Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
38/23.0T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO VILARES FERREIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CONTRATO SOB CONDIÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP2024040938/23.0T8MTS.P1
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Tendo as partes subordinado a um acontecimento futuro, incerto e lícito a produção dos efeitos jurídicos de um contrato de arrendamento, traduzido na desocupação do arrendado por quem até então vinha assumindo a qualidade de arrendatário, a não verificação daquela condição por causa que não possa imputar-se ao senhorio exime este da obrigação de indemnizar o arrendatário por prejuízos sofridos com a não execução do contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROCESSO N.º 38/23.0T8MTS.P1

[Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 1]

Relator: Fernando Vilares Ferreira

Adjuntos: João Diogo Rodrigues

Alexandra Pelayo

SUMÁRIO:

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EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes da 2.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I.

RELATÓRIO

1.

AA intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB.

Alegou, em síntese, que celebrou um contrato de arrendamento com a Ré, mediante as cláusulas e condições que descreve, mas que, de forma unilateral, a Ré, senhoria, rescindiu o dito contrato em momento prévio ao início da respetiva vigência convencionada, procedendo à devolução do valor de 1.100,00 euros que a Autora já tinha pago a título de 1.ª renda; tal rescisão é ilegal, não cabendo em nenhuma das causas de cessação de um contrato de arrendamento; a Ré incumpriu o contrato celebrado com a Autora, ficando esta impedida de usufruir do locado; em consequência da conduta ilícita da Ré, a Autora teve vários prejuízos, traduzidos nomeadamente na compra de bens móveis que já não puderam ser utilizados, ficou impedida de comprar um cão, teve que arrendar um imóvel sem as mesmas condições do da Ré e sofreu ainda de ansiedade e noites sem dormir, portanto sofrendo também danos de natureza não patrimonial.

Pediu que:

a) Se declare a rescisão unilateral operada pela Ré como ilícita, ilegal e injustificada;

b) Se condene a Ré a pagar à Autora a quantia de 13.200,00€, à qual se deverá deduzir a quantia já transferida de 1.100,00€;

c) Alternativamente, caso o peticionado na alínea b) não seja procedente, se condene a Ré no pagamento à Autora da quantia de 5.605,44€; e

d) Se condene a Ré no pagamento à Autora nos juros de mora, vencidos (desde a data da resolução unilateral) e vincendos, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.

2.

A Ré contestou, invocando que tudo se passou na fase pré-contratual; que foi convencionada condição no sentido de que o contrato só produziria os seus efeitos se o anterior arrendatário saísse do locado; tal condição não se verificou, pelo que o contrato em causa não chegou a produzir efeitos; concluiu no sentido de que deverá improceder a ação, com a condenação da Autora a título de litigância de má fé.

3.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO:

[Termos em que julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência:

a) condeno a ré a pagar à autora a quantia de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, a contar desde a presente sentença, até integral pagamento;

b) absolvo a ré do demais pedido formulado contra si pela autora;

c) julgo improcedente o pedido de litigância de má fé suscitado pela ré, dele absolvendo a autora.

Custas:

Condeno autora e ré nas custas do processo, na proporção dos respetivos decaimentos (art. 527º nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil).]

4.

Inconformada, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, admitido com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, versando matéria de facto e de direito, assente nas seguintes CONCLUSÕES:

A. Por um lado, a nulidade pela discrepância com os factos não provados b) a n), pois, tais foram dados como provados não ponderando os factos provados de 28 a 41, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC.

B. E, nas páginas 21 e 22 o Tribunal a quo pronuncia-se sobre o pedido da Autora de direito a danos não patrimoniais condenado a Ré no pagamento de 1.500,00€, omitindo quais os concretos factos provados que considerou para decidir o Direito nesse sentido, inclusive o preenchimento dos requisitos, sendo que quanto aos factos provados em 13 e 19 a 27, sem mais concretização ou especificação, o Tribunal a quo remete apenas para as declarações de parte da Autora e depoimento da testemunha filha da Autora, enfermando das nulidades previstas nas alíneas b) e c) do nº 1 do art.º 615.º do Código de Processo Civil, uma vez que existe omissão nos factos e Direito, bem como contradição entre os fundamentos e a decisão.

C. Por outro lado, a impugnação dos factos não provados em b) a n) e a impugnação dos factos provados em 13, 25 e 27.

D. Existe um flagrante discrepância com os factos não provados b) a n), pois, tais foram dados como provados não ponderando os factos provados de 28 a 41.

