Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
549/25.2YLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ MANUEL CORREIA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
COMUNICAÇÃO DO SENHORIO
Nº do Documento: RP20251113549/25.2YLPRT.P1
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: O envio da carta com os dizeres e os requisitos previstos no n.º 6 do art.º 1083.º do Código Civil é condição essencial para a validade e eficácia da resolução do contrato de arrendamento pelo senhorio, fundada nas circunstâncias previstas no n.º 4 do preceito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 549/25.2YLPRT.P1 - Recurso de apelação
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 1
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.- Sumário
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.- Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto,

I.- Relatório
1.- AA e esposa BB instauraram procedimento especial de despejo contra CC, pedindo a declaração de cessação, por resolução, do contrato de arrendamento referido no requerimento inicial e, consequentemente:
a.- ser o Requerido despejado imediatamente do locado, entregando-o aos Requerentes livre de pessoas e bens e em perfeito estado de conservação;
cumulativamente,
b.- ser o Requerido condenado a pagar-lhes, a título de indemnização pelo pagamento da renda, o montante de € 1.760,00, bem como os valores das rendas em singelo, até efetiva desocupação do locado e entrega deste aos Requerentes, acrescido da competente indemnização se o pagamento for realizado para lá da mora não relevante.

2.- Sustentaram o pedido, em síntese, no seguinte.
Por contrato de 29-06-2024, deram de arrendamento ao Requerido, que o aceitou, para sua habitação, uma fração autónoma de que são proprietários e que identificaram.
A renda mensal acordada foi a de € 1.110,00, cujo pagamento pontual, contudo, não foi sendo assegurado pelo Requerido.
Por este motivo, notificaram-no, por cartas registadas com a/r, em 21-11-2024 e em 18-12-2024, comunicando-lhe que estava em mora no pagamento das rendas e que era sua intenção pôr fim ao arrendamento.
Apesar de advertido, o Requerido voltou a pagar as rendas futuras fora do prazo acordado, pelo que, através de notificação judicial avulsa, pessoalmente recebida pelo Requerido em 28-03-2025, resolveram o contrato.
É-lhes devido o pagamento do valor de € 1.760,00, a título de indemnização prevista no art.º 1041.º, n.º 1 do CC, bem como do valor das rendas em singelo até efetiva desocupação do locado.

3.- Pessoalmente notificado, opôs-se o Requerido às pretensões dos Requerentes.
Em síntese, referiu que nunca rececionou as cartas que os Requerentes dizem que enviaram, até porque estas foram remetidas para uma morada incorreta.
Tais comunicações são, à luz do n.º 6 do art.º 1083.º do CC, condição prévia e essencial para a resolução do contrato de arrendamento com fundamento no disposto no n.º 4 do mesmo preceito.
A notificação judicial avulsa de 28-03-2025 é, portanto, inválida e ineficaz.
A indemnização de € 1.760,00 peticionada pelos Requerentes não é devida, porque pressupõe a manutenção do contrato de arrendamento, o que aqui não se verifica, já que os Requerentes pretendem a sua resolução.

4.- Realizada audiência de julgamento, foi, depois, proferida sentença, julgando o procedimento parcialmente procedente e, consequentemente:
i.- decretando o despejo do imóvel identificado nos autos;
ii.- condenando o Requerido a pagar aos Requerentes a indemnização prevista e calculada nos termos do art.º 1045.º, n.º 1 do CC, devida pela ocupação do imóvel nos meses subsequentes ao termo do contrato por resolução, fixando-se o valor de € 1.100,00 por cada mês; constituindo-se em mora, o valor da indemnização elevar-se-ia para o dobro – art.º 1045.º, n.º 2 do CC.

5.- Inconformado com esta decisão, dele interpôs o Requerido o presente recurso, batendo-se pela sua revogação e pela sua absolvição de todos os pedidos.
Para o efeito, formulou as seguintes conclusões:

