Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | RITA ROMEIRA | ||
| Descritores: | ARTIGO 12.º DO CT/2009 / APLICAÇÃO NO TEMPO NÃO ILISÃO DA PRESUNÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RP202511032178/23.6T8VNG.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/03/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | ALTERADA A SENTENÇA | ||
| Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A nulidade por omissão de pronúncia, só se verifica se o julgador deixar de se pronunciar sobre questões (intrinsecamente consubstanciadoras do objecto do processo – causa de pedir e excepções deduzidas -) sobre as quais devesse pronunciar-se e não sobre os argumentos aduzidos pelas partes. II - É de aplicar o artigo 12º do CT/2009 aos contratos subsistentes aquando da sua entrada em vigor, ainda que iniciados anteriormente. III - Da análise das definições legais de contrato de trabalho e de contrato de prestação de serviço resulta que os elementos que os distinguem são, essencialmente, o objecto do contrato, ou seja, prestação de actividade ou obtenção de um resultado e o relacionamento entre as partes, ou seja, subordinação ou autonomia. IV - Atenta a presunção de laboralidade, estabelecida no art. 12º, do CT/2009, demonstrando o trabalhador pelo menos, duas das características enunciadas nas alíneas do seu nº 2, presume-se a existência de contrato de trabalho cabendo à, alegada, empregadora a prova do contrário (art. 350º, nº 2, do CC), não bastando, para o efeito, contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido, tendo de provar que não existiu a subordinação jurídica indiciada por aquelas e, nessa medida, um contrato de trabalho. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 2178/23.6T8VNG.P1 Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 1 Recorrentes: Ministério Público e AA Recorrida: Liga ... Acordam, nesta secção do Tribunal da Relação do Porto I - RELATÓRIO O Ministério Público instaurou, em 10.03.2023, na Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 1, a presente acção especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra Liga ..., NIPC ..., com sede na Rua ..., ... Vila Nova de Gaia, pedindo que seja declarado que, em janeiro de 2009, AA, residente na Rua ..., n.º ..., 1.º Esq., ... ..., Vila Nova de Gaia, celebrou com a Ré um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviços e, por via disso, seja condenada a Ré a reconhecer a existência desse contrato de trabalho com início no referido mês e ano. Fundamenta o seu pedido, sob a invocação de que, na sequência de uma ação inspetiva levada a cabo pela ACT – Centro Local do Grande Porto em 10 de fevereiro de 2023 às instalações da Ré (Clínica da Liga), situadas na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, foi constatado que o colaborador AA prestava atividade por conta/benefício da Ré em condições correspondentes às do contrato de trabalho, situação que lhe foi comunicada. Levantado o auto, em resposta à notificação que lhe foi dirigida, a Ré afirmou que foi celebrado um mero contrato de prestação de serviços com o colaborador e não regularizou a situação. Alega que, a Ré tem por objeto o Comércio a retalho de produtos farmacêuticos, em estabelecimentos especializados, prosseguindo os seguintes fins: “Promover por meio de estabelecimento e exploração de Farmácias o fornecimento de todos os produtos químicos farmacêuticos aos sócios das associações ligadas, bem como às suas famílias; conceder assistência médica aos sócios e familiares inscritos nas suas societárias” – CAE principal .... Mais, alega que, naquela data, 10 de fevereiro de 2023, pelas 15h00, a Inspetora da ACT constatou que AA, prestava a atividade profissional de Diretor de Clínica, atividade essa desempenhada naquelas instalações da Ré, tendo sido admitido e iniciado as mesmas, por contrato meramente verbal, com início em janeiro de 2009, para, sob as ordens, direção e instruções da Ré - representada por BB, Presidente do Conselho de Administração - desempenhar as funções de Diretor da Clínica, nas instalações da Ré, mediante o pagamento de uma retribuição certa, com periodicidade mensal, a quantia (certa) de 3.000,00€, que lhe é paga por transferência bancária, normalmente no último dia do mês, aquando do pagamento da retribuição devida aos restantes trabalhadores. Alega, ainda que, AA, para o exercício da sua atividade, utiliza os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Ré, como sejam, secretária, cadeira, material de escritório, computador, teclado, monitor, impressora, rato e telemóvel, realiza e recebe as comunicações relacionadas com o trabalho que desenvolve através de um endereço eletrónico institucional que lhe foi fornecido pela Ré: ..........@..... e observa horas de início e termo da atividade determinadas pela Ré, cumprindo o seguinte horário: das 07h40 às 12h30 e das 13h30 às 18h00, de segunda a sexta-feira. Por fim, alega que apesar de não efetuar registos de tempos de trabalho, AA acede ao local de trabalho através de chave que lhe foi entregue, sendo ele quem normalmente efetua a abertura das instalações, estando vinculado ao dever de assiduidade, comunicando superiormente, ao Presidente do Conselho de Administração sempre que não pode cumprir o horário, não lhe sendo descontado o período de ausência. * Citada a Ré, após ser-lhe deferido o pedido de prorrogação de prazo para o fazer, contestou alegando, em síntese, que “a relação entabulada entre a Ré e o Prestador AA não configura a existência de qualquer contrato de trabalho”.Mais, alega que a Ré não desenvolve uma atividade comercial direcionada para o lucro, mas sim para o apoio social e solidário, contribuindo ativamente para a redução da pobreza e doutras formas de exclusão social. Além disso, alega que, a longínqua actividade da Ré é e foi fruto de uma intensa e empenhada dedicação voluntária de diversas pessoas, eivadas de espírito cívico e solidário, em particular, pertencentes aos corpos sociais da Ré e das suprarreferidas instituições associadas, sendo o Prestador AA uma dessas pessoas, tendo um passado ligado ao movimento mutualista. Alega, ainda, que não houve da parte da Ré qualquer intenção de admitir o Prestador AA como seu trabalhador, ou de constituir qualquer vínculo de natureza laboral com este. Conclui que, “deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a Ré do pedido.”. * Notificado o (eventual) trabalhador, nos termos e para os efeitos do art. 186º-L, nº 4 do CPT, veio o mesmo nos termos do requerimento junto em 24.04.2023, aderir à petição do Mº Pº e esclarecer o que apelida de erros e omissões da contestação. * Após requerimento do MºPº foi proferido despacho a deferir a tomada de declarações de parte ao interveniente AA.* Realizada audiência de julgamento, nos termos documentados nas actas de 9.10, 8.11 e 05.12.2023, com gravação da prova pessoal e após a conclusão dos autos para o efeito, foi proferida sentença, em 14.10.2024, que terminou com a seguinte decisão:“Por tudo o exposto, julga-se improcedente a presente ação com vista ao reconhecimento da existência de contratos de trabalho entre AA e “Liga ...”, a qual, como tal, se absolve do pedido. Sem custas por delas estar isento o autor. Valor da ação: € 2.000,00. Registe e notifique, incluindo a ACT e a Segurança Social.”. * Inconformado o Ministério Público interpôs recurso, nos termos que constam das alegações juntas, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:……………………………… ……………………………… ……………………………… * Inconformado, também, com a sentença, o Interveniente, nos termos que constam das alegações juntas, veio aderir ao recurso interposto pelo MºPº, arguir a nulidade daquela, terminando com as seguintes CONCLUSÕES:……………………………… ……………………………… ……………………………… * A Ré notificada da apelação do Ministério Público veio responder, nos termos das contra-alegações juntas, terminando, com as seguintes conclusões:……………………………… ……………………………… ……………………………… * A Mª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho: “admito os recursos interpostos pela Digna Magistrada do MP junto deste Tribunal e pelo Interveniente AA, respectivamente a 3/11/2024 e 5/11/2024, os quais são de apelação, e subirão imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo (arts. 79º-A, 83º, n.º 1 e 83º-A CPT)” e ordenou a subida dos autos a esta Relação.* O Ex.mº Sr. Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer, invocando a falta de suporte legal para o fazer.* Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.* É sabido que, salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito a este Tribunal “ad quem” conhecer de matérias nelas não incluídas (cfr. art.s 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 608º nº 2, do CPC, aplicável “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT).Assim, as questões suscitadas e a apreciar consistem em saber se o Tribunal “a quo” errou: - e a sentença é nula por omissão de pronúncia; - quanto à decisão de facto; - quanto à decisão de direito e no que respeita a ambos os recursos, no que toca à aplicação ao caso do disposto no artigo 12º do CT/2009 e se a acção deve, em qualquer caso, ser julgada procedente. * II – FUNDAMENTAÇÃOA) Os Factos. “A - Factos provados: 1) Na sequência de uma ação inspetiva levada a cabo pela ACT – Centro Local do Grande Porto em 10 de fevereiro de 2023 às instalações da Ré (Clínica da Liga), situadas na Rua ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, foi constatado que CC aí prestava atividade, tendo a situação sido comunicada ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 15.