Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
193/24.1T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: ELEMENTO SUBJETIVO CONTRAORDENACIONAL
DIREITO DE DEFESA
NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA
NULIDADE DA DECISÃO POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: RP20250203193/24.1T8MTS.P1
Data do Acordão: 02/03/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Nas contra-ordenações laborais, em que a negligência é sempre punível, o elemento subjectivo tem de extrair-se da factualidade provada, que integra o elemento objectivo.
II - Nos termos do art. 18º, nº 1, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, nas contra-ordenações da segurança social, o arguido apenas tem que ser notificado dos factos que lhe são imputados.
III - Não viola o direito de defesa da arguida, em processo de contra-ordenação, em sede de processo administrativo, a não audição da mesma, ou das testemunhas por esta arroladas, na fase administrativa, desde que tal decisão se encontre devidamente fundamentada.
IV - A falta de consideração na sentença judicial das condições económicas da arguida não assume relevância, e não gera qualquer nulidade, quando a coima impugnada foi fixada no mínimo legal.
VI - O recurso da decisão judicial da impugnação da decisão administrativa em processo de contra-ordenação é restrito à matéria de direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 193/24.1T8MTS.P1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Questão prévia
A recorrente apresenta recurso de sentença condenatória numa coima única de € 20.250,00, resultante do cúmulo jurídico de duas coimas parcelares, uma no montante de € 20.000,00, prevista e punida pelos arts. 11º, nº 1, 39-B, al. a), e 39-E, al. a), do Dec. Lei nº 64/2007, de 14 de Março, com a redacção resultante do Dec. Lei nº 33/2012, de 4 de Março (abertura e funcionamento de estabelecimento de apoio social, com fins lucrativos, sem alvará/licença, ou autorização provisória de funcionamento), e outra, no montante de € 500,00, prevista e punida pelos arts. 3º, nº 1, al. a), e 9º, nº 1, al. a), e nº 4, do Dec. Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro, com a redacção resultante do Dec. Lei nº 371/2007, de 6 de Novembro (falta de livro de reclamações).
Nos termos do disposto no art. 49º, nº 1, als. a) e b), da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, é admissível recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39º, quando: a) For aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente; b) A condenação do arguido abranger sanções acessórias.
Mais se acrescenta no nº 3 do mesmo art. 49º que, se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infrações ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infrações ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.
Significa isto que, no caso de várias infracções integradas em cúmulo jurídico, o recurso só será admitido em relação àquelas que tenham sido concretamente punidas com coima superior a 25 UC, ou a condenação do arguido abranger sanções acessórias.
Ora, no caso, a segunda coima aplicada foi inferior a seis UC e não foi aplicada qualquer sanção acessória relativamente à mesma, ou seja, não se encontram preenchidos os requisitos legais para a admissão do recurso relativamente a esta.
Por outro lado, não invocou a recorrente a aplicação ao caso do disposto no art. 49º, nº 2, da mencionada Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, autonomamente, conforme exigência do nº 2 do art. 50º.
A decisão genérica de admissão do recurso não impede a rejeição em conferência, conforme o art. 420º, nº 1, do CPP.
Pelo exposto, não se admite o recurso interposto pela arguida relativamente à segunda infracção, no montante de € 500,00, prevista e punida pelos arts. 3º, nº 1, al. a), e 9º, nº 1, al. a), e nº 4, do Dec. Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro, com a redacção resultante do Dec. Lei nº 371/2007, de 6 de Novembro (falta de livro de reclamações).

I. Relatório
AA, residente na Rua ..., ..., ..., veio impugnar judicialmente a decisão do Centro Distrital do Porto do ISS, IP, que a condenou na coima única de € 20.250,00, resultante do cúmulo jurídico de duas coimas parcelares, uma no montante de € 20.000,00, prevista e punida pelos arts. 11º, nº 1, 39º-B, al. a), e 39º-E, al. a), do Dec. Lei nº 64/2007, de 14 de Março, com a redacção resultante do Dec. Lei nº 33/2012, de 4 de Março (abertura e funcionamento de estabelecimento de apoio social, com fins lucrativos, sem alvará/licença, ou autorização provisória de funcionamento), e outra, no montante de € 500,00, prevista e punida pelos arts. 3º, nº 1, al. a), e 9º, nº 1, al. a), e nº 4, do Dec. Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro, com a redacção resultante do Dec. Lei nº 371/2007, de 6 de Novembro (falta de livro de reclamações).
Recebido o recurso, foi realizada a audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença julgando improcedente o recurso e em consequência, mantendo a coima aplicada à arguida.
Inconformada interpôs a arguida o presente recurso, concluindo:
1. Na fase recursiva/judicial do processo contraordenação o tribunal está obrigado, tanto mais nas situações em que decida após realização da audiência de julgamento como sucedeu no caso dos autos, a conhecer do objecto do processo contraordenacional, assumindo o despacho recorrido natureza de verdadeira Sentença;
2. O tribunal está obrigado ao dever de fundamentação do seu despacho/sentença no qual conhece o objecto do processo contraordenacional, devendo para tanto especificar – como sucedeu no caso dos autos – as matérias de facto provadas/não provadas após o julgamento em moldes a aplicar o direito e sindicar a decisão administrativa recorrida;
3. No caso dos autos, conforme resulta da matéria considerada provada/não provada, não foi dado por provado e não se provou qualquer facto ao nível da conduta subjectiva da arguida que permita imputar-lhe a prática dos ilícitos pelos quais foi condenada (exploração de ERPI e falta de livro de reclamações) seja a título de dolo, seja a título de negligência;
4. Para se punir a Arguida teria de se provar que esta sabia, representou correctamente ou tinha consciência de que os factos praticados preenchem o tipo objectivo dos ilícitos que lhe foram imputados, ou seja, a mesma que tinha conhecimento dos elementos materiais constitutivos das infracções e tal não se provou nos autos, impondo-se, assim, a absolvição da Arguida e todos os ilícitos e sanções acessórias em que foi condenada;
5. Não praticou a Arguida a contraordenação atinente à falta de livro de reclamações, incorrendo a decisão recorrida (e igualmente a decisão administrativa) em erro claro na aplicação do direito;
6. O douto despacho/sentença recorrido não considerou provados os elementos objectivos da infração que permitam imputar e punir a Arguida pela prática da contraordenação, ou seja, que: (i) a Arguida exercesse de modo habitual e profissional a actividade de ERPI e (ii) também não considerou provado que por via dessa suposta actividade a Arguida tivesse contacto com o público com vista à oferta de produtos e serviços ou de manutenção de relações de clientela, elementos objectivos esses de que depende a imputação e punibilidade previstos no art. 2º nº 1 e nº 2, impondo-se por falta de tais elementos a absolvição da Arguida, o que se peticiona.
Se assim se não entender, sempre se conclui que:
7. Na impugnação recursiva que apresentou da decisão administrativa condenatória defendeu-se a Arguida invocando nulidade do processo e decisão condenatória, explicitando que o relatório final da inspecção de fls. 23 a 40 dos autos não lhe foi devidamente notificado e que daí resultaram irremediavelmente prejudicados os seus direitos de defesa;
8. O douto despacho/sentença recorrido considerou que a Arguida foi regularmente notificada para exercer o seu direito de defesa e que a entidade administrativa não tinha de notificar o referido relatório porque, nos termos da norma do art. 18º da Lei 107/2009 de 14 de Setembro – regime processual aplicável às contraordenações laborais e segurança social (RPCOLSS), não têm de se notificar meios de prova ao Arguido, considerando o relatório um simples meio de prova, indeferindo a arguição da nulidade, entendimento que a Arguida não pode aceitar;
9. Na fase administrativa do processo para efeito do exercício do direito de defesa foi notificada à Arguida o que consta de fls. 44, 45 dos autos cujo teor se considera aqui reproduzido;
10. Não foi comunicado à Arguida qualquer documento e mais concretamente o relatório final da inspecção constante de fls. 23 a 40 dos autos, documento cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido e o ónus da prova de tal notificação na fase judicial do processo contraordenação é do Ministério Público;
11. Não foi notificado à Arguida o auto de notícia por contraordenação de fls. 3 a 7 dos autos cujo teor se considera aqui reproduzido, incidindo o ónus da prova de tal notificação na fase judicial do processo contraordenação sobre o Ministério Público;
12. A Arguida somente conheceu a existência do auto de notícia e do atrás aludido relatório final da inspecção com da notificação da decisão administrativa condenatória, não lhe tendo sido dado conhecimento desses documentos e ou do teor dos mesmos antes da aplicação da sanção;
13. O douto despacho/sentença recorrido considerou que o relatório final da inspecção não tinha de ser notificado à Arguida por constituir alegadamente um meio de prova, o que se concluiu que considerou sem atentar ao que concretamente foi comunicado à Arguida para exercício da sua defesa e sem valorar o teor do ajuizado documento/relatório final, conclui-se desde já que se afigurava relevante à cabal defesa da Arguida;
14. A norma prevista no art. 50º do regime geral das contraordenações (RGCO) consagra o direito de audição e defesa do arguido, direito que tem base constitucional na norma prevista no art. 32º/10 da Constituição da República Portuguesa que estabelece que nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa;
15. O Direito de defesa para ser cabalmente exercido pelo Arguido na fase administrativa do processo de contraordenação, pressupõe e obriga que a entidade administrativa comunique ao Arguido todo o conjunto de factos essenciais nas matérias de facto e de direito, elementos esses que, por norma, constam do auto de notícia e dos documentos que acompanham/complementam o auto de notícia;
16. O douto despacho/sentença recorrido fez por ignorar que o Relatório final da equipa de fiscalização era parte integrante do auto de notícia por contraordenação e que por via disso tenha de ser notificado à Arguida antes da aplicação da sanção;
17. O relatório final da inspecção de fls. 23 a 40 dos autos contém o relato factual de todos as circunstâncias consideradas pela entidade administrativa que permitiram a acusar (e a condenar) a Arguida, desde o acto de fiscalização com a descrição pormenorizada do imóvel, cómodos e seu mobiliário; identificação dos alegados utentes, descrição dos espaços do imóvel da arguida, identificação de testemunhas e agentes de fiscalização, tipo de serviços alegadamente prestados etc., enfim, contém e relata tal documento todo o conjunto de aspectos essenciais para a decisão que vieram a ser vertidos na matéria de facto provada na decisão administrativa e mesmo no despacho recorrido, sendo a par do auto de noticia o principal um elemento documental do processo de contraordenação.