E. Além disso a prova documental apresentada nos autos pela Autora: Documento n.º 1 – Informação predial simplificada; Documento n.º 2 – Caderneta; Documento n.º 3 – Outro contrato de arrendamento; Documento n.º 4 – Mensagens; Documento n.º 5 + Documento n.º 6 – Devolução sinal de 1.100,00€ dia 13-05-2023; mensagem; Documento n.º 7 – Carta enviada; Documento n.º 8 – Factura mobiliário; Prova documental Ré: Documento n.º 1 – Caderneta matricial; Documento n.º 2 – Contrato de arrendamento em vigor; Documento n.º 3 – Recibo renda CC; Documento n.º 4 – Mensagens; Documento n.º 5 – Distância entre locais.

F. Ainda o requerimento da Autora com documento de 14-09-2023, em que se demonstra que o imposto de selo em causa tem o n. ..., tendo sido submetido à AT a 06/06/2023, sendo que o contrato em causa teve o seu início a 01/06/2022 e foi alterado a 01/08/2023 por aumento da renda (vid. doc. 1) e a listagem de todos os recibos de renda emitidos até esta data sobre tal contrato (doc. 2).

G. As declarações de parte e depoimento de parte da Autora, (12-10-2023 14:20 15:04 00:44:01) 01:48-02:09, 02:10-02:19, 02:20-02:27, 02:29-02:39, 04:00-04:07, 04:15-04:50, 04:15-04:50, 05:05-05:27, 05:58-06:30, 06:34-06:40, 06:40-06:41, 06:52-07:42, 08:37-09:40, 09:48-10:30, 10:37-10:57, 11:10-12:14, 12:52-13:40, 17:17-17:20, 18:00-18:35, 19:00-19:25, 20:24-21:00, 21:40-22:40, 23:40-23:45, 23:45-25:11, 28:24-29:10, 29:35-30:00, 31:00-31:10, 31:12-31:40, 31:55-32:05, 32:04-32:08, 32:10-32:20, 32:20-32:25-, 33:25-33:40, 33:40-34:00, 34:10-34:33.

H. A testemunha DD, filha da Autora (12-10-2023 15:06 15:20 00:13:40): 01:30-01:33, 02:18-02:20, 02:20-02:33, 02:50-02:54, 02:55-04:12, 04:40-05:20, 07:00-07:10, 11:10-11:15, 11:16-11:30, 12:40-12:45, 12:45-12:48.

I. A testemunha Arq.º EE (15:20 15:25 00:05:03): 01:13-01:35, 01:50-01:57, 02:30-02:45.

J. A testemunha FF (15:27 15:57 00:30:32): 01:55-02:57, 03:15-03:25, 03:49-04:21, 05:40-06:10, 07:00-07:18, 08:10-08:12, 08:12-08:16, 08:30-08:33, 08:33-08:42, 08:58-09:07, 10:18-11:35, 12:40-12:47, 14:05-14:10, 14:12-14:45, 15:38-15:53, 15:41-15:58, 16:10-16:45, 16:20-17:00, 17:48-18:20, 18:21-18:25, 18:26-18:29, 18:38-19:03, 19:03-19:05, 19:04-19:10, 19:15-19:20, 19:19- 19:21, 21:20-21:30, 24:36-24:40, 24:40-25:03, 25:05-25:15, 25:32-27:05, 28:10-28:35.

K. A testemunha CC (15:58 16:20 00:22:26): 01:25-01:30, 01:25-01:35, 01:43-01:53, 02:08-02:14, 02:10-05:00, 05:20-05:35, 05:40-06:10, 07:25-07:40, 07:45-07:50, 07:50-07:55, 08:46-09:50, 11:00-11:05, 11:06-11:53, 12:11-12:16, 12:17-12:20, 13:05-13:10, 13:11-13:15, 18:28-18:43.

L. A testemunha GG (16:21 16:26 00:04:54): 00:39-00:50, 01:08-01:15, 01:40-01:45, 01:46-01:55, 02:25-02:29, 02:29-02:35, 03:48-04:12, 04:12-04:20, 04:20-04:25, 04:25-04:40.

M. Ou seja, ponderando os factos provados de 28 a 41 da Sentença, com a prova documental e prova testemunhal produzida, deverão ser dados como provados os factos não provados b) a n).

N. Dos mesmos resulta que houve uma negociação do contrato na fase pré-contratual, com a condição dos Arrendatários que lá se encontravam saírem do arrendado, condição essa da qual dependeria o contrato e que não se verificou.

O. Não se tendo verificado a condição prevista pelas partes, o acordo e contrato entre as partes não chegou a produzir os seus efeitos, com as consequências daí advindas,

P. Ou seja, não se verificaram os alegados danos patrimoniais dos artigos 13, 25 e 27 dos factos provados da Sentença.

Q. De resto, conforme se pode extrair o Tribunal a quo apenas retirou tais factos das declarações de parte da Autora, com interesse evidenciado nos autos, bem como do depoimento da testemunha sua filha, sendo omisso quanto a qualquer outra prova documental e/ou testemunhal para serem dados como provados tais factos 13, 25 e 27 e que, ainda por cima, conforme se evidencia, não consequentes dos factos provados em 28 a 41 da Sentença e dos factos não provados em b) a n) da Sentença.