º-A, n.º 3, da Lei n.º 107/2009, de 14/09. 2) Foi levantado auto pela ACT pelas 15h42 do dia 10/02/2023 e a Ré notificada nesse mesmo dia 10/02/2023, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º- A, n.º 1 da Lei n.º 107/2009, de 14/09, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 63/13, de 27/08, para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação do prestador da atividade ou pronunciar-se dizendo o que tivesse por conveniente. 3) Em resposta à notificação que lhe foi dirigida, a Ré afirmou que foi celebrado um mero contrato de prestação de serviços com o colaborador. 4) A Ré não regularizou a situação, tendo a ACT remetido a participação dos factos ao Ministério Público, onde deu entrada em 27/02/2023. 5) Em 06/03/2023 a ACT levantou o correspondente auto de notícia contra a Ré, pela prática de contraordenação laboral muito grave prevista no art.º 12.º, n.º 2, do Código do Trabalho, o qual foi remetido ao Ministério Público em 06/03/2023. 6) A Ré prossegue os seguintes fins: “Promover por meio de estabelecimento e exploração de Farmácias o fornecimento de todos os produtos químicos farmacêuticos aos sócios das associações ligadas, bem como às suas famílias; conceder assistência médica aos sócios e familiares inscritos nas suas societárias” – CAE principal .... 7) Em 10 de fevereiro de 2023, pelas 15h00, a Inspetora da ACT DD constatou que AA, com o NIF ..., NISS ... e residente na Rua ..., n.º ..., 1.º Esq., ... ..., Vila Nova de Gaia, prestava a atividade de Diretor de Clínica, atividade essa desempenhada nas instalações da Ré, situadas na Rua ..., ..., ... - Vila Nova de Gaia. 8) Enquanto Diretor da Clínica, compete a AA desempenhar, entre outras, as seguintes funções/tarefas: - assegurar a organização e funcionamento da clínica; - coadjuvar no recrutamento do corpo clínico e recursos humanos respeitantes à clínica; - assegurar a gestão e manutenção do edifício. 9) AA mantém autonomia para gerir os materiais consumíveis, procede à consulta e análise para aquisição, reparação ou manutenção de equipamentos e/ou instalações. 10) Em situações mais complexas, submete as propostas para aprovação superior. 11) AA presta a sua atividade de Diretor da Clínica no local pertencente à Ré, a saber, no consultório n.º 2 no 1.º andar da Clínica, nas instalações da Liga ..., local onde tem um posto de trabalho fixo. 12) Para o exercício da sua atividade, utiliza secretária, cadeira, material de escritório, computador, teclado, monitor, impressora, rato e telemóvel, tudo pertencente à ré. 13) AA realiza e recebe as comunicações relacionadas com as tarefas que desenvolve através de um endereço eletrónico institucional que lhe foi fornecido pela Ré: ..........@...... 14) AA não efetua registos de tempos de trabalho. 15) CC acede ao local onde presta a sua atividade através de chave que lhe foi entregue. 16) Por norma é ele quem efetua a abertura das instalações. 17) As suas ausências não lhe são descontadas. 18) A execução de algumas das tarefas desempenhadas por AA depende da presença física do mesmo nas instalações da Clínica da Ré, uma vez que desempenha funções de direção ou chefia. 19) O horário de funcionamento da Clínica, datado de 02-10-2020, encontra-se afixado em vários locais das respetivas instalações, constando do mesmo a assinatura de AA e a sua identificação como Diretor da Clínica, tal como outros avisos aos utentes igualmente afixados. 20) Como contrapartida da atividade prestada, AA recebe da Ré, com periodicidade mensal, a quantia (certa) de 3.000,00€, que lhe é paga por transferência bancária, normalmente no último dia do mês, aquando do pagamento da retribuição devida aos restantes trabalhadores. 21) O referido pagamento mensal é fixo. 22) As transferências bancárias efetuadas pela Ré em benefício de AA são identificadas como “pagamento de salários”, sendo normalmente seguidas da emissão dos recibos que são entregues à Ré. 23) AA dispõe de uma atividade aos fins de semana, pela qual aufere uma retribuição designada de prémio de jogo e subsídio de deslocação. 24) A Ré é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, constituída atualmente pelas seguintes associações mutualistas, suas Associadas: (i) A...; (ii) B...; e (iii) C.... 25) A Ré é uma organização integrada no âmbito da economia social (setor solidário e mutualista), sem fins lucrativos e sem distribuição de resultados, procedendo ao reinvestimento dos seus excedentes em respostas sociais, independente da Administração Pública, tendo forma de autogoverno, com autonomia de decisão no que se refere às suas missões, estatutos e regulamentos. 26) A Ré, com quase 118 anos de existência – criada por alvará régio a 11 de maio de 1905 – tem como fins “criar e manter, de forma regular e permanente, serviços e equipamentos de utilização comum paras as associações federadas e desenvolver ações mutualistas de benefício também comuns”, visando, na prossecução dos seus fins, “os seguintes objetivos: a) promovendo a exploração de uma ou mais farmácias, abrir delegações representativas para o fornecimento de todos os produtos químicos e farmacêuticos, de melhor qualidade possível aos sócios e familiares das associações federadas, …; b) prestar assistência clínica e de enfermagem aos sócios e familiares das associadas em postos clínicos e de enfermagem instalados na sede da Liga, em instalações de instituições congéneres, bem como nos consultórios de médicos especialistas, …”. 27) A Ré desenvolve uma atividade direcionada para o apoio social e solidário, contribuindo ativamente para a redução da pobreza e doutras formas de exclusão social. 28) Nesse âmbito, a Ré detém atualmente a exploração de uma farmácia (denominada “Farmácia da Liga”, inaugurada em Maio de 2007, sendo um espaço farmacêutico de referência no panorama distrital, pela modernidade, diversidade e qualidade dos serviços que oferece), e de uma Clínica Médica (denominada “Clínica da Liga”, inaugurada em Junho de 2008 e com instalações no edifício da sua sede), através da qual oferece aos seus associados a prestação de um vasto conjunto de serviços médicos e clínicos, das mais diversas especialidades (clínica geral, cardiologia, cirurgia geral, doenças da mama, doenças do aparelho digestivo, oncologia, cirurgia plástica, dermatologia, endocrinologia, gastrenterologia, ginecologia/obstetrícia, medicina dentária, nefrologia, neurologia, pediatria e neuropediatria, oftalmologia, ortopedia, análises clínicas, etc.), com um custo abaixo dos preços de mercado. 29) As instalações da Clínica da Liga, desenhadas e construídas de raiz, estão equipadas com os mais modernos equipamentos, num conjunto de mais de 20 consultórios e 3 salas de espera, abrangendo mais de 30 especialidades médicas. 30) Nessas mesmas instalações, a Ré dispõe ainda de uma Clínica ... e de uma Clínica 1.... 31) A Ré tem ao seu serviço cerca de 40 (quarenta) trabalhadores e dispõe de um quadro clínico composto por cerca de 40 (quarenta) profissionais da área da saúde (médicos, enfermeiros e terapeutas), com os quais tem acordado e protocolado a prestação dos respetivos serviços médicos e clínicos. 32) Tudo fruto de uma intensa e empenhada dedicação voluntária de diversas pessoas, eivadas de espírito cívico e solidário, em particular, pertencentes aos corpos sociais da Ré e das suprarreferidas instituições associadas. 33) AA é uma dessas pessoas, tendo um passado ligado ao movimento mutualista. 34) AA foi (designado) Presidente da Direção / Conselho de Administração da Ré, cargo estatutário este, com funções executivas, que ocupou entre 01/01/2003 e 31/12/2008. 35) AA ocupou diversas posições nos órgãos sociais da instituição associada da Ré, a B..., da qual foi, inclusive, (designado) presidente da respetiva direção. 36) AA tem e teve, desde sempre, uma vivência empresarial, política, desportiva e social bastante ativa. 37) AA explorou uma empresa de comércio internacional, de importação e exportação, em ... – Vila Nova de Gaia. 38) Atividade empresarial esta pela qual auferiu rendimentos de trabalho e empresariais. 39) AA foi e é militante ativo de partido político, tendo sido candidato autárquico em diversas eleições e participado nas correspondentes campanhas políticas. 40) AA ocupou diversos cargos autárquicos, sendo, atualmente, membro eleito da Assembleia de Junta de Freguesia .... 41) AA foi até há um pouco tempo atrás, árbitro nacional e internacional da modalidade de desportiva de voleibol, atividade esta pela qual auferiu rendimentos. 42) AA foi formador de árbitros de voleibol, atividade esta pela qual auferiu rendimentos - € 695,00, em outubro de 2015. 43) AA realizou, como árbitro internacional, várias deslocações ao estrangeiro, bem como diversas ações de formação de arbitragem. 44) AA é membro dos órgãos sociais da Federação Portuguesa de Voleibol para o quadriénio 2020-2024, integrando o Conselho de Arbitragem. 45) AA foi membro dos órgãos sociais da D..., CRL, tratando-se de uma cooperativa de solidariedade social com sede na Freguesia ... e de abrangência regional a nível concelhio. 