18. Tudo isso é reconhecido pela própria entidade administrativa que, por essa mesma razão, instruiu o auto de notícia com o relatório final inspectivo, conforme expressamente se reconhece na decisão administrativa condenatória constante a fls. 63 e seguintes dos autos e mais concretamente na passagem constante do primeiro parágrafo da página 3 da decisão (página 65 dos autos), passagem cujo teor aqui se considera reproduzido;
19. O relatório referido constitui documento integrante do auto de notícia de fls. 3 dos autos circunstância que escapou ao despacho/ sentença recorrido;
20. O documento/relatório relevava (e muito!) para a defesa da Arguida, tendo esta o direito de conhecer o seu teor em moldes a que pudesse exercer devidamente a sua defesa, fosse para se defender perante a imputação das contraordenações fosse até para proceder ao pagamento voluntário da coima; a lei impõe a obrigatoriedade de notificação ao Arguido do auto de notícia e dos documentos que o instruam em moldes a garantir que o Arguido tenha conhecimento efectivo das matérias de facto e direito relevantes para a decisão
21. Se alguma dúvida restasse em relação á relevância a tirar sobre o valor do referido documento/relatório e da obrigatoriedade da sua notificação à Arguida as mesmas saem resolvidas e esclarecidas no próprio procedimento administrativo e da circunstância de a entidade administrativa ter instruído o auto de contraordenação com tal documento/relatório considerando-o integrante do auto de notícia, o que por si só impunha a obrigatoriedade da sua notificação á Arguida antes da decisão que lhe aplicou a coima;
22. O douto despacho/sentença recorrido labora em lapso ao considerar que o relatório final conduziu à elaboração do auto de noticia e que tal documento tinha existência anterior ao auto de noticia, não é/foi assim, resulta do processo físico remetido aos autos pela entidade administrativa que o auto de notícia foi primeiramente elaborado e só depois foi elaborado o relatório final em moldes a complementar e instruir o auto de notícia;
23. Não se pode aceitar o argumento vertido no despacho recorrido para justificar a desnecessidade de notificação do relatório final da inspecção à Arguida que vem tirado por recurso à literalidade da norma prevista no art. 18º do RPCOLSS; tal preceito, ao referir-se à notificação dos factos tem de ser interpretado – mesmo quando se trata de contraordenações de segurança social propriamente ditas e que não estão em causa nos presentes – com a latitude que é conferida no art. 17º/1 do RPCOLSS, impondo igualmente que os factos que enformam a infração, se contidos em documentos que acompanham, complementem ou integrem o auto em moldes sejam notificados ao Arguido, conferindo-lhe conhecimento efectivo, nos aspectos relevantes na matéria de facto e de direito, em moldes a garantir o cabal exercício dos direitos de defesa; sendo irrelevante a classificação do relatório como documento probatório, devia relevar para a decisão da notificação/não notificação de tal documento a circunstância do mesmo fazer parte do auto de notícia e que continha aspectos relevantes para a apreciação da infracção;
24. No caso dos autos, o Relatório integra o auto de notícia e contém elementos relevantes que tinham de ser obrigatoriamente comunicados ao Arguido aquando da notificação que lhe foi operada para efeitos de defesa a fim de que pudesse exercer todos os seus direitos de forma sã e razoável;
25. O douto despacho/sentença labora em equívoco ao considerar que é a norma do referido art. 18o do RPCOLSS que no caso dos autos rege o conteúdo da notificação a efectuar ao Arguido para efeitos de defesa e que foi considerada no despacho recorrido para justificar a “desnecessidade” de notificação do ajuizado Relatório à Arguida;
26. O art. 18º do RPCOLSS não é a norma (ou pelo menos não é a única norma) que rege a notificação a efectuar ao Arguido para efeitos de defesa no âmbito dos autos em apreço, as infracções imputadas à Arguida não se podem classificar como “infracções Laborais” por não respeitarem a contraordenações praticadas no âmbito de relação jurídica de emprego e também não se podem enquadrar como “infracções de segurança social” por não se tratarem de infracções ao sistema da segurança social;
27. A competência para a tramitação e decisão das contraodenações dos autos é da competência da autoridade administrativa – Instituto da Segurança Social, aplicando- se à sua tramitação com as devidas adaptações o regime processual previsto no RPCOLSS de acordo norma remissiva prevista no art. 38º-K do DL 64/2007;
28. O RPCOLSS dispõe no seu o art. 13º/1 que o auto de notícia e a participação, com as especificidades estabelecidas no seu art. 15º, são elaborados pelos inspectores do trabalho ou da segurança social, dispondo nº 2 da mesma norma que há lugar a auto de notícia quando, no exercício de funções, o inspector da segurança social verificar ou comprovar, pessoal e directamente qualquer infracção a normas sujeitas à fiscalização da respectiva entidade administrativa sancionada com coima: no caso dos autos foi elaborado o auto de notícia contra a arguida nos termos das normas agora citadas;
29. A aplicação adaptada do regime previsto para as notificações do arguido na fase administrativa do processo de contraordenação estabelecido nos referidos arts. 17º e 18º do RPCOLSS impunha que tivessem sido notificados à Arguida quer o auto de notícia por contraordenação quer todos os elementos documentais que integrem o mesmo e mormente o relatório de fls. dos autos que complementa e faz parte do auto de notícia;
30. Pelo que, mal andou o douto despacho recorrido ao considerar que não tinha de se dar contraditório à Arguida sobre elementos documentais do processo, nunca se tratou de conferir direito ao contraditório, mas de dar a conhecer ao arguido, antes da decisão condenatória, de documentos obrigatórios do processo a fim de que pudesse defender-se cabalmente ou mesmo pagar a coima;
31. Ao não terem sido comunicados à Arguida o auto de notícia e o relatório que do mesmo era parte integrante e complementar a entidade administrativa incumpriu o disposto nos art. 17º e 18º do RPCOLSS e violou o disposto no art. 50º do RGCO e art. 32º/10 da CRP, derrogando e prejudicando os basilares direitos de defesa da Arguida;
32. Em consequência do acabado de concluir no ponto que antecede, por não ter sido a Arguida regularmente notificada para exercer o direito de defesa dando-se-lhe conhecimento de todos os elementos relevantes para a sua defesa, é nulo o douto despacho recorrido ao ter validado o comportamento omissivo da entidade administrativa em violação dos direitos de defesa da Arguida; é nulo o processo administrativo por ofensa dos direitos de defesa da arguido, o que deve ser reparado nesta sede recursiva por via da declaração da nulidade do douto despacho/sentença recorrido e da decisão administrativa condenatória com as legais consequências – art. 50º do RGCO, art. 32º/10 da CRP e arts. 119º/1 al. d) e arts. 122º do CPP estes aplicáveis por força das normas remissivas dos arts. 60º do RPCOLSS e 41º do RGCO.