R. Assim, deveriam ser dados como provados os factos não provados em b) a n) da Sentença, tendo presente os factos provados em 28 a 41, a prova documental e testemunhal produzida.

S. E como factos não provados os factos provados 13, 25 e 27 da Sentença, consequentemente e no referido contexto e ausência de demais prova, com os fundamentos acima invocados.

T. Por último, tendo sido evidenciada a condição nos termos dos factos provados em 28 a 41, a prova documental e testemunhal produzida (e, consequentemente, os factos não provados em b) a n) da Sentença).

U. Resulta que houve uma negociação do contrato na fase pré-contratual, com a condição dos Arrendatários que lá se encontravam saírem do arrendado, condição essa da qual dependeria o contrato (e que não se verificou).

V. Aliás de qualquer modo dos factos provados resulta que a Autora teve conhecimento e foi previamente informada da referida condição dos Arrendatários que lá se encontravam saírem do arrendado, conformando-se coma mesma, na expectativa dela se vir a concretizar.

W. Também a Autora estava vinculada pelo anterior contrato de arrendamento celebrado com o Sr. CC, Arrendatário da Ré, o qual ficou demonstrado que não foi cessado.

X. A Autora sempre soube da referida condição para a efectivação do contrato de arrendamento.

Y. Mal andou a Sentença recorrida tendo presente os art.ºs 270.º, 275.º do Código Civil,

Z. A este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 1429/06.6TBALQ.L1-8, de 16-06-2011, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/0b64ecdf0bd3b30f802578ca0053a057?OpenDocument, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 632/20.0T8FAF.G1, de 27-05-2021, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/b5e13546b79adbbb802586f6004fa529?OpenDocument.

AA. Ademais sempre se diga que um contrato pode ser integrado, nos termos do art.º 239.º do Código Civil, considerando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 898/14.5TBCBR.C1.S1, de 07-12-2016, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/395A996690C98CAE8025808200546DD9.

BB. E como supra já se aludiu o contrato estava dependente de uma condição suspensiva, no entanto verificou-se no mesmo a existência de uma lacuna, conforme o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 1784/05.5TBGRD.C1, de 29-04-2008, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/359535f8423aec7480257442004f5c24?OpenDocument.

CC. Assim, demonstrados os factos integradores da essencialidade e respectiva cognoscibilidade, por constituírem requisitos de relevância do erro, verifica-se que sempre o contrato de arrendamento seria anulável (cfr. art.ºs 251.º e 247.º, ambos do Código Civil).

DD.  Ademais se diga que tal erro é referente à base do negócio, e quanto a este prescreve o art.º 252.º, n.º 2 do Código Civil que “Se, porém, recair sobre as circunstâncias que constituem a base do negócio, é aplicável ao erro do declarante o disposto sobre a resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias vigentes no momento em que o negócio foi concluído.”

EE. Não se tendo verificado a condição prevista pelas partes, o acordo e contrato entre as partes não chegou a produzir os seus efeitos, com as consequências daí advindas, inclusive no plano jurídico e Direito aplicável, nos termos acima expostos.

FF. A Autora carece totalmente de razão de facto e de Direito inclusive quanto a danos patrimoniais e não patrimoniais.

GG. Pelo que deverá ser revogada a decisão recorrida, no Direito aplicável, consubstanciado nos respectivos factos, e substituída por outra que julgue os presentes autos não provados e improcedentes.

5.

Contra-alegou a Autora, pugnando pela improcedência do recurso, formulando para tanto as seguintes conclusões:

1.ª Compulsada toda a matéria de facto provada e não provada, não existe qualquer nulidade da sentença recorrida, uma vez que todos os pontos julgados estão perfeitamente fundamentados e alicerçados em prova documental e testemunhal.

2.ª Ao invés das alegadas nulidades invocadas, o pretendido pela Recorrida é que o Tribunal a quo deveria ter tomado como bom e válido o depoimento da testemunha, Sr. FF e como maus todos os restantes depoimentos.

3.ª Daí que e sem necessidade de grandes considerações, não assiste qualquer razão ao invocar tais nulidades, dado que, se por um lado ficou bem demonstrado em Tribunal a não existência de qualquer condição negociada, mais a mais quando nada resulta do contrato de arrendamento assinado,

4.ª Por outro lado, todos os concretos prontos da matéria de facto provada e não provada estão devidamente fundamentados pela sentença recorrida.

