pela proibição. Devido à relevância da questão, o tribunal considerou incompreensível que o arguido estivesse confuso nos dias e não tivesse verificado a circunstância. O tribunal concluiu que o arguido sabia que ainda não podia conduzir naquele dia 28, mas que "acabou por ainda assim arriscar e conduzir nesse dia". Portanto, o tribunal considerou que o arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei e que o elemento subjetivo do dolo se encontrava preenchido. A sentença concluiu que não havia "qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa". O Artigo 17.º do Código Penal regula a situação de quem atua sem consciência da ilicitude do facto (erro sobre a ilicitude). Se o tribunal tivesse aceite que o arguido genuinamente acreditava que a proibição já tinha terminado (erro de data), mas tivesse concluído que essa crença era: Não censurável (Art. 17.º, n.º 1): O arguido agiria sem culpa e seria absolvido (hipótese que o tribunal rejeitou, pois encontraria uma "causa de exclusão da culpa"). Se censurável (Art. 17.º, n.º 2): O arguido seria punido pela pena do crime doloso respetivo, a qual poderia ser especialmente atenuada. Esta situação ocorreria se o tribunal entendesse que, embora o arguido estivesse em erro (falta de consciência da ilicitude), deveria ter agido com o cuidado de verificar a data. No entanto, ao concluir que o arguido tinha consciência de que a proibição ainda estava em vigor e que arriscou conduzir, o tribunal a quo determinou a existência de dolo (intenção) e culpa. Tal implica, por definição, a consciência da ilicitude (ou pelo menos a sua representação). Uma vez estabelecido o dolo e culpa, a aplicação do Artigo 17.º do Código Penal (erro sobre a ilicitude) fica precludida. Terá havido um possível erro na apreciação da prova? O tribunal fundamentou a sua convicção na análise das declarações do arguido e na incredibilidade da sua justificação de engano, dada a importância da proibição. A decisão de que o arguido agiu com dolo e culpa é uma conclusão factual e jurídica retirada das provas apresentadas. Caso o tribunal se tivesse provado que a sua confusão era genuína e invencível (não censurável), a conduta seria excluída de culpa. Se fosse genuína mas vencível (censurável), aplicar-se-ia o Artigo 17.º, n.º 2. Contudo, a conclusão do tribunal de primeira instância foi a de que o dolo e a culpa se verificaram. Ora, o tribunal ouvido o arguido e tendo presente o princípio da imediação não errou na apreciação da prova de acordo com a fundamentação da sentença, mas sim rejeitou a alegação de erro, concluindo que o arguido agiu com culpa (consciência de que a conduta era proibida). Para que a conduta do arguido fosse classificada como um erro censurável (Artigo 17.º, n.º 2 do CPenal), o tribunal teria de aceitar que ele atuou sem consciência da ilicitude, mas que essa falta de consciência resultou de uma omissão de dever de cuidado (dever de verificar a data). No entanto, a conclusão judicial foi a de que ele tinha consciência de que a proibição vigorava, mas optou por arriscar. O arguido alegou em audiência de julgamento que se enganou no dia, pensando que o dia 28 de março era já o dia 29, ou seja, o dia em que a pena acessória de proibição de conduzir terminava. O tribunal considerou que esta justificação era inverosímil, porquanto a proibição de conduzir causou um "transtorno significativo" ao arguido. O arguido tinha uma "ânsia" ou desejo de voltar a poder conduzir que era, de facto, significativo. Dada a relevância da questão, o tribunal considerou "incompreensível" que o arguido estivesse confuso nos dias e não tivesse verificado a circunstância. Com base na rejeição do erro, o tribunal concluiu que o arguido tinha plena consciência da ilicitude da sua conduta: • O tribunal entendeu que o arguido "sabia que ainda não podia conduzir nesse dia" (28 de março de 2025). • O arguido "acabou por ainda assim arriscar e conduzir nesse dia". • O tribunal concluiu que o arguido agiu "voluntária e conscientemente", sabendo "que a sua conduta era proibida e punida por lei". • Ao atuar, o arguido tinha a intenção concretizada de violar uma proibição que lhe fora imposta por sentença criminal. • O arguido, tendo "representado essa circunstância" (a vigência da proibição), "ainda assim atuou com essa vontade de realizar" a conduta. Desta forma, o tribunal estabeleceu que o arguido atuou na "modalidade mais grave do dolo", cumprindo o requisito do elemento subjetivo do tipo de crime de violação de proibições ou interdições (Artigo 353.º do Código Penal). O tribunal fundamentou a inferência do dolo e da culpa (o elemento subjetivo, que implica vontade e consciência de atuar), rejeitando a alegação do arguido de que se tinha enganado na data. Poderá o tribunal a quo ter violado as regras da experiência? Esta questão levanta um ponto central na fundamentação das decisões judiciais, que é a utilização das regras da experiência (máximas de experiência comum) na avaliação da prova e na formação da convicção do juiz, nomeadamente para inferir o elemento subjetivo. Ora, o tribunal utilizou precisamente as regras da experiência e a lógica comum para desacreditar a versão do arguido. O tribunal teve de decidir se a alegação do arguido (de que se enganou na data e que pensava que o dia 28 de março já era o dia 29) era plausível ou genuína. Os argumentos utilizados pelo tribunal para inferir o dolo e rejeitar o erro foram construídos sobre o que se espera do comportamento humano em circunstâncias de elevada relevância pessoal. A grande relevância da questão e o forte desejo de conduzir tornam "incompreensível" que o arguido estivesse "confundido nos dias" e não tivesse verificado a circunstância do término da pena. Consciência de Risco: O arguido sabia que ainda não podia conduzir naquele dia 28 e, dada a improbabilidade do erro, "acabou por ainda assim arriscar e conduzir nesse dia"(A condução ocorreu no dia 28 de março de 2025, sendo que a