A)- Mal andou o Tribunal a quo ao mencionar que a sua convicção assentou na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, assim como da prova documental junta aos autos principais e ao Apenso A) (arresto), tendo em linha de conta as regras da experiência comum, quando dos presentes autos não existe qualquer apenso, nem tão pouco o aludido apenso A) (arresto).
B)- O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos factos provados 12) a 14), no documento 4 do requerimento inicial (junto com a referência 43027104) e do expediente da notificação judicial avulsa. Todavia, quer do teor do documento 4 do requerimento inicial, quer do teor do expediente da notificação judicial avulsa, não resulta que tenha sido efetuada qualquer comunicação pelos recorridos ao recorrente dando conhecimento da sua intenção de pôr fim ao contrato de arrendamento, em virtude do pagamento das rendas ter sido efetuado após o dia 8 de cada um dos meses em questão.
C)- Do teor do documento 4 do requerimento inicial resulta APENAS a comunicação dos recorridos ao recorrente a resolver de imediato o contrato de arrendamento e não já – como erradamente foi dado como provado no facto 12) - “e que era sua intenção resolver o contrato”.
D)- A comunicação de intenção de pôr fim ao contrato de arrendamento não pode ser confundida com a própria comunicação de resolução de tal contrato, como aliás foi feito pelos recorridos ao recorrente, uma vez que nunca os mesmos comunicaram – nas diversas cartas que remeteram ao recorrido – a intenção de pôr fim ao contrato. Apenas comunicaram ao recorrente, através da carta e da notificação judicial avulsa – ÚNICAS RECEBIDAS - a resolução imediata do contrato.
E)- Aliás, ao contrário do que é mencionado no documento 4 do requerimento inicial, a carta datada de 21 de novembro de 2024, nunca foi rececionada pelo recorrente, como consta da sentença em I. dos factos não provados, que nesta parte decidiu bem, atenta a não assinatura do aviso de receção da mesma constante dos autos.
F)- Por não resultar do documento 4 do requerimento inicial, a comunicação da intenção dos recorridos de resolver o contrato de arrendamento, mas sim a própria resolução do contrato de arrendamento, na qual, aliás, exige ao recorrente a entrega do arrendado, livre e devoluto de pessoas e bens, no prazo de 10 dias, é impugnada a matéria de facto dada como provada no facto 12) designadamente que: “e que era sua intenção resolver o contrato”. Tal facto 12) dado como provado apenas deveria ter o seguinte teor: “Os requerentes notificaram o requerido, através de carta registada com aviso de recepção datada de 17/12/2024 e recebida a 19/12/2024 pelo pai do requerido (......), na morada do locado, a comunicar que o mesmo se encontrava em mora no pagamento das rendas”.
G)- Também não deveria o Tribunal a quo ter dado como provado o facto 13) dos factos dados como provados nomeadamente quando alude que: ”Apesar de advertido nos termos legais, após aquela data (…) sem qualquer justificação plausível para tal suceder;”, pois que como se constata dos documentos juntos aos autos, nunca foi o recorrente advertido da intenção dos recorrentes de resolverem o contrato de arrendamento, nem tão pouco tal intenção RESULTA E CONSTA da carta datada de 17/12/2024, recebida a 19/12/2024. Assim, e também quanto a esta parte do facto 13) dado como provado, existe manifesto ERRO na apreciação e valorização da prova documental feita pelo Tribunal a quo. Pelo que, deverá ser alterada a matéria de facto constante de 13) dos factos dados como provados, passando a ter o seguinte teor: “O requerido voltou a pagar todas as rendas futuras após o dia 8.”.
H)- Reforça-se que os recorridos nunca cumpriram os termos legais, nomeadamente o disposto no nº 6, do artigo 1083º do Código Civil, uma vez que, em nenhuma das cartas juntas aos autos consta a sua intenção de porem fim ao contrato de arrendamento, constando APENAS a resolução unilateral do contrato de arrendamento por sua iniciativa.
I)- A resolução do contrato de arrendamento nos termos do disposto no número 4, do artigo 1083º do Código Civil, como nos ensina Edgar Alexandre Martins Valente, in “Arrendamento Urbano – Comentário às alterações legislativas introduzidas ao regime vigente”, Almedina 2019, no comentário ao artigo 1083º do CC: “apenas se verificará, caso após o terceiro atraso (de um mínimo de cinco atrasos que fundamentam a resolução), o senhorio tiver informado o arrendatário, mediante carta registada com aviso de receção, da sua intenção de resolver o contrato com base nesse fundamento” .
J)- A comunicação a realizar pelo senhorio nos termos do alterado nº 6, do artigo 1083º do Código Civil, decorrente da Lei 13/2019, de 12.02, antecede necessariamente a comunicação que terá de ser feita para desencadear extrajudicialmente a cessação do contrato, ao abrigo do disposto no nº 7, do artigo 9º, NRAU, assim permitindo ao arrendatário, por outro lado, que este não seja confrontado por uma decisão-surpresa de cessação justificada do contrato e, por outro, que ao ter conhecimento de que se encontra em incumprimento, possa fazer cessar tal situação antes de atingir o momento em que será tarde demais, assim obstando a uma futura resolução contratual, de todo o modo, indesejável, como aliás tem sido jurisprudência comum.
L)- Ao decretar o despejo do imóvel arrendado fez o Tribunal a quo uma ERRADA interpretação de toda a prova carreada para os autos, inclusive do teor do documento 4 do requerimento inicial (correspondente à carta datada de 17 de dezembro de 2024), apurando matéria que em documento algum resulta e/ou consta, designadamente quanto aos factos “e que era sua intenção resolver o contrato” (facto 12) dado como provado) e “Apesar de advertido nos termos legais, após aquela data (…) sem qualquer justificação plausível para tal suceder;”(facto 13) dado como provado).
M)- Os recorridos NUNCA comunicaram ao recorrente a sua intenção de pôr fim ao contrato de arrendamento em virtude do pagamento das rendas ter ocorrido após o dia 8 de cada mês e por mais de quatro vezes. Comunicação que é requisito de natureza substancial introduzido pela Lei 13/2019, de 12.02, que teve precisamente como confessado o intuito da introdução de medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, e a de reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a de proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.
N)- Os recorridos APENAS poderiam resolver o contrato com fundamento no nº 4, do artigo 1083º do Código Civil, se tivessem informado PREVIAMENTE o arrendatário, o aqui recorrente, por carta registada com aviso de receção, após o terceiro atraso no pagamento da renda, de que era sua intenção pôr fim ao arrendamento naqueles termos, o que no presente caso NÃO ACONTECEU.
O)- Ao não terem observado o disposto no nº 6, do artigo 1083º do Código Civil, os recorridos não podiam resolver o contrato de arrendamento, nos termos em que o fizeram, dado que aquela comunicação é constitutiva do direito do senhorio à resolução, sendo condição sine qua non do respetivo exercício. Ou seja, sendo uma norma de direito material condiciona o exercício do próprio direito de resolução, quer pela via extrajudicial, quer pela judicial.
P)- Não resulta demonstrado nos presentes autos, que os Recorridos enviaram a comunicação referida no nº 6, do artigo 1083º do Código Civil, ao Recorrente, arrendatário. Nem sequer tal facto resulta da carta datada de 17 de dezembro de 2024. Sendo que, a carta remetida pelos recorridos ao recorrente identificada no facto 12) dos factos provados, pela sua simples leitura, apenas resulta a comunicação imediata da resolução do contrato de arrendamento, e já não a informação prévia ao arrendatário/recorrente, que após o terceiro atraso no pagamento da renda, de que era sua intenção pôr fim ao arrendamento naqueles termos, tal como é exigido por lei.
Q)- Daí que, manifestamente resulta que tais factos não ficaram provados e que deverão ser acrescentados em II e III dos factos não provados, com os seguintes teores respetivamente: “os requerentes não comunicaram ao requerido que era sua intenção resolver o contrato” e “Apesar de advertido nos termos legais, após aquela data, continuou a pagar após o dia 8 sem qualquer justificação plausível para tal suceder;”
R)- A prova dos factos constitutivos do direito alegado cabe a quem os invoca, conforme dispõe o nº 1, do artigo 342º do Código Civil. Assim, competia aos recorridos provar que tinham comunicado ao recorrente a sua intenção de pôr fim ao contrato de arrendamento. O que não fizeram.
S)- O Tribunal a quo, ao ter dado como provado que a comunicação da intenção de pôr fim ao contrato foi efetuada pela carta datada de 17 de dezembro de 2024 e recebida a 19 de dezembro de 2024, não leu devidamente o seu teor, uma vez que da mesma apenas consta a comunicação imediata da resolução do contrato e não o que o Tribunal considerou provado, e por via disso, fez má aplicação do direito.
T)- Violando assim, o Tribunal a quo o disposto nos artigos 342º, nº 1 e 1083º, nº 4 e 6 todos do Código Civil e nº 5, do artigo 607º do Código de Processo Civil, ao decretar o despejo imediato da fração arrendada pelos recorridos ao recorrente.