46) Tal cooperativa, fundada em 2007, constituída como Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) desde 2008, surge de uma visão estratégica de responsáveis políticos e individualidades com responsabilidades e/ou preocupações ao nível das questões sociais. 47) AA foi (designado) Tesoureiro da referida Cooperativa nos mandatos de 2009-2011 e 2012-2014 e foi (designado) Presidente da respetiva Direção nos mandatos de 2014-2016, 2017-2018 e 2019-2020. 48) AA, na qualidade de membro dos órgãos sociais da D..., e, em particular, como Presidente da respetiva Direção, desenvolveu um trabalho intensivo, negociando e celebrando contratos, bem como negociando e celebrando acordos, protocolos e parcerias com diversas instituições. 49) Foi durante o mandato do Prestador AA como Presidente da Direção / Conselho de Administração da Ré (biénio 2007-2008) que foram inauguradas as atuais instalações da Farmácia da Liga e as atuais instalações da Clínica da Liga. 50) A abertura destes dois espaços, implicou um intenso trabalho e uma muito acentuada e voluntariosa dedicação por parte dos membros da Direção / Conselho de Administração da Ré. 51) AA, enquanto Presidente da Direção / Conselho de Administração da Ré, dedicou muito do seu tempo à concretização dos referidos empreendimentos – Farmácia da Liga e Clínica da Liga –, procedendo a um trabalho de acompanhamento muito próximo das negociações e respetivas obras de edificação dos mencionados estabelecimentos. 52) Da ata da assembleia geral extraordinária da Ré, realizada no dia 02.05.2007, consta: “(…) O Senhor Presidente da A..., BB, felicitou a Direção pela inauguração da Farmácia, e pelo ótimo desempenho da mesma. Esta felicitação mereceu a intervenção dos Srs. Delegados das societárias restantes, que corroboraram as palavras do senhor Presidente da A.... Pela Direção, o Sr. EE agradeceu as felicitações emitidas pelas societárias. No entanto, informou a Assembleia Geral que este trabalho que a Liga está a desenvolver, deve-se fundamentalmente ao grande empenhamento, disponibilidade e dedicação do Senhor Presidente da Direção, Sr. AA. O Representante da B... propôs à Mesa um voto de louvor pelo bom trabalho desenvolvido pela Direção da Liga, o qual foi aprovado por unanimidade, (…)”. 53) A referida Assembleia Geral extraordinária da Ré tinha como (4.º) ponto da respetiva ordem de trabalhos “Análise da proposta da Direção que solicita à Digníssima Assembleia Geral autorização para que o desempenho do cargo executado pelo Presidente da Direção seja remunerado em virtude da complexidade do mesmo.”. 54) Em sede de discussão do referido ponto da ordem de trabalhos foi pela Assembleia Geral da Ré deliberado o seguinte: “4.º ponto da ordem de trabalho: o diretor da Direção da Liga procedeu à sua leitura, esclarecendo a Assembleia da posição assumida pela Direção, sem conhecimento do Presidente da mesma. Mais uma vez, enalteceram a disponibilidade e a total entrega do Senhor Presidente da Direção em prejuízo da sua vida profissional. A proposta que consiste fundamentalmente na remuneração mensal do Presidente da Direção, mereceu a intervenção dos diversos delegados, (…). Através do Sr. BB, Delegado da A..., foi efetuada uma proposta que foi aprovada por unanimidade que consiste: que a Assembleia Geral delegue poderes na Direção da Liga e das Societárias para em reunião fixar o montante da remuneração a atribuir ao Presidente da Liga.”. 55) Nesse seguimento, em sede de reunião realizada no dia 11 de junho de 2007, a Direção/Conselho de Administração da Ré, da qual o Prestador AA era Presidente, deliberou o seguinte: “7. A Direção da Liga dando seguimento ao que foi decidido na Assembleia Geral realizada a 2(1) de Maio, decidiu por unanimidade que o cargo a ser remunerado é o de Diretor Geral e não o de Presidente da Direção. Para o desempenho deste novo cargo, a Liga vai fazer um contrato de trabalho com o atual presidente, AA, que acumulará até final do mandato as duas funções. 8. A Direção da Liga irá brevemente apresentar à Assembleia Geral uma proposta de alteração dos estatutos e regulamentos, onde se irá definir as competências do Diretor Geral.”. 56) Em sede de reunião realizada no dia 5 de julho de 2007, a Direção / Conselho de Administração da Ré, da qual o Prestador AA era Presidente, deliberou o seguinte: “6. A Direção depois de dialogar com os Presidentes das Societárias da Liga, decidiu por unanimidade, fixar o vencimento mensal do Diretor Geral em 3.000,00 euros.”. 57) Na sequência destas deliberações o Prestador AA passou, desde maio de 2007, a auferir o montante mensal de € 3.000,00 (três mil euros). 58) O recebimento destes montantes foi titulado através da emissão por parte do Prestador AA de documento de quitação de natureza fiscal comumente denominado de «recibo verde». 59) A Direção / Conselho de Administração da Ré, da qual o Prestador AA era Presidente, não procedeu à apresentação de qualquer proposta de alteração dos estatutos e regulamentos. 60) O mandato da Direção / Conselho de Administração da Ré, da qual o Prestador AA era Presidente, terminou a 31 de dezembro de 2008. 61) A 26 de janeiro de 2009 foi empossada uma nova direção / Conselho de Administração da Ré, do qual o Prestador AA não fez parte. 62) Nessa altura, a Direção / Conselho de Administração da Ré cessante, da qual o Prestador AA era Presidente, emitiu a Declaração, donde consta: “Não existem quaisquer benefícios concedidos ao pessoal, prestadores de serviços e aos ex-membros dos órgãos sociais, que contrariem os estatutos. Não se verificaram irregularidades contratuais envolvendo a Direção, diretores, colaboradores ou prestadores de serviços. Não temos projetos ou intenções de ações que possam pôr em causa a continuidade da Liga ..., nem quaisquer irregularidades praticadas no exercício das suas funções pela Direção cessante e contrárias ao estipulado estatutariamente. Não há quaisquer reclamações relativas a litígios existentes ou esperados. Tudo quanto é possível e nosso dever conhecer, é nossa convicção que tudo se encontra dentro do estipulado estatutariamente pela Liga ....”. 63) A referida Declaração foi assinada pelo Prestador AA, na qualidade de Presidente da Direção / Conselho de Administração cessante, assim como pelos demais membros da Direção / Conselho de Administração. 68) No movimento mutualista existe um princípio, não escrito, mas de natureza consuetudinária, de continuidade e manutenção do trabalho das direções anteriores. 69) A nova Direção / Conselho de Administração da Ré, quando assumiu funções no final de janeiro de 2009, manteve o vínculo existente entre a Ré e o Prestador AA, nas mesmas condições que tinham sido estabelecidas pela Direção / Conselho de Administração cessante, do qual o Prestador AA foi Presidente. 70) O Prestador AA, por sua vez, não obstante ter terminado o seu mandato, continuou a acompanhar o dia-a-dia da atividade da Clínica e da Ré, dando mostras de pretender continuar ligado a esta e à respetiva atividade 71) O Prestador AA nunca se arrogou trabalhador da Ré, nem reclamou a existência de vínculo de trabalho subordinado com esta. 72) O Prestador AA não detém formação, nem instrução superior nas áreas de medicina, nem de direção clínica-médica. 73) O Prestador AA exerce funções de gestão administrativa da Clínica da Liga. 74) Os trabalhadores da Ré, quando têm de faltar e/ou de se ausentar do serviço, por qualquer razão, têm de apresentar a respetiva justificação, sob pena de serem sancionados disciplinarmente. 75) O Prestador AA goza de plena liberdade para gerir as suas atividades e afazeres profissionais, incluindo os serviços de gestão administrativa da Clínica da Liga. 76) O endereço eletrónico institucional do Prestador AA com o domínio da Ré foi-lhe atribuído quando aquele foi Presidente da Direção / Conselho de Administração. 77) O Prestador AA dispõe de chave de acesso às instalações da Clínica da Liga desde os tempos em que foi Presidente da Direção / Conselho de Administração. 78) O Doc. n.º 7 junto com a p.i. foi emitido durante a pandemia causada pelo Covid-19, e destinou-se unicamente a permitir ao Prestador AA deslocar-se quando assim bem entendesse durante os períodos de confinamento obrigatório. 79) Nem a Ré, nem o Prestador aplicaram e aplicam à remuneração por este auferida o regime fiscal e previdencial próprio dos rendimentos de trabalho dependente, tendo as partes seguido o regime específico dos rendimentos do trabalho autónomo ou independente, o que sucede desde o período em que o Prestador AA era Presidente da Direção / Conselho de Administração da Ré. 80) A Ré procede ao pagamento das retribuições dos seus trabalhadores e dos honorários dos seus colaboradores por transferência bancária normalmente no último dia do mês, procedendo em relação ao Prestador AA, do mesmo modo que os demais, e nos mesmos termos que já sucediam desde o período em que o Prestador AA era Presidente da Direção / Conselho de Administração da Ré. 81) A Ré não paga ao Prestador AA quaisquer quantias a título de retribuição de subsídio de férias ou de Natal. 82) O Prestador AA não recebe subsídio de refeição, ao passo que a Ré paga tal subsídio aos seus trabalhadores. 