Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
Descritores: | AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RP202503241710/22.7T8PBVZ.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 5. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”. II - Através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto o Tribunal da Relação vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida. III - Na obrigação de restituição com fundamento no enriquecimento sem causa recai sobre quem pede a restituição do indevido o ónus de alegação e prova da falta de causa da atribuição patrimonial, bem como, do nexo de causalidade entre o enriquecimento do obrigado à restituição e o empobrecimento, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342º/1CC. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | EnriqSCausa-RMF-1710/22.7T8PVZ.P1 * * SUMÁRIO[1] (art.º 663º/7 CPC): ………………………………… ………………………………… ………………………………… ---
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)
I. Relatório Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como: - AUTOR: AA, NIF ...20, divorciado, com residência na Av. ..., ..., ... ...; e - RÉU: BB NIF ...92, divorciado, residente na Rua ..., ..., ..., veio o Autor pedir a condenação do réu e que: 1) Se declare nulo o contrato promessa de compra e venda celebrado entre as partes por falta de forma escrita, e em consequência o réu restituir ao autor o valor de € 81.000,00, correspondente ao preço já pago por este; 2) Caso assim não se entenda, seja declarado nulo, ou nulos, ainda por falta de forma, o empréstimo e, caso assim se entenda, os vários empréstimos, efetuados em momentos e em valores diferentes, como resulta dos artigos 90º a 97º da petição inicial, que o autor efetuou ao réu até ao valor total de € 81.000,00. 3) Caso assim não se entenda, ainda, deverá ainda o réu ser condenado ao pagamento de cada um dos montantes indicados nos artigos 90º e 97º da petição inicial, até ao valor total de €81.000,00, por se tratarem de várias entregas e várias transferências de dinheiro a título de empréstimos não titulados por documento escrito, e por, na ausência de fixação prévia de prazo para o pagamento/devolução, caber ao autor nos termos do nº 3 do artigo 1148º do CC, a fixação desse prazo de pagamento, o que fez nos termos do documento nº 12 que se junta, e se se entender tal comunicação ineficaz, sempre o faz agora através e com a citação deste articulado, concedendo um prazo de 30 dias após a citação para pagamento, com juros após essas datas. 4) Por fim, caso assim não se entenda, deve o réu ser condenado, ainda, a restituir o valor de € 81.000,00 ao autor, por força do alegado enriquecimento sem justa causa, nos termos do artigo 473º do Código Civil, com os juros legais desde a citação desta ação. 5) Deve também ser o réu condenado no pagamento de uma indemnização não inferior a € 7.500,00 a título de danos não patrimoniais pela culpa in contraendo como ficou expresso nos artigos neste articulado. 6) Deve ainda o réu ser condenado a entregar ao autor, os bens relacionados no artigo 127º supra, e no caso de tal não ocorrer total ou parcialmente, deve ser condenado a pagar a indemnização correspondente aos seus valores, a liquidar em execução de sentença, pelos bens que não entregar ao autor. 7) Deve ainda o R. ser condenado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de 10,00 euros por cada dia de atraso na entrega de todos e cada um dos bens do autor, decorridos que sejam 30 dias após a citação desta ação. 8) Custas e demais da lei pelo réu. Alega, para tanto e em síntese, que acordou verbalmente com o Réu adquirir um apartamento de que este era proprietário, sito na ..., pelo valor de €420,000,00, a pagar no prazo de 3 anos, podendo ser antes, se conseguisse financiamento bancário, assim que resolvesse uma “questão prejudicial” que tinha pendente junto do Banco de Portugal. Não obstante a falta de apresentação ao Autor da minuta do contrato promessa respetivo, que o Réu se comprometeu apresentar, mercê das relações de confiança entre ambos, o Réu entregou o dito apartamento ao Autor, autorizando que aí estabelecesse a sua residência em Portugal, o que o Autor fez, a partir de setembro de 2021, passando a assumir todos os respetivos custos, chegando a transferir para aquele local serviços de televisão/Internet. Foi aceite por ambos que os valores que o Autor anteriormente havia emprestado ao Réu serviriam para pagamento do preço convencionado. Entretanto, entre setembro e dezembro de 2021, o Autor fez outras entregas de dinheiro ao Réu no pressuposto de que constituiriam adiantamentos por conta do preço da projetada venda. Totalizaram assim tais entregas a descontar no montante do preço o valor de €90.940,00. Tardando a formalização do contrato-promessa e confrontado o réu com a demora, delegou no autor a sua formalização o que o autor fez através do seu advogado e remeteu a minuta do contrato para o réu, que a remeteu para o seu advogado. Mais referiu, que na sequência de uma proposta de negócio imobiliário formulada pelo réu, que o autor não aceitou, o réu alterou o seu comportamento. Aproveitando o facto de o Autor se encontrar no Brasil, o Réu mudou as fechaduras do apartamento impedindo o Autor de aceder ao mesmo, impedindo-o de aceder a todos os seus objetos pessoais que ficaram no interior do mesmo. No regresso do autor do Brasil o réu informou-o que a proposta de venda do apartamento ficava sem efeito e que o autor já não regressaria para lá e informou-o que pagaria todos os valores que recebeu e imputados à venda do apartamento, mas não o fez. Mais lhe referiu que lhe pagaria os outros valores que estavam pendentes referentes a pagamentos e a outros empréstimos que o autor fizera ao réu, para este suportar despesas do Clube Desportivo ... e dos seus jogadores, e dos quais o autor já tinha cheques pré-datados, que, efetivamente foram pagos já no mês de outubro de 2022. Posteriormente, as partes acertaram contas, fixando um saldo a favor do Autor no montante de €81.000,00, resultante do uso do apartamento pelo autor, que o Réu se comprometeu a pagar. O Autor tem assim direito a receber o sobredito valor, a título de obrigação de restituição, com fundamento em nulidade do contrato-promessa, por vício de forma, ou, caso assim não se entenda, com fundamento nos contratos de empréstimo celebrados, ainda que nulos por vício de forma. Mais alegou que mesmo não se entendendo, que foram celebrados tais negócios, assiste-lhe o direito à restituição com fundamento em enriquecimento sem causa, bem como a ser indemnizado pelos danos que sofreu com a atuação do Réu, e, bem assim, à restituição dos bens que se encontravam no interior do apartamento e que atualmente estão na posse do Réu, acrescido de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso nessa entrega, ou caso tal entrega não venha a ocorrer, uma indemnização correspondente aos valores de tais bens, a liquidar ulteriormente. Reclamou ainda uma compensação por danos não patrimoniais no valor de €7.500,00, pelos danos causados pela atuação do Réu, com fundamento na responsabilidade pré-contratual deste. - O Réu apresentou contestação na qual nega a versão dos acontecimentos relatados na petição inicial, sustentando que apenas permitiu que o Autor ocupasse o mencionado apartamento, de mero favor e sem qualquer contrapartida, entre os meses de setembro e junho, pois nos meses de verão arrendava o apartamento a veraneantes, auferindo uma renda substancial. Refere ainda que o Autor foi por ele avisado que tinha de deixar o apartamento até 30 de junho, uma vez que pretendia arrendá-lo nas férias a turistas, na sequência do que este retirou os seus bens do apartamento, em data anterior. Mais alegou que com exceção da quantia de € 18 000,00 - verbas referidas no art.º 89 a), b), h), j) e k) da petição -, o Autor nada entregou ao Réu, designadamente quantias em numerário. O Réu mutuou-lhe, por cheque, valores superiores e que se mantêm em dívida e que se peticionarão em reconvenção. Mais alega que a transferência do A. para o R. foi para pagar um mútuo do R. ao A. de € 21 000,00. Tal mútuo do R. ao A. foi efetuado em duas transferências, uma de € 15 000 da conta pessoal do R. para a “A..., Lda.” (Doc.4), e outra de € 6 000 da empresa do R. “B..., Lda.” e, ainda assim, ficou o A. em dívida para com o Réu na quantia de € 1000,00. Deduziu reconvenção pedindo a condenação do Autor no pagamento da quantia de €17.000,00, acrescida de juros de mora, por este ter recebido a quantia de €35.000,00, por meio de dois cheques, que apresentou a pagamento no dia 04 de outubro de 2022, quando apenas era devido o montante de € 18 000,00. - Na réplica, o Autor impugna motivadamente a factualidade invocada na contestação. Suscitou a ineptidão da reconvenção por absoluta falta de causa de pedir. - Proferiu-se despacho-convite ao aperfeiçoamento da reconvenção e exercício do contraditório, quanto à matéria da nulidade da reconvenção. - Dispensou-se a realização de audiência prévia, sem oposição das partes. - Proferiu-se despacho saneador no qual se julgou verificada a nulidade total da reconvenção por ineptidão. Fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova. - Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância do inerente formalismo legal. - Proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve: “Pelo exposto, decide-se jugar a ação totalmente improcedente, absolvendo o réu de todos os pedidos contra ele formulados. Custas pelo Autor”. - O Autor veio interpor recurso da sentença. - Nas alegações que apresentou o apelante formulou as seguintes conclusões: I. O presente recurso vem interposto por o recorrente não se conformar com douta sentença que absolveu o réu dos pedidos. II. Deverão ser considerados provados os seguintes factos: A. “O autor enviou ao advogado do réu os emails que constituem os documentos 6 e 7, com minuta do contrato para compra e venda do apartamento, e este ficou de conversar com o seu cliente e de voltar ao contacto do autor”. B. “Existiram negociações para a compra e venda pelo réu do imóvel dos autos ao autor. C. “Existiu acordo entre o autor e o réu para venda àquele do apartamento deste na Av. ..., ...,” D. “O autor, no âmbito dessas negociações de compra e venda, passou a usar o apartamento nos termos fixados nos factos provados em 2.1. 2) e 3) até à ocorrência do facto provado em 2.1 4) (sentença)”. E. “o autor escreve ao réu uma mensagem - “Este creio que já tínhamos visto foi todo o dinheiro entregue para pagamento do apartamento”, e nessa relação de valores, estava já em causa a essa data o valor de €70.940,00” F. “O réu viu, pelas 16:07 h, tal mensagem como se vê do duplo visto, a azul, da mesma, e não contestou o seu teor.” G. “Consta das mensagens dos documentos 9 e 11 da p.i. que A. e R. acertaram que o valor da divida do réu se situava em 81.000,00 euros e que se abordara a hipótese de entregar cheques pré-datados.” H. “O réu respondeu ao autor: Costa já vi a tua mensagem, mas hoje não vai dar amanhã falamos”. I. “O réu recebeu do autor os valores constantes dos documentos 9 e 11 juntos com a petição, que fixaram em 81.000,00 €, os quais visavam a pagar o preço da compra do apartamento que não se concretizou”. J. “O Autor em 21.10.2022 enviou comunicação escrita pelo registo do correio, onde reclama o pagamento de 81.000,00, e solicita a entrega dos bens que estavam no apartamento, que o réu não respondeu, não refutou e que constitui o documento 12 junto com a p.i.”