33. Perante a da reduzida factualidade que foi comunicada à Arguida na fase administrativa do processo a mesma apresentou defesa escrita cujo teor consta a fls. 48 a 50 dos autos e cujo teor se considera aqui vertido, requerendo diligências de prova, mormente a prestação das suas declarações e a de duas testemunhas, o que foi recusado pela entidade administrativa com fundamento de que a diligência não revestiria de utilidade ou pertinência, atento que os autos já contêm elementos probatórios suficientes e aptos a produzir a decisão final estribando-se em razões de economia processual, considerando o despacho recorrido validamente justificada a recusa da produção da prova mas nada se dizendo ou adiantando quanto à não inquirição da arguida;
34. A aferição da necessidade/recusa da produção da prova requerida pela arguida em sede de defesa na fase administrativa do processo contraordenacional deve depender do que foi concretamente notificado ao Arguido e daquilo que consta da defesa apresentada pelo Arguido;
35. A entidade administrativa estava obrigada a diligenciar e a praticar os actos e produzir a provas pertinentes ao apuramento da verdade e objecto do processo requeridas pela arguida, não podendo rejeitar infundadamente a realização de diligências probatórias requeridas pelo Arguido fundada em razões de celeridade quando, conforme resulta dos autos, a decisão condenatória foi proferida mais de 4 anos após a apresentação da defesa e quando durante todo esse período nada tramitou nos autos!;
36. A factualidade alegada pela Arguida em sede de defesa na fase administrativa do processo e mormente nos pontos 1 a 13 cujo teor se considera aqui reproduzido assumia-se com relevância para a descoberta da verdade material sendo necessária à defesa razoável da Arguida, designadamente, para aferir a sua concreta participação e responsabilidade nos factos; para aferir as causas de exclusão da ilicitude ou da culpa; relevando para determinação da responsabilidade da Arguida no cometimento da alegada infracção e para a medida da eventual coima a aplicar, não se podendo aceitar que o despacho recorrido tenha validado e aderido à recusa da realização da prova arrolada pela Arguida constante da decisão administrativa, considerando-a desnecessária e inútil quando ao mesmo tempo a decisão administrativa se motivou pela condenação da Arguida com fundamento na falta de prova;
37. Não se pode aceitar e validar o encargo e ónus de alegação que o despacho recorrido impõe à Arguida para justificar a recusa da prova arrolada pela mesma na fase administrativa do processo.;
38. O processo contraordenacional não é dominado pelas partes e pelos ónus de alegar e contradizer, a aplicação das sanções funda-se na acção do arguido e na culpa do mesmo, tendo olvidado o despacho recorrido o que concretamente foi notificada a Arguida e que tal lhe condicionou os direitos de defesa;
39. Quer o despacho recorrido, quer a decisão administrativa condenatória ignoraram a circunstância da Arguida ter requerido a prestação das suas declarações a toda a matéria dos autos, prova que se afigurava diligência relevante para cabal exercício da sua defesa e descoberta da verdade material, o douto despacho recorrido nada apresenta na sua fundamentação que sirva de fundamento válido à recusa da audição da Arguida;
40. Por via da prestação das suas declarações a Arguida podia declarar, esclarecer e requerer o que entendesse conveniente, bem como ser questionada, pela sua defesa e pela entidade administrativa, no respeitante a todos aspectos com relevância para a defesa e decisão a proferir nos autos, relacionando-se a necessidade do depoimento da Arguida (e também das testemunhas) directamente com a matéria alegada em sede de defesa, justificando-se a necessidade da audição da Arguida e das testemunhas;
41. A recusa da audição da Arguida não foi justificada pela entidade administrativa nem pelo douto despacho/sentença recorrido, revelando o contexto dos autos e face ao que lhe foi comunicado para exercer a sua defesa que foi proferida decisão administrativa condenatória sem que se tenha dado possibilidade da Arguida prestar as suas declarações a toda a matéria dos autos, o que equivale à não concessão da possibilidade de exercer, antes de lhe ser aplicada a sanção, os seus direitos de defesa;
42. O que, atendendo ao concreto caso dos autos, constituiu nulidade insanável do processo contraordenacional, enquadrável na al. c) do art. 119º do CPP, aplicável por 
via das normas conjugadas do art. 38º-K do DL 64/2007, art. 60º do RPCOLSS e art. 41º do RGCO;
43. Por força do desiderato concluído anteriormente, é nulo o douto despacho recorrido por validar o entendimento vertido na decisão administrativa condenatória e por não indicar fundamento atendível para a recusa da audição da Arguida em declarações e é nulo o processo administrativo e decisão administrativa condenatória por violação das garantias de defesa da Arguida vertidas no art. 32º/10 da CRP cuja aplicação é directamente aplicável por respeitar a direitos e garantias fundamentais (art. 18º CRP), o que na procedência do presente recurso deve ser declarado com as legais consequências e caso assim se não venha a julgar:
44. Concluiu-se que incorre o despacho recorrido em nulidade por falta de fundamentação e pronuncia sobre as condições económicas da Arguida;
45. A Arguida alegou em sede recursiva o valor dos seus rendimentos, situação económica e a sua incapacidade para liquidar o valor da coima única que lhe foi determinada, para prova disso arrolou duas testemunhas e juntou aos autos o comprovativo da nota de liquidação do seu irs;
46. Por força do art. 18º do RGCO, aqui aplicável por força das normas remissivas constantes do art. 38ºK do DL 2007/2009 e art. 60º do RPCOLSS, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação;
47. A situação económica do agente (e benefício retirado da infracção) assumem-se factos relevantes para a determinação do valor da coima e deviam ter sido ponderados no despacho recorrido, o que não sucedeu;
48. O douto despacho recorrido, conforme consta do seu penúltimo parágrafo, aproposito da medida da coima aplicada à Arguida, limitou-se a considerar que afigura-se-nos que a mesma foi correctamente doseada pela autoridade administrativa, pelo que nada há a censurar;
49. A decisão administrativa condenatória, quanto à situação económica da Arguida apenas refere que a mesma não será de atender nos presentes autos, uma vez que não é conhecida;
50. O despacho recorrido é omisso relativamente à prova/não prova de qualquer aspecto respeitante à situação económica da Arguida não fazendo qualquer referência à mesma, ainda que em tese o juiz pudesse fundamentar validamente a sua decisão quanto a tal factualidade por mera declaração de concordância com a decisão impugnada, o que se não admite e se suscita de forma académica, tem de se concluir que a situação económica da Arguida não foi considerada na decisão administrativa condenatória por a mesma não ser conhecida aquando da prolação da decisão administrativa;
51. Tendo a Arguida suscitado tal questão – situação económica – em sede recursiva deveria o despacho recorrido ter tomado posição sobre o assunto, quer por estar sujeito aos formalismos exigidos para as Sentenças quer porque conheceu do objecto do processo contraordenacional que culminou a aplicação de uma coima de milhares de euros;
52. O despacho/sentença recorrida de se ter pronunciado sobre a situação económica da arguida e de incluir na decisão a enumeração do que a respeito considerava provado e ou não provado com indicação dos meios de prova de sustento à sua decisão, o que não sucedeu;
53. Por força do desiderato acabado de concluir, o douto despacho/sentença recorrido incorre em vício de nulidade por falta de fundamentação da decisão, designadamente, por violação ao disposto nos art. 39º/4 da Lei 107/2009, 64º/4 do RGCO e ainda por violação do disposto nos art. 374/2 e 379/1, als. a) e c) estes últimos do CPP, todos aplicáveis por via das normas remissivas previstas no arts. 38ºK do DL 64/2007, 60º do RPCOLSS e 41º do RGCO, nulidade que expressamente se argui e que deve ser decretada com as legais consequências, mormente invalidando o despacho recorrido e determinando que o tribunal de 1ª instância proceda ao apuramento da situação económica da arguida, daí retirando as legais consequências; 
Mais se concluindo que:
54. Não se alcança do douto despacho recorrido qual foi o percurso lógico e a motivação do tribunal que lhe permitiram considerar provado que a Arguida explora um estabelecimento lucrativo na Rua ..., ..., ..., Povoa de Varzim,
55. A prova de que era cobrada mensalidade no valor de € 700,00/“utente” não permite por si só qualificar como lucrativa a exploração do “estabelecimento”, dependendo tal consideração da prova dos rendimentos da Arguida e do escrutínio que se fizesse do custos associados á alegada exploração do estabelecimento, nada disso consta do douto despacho/sentença recorrido (e nem da decisão administrativa condenatória) não se alcançando que percurso lógico foi percorrido pelo tribunal para considerar provado que a Arguida explora um estabelecimento lucrativo;
56. Igualmente não se compreende o percurso que foi tomado pelo tribunal e ou que concretas provas foram consideradas para considerar não provado o que vem referido sob o ponto b) dos factos não provados (que não se provou que desde a prática dos factos a arguida não tenha sido alvo de qualquer processo de natureza contraordenacional ou criminal), motivando-se o despacho recorrido para o efeito na falta de prova promovida pela arguida e na alegada informação chegada aos autos (sem que a mesma concretamente seja indicada) de que a arguida terá sido alvo de novo processo;
57. Na pendência de impugnação/fase judicial a prova dos factos relevantes, designadamente, para determinação das sanções/coimas, incumbe ao MP nos termos do disposto no art. 47º do RPCOLSS e 72º/1 do RGCO, não tem o arguido o ónus da prova de que não foi alvo de processo contraordenacional ou mesmo criminal após ajuizada acção inspectiva;
58. O tribunal no douto despacho recorrido não indicou qual é a concreta prova em que se estriba para considerar que a Arguida terá sido alvo de novo processo por via de fiscalização ocorrida em 21/09/2023 e a existência/não existência de processos é provada por certidão emitida pela entidade administrativa ou pelo tribunal onde os mesmos pendem; o douto despacho recorrido não só fez errada interpretação da lei e tentou imputar ónus de alegação de factos relevantes para aplicação da sanção e medida da mesma como não indica os concretos elementos probatórios em que se fundou para considerar não provado a factualidade assinalada;
59. Por via do acabado de concluir, o douto despacho/sentença recorrido relativamente ao ponto b) da factualidade não provada incorre também em vício de nulidade por falta de fundamentação da decisão, violando o disposto no art. 39º/4 da Lei 107/2009, 64º/4 do RGCO e o disposto no art. 374º/2 e 379º/1, als. a) e c) estes últimos do CPP, aplicáveis por via das normas remissivas previstas no arts. 38ºK do DL 64/2007, 60º do RPCOLSS e 41º do RGCO, nulidade que deve ser decretada nesta fase recursiva com as legais consequências, mormente determinando que o tribunal de 1ª instância proceda à fundamentação da decisão nos aspectos apontados com todas as legais consequências.