5.ª Pelo que, deverá improceder, nesta parte, as conclusões da Recorrente, por não se verificarem e não terem sido provadas.

6.ª Continuando, a Recorrente não cumpre com o previsto no art. 640º n. 1 al. b) do Cód. de Proc. Civil, uma vez que não indica quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, porquanto, apenas se limita a transcrever, partes das declarações/depoimentos prestados em sede de Audiência de Julgamento, não indicando os pontos, em concreto, pelo que, nesta parte, o recurso não deverá ser apreciado.

7.ª Sem prescindir, atendendo às transcrições efectuadas no recurso ora apreciado, verificamos que, a existir razão de queixa da douta sentença proferida e ora em crise, seria da Recorrida, dado que deveria ter ido ainda mais além na condenação da Recorrente.

8.ª Sendo que a Recorrente não alega e/ou trás no seu recurso factos e pontos em concreto que levem a uma alteração dos pontos n.s 13, 25 e 27 dos factos provados e als. b) a n) dos factos não provados, uma vez que, com o devido respeito, toda a matéria está devidamente fundamentada e a prova e/ou não prova da mesma está fundamentada na sentença em crise.

9.ª Uma vez que, está vastamente provado nos autos que, se tivesse existido tal condição, a mesma seria levada ao contrato e, na sequência da mesma, seria assinado ou não (podemos afirmar que não seria, dado que a Recorrida assim o afirmou em Tribunal).

10.ª Não se provando a existência de tal condição, nenhuma matéria de facto deverá ser alterada, devendo ser mantida a sentença recorrida.

11.ª Por fim, alega a Recorrente que existiu um erro de julgamento erro esse que mais não é do que a preconizada alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, pelo que, com o devido respeito, tal parte do recurso é redundante e repetitiva, daí que não deverá ser apreciada.

12.ª Contudo e sem prescindir, mais um vez se refere que, impunha-se à Recorrente provar em sede de Audiência de Julgamento que existiu alguma condição de validade do referido contrato de arrendamento, mas não conseguiu provar tal facto, aliás, provou-se até o seu contrário.

13.ª Nunca a Recorrente conseguiu explicar (provar) qual o motivo para, hipoteticamente falando, se existisse tal condição, porque não foi colocada no contrato de arrendamento, mais a mais quando o interlocutor da Recorrente era Advogado, o que mais faz reafirmar a bondade da decisão recorrida.

14.ª Consequentemente, não existe qualquer erro de julgamento, dado que o Tribunal a quo percebeu todos os factos que lhe foram submetidos a julgamento, julgou os mesmos de forma critica e fundamentada e,

15.ª A existir algum erro, seria em desfavor da Recorrida, uma vez que a douta sentença do Tribunal a quo peca sim, mas por defeito, ou seja, deveria a Recorrente ter sido condenada nos moldes peticionados pela Recorrida.

16.ª Pelo que, em face do supra concluído, deverá improceder, totalmente, o douto recurso da Recorrente, por não provado, mantendo-se, integralmente, a douta sentença recorrida.

17.ª Por via de tal manutenção da sentença recorrida, deverá a Recorrente ser condenada, integramente, nas custas devidas pela apresentação do mesmo.

II.

OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de questões nelas não incluídas, salvo se forem de conhecimento oficioso (cf. artigos 635.º, n.º 4, 637.º, n.º 2, 1.ª parte, e 639.º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPCivil).

Assim, partindo das conclusões das alegações apresentadas pela Apelante, as questões carecidas de decisão são as seguintes:
a) Se a decisão recorrida padece de vício de nulidade, tendo por base o disposto no art. 615.º, n.º 1, als. b) e c), do CPCivil;
b) Se existem razões válidas para modificar a decisão da matéria de facto, por erro de julgamento, nos segmentos apontados pela Recorrente; e
c) Se se justifica a alteração da solução jurídica dada ao caso pela 1.ª instância, de modo a concluir-se pela total improcedência da ação, o que convoca para discussão a temática da “condição” enquanto cláusula acessória típica respeitante à produção dos efeitos do negócio jurídico (cf. art. 270.º do CCivil).

III.

FUNDAMENTAÇÃO

1.