. K. “Os bens constantes da lista descriminada no artigo 127º da p.i. encontravam-se no apartamento no momento da mudança das chaves do mesmo pelo réu que ocorreu como definido no ponto 2-.1 4) e 5) dos Factos Provados”. III. Estes factos e os que o tribunal de recurso vier a estabelecer face aos temas da prova definidos pela 1ª Instância, face ao alegado pelo autor e à prova testemunhal, de que se junta transcrição integral (estando os áudios ao dispor no citius), bem como toda prova a documental, são suficientes para que a ação seja julgada procedente. IV. O teor dos documentos 6, 7 da p.i: “De acordo com a solicitação do Sr. BB segue o contrato de venda do apartamento para sua análise para que o seu cliente possa assinar.” E a resposta do ilustre advogado, foi nesse mesmo dia: - “Vou analisar. Falar com o Sr. BB e no início da próxima semana volto ao contacto. Boa Páscoa.” não foram valorados como deviam pela douta sentença em crise. V. Estes dois documentos cuja falsidade não foi invocada, contrariam o facto de se ter considerado não provada o facto da alínea h) dos Factos Não Provados com a seguinte redação: “ A pedido do Réu, o Autor remeteu ao advogado deste a minuta do contrato promessa para que fosse assinada por ele”, e cuja redação se propõe no ponto II aliena A) destas conclusões, tal como alegado nos artigos 38, 39, 40 e 41 da p.i.. VI. Este facto deverá, se mais não demonstrar, permitir ainda ao tribunal concluir que: B) “Existiram negociações para a compra e venda pelo réu do imóvel dos autos ao autor.”, pois além da prova documental os depoimentos das testemunhas demonstram à saciedade a existência do acordo para compra do apartamento, com atos práticos reveladores desse negócio, que, aliás, justificou o uso do apartamento dado como provado em 2.1 - 1) e 2) dos Factos Provados, e as entregas de valores que ocorreram para o efeito e todo o enquadramento que resulta de todos os depoimentos, tal como alegado na p.i. VII. Na sua apreciação o tribunal de 1ª instância conclui: - “O depoimento da testemunha CC, companheira do réu, que, no fundo, secunda a versão que este veio trazer os autos, não nos mereceu credibilidade.”; “Também o depoimento da testemunha DD, filho da companheira do autor, foi imprestável para a demostração da referida tese do Réu.” VIII. Ao invés as testemunhas do autor para o Mº Juiz mereceram credibilidade: ” A testemunha EE, pessoa encarregue de fazer a limpeza do apartamento em causa, de forma segura e isenta “. E nesse depoimento consta - [00:03:09] EE ……. o Sr. AA disse-me: “eu comprei o apartamento, este apartamento, vamos mudar tudo” …Depois, olhe, mudámos muita coisa, os… dentro de casa e tudo, é as coisas de banho, esquentadores, coisas assim, tapetes, comprámos muita coisa. Depois mudámos…foi… - [00:08:17] EE: Eu perguntei… até o Sr. AA entrar no apartamento, o Sr. BB pagava-me e eu fazia a limpeza. Depois eu perguntei ao BB, BB, não é, o Sr. BB, eu perguntei: “e agora quem me paga? O Sr. AA está lá”, ele disse: “o Sr. AA é que paga, é o apartamento é dele”. Houve só esta conversa. O resto depois o Sr. AA disse: “já comprei o apartamento, agora vamos mudar tudo”, porque nós trazemos… tinha cinco ou seis quadros, quadros de artigo, trouxemos tudo para aqui. Estava ali tudo… estava tudo em .... casa? - [00:23:17] Mandatário do Autor: …não sabe quando é que eles fizeram o negócio da casa? Quando é que eles… - [00:24:13] EE: É, queria mudar tudo, sim. Ele disse: “é tudo velho”, o Sr. AA, é assim, falava tudo para mim porque ele estava sozinho, eu fazia a limpeza, eu comprava todas as coisas dele, até comidas. Eu fazia sopa, comidas, eu comprava mesmo a alimentação também era eu que comprava para ele. Ele queria mudar tudo. IX. Também no seu restante depoimento sobretudo entre os minutos [00:24:41] até, pelo menos, [00:30:10] a testemunha asseverou com conhecimento as existências no apartamento, o uso exclusivo do apartamento, as mudanças no apartamento, a qualidade de “novo” proprietário do autor, de que fora informada pelos dois (Réu e autor). X. A drástica ação do réu/recorrido terminando com o acordo que pode ser constada nos seguintes pontos dados como provados em 2.1 da douta sentença em crise: 4) Em finais de junho/princípios de julho do ano de 2022, o Réu, ou alguém, a seu mando mudou as fechaduras do referido apartamento, após a companheira do Réu ter pedido à pessoa encarregue da limpeza do mesmo, e desta recebido, uma cópia da chave original; 5) A partir de então, não mais o autor entrou no referido apartamento; XI. O Mº Juiz a quo conclui “De facto, se é certo que as testemunhas FF aludem à celebração de um tal contrato, a verdade é que apenas o faz com base no que ouviu dizer ao Autor. E se as testemunhas, GG, HH, e II atestam ter ouvido o Réu afirmar que tinha vendido o apartamento ao Autor, tal circunstância, por si só, não nos parece suficiente para a demonstração do acordo invocado pelo Autor”. XII. Mas não são só estas testemunhas GG, HH e II que atestam a existência do acordo de venda do apartamento, como o tribunal reconhece, também a testemunha EE o referiu de forma clara, e todos os atos e factos concretos, incluindo a (entrega) posse do apartamento são prova disso, e esta verdade factual foi totalmente desconsiderada na douta sentença em crise. XIII. A título de exemplo, mas decorre do depoimento em geral a importa conferir este depoimento: - [00:05:59] GG: Sim, o AA [impercetível] aquele apartamento, no qual até eu opinei que se fosse eu, não compraria, que… se calhar não vem para aqui chamado, mas era velho o apartamento, já decadente. [impercetível] morar aqui por uma questão… geograficamente e gostares da primeira linha, vale por isso, não vale por mais nada. Eu até o desencorajei a comprá-lo. Sim, e vi documentos elaborados para efetuar a compra e fui lá jantar algumas vezes com ele, como amigos que somos de longa data, no próprio apartamento. - [00:06:34] Mandatário do Autor: Mas alguma vez assistiu a alguma conversa entre o Sr. BB e o senhor… - [00:06:38] GG: Sim, sim. - [00:06:39] Mandatário do Autor: …AA, sobre os… - [00:06:41] GG: Alguns jantares que fomos, assisti. Assisti a esse interesse mútuo de comprar e vender, sim. XIV. Daqui resulta que ficou demonstrado que: “Existiu acordo entre o autor e o réu para venda àquele do apartamento deste na Av. ..., ...,” e em conjugação com o depoimento transcrito de [00:08:17] EE e das restantes testemunhas do autor provado que “O autor no âmbito dessas negociações de compra e venda passou a usar o apartamento nos termos fixados nos factos provados em 2.1. 2) e 3) até à ocorrência do facto provado em 2.1 4) (sentença)”. XV. O Mº Juiz considera não provados os factos das alíneas p) e q) limitando-se a dar como provado os valores constantes no ponto 2.1 - 6 e 7 dos FACTOS PROVADOS num total de € 38.000,00. XVI. O autor alegou na p.i., nos artigos 47º, 48, 49, 96, 97 e 98, factos que são corroborados pelos documentos 9 e 11 e 12 dessa p.i., que devem ser considerados, porque efetivamente constituem prova do dinheiro entregue ao réu – alguns inicialmente empréstimos, que foram pelas partes considerados como pagamento de parte do preço, e outros logo parte do preço, como consta expressamente do documento 9 da p.i. XVII. A força probatória dos documentos não impugnados, mencionados e juntos com a p.i., mais concretamente os documentos 9 e 11 e 12 (anexo com o documento 2 citius) são incompatíveis com a observação do Mº Juiz: “De notar que de entre as mensagens supostamente trocadas entre as partes por whatsapp, juntas como documento 11, nenhuma delas contém qualquer reconhecimento por parte do Réu da assunção da obrigação de vender o imóvel em causa nos autos”. E a referência a “supostamente” não é compatível com a contestação, que não nega a receção das mesmas, e muito menos com a resposta do réu, como se vê do documento 11 fls. 3 - “Costa já vi a tua mensagem, mas hoje não vai dar amanhã falamos”. XVIII. Seria pouco razoável que alguém (o réu/recorrido) receba duas mensagens que lhe transmitem (descriminados) os valores financeiros entregues pelo autor ali considerados para o pagamento do preço do apartamento, e outra faz referência a um valor final de 81.000,00 euros e vir aos autos dizer que primeiro eram “brincadeira...”. e depois que não as viu? XIX. Se não fosse verdadeiro o teor das duas mensagens, o réu teria logo reagido, de forma forte e vigorosa, negando esse teor. Mas nada disso fez, e uma das vezes até escreveu: “Costa já vi a tua mensagem, mas hoje não vai dar amanhã falamos”. No seu depoimento o réu opta pela inverdade, quando perguntado sobre as mensagens, já não fala em “brincadeira” que invocara no artigo 24º da contestação. XX. [00:15:50] Mandatário do Autor: É? E estas mensagens, foram duas ou três que há, em que ele lhe faz uma conta-corrente com o valor dos dinheiros, os totais, enfim, não as viu? [00:16:07] BB: Não sei. Nem me recorda disso. [00:16:09] Mandatário do Autor: Nem se recorda disso. [00:16:10] BB: Não. XXI. O Mº Juiz, não considera estes factos e documentos, quando defende na motivação à matéria de facto, que: - “Por outro lado, não deixa de se estranhar a ausência de prova documental relativa à finalidade que esteve subjacente às transferências de dinheiro que comprovadamente foram efetuadas entre as partes, sobretudo quando as partes se apresentam como experimentados “homens de negócios”, para justificar não dar provados os factos em causa. XXII. E não tem em conta que ambos mantinham amizade e uma relação de confiança profunda, como alegado nos artigos 5, 6, e 7 da p.i. não impugnados, e o depoimento das testemunhas, nomeadamente ao minuto: - [00:21:43] EE: Não, eles são amigos, nunca… olhe, eu confiava no BB e na CC também, porque é assim, o Sr. AA também gostava muito do Sr. BB, eram mesmo amigos até que ele foi ao Brasil. Depois o Sr. BB mudou num instante, não sei porquê. Mudou a fechadura, ele também mudou. Até ali, estava tudo bem. Ele entrava, comiam os dois, sempre eram amigos, tomavam café juntos, o Sr. BB ligava quase todos os dias, quando eu estava ali, chamava para tomar café, eles eram mesmo amigos. Até que aconteceu aquela coisa. Depois de acontecer, olhe, mudou a fechadura, eu perguntei: “porquê? Porque é que você mudou?”, fui eu que entreguei a chave. E eu falei com o filho da CC também, eu disse: “olhe…”…E essa amizade é corroborada por todos os depoimentos sem exceção, incluindo dos próprios, que estão no documento de transcrição da audiência que se dá por reproduzido. XXIII. Expressa na motivação o Mº Juiz que não existe “reconhecimento por parte do réu da assunção da obrigação de vender o imóvel em causa nos autos”, olvidando-se do enquadramento da entrega do apartamento, dos contactos com o advogado, das mensagens sobre o negócio e dos valores pagos ali referidos, para o efeito, e considerados nas ditas mensagens e no depoimento das testemunhas. XXIV. Considera o tribunal a quo que “…factualidade provada e não provada, que o Autor não logrou demonstrar, como era seu ónus, a celebração do contrato promessa que invocava, pelo que a sua pretensão de restituição dos montantes entregues a título de sinal e princípio de pagamento do suposto contrato prometido terá de improceder, na íntegra.” XXV. Consideramos a factualidade provada deverá ser alterada e nessa medida dar por assente que o acordo de compra e venda que não chegou a ter a necessária forma escrita e que o negócio ficou cancelado pelo réu – artigo 60º da p.i., mas isso não significa que as negociações e acordo não tivessem existido, como existiram, com atos práticos concretos claros e inequívocos (entrega e o pagamento parcial do preço). XXVI. O réu, com o aproveitamento da ausência do autor, retoma a posse e vende o apartamento dias depois, a terceiro, como se apurou nos autos e como o Mº Juiz fez referência na apreciação do depoimento da companheira do réu: “Ao mesmo tempo, tal versão afigura-se-nos incongruente com a venda do imóvel que o réu realizou no mês de agosto do ano de 2022 (conforme cópia do contrato de compra e venda junto aos autos no decurso da audiência de julgamento).” (Referia-se o Mº Juiz à alegação do réu que lhe emprestara o apartamento até ao verão). XXVII. Nessa medida, efetivamente o uso do apartamento estava enquadrado no negócio/acordo de venda do mesmo, o que justifica os valores entregues para o efeito e as mensagens com a conta dos mesmos “relembrada ao réu”. XXVIII. Pelo que, se não pela nulidade do negócio – atento que se trata de imóvel, pelo menos pelo enriquecimento sem justa causa é devido o pagamento. XXIX. A postura do réu, com esta verdadeira versão, denota efetivamente deslealdade negocial que justifica a procedência do ponto 5 do pedido. XXX. É visível todo o comportamento desleal do réu, mudando as chaves do apartamento, com o autor no Brasil, impedindo doravante o acesso deste ao mesmo, vendendo o apartamento a terceiros, dias depois, como refere a douta sentença, ao avaliar a ausência de credibilidade do depoimento da companheira do réu: “O depoimento da testemunha CC, companheira do réu, que, no fundo, secunda a versão que este veio trazer os autos, não nos mereceu credibilidade. Desde logo, quando, em claro confronto com o depoimento da testemunha anteriormente referida, nega que pediu a esta as chaves do apartamento. Por outro lado, afirmando que o Réu autorizou a utilização gratuita do apartamento pelo Autor por um período de tempo limitado, que terminaria no início da época balnear do ano de 2022, dada a intenção do Réu arrendar sazonalmente tal imóvel, não deu qualquer explicação credível para a mudança da fechadura (afirmando que mudavam a fechadura todos os anos no fim da época balnear?!). Ao mesmo tempo, tal versão afigura-se-nos incongruente com a venda do imóvel que o réu realizou no mês de agosto do ano de 2022 (conforme cópia do contrato de compra e venda junto aos autos no decurso da audiência de julgamento)”. XXXI. Quanto aos bens do autor existentes no apartamento: Para além das fotografias juntas aos autos, surgem claros no depoimento da testemunha EE que em parte se transcreveu e onde é confirmada a existência dos bens no apartamento em que ao réu foi vedado o acesso como se lê nos Factos Provados (tendo o apartamento sido vendido a terceira pessoa no mês de agosto de 2022): “4) Em finais de junho/princípios de julho do ano de 2022, o Réu, ou alguém, a seu mando mudou as fechaduras do referido apartamento, após a companheira do Réu ter pedido à pessoa encarregue da limpeza do mesmo, e desta recebido, uma cópia da chave original; 5) A partir de então, não mais o autor entrou no referido apartamento;” XXXII. O Mº Juiz a quo justifica a decisão com a seguinte observação: “Não podemos deixar de estranhar, a este respeito, que o Autor, depois de ter sido impedido de aceder ao interior da sua habitação afirme ter conseguido acordar com o Réu um acordo de acerto de compras pelo qual este se reria obrigado a pagar-lhe a quantia de €81.000,00 e não tenha logrado recolher do interior do apartamento os valiosos itens que lá deixou, nem sequer tendo feito referência a qualquer obrigação de entrega dos mesmos na minuta de confissão de dívida que pretendia que o Réu assinasse”. XXXIII. Não considera o Mº Juiz a carta registada com aviso de receção que o autor juntou como documento nº 12 da p.i. (doc. 2 do citius), que o réu não impugnou, onde para além de o recorrente reclamar os 81.000,00 euros acordados depois do desfecho da compra, e reclamou ao réu “a entrega de todos os meus bens pessoais”. Não é compatível com os factos e documentos a observação do Mº Juiz “Não podemos deixar de estranhar”. XXXIV. A principal preocupação do autor alegada nos artigos 63º, 64º a 74º da p.i., ao ver a deslealdade das condutas do réu, garantir o mais importante de tudo, o dinheiro, mas sempre solicitou a entrega dos bens. Estranha é a posição de negação do réu que falseia a verdade, dizendo ao tribunal que os bens foram levantados antes da mudança das chaves, facto que o tribunal descartou em absoluto na fixação dos factos Não Provados. (segunda alínea s)). XXXV. Este facto não provado, com os factos dados como provados e nomeadamente todo o depoimento da testemunha EE, que confirmou no seu depoimento, acima parcialmente transcrito a existência dos bens à data da mudança das chaves é incompatível com as conclusões que a douta sentença retira ao fixar integralmente não provada a primeira alínea s) com a identificação desses bens, cujo valor se relegou e deve relegar para execução de sentença. XXXVI. Deve, pois, ser considerado o seguinte facto alegado no artigo 100 da p.i., que aliás, não foi impugnado pelo réu na sua contestação, e por isso confessado: “O Autor em 21.10.2022 enviou comunicação escrita pelo registo do correio, onde reclama o pagamento de 81.000,00, e solicita a entrega dos bens que estavam no apartamento, que o réu não respondeu, não refutou e que constitui o documento 12 junto com a p.i.”. XXXVII. E os factos da primeira alínea s) dos Factos não Provados deve ser revisto, com os bens concretamente identificados pela testemunha EE, a quem foi exibida a lista indicada na p.i. e as fotografias juntas aos autos e que as confirmou, referindo-se ainda a outras constantes da lista. XXXVIII. A apreciação global do depoimento das testemunhas do autor - as do réu foram completamente descredibilizadas pelo Mº juiz -, e a documentação integral junta aos autos são prova suficiente para que a ação seja dada por procedente, alterando-se os factos não provados em consonância com o aqui alegado, sendo certo que o Tribunal da Relação poderá, ainda, valorar outros factos, atentos temas da prova fixados pelo Mº Juiz, e o alegado pelo autor na p.i., decorrentes da prova para que se remete entregando a transcrição integral da audiência de julgamento. XXXIX. Na verdade, o valor do preço parcialmente pago pelo apartamento deve ser devolvido, se não pela nulidade da promessa de compra e venda, pelo menos pelo instituto do enriquecimento sem causa. XL. Na verdade, o autor alegou e prova que o dinheiro que entregou ao réu se destinou, todo, a partir do acordo, ao pagamento do preço do apartamento, apesar de parte dele, como consta do documento 9 da p.i. terem sido inicialmente valores emprestados. XLI. E que com o fim do acordo, caso não se opte pela restituição do preço pela via contratual, a não devolução do preço pago, constitui um enriquecimento não justificado do réu, em contraponto ao empobrecimento do autor. Termina por pedir a condenação do réu nos pedidos. - Não foi apresentada resposta ao recurso. - O recurso foi admitido como recurso de apelação. - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. - II. Fundamentação 1. Delimitação do objeto do recurso O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art.º 639º do CPC. As questões a decidir: - reapreciação da decisão de facto; - do mérito da causa. - 2. Os factos Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: 1) Em setembro de 2021, o Autor, quando em Portugal, passou a habitar no imóvel da propriedade do Réu sito na Av. ..., na cidade ..., com autorização do Réu, proprietário do mesmo; 2) Para isso, o Réu entregou-lhe as chaves do apartamento, passando o Autor a assumir os custos respetivos, chegando a transferir para aquele local serviços de televisão/Internet; 3) O Réu informou a senhora que lhe assegurava a limpeza do apartamento que, a partir daquele momento, os custos dos seus serviços passariam a ser assumidos pelo Autor, o que passou a ocorrer; 4) Em finais de junho/princípios de julho do ano de 2022, o Réu, ou alguém, a seu mando mudou as fechaduras do referido apartamento, após a companheira do Réu ter pedido à pessoa encarregue da limpeza do mesmo, e desta recebido, uma cópia da chave original; 5) A partir de então, não mais o autor entrou no referido apartamento; 6) O Autor entregou ao réu, pelo menos, os seguintes valores monetários: - Em 06.08.2021, por transferência bancária para a conta do Réu, o valor de € 5.000,00; - Em 10.08.2021, por transferência bancária para a conta do Réu, o valor de € 5.000,00; - Em 06.09.2021, por transferência para a conta do Réu, o valor de €4.000,00; - Em 16.09.2021, o autor entregou, por transferência bancária ao Réu, o valor de € 2.000,00; - Em 17.09.2021, o Autor entregou por transferência ao Réu, o valor de € 2.000,00; 7) Em 22 de Junho de 2022, o Autor fez mais uma transferência de € 20.000,00, para a conta bancária do Réu, através da conta da sociedade «A..., Lda.», de que era sócio gerente. 8) O Réu transferiu €15.000,00 da sua conta pessoal para a conta da referida sociedade “A..., Lda.”; 9) O Réu entregou ao Autor dois cheques sacados sobre uma conta do Banco 1..., nos valores de €5.000,00 e de €30.000,00, os quais foram apresentados a pagamento e obtiveram boa cobrança. - - Factos não provados Não se provaram outros factos, entre os alegados pelas partes com relevo para a decisão da causa e nomeadamente que: a) O Réu recorreu a favores financeiros do autor, pedindo empréstimos para pagamento de despesas e fins diversos; b) O Réu sugeriu ao Autor a venda do apartamento aludido em 1), que já tinha tentado vender; c) O Autor propôs ao Réu adquirir esse imóvel pelo preço de €420.000,00, ao qual acresceria o valor da mobília que estava no apartamento, desde que o pagamento lhe fosse permitido em pelo menos 3 anos, podendo ser antes, se conseguisse financiamento bancário; d) O Réu deu o seu assentimento a tal proposta, acordando então as partes, de forma verbal, prometer comprar e vender tal imóvel e ficando o Réu de remeter ao Autor uma minuta de contrato promessa de compra e venda; e) O Autor insistiu junto do Réu para que apresentasse a minuta desse contrato promessa; f) Foi aceite por ambos, aquando do compromisso de venda, que os montantes que o Autor havia emprestado ao Réu serviriam para pagamento do apartamento e que no momento da assinatura do contrato se fariam incluir no clausulado, a título de sinal e princípio de pagamento; g) Após a celebração do contrato promessa, o Réu continuou a receber do Autor valores monetários por conta do pagamento do preço convencionado; h) A pedido do Réu, o Autor remeteu ao advogado deste a minuta do contrato promessa para que fosse assinada por ele; i) No interior do apartamento, após o sucedido em 4), ficaram no apartamento os papeis relativos às contas de ambos; j) Em consequência da conduta do Réu descrita em 4), o Autor sentiu-se humilhado, desconsiderado e envergonhado pela posição em que estava a ser colocado; k) O Réu afirmou ao Autor que lhe pagaria todos os valores que lhe devia e que estavam já imputados à compra do apartamento; l) Mais lhe referiu que lhe pagaria os outros valores que estavam pendentes referentes a pagamentos e a outros empréstimos que o Autor fizera ao Réu, para este suportar despesas do Clube Desportivo ... e dos seus jogadores, e dos quais o autor já tinha cheques pré-datados, que, efetivamente foram pagos já no mês de outubro de 2022; m) O Autor solicitou ao Réu que assinasse a confissão de divida junta como documento 11 da petição inicial, que pediu ao seu advogado para elaborar e que entregou ao Réu, que se recusou a assinar e a fazer o respetivo reconhecimento/autenticação; n) Os valores supramencionados em 6) foram entregues pelo Autor ao Réu a título de empréstimo; o) Para além dos valores mencionados em 6) e 7), o autor entregou ao réu os seguintes valores monetários: - Em 24.08.2021 por entrega ao Réu, em dinheiro após levantamentos na conta do Autor, a quantia de € 5.000,00; - Em 30 de agosto de 2021, a título de