6.- Responderam os Requerentes ao recurso, batendo-se pela sua improcedência, concluindo do seguinte modo:

A) O Recorrente pretende ver reapreciada a decisão relativa à matéria de facto, por considerar que mal andou o Tribunal a quo ao considerar provados determinados factos, bem como mal andou na análise dos documentos constantes dos autos e da prova produzida em audiência de discussão e julgamento;
B) Entendem os Recorridos que erra o Recorrente na análise que faz da sentença ora recorrida;
C) Antes de mais, convém referir que o Recorrente não respeita as exigências legais quanto ao ónus da prova previsto no artigo 640º do CPC, porquanto não indica correctamente os meios probatórios, constantes da gravação da audiência final, que entende que deviam culminar em decisão diversa da que foi proferida pelo Tribunal a quo, limitando-se a fazer referência ao teor da prova produzida na audiência de discussão e julgamento (página 11, ponto 14 das Alegações de Recurso);
D) Já quanto ao recurso propriamente dito, o Recorrente indica que não terá recebido a carta datada de 19 de novembro de 2024 e registada com o código ...... e que, por esse facto, não foi cumprido o disposto no artigo 1083º n.º 6 do Código Civil (em diante CC), que é condição prévia e essencial para a resolução do contrato de arrendamento nos termos do n.º 4 do mesmo artigo;
E) Ora, salvo devido respeito por opinião diversa a comunicação foi realizada nos termos do disposto no artigo 1083º n.ºs 4 e 6 do CC e o Recorrente, ainda assim, manteve o incumprimento no pagamento das rendas, ultrapassando sempre a mora relevante, entre dezembro e março, data em que foi proposta a notificação judicial avulsa, por forma a comunicar formalmente a resolução do contrato em crise;
F) É que após a receção da missiva, em dezembro de 2024, o Recorrente voltou a efetuar o pagamento das rendas a 22/01/2025 e depois a 03/03/2025, demonstrando, claramente que não pretendia cumprir com o pagamento atempado das referidas rendas;
G) O Recorrente teve à sua disposição a possibilidade de regularizar a situação e proceder ao pagamento das rendas subsequentes, pelo menos, dentro do prazo da mora relevante, mas nunca o fez, colocando, claro está, em causa a manutenção do contrato de arrendamento objeto dos presentes autos;
H) Assim, bem andou o Tribunal a quo na análise e ponderação que realizou da prova junta aos autos para proferir a decisão de despejo do imóvel bem identificado nos autos, a qual se deverá manter inalterada.