83) O Prestador pode gozar férias ou períodos de descanso quando bem entender. 84) Em relação aos seus trabalhadores, a Ré solicita indicação dos períodos de férias que estes pretendam gozar e faz a gestão dos períodos pretendidos em função das suas necessidades de serviço, elaborando o respetivo mapa de férias e impondo, por vezes, períodos de férias àqueles. 85) O Prestador AA não consta do mapa de férias que a Ré elabora para os seus trabalhadores. 86) A Ré não impôs ao Prestador qualquer dever de informar, comunicar e/ou solicitar autorização para o exercício de outra atividade, podendo este livremente prestar atividade e serviços a terceiros. 87) A Ré nunca advertiu ou sancionou, em termos de exercício de poder disciplinar, o Prestador AA por qualquer comportamento que este tivesse praticado ou omitido. 88) O Prestador AA não era abrangido pela apólice de seguro de acidentes de trabalho contratada pela Ré, contrariamente ao que sucede com os seus trabalhadores subordinados. B – Factos não provados a) AA observa horas de início e termo da atividade determinada pela ré, cumprindo o seguinte horário: das 07h40 às 12h30 e das 13h30 às 18h30, de segunda a sexta-feira. b) Comunica superiormente ao Presidente do Conselho de Administração as suas ausências. c) AA presta atividade em benefício exclusivo da ré, desde janeiro de 2009. d) A ré não teve, nem tem, em curso qualquer processo litigioso, seja com a administração fiscal, seja com a segurança social, seja com quaisquer outras entidades públicas. e) O prestador AA usa o endereço eletrónico institucional no âmbito das demais atividades e afazeres profissionais que executa, e nada relacionadas com a atividade da ré. f) Nos pagamentos e demais transferências que efetua, seja em relação aos trabalhadores, seja em relação aos colaboradores com vínculo de prestação de serviços, a ré procede à indicação “pagamento de salários”, sucedendo desse modo, em relação aos prestadores de serviços, por razões decorrentes de vantagens bancárias para os próprios relacionadas com a domiciliação de vencimentos. g) Os trabalhadores da ré devem informar, comunicar e/ou solicitar autorização para o exercício de outra atividade, sob pena de ação disciplinar. h) O prestador AA é portador de apólice de acidentes de seguro de trabalho como trabalhador por conta própria, procedendo ao pagamento do respetivo prémio de seguro.”. * B) O DireitoNulidade da sentença nos termos do disposto no artigo 615º, n.º1, al.d) A primeira questão a apreciar, consiste em apurar se, como alegadamente é o entendimento do apelante/interveniente, a sentença padece “de erro de julgamento nulidade prevista nas alíneas d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC”, como invoca aquele, sob a alegação e conclusão de que, “…está em crer que não foi devidamente apreciada e considerada a prova documental e testemunhal existente nos autos e, perante qual, seria forçoso obter outras conclusões/decisão que não as que constam da Douta Sentença. Desde logo, o Tribunal “a quo” não teve em consideração o constante da acta ..., junta aos pela Ré 06-06-2023, da Assembleia Geral Extraordinária da Liga ..., realizada a 28 de dezembro de 2007. (…). Conclui-se assim que a sentença padece de omissão na decisão da matéria de facto dada como provada.”, como refere na conclusão 28. Vejamos. As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º. Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: “a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”. Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”. Como concluem (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 686) entre as causas de nulidades da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário” Vejamos. Ora, no caso, analisando os argumentos constantes quer das alegações quer das conclusões do recorrente, em concreto, quando o mesmo alega que, o tribunal “a quo” não teve em consideração o constante da acta ... e outros documentos, omitindo-os, só podemos dizer que não lhe assiste razão. Pois, analisando a sentença recorrida não se descortina o cometimento de qualquer vício, susceptível de configurar qualquer nulidade da mesma, em especial, a que alude a al. d) do nº 1, do art. 615º que o recorrente invoca. Sem dúvida, atento o que supra deixámos exposto, sobre os vícios que são causa de nulidade da sentença, analisada esta, só podemos concordar que a mesma não enferma de qualquer nulidade, em particular, pela razão invocada pelo recorrente, já que não configura o que refere qualquer questão que devesse ser apreciada e não o tenha sido. E, como é sabido, para que possa afirmar-se que ocorre a nulidade da sentença, com fundamento na omissão de pronúncia, o mesmo só acontece, quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão (e cuja resolução não foi prejudicada pela solução dada a outras). O que, manifestamente, não podemos concordar seja o caso. Nem o recorrente o diz. Bem pelo contrário. Alega tão só que aquela, padece de erro de julgamento, omissão quanto à matéria de facto provada. Argumento que, como é sabido, não consubstancia qualquer causa de nulidade da sentença recorrida. Dela decorre que, quanto à concreta questão da decisão de facto a Mª Juíza “a quo” não só conheceu da mesma, fixando o elenco dos factos provados e não provados, como explicou a razão, porque o fez. Não ocorrendo, assim, omissão de pronúncia, quanto a esta questão, já que, questão não se confunde com os argumentos invocados pelas partes. Ora, sendo deste modo, só podemos concluir, atentos os argumentos invocados pelo recorrente para sustentar a arguida nulidade, que é notório que tal não se verifica, denotando que existe por parte do mesmo nítida confusão quanto ao alegado vício que lhe imputa defendendo, por isso, que deve ser declarada nula e, eventual, existência de erro de julgamento de que, a mesma possa padecer que, não é gerador de nulidade, nos termos expressamente previstos nas diversas alíneas do nº 1, do referido art. 615º, em concreto, na al. d), porque como bem se diz no, (Ac. do STJ, de 10.12.2020, Proc. 12131/18.6T8LSB.L1.S1), “I – A nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes.”. Ou seja, como é entendido unanimemente pela jurisprudência, a nulidade por omissão de pronúncia, só se verifica se o julgador deixar de se pronunciar sobre questões (intrinsecamente consubstanciadoras do objecto do processo – causa de pedir e excepções deduzidas -) sobre as quais devesse pronunciar-se e não sobre os argumentos aduzidos pelas partes. Sendo que, no caso, não se vislumbra, nem o recorrente o diz, que a Mª Juíza “a quo” não tenha conhecido de todas as questões que lhe foram colocadas. Donde só podemos concluir que, na sentença recorrida, não se verifica que tenha sido cometida qualquer irregularidade ou vício, nomeadamente, de modo a violar o disposto no art. 615º nº 1, al. d) que o recorrente invoca. Improcede, assim, este aspecto da apelação do interveniente. * Passemos, então, à apreciação das questões colocadas em ambos os recursos.- Erro quanto à decisão de facto Decorre das alegações e conclusões de ambos os recursos que, quer o A. quer o interveniente, imputam erros à decisão da matéria de facto, pugnando respectivamente, pelo seu aditamento e pela sua alteração/aditamento. Vejamos. Dispõe o nº 1 do art. 662º do CPC (Código de Processo Civil, diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir referidos, sem outra menção de origem), que: “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”. Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes. Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”. No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”. Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, nos seguintes termos: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”. Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova. Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, como se refere no (Ac. STJ de 24.09.2013 in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontram disponíveis os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009). Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. Além disso, nas palavras, novamente, de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”. Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”. Transpondo o exposto para o caso analisemos, então. Comecemos pelo recurso do MP, pugnando este pelo aditamento de matéria de facto, como conclui em 1 e 2 da sua alegação. E, quanto ao mesmo, importa, desde já, formular as seguintes considerações/conclusões. Pretende o recorrente, atento o teor da ata da assembleia geral extraordinária da ré, datada de 28 de dezembro de 2007, acompanhada da proposta formulada pela Direcção, dever considerar-se provado que a partir de Janeiro de 2009 a Ré atribuiu ao interveniente o cargo de Director Geral da Liga. Idêntica pretensão indica o interveniente no seu recurso argumentando que “O cargo (remunerado) é o de Diretor Geral da Liga e não o de Presidente da Liga, no valor de € 3.000,00. Mas, não lhes assiste razão. Senão, vejamos. No facto dado como provado com o nº55 já se alude ao cargo de Diretor Geral, o que, e salvo melhor entendimento, torna desnecessário “nova alusão”. No entanto, o Tribunal “a quo” deu como provado, nos factos 7, 8, e 11, que o interveniente exerce as funções de Diretor de Clínica. Tal matéria não foi impugnada, pelo que, e também por tal motivo, a pretensão dos recorrentes nunca poderia proceder, sob pena de contradição com aqueles factos 7, 8 e 11. Passando ao recurso do interveniente, verifica-se que pugna o mesmo pela alteração/aditamento da matéria de facto. Quanto ao que alega e conclui em 2 e ss., quanto à ata nº..., o que deixámos atrás referido tem aqui total cabimento, nada mais se nos oferecendo necessário dizer, pelo que passaremos a analisar as demais questões colocadas pelo interveniente relativamente à matéria de facto. Comecemos então e, desde logo, por afirmar que o interveniente não faz a indicação concreta dos pontos de facto que pretende impugnar, a determinar a rejeição do recurso em sede de matéria de facto. Com efeito, o apelante faz referência e tece considerações relativamente às actividades paralelas exercidas por ele e ainda aos cargos autárquicos, mas sem nunca formular o pedido de alteração dos factos dados como provados e referente a tal matéria – factos 36 a 38, 41 a 47 e 39 e 40, respectivamente. Efectivamente, diga-se que, pese embora as referências tecidas pelo interveniente, quanto à decisão da matéria de facto e a apreciação das provas por parte do Tribunal “a quo”, no que toca àquelas matérias, analisando as suas alegações e conclusões, há que deixar esclarecido que o mesmo não indica qualquer facto, relativo àquelas considerações que tece, de cuja decisão discorde, nem indica o que, em seu entender, deveria ter sido dado como provado. Ou seja, se, porventura, era sua intenção qualquer eventual alteração daquela decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância, relativa àquelas referidas considerações, a mesma é de rejeitar por incumprimento dos requisitos previstos no art. 640º, nº 1, als. a) e c), do CPC. Por último, acresce dizer que relativamente à existência de um horário de trabalho – al. a) dos factos dados como não provados – o interveniente alude ao auto de notícia, pretendendo que se dê como provado que o mesmo cumpria o horário referido em a). Mas não tem razão. Isto, porque como o mesmo bem sabe, o auto de notícia é apreciado livremente em conjugação com os demais elementos de prova. Ora, o Tribunal “a quo” formulou a sua convicção, como decorre da fundamentação, igualmente no depoimento da testemunha FF, que trabalha na Ré, no departamento de recursos humanos e que referiu, “(...) que é a própria quem faz a gestão do livro de ponto, da justificação das faltas e das férias de todos os colaboradores, sendo que AA, ao contrário dos trabalhadores dependentes, não tem qualquer horário fixado (…)”. Improcede, assim, tal pretensão. E, em consequência, considera-se assente a factualidade supra indicada no presente acórdão. * Passemos, agora, à questão de saber se a sentença recorrida deve ser revogada por, como alegam os recorrentes, dado ser aplicável a presunção de laboralidade que resulta do art. 12º do Código do Trabalho, devendo ser reconhecida a existência de um contrato de trabalho, como defendem. Esta questão, surge porque na decisão recorrida se concluiu que a relação, estabelecida entre o trabalhador, AA e a ré, não configura um contrato de trabalho, ao contrário do que os recorrentes continuam a defender, nesta sede. E a primeira questão a apreciar dada a discórdia dos apelantes, quanto ao decidido na sentença, está em saber se a questão sobre a existência, ou não, de um contrato de trabalho entre o interveniente e a ré, deverá ser apreciada, dado se ter iniciado em janeiro de 2009, ao abrigo do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02, com entrada em vigor a 17.02, (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir mencionados, sem outra indicação de origem), como aqueles defendem. Comecemos, pelo que a propósito consta da decisão recorrida, transcrevendo: «No caso em apreço, sustenta o autor que a relação contratual estabelecida entre o interveniente e a ré ocorreu em janeiro de 2009, logo, segundo o autor, foi firmada em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, ou seja, na vigência do Código do Trabalho de 2003, na sua versão de 2006, pelo que a tarefa de qualificação contratual terá que ser feita por reporte aos elementos constitutivos do contrato de trabalho, uma vez que, tal como vem sendo entendido pelo STJ, à operação de qualificação da relação jurídica aplica-se o regime jurídico existente ao tempo da respetiva constituição [cfr., entre outros, AC STJ de 18.12.2008, 14.01.2009, 05.02.2009 e 25.01.2012, todos in www.dgsi.pt].». (Fim de citação) Que dizer? Quanto à discussão de qual o diploma aplicável ao caso, pese embora, no mesmo estar em causa a presunção de laboralidade estabelecida no art. 12º do CT, torna-se oportuno aqui citar o recente, (Acórdão do STJ de 17.09.2025, Proc. nº 1914/23.5T8TMR.E2.S1 publicado in www.dgsi.pt) que, com a devida vénia aos seus subscritores, se transcreve o seguinte: “(…). (c) – Se à relação jurídica em causa é aplicável a (nova) presunção de laboralidade consagrada no art. 12.º-A, do CT. (…). 18. No caso em apreço, tendo em conta que a relação jurídica estabelecida entre os respetivos sujeitos se iniciou em data anterior à da entrada em vigor do art. 12.º-A, do CT (o que teve lugar em 01.05.2023, como preceitua o art. 37º da sobredita Lei n.º 13/2023), as instâncias coincidiram no entendimento de que esta norma é inaplicável ao caso dos autos. Não acompanhamos esta conclusão, pelas razões que se passam a expor. 19. Sobre a aplicação das leis no tempo há a considerar, desde logo, os princípios gerais constantes do art. 12º do Código Civil, que tem o seguinte teor: “1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroativa, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular. 2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser diretamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”. Especificamente sobre a matéria ora em discussão no recurso, atinente à aplicação no tempo do art. 12.º-A, do CT, rege o art. 35º da referida Lei n.º 13/2023: “Ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho, com a redação dada pela presente lei, os contratos de trabalho celebrados antes da entrada em vigor desta lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações anteriores àquele momento”. No essencial, esta disposição legal encontra-se alinhada com o disposto no art. 7º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, relativo à aplicação no tempo do Código do Trabalho de 2009 [“Sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho (…) celebrados ou adotados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento”], afigurando-se-nos que aos segmento finais destas duas norma, pese embora a diferente técnica legislativa (onde agora se diz “… anteriores àquele momento”, dizia-se antes “… totalmente passados anteriormente àquele momento”), deverá ser atribuído o mesmo sentido. 20. Incontornavelmente, sobre esta matéria, refere Joana Nunes Vicente39: “[A] norma relativa à presunção de laboralidade não é uma norma que diretamente disponha sobre requisitos de validade nem sobre o conteúdo ou sobre os efeitos de uma situação jurídica contratual. A presunção de laboralidade vai incidir sobre factos que condicionam a qualificação jurídica de uma dada relação jurídica, à qual irá depois corresponder, de facto, uma determinada disciplina jurídica. Do funcionamento da presunção infere-se precisamente um facto presumido complexo ou um conjunto de factos presumidos – os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho: a atividade, a retribuição e a subordinação jurídica – que permitem a qualificação da relação em causa como uma relação de trabalho subordinado”. Na verdade, in casu não estão em discussão as condições de validade das relações jurídicas estabelecidas entre as partes, nem, sequer, os efeitos jurídicos de factos/situações (totalmente) anteriores à entrada em vigor da lei nova. Do que se trata é – relativamente a cada um dos autores – de determinar as regras em função das quais se afere a qualificação jurídica de dada situação (jurídica), traduzida na prestação duradoura de uma atividade produtiva, situação que, no tocante a todos eles, perdurou para além do momento da entrada em vigor da Lei n.