O Ministério Público, em primeira instância, não apresentou alegações.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso, referindo: “não se afigura ausente de fundamentação a decisão em apreço nem desajustado o valor da coima que lhe foi cominada, dentro do mínimo legalmente admissível, ponderado que foi o grau da culpa e ilicitude da sua conduta. Está, assim, destituída de fundamento, na nossa modesta opinião, a alegação de que a sentença padece de nulidade por falta de fundamentação nos termos do artigo 379º, nº 1 alínea a) do Código de Processo Penal, por inobservância do disposto nos artigos 374º, nº 2 ex vi dos artigos 41º, nº 1 e 74º, nº 4 do RGCO. Relembrando que sobre a determinação da medida da coima, a culpa do agente decide da medida da sanção, in casu a censura a fazer ao desvio da conduta omissiva da arguida em relação à conduta padrão atinge alguma intensidade, porquanto o empresário diligente e criterioso não persistiria na exploração do estabelecimento de apoio social sem nunca ter encetado diligências para obter licença de autorização de utilização das instalações para fins de apoio social bem como para obter a licença de funcionamento ou de autorização, nesta última caso a emitir pela Segurança Social. Assim, em consonância com o ponderado na sentença recorrida, tem-se por adequado o montante da coima única fixada.”
A recorrente respondeu ao parecer, reafirmando o alegado no recurso.
Admitido o recurso e corrigido o efeito do mesmo de suspensivo para devolutivo, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (arts. 412º, nº 1, do CPP, por remissão dos arts. 186º-J, do CPT, e 50º, nº 4, do RJCOLSS), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
As questões colocadas pela recorrente consistem em determinar se (1) a decisão é nula por faltar o elemento subjectivo na matéria de facto provada, se (2) a decisão é nula por falta de notificação do relatório final da inspecção e do o auto de notícia por contraordenação, se (3) a decisão administrativa é nula por recusa de diligências de prova requeridas pela arguida, se (4) a decisão é nula por falta de fundamentação e pronúncia sobre as condições económicas da arguida, se (5) a decisão é nula por falta de fundamentação da decisão relativa à fixação da matéria de facto provada e não provada e se (6) existe erro notório na apreciação da prova.

II. Fundamentação de facto
Considerou-se em primeira instância:
“Com interesse para a decisão da causa, estão provados os seguintes factos:
1. A arguida AA explora um estabelecimento lucrativo de apoio social a idosos, sem denominação, a funcionar na Rua ..., ..., ..., Póvoa de Varzim.
2. No dia 10/10/2017, pelas 14:30 horas, no seguimento de uma ação de fiscalização, foi verificado que esse mesmo estabelecimento não dispunha de licença de funcionamento ou de autorização provisória de funcionamento, para funcionar como resposta social de Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), a ser emitida pelo Centro Distrital de Segurança Social do Porto.
3. Na data da fiscalização o referido estabelecimento não dispunha de livro de reclamações nas suas instalações.
4. A arguida nunca encetou diligências com vista à legalização da ERPI na morada dos autos.
5. Na mesma data referida em 2. verificou-se também que a arguida não dispunha de licença de autorização de utilização das instalações para fins de apoio social (ERPI), a ser emitida pela Câmara Municipal ....
6. Na data da fiscalização o estabelecimento referido acolhia quatro residentes, identificados da seguinte forma:
7. Pelos serviços prestados, estes utentes pagam uma mensalidade de €700,00 cada, sendo emitidos os respetivos recibos.
8. A arguida não tem antecedentes contraordenacionais.
9. A arguida é pessoa respeitada no meio social onde se encontra inserida e por seus familiares e amigos.
De resto, não se provou:
a) que a arguida tenha atuado por solicitação de terceiro, convencida que não praticava qualquer ilegalidade;
b) que desde a prática dos factos a arguida não tenha sido alvo de qualquer processo de natureza contraordenacional ou criminal.”

III. O Direito
1. Nulidade da decisão por faltar o elemento subjectivo na matéria de facto provada
Pretende a recorrente ser nula a decisão, porquanto “não foi dado por provado e não se provou qualquer facto ao nível da conduta subjectiva da arguida que permita imputar-lhe a prática dos ilícitos pelos quais acabou condenada (exploração de ERPI e falta de livro de reclamações) seja a título de dolo, seja a título de negligência.”
Sustenta o Ilustre Procurador Geral Adjunto a sentença, da qual consta: “não existe no domínio do processo contraordenacional a obrigatoriedade de serem observados, e nos mesmíssimos termos, os princípios e o regime legal do processo penal, porquanto isso seria transformar um regime subsidiário e auxiliar num regime predominante ou primordial, contrariando a filosofia daquele e os propósitos legislativos (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional nº 469/97; 278/99 e 522/2008)”.
Nos termos do disposto no art. 25º, nº 1, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro (Regime Processual Aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social), a decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém: a) A identificação dos sujeitos responsáveis pela infração; b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d) A coima e as sanções acessórias.
Ora, no âmbito das contraordenações laborais e de segurança social, vem-se entendendo que a falta do elemento subjectivo na decisão administrativa não inquina a mesma, ou a sentença que a confirme, de nulidade.
Refere-se no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 12 de Julho de 2023, processo 54/23.1Y3VNG.P1, acessível em www.dgsi.pt:
“Há que ter presente que porque proferida na fase administrativa – sujeita às características da celeridade e simplicidade processual – o dever de fundamentação deverá assumir uma dimensão qualitativamente menos intensa em relação à sentença penal.
Ou seja, as exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa hão-se ser menos profundas que as relativas aos processos criminais, não se podendo transformar as decisões das autoridades administrativas em verdadeiras sentenças criminais [Vd. a propósito o acórdão do TRE de 14/01/2003, publicado na CJ Ano XXVII, tomo 1, pág. 258, que mantém pertinência embora se reporte ao RGCOC [Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo DL nº 433/82, de 27 de outubro] na medida em que as normas são semelhantes].
Ponto é que ao arguido seja possível perceber os factos que lhe são imputados, como foram obtidos, qual a sanção aplicada e porquê.
Como escrevem António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral [In “Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas”, Almedina, pág. 155, que é aqui pertinente dada a similitude das normas sobre a «decisão condenatória» no RGCOC (art.º 58º) e no RPCOLSS (art. 25º)], o que de qualquer forma deverá ser patente para o arguido são as razões de facto e de direito que levaram à sua condenação, possibilitando ao arguido um juízo de oportunidade sobre a conveniência da impugnação judicial e, simultaneamente, e já em sede de impugnação judicial permitir ao tribunal conhecer o processo lógico de formação da decisão administrativa.
Quanto ao elemento subjetivo, não se nos afigura que nos “factos provados” tenha que constar expressamente que a conduta é negligente, importando sim que os factos apurados permitam concluir que o agente não atuou com a diligência devida, e a decisão efetivamente o conclua.”
No mesmo sentido se pronuncia o acórdão ainda desta Secção Social de 10 de Dezembro de 2019, processo 70/19.8T8VFR.P1, igualmente acessível em www.dgsi.pt, de cujo sumário consta: “Nas contra-ordenações laborais, em que a negligência é sempre punível, o elemento subjectivo – dolo ou negligência – tem de extrair-se da factualidade provada, que integra o elemento objectivo.” Veja-se ainda os acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Junho de 2016, processo 222/16.2T8EVR.E1, de 14 de Janeiro de 2021, processo 558/20.8T8TMR.E1, e de 9 de Junho de 2022, processo 807/21.5T8EVR.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt. Bem como os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 5 de Março de 2020, processo 2481/19.0T8GMR.G1, e de 19 de Janeiro de 2023, processo 1426/22.4T8VCT.G1, ainda acessíveis em www.dgsi.pt.
No caso vertente, provou-se que “A arguida AA explora um estabelecimento lucrativo de apoio social a idosos, sem denominação, a funcionar na Rua ..., ..., ..., Póvoa de Varzim” (facto provado 1), “A arguida nunca encetou diligências com vista à legalização da ERPI na morada dos autos” (facto provado 4), e “a arguida não dispunha de licença de autorização de utilização das instalações para fins de apoio social (ERPI), a ser emitida pela Câmara Municipal ...” (facto provado 5).
Destes factos resulta com evidência que a arguida cometeu a contra-ordenação aqui em causa, pelo menos a título de negligência, que lhe foi imputado, o que é, aliás, admitido pela arguida recorrente na sua contestação. Conforme refere o Exmo. Procurador Geral Adjunto no seu douto parecer, “o empresário diligente e criterioso não persistiria na exploração do estabelecimento de apoio social sem nunca ter encetado diligências para obter licença de autorização de utilização das instalações para fins de apoio social bem como para obter a licença de funcionamento ou de autorização, neste último caso a emitir pela Segurança Social.”
Assim, improcede este fundamento do recurso.