7.- O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo; todavia, recebido nesta Relação, por despacho do relator de 17-09-2025, não impugnado, foi alterado o respetivo efeito, designadamente, para meramente devolutivo, atento o disposto no art.º 15.º-Q do NRAU.

8.- Seguidamente, foi proferida foi proferida pelo relator, ao abrigo do disposto nos art.ºs 652.º, n.º 1 e 656.º do CPC, decisão sumária, julgando o recurso totalmente procedente e, consequentemente, revogando a sentença recorrida na parte em que, no pressuposto da resolução do contrato de arrendamento dos autos, decretou o despejo do locado.

9.- Inconformados com tal decisão, os Apelados dela reclamaram para a conferência, pedindo a decisão da apelação por Acórdão que a revogasse e confirmasse a sentença proferida em 1.ª instância.

10.- Colhidos os vistos legais, cumpre, então, a tal não obstando, apreciar e decidir.
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II.- Das questões a decidir
O âmbito dos recursos, tal como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 641.º, n.º 2, al. b) do Código de Processo Civil (doravante, CPC), é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente.
Isto, com ressalva das questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado ou das que se prendem com a qualificação jurídica dos factos (cfr., a este propósito, o disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 663.º, n.º 2 e 5.º, n.º 3 do CPC).
Neste pressuposto, as questões que, neste recurso, importa apreciar e decidir são as seguintes:
i.- da impugnação da decisão em matéria de facto quanto aos factos provados n.ºs 12 e 13;
ii.- da validade e eficácia da resolução do contrato de arrendamento dos autos pelos Apelados.
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III.- Fundamentação
III.I.- Da Fundamentação de facto
.- Na sentença alvo do recurso foram julgados provados os seguintes factos:
1.- Os requerentes são os donos e legítimos proprietários da fração autónoma designada pela letra “J”, correspondente à habitação ..., tipo duplex, nos Pisos ... e ..., do ..., lugar de garagem no piso ..., devidamente assinalado com a respetiva letra, com entrada pelo número ... da Rua ..., sendo ela parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., na União das Freguesias ... e ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... da freguesia ... (...), inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias atrás referida sob o artigo ..., com a Autorização de Utilização n.º ..., emitida em 06/12/1999 pela Câmara Municipal ..., e com o Certificado Energético ..., válido até 09/06/2033;
2) Por contrato datado de 29 de Junho de 2024, os requerentes deram de arrendamento ao requerido e este aceitou, o prédio urbano identificado no artigo anterior, destinado a habitação própria e permanente deste;
3) Tendo o referido contrato produzido efeitos a partir do dia 1 de Julho de 2024;
4) A renda mensal acordada e que se mantém até ao presente era de 1.100,00€;
5) Sucede que o requerido não vem cumprido com a sua obrigação principal, isto é, o pagamento das rendas devidas pela locação;
6) O requerido foi notificado de que os pagamentos das rendas efetuadas foram realizados fora do prazo legal previsto para o efeito;
7) O requerido pagou no dia 13/08/2024 a renda de 1.100,00€;
8) O requerido pagou no dia 20/09/2024 a renda de 1.100,00€;
9) O requerido pagou no dia 21/11/2024 a renda de 1.100,00€;
10) O requerido pagou no dia 22/01/2025 o valor de 3.300,00€;
11) O requerido pagou no dia 03/03/2025 a renda de 1.100,00€;
12) Os requerentes notificaram o requerido, através de carta registada com aviso de recepção datada de 17/12/2024 e recebida a 19/12/2024 pelo pai do requerido (......), na morada do locado, a comunicar que o mesmo se encontrava em mora no pagamento das rendas e que era sua intenção resolver o contrato;
13) Apesar de avertido nos termos legais, após aquela data, o requerido voltou a pagar todas as rendas futuras após o dia 8, sem qualquer justificação plausível para tal suceder;
14) Os requerentes deram entrada de Notificação Judicial Avulsa, à qual foi atribuído o n.º … e que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 5, da qual o requerido foi notificado pessoalmente no dia 28 de Março de 2025.
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Na sentença recorrida não foi julgado provado o seguinte facto:
a.- Os requerentes notificaram o requerido, através de carta registada com aviso de recepção no dia 21 de Novembro de 2024 (......), a comunicar que o mesmo se encontrava em mora no pagamento das rendas.
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III.II.- Do objeto do recurso
1.- Da impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos factos provados com os n.ºs 12 e 13
Insurge-se o Apelante contra o julgamento feito em 1.ª instância dos factos provados com os n.ºs 12 e 13.
Tais factos são do seguinte teor:
.- “12.- Os requerentes notificaram o requerido, através de carta registada com aviso de receção datada de 17/12/2024 e recebida a 19/12/2024 pelo pai do requerido (......), na morada do locado, a comunicar que o mesmo se encontrava em mora no pagamento das rendas e que era sua intenção resolver o contrato”;
.- “13.- Apesar de advertido nos termos legais, após aquela data, o requerido voltou a pagar todas as rendas futuras após o dia 8, sem qualquer justificação plausível para tal suceder”.
Bem interpretada a peça recursória do Apelante, dela resulta que aquilo de que este, dos factos em apreço, discorda é apenas: (i) do último período do primeiro facto, na parte em que diz: “e que era sua intenção resolver o contrato”; (ii) do primeiro e do último períodos do segundo facto, na parte em que se diz: “Apesar de advertido nos termos legais”; “sem qualquer justificação plausível para tal suceder”.
Tudo o mais que consta dos factos, inclusive, portanto, o envio e a receção da carta referida no primeiro facto, bem como o não pagamento das rendas ulteriores mencionado no segundo, é aceite pelo mesmo.
Ora, partindo deste pressuposto, não há que sindicar o juízo decisório da 1.ª instância quanto aos segmentos do facto contra os quais se insurge o Apelante em função da prova produzida.
E não há que sindicar pela simples razão de que tais segmentos de facto controvertidos, por razões de boa técnica e do próprio rigor jurídicos, merecem tratamento diverso do que lhe foi dado em 1.ª instância.