Da invocada nulidade da sentença

A Apelante defende que a sentença recorrida padece de vício de nulidade, nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. b) e c), do CPCivil, por não especificar, por um lado, os fundamentos de facto e direito que justificam a condenação em indemnização a título de danos não patrimoniais, e por outro, porque a fundamentação jurídica está em contradição com os factos dados como provados e não provados, existindo ainda contradição entre os factos julgados provados e descritos sob os respetivos pontos 28) a 41) e os factos julgados não provados descritos sob as respetivas als. b) a n).
É manifesta a falta de razão da Apelante.
Com efeito, com base na norma da al. b) do cit. artigo, desde há muito que os nossos tribunais vêm entendendo, de forma pacífica, que apenas a falta absoluta de fundamentação, e já não a falta de fundamentação suficiente, de facto ou de direito, tornam a decisão judicial nula, o que não é manifestamente o caso.
Quanto à norma da al. c), a invocação pela Apelante parece cingir-se à primeira parte – “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão” –, e no sentido de que a solução acolhida pelo tribunal não é consentida pelos factos julgados provados, ou então pela existência de contradição entre factos julgados provados e não provados.
Ora, a nulidade em questão tem a ver com uma contradição lógica entre a fundamentação jurídica e a decisão, e não entre factos e a aplicação do direto aos mesmos, ou mesmo entre factos provados e não provados, regendo neste último caso o normativo do art. 662.º, n.º 2, al. c), do CPCivil.

Citando J. LEBRE DE FREITAS: “Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade de sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada conclusão jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se[1].

No caso dos autos, a sentença proferida está em linha com a fundamentação jurídica que dela consta.

Saber se o direito foi ou não mal aplicado pela Exma. Juíza de Direito é já questão de mérito, que nada tem a ver com questões formais, como são todas as que dão justificação à norma do art. 615.º do CPCivil.

Improcede, pois, a arguição da nulidade da decisão recorrida.

2.

OS FACTOS

2.1.

Factos provados

O Tribunal a quo julgou provados os seguintes factos:

1 – Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial a favor da ré a fração, designada pela letra “DI” a que corresponde o 10.º andar esquerdo com entrada pelo n. ... da Rua ..., em ... – Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o n. ...-DI da freguesia ..., concelho de Matosinhos e inscrita na Repartição de Finanças de Matosinhos sob o art- ...-DI da União de Freguesias ... e ..., concelho de Matosinhos, conforme documentos 1 e 2 juntos com a petição inicial.

2 – Através de um documento denominado “contrato de arrendamento com prazo certo”, outorgado a 9 de maio de 2022, a ré deu à autora de arrendamento, o prédio descrito em 1), contrato esse celebrado pelo prazo de 1 ano, com início a 01/06/2022, cuja renda mensal era de 1.100,00€, conforme documento 3 junto com a petição inicial.

3 – De acordo com as informações transmitidas pela ré, nos dias 30 ou 31 de maio de 2022 poderia tomar posse do locado, uma vez que estava arrendado, mas seria deixado devoluto.

4 – Apesar do contrato de arrendamento ter sido outorgado a 9 de maio de 2022, já estava tudo acertado desde o dia 21 de março de 2022, por acordo verbal.

5 – Tudo foi negociado presencialmente, num café, pela autora, sua filha DD, a ré, o ex-marido da ré, FF e GG, então inquilina do imóvel arrendado à autora.

6 – Estavam todos convictos que o casal constituído por CC e GG iriam sair do locado nos finais de maio de 2022.

7 – Nessa data, 21 de março de 2022, a autora, por saber que o imóvel estaria arrendado quase até final do mês de maio de 2022, colocou a hipótese do mesmo ter inicio apenas a 1 de julho de 2022 (uma vez que nessa data ainda tinha a hipótese de prolongar o arrendamento do imóvel onde vivia por mais um mês), mas foi referido que um outro imóvel da ré que estava em obras e para onde os inquilinos (aquela data) iriam arrendar estaria pronto antes dessa data, o que levou a autora a orientar toda a sua vida para essa data (finais de maio de 2022).

8 – Apesar de referir na cláusula 4ª nºs 3, 4 e 5 do contrato referido em 2) que, com a assinatura do contrato seriam pagas 3 rendas (sendo uma de caução, outra o mês de junho de 2022 e outra que se imputaria à renda de maio de 2023), por acordo entre ambos, foi entregue a quantia de 1.100,00€, correspondente à renda de junho de 2022 e as restantes duas rendas seriam pagas aquando da entrega do imóvel, conforme documento 4 junto com a petição inicial.

9 – Porquanto a autora queria o contrato escrito, a ré acedeu a outorgar, por intermédio de FF, seu ex-marido, o contrato referido em 2).

10 – A autora, na data da assinatura do contrato de arrendamento referido em 2), era inquilina num outro prédio (sito na Rua ..., ..., em ...), cujo arrendamento incluía todos os móveis, que o teria que entregar até ao dia 31 de maio de 2022, uma vez que lhe foi garantido logo em março de 2022 que até essa data o locado acima referido estaria devoluto de pessoas e bens, pelo que, logo após o dia 21 de março de 2022 começou a procurar e adquirir móveis para mobilar o imóvel arrendado e comprometeu-se na entrega do imóvel que ainda tinha arrendado até ao dia 31 de maio de 2022.