pena acessória terminava "precisamente a 29 de março de 2025. O tribunal considerou a justificação de engano "inverosímil". Ao fazê-lo, está a afirmar que, segundo as regras da experiência comum, uma pessoa que valoriza muito a sua capacidade de condução (devido ao transtorno e à ânsia) e que está tão perto do fim da proibição, não faria um erro simples sobre a data final, mas antes faria o esforço de a verificar. A não verificação, neste contexto, foi interpretada como um risco consciente, preenchendo o dolo. O tribunal presumiu que a intensidade do desejo de conduzir levou a conduzir naquela data. Um argumento contra essa presunção (que poderia potencialmente alegar violação das regras da experiência) poderia focar-se em: A Fragilidade da Memória e Concentração: As regras da experiência também mostram que o ser humano, mesmo em questões importantes, é suscetível a lapsos de memória, confusão, ou "wishful thinking", especialmente sob stress ou ansiedade (a "ânsia" mencionada). Este argumento seria reforçado pela escolaridade baixa do arguido (4.º ano de escolaridade) e sua idade de 76 anos. A Proximidade do Fim: O facto de se estar no último dia (ou antepenúltimo, dependendo se o arguido contava o dia 29) pode, paradoxalmente, aumentar a probabilidade de erro por alívio ou precipitação, e não necessariamente de dolo. Contudo, o tribunal concluiu expressamente o contrário. O juiz utilizou as regras da experiência para concluir que a alegação de engano era tão improvável ("inverosímil") que a única alternativa era o dolo e culpa (consciência e vontade de violar a proibição). A plausibilidade da conclusão a que chegou o tribunal a quo está sustentada no principio da imediação. O princípio da imediação significa que o juiz que vai tomar a decisão deve estar em contacto direto com as fontes da prova, sejam testemunhas, partes ou peritos, durante a audiência. No contexto jurisprudencial, considera-se que “dar ou não dar crédito ao que diz uma testemunha é uma questão de convicção. Quando a atribuição de credibilidade [...] se baseia na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não é racional, ilógica ou inadmissível face às regras da experiência comum”. Assim, só a partir da imediação é possível ao juiz captar elementos subjetivos, como gestos, emoções, postura e linguagem não verbal, o que auxilia na avaliação da veracidade dos depoimentos. A imediação é fundamental para a liberdade de convicção do julgador e para a descoberta da verdade dos factos, sendo que os atos de produção da prova devem, em regra, ocorrer perante o tribunal que julga. O princípio da oralidade exige que os atos de produção de prova e requerimentos sejam efetuados oralmente em audiência, permitindo que todas as partes e o julgador estejam presentes e dialoguem diretamente. Na jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto, a oralidade permite ao juiz perceber elementos não objetiváveis, como a isenção e a certeza que se revelam por gestos e entoação de voz das partes e testemunhas. Este princípio reforça a imediação, pois assegura que o contacto é direto e não mediado por escrito, promovendo uma dinâmica mais viva e fiel da apreciação dos factos. A oralidade também tem ligação com o princípio da publicidade e com o dever de investigar a verdade material dos factos. Esta instância reconhece que tanto a imediação como a oralidade constituem limites à intervenção do tribunal de recurso na avaliação da prova, especialmente quando a convicção se forma com base em elementos captados na audiência. Estes princípios são frequentemente invocados para garantir que a produção da prova não seja truncada ou desvirtuada por procedimentos escritos ou afastamento físico das partes do julgador. A imediação e a oralidade asseguram maior transparência, autenticidade e justiça no processo, pois só assim o tribunal pode formar apreciação livre e pessoal sobre as fontes de prova. Portanto, ambos os princípios são considerados indispensáveis à garantia de um julgamento justo, à descoberta da verdade e à formação da convicção fundamentada do julgador, como reconhecido regularmente pela jurisprudência desta Relação. Vide Ac. Relação do Porto, entre outros, Processo n.º 293/20.7pavfr.P1, in www.dgsi.pt. Chegados aqui, entre duas versões que poderiam ser plausíveis, a encontrada pelo tribunal a quo mostra-se a mais plausível porquanto não contraria as regras da experiência nem se mostra arbitrária e resulta da relação direta da juiz a quo com o arguido, pelo que conclui-se não ser de alterar a matéria fáctica relativa à exclusão da culpa e nomeadamente no que diz respeito à falta de consciência da ilicitude do facto praticado, não tendo aplicação o disposto no art. 17º, n º 1 do Código Penal, caindo igualmente por terra a questão da censurabilidade ou não da sua conduta prevista no seu nº 2, na medida em que pressuporia a prévia conclusão de que havia atuado sem aquela consciência. Como o Recorrente alega que a sua conduta se deveu a um erro sobre a ilicitude do facto, sustenta que este erro não é censurável (o que levaria à absolvição, conforme o artigo 17.º, n.º 1, do CP), apresentando a atenuação como alternativa. O pedido de redução baseia-se no artigo 17.º, n.º 2, do Código Penal, que prevê que "Se o erro for censurável, a pena pode ser atenuada". As motivações de recurso concluem que, se o erro for considerado censurável, "deve a pena aplicada ser atenuada". Ou seja, o recorrente não questiona a pena em si, independentemente da aplicação do art. 17º do Código Penal. Sendo assim, nada mais haverá a apreciar. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem a 1ª secção criminal, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida. Custas pelo recorrente que fixo em 3 Ucs. Sumário da responsabilidade do relator. ……………………………… ……………………………… ……………………………… Porto, 12 de novembro de 2025 Paulo Costa José Quaresma Castela Rio (Elaborado e revisto pelo relator- artigo 94º, n.º 2, do CPP) |