2. Nulidade da decisão por falta de notificação do relatório final da inspecção e do o auto de notícia por contraordenação
Mais pretende a recorrente que a decisão administrativa é nula, bem como a sentença que a sufragou, porquanto não lhe foi comunicado pela entidade administrativa, antes de proferida decisão condenatória,o relatório final da inspecção de fls. 23 e seguintes dos autos, do qual constam todo um conjunto de factos e elementos que serviram a imputação dos ilícitos contraordenacionais e que constituíam aspectos relevantes para a decisão”, o que constitui relevante violação dos seus direitos de defesa”. Acrescentando que “a notificação operada à Arguida se esgota no teor constante das quadrículas e na comunicação telegráfica supra transcrita [de fls. 45], nada mais foi comunicado à Arguida a fim de que exercesse a sua defesa; não lhe foi notificado qualquer documento e mormente o aludido relatório final constante de fls. 23 a 40 dos autos e cujo teor se considera aqui reproduzido; não lhe foi notificado o auto de notícia (constante a fls. 3 a 7 dos autos) ou qualquer elemento documental em moldes a dar-lhe a conhecer, como era seu direito, todos os aspectos relevantes nas matérias de facto e direito relevantes para a decisão em moldes a que se defendesse. A Arguida somente conheceu a existência do auto de notícia e do relatório final da inspecção – não do teor desses documentos – aquando da notificação que lhe foi operada da decisão administrativa condenatória.”
Refere-se na sentença:
“Vem ainda a arguida alegar que foram violados o seu direito de defesa já que não lhe foram dados a conhecer todos os elementos probatórios que informavam as infrações imputadas em moldes que a arguida pudesse exercer plena e cabalmente o seu direito de defesa, por com a notificação efetuada nos termos do art. 18º da Lei nº 107/2009 não lhe ter sido remetida cópia do relatório da ação inspetiva.
O art. 18º da Lei nº 107/2009 dispõe que “o arguido é notificado dos factos que lhe são imputados para, no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento voluntário da coima, ou para contestar, querendo, devendo apresentar os documentos probatórios de que disponha e arrolar testemunhas, até ao máximo de duas por cada infracção.
Este preceito impõe, assim, que ao arguido seja dado conhecimento dos factos que lhe são imputados, e não também das provas já existentes nos autos. Na verdade, em sede de defesa nesta fase do procedimento, o arguido defende-se de factos (e não de meios de prova), não impondo a lei um qualquer contraditório quanto às provas produzidas ou a produzir.
Ora, resultando dos autos que a Autoridade Administrativa cumpriu com este formalismo legal (como resulta da nota de notificação junta aos autos a fls. 48 e 49).”
Não nos merece censura o decidido. Efectivamente, nos recursos de contra-ordenações laborais e de segurança social não é de aplicar o disposto no art. 50º do Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, Regime Geral das Contra-ordenações, com a interpretação constante do acórdão do STJ de fixação de jurisprudência nº 1/2003, publicado no Diário da República, I Série-A, de 27 de Fevereiro de 2003, visto que existem normas expressas, designadamente, no que ao caso interessa, os arts. 15º e 18º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, a identificar o que deve conter o auto de notícia e qual a notificação que deve ser efetuada ao arguido para, querendo, apresentar a sua defesa, conforme acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Junho de 2022, acima referido. Não tem, pois, que se proceder à notificação de todos os elementos referidos no art. 17º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, que tem o mesmo alcance do art. 18º, dar a conhecer ao arguido os factos que lhe são imputados e a respectiva sanção, para que possa proceder ao pagamento voluntário da coima. Só assim se justifica a autonomização do regime previsto no art. 18º, da Lei nº 107/2009, relativamente ao art. 17º, tornando-se desnecessário aquele se o legislador entendesse que o regime seria o mesmo.
É o seguinte o teor do art. 18º, nº 1, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro: O arguido é notificado dos factos que lhe são imputados para, no prazo de 15 dias, proceder ao pagamento voluntário da coima, ou para contestar, querendo, devendo apresentar os documentos probatórios de que disponha e arrolar testemunhas, até ao máximo de duas por cada infracção.
Ora, conforme consta de fls. 44 a 46, a recorrente foi devidamente notificada dos factos que lhe foram imputados, sendo certo que revela na sua contestação ter perfeito conhecimento dos mesmos. De facto consta da descrição dos factos de fls. 45, que a arguida mantinha um estabelecimento a funcionar “sem licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento”, com descrição pormenorizada do acto de inspecção em que se verificou tal facto, e que a arguida referiu na altura que não tinha dado início a qualquer processo de licenciamento. Estes factos são precisamente os que constam do auto de notícia, com relevo para a decisão, uma vez que tudo o mais que consta do auto de notícia e do relatório final, como a própria recorrente refere nas alegações, se reportam às deficientes condições de funcionamento do “estabelecimento” que, no entanto, não determinaram qualquer sanção autónoma à arguida, pelo que não releva a sua falta de comunicação a esta. Neste sentido veja-se ainda o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23 de Novembro de 2023, processo 1872/23.6T8PTM.E1, ainda acessível em www.dgsi.pt. Citando-se o sumário do referido acórdão desta Secção Social de 10 de Dezembro de 2019, “A ausência das garantias do direito de defesa não se reporta à simples omissão do acto de notificação para exercício de tal direito (reconduzível, por conseguinte, uma inexistência “física”), mas a ausência processual, no sentido de impossibilidade do exercício de tal direito.”
Tal entendimento não viola o disposto no art. 32º, nº 10, da Constituição. Conforme se refere no acórdão do Tribunal Constitucional nº 297/2016, de 12 de Maio de 2016, processo 1056/15, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, embora a propósito de questão diferente, “a perspetiva adequada para apreciar a questão de constitucionalidade em causa nos presentes autos, tendo em conta a inegável diferença existente entre os domínios sancionatórios penal e contraordenacional e os ilícitos penais e contraordenacionais. Com efeito, a diferença entre tais domínios sancionatórios e subjacentes ilícitos não permite que se apliquem ao domínio contraordenacional, com o mesmo rigor e extensão, os princípios constitucionais respeitantes ao domínio sancionatório penal, reconhecendo-se ao legislador democrático, naquele domínio contraordenacional uma maior margem de liberdade na determinação dos ilícitos e do respetivo regime substantivo e processual.”
Assim, improcede igualmente este fundamento do recurso.

3. Nulidade da decisão administrativa por recusa de diligências de prova requeridas pela arguida
Invoca também a recorrente a nulidade, ainda por violação do direito de defesa, porquanto “Como bem se alcança da defesa apresentada pela Arguida esta requereu a prestação das suas declarações e a inquirição de duas testemunhas. Sucedeu que a entidade administrativa, saliente-se ao cabo de mais de 4 anos após a apresentação da defesa e volvidos 6 anos da acção inspectiva, dizemos nós, receosa que o decurso do tempo fulminasse o procedimento com a prescrição, veio a surpreender a Arguida com a prolação de decisão condenatória na qual recusou a produção de toda a prova arrolada pela Arguida na sua defesa.” Acrescentando, “Direito de audição da Arguida que a entidade administrativa devia ter sido respeitado e levado a cabo a inquirição da Arguida em observância garantias mínimas de defesa da Arguida constitucionalmente consagrados no art. 32º/10 da Constituição da República Portuguesa (CRP), norma directamente aplicável ao processo contraordenacional por respeitar a direitos fundamentais (cf. art. 18º, nº 1 da Lei Fundamental) que aqui se convoca.”
Consta da sentença, à qual aderiu o Exmo. Procurador Geral Adjunto, a este respeito:
“A arguida foi regularmente notificada para exercer o direito de defesa, nos termos do disposto no art. 18º da Lei nº 107/2009 (e art. 50º do RGCO), com comunicação dos factos indiciados, respetiva qualificação jurídica e sanções aplicáveis, tendo-lhe sido concedido um prazo de 15 dias para contestar os factos e apresentar documentos e/ou arrolar testemunhas (cfr. fls. 48 e 49 dos autos).
Na sequência dessa mesma notificação, a arguida apresentou defesa escrita, pronunciando-se sobre a infração em causa, requerendo as declarações da arguida e indicando duas testemunhas, tendo ainda constituído mandatário (cfr. fls. 51 a 55).
Esta defesa foi expressamente considerada na decisão administrativa.
Relativamente produção da prova apresentada pela arguida, pode ler-se na decisão administrativa, sob a epígrafe “Preterição do Depoimento de Parte e da Audição das Testemunhas” (fls. 90), que “(...) entendeu esta Autoridade Administrativa, no exercício do poder de direção do processo, não proceder à sua audição, porquanto a diligência não revestiria de utilidade ou pertinência, atento que os autos já contêm elementos probatórios suficientes e aptos a produzir a decisão final, nomeadamente o relatório da equipa inspetiva contendo os factos constatados no âmbito das averiguações levadas a efeito junto do estabelecimento, bem como, confirmado no essencial, pelas alegações da arguida, na sua contestação. Nesta medida, após cuidada análise do processo, e face à especificidade da matéria que aqui se cuida provar, a sua audição não seria relevante, nem viria acrescentar algo de novo à instrução dos autos, resultando a diligência num ato processualmente inútil e desnecessário. Por último, reforça-se que esta decisão em nada prejudica a defesa da arguida na medida em que, baseada no princípio da economia processual, tem por fundamento a existência nos autos, de prova suficiente para se aferir dos motivos pelos quais a arguida não e detentora da competente licença de funcionamento para desenvolver a atividade de ERPI.