mútuo, a quantia, em dinheiro, de €10.000,00; - Em 31 de agosto de 2021, entregou ao Réu a quantia em dinheiro de € 2.000,00; - Em agosto de 2021, a título de mútuo, a quantia em dinheiro de €500,00; - Em 01.09.2021, a quantia em dinheiro de € 1.100,00; - Em 10.09.2021, a quantia em dinheiro de € 500,00; - Em 201.10.2021, a quantia em dinheiro de € 5.000,00; - Em data que não se pode precisar, mas entre setembro e princípio de outubro de 2021, pelo pagamento direto de uma despesa do Réu, a quantia de €160.00; - Em 25.10.2021, para pagamento de despesa do picheleiro do Réu, a quantia de € 180,00. - O valor de €400,00, por entrega em dinheiro ao Réu; - Em 09.12.2021, por entrega ao Réu, em dinheiro, na casa de ..., a quantia de € 1.600,00; - Em 23.12.2021, entregou em dinheiro, a quantia de € 20.000,00; - No último trimestre do ano de 2021, entregou em dinheiro o valor de € 1.500,00; - Em 24.12.2021, entregou em dinheiro, a quantia de € 5.000,00; p) Os valores entregues pelo Autor ao réu perfaziam, até ao final do ano de 2021, o montante total de € 70.940,00; q) Autor e Réu acertaram que o valor da divida pelo Réu era de € 81.000,00, considerando, a favor do Réu um valor para compensação do uso do apartamento, como exigência do Réu; r) O Réu comprometeu-se a restituir-lhe tal valor; s) Na ocasião referida em 4) encontravam no apartamento os seguintes bens da propriedade do Autor: - 1 Cordão de ouro, no valor de €3.600,00; - 2 Relógios marca Rolex e Hublot, cada um deles no valor de €12.500,00; - 1 Cordão de ouro 1, no valor de €700,00; - 1 Cordão Savaroviky, no valor de €600,00; - 4 Almofadas de sala, cada uma delas no valor de €39,99; - 2 Mantas de Sala, cada uma delas no valor de €129,00; - 5 Lençóis, cada um deles no valor de €70,90; - 4 Almofadas, cada uma delas no valor de €33,66; - 4 Mantas, cada uma delas no valor de €140,00; - 4 Cobertores, no valor global de €280,00; - 4 Candeeiros de quarto, cada um deles no valor de €189,00; - 4 Candeeiros de mesa 4, cada um deles no valor de €54,95; - 1 garrafa de espumante Fita Azul, no valor de €5,50; - 2 garrafas de espumante Murganheira, cada uma delas no valor de €11,85; - 1 garrafa de Champanhe Moet Chandon, no valor de €58,89; - 1 Conjunto pessoal de viagem, no valor de €1 179,28; - 2 Centros de mesa, cada um deles no valor de €180,00; - 3 Potes de Cristal, cada um deles no valor de €140,00; - 1 Máquina Bimbi, no valor de €464,99; - 1 Liquidificadora, no valor de €55,57; - 1 Torradeira, no valor de €30,74; - 1 Desumidificador, no valor de €234,40; - 1 Máquina de Café, no valor de €288,99; -1 Panela de pressão, no valor de €69,99; - 1 Fritadeira, no valor de €47,99; - 1 Chaleira, no valor de €39,35; - 1 Faqueiro em normal, no valor de €230,10; - 1 Faqueiro em prata, no valor de €1.810,55; - 1 Impressora, no valor de €350,00; - 1 Esquentador, no valor de €286,99; - 1 Mala de viagem, no valor de 79,00; - 1 Facas de cozinha, no valor de €224,00; - 1 Conjunto de copos, no valor de €89,82; -1 Conjunto de pratos, no valor de €213,00; - 1 Conjunto de panelas, no valor de €408,35; -2 Toalheiros de pé, cada um no valor de €42,99; -2 Taças de sabonetes e champô, cada uma no valor de €59,99; -Estatuas marfim antigas, no valor de €3.500,00; - 2 Mascaras Venezianas, cada uma no valor de €125,00; - Material de escritório, no valor de €50,00; - 6 garrafas de whisky, Run e Gin, de marcas diversas, no valor de €185,99; - 3 frascos de perfume, no valor de €245,43; - Sapatos, chinelos e sapatilhas; - 7 T-shirts, no valor global de €349,65; - 5 Casacos de inverno, cada um deles no valor de €379,00; - 5 Camisas, cada uma delas no valor de €79,95; - 9 Polos, cada um deles no valor de €99,95; -3 fatos, cada um deles no valor de €399,00; -1 Casaco solto, no valor de €199,95; - Meias e cuecas; - 1 sobretudo, no valor de €399,00; - Tabaco e charutos, de marcas diversas, no valor de €96,45; - 10 velas, no valor de €21,50; - 10 garrafas de vinhos portugueses, cada uma delas no valor de €15,00; - 60 garrafas de vinhos espanhóis, no valor de €2 220,00; - 5 telas pintadas (quadros), cada um deles no valor de €3.000,00, num total de €15.000,00; - 1 Serviço de Jantar Vista Alegre, no valor de €2 460,00; -1 Serviço de Café e Chá Vista Alegre, no valor de €612,00; - Torneiras da casa de banho, no valor de €475,50; - 2 Cortinas de casa de banho, no valor total de € 99,98 € - Outros documentos, Carta de condução, Cartão do cidadão, Cartões crédito, Faturas da NOS, Chipes de telefone – NOS, Contratos bancários, códigos de bancos e notas de reais, dólares e euros, de valor aproximado de €1.000,00; - 1 mala Samsonite, no valor de185,00€; - 5 pares de óculos sol, no valor de €1194,00; - Espaço casa e outros, no valor de €1210,00; q) O Réu permitiu que o Autor vivesse no referido apartamento de mero favor e sem qualquer contrapartida, entre os meses de setembro e junho, pois nos meses de verão, arrendava o apartamento a veraneantes; r) O Autor foi avisado pelo Réu que tinha de deixar o apartamento até 30 de junho, pois queria arrendá-lo nas férias a turistas; s) O Autor retirou os seus bens, poucos aliás, do apartamento, em data anterior à tomada de posse do mesmo pelo Réu; t) A quantia de €20.000,00 referida em 7) foi entregue pelo Autor ao Réu para pagar um empréstimo que este lhe tinha feito, no valor de €21.000,00; u) Tal mútuo foi efetuado através da transferência referida em 8) e ainda de uma outra transferência do valor de € 6000,00 conta de uma empresa do Réu denominada “B..., Lda.”; v) A transferência do valor de €15.000,00, referida em 8) destinou-se a pagamento de créditos que o Autor detinha sobre o Réu relativos a negócios com madeiras e jogadores de futebol; w) O cheque de €30.000,00 referido em 9), serviu para reembolsar o Autor do dinheiro que adiantou ao Réu para pagamento de dívidas do Clube de Futebol ..., à data dirigido pelo Réu; x) E o cheque de €5.000,00 referido em 9) destinou-se a pagar outros acertos de contas anteriores, também relativos ao Clube de Futebol .... - 3. O direito - Retificação de erros materiais - Nos termos do art.º 614º /1 CPC a sentença pode ser corrigida ocorrendo inexatidão ou lapso manifesto. Nas alíneas a) e w) dos factos não provados, consignou-se: a) O Autor recorreu a favores financeiros do autor, pedindo empréstimos para pagamento de despesas e fins diversos; w) O cheque de €30.000,00 referido em 9), serviu para reembolsar o Réu do dinheiro que adiantou ao Réu para pagamento de dívidas do Clube de Futebol ..., à data dirigido pelo Réu. A alínea a) reproduz o alegado nos art.º 8º e 9º da petição. Nestes artigos, alegou o autor, que o “réu” e não o “autor”, recorreu a “favores financeiros”. Na alínea a) escreveu-se “autor” em vez de “réu”. Tratando-se de manifesto lapso de escrita, retificou-se a alínea a), passando a ler-se “réu” onde se escreveu “autor”, o que consignou em itálico. A alínea w) reproduz o art.º 10º da Réplica. Escreveu-se “réu”, quando se devia escrever “autor”, motivo pelo qual se retificou a redação, passando a constar a alteração em itálico. - - Reapreciação da decisão de facto - Nas conclusões de recurso, sob os pontos I a XXXVIII, o apelante veio requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação às alíneas h), p), q), s)(I) dos factos não provados e a ampliação da decisão de facto. - Começando por verificar os pressupostos para proceder à ampliação da decisão de facto. Nos termos do art.º 666º/2 c) CPC mostrando-se indispensável ampliar a matéria de facto, deve o tribunal da Relação alterar a decisão da matéria de facto, se a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Não sendo possível fazer uso de tal faculdade, deve o tribunal anular a decisão. A ampliação da matéria de facto mostra-se indispensável, quando se tenham omitido dos temas da prova factos alegados pelas partes que se revelam essenciais para a resolução do litígio, na medida em que assegurem enquadramento jurídico diverso do suposto pelo juiz do tribunal “a quo”[2]. Os factos essenciais são aqueles que permitem individualizar a situação jurídica alegada na ação ou na exceção. Os factos complementares são aqueles que são indispensáveis à procedência dessa ação ou exceção, mas não integram o núcleo essencial da situação jurídica alegada pela parte. Ambos integram a categoria de factos principais porque são necessários à procedência da ação ou exceção, por contraposição aos factos instrumentais, probatórios ou acessórios que são aqueles que indiciam os factos essenciais e que podem ser utilizados para a prova indiciária destes últimos[3]. Em conformidade com o critério legal, a ampliação da matéria de facto tem de ser indispensável, o que significa que cumpre atender às várias soluções plausíveis de direito, o enquadramento jurídico em face do objeto do recurso e ainda, com a possível intervenção e interpretação do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do art.º 682º/3 CPC. No caso presente, sob o ponto II - alíneas A) a K) - e pontos XIV e XXVI das conclusões de recurso, o apelante enuncia um conjunto de factos que pretende que se julguem provados: A. “O autor enviou ao advogado do réu os emails que constituem os documentos 6 e 7, com minuta do contrato para compra e venda do apartamento, e este ficou de conversar com o seu cliente e de voltar ao contacto do autor”. B. “Existiram negociações para a compra e venda pelo réu do imóvel dos autos ao autor. C. “Existiu acordo entre o autor e o réu para venda àquele do apartamento deste na Av. ..., ...,” D. “O autor, no âmbito dessas negociações de compra e venda, passou a usar o apartamento nos termos fixados nos factos provados em 2.1. 2) e 3) até à ocorrência do facto provado em 2.1 4) (sentença)”. E. “o autor escreve ao réu uma mensagem - “Este creio que já tínhamos visto foi todo o dinheiro entregue para pagamento do apartamento”, e nessa relação de valores, estava já em causa a essa data o valor de €70.940,00” F. “O réu viu, pelas 16:07 h, tal mensagem como se vê do duplo visto, a azul, da mesma, e não contestou o seu teor.” G. “Consta das mensagens dos documentos 9 e 11 da p.i. que A. e R. acertaram que o valor da divida do réu se situava em 81.000,00 euros e que se abordara a hipótese de entregar cheques pré-datados.” H. “O réu respondeu ao autor: Costa já vi a tua mensagem, mas hoje não vai dar amanhã falamos”. I. “O réu recebeu do autor os valores constantes dos documentos 9 e 11 juntos com a petição, que fixaram em 81.000,00 €, os quais visavam a pagar o preço da compra do apartamento que não se concretizou”. J. “O Autor em 21.10.2022 enviou comunicação escrita pelo registo do correio, onde reclama o pagamento de 81.000,00, e solicita a entrega dos bens que estavam no apartamento, que o réu não respondeu, não refutou e que constitui o documento 12 junto com a p.i.”. K. “Os bens constantes da lista descriminada no artigo 127º da p.i. encontravam-se no apartamento no momento da mudança das chaves do mesmo pelo réu que ocorreu como definido no ponto 2-.1 4) e 5) dos Factos Provados”. Os factos enunciados sob as alíneas A) a J) não foram oportunamente alegados nos articulados e tal circunstância, só por si, impede a ampliação da decisão de facto. Supostamente os factos resultam da discussão da causa. A verificar-se tal situação, cumpre ter presente o regime previsto no art.º 5º do CPC. Como decorre do art.º 5º do CPC o tribunal só pode decidir a questão de direito utilizando os factos alegados pelas partes, recaindo sobre a parte o ónus de alegar os factos essenciais. Considerando o apelante que os factos omitidos constituem factos essenciais, uma vez que não constam dos articulados, não podiam ser atendidos pelo tribunal em 1ª instância. Mas mesmo admitindo que se tratavam de factos complementares nunca poderiam ser considerados, porque não foram objeto de contraditório. Como determina o art.