Com efeito, o facto provado n.º 12 diz respeito a uma carta que os Apelados remeteram ao Apelante, no âmbito das diligências de resolução do contrato de arrendamento dos autos.
O segmento desse facto com o qual o Apelante discorda, por seu turno, traduz, não um facto em si mesmo, mas a interpretação que a 1.ª instância entendeu fazer do teor da referida carta.
Sucede que tal carta consiste, como se disse, numa das operações levadas a cabo pelos Apelados em vista da resolução do contrato.
Destinou-se, mais concretamente, a observar os requisitos de resolução do contrato de arrendamento dos autos previstos no art.º 1083.º, n.ºs 4 e 6 do Código Civil.
Tratando-se de requisito de resolução do contrato de arrendamento, consiste a carta, ela própria, num facto e num facto constitutivo do direito que os Apelados pretendem exercer na ação.
E se trata de um facto, para mais constitutivo do direito dos Apelados, o que se impõe fazer nesta sede da matéria de facto é, pura e simplesmente, dar como reproduzido o seu teor e nada mais.
Saber qual o sentido e alcance decisivos da carta, designadamente se, com ela, os Apelados comunicaram ao Apelante que era sua intenção (dos Apelados) a de resolver o contrato, constitui já interpretação da mesma enquanto declaração de vontade e, portanto, pura matéria de direito, a levar a cabo à luz do critério previsto no art.º 236.º do Código Civil.
Ao não se proceder deste modo na decisão recorrida e, particularmente, ao consignar-se no facto em apreço que, pela dita carta, os Apelados tinham a referida intenção de resolução do contrato, converteu-se em facto aquilo que era direito e decidiu-se no facto o que deveria ter sido decidido no direito.
Conclui-se, por isso, que, relativamente à impugnação da decisão da matéria de facto aqui em apreço, não há que ponderar a inclusão no elenco de factos não provados do segmento de facto impugnado.
O que há a fazer é tão somente reformular a redação do facto provado n.º 2, no sentido de nele se dar como reproduzido o teor da referida carta, mantendo-se, no mais, o que dele já consta e com o que o Apelante concordou.
Se nessa carta os Apelados veicularam ou não a sua intenção de pôr termo ao contrato de arrendamento dos autos por resolução é conclusão a retirar mais à frente em sede de subsunção dos factos ao direito aplicável.

Quanto ao facto n.º 13, também não há que sindicar o juízo decisório da 1.ª instância quanto aos segmentos do facto controvertidos, na certeza de que se trata de segmentos que também não deviam ter sido incluídos na sua redação.
Na verdade, o que aqui está em causa é a decisão da matéria de facto da 1.ª instância no que diz respeito, designadamente, à enunciação dos factos que a mesma considerou provados e não provados.
Nessa tarefa, aquilo que importa apurar é exclusivamente factos materiais e concretos, enquanto acontecimentos ou realidades do mundo exterior, ou, nas palavras de Anselmo de Castro, “não só acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos” (in Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, Vol. III, 1982, p. 268/269).
Do elenco de factos relevantes para a decisão a proferir não devem constar, por conseguinte, juízos conclusivos ou de valoração normativa. Tais juízos, a relevar, relevam sim, mas em sede de subsunção daqueles factos ao direito aplicável, isto é, noutra sede que não nesta.
Como se referiu a este propósito no Acórdão da Relação do Porto de 27-09-2023, “só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados”, pelo que “conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova” (proferido no processo n.º 9028/21.6T8VNG.P1, disponível na internet, no sítio com o endereço www.dgsi.pt).
Consequentemente, afirmações conclusivas, sobretudo quando correspondam ao objeto do litígio ou à questão a decidir, confundindo-se com o ‘conceito chave’ da solução jurídica da causa, devem ser excluídas ou consideradas não escritas.
Como, mais uma vez, se concluiu no aludido aresto, deve-se ter por “não escrita” “a enunciação [que se] revele conclusiva”, mormente nos casos em que, citando-se o Acórdão do STJ de 14-07-2021, essa enunciação encerre um juízo “contendo (…) em si mesmo a decisão da própria causa” ou em que “se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta”.