º 13/2023. Nesta perspetiva, sobre a aplicação no tempo das normas relativas às presunções legais, Baptista Machado sustenta que, em geral, “elas se aplicam diretamente aos atos ou aos factos aos quais vai ligada a presunção e que, portanto, a lei aplicável é a lei vigente ao tempo em que se verificarem esses factos ou atos (…) com ressalva apenas daquelas hipóteses em que uma presunção legal (…) se refira aos pressupostos de uma SJ [situação jurídica] inteiramente nova (…)”40. Deste modo, encontrando-se em causa relações jurídicas duradouras (como acontece nas situações reportadas nos autos), nada obsta, e tudo aconselha, a que aos diferentes factos praticados em execução do conjunto de cada programa contratual sejam aplicáveis as normas concernentes a presunções de laboralidade que estejam em vigor à data da respetiva produção. Com efeito, se com a presunção de laboralidade apenas se visa facilitar a qualificação jurídica das situações de fronteira entre o trabalho autónomo e o trabalho subordinado, e sabido que com ela não se produz qualquer alteração dos princípios relativos à distribuição da prova, mas (com base em imperativos de verdade/justiça material e de combate à dissimulação do contrato de trabalho e à precariedade) o mero aligeiramento do ónus que sobre o trabalhador impende neste âmbito41, não se vislumbram quaisquer razões de segurança/estabilidade jurídica – e muito menos de salvaguarda de eventuais direitos adquiridos ou de proteção da confiança – que determinantemente imponham diversa solução. Nas palavras de Monteiro Fernandes, “afigura-se difícil aceitar que um instrumento destinado a potenciar as probabilidades de [a] verdade material ser captada e juridicamente enquadrada possa constituir fator de desequilíbrio no desenvolvimento de qualquer litígio em que essa qualificação esteja em causa”42. É certo que, nesta matéria, o Supremo Tribunal de Justiça tem limitado a aplicação da lei nova aos casos em que, após o início da sua vigência, o vínculo obrigacional estabelecido entre as partes se vai reconfigurando ao longo do tempo43. Mas, mormente no plano da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, não se vê que seja de exigir efetiva comprovação dessa reconfiguração, em especial em casos – como paradigmaticamente acontece nas plataformas digitais – em que, pelas próprias especificidades inerentes à atividade prestada, esta tem naturalmente associados elevados grau de heterogeneidade, atipicidade, aleatoriedade e fluidez [como de forma lapidar evidenciam os “Considerandos” da aludida Diretiva (UE) 2024/2831] que implicam a sua sucessiva reconstrução (Cfr. Ac. de 15.05.2025 desta Secção Social do STJ, Proc. n.º 1980/23.3T8CTB.C2.S1, já referido na nota de rodapé nº 1). Em suma, relativamente a relações jurídicas iniciadas antes da entrada em vigor do art. 12.º-A, do CT, a presunção de contrato de trabalho no âmbito de plataforma digital é aplicável aos factos enquadráveis nas diferentes alíneas do seu nº 1 que, no âmbito dessas relações jurídicas, tenham sido praticados posteriormente àquele momento (01.05.2023). (…)”. (Fim de citação) Acompanhamos aqui aquele entendimento, a significar que ao caso é aplicável o CT de 2009, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, até porque a “eventual” relação laboral, a existir, iniciou-se pouco antes da entrada em vigor daquele CT. Por isso, não sufragamos a posição assumida na decisão recorrida a tal respeito, concordando com os apelantes. Posto isto passemos à análise da última questão, ou seja, se entre o interveniente e a Ré vigorou, desde Janeiro de 2009, um contrato de trabalho, como defendem os apelantes ou tal não aconteceu como se decidiu na sentença recorrida. Analisemos então. Importa, para melhor análise do caso, estando em causa a qualificação jurídica da relação estabelecida entre a ré e o interveniente, tecer algumas considerações sobre os institutos em causa, o contrato de prestação de serviços com assento, apenas, na lei civil e o contrato de trabalho com assento naquela e na lei laboral, sabido que qualificar uma dada situação concreta, pode suscitar sérias dificuldades. O Código Civil define o contrato de prestação de serviços, no art. 1154º, como “... aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar a outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”. E, define o contrato de trabalho no art. 1152º, como “... aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.”. Noção que era, integralmente, reproduzida no art. 1º da LCT (Decreto Lei nº 49.498, de 24.11.69) e que não sofreu alterações, no que diz respeito à sua essência, nas definições sucessivas, dadas pelo art. 10º do CT, aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto e pelo art. 11º do CT, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro. Definindo o art. 10º, daquele CT de 2003, ainda que com ligeira alteração de redacção, que o “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas”. E o art. 11º do CT de 2009, ainda que com uma alteração mais significativa, que o: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas”. Decorre do enunciado de qualquer destes dispositivos que os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho são, a prestação de actividade, a retribuição e a subordinação jurídica. E, atento o que decorre do disposto no art. 342º, nº 1 do CC, recai sobre o trabalhador, no caso, o Ministério Público, que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos daquela figura contratual. Nesse sentido, (como entre muitos outros, os Acs. do STJ de 2012.05.30, Proc. nº 270/10.6TTOAZ.P1.S1 e de 2010.03.03, Proc. nº 4390/06.3TTLSB.S1, ambos da 4ª Secção), vem afirmando a jurisprudência, que incumbe ao trabalhador, nos termos daquele art. 342º, nº 1, a alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido. Importa, então, saber, face aos factos provados, se deve concluir-se pela existência de um contrato de trabalho, entre o trabalhador e a R., como pretendem os recorrentes fazer valer através do presente recurso, pressuposto necessário para a aplicação da lei laboral, ou tal não ocorreu, como se considerou na decisão recorrida, tendo existido um contrato de prestação de serviços. Tipos de contrato que, como é sabido, se diferenciam, fundamentalmente, pelo respectivo objecto, qual seja o da prestação de uma actividade, no caso do contrato de trabalho, ou da obtenção de um resultado, no caso do contrato de prestação de serviço, e pelo relacionamento entre as partes, isto é, a existência de uma relação de subordinação, no primeiro, ou de autonomia, no segundo. Como é referido pela doutrina, vejam-se, entre outros (Monteiro Fernandes, in “Direito do Trabalho”, 14ª ed., págs. 127 a 137 e Maria do Rosário Palma Ramalho, in “Direito do Trabalho”, Parte II, 3ª ed., págs. 20 a 37), a noção legal do contrato de trabalho permite identificar como elementos essenciais deste tipo de contrato, a actividade laboral, a retribuição e a colocação do trabalhador sob a autoridade e no âmbito da organização do empregador. Consistindo, o primeiro, na natureza da prestação a que o trabalhador se obriga, isto é, a prestação de actividade, que se concretiza em fazer algo, como aplicação ou exteriorização da força de trabalho tornada disponível para a outra parte, através do negócio. Na contrapartida devida ao trabalhador em troca da disponibilidade da força de trabalho sendo, normalmente, paga em dinheiro, consiste o segundo. Por fim, o último elemento, corresponde ao que a jurisprudência e a doutrina, a partir da perspectiva do trabalhador, designam de “subordinação jurídica”, dependendo o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, da sua verificação. A subordinação jurídica aparece assim, normalmente, definida como o dever legal do trabalhador acatar e cumprir as ordens e instruções que, em cada momento, lhe sejam dirigidas pelo empregador, emitidas por este no uso do seu poder de direcção da empresa, directivas essas que são vinculativas para aquele devido à obrigação de obediência consagrada na lei. Além disso, a subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho, é o elemento típico deste que, permite distingui-lo quer do contrato de prestação de serviços, (como é o caso em discussão) quer de outros contratos afins, tais como, o contrato de mandato, o contrato de comissão, o contrato de sociedade e outros e decorre daquele poder de direcção que a lei confere à entidade empregadora, conforme os art.s 39º, nº 1 da LCT, 150º do CT/2003 e 97º do CT/2009, a que corresponde um dever de obediência por parte do trabalhador, conforme dos mesmos diplomas, respectivamente, art. 20º, nº1, al. c), art. 121º, nºs1, al. d) e 2 e art. 128º, nºs1 al.e) e 2. Nas palavras de (Maria do Rosário Palma Ramalho, obra citada, pág.33), “o confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma actividade laborativa: enquanto o elemento da actividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho”. Por sua vez, (Monteiro Fernandes, também, na obra citada, págs. 136 e 137) refere que, a subordinação jurídica consiste “numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem” e continua assinalando que “a subordinação jurídica pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens directa e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica”, o que acontecerá sempre que em relação à entidade patronal exista “um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato”, sem ser necessário que aquela “dependência se manifeste ou explicite em actos de autoridade e direcção efectiva”. Verifica-se, assim, ser consensual o entendimento sobre os elementos que caracterizam o contrato de trabalho e que na distinção com outros contratos releva a existência de subordinação jurídica. No entanto, o mesmo já não acontece na prática. Para o efeito, contribui a diversidade, de situações concretas que, muitas vezes, dificultam a subsunção dos factos na noção de trabalho subordinado, de modo que, como referem os Autores antes citados, naquelas mesmas obras, (Monteiro Fernandes. Pág. 148 e Maria do Rosário Palma Ramalho, pág. 40 e, também, Bernardo da Gama Lobo Xavier, in “Iniciação ao Direito do Trabalho”, 2ª ed., 1999, pág. 156) implicam a necessidade de se recorrer a critérios acessórios, baseados na interpretação de indícios reveladores dos elementos que caracterizam a