º 5º/2 CPC, além dos factos articulados pelas partes são ainda considerados pelo juiz: - os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; - os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; - os factos notórios e aqueles que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. Os factos enunciados no ponto II das conclusões de recurso, sob as alíneas A), E), F), G), H), I), J) constituem factos instrumentais, pois reproduzem o teor de documentos juntos aos autos pelo apelante com a petição. Os factos instrumentais apenas podem ser atendidos para efeito da fundamentação da decisão de facto, pois como determina o art.º 607º/4 CPC, na fundamentação da decisão de facto o juiz indica as ilações tiradas dos factos instrumentais. Apenas pela via da reapreciação da decisão de facto pode ser colocada a questão relacionada com tal juízo de apreciação. Acresce que no enunciado dos factos, o apelante transcreve o teor dos documentos e um documento constitui um meio de prova, destinando-se à prova dos factos essenciais ou complementares. Os factos em causa não constituem factos notórios, nem resultam do exercício das funções do juiz. Em relação ao ponto II das conclusões de recurso, alínea B), C) e D), constituem meras conclusões. A este respeito cumpre observar que na elaboração do acórdão deve observar-se, na parte aplicável, o preceituado nos art.º 607º a 612º CPC (art.º 663º/2 CPC). O art.º 607º/4 CPC dispõe que na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência. No âmbito do anterior regime do Código de Processo Civil, o art.º 646º/4 CPC, previa, ainda, que têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes. Esta norma não transitou para o atual diploma, o que não significa que na elaboração da sentença o juiz deva atender às conclusões ou meras afirmações de direito. Ao juiz apenas é atribuída competência para a livre apreciação da prova dos factos da causa e para se pronunciar sobre factos que só possam ser provados por documento ou estejam plenamente provados por documento, admissão ou confissão. Compete ao juiz singular determinar, interpretar e aplicar a norma jurídica (art.º 607º/3) e pronunciar-se sobre a prova dos factos admitidos, confessados ou documentalmente provados (art.º 607º/4). Às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados e exprimindo, designadamente, as relações de compatibilidade que entre eles se estabelecem, de acordo com as regras da experiência”[4]. O Professor ANTUNES VARELA considerava que deve ser dado o mesmo tratamento “às respostas do coletivo, que, incidindo embora sobre questões de facto, constituam em si mesmas verdadeiras proposições de direito”[5]. Em qualquer das circunstâncias apontadas, confirmando-se que, em concreto, determinada expressão tem natureza conclusiva ou é de qualificar como pura matéria de direito, deve continuar a considerar-se não escrita porque o julgamento incide sobre factos concretos. A alegação, sob as alíneas B), C), D) reproduz conclusões, ignorando os factos controvertidos alegados pelo próprio apelante sobre as negociações entre as partes até à não celebração do contrato (como admitido pelo apelante) e entrega do imóvel. Desta forma, não se justifica a ampliação da decisão de facto. Por fim, o ponto II, alínea K), reproduz a alínea s)(I), matéria de facto objeto de impugnação e que será reapreciada com a restante matéria impugnada. Improcede nesta parte a pretendida alteração da decisão de facto. - Passando à reapreciação da decisão de facto, com fundamento em erro na apreciação da prova. O apelante veio requerer a reapreciação da decisão de facto, em relação às alíneas h), p), q), s)(I) dos factos não provados Na motivação do recurso requereu também a reapreciação das alíneas c), d), e) e f) dos factos não provados. Cumpre, pois, verificar se estão reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação da decisão de facto. O art.º 640º CPC estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3. […]” Recai, assim, sobre o recorrente, face ao regime concebido, um ónus, sob pena de rejeição do recurso, de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar – delimitar o objeto do recurso - e motivar o seu recurso – fundamentação - com indicação dos meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação. Considera, por sua vez, ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, que a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se, em alguma das seguintes situações: “a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (art.º 635º/4 e 641º/1 b)); b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art.º 640º/1 a) CPC); c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito); d) falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, como ficou definido no AUJ 12/23”[6]. Está subjacente a esta interpretação, que tem sido adotada na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[7], a ideia que uma interpretação restritiva dos pressupostos pode constituir uma violação ao princípio da proporcionalidade com a consequente denegação da reapreciação da decisão de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou espírito do legislador. O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023 (DR 220, 1ª série, de 14 de novembro de 2023) salientou este aspeto quanto se procede à verificação dos pressupostos de ordem formal previstos no art.º 640º/1 CPC. Porém, não deixou de salientar: “Da articulação dos vários elementos interpretativos, com cabimento na letra da lei, resulta que em termos de ónus a cumprir pelo recorrente quando pretende impugnar a decisão sobre a matéria de facto, sempre terá de ser alegada e levada para as conclusões, a indicação dos concretos pontos facto que considera incorretamente julgados, na definição do objeto do recurso. Quando aos dois outros itens, caso da decisão alternativa proposta, não podendo deixar de ser vertida no corpo das alegações, se o for de forma inequívoca, isto é, de maneira a que não haja dúvidas quanto ao seu sentido, para não ser só exercido cabalmente o contraditório, mas também apreendidos em termos claros pelo julgador, chamando à colação os princípios da proporcionalidade e razoabilidade instrumentais em relação a cada situação concreta, a sua não inclusão nas conclusões não determina a rejeição do recurso, conforme o n.º 1, alínea c) do artigo 640[…]”. 5 — Em síntese, decorre do artigo 640, n.º 1, que sobre o impugnante impende o dever de especificar, obrigatoriamente, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera julgados de modo incorreto, os concretos meios de probatórios constantes do processo, de registo ou de gravação nele realizado, que imponham decisão diversa da recorrida, bem como aludir a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Tais exigências, traduzidas num ónus tripartido sobre o recorrente, estribam-se nos princípios da cooperação, adequação, ónus de alegação e boa-fé processuais, garantindo a seriedade do recurso, num efetivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, necessariamente avaliado de modo rigoroso, mas sem deixar de ter em vista a adequada proporcionalidade e razoabilidade, de modo a que não seja sacrificado um direito das partes em função de um rigorismo formal, desconsiderando aspetos substanciais das alegações, numa prevalência da formalidade sobre a substância que se pretende arredada”. No caso presente na motivação do recurso o apelante veio impugnar os factos que constam das alíneas c), d), e), f), h), p), q), s)(I) dos factos não provados. Nas conclusões de recurso, o apelante circunscreve a impugnação aos seguintes factos: alíneas h), p), q), s)(I) dos factos não provados. Considera-se, assim, que o apelante cumpriu com o ónus de alegação em relação aos factos não provados e cuja decisão pretende ver reapreciada, que indicou nas conclusões de recurso, pois indicou os factos impugnados transcrevendo os mesmos no texto das conclusões, indicou a prova e a decisão que sugere. Não fazendo qualquer alusão aos restantes factos não provados, considera-se que restringiu o objeto do recurso, fazendo uso da faculdade prevista no art.º 635º/4 CPC. Com efeito, o facto de fazer referência na motivação do recurso aos factos não provados que constam das alíneas c), d), e), f), não dispensa o apelante de concretizar nas conclusões, os factos impugnados, por ser nesta sede que se delimita o objeto do recurso, mesmo em relação à reapreciação da decisão de facto. Como refere ABRANTES GERALDES, Juiz Conselheiro Supremo Tribunal de Justiça: “[a]inda que no art.º 640º, não tenha sido utilizada uma enunciação paralela à que consta do nº2 do art.º 639º, sobre os recursos em matéria de direito, a especificação, nas conclusões, dos pontos de facto a que respeita a impugnação serve para delimitar o objeto do recurso”[8]. Esta é também a interpretação defendida no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023 (DR 220, 1ª série, de 14 de novembro de 2023). Conclui-se que apenas estão reunidos os pressupostos de ordem formal para proceder à reapreciação dos factos julgados “não provados”, sob as alíneas h), p), q), s)(I) dos factos não provados. - Passando à reapreciação da decisão de facto cumpre salientar que a reapreciação da prova tem em vista uma possível alteração da decisão da matéria de facto em pontos relevantes para a boa decisão da causa e à luz das diversas soluções plausíveis das questões de direito e não uma determinação da realidade dos factos, independentemente do relevo que possam ter nas questões de direito a reapreciar, sendo proibida a prática no processo de atos inúteis (artigo 130º do CPC)[9]. O apelante requerer a reapreciação da alínea h) dos factos julgados não provados, onde se consignou: - A pedido do réu, o autor remeteu ao advogado deste a minuta do contrato promessa para que fosse assinada por ele. O apelante não se insurge contra a restante matéria de facto julgada não provada e relacionada com as negociações tendentes à celebração do alegado contrato-promessa. Acresce que não extrai da impugnação da alínea h) dos factos não provados qualquer efeito útil sob o ponto de vista jurídico, tendo presente os fundamentos em que sustenta a impugnação da decisão em confronto com os fundamentos da ação. Relembre-se que o apelante visa obter a restituição do valor que entregou ao réu, com fundamento em nulidade do contrato-promessa por vício de forma, sendo o próprio a admitir que não foi formalizado o contrato. Revela-se inútil a reapreciação do facto consignado sob a alínea h), porque independentemente da decisão face à posição que o apelante assume perante a questão essencial em discussão nos autos, não se extrai do mesmo qualquer efeito útil para a decisão e por esse motivo improcede a reapreciação da decisão nesta parte. - Reapreciando a prova com fundamento em erro na apreciação da prova. Nos termos do art.º 662º/1 CPC a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto: “ […]se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. A respeito da gravação da prova e sua reapreciação cumpre considerar, como refere ABRANTES GERALDES, que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, “tem autonomia decisória”. Isto significa que deve fazer uma apreciação crítica das provas que motivaram a nova decisão, especificando, tal como o tribunal de 1ª instância, os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador[10]. Nessa apreciação, cumpre ainda, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. Decorre deste regime que o Tribunal da Relação tem acesso direto à gravação oportunamente efetuada, mesmo para além dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente e por este transcritos nas alegações, o que constitui uma forma de atenuar a quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, ao mesmo tempo que corresponderá a uma solução justificada por razões de economia e celeridade processuais[11]. Cumpre ainda considerar a respeito da reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos das testemunhas, que neste âmbito vigora o princípio da livre apreciação, conforme decorre do disposto no art.