Ora, as expressões que constam do facto provado n.º 13, nas quais se refere que “apesar de advertido nos termos legais” e “sem qualquer justificação plausível para tal suceder” consubstanciam, não realidades ou acontecimentos do mundo exterior, mas puros juízos de pendor marcadamente conclusivo e valorativo.
Dizer-se que alguém foi advertido nos termos legais é concluir, aliás, sem se dizer porquê, que alguém foi advertido de alguma coisa e que essa advertência foi feita nos termos da lei.
Dizer-se, por seu turno, que alguém atuou “sem qualquer justificação plausível para tal suceder” é formular um juízo de desvalor sobre a atuação empreendida.
A conclusão do facto n.º 12 e o juízo de (des)valor do facto n.º 13 é algo, contudo, que só em sede de subsunção ao direito dos factos provados deve ser alcançado.
Trata-se, pois, de expressões que não reúnem os requisitos para que, à luz do disposto no n.º 4 do art.º 607.º do CPC, possam ser vistas como “factos” juridicamente relevantes, de modo a integrarem o acervo de factos provados ou não provados.
Impõe-se, pois, a sua exclusão da redação do facto em apreço.

Resta dizer que os Apelados, na resposta ao recurso, pugnaram pela inadmissibilidade da impugnação da decisão da matéria de facto do Apelante, com fundamento no facto de este não ter supostamente cumprido os ónus previstos no art.º 640.º, n.º 1 do CPC, mas tal posição, em face do que acaba de ser dito, não pode merecer acolhimento.
As vicissitudes de que padece a decisão da matéria de facto impugnada e acima destacadas têm a ver, não com o juízo decisório feito em 1.ª instância em função do sentido da prova produzida, mas com a sua inadequação formal, o que sempre cumpriria a este tribunal, mesmo oficiosamente, reparar.

Em suma, ainda que por diversos fundamentos, procede a impugnação do Apelante e, consequentemente, determina-se a reformulação da redação dos factos provados n.ºs 12 e 13 nos seguintes termos:

“12.- Os requerentes notificaram o requerido, através de carta registada com aviso de receção datada de 17/12/2024 e recebida a 19/12/2024 pelo pai do requerido (......), na morada do locado, carta essa do seguinte teor:

ASSUNTO: Resolução do contrato de arrendamento nos termos do disposto no artigo 1083.º, n.ºs 3, 4 e 6 do Código Civil