11 – O prédio em causa estava arrendado, sendo que a ré, o seu ex-marido e os próprios inquilinos informaram a autora que até ao dia 30/31 de maio de 2022, ficaria livre de pessoas e/ou bens.

12 – No dia 12 de maio de 2022, o ex-marido da ré telefona à autora    informando-a que queria devolver a renda paga e que o contrato tinha ficado “sem efeito”, uma vez que o inquilino que estava no locado não o iria entregar no dia 31 de maio de 2022.

13 – A autora ficou preocupada, sem saber o que fazer dado que, a pouco mais de 15 dias de passar a usufruir do locado, foi informada que não iria para o imóvel, por decisão unilateral da ré, tendo a autora, que se encontrava em trabalho em Viseu, deslocado imediatamente para o Porto para tentar saber o que se estava a passar, tendo, inclusive, entrado em contacto com o Sr. CC que era (e ainda é inquilino) no prédio supra descrito por forma a tentar saber o que tinha acontecido.

14 – Para o efeito, a ré, por meio do seu ex-marido invocou perante a autora que estava “…dentro do prazo para rescindir tal contrato”.

15 – Anda nesse dia 12 de maio, o ex-marido da ré reuniu com a autora, tendo apresentado uma ou duas de possíveis soluções, com recurso a outros imóveis próprios e a imóveis de amigos.

16 – Essas outras opções não satisfaziam a autora, por questões de segurança, pois a sua filha iria passar largos períodos sozinha no mesmo.

17 – Sem que a autora pedisse, no dia 13 de maio, o ex-marido da ré enviou uma mensagem à autora onde a informou (e enviou comprovativo) que já lhe tinha transferido os 1.100,00€ pagos alegando, ainda um acordo mútuo na rescisão, conforme documentos 5 e 6 juntos com a petição inicial.

18 – A autora não acordou nessa rescisão.

19 – A Autora, logo após o dia 21 de março de 2022 (após visitar o imóvel e verificar as dimensões), começou a adquirir móveis e decorações para o mesmo.

20 – Assim, no dia 24 de março de 2022, adquiriu precisamente para este imóvel, os bens constantes da fatura nº ..., no valor de 605,44€, precisamente para este imóvel, conforme documento 8 junto com a petição inicial.

21 – A autora tinha intenção de adquirir um cão uma vez que o imóvel em causa tinha terraço.

22 – A autora acabou por arrendar um outro imóvel, noutro prédio, que é mais pequeno, não fica no último andar e não tem terraço como o da ré.

23 – O terraço e a localização no último andar da fração da ré faziam toda a diferença para a autora.

24 – Alguns dos móveis que comprou não servem na casa atual.

25 – Até encontrar um novo imóvel (no dia 19 de maio de 2022), a autora efetuou visitas a imóveis, alguns indicados pelo ex-marido da ré, o que a impediu de trabalhar, lhe trouxe ansiedade, noites sem dormir, tudo devido à expectativa de não ter onde residir após o dia 1 de junho de 2022, aliás, até deixou o trabalho a 12 de maio e deslocou-se imediatamente ao Porto.

26 – No dia 31 de maio de 2022 a autora tinha que entregar o imóvel que tinha arrendado, sito na Rua ..., ..., em ....

27 – A autora estava ainda a vivenciar a tristeza da filha que ficou triste porque já estava convencida que tinham uma nova casa para viver e como esta andava em exames no ..., não a podia preocupar mais com o que quer que fosse relativamente à busca de uma nova habitação (habitação essa que teria que ser segura o suficiente, uma vez que a filha da autora permanecia períodos sozinha em casa).

___

28 – Através de um contrato com o título “Contrato de Arrendamento para Fim Habitacional”, outorgado em 07-02-2020 a ré deu de arrendamento a CC, o prédio descrito em 1), pelo prazo de 5 (cinco) anos, com eventuais renovações sucessivas de 2 (dois) anos, com início a 01-04-2020, pela renda mensal de € 800,00 (oitocentos euros), conforme documento 2 junto com a contestação.

29 – Em meados de fevereiro de 2022 o referido CC, arrendatário da ré, comunicou a esta que era sua intenção mudar para um outro imóvel, com outras condições.

30 – O dito arrendatário ainda tinha o seu contrato com a ré em vigor até 31-03-2025 e não comunicou qualquer aviso prévio para a cessação do contrato de arrendamento.

31 – Ainda em meados de fevereiro de 2022, o arrendatário disse à ré que iria encontrar uma outra pessoa para ocupar o locado, dado a sua intenção de sair do mesmo, e uma vez que não queria pagar o valor da cessação contratual prevista na cláusula 10ª do contrato de arrendamento celebrado entre si e a ré.