subordinação jurídica, os chamados indícios negociais internos, em casos limite, tanto a doutrina como a jurisprudência aceitam a necessidade de os fazer intervir. São, no dizer daquele último Autor, “zonas cinzentas”, o qual (na obra citada, págs. 156 e 157) refere que “é corrente aplicar-se o método de índices para testar a existência de uma situação de autonomia ou de subordinação”, mencionando como índices mais relevantes: - Organização do trabalho: se é do próprio que o desempenha, indicia-se trabalho autónomo, se é de outrem, trabalho subordinado. - Resultado do trabalho: se o contrato tem em vista o resultado, indicia-se trabalho autónomo, se tem em vista a actividade em si mesma, indicia-se trabalho subordinado. - Propriedade dos instrumentos de trabalho: se estes pertencem ao trabalhador, presume-se autonomia, se não, indicia-se subordinação. - Lugar de Trabalho: se este pertence ao trabalhador, indicia-se autonomia, se não subordinação. - Horário de Trabalho: a existência de um horário definido pela pessoa a quem se presta a actividade é um dos mais fortes indícios de subordinação. - Retribuição: a existência de uma retribuição certa à hora, ao dia, à semana ou ao mês indicia trabalho subordinado, enquanto o pagamento à peça, à comissão ou por produto acabado indicia trabalho autónomo. - Outros índices: a exclusividade ou não da prestação de serviço relativamente a um único empresário; existência ou não de ajudantes do prestador do serviço, por este pagos; incidência do risco da inutilização do produto. Além destes, como refere este mesmo autor e assinalam, a doutrina e a jurisprudência, nomeadamente desta Relação, vejam-se entre outros (Ac.s de 12.07.2017, Proc. nº 1374/14.1T8MTS.P2, relatora Desembargadora Fernanda Soares, e de 08.01.2018, Proc. nº 3639/15.6T8VFR.P1 relator Desembargador Jerónimo Freitas, que seguimos de perto), outros elementos assumem relevância para que se faça a distinção entre trabalho autónomo e trabalho subordinado, como sejam, a designação dada ao contrato, inserção do trabalhador na organização produtiva, existência de controlo externo do modo de prestação da actividade laboral, obediência a ordens, sujeição à disciplina da empresa, o direito a férias, pagamento de subsídios de férias e de Natal, o tipo de imposto pago pelo prestador da actividade, a inscrição do prestador da actividade na Segurança Social e a sua sindicalização. Cada um destes elementos “indícios” tem naturalmente um valor muito relativo e, só por si, não são concludentes quanto à existência de subordinação jurídica, impondo-se um juízo de globalidade em resultado de uma valoração conjunta dos factos provados. Mas, considerando os mesmos, desse modo, pode chegar-se, assim, a uma conclusão sobre a existência ou não de subordinação típica do contrato de trabalho. Foi com o objectivo de obviar às dificuldades de prova dos elementos que preenchem a noção de contrato de trabalho, bem como de facilitar a operação qualificativa nas denominadas “zonas cinzentas”, (na expressão de Bernardo Lobo Xavier, supra citado) entre o trabalho autónomo e o trabalho subordinado que, a partir de 2003, o art. 12º do CT/2003, na sua redacção inicial, estabeleceu uma “presunção” de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo dos requisitos nela enunciados, preceito que, pese embora, alterado pela Lei nº 9/2006, regressou ao actual CT/2009, sem grandes diferenças de redacção em relação à originária de 2003, mas, com uma significativa alteração, na medida em que aligeirou o esforço do trabalhador que apenas terá de provar alguns, dos factos-base, ali enunciados, para que se possa aferir a existência dos elementos caracterizadores do contrato de trabalho, não tendo de provar cumulativamente aqueles, como se lhe exigia na redacção inicial de 2003. Assim, nos termos do art. 12º do actual CT, aqui aplicável, sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho”, dispõe-se o seguinte: “1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (...)”. Nos termos deste, presume-se a existência de um contrato de trabalho sempre que ocorram alguns dos indícios ali mencionados nas alíneas a) a e), cuja enunciação é meramente exemplificativa, sendo bastante que se verifiquem apenas dois desses indícios para que possa ser presumida a existência de um contrato de trabalho. Como refere, tal como outros (Maria do Rosário Palma Ramalho, na obra citada, pág. 52), “o tratamento desta matéria no actual Código do Trabalho apresenta três grandes diferenças em relação ao regime anterior: a primeira diferença tem a ver com o tipo de indícios de subordinação indicados pelo legislador, que são agora indícios em sentido próprio, porque não se confundem com os elementos essenciais do contrato de trabalho, antes apontam para tais elementos, designadamente para o elemento da subordinação do trabalhador; a segunda diferença tem a ver com a natureza do enunciado legal destes indícios, que passou a ser exemplificativa, bastando assim teoricamente que apenas dois desses indícios ocorram para que possa ser presumida a existência do um contrato de trabalho”. Refere, também, (Joana Nunes Vicente in “A fuga à relação de trabalho (típica) em torno da simulação e da fraude à lei”, pág. 135) que, “(…) a finalidade primordial da norma que contém uma presunção de laboralidade será a de facilitar a prova de um facto, ou melhor, a prova dos elementos que preenchem a noção de contrato de trabalho. A prova é aligeirada, ao permitir que a parte interessada, o trabalhador, não tenha de provar a presença desses elementos, mas de outros factos cuja prova se apresenta mais acessível. Se quisermos densificar semelhante preocupação, não poderemos deixar de atentar nas razões de ordem técnica e material que a iluminam. Por outro lado, reconhecem-se as dificuldades de prova directa sobre os elementos estruturais do contrato de trabalho, sobretudo naquelas situações de subordinação dita «periférica» ou «atenuada». Por outro, porque não dizê-lo, é patente a maior vulnerabilidade em que o sujeito processual interessado na prova desses factos – o trabalhador – se encontra para obter uma decisão de mérito favorável. A diferente situação jurídica, económica e social das partes acabaria por se projectar numa desigualdade no plano processual, máxime, no plano probatório” Verifica-se, assim, que a actual lei selecciona um conjunto de elementos indiciários, considerando que a verificação de alguns deles bastará para a inferência da subordinação jurídica. “Doravante, provando o prestador que, in casu, se verificam algumas daquelas características, a lei presume que haverá um contrato de trabalho, cabendo à contraparte fazer prova do contrário. Assim, provando-se, p. ex., que a actividade é realizada em local pertencente ao respectivo beneficiário e nos termos de um horário determinado por este, ou provando-se que os instrumentos de trabalho pertencem ao beneficiário da actividade, o qual paga uma retribuição certa ao prestador da mesma, logo a lei presume a existência de um contrato de trabalho. Tratando-se de uma presunção juris tantum (artigo 350.º do CCivil), nada impede o beneficiário da actividade de ilidir essa presunção, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho.”, como refere (João Leal Amado, in “Contrato de Trabalho”, À luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2009, pág. 76). E prossegue o mesmo autor, (pág.s 76 e 77) “de certa forma, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação”. Por fim de referir, apenas, como o tem decidido a jurisprudência, entre outros (Ac.s do STJ de 02.05.2007, Proc. nº 06S4668, de 12.05.2010, Proc. nº 1394/06.0TTPNF.P1.S1 e de 2010.12.16, Proc. nº 996/07.1TTMTS.P1.S1), caso não funcione a presunção de laboralidade prevista na lei, pelo preenchimento de um só dos requisitos enunciados em 2009, pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho tal como o mesmo se mostra definido no preceito que o define (art. 11º do CT) ou caso demonstre factos que os integrem ou que constituam índice relevante da sua verificação. Ou seja, nada impede o trabalhador de alegar e provar todos os elementos essenciais do contrato de trabalho, nomeadamente, que desenvolveu uma actividade remunerada para o empregador, sob a sua autoridade e direcção, integrado na sua estrutura empresarial. Pois, como supra se disse, sobre ele continua a recair esse ónus de alegação e prova dessa realidade, conforme nº 1 do art. 342º do CC. Mas, não logrando fazer essa prova, bastar-lhe-á que consiga provar os factos necessários, apreciados segundo um juízo de globalidade, para demonstrar pelo menos dois dos indícios, enunciados na lei para beneficiar da presunção. Certo que, nesse caso, fica sujeito a que a mesma possa ser ilidida pelo empregador. Nos termos do art. 344º, nº1 do C. Civil, inverte-se o ónus da prova quando haja presunção legal, sendo que, tal inversão “está contida em toda a presunção legal, pois a parte, a favor da qual existe, fica liberta da prova do facto presumido (embora não da base da presunção, isto é, do facto em que a presunção assenta) e à parte contrária é imposto o ónus de provar que a presunção não vale”, refere (Jorge Augusto Pais de Amaral, in Direito Processual Civil, 9ª edição, pág. 300). * Aqui chegados, importa perguntar, será que, no caso, tendo em conta a matéria de facto assente, como defendem os apelantes, está demonstrada a presunção estabelecida no art. 12º e a recorrida não logrou ilidi-la?E a resposta, podemos adiantar, desde já, é sem dúvida alguma que assiste razão àqueles. Justificando. - A alínea a) do art. 12º – atividade realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado. Esta alínea tem a ver com o local de trabalho. Neste particular provou-se o seguinte: 11) AA presta a sua atividade de Diretor da Clínica no local pertencente à Ré, a saber, no consultório n.