º 396º CC e art.º 607º/5, 1ª parte CPC. Como bem ensinou ALBERTO DOS REIS: “[…] prova […] livre, quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei”[12]. Daí impor-se ao julgador o dever de fundamentação das respostas à matéria de facto – factos provados e factos não provados (art.º 607º/4 CPC). Esta exigência de especificar os fundamentos decisivos para a convicção quanto a toda a matéria de facto é essencial para o Tribunal da Relação, nos casos em que há recurso sobre a decisão da matéria de facto, poder alterar ou confirmar essa decisão. É através dos fundamentos constantes da decisão quanto à matéria de facto que este Tribunal vai controlar, através das regras da lógica e da experiência, a razoabilidade da convicção do juiz do Tribunal de 1ª instância[13] e formar a sua própria convicção, perante a prova produzida. Como observa ABRANTES GERALDES:”[s]em embargo da ponderação das circunstâncias que rodearam o julgamento na 1ª instância, em comparação com as que se verificam na Relação, esta deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, portanto, deve introduzir na decisão da matéria de facto impugnada as modificações que se justificarem, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal”[14]. Ponderando estes aspetos, face aos argumentos apresentados pelo apelante, tendo presente o segmento da sentença que se pronunciou sobre a fundamentação da matéria de facto, não se justifica alterar a decisão de facto, pelos motivos que se passam a expor. O apelante impugna a decisão dos seguintes factos julgados “não provados”: p) Os valores entregues pelo Autor ao réu perfaziam, até ao final do ano de 2021, o montante total de € 70.940,00; q) Autor e Réu acertaram que o valor da divida pelo Réu era de € 81.000,00, considerando, a favor do Réu um valor para compensação do uso do apartamento, como exigência do Réu; s) Na ocasião referida em 4) encontravam no apartamento os seguintes bens da propriedade do Autor: - 1 Cordão de ouro, no valor de €3.600,00; - 2 Relógios marca Rolex e Hublot, cada um deles no valor de €12.500,00; - 1 Cordão de ouro 1, no valor de €700,00; - 1 Cordão Savaroviky, no valor de €600,00; - 4 Almofadas de sala, cada uma delas no valor de €39,99; - 2 Mantas de Sala, cada uma delas no valor de €129,00; - 5 Lençóis, cada um deles no valor de €70,90; - 4 Almofadas, cada uma delas no valor de €33,66; - 4 Mantas, cada uma delas no valor de €140,00; - 4 Cobertores, no valor global de €280,00; - 4 Candeeiros de quarto, cada um deles no valor de €189,00; - 4 Candeeiros de mesa 4, cada um deles no valor de €54,95; - 1 garrafa de espumante Fita Azul, no valor de €5,50; - 2 garrafas de espumante Murganheira, cada uma delas no valor de €11,85; - 1 garrafa de Champanhe Moet Chandom, no valor de €58,89; - 1 Conjunto pessoal de viagem, no valor de €1 179,28; - 2 Centros de mesa, cada um deles no valor de €180,00; - 3 Potes de Cristal, cada um deles no valor de €140,00; - 1 Máquina Bimbi, no valor de €464,99; - 1 Liquidificadora, no valor de €55,57; - 1 Torradeira, no valor de €30,74; - 1 Desumidificador, no valor de €234,40; - 1 Máquina de Café, no valor de €288,99; -1 Panela de pressão, no valor de €69,99; - 1 Fritadeira, no valor de €47,99; - 1 Chaleira, no valor de €39,35; - 1 Faqueiro em normal, no valor de €230,10; - 1 Faqueiro em prata, no valor de €1.810,55; - 1 Impressora, no valor de €350,00; - 1 Esquentador, no valor de €286,99; - 1 Mala de viagem, no valor de 79,00; - 1 Facas de cozinha, no valor de €224,00; - 1 Conjunto de copos, no valor de €89,82; -1 Conjunto de pratos, no valor de €213,00; - 1 Conjunto de panelas, no valor de €408,35; -2 Toalheiros de pé, cada um no valor de €42,99; -2 Taças de sabonetes e champô, cada uma no valor de €59,99; -Estatuas marfim antigas, no valor de €3.500,00; - 2 Mascaras Venezianas, cada uma no valor de €125,00; - Material de escritório, no valor de €50,00; - 6 garrafas de whisky, Run e Gin, de marcas diversas, no valor de €185,99; - 3 frascos de perfume, no valor de €245,43; - Sapatos, chinelos e sapatilhas; - 7 T-shirts, no valor global de €349,65; - 5 Casacos de inverno, cada um deles no valor de €379,00; - 5 Camisas, cada uma delas no valor de €79,95; - 9 Polos, cada um deles no valor de €99,95; -3 fatos, cada um deles no valor de €399,00; -1 Casaco solto, no valor de €199,95; - Meias e cuecas; - 1 sobretudo, no valor de €399,00; - Tabaco e charutos, de marcas diversas, no valor de €96,45; - 10 velas, no valor de €21,50; - 10 garrafas de vinhos portugueses, cada uma delas no valor de €15,00; - 60 garrafas de vinhos espanhóis, no valor de €2 220,00; - 5 telas pintadas (quadros), cada um deles no valor de €3.000,00, num total de €15.000,00; - 1 Serviço de Jantar Vista Alegre, no valor de €2 460,00; -1 Serviço de Café e Chá Vista Alegre, no valor de €612,00; - Torneiras da casa de banho, no valor de €475,50; - 2 Cortinas de casa de banho, no valor total de € 99,98 € - Outros documentos, Carta de condução, Cartão do cidadão, Cartões crédito, Faturas da NOS, Chipes de telefone – NOS, Contratos bancários, códigos de bancos e notas de reais, dólares e euros, de valor aproximado de €1.000,00; - 1 mala Samsonite, no valor de185,00€; - 5 pares de óculos sol, no valor de €1194,00; - Espaço casa e outros, no valor de €1210,00. Na fundamentação da decisão ponderou-se a prova produzida nos termos que se passam a transcrever: “Pese embora as diferentes versões em confronto, as partes admitem a factualidade constante dos pontos 1), 2), 3), 4) (este último tão só no que concerne à mudança das fechaduras do apartamento) e 5). De igual modo, porque aceites por ambas as partes nos respetivos articulados – e, no decurso das respetivas declarações de parte – consideraram-se provadas as entregas recíprocas de dinheiro a que se referem os pontos 6) a 9), as quais aliás resultam dos comprovativos de transferência bancária juntos como documentos nºs 13, 14, 15, 16, 17 e 19 da petição inicial e 4 da contestação, bem como da cópia dos cheques juntos como documentos 5 e 6 da contestação. A testemunha EE, pessoa encarregue de fazer a limpeza do apartamento em causa, de forma segura e isenta deu conta de que, a pedido da companheira do Réu entregou a esta as chaves do apartamento que, até então, detinha com autorização do Réu, o que permitiu que o Réu ou alguém a seu mando tenha posteriormente procedido à mudança das chaves descrita no ponto n.º 4 supra. Por essa razão considerou-se provada a factualidade constante da segunda parte do ponto 4 supra. O depoimento da testemunha CC, companheira do réu, que, no fundo, secunda a versão que este veio trazer os autos, não nos mereceu credibilidade. Desde logo, quando, em claro confronto com o depoimento da testemunha anteriormente referida, nega que pediu a esta as chaves do apartamento. Por outro lado, afirmando que o Réu autorizou a utilização gratuita do apartamento pelo Autor por um período de tempo limitado, que terminaria no início da época balnear do ano de 2022, dada a intenção do Réu arrendar sazonalmente tal imóvel, não deu qualquer explicação credível para a mudança da fechadura (afirmando que mudavam a fechadura todos os anos no fim da época balnear?!). Ao mesmo tempo, tal versão afigura-se-nos incongruente com a venda do imóvel que o réu realizou no mês de agosto do no de 2022 (conforme cópia do contrato de compra e venda junto aos autos no decurso da audiência de julgamento). Também o depoimento da testemunha DD, filho da companheira do autor, foi imprestável para a demostração da referida tese do Réu, na medida em que afirmou desconhecer qual o acordo, entre Autor e Réu que esteve subjacente à ocupação do referido apartamento pelo primeiro. Não obstante, entendemos que a prova testemunhal trazida à lide pelo Autor, a mais de confirmar que este habitou no referido apartamento, com carácter de exclusividade, desde setembro de 2021 até à data em que foi impedido pelo Réu de aceder ao interior do mesmo, em finais de junho/princípios de julho do ano de 2021, foi insuficiente para concluir pelo acordo (contrato promessa) de compra e venda invocado pelo Autor. De facto, se é certo que as testemunhas FF alude à celebração de um tal contrato, a verdade é que apenas o faz com base no que ouviu dizer ao Autor. E se as testemunhas GG, HH e II atestam ter ouvido o Réu afirmar que tinha vendido o apartamento ao Autor, tal circunstância, por si só, não nos parece suficiente para a demonstração do acordo invocado pelo Autor. Não podemos esquecer que as próprias partes, nas suas declarações, acabam por confirmar a existência de um conjunto de negócios entre ambos, cujos concretos contornos não foram capazes de (ou não quiseram) desvendar, mas que se percebeu estarem ligados à intermediação/agenciamento de jogadores de futebol e relacionados com clubes de futebol de cuja direção fazia parta o Réu. Por outro lado, não deixa de se estranhar a ausência de prova documental relativa à finalidade que esteve subjacente às transferências de dinheiro que comprovadamente foram efetuadas entre as partes, sobretudo quando as partes se apresentam como experimentados “homens de negócios”. De facto, não se compreende que o Autor tivesse entregue as mencionadas quantias a título de empréstimo (num momento anterior ao invocado acordo para aquisição do imóvel do Réu), sem que ficasse na sua posse qualquer documento comprovativo dos mesmos. Do mesmo modo, a transferência e pagamento (através de cheques) de quantias monetárias do Réu ao Autor (alguns dos quais através das sociedades de que cada um deles era sócio gerente) que ficaram acima demonstradas, apenas é compreensível num contexto de negócios entre ambos. Os comprovativos de levantamentos de quantias monetárias da conta do Autor, juntos como documentos 13 e segs. da petição inicial, são manifestamente insuficientes para a demonstração de que tais quantias foram entregues ao Réu. Assim como não prova a entrega de quaisquer valores a listagem da autoria do Autor, junta como documento 9 da petição inicial, remetida através de Whatsapp alegadamente para o telefone do Réu. De notar que de entre as mensagens supostamente trocadas entre as partes por WhatsApp, juntas como documento 11, nenhuma delas contém qualquer reconhecimento por parte do Réu da assunção da obrigação de vender o imóvel em causa nos autos. Do mesmo modo, a minuta da declaração de dívida junta como documento 10 da petição inicial - que não está subscrita pelo Réu - à falta de qualquer outro meio de prova (que não o que as testemunhas ouviram dizer ao próprio Autor), não permite a prova do invocado acerto de contas e assunção da responsabilidade, por parte do Réu, pelo pagamento ao Autor da quantia mencionada no referido documento. Também a menção feita por algumas testemunhas à existência de bens da propriedade do Autor no mencionado apartamento à data em que o mesmo aí habitava, não permite concluir que bens do Autor se encontravam no dito imóvel à data em que foi impedido de aceder ao interior do mesmo. Tão-pouco a listagem, elaborada pelo Autor na sua petição inicial pode constituir meio de prova da existência de tais bens e muito menos do seu valor. Não podemos deixar de estranhar, a