Exmo. Senhor,
(…)
Na qualidade de mandatária constituída pelos senhorios e proprietários da fração autónoma designada pela letra ”J”, correspondente à habitação ..., tipo duplex, nos Pisos ... e ..., do ..., lugar de garagem no piso ..., devidamente assinalado com a respetiva letra, com entrada pelo número ... da Rua ..., sendo ela parte integrante do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., ..., na União das Freguesias ... e ..., Concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o n.º ... da freguesia ... (...), inscrita na matriz predial urbana da União de Freguesias atrás referida sob o artigo ..., com a Autorização de Utilização nº ..., emitida em 06/12/1999 pela Câmara Municipal ..., venho pelo presente indicar a V. Exª. o seguinte:
Não obstante a interpelação efetuada a V. Exa. no passado dia 21.11.2024, através de missiva registada com aviso de receção, a qual foi rececionada no dia 25.11.2024, nenhuma resposta foi dada por V. Exa., no prazo concedido.
Nesse decurso e atento o facto de ter já sido notificado nos termos e para os efeitos do nº 6 do artigo 1083º do Código Civil, venho comunicar a V. Exa. a resolução do contrato de arrendamento que tem por objeto a fração autónoma supra identificada, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 4 do artigo atrás mencionado.
Porquanto, dispõe a Cláusula 4ª.6 do contrato de arrendamento celebrado que “a próxima renda vence-se no 1.º dia do mês de agosto e diz respeito ao mês de outubro de 2024”.
Sucede que V. Exa. procedeu ao pagamento da renda no mês de agosto, apenas no dia 13; a renda no mês de setembro foi paga apenas no dia 20; a renda no mês outubro foi paga apenas a 21 de novembro e as rendas de novembro e dezembro não foram pagas até ao momento.
Nesse decurso, aplica-se o disposto no artigo 1083º n.º4 do Código Civil, que dispõe que “É ainda inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento no caso de o arrendatário se constituir em mora superior a oito dias, no pagamento da renda, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas, num período de 12 meses, com referência a cada contrato, não sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo seguinte”.
Assim, não tem aplicação o disposto no artigo 1084º n.ºs 3 e 4 do Código Civil, pelo que não lhe assiste a possibilidade de colocar fim à mora, por forma à manutenção do contrato de arrendamento.
Face ao exposto e como resulta do n.º 4 do artigo 1083º do Código Civil, comunico a V. Exa. a resolução do contrato de arrendamento celebrado no dia 01 de julho de 2024 com os M/Constituintes e concedo prazo de dez(10) dias após a receção desta missiva para que proceda à entrega da habitação devoluta de pessoas e bens, bem como das chaves da mesma, em hora e local a combinar.
Do mesmo modo deverá proceder ao pagamento dos encargos devidos e não pagos, no valor de € 200,00 (duzentos euros), das rendas vencidas e não pagas relativas 8 aos meses de novembro e dezembro, no valor global de €2.200,00 (dois mil e duzentos euros), e respetiva indemnização no valor de € 880,00 (oitocentos e oitenta euros), bem como das despesas inerentes à celebração do contrato de arrendamento no montante de €1.353,00 (mil, trezentos e cinquenta e três euros) e honorários de Advogado no montante de €225,00 (duzentos e vinte e cinco euros).
Findo o prazo sem que proceda à entrega da fração autónoma livre de pessoas e bens, bem como das chaves da mesma e igualmente ao pagamento dos montantes peticionados, no valor global de € 4.858,00 (quatro mil, oitocentos e cinquenta e oito euros), será instaurada a competente ação de despejo, bem como a ação de ressarcimento dos valores indicados, além dos montantes correspondentes a despesas judiciais e extrajudiciais que ficarão, também, ao encargo de V. Exa.
(…)”.

“13.- O requerido voltou a pagar todas as rendas futuras após o dia 8.”
*
2.- Da validade e eficácia da resolução do contrato de arrendamento dos autos pelos Apelado
Está em causa no recurso a questão de saber se o contrato de arrendamento dos autos, no âmbito do qual Apelante e Apelados figuram, respetivamente, como arrendatário e senhorio, foi validamente resolvido por estes.
O fundamento da resolução invocado foi o previsto no n.º 4 do art.º 1083.º do Código Civil, isto é, a mora do Apelante enquanto arrendatário no pagamento da renda, mora essa superior a 8 dias, por mais de quatro vezes, seguidas ou interpoladas e num período de 12 meses.
O Apelante não questiona que não tenha pago a renda a cujo pagamento estava adstrito nos termos e condições previstos no preceito; o que questiona é que os Apelados, apesar desse facto, tenham validamente resolvido o contrato à luz do disposto no seu n.º 6.
É essa, pois, a questão que aqui se coloca e de que cumpre apreciar.

Dispõe o referido n.º 6 do art.º 1083.º do Código Civil que, no caso previsto no n.º 4, o senhorio apenas pode resolver o contrato se tiver informado o arrendatário, por carta registada com aviso de receção, após o terceiro atraso no pagamento da renda, de que é sua intenção pôr fim ao arrendamento naqueles termos.
Decorre de tal preceito que sempre que o senhorio pretenda pôr termo ao contrato de arrendamento por resolução fundada na mora do arrendatário tem de, previamente à efetiva resolução, comunicar ao inquilino, por carta registada com a/r, após o terceiro atraso no pagamento da renda, de que pretende resolver o contrato com esse fundamento.
Trata-se aqui, como se referiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 04-06-2020 (proferido no processo n.º 777/18.7T8SXL.L1-2, de que foi relator Pedro Martins e disponível na internet, no sítio www.dgsi.pt), de uma formalidade que “teve o fim de proteger o arrendatário”; isto é, entendendo-se “que não se justificava que este fosse apanhado de surpresa pelo senhorio que vai aceitando que a renda seja paga depois do dia 1 do mês anterior ao que diga respeito e cinco meses depois, sem aviso, quer acionar este fundamento resolutivo”, “impôs a lei (…) uma condição para que este direito de resolução pudesse ser exercido validamente”.
Ao senhorio que, confrontado com a mora do inquilino nos termos e condições previstos no n.º 4 do art.º 1083.º do Código Civil e que pretenda, com esse fundamento, resolver o contrato, não basta dirigir ao segundo a declaração de resolução prevista no art.º 436.º do Código Civil, impondo-se-lhe, também, o envio prévio de uma outra comunicação nos termos previstos no n.º 6 do primeiro preceito.