Nestes termos, cremos que a entidade administrativa fundamentou, de forma válida e adequada, os concretos motivos pelos quais não procedeu à inquirição das testemunhas indicadas pela arguida.
Como a própria refere, a utilidade de tal inquirição prender-se-ia com a alegação da arguida de que teria obtido a informação de “(...) um colaborador da segurança social de que era lícito acolher na sua asa mais de 3 pessoas, até ao limite de 4 pessoas se a quarta pessoa estivesse numa situação provisória e inscrita num lar e aguardasse apenas o seu ingresso no mesmo (o que não constituiria ERPI) (...)”.
No entanto, é certo que em parte alguma de sua defesa a arguida identifica a pessoa que lhe terá transmitido tal informação, em que momento, local e circunstância, nem concretiza (nem junta qualquer comprovativo) qual dos utentes que acolhia estava efetivamente inscrito em alguma ERPI (e qual) na data da ação inspetiva; factos cuja alegação se impunha para que pudesse ser de algum modo relevante a pretendida inquirição de testemunhas, pelo que temos de concordar com a decisão instrutória dos autos tomada pela autoridade administrativa.
Tudo ponderado, podemos afirmar que foi integralmente respeitado o direito de defesa do arguido, pelo que, nenhuma nulidade se verifica nesta matéria.”
Mais uma vez concordamos com a decisão. A mesma está em consonância com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 28 de Setembro de 2023, processo 1335/22.7T8BCL.G1, acessível em www.dgsi.pt, do qual consta:
“Conforme se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6/11/2018, relatado pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador, Dr. João Proença da Costa, e disponível em www.dgsi.pt, “(...) competindo, como compete, à Autoridade Administrativa a investigação e a instrução do processo, nos termos do nº 2, do art. 54º, do RGCO, é a ela que cumpre decidir pela realização ou não das diligências de prova que lhe forem requeridas. E sobre que diligências probatórias terão de ser levadas a cabo pela Autoridade Administrativa, somos de entendimento que só terão de ser realizadas aquelas que se mostrem necessárias para o apuramento da verdade e da boa decisão da causa; todas as demais serão de indeferir, por supérfluas, inúteis. (…)” Assim, improcede a invocada nulidade.”
Em boa verdade a não audição das testemunhas indicadas não está cabalmente fundamentada, conquanto se depreendam, de forma algo mediata, decorrente das razões indicadas como motivação da decisão de facto, as razões da não audição. Contudo, a decisão continha indicação de todos os factos pertinentes e necessários a uma “acusação”, valendo como tal a apresentação por parte do MºPº dos autos ao juiz – artigo 37º do RGCOLSS e 62º do RGCO.
Refere-se no Ac. RE de 21/6/2016, processo nº 170/15.3T8GDL.E1; “decorre do disposto no acima citado artigo 62º, nº 1, do RGCO, havendo impugnação judicial da decisão administrativa, esta vale como acusação, no momento em que o Ministério Público torna os autos presentes ao juiz. Ou seja, não é inteiramente correto determinar se a decisão da autoridade administrativa satisfaz (ou não) todos os requisitos de uma sentença condenatória (nomeadamente se fundamentou devidamente a decisão sobre a matéria de facto), quando é certo que, essa decisão, existindo impugnação judicial da mesma (como sucede in casu), não vale, no processo (até ser judicialmente confirmada), como decisão condenatória, mas tão-só como acusação. Daí o regime menos rigoroso e menos exigente da decisão condenatória da autoridade administrativa, quando comparado com os requisitos que a lei prescreve para a sentença condenatória penal. Havendo impugnação judicial, essencial é que seja submetida à apreciação do julgador uma peça processual que satisfaça os requisitos mínimos duma acusação: identifique o arguido; narre os factos imputados (dessa forma delimitando o objeto do processo); e indique as disposições legais violadas, as sanções aplicáveis e as provas - cfr. art. 283º, nº 3, do CPP – Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.11.2014, processo 720/13.0TBFLG.G1.”
Importa que a decisão permita ao arguido perceber quais as condutas imputadas e as normas punitivas, de forma a poder fazer um juízo sobre a conveniência de impugnar judicialmente, bem como, agora enquanto “acusação”, permitir ao tribunal reapreciar as imputações, permitindo conhecer o iter lógico e racional de formação da decisão administrativa.
Tendo em conta a celeridade e simplificação que anda associada ao regime contraordenacional, em relação como o regime criminal, importa que ao arguido seja permitido o efetivo exercício do seu direito de defesa, perante o juiz, não devendo, por excesso de formalismo, deixar de se apreciar a questão de fundo. O que foi feito.
Vejam-se ainda as referências constantes do douto parecer: No fundo, a arguida não recorre da sentença, invoca nulidades da decisão administrativa. Como consta do Ac. TRC de 06/02/2013, Proc. 471/12.2TBACB.C1 “E, havendo recurso de impugnação, não faz muito sentido continuar a apelar a eventuais falhas da decisão administrativa. A remessa do processo ao juiz inicia uma nova fase, cuja decisão vai esvaziar tudo o que antes foi decidido, nomeadamente na fase administrativa.
Com efeito, o juiz (no âmbito da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa) julga o caso com amplos poderes de substituição, podendo ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação (art. 64º do Dec. Lei 433/82, de 27/10). No processo judicial é produzida a prova necessária, competindo ao juiz determinar «o âmbito da prova a produzir» (art. 72º).
E do sumário do Ac. TRL de 23/03/2023, Proc. 1878/22.2T9FNC.L1-9 “III.–Caso a decisão judicial, proferida no âmbito da impugnação judicial, repare eventuais irregularidades processuais do processo administrativo e/ou da decisão contraordenacional administrativa condenatória, tais irregularidades têm-se por sanadas, em razão do que as mesmas não se repercutem na decisão judicial.”
Assim, quanto à não inquirição das testemunhas indicadas pela arguida na fase administrativa, o certo é que foram as testemunhas ouvidas em julgamento, pelo que não se justifica vir de novo invocar a nulidade/violação do direito de audição prévia por as testemunhas não terem sido ouvidas na fase administrativa. As testemunhas foram ouvidas em julgamento.”
Entendendo não resultar devidamente esclarecida a razão da não audição, nos termos do artigo 123º do CPP aplicável por força do artigo 41º do RGCO e 60º do RPCOLSS, deveria ter suscitado a questão perante a própria autoridade administrativa.
Mesmo ocorrendo nulidade, deveria ter sido arguida, veja-se o artigo 120º, nº 2, alínea d) do CPP. Por outro, a prova foi efetuada em sede de julgamento em primeira instância, pelo que sempre poderia chamar-se à colação o regime de sanação constante do disposto no artigo 121º, 1, c) do CPP – As nulidades ficam sanadas se os interessados “se tiverem prevalecido de faculdade a cujo exercício o ato anulável se dirigia”.
A prova foi ouvida, ponderada, nenhum prejuízo resultando para a recorrente. Assim improcede o alegado.”
No caso, como resulta das alegações de recurso, que a transcreve, a justificação para a não audição da arguida foi profusa e consequente, não se afigurando existir qualquer fundamento para dela divergir. Por outro lado, como se constata da leitura da justificação a fls. 69, contrariamente ao alegado pela arguida recorrente, a mesma reporta-se quer ao depoimento das testemunhas, quer ao da própria arguida, devendo considerar-se as considerações referidas na decisão final no mesmo sentido, uma vez que para aquela remete.
Conforme se refere no sumário do já mencionado acórdão desta Secção Social de 10 de Dezembro de 2019, “Não há violação do direito de defesa quando a arguida foi: (i) notificada do auto de notícia e respondeu; (ii) notificada da decisão administrativa e impugnou-a; (iii) notificada da audiência de julgamento e apresentou os elementos de prova que lhe aprouve, incluindo para provar que não agiu com culpa.”
Tal entendimento não viola o direito de defesa consagrado no art. 32º, nº 10, da Constituição, invocado pela recorrente, uma vez que o mesmo foi assegurado através da audição da arguida, que se pronunciou contestando os factos que lhe foram imputados, não impondo o normativo constitucional a realização das provas requeridas na contestação. Conforme acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de Dezembro de 2018, processo 22/18.5T8ETZ.E1, acessível em www.dgsi.pt.
Assim, também este fundamento do recurso é improcedente.

4. Nulidade da decisão por falta de fundamentação e pronúncia sobre as condições económicas da arguida
Invoca ainda a recorrente a nulidade, por falta de fundamentação e pronuncia sobre as condições económicas da arguida, referindo “Tendo a Arguida suscitado tal questão em sede recursiva estava o despacho recorrido, proferido na sequência da audiência de julgamento, obrigado tomar posição a questão. Com efeito, lido do douto despacho/sentença recorrido constata-se que o mesmo não só não tomou qualquer posição sobre a situação económica da Arguida, a qual releva legalmente para a aplicação da coima, como ainda por cima remeteu a sua decisão para o espaço vazio que a tal respeito se verifica na decisão administrativa, com o que se não pode concordar. (...) De resto, a falta de resposta do tribunal recorrido relativamente à situação económica da Arguida impede-a também de exercer os seus direitos e designadamente de suscitar a aplicação da atenuação especial da sanção.”