º 2 no 1.º andar da Clínica, nas instalações da Liga ..., local onde tem um posto de trabalho fixo. Assim sendo, mostra-se preenchido, em face da matéria de facto provada, o circunstancialismo previsto na referida alínea. Pelo teor da decisão recorrida afigura-se-nos que o Tribunal “a quo” “desvalorizou” tal indício, quando afirma “Na verdade, e por um lado, se provado ficou que o chamado exerce a sua atividade nas instalações da ré, não podemos deixar de notar que tais funções são de natureza administrativa e organizacional, donde o mais razoável é que a mesmas sejam desempenhadas nas referidas instalações. Com efeito, é aí que faz sentido que AA coadjuve no recrutamento do corpo clínico e de recursos humanos, assegure a organização e funcionamento da ré, proceda à gestão e manutenção do edifício, proceda à consulta e análise para a aquisição, manutenção e reparação de equipamentos e/ou instalações (…)” Ou seja, o Tribunal “a quo” concluiu que tal factualidade – base da presunção – perde relevância “pela sua quase inevitabilidade”, pois, “dificilmente poderia ser de outro modo”, acabando por afastar o mesmo quanto à sua relevância. Com o devido respeito, não acompanhamos tal conclusão, posto que se o legislador assim tivesse considerado (a irrelevância ou perda de relevância desse facto pela sua quase inevitabilidade) não o teria indicado como um dos factos base da presunção. Se no contrato de prestação de serviços está em causa tão só o resultado da actividade, é indiferente o local em que se exerce essa actividade e com que instrumentos, o que já não acontece quando se está perante um trabalhador por conta de outrem. - A alínea b) do artigo 12º do CT/2009 – Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem ao beneficiário da actividade. Os factos 12 e 13 preenchem, sem margem para dúvidas, a referida alínea [12) Para o exercício da sua atividade, utiliza secretária, cadeira, material de escritório, computador, teclado, monitor, impressora, rato e telemóvel, tudo pertencente à ré. 13) AA realiza e recebe as comunicações relacionadas com as tarefas que desenvolve através de um endereço eletrónico institucional que lhe foi fornecido pela Ré: ..........@..... ] Deste modo, podemos afirmar encontrar-se preenchido o facto base da presunção. O Tribunal “a quo” considera “E, assim, natural é igualmente, que em tais instalações o chamado use equipamentos propriedade da ré, designadamente os instrumentos que se provaram. (…)”. De novo, afigura-se-nos que o Tribunal “a quo” desvalorizou tal indício, o que não sufragamos pelas razões que deixámos já referidas aquando da análise da al. a) do mesmo art. 12º. - A alínea c) do artigo 12º do CT/2009 – A observação de horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da actividade. Relativamente a tal alínea provou-se: 14) AA não efetua registos de tempos de trabalho. 16) Por norma é ele quem efetua a abertura das instalações Tal factualidade permite-nos concluir pela não verificação do descrito circunstancialismo. - A alínea d) do artigo 12º do CT/2009 – Pagamento, com determinada periodicidade, de uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma. Neste particular provou-se o seguinte: 20) Como contrapartida da atividade prestada, AA recebe da Ré, com periodicidade mensal, a quantia (certa) de 3.000,00€, que lhe é paga por transferência bancária, normalmente no último dia do mês, aquando do pagamento da retribuição devida aos restantes trabalhadores. 21) O referido pagamento mensal é fixo. O referido circunstancialismo permite concluir pela verificação da referida alínea. - A alínea e) do artigo 12º do CT/2009 – O prestador da actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. Provou-se: 8) Enquanto Diretor da Clínica, compete a AA desempenhar, entre outras, as seguintes funções/tarefas: - assegurar a organização e funcionamento da clínica; - coadjuvar no recrutamento do corpo clínico e recursos humanos respeitantes à clínica; - assegurar a gestão e manutenção do edifício. 18) A execução de algumas das tarefas desempenhadas por AA depende da presença física do mesmo nas instalações da Clínica da Ré, uma vez que desempenha funções de direção ou chefia. Não temos dúvidas de que o facto 8 contém tarefas de direcção, pelo que se verifica o circunstancialismo previsto na referida alínea. Assim, de tudo o que se deixou referido – relativamente à presunção estabelecida no art. 12º – podemos concluir que o interveniente dela beneficia por ter provado 4 dos factos base da presunção, precisamente os das alíneas a), b), d) e e). Resta, assim, analisar se a Ré logrou ilidir tal presunção, traduzida na prova da “autonomia do trabalhador ou a falta de outro elemento essencial do contrato de trabalho”, cfr. (Maria do Rosário Palma Ramalho, obra citada, pág. 49). Já atrás defendemos a inexistência de um horário de trabalho, tendo em conta que o mesmo é fixado pela empregadora sem possibilidade de adaptação segundo as conveniências do trabalhador – art. 212º, nº1 do CT. Certos factos dados como provados, e que a seguir vamos enunciar, não são para nós suficientes tendo em conta que os mesmos ocorreram porque a Ré partiu do princípio de que o interveniente era prestador de serviços. Vejamos, os factos [17) As suas ausências não lhe são descontadas. 74) Os trabalhadores da Ré, quando têm de faltar e/ou de se ausentar do serviço, por qualquer razão, têm de apresentar a respetiva justificação, sob pena de serem sancionados disciplinarmente. 75) O Prestador AA goza de plena liberdade para gerir as suas atividades e afazeres profissionais, incluindo os serviços de gestão administrativa da Clínica da Liga. 81) A Ré não paga ao Prestador AA quaisquer quantias a título de retribuição de subsídio de férias ou de Natal. 82) O Prestador AA não recebe subsídio de refeição, ao passo que a Ré paga tal subsídio aos seus trabalhadores. 83) O Prestador pode gozar férias ou períodos de descanso quando bem entender. 85) O Prestador AA não consta do mapa de férias que a Ré elabora para os seus trabalhadores. 86) A Ré não impôs ao Prestador qualquer dever de informar, comunicar e/ou solicitar autorização para o exercício de outra atividade, podendo este livremente prestar atividade e serviços a terceiros. 87) A Ré nunca advertiu ou sancionou, em termos de exercício de poder disciplinar, o Prestador AA por qualquer comportamento que este tivesse praticado ou omitido. 88) O Prestador AA não era abrangido pela apólice de seguro de acidentes de trabalho contratada pela Ré, contrariamente ao que sucede com os seus trabalhadores subordinados]. Ou seja, tais factos, sempre respeitando diverso entendimento, como dissemos, para nós não bastam, revelando-se insuficientes para se concluir que a Ré ilidiu a referida presunção. E finalmente, o facto de o interveniente prestar serviços para outras entidades – factos 36 a 47 – em nosso entender, não relevam na medida em que um trabalhador não está impedido de exercer outras actividades no período de tempo em que não trabalha para o empregador, sem que isso “descaracterize” a relação laboral estabelecida entre as partes. Em conclusão, dos factos base da presunção estabelecidos no art. 12º, apenas se verifica a inexistência de um horário de trabalho nos termos concebidos para o contrato de trabalho. Contudo, e ressalvando melhor opinião, esse elemento não é suficiente para que possamos afirmar que a Ré ilidiu a presunção de laboralidade de que o apelante goza, sendo certo que outros elementos reforçam a existência de um contrato de trabalho. Na verdade, os factos 9 e 10 permitem afirmar que o interveniente tem alguma autonomia para o exercício das suas funções de direcção mas com algumas nuances, a significar que inexiste autonomia total, como no caso do contrato de prestação de serviços [9) AA mantém autonomia para gerir os materiais consumíveis, procede à consulta e análise para aquisição, reparação ou manutenção de equipamentos e/ou instalações. 10) Em situações mais complexas, submete as propostas para aprovação superior]. É, pois, de concluir que o contrato que vincula o interveniente, AA e a Ré configura um contrato de trabalho, com início em Janeiro de 2009. E, deste modo, resta-nos concluir pela revogação da decisão recorrida e procedência dos recursos. * III – DECISÃOEm face do exposto, acordam os Juízes desta secção, da Relação do Porto, em julgar os recursos procedentes e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e substituindo-a pelo presente acórdão, declara-se que AA e a Ré celebraram um contrato de trabalho, com início em Janeiro de 2009. * Custas a cargo da recorrida.* Porto, 03 de Novembro de 2025* Rita RomeiraO presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos, Sílvia Saraiva Nelson Fernandes |