32 – O dito arrendatário CC, por sua iniciativa, em data que não podemos precisar, mas que terá sido em finais de fevereiro de 2022, colocou um anúncio no site OLX para procurar um outro arrendatário para a fração da ré.

33 – Entretanto, a autora viu esse anúncio e entrou em contacto diretamente com o arrendatário CC.

34 – O arrendatário comunicou à autora as condições do imóvel bem como o preço da renda.

35 – A autora comunicou ao CC o seu interesse pelo imóvel, mas foi informada pelo mesmo que só poderia entrar quando aquele saísse, o que estava a contar ocorrer no final de maio de 2022.

36 – Nos termos do acordado em 2), estipulou-se que na data da assinatura, a autora teria de entregar à ré o valor correspondente a 3 rendas (sendo uma relativa a caução, outra relativa ao mês de junho de 2022 e outra relativa ao mês de maio de 2023),

37 – Acordou-se entre autora e ré, na outorga do contrato referido em 2), que a autora apenas pagaria, naquela data, o valor correspondente à renda de junho de 2022, e os restantes valores seriam pagos apenas com a entrada da autora no locado, quando viesse a acontecer.

38 – Em 12-05-2022, o CC, arrendatário da ré, comunicou a esta que afinal já não iria sair do locado, nem para o prédio/local que tinha inicialmente pensado ir, nem para qualquer outro imóvel, mantendo-se no arrendado.

39 – Sabendo que o arrendatário CC já não iria sair do locado, a autora contactou-o, pedindo-lhe que aquele mudasse de ideias, conforme email datado de 13/05/2022, documento 4 junto com a contestação.

40 – O CC não mudou de ideias e decidiu continuar no imóvel.

41 – Onde permanece até ao dia de hoje.

42 – A autora acabou por mudar do arrendado que se encontrava, na Rua ..., ..., para a mesma Rua ..., em ..., Matosinhos.

2.2.

Factos não provados

O tribunal de que vem o recurso julgou não provado que:

a) O arrendatário CC também esteve presente na reunião referida em 6).

b) Houve uma negociação do contrato na fase pré-contratual, com a condição dos arrendatários que lá se encontravam saírem do arrendado, condição essa da qual dependeria o contrato.

c) Não se tendo verificado a condição prevista pelas partes, o acordo e contrato entre as partes não chegou a produzir os seus efeitos.

d) Apenas em inícios de março é que a ré teve contacto com a autora, a qual sempre insistiu para que se assinasse um contrato de arrendamento, embora tivesse conhecimento e lhe tenha sido previamente informada a referida condição dos arrendatários que lá se encontravam saírem do arrendado,

e) A ré sempre explicou e deixou bem claro à autora que não havia necessidade de assinarem imediatamente o contrato de arrendamento, em virtude da referida condição previamente informada e esclarecida à autora.

f) A autora bem sabia e se conformou com a referida condição para a realização do contrato de arrendamento.

g) A ré sempre explicou à autora que o contrato de arrendamento entre elas estava dependente dessa condição e que sem essa condição qualquer novo contrato de arrendamento não poderia produzir efeitos de modo algum.

h) As partes subordinaram a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos de qualquer novo contrato de arrendamento, o que constitui uma condição.

i) A autora estava vinculada pelo contrato de arrendamento celebrado com o CC, arrendatário do imóvel.

j) O contrato de arrendamento referido em 2) só foi celebrado por insistência da autora, o qual teria início caso se viesse a verificar a referida condição.

k) Dado que o início do contrato de arrendamento estava condicionado à saída do arrendatário, a ré não quis que a autora pagasse a integralidade do valor referido em 36).

l) Autora e ré sabiam perfeitamente que esta fase de negociação pré-contratual estava dependente da condição de o arrendatário sair do locado.

m) A autora tinha conhecimento da condição acima referida, desde o início da negociação, ainda com o arrendatário, e sempre aceitou a condição.

n) Tudo ocorreu ainda numa fase de negociações, o contrato nunca chegou a iniciar, porquanto o seu início estava previsto para o dia 1 de junho de 2022, mas sempre sujeito à condição de o arrendatário CC sair do imóvel.

2.3.

Da impugnação da matéria de facto

2.3.1.

Antes de mais, importa dizer que, ao invés do que parece defender a Apelada nas suas contra-alegações, a Apelante cumpre satisfatoriamente os ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, previstos no art. 640.º, n.º 1, do CPCivil, e daí que se mostrem asseguradas as condições formais para conhecermos do recurso nessa matéria.

Segundo dispõe o art. 662.º, n.º 1 do CPCivil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos dados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

À luz deste preceito, “fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”.

O Tribunal da Relação usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância, nos termos consagrados pelo art. 607.º, n.º 5, do CPCivil, sem olvidar, porém, os princípios da oralidade e da imediação.