este respeito, que o Autor, depois de ter sido impedido de aceder ao interior da sua habitação afirme ter conseguido acordar com o Réu um acordo de acerto de compras pelo qual este se teria obrigado a pagar-lhe a quantia de €81.000,00 e não tenha logrado recolher do interior do apartamento os valiosos itens que lá deixou, nem sequer tendo feito referência a qualquer obrigação de entrega dos mesmos na minuta de confissão de dívida que pretendia que o Réu assinasse. Tudo conjugado, o tribunal considerou como não provados os factos constantes das alíneas a) a i), k) a r). No que concerne aos factos mencionados nas alíneas j), s) a x) a convicção do tribunal fundou-se na total ausência de prova a respeito dos mesmos”. A enunciação dos factos não provados contém duas alíneas q) e s), estando em causa, como matéria de facto impugnada, respetivamente, as primeiras alíneas q) e s) e que acima se transcreveram. Sugere o apelante que se julguem provados estes factos, sustentando a alteração nos documentos nº 9, 11, 12, juntos com a petição, declarações de parte do réu e ainda, depoimento da testemunha EE. Está em causa, nas alíneas p) e q), apurar se os valores entregues pelo Autor ao réu perfaziam, até ao final do ano de 2021, o montante total de € 70.940,00 e ainda, se Autor e Réu acertaram que o valor da divida pelo Réu era de € 81.000,00, considerando, a favor do Réu um valor para compensação do uso do apartamento, como exigência do Réu. Os documentos referenciados pelo apelante foram considerados na fundamentação da decisão de facto e a apreciação que dos mesmos foi feita, no contexto da prova produzida não merece censura. Tratam-se de mensagens de texto trocadas entre autor e réu, via WhatsApp, a partir do telemóvel do autor e do réu. O documento nº 9 contém uma mensagem, com data de 07 de abril de 2022, na qual consta uma lista de valores que alegadamente o autor entregou ao réu e a seguir:
O documento nº 11 contém várias mensagens, com datas de julho de 2022, nas quais o autor tenta marcar um local para se encontrar com o réu e ainda, o seguinte texto:
As mensagens em causa constituem documentos particulares que apenas provam as respetivas declarações, na medida em que não foi impugnada a respetiva autoria. A força probatória do documento está subordinada ao regime do art.º 376º CC. Decorre do disposto no art.º 376º/1 CC que provada a assinatura tem-se por plenamente provado que o signatário emitiu as declarações constantes do documento, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade deste. Contudo, nos termos do art.º 376º/2 CC, consideram-se provados, apenas os factos que forem desfavoráveis ao declarante, pois quanto aos restantes o documento é livremente apreciado pelo tribunal. Não foi posto em causa nos autos que as mensagens existiram, com os emissores e recetores indicados pelo autor-apelante, respetivamente autor e réu, as quais foram produzidas a partir de telemóveis na disponibilidade, respetivamente, de autor e réu. Grande parte das mensagens foram transmitidas pelo apelante-autor a partir do seu telemóvel e quanto a tais declarações os documentos não fazem prova plena dos factos ali consignados. Em relação aos textos das mensagens da autoria do réu-apelado, não decorre que o réu aceitou celebrar um contrato-promessa da fração sita na ... e que por conta do preço o autor lhe entregou € 81 000,00 ou qualquer outro valor. Acresce que não resulta de tais mensagens que o réu admita ter o autor entregue os valores em dinheiro que consta da lista indicada no documento nº 9. O documento não tem, pois, a virtualidade de fazer prova plena de tais factos, porque nas mensagens que o réu transmitiu não admitiu factos desfavoráveis à sua pretensão. Apenas o confronto com a restante prova poderia justificar a alteração pretendida, mas o apelante não indica outra prova e as declarações de parte do réu e o depoimento da testemunha EE EE em nada contribuem para esclarecer esta matéria de facto. Nos termos do art.º 466º/1 CPC as partes podem prestar declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento direto. As declarações prestadas são apreciadas livremente pelo tribunal, salvo se constituírem confissão, como se prevê no art.º 466º/3 CPC. A parte deve ser admitida a prestar declarações apenas sobre factos em que tenha intervindo pessoalmente ou de que tenha conhecimento direto e que sejam instrumentais ou complementares dos alegados. Daqui resulta que não merece relevo probatório as declarações que assentem em relato de terceira pessoa e ainda, aquela em que a parte se limita a narrar os factos alegados no respetivo articulado. Como refere FERNANDO PEREIRA RODRIGUES: “[…] também é suposto que a parte ao requerer a prestação das suas declarações não seja apenas para confirmar o que já narrou nos articulados através do seu mandatário. Seria inútil a repetição do que já é do conhecimento do tribunal. Por isso, estarão sobretudo em causa factos instrumentais ou complementares dos alegados de que a parte tenha tido conhecimento direto ou em que interveio pessoalmente e que se mostrem com interesse para a descoberta da verdade”[15]. LEBRE DE FREITAS a propósito do valor probatório das declarações de parte observa: “[a] apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime se ambas as partes tiverem sido efetivamente ouvidas”[16]. O valor probatório das declarações de parte, avaliado livremente pelo tribunal, estará sempre dependente do confronto com os demais elementos de prova. No caso concreto, o réu, BB, em declarações de parte limitou-se a manter a posição expressa na contestação e não confessou os factos alegados pelo autor, nem admitiu factos desfavoráveis à sua pretensão e com relevo para a concreta matéria de facto em causa na ação. Referiu: “Cedeu a casa ao autor, porque a casa de família estava em obras. Tinha um apartamento e deixou-o estar no apartamento. Foi viver em setembro, 15 de setembro, para o apartamento. Nunca estiveram de acordo, para vender o apartamento. Nem nunca vendemos nada ou coisa que se pareça. Em julho ia alugar como era normal. Levou-o ao aeroporto quando foi para o Brasil e disse-lhe”. Sobre a entrega de dinheiro e cheques, disse: “Ele [autor] não podia passar cheques. Um cheque de €5 000,00 emprestou ao autor. O Autor pediu 30 000,00. O Autor nunca emprestou dinheiro em numerário. O Autor só fez uma transferência”. Sobre a utilização dada ao apartamento, disse: “Nunca pagou nada, nem renda, nem água, nem luz. Tinha internet, não sabe se foi o autor. O trabalho de limpeza do apartamento era pago pelo autor. O réu tinha chave do apartamento e sempre teve”. Sobre a celebração do contrato-promessa e a intervenção do advogado, negou qualquer contacto. Referiu, ainda: “Em julho 2022 quando regressou do Brasil entregou-lhe o carro e ele foi para a casa dele. Não deixou pertences na casa na .... Quando foi para o Brasil já sabia que tinha que tirar tudo de casa. Nunca houve acordo no valor de venda do apartamento”. A respeito da compra de um terreno na ..., disse: “Não propôs ao autor. Chegou a falar com o autor. O autor propôs uma sociedade de madeiras, mas não aceitou. Meteu 4 jogadores 3 colombianos e um brasileiro no .... Ficaram a dormir na minha casa e a comer e o autor pagou-me uma viagem à Madeira. Acerto de contas”. Sobre as mensagens enviadas pelo autor, referiu: “Tinha que dar a importância que merecia andava sempre com essas brincadeiras”. Mas depois esclareceu, em relação às mensagens enviada via WhatsApp: “Não dei conta”. A respeito da formalização da confissão de divida, disse que nunca se abordou tal assunto. Esclareceu: “Quatro atletas que o autor meteu no ...; o autor é que pagava as contas dos jogadores. Ficaram na minha casa e dei de comer. Não meteu as despesas no .... Não viu o contrato-promessa de compra e venda, nem falou com nenhum advogado sobre um contrato. O Dr. JJ foi o seu advogado do .... Foi meu advogado no .... Nunca houve negociações para celebrar um contrato-promessa de venda do apartamento”. O réu refuta a existência de qualquer acordo no sentido de vender o apartamento ao autor e ter recebido quantias em numerário ou por cheque. Os alegados acordos relacionados com a colocação de jogadores num clube de futebol constituem matéria estranha aos presentes autos e por isso, não relevam para a reapreciação da concreta matéria de facto controvertida. A testemunha EE, que prestou serviços de limpeza para o autor e réu, apenas revelou ter conhecimento dos comentários que o autor fazia a respeito do apartamento. Referiu que a partir de setembro de 2021 o autor mudou-se e passou a residir no apartamento que pertencia ao réu e perto da altura do Natal começou a comentar que tinha comprado o apartamento e a manifestar interesse em fazer alterações no apartamento, transportando objetos pessoais que tinha na casa sita em ... para o apartamento. A testemunha, como a própria referiu, não tomou conhecimento de qualquer conversa entre autor e réu a respeito deste assunto, desconhecendo em que circunstâncias o autor passou a residir no apartamento e referiu que o autor deixou de ali residir, porque o réu trocou a chave do apartamento durante a ausência do autor no Brasil. Referiu, ainda, que o autor aquando do seu regresso do Brasil, em julho 2022, ficou instalado num hotel e depois foi para casa em ..., onde fez obras e depois de estas estarem concluídas. Sobre entregas de dinheiro do autor ao réu ou sobre acerto de valores em divida, a testemunha não revelou ter qualquer conhecimento, porque não foi sequer confrontada com estes factos. A testemunha limitou-se a reproduzir os comentários que o autor fez, sem revelar um conhecimento direto dos factos e por esse motivo, o seu depoimento fica muito desvalorizado, porque a única fonte do conhecimento é o autor, trazendo aos autos a versão que este apresenta na petição. Conclui-se que não merece censura a decisão que julgou não provados os factos sob as alíneas p) e q). Passando à reapreciação da alínea s), dos factos não provados. Está em causa apurar se quando o réu mudou a fechadura do apartamento ficaram os objetos e artigos pessoais do autor-apelante descritos na alínea s). O depoimento da testemunha EE mostra-se insuficiente para alterar a decisão. A testemunha descreveu de forma pormenorizada os objetos que o autor colocou no apartamento, para seu uso pessoal, como seja, lençóis, edredons, louça, talheres e panelas, eletrodomésticos (fritadeira, torradeira), Bimby, aspirador, candeeiros, tapetes. Referiu, ainda, que levou para o apartamento roupa, artigos pessoais, como perfume e ainda bebidas várias. Mais referiu que num momento posterior transportou para o apartamento quadros, serviços de louça da Vista Alegre. Contudo, quanto a saber se todos estes objetos se encontravam no apartamento na data em que foi substituída a fechadura, a testemunha nada revelou saber em concreto. Limitou-se a referir que uma amiga (e prima) de seu nome KK, que trabalhava para o réu, como empregada de limpeza, comentou que a companheira do réu e o filho retiraram os pertences do autor do apartamento e levaram-nos num automóvel. Não indicou em concreto o que transportaram, nem assistiu a tais factos. Mais uma vez limitou-se a transmitir o que “ouviu dizer”. Trata-se, assim, de um depoimento indireto e tal aspeto é determinante para avaliar do seu valor probatório. A testemunha narra ao tribunal factos passados de que teve perceção. Os depoimentos indiretos ou de ouvir dizer por não corresponderem a relatos de factos diretamente percecionados pelo depoente, ainda que não sejam expressamente proibidos ou condicionados no seu valor probatório, como ocorre no domínio do processo penal, constituem um meio de prova frágil, porque existe um desfasamento entre a fonte probatória e o meio de prova apresentado. Por isso, quando não são acompanhados de qualquer outro meio de prova não merecem qualquer relevo para a prova dos factos. No caso concreto, nenhuma outra testemunha revelou ter conhecimento destes factos. Conclui-se que não merce censura a decisão que julgou não provada a matéria consignada na alínea s). Por fim, o documento nº12, carta que o autor dirigiu ao réu, com o seguinte teor: Mais uma vez trata-se de um documento particular, que não contém qualquer manifestação de vontade do réu e sujeito ao princípio da livre apreciação da prova. Faz prova das declarações do autor ali consignada, pois a autoria do mesmo não foi impugnada (art.