Respondeu o Exmo. Procurador Geral Adjunto: “não se afigura ausente de fundamentação a decisão em apreço nem desajustado o valor da coima que lhe foi cominada, dentro do mínimo legalmente admissível, ponderado que foi o grau da culpa e ilicitude da sua conduta.”
Consta da sentença:
“Foi aplicada à recorrente/arguida uma coima única no valor de €20.250,00 (com sanção acessória de encerramento do estabelecimento e publicação da decisão) por se ter considerado que a mesma cometeu, a título de negligência, uma contraordenação muito grave prevista e punida pelo nº 1 do art. 11º do DL nº 64/2007, de 14/03, com as alterações do DL nº 99/2011, de 28/09, e do DL nº 33/2014 de 4/3 e uma contraordenação prevista e punida pela al. a) do nº 1 do art. 3º e al. a) do nº 1 e nº 4 do art. 9º do DL nº 165/2005, de 15/9, alterado e republicado em anexo ao DL nº 371/2007, de 6/11.
O Decreto-Lei nº 64/2007, de 14 de março, republicado pelo Decreto-Lei nº 33/2014, de 4 de março, estabelece o regime de licenciamento e de fiscalização da prestação de serviços dos estabelecimentos de apoio social em que sejam exercidas atividades e serviços do âmbito da segurança social relativos a crianças, jovens, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como os destinados à prevenção e reparação das situações de carência, de disfunção e de marginalização social.
O art. 11º deste Decreto-Lei prescreve que os estabelecimentos abrangidos pelo presente decreto-lei só podem iniciar a actividade após a concessão da respectiva licença de funcionamento, sem prejuízo do disposto nos artigos 37º e 38º (nº 1). A instrução do processo e a decisão do pedido de licença de funcionamento são da competência do Instituto da Segurança Social, I.P. (nº 2).
O início de actividade do lar para idosos sem a obtenção de licença ou autorização provisória de licenciamento constitui uma contraordenação muito grave, nos termos dos arts. 39º-B, alínea a), e 39º-E, alínea a), do Decreto-Lei nº 64/2007, de 14 de março, a que corresponde a coima de €20.000,00 a €40.000,00.
O bem jurídico directamente protegido é a saúde das pessoas, como resulta do preâmbulo do Decreto-Lei nº 64/2007, de 14 de Março, onde impressivamente se afirma: “com efeito, os tipos de ilícitos actualmente previstos exigem uma reformulação no sentido de uma melhor adaptação à realidade e à legislação entretanto publicada, procurando que os mesmos sejam dissuasores da prática de ilícitos, em particular do exercício da actividade sem licenciamento e de situações de negligência e maus tratos, com carácter de reincidência. A necessidade de combater estas práticas ilícitas sancionando-as de forma rigorosa é premente, particularmente no que concerne ao exercício ilegal de actividades de apoio social, que funcionam ao arrepio dos mais elementares direitos dos cidadãos, adultos e crianças ou jovens institucionalizados, e que o Estado tem o dever de proteger, regulando mais eficazmente, porque envolvem pessoas em situação de grande vulnerabilidade social”.
Nos autos resulta provado que em 10/10/2017 ocorreu uma acção inspectiva ao espaço explorado pela arguida, tendo sido constatado que o mesmo acolhia quatro idosos e que se encontrava a funcionar sem alvará/licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento.
Atendendo ao disposto no art. 5º, nº 3, do DL nº 391/91, de 10/10, e porque a arguida acolhia mais de três idosos, o espaço que explora com a atividade de acolhimento de idosos tem de se considerar uma estrutura residencial para pessoas idosas, estando assim sujeita ao regime legal do DL nº 64/2007, alterado e republicado pelo DL nº 33/2014, de 4/3, e, consequentemente, à obrigação de licenciamento e autorização de utilização previstos e regulamentados no Capítulo II e III deste Decreto-Lei.
Ora, considerando que a arguida explorava estabelecimento que constituía uma estrutura residencial para pessoas idosas sem estar licenciada nem dispor de licença de utilização, bem como sem dispor de livro de reclamações, e de concluir que, na verdade, a arguida praticou as coimas que lhe foram imputadas.
Assim, e tendo em conta os critérios fixados no artigo 39º-I, do DL nº 64/2007 na redacção introduzida pelo DL nº 33/2014, e nos arts. 18º e 19º do RGCO, para a determinação da concreta medida das coimas e da coima única, afigura-se-nos que a mesma foi correctamente doseada pela autoridade administrativa, pelo que nada há a censurar.”
Nos termos do art. 18º, nº 1, do RGCO, aqui aplicável por força da remissão contida no art. 60º da Lei nº 107/2009, de 14 de Outubro, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que esta retirou da prática da contra-ordenação.
Sobre a questão em apreço, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa por acórdão de 21 de Fevereiro de 2024, processo 1383/23.0T8TVD.L1-4, acessível em www.dgsi.pt, nos seguintes termos:
“23.–No que respeita à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de mérito (nulidade prevista no artigo 410º nº 2 – a) do CPP), a recorrente defende que o Tribunal a quo devia ter indagado qual a situação económica da arguida, ordenando a junção das suas declarações de rendimentos mais recentes, indagado quais as suas despesas, o seu agregado familiar e que benefícios obteve com a prática da infracção.
24.–Na fixação da medida concreta da coima o Tribunal deve levar em conta os seguintes factores: a gravidade da contraordenação, a culpa, a situação económica do agente e o benefício que retirou da prática da contraordenação – cf. artigo 30ºI nº 1 do DL 64/2007.
25.–A este propósito, importa sublinhar que a arguida não alega que a exploração do estabelecimento de creche aqui em causa não tivesse finalidade lucrativa, o que teria por efeito reduzir a metade os limites mínimos e máximos da medida da coima – cf. artigo 39º G do DL 64/2007. Pelo contrário, apurou-se que a exploração da creche pela arguida tinha finalidade lucrativa (cf. factos provados 1 a 5). Nesse contexto, afigura-se que a prova da situação económica da arguida e do benefício económico que retirou, apesar de não terem relevo enquanto condições de punibilidade, podiam ter sido abrangidos pelo âmbito da prova, se o Tribunal o tivesse ordenado oficiosamente ou a requerimento da arguida ou do Ministério Público – cf. artigo 47º nºs 1, 2 e 3 da Lei 107/2009.
26.–Porém, apesar de o âmbito da prova não ter abrangido tais factos, é forçoso constatar que o Tribunal a quo fixou a medida da coima em 20 000,00 euros que é o limite mínimo previsto no artigo 39ºE-a) do DL 64/2007, aplicável às infracções dolosas e com finalidade lucrativa, como a que aqui está em causa. Pelo que, fica afastada a aplicação, quer do disposto no artigo 39ºG do DL 64/2007 (que prevê a redução dos limites mínimos e máximos da coima aplicável quando não existe finalidade lucrativa), quer do disposto no artigo 17º nº 4 do RGCO (ex vi artigos 39ºE, 39ºG, 39ºK do DL 64/2009 e 60º da Lei 107/2009), que prevê a redução a metade do montante máximo da coima aplicável quando a infracção é negligente e a lei, relativamente ao montante máximo, não distinguir o comportamento negligente do doloso. Isto porque, por um lado, provou-se a finalidade lucrativa da creche explorada pela arguida e, por outro lado, provou-se o dolo (eventual) da arguida.
27.–Nesse contexto, tendo o Tribunal a quo optado por fixar a medida concreta da coima no limite mínimo abstractamente aplicável, a produção de prova sobre a situação económica da arguida e sobre o benefício que retirou da prática da infracção tornou-se inútil por não ser possível, com base nessa prova, caso viesse a ser produzida, fixar a medida concreta da coima abaixo do limite mínimo legalmente previsto em que já foi fixada.
28.–Em consequência, nos termos do artigo 130º do Código de Processo Civil (aplicável ex vi artigos artigo 4º do CPP, 50º nº 4 e 60º da Lei 107/2009, 39ºK nº 1 do DL 64/2007 e 41º nº 1 do RGCO), é inútil a produção da prova aqui em causa. Com efeito, ainda que essa prova viesse a ser produzida, a medida concreta da coima não poderia ser fixada em valor inferior ao que já foi.
29.–Motivos pelos quais não existe a alegada falta de fundamentação da sentença recorrida, nem a mesma infringe os artigos 207º e 208º da CRP ou os artigos 374º e 375º do CPP, improcedendo, assim, este segmento da argumentação da recorrente.”
Transpondo este entendimento, que perfilhamos, para o caso dos autos, constatamos que a coima foi aplicada pelo seu mínimo e a pretendida prova da situação económica da arguida seria insuficiente, por si só, para determinar a invocada atenuação especial da pena, atento o disposto no 72º do Código Penal.
Relativamente à determinação da medida da pena, refere Américo Taipa de Carvalho, em Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, Teoria Geral do Crime, 2ª edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pág. 62, “o problema, quando se fala dos fins da pena, que são “fins-meios” ou fins imediatos, é o de saber como é que a pena há-de ser escolhida (pelo legislador e, depois, dentro do permitido pela lei, pelo juiz, e determinada, em ordem a realizar-se aquela função ou finalidade (última) de protecção, no futuro, dos bens jurídicos lesados, não se esquecendo, obviamente, o imperativo constitucional da máxima restrição possível da pena, consagrado no art. 18°-2 da CRP.”