Ora, no caso, os Apelados resolveram o contrato de arrendamento através da notificação judicial avulsa referida nos factos provados com os n.ºs 12 e 14.
Além dessa notificação e antes dela, a única que também lograram provar que realizaram foi a referida no facto provado n.º 12.
A questão que se coloca é, pois, a de saber se tal comunicação reúne requisitos que permitam enquadrá-la na previsão do n.º 6 do art.º 1083.º do Código Civil.
E o certo é que, apesar de se tratar de declaração remetida por a/r e rececionada pelo Apelante, nos parece claro que não.
Na verdade, e desde logo, a declaração tem por epígrafe ou “Assunto” a “resolução do contrato de arrendamento nos termos do disposto no artigo 1083.º, n.ºs 3, 4 e 6 do Código Civil” e não a intenção de pôr termo ao contrato de arrendamento com tal fundamento.
Depois, no texto do documento não é tecida uma única consideração quanto à intenção dos remetentes de pôr termo ao contrato de arrendamento; pelo contrário, o que dele consta é a enunciação dos incumprimentos do destinatário no pagamento da renda e a declaração de vontade – já formada e definitiva – de pôr termo ao contrato de arrendamento.
Tanto assim, aliás, que, logo após a comunicação da resolução, se fazem as exigências típicas de quem dá o contrato como extinto, nomeadamente, no que ao caso importa, a obrigação de entrega do locado num determinado prazo.
De resto, no próprio texto da carta é feita referência ao suposto envio anterior de uma missiva em cumprimento do n.º 6 do art.º 1983.º do Código Civil, o que evidencia que, com a carta em questão, aquilo que se pretendeu declarar foi o fim do contrato, depois de já antes ter sido comunicada a intenção de o fazer.
Perante estes circunstancialismo, e interpretando a carta em apreço enquanto declaração de vontade à luz do critério previsto no art.º 236.º do Código Civil, parece não haver outra conclusão possível que não a de que um declaratário normal e minimamente diligente e sagaz, se colocado perante tal declaração, leria a carta como a manifestação de vontade de pôr termo ao contrato por resolução, como que se de uma declaração emitida nos termos do art.º 436.º do Código Civil (e não nos termos do n.º 6 do art.º 1083.º) se tratasse.
O texto da carta em questão corresponde, de resto, no essencial, ao texto da notificação judicial avulsa referida nos factos provados n.ºs 12 e 14, o que só reforça a conclusão a que acaba de se chegar.

Ora, além da carta em apreço, os Apelados não lograram provar o envio de qualquer outra comunicação (veja-se o facto não provado da alínea a).
Falta, assim, um dos pressupostos – o envio da comunicação prevista no n.º 6 do art.º 1083.º do Código Civil – necessários para que operasse a resolução do contrato de arrendamento dos autos por parte dos Apelados.
Por conseguinte, e uma vez que se tratava de facto constitutivo do seu direito, cujo ónus da prova recaía sobre si (art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil), forçoso é concluir que a resolução que tentaram operar não é válida, nem produziu quaisquer efeitos.
Impõe-se, pois, a revogação da sentença recorrida, na parte em que, no pressuposto da resolução do contrato de arrendamento dos autos, decretou o despejo do locado.
E impõe-se, ainda, a revogação da sentença, na parte em que condenou o Apelante a pagar aos Apelados a indemnização prevista e calculada nos termos do art.º 1045.º, n.º 1 do Código Civil, devida pela ocupação do imóvel nos meses subsequentes ao termo do contrato por resolução.
Com efeito, apesar de o Apelante, no seu recurso, não ter feito menção expressa a este segmento da condenação, o certo é que também não restringiu o recurso ao segmento da sentença em que foi decretado o despejo.
O recurso abrange, por conseguinte – e aqui, contrariamente ao que se fez constar na decisão sumária anteriormente proferida, cujo sentido decisório, nessa parte, se revê –, na falta de especificação, tudo o que na parte dispositiva foi desfavorável ao Apelante (n.º 3 do art.º 635.º do CPC) e, portanto, a parte da condenação no pagamento da indemnização.
Ora, o decretamento do despejo é requisito essencial para a subsistência da condenação no pagamento da indemnização, na certeza de que esta só faz sentido se o contrato cessar e o locatário tiver de entregar o locado. Isto é, revogado o despejo, deixa de haver, pela própria natureza das coisas, obrigação de restituição e, consequentemente, de indemnização, pressuposta naquela.
Impõe-se, assim, e como se disse, a revogação da sentença, inclusive no que tange ao segmento da condenação em indemnização.
A apelação procede, pois, na totalidade.
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As custas da apelação serão da responsabilidade dos Apelados (art.ºs 527.º e 529.º do CPC).
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IV.- Decisão
Pelo exposto, em conferência, acordam os Juízes Desembargadores da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto julgar totalmente procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, revogando a sentença recorrida, absolver o Apelante dos pedidos que contra si foram formulados pelos Apelados.
Custas da apelação pelos Apelados.
Notifique.
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Porto, 13 de novembro de 2025
(assinado eletronicamente)
José Manuel Correia
Paulo Duarte Teixeira
João Venade