º 376º/1 CC). O documento, em si, mostra-se irrelevante para a prova dos factos impugnados. Pelo exposto mantém-se a decisão de facto e improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos I a XXXVIII. - -Do mérito da causa - Nas conclusões de recurso, sob os pontos XXXIX a XLI, o apelante insurge-se contra a decisão de direito, no pressuposto da alteração da decisão de facto a respeito dos factos relacionados com os efeitos da nulidade do contrato-promessa. Mantendo-se inalterada a matéria de facto não cumpre reapreciar a decisão de direito, na medida em que o apelante não se insurge contra os seus fundamentos. Contudo, em relação ao pedido formulado, com fundamento em enriquecimento sem causa, considera que a não devolução do preço pago constitui um enriquecimento não justificado do réu, em contraponto ao empobrecimento do autor. Na sentença apreciando o pedido considerou-se que não assistia o direito à restituição, com os seguintes fundamentos: “Cremos, contudo, que a forma como o Autor estruturou a ação não permite a sua procedência em sede de aplicação do instituto do enriquecimento sem causa, uma vez que não alega, nem resulta provado naos autos, a inexistência de causa no sentido técnico jurídico atendido pelo artigo 473° Código Civil. E parece-nos que não se pode entender que a lei não faculta à aqui outra forma de ser ressarcido quando ele não prova a alegação que faz; o direito em abstrato existe, o Autor não conseguiu foi provar que ele existe na sua esfera jurídica. Como se diz no sumário do Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 17.09.2013, processo n.º 64/09.1TBMTMR.C1), “o enriquecimento sem causa não traduz uma regra “residual” de decisão (não traduz sequer uma regra de decisão), que seja desencadeada, no que à obrigação de restituir respeita, pela indemonstração da causa de uma deslocação patrimonial, cuja invocação se dirigia a um outro efeito (como seja a restituição de uma quantia mutuada)”. Aqui estamos perante uma impossibilidade de ressarcimento derivada da aplicação das regras do ónus da prova: o Autor não é ressarcido porque não provou nem a celebração do contrato promessa, cuja nulidade invoca (em execução do qual os valores monetários que entregou ao Réu teriam sido considerados como sinal e princípio de pagãmente), nem tão pouco demonstrou que a entrega daqueles montantes configurou (inicialmente) um empréstimo de dinheiro ao Réu, com a obrigação deste o devolver”. A questão que se coloca consiste em apurar se assiste ao autor o direito à restituição de valores que entregou ao réu, com fundamento em enriquecimento sem causa, apesar de não lograr provar que celebrou um contrato-promessa de compra e venda ou um contrato de mútuo. O instituto do enriquecimento sem causa, previsto no art.º 473º/1 CC, tem como pressupostos: - o enriquecimento de alguém; - que o enriquecimento careça de causa justificativa; e - que tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição (ou do seu antecessor). De acordo com o nº 2 do art.º 473º CPC a obrigação de restituir tem por objeto: - os casos em que nunca existiu causa justificativa para a deslocação patrimonial; - os casos em que, embora existindo inicialmente, essa causa deixou depois de existir; e - os casos em que a deslocação patrimonial teve em vista um determinado efeito que não se verificou. O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, que se pode traduzir num aumento do ativo patrimonial, numa diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes atos sejam suscetíveis de avaliação pecuniária, outras ainda, na poupança de despesas. A vantagem patrimonial de que se trata pode ser objetiva e isoladamente considerada - enriquecimento real - ou ser antes medida através da projeção concreta do ato na situação patrimonial do beneficiário – enriquecimento patrimonial[17]. Como defende MOITINHO DE ALMEIDA o nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento constitui uma das condições para se verificar o enriquecimento sem causa[18]. Tradicionalmente a doutrina tem considerado que o empobrecimento será a diminuição ou perda sofrida pelo autor, ocorrida correlativamente ao aumento daí resultante para o património do réu[19]. Por outro lado, o enriquecimento será o resultado do empobrecimento e nisso se consubstancia o nexo de causalidade, o locupletamento à custa alheia (art.º 473º/1 CC). Com efeito, as situações de enriquecimento sem causa abrangem não só os casos em que existe uma correlação entre vantagem económica e empobrecimento do outro, mas ainda, os casos em que ao enriquecimento de um dos sujeitos não corresponde o empobrecimento do património do outro, mas a simples privação de um aumento deste[20]. Contudo, a inexistência de causa: “é a condição mais propriamente caracterizadora da ação de locupletamento, uma vez que pressupõe ter havido um enriquecimento injusto, que [se] não fosse injusto não seria sem causa[21]“. Nas situações em que a deslocação patrimonial se opera mediante uma prestação, se a obrigação não existe ou porque nunca foi constituída ou porque já se extinguiu, a prestação carece de causa. A causa do enriquecimento sempre que provém de uma prestação é a relação jurídica que a prestação visa satisfazer. Nos casos em que o enriquecimento não provém de uma prestação do empobrecido ou de terceiro, “[o] enriquecimento é injusto porque segundo a própria lei, ele deve pertencer a outro[22]”. ANTUNES VARELA refere a este respeito que: “[q]uando o enriquecimento criado está de harmonia com a ordenação jurídica dos bens aceite pelo sistema, pode asseverar-se que a deslocação patrimonial tem causa justificativa; se, pelo contrário, por força dessa ordenação positiva, ele houver de pertencer a outrém, o enriquecimento carece de causa[23]”. MENEZES CORDEIRO refere a este respeito que: “[a] ausência de causa emerge, […] da inexistência de normas jurídicas que, a título permissivo, ou de obrigação, levem a considerar o enriquecimento como coisa estatuída, isto é, como coisa tolerada ou querida pelo direito”[24]. ALMEIDA E COSTA considera que o enriquecimento carece de causa: “[…] quando o direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios do sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial; sempre que aproveita, em suma, a pessoa diversa daquela a quem, segundo a lei, deveria beneficiar”[25]. A interpretação da doutrina, perante a omissão de qualquer definição legal, serve como um critério de referência que não dispensa a cuidada análise do caso concreto, mas podemos concluir que o enriquecimento carece de causa, quando não tem uma base legal que o justifique. Os pressupostos da ação integram factos positivos e factos negativos[26]. Nos factos positivos incluem-se o enriquecimento do réu, o empobrecimento do autor e o nexo de causalidade. Os factos negativos “consubstanciam a ausência de causa”. Contudo, como observa MOITINHO DE ALMEIDA: “a existência de causa, alegada pelo réu como exceção, [constitui] um facto positivo a provar por este”[27]. ANTUNES VARELA escreve a este respeito: “[a] falta de causa da atribuição patrimonial terá de ser não só alegada como provada, de harmonia com o princípio geral estabelecido no artigo 342º, por quem pede a restituição do indevido. Não bastará para esse efeito, segundo as regras gerais do ónus probandi, que não se prove a existência de uma causa da atribuição; é preciso convencer o tribunal da falta de causa”[28]. No mesmo sentido, ALMEIDA E COSTA, refere que: “[d]e harmonia com o princípio geral do art.º 342º, cabe à pessoa que pede a restituição do indevido não só alegar, mas também provar a falta de causa da atribuição patrimonial”[29]. Na jurisprudência podem citar-se, entre outros, o Ac. STJ 19.02.2013, Proc. 2777/10.6TBPTM.E1.S1 e Ac. STJ 02.02.2010, Proc. 1761/06. 97UPRT.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. Aplicando o exposto ao caso concreto e ponderando os factos apurados somos levados a concluir que a decisão não merece censura, porque não se provaram os elementos constitutivos da obrigação de restituir. Provou-se: 6) O Autor entregou ao réu, pelo menos, os seguintes valores monetários: - Em 06.08.2021, por transferência bancária para a conta do Réu, o valor de € 5.000,00; - Em 10.08.2021, por transferência bancária para a conta do Réu, o valor de € 5.000,00; - Em 06.09.2021, por transferência para a conta do Réu, o valor de €4.000,00; - Em 16.09.2021, o autor entregou, por transferência bancária ao Réu, o valor de € 2.000,00; - Em 17.09.2021, o Autor entregou por transferência ao Réu, o valor de € 2.000,00; 7) Em 22 de Junho de 2022, o Autor fez mais uma transferência de € 20.000,00, para a conta bancária do Réu, através da conta da sociedade «A..., Lda», de que era sócio gerente. 8) O Réu transferiu €15.000,00 da sua conta pessoal para a conta da referida sociedade “A..., Lda.”; 9) O Réu entregou ao Autor dois cheques sacados sobre uma conta do Banco 1..., nos valores de €5.000,00 e de €30.000,00, os quais foram apresentados a pagamento, obtiveram boa cobrança. Apesar de não se provar que o autor celebrou com o réu um contrato-promessa de compra e venda ou um contrato de mútuo através dos quais entregou ao autor a quantia de € 81 000,00 (em numerário e por transferência bancária), resulta da análise dos factos provados que o autor entregou ao réu da sua conta pessoal € 18 000,00 e de uma conta titulada por uma sociedade a quantia de € 20 000,00. Não logrou provar o enriquecimento do réu pelo facto de obter uma vantagem patrimonial à custa do seu património, o nexo de causalidade e sobretudo, que não existia uma causa para efetuar tais transferências de valores, sendo certo que em parte se empobrecimento ocorreu esse empobrecimento foi da sociedade, entidade jurídica distinta da pessoa do autor, ainda que ali exerça as funções de sócio-gerente. Acresce que se provou que o réu entregou ao autor a quantia de € 35 000,00 e por sua vez, transferiu para a conta da referida sociedade gerida pelo autor a quantia de € 15 000,00. Não se provou a existência de uma causa da atribuição, mas para que ocorra enriquecimento sem causa é necessário que se prove a falta de causa e o autor não logrou fazer essa prova (recaindo sobre o autor o ónus de alegação e prova de tais factos - art.º 342º/1 CC), motivo pelo qual não lhe assiste o direito à restituição dos valores peticionados, com fundamento em enriquecimento sem causa. Improcedem, também, nesta parte as conclusões de recurso. - Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pelo apelante. - III. Decisão: Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença. - Custas a cargo do apelante. *
Porto, 24 de março de 2025 (processei, revi e inseri no processo eletrónico – art.º 131º, 132º/2 CPC) Assinado de forma digital por Ana Paula Amorim Juiz Desembargador-Relator Maria Fernanda Almeida 1º Adjunto Juiz Desembargador António Mendes Coelho 2º Adjunto Juiz Desembargador _____________________________________ |