A propósito da atenuação especial da coima, considerou-se no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17 de Janeiro de 2022, processo 12808/21.9T8PRT.P1, acessível em www.dgsi.pt:
“O artigo 18º, nº 3, do RGCO preceitua que “quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos a metade”.
Quanto à atenuação especial da pena, dispõe-se no artigo 72º do Código Penal que o Tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (nº 1) – enumerando depois o nº 2 diversas dessas circunstâncias.
Para Figueiredo Dias, a atenuação especial da pena tem subjacente a necessidade de uma «válvula de segurança» do sistema para responder a situações especiais em que «existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao “complexo” normal de casos» [Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, 1993, pág. 302], sendo que o «princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e, portanto, das exigências de prevenção». [idem, pág. 303] [Também a Jurisprudência, na mesma linha da Doutrina, tem evidenciado a excecionalidade da aplicação do instituto, citando-se a título meramente exemplificativo o Ac. STJ de 15 Julho de 2015, in www.dgsi.pt]”
Ou seja, “para a aplicação deste instituto o que releva, como vimos, são as circunstâncias que demonstrem, in casu, a acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena e não as previstas no artigo 18º, nº 1 do RGCO” (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de Março de 2015, processo 162/14.0TBVIS.C1, ainda acessível em www.dgsi.pt).
Assim, improcede ainda aqui o recurso da arguida.

5. Nulidade da decisão por falta de fundamentação relativa à fixação da matéria de facto provada e não provada
Invoca ainda a recorrente a nulidade por falta de fundamentação da matéria do facto provado 1 e do não provado sob a al. b), referindo “a Arguida não alcança o percurso lógico e motivação do tribunal que lhe permitiu considerar provado que a Arguida explora um estabelecimento lucrativo na Rua ..., ..., ..., Povoa de Varzim. (...) a prova de que era cobrada mensalidade no valor de € 700,00 não permite por si só qualificar como lucrativa a exploração do “estabelecimento”, dependendo tal consideração que se fizesse prova do rendimento desse estabelecimento e dos custos associados em moldes a encontrar o “lucro” e ou que se motivasse concretamente a decisão nesse particular aspecto em moldes a que se alcance o que para tanto foi considerado pelo tribunal, nem uma coisa constam do douto despacho/sentença recorrido.”
Consta da sentença, na parte que aqui releva: “Para a prova dos factos acima elencados foram relevantes as das Sras. Inspetoras BB e CC, que procederam à ação inspetiva e elaboraram o auto de notícia na sequência dos factos que diretamente percecionaram e dos factos que lhes foram diretamente transmitidos pela arguida. As testemunhas DD, Presidente da Junta de Freguesia ..., ... e ..., e EE, amiga da filha da autora, atestaram das qualidades humanas da arguida. Os demais factos resultaram não provados por deles não ter sido feita qualquer ou bastante prova.”
Conforme refere o Ilustre Procurador Geral Adjunto, no seu douto parecer:
“O recurso é restrito à matéria de direito pelo que se deve considerar definitivamente assente a matéria de facto.
Com efeito, dispõe o artigo 201º do CPT «Remissão» «A impugnação judicial de decisão de autoridade administrativa que aplique coimas e sanções acessórias em processo laboral segue os termos previstos na Lei nº 107/2009, de 14 de setembro, que estabelece o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de segurança social
Por sua vez, dispõe a Lei 107/2009, de 14 de setembro, no nº 4 do seu artigo 50º «regime do recurso» «4 - O recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultem desta lei.»
E dispõe, no seu artigo 51º, sob a epígrafe «Âmbito e efeitos do recurso» «1 - Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.»
Finalmente dispõe o artigo 60º «Direito subsidiário» «Sempre que o contrário não resulte da presente lei, são aplicáveis, com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações.»
Ora, em face das disposições legais transcritas não há qualquer dúvida que o recurso interposto para o Tribunal da Relação do recurso da decisão de impugnação da autoridade administrativa não versa matéria de facto, já que a segunda instância só conhece matéria de direito.
Acresce que o regime subsidiário da Lei 107/2009, de 14 de setembro, como decorre do seu artigo 60º é o regime previsto no DL 433/82 de 27 de outubro, onde no seu artigo 75º, se prevê regime em tudo idêntico ao previsto no artigo 51º transcrito.”
Ora a decisão relativa à matéria de facto está devidamente fundamentada, como se constata da transcrição acima. Refere-se, a propósito, no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9 de Novembro de 2023, processo 933/23.6T8VCT.G1, acessível em www.dgsi.pt:
“O citado artigo 410º, 3, CPP, ressalva a possibilidade de ocorrerem outros vícios de nulidade que não só os previstos no nº 2 da norma processual penal, remetendo-se para a lei processual civil.
Assim, remetidos que estamos para o artigo 615º, 1, CPC, este refere que é nula a sentença quando “(...) b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”; O normativo reporta-se a vício de falta de motivação que pode atingir a sentença/decisão quando dela não conste a factualidade que suporta a decisão e/ou a interpretação e aplicação do direito – 607º/3/2, CPC. Diga-se que a nulidade da sentença por falta de fundamentação apenas ocorrerá quando o tribunal a omita totalmente no plano dos factos e/ou do direito em que ancorou a decisão de mérito.
Em especial no que se refere à fundamentação da decisão de facto, na sentença deve constar a matéria provada (os factos) e a motivação que sustenta a decisão (meios probatórios) e no direito deve constar referência ao instituto, regime e/ou norma aplicável ao caso.
Como se referiu, só a ausência total ou absoluta de fundamentação/motivação integra vício de nulidade[Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p. 435-6]. A decisão deve ter o seu elemento principal e não ser arbitrária. Deve demonstrar quais são as suas premissas, quais as razões dadas ao caso para ser aquela a decisão e não outra. A decisão deve também adequar-se ao caso, sua simplicidade ou complexidade. Deve igualmente sopesar-se se é um despacho que incide sobre questão mais simples, ou se é a sentença que dirime a quezília principal.”
Quanto aos demais argumento aduzidos pela recorrente, não se subscrevem os mesmos. Efectivamente, o fim lucrativo não depende da existência de lucros, ou do montante destes, podendo mesmo existir com exploração deficitária do estabelecimento.
Assim, soçobra também este fundamento do recurso.

6. Erro notório na apreciação da prova
Finalmente, argumenta a recorrente que “não se consegue compreender o percurso que foi tomado pelo tribunal e que provas foram consideradas para considerar não provado o que vem referido sob o ponto b) dos factos não provados, isto é, que não se provou que desde a prática dos factos a arguida não tenha sido alvo de qualquer processo de natureza contraordenacional ou criminal. (...) Salvo melhor opinião, em processo contraordenacional, na fase judicial do processo, a prova dos factos relevantes para determinação da sanção ao arguido e medida da sanção incumbem ao MP (o comportamento anterior e posterior da Arguida constitui facto relevante para a determinação das sanções aplicáveis), não tem o arguido o ónus da prova (quanto mais que tenha de fazer prova negativa de tais factos) de que não foi alvo de processo contraordenacional ou mesmo criminal – art. 47º do RPCOLSS e 72º/1 do RGCO, aplicáveis por via do disposto no art. 38º-K do DL 64/2007. O certo é que o tribunal no douto despacho recorrido não indica qual é a concreta informação constante dos autos em que se estriba para considerar que a Arguida terá sido alvo de novo processo por via de fiscalização ocorrida em 21/09/2023, sendo certo que, a existência/não existência de processos é provada por certidão emitida pela entidade administrativa ou pelo tribunal onde pender tal alegado processo.”
Consta da sentença: “No que respeita ao facto constante da alínea b), nenhuma prova foi feita pela arguida (havendo, pelo contrário informação nos autos que a arguida terá sido alvo de novo processo de contraordenação no seguimento de ação inspetiva realizada em 21/9/2023 e por funcionamento de ERPI sem licença).”
A matéria é irrelevante, atento o referido acima sob o ponto 4 deste acórdão. De todo o modo, não ocorre a apontada nulidade.
O erro notório na apreciação da prova, “verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Aqui não está em causa a credibilidade que o tribunal a quo deu à prova em que baseou a decisão, mas antes com o constatar do texto da sentença recorrida de forma patente, de modo que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, que foram dados factos como provados (ou como não provados) que, face às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado (ou não poderiam não se ter verificado) ou são contraditados por documentos que fazem prova plena. Assim, é um erro ostensivo, tendo de esse vício de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito [Vd. acórdão do STJ de 02/02/2011, consultável em www.dgsi.pt processo nº 308/08.7ECLSB.S1]” (acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 03 de Outubro de 2022, processo 5506/21.5T8MTS.P1, ao que se supõe, não publicado).
Ora, no caso, ainda que se possa considerar como incorrecta a fundamentação, não dispondo o tribunal de prova bastante para considerar o facto em questão como provado, só podia levar o mesmo à matéria de facto não provada. Aliás, a matéria relevante foi considerada como provada no facto provado 8.
Em conclusão, improcede totalmente o recurso.

IV. Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Porto, 3 de Fevereiro de 2025
Rui Penha
Sílvia Saraiva
Maria Luzia Carvalho