A modificabilidade da decisão de facto é ainda suscetível de operar nas situações previstas nas diversas alíneas do n.º 2 do art. 662.º do CPCivil.

De todo o modo, como vem sendo reiteradamente afirmado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, “não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, nº 1, 137.º e 138.º, todos do C.P.C.)”[2].

Não esquecer, ainda, que o que se espera ver vertido no elenco dos factos relevantes são apenas factos concretos, e não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos (art. 607.º, n.º 4, do CPCivil). Ou seja, factos enquanto premissas de um juízo conclusivo, num ou noutro dos sentidos defendidos pelas partes, ou até eventualmente num terceiro sentido afirmado pelo tribunal por via do princípio do inquisitório.

Como se deixou bem sublinhado no Ac. da RE de 28.06.2018[3], “sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objeto da ação, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado”.

Com efeito, pese embora no atual CPCivil não exista norma como a do n.º 4 do art. 646.º do CPCivil de 1961, que considerava “não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito”, tal “não significa, obviamente, que seja admissível doravante a assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto”[4].

2.3.2.

Do invocado erro de julgamento

A Apelante começa por deixar bem esclarecido que considera incorretamente julgados os factos descritos nas alíneas b) a n) do elenco da materialidade não provada, assim como os factos descritos nos pontos 13), 25) e 27) do elenco da materialidade provada.

Quanto aos factos não provados descritos sob as alíneas b) a n) – [b) Houve uma negociação do contrato na fase pré-contratual, com a condição dos arrendatários que lá se encontravam saírem do arrendado, condição essa da qual dependeria o contrato. c) Não se tendo verificado a condição prevista pelas partes, o acordo e contrato entre as partes não chegou a produzir os seus efeitos. d) Apenas em inícios de março é que a ré teve contacto com a autora, a qual sempre insistiu para que se assinasse um contrato de arrendamento, embora tivesse conhecimento e lhe tenha sido previamente informada a referida condição dos arrendatários que lá se encontravam saírem do arrendado, e) A ré sempre explicou e deixou bem claro à autora que não havia necessidade de assinarem imediatamente o contrato de arrendamento, em virtude da referida condição previamente informada e esclarecida à autora. f) A autora bem sabia e se conformou com a referida condição para a realização do contrato de arrendamento. g) A ré sempre explicou à autora que o contrato de arrendamento entre elas estava dependente dessa condição e que sem essa condição qualquer novo contrato de arrendamento não poderia produzir efeitos de modo algum. h) As partes subordinaram a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos de qualquer novo contrato de arrendamento, o que constitui uma condição. i) A autora estava vinculada pelo contrato de arrendamento celebrado com o CC, arrendatário do imóvel. j) O contrato de arrendamento referido em 2) só foi celebrado por insistência da autora, o qual teria início caso se viesse a verificar a referida condição. k) Dado que o início do contrato de arrendamento estava condicionado à saída do arrendatário, a ré não quis que a autora pagasse a integralidade do valor referido em 36). l) Autora e ré sabiam perfeitamente que esta fase de negociação pré-contratual estava dependente da condição de o arrendatário sair do locado. m) A autora tinha conhecimento da condição acima referida, desde o início da negociação, ainda com o arrendatário, e sempre aceitou a condição. n) Tudo ocorreu ainda numa fase de negociações, o contrato nunca chegou a iniciar, porquanto o seu início estava previsto para o dia 1 de junho de 2022, mas sempre sujeito à condição de o arrendatário CC sair do imóvel.] –, a Apelante parece defender uma certa contradição com os factos julgados provados descritos nos pontos 28) a 41).

Antes de mais, importa dizer que a matéria vertida sob as citadas alíneas c), h), i), j) (segunda parte) e n) assume tão só natureza jurídico-conclusiva, e daí que, pelas razões a que aludimos supra, não possa figurar no elenco da factualidade relevante, seja como provada ou não provada, não podendo como tal ser considerada.

Por sua vez, a matéria vertida nas mencionadas alíneas d), e), f), g), j) (primeira parte), k), l) e m), tem-se por repetitiva e desnecessária, em face do único facto que consideramos essencial constante do elenco dos factos provados: o descrito sob a alínea b) – [Houve uma negociação do contrato na fase pré-contratual, com a condição dos arrendatários que lá se encontravam saírem do arrendado, condição essa da qual dependeria o contrato.].

Vejamos, então, se perante a factualidade julgada provada, mas também tendo por base os meios de prova que a Apelante especifica, designadamente as declarações de parte da Autora e dos depoimentos das testemunhas DD, EE, FF, CC e GG, nos segmentos objeto de gravação e que transcreveu, e ainda com base nos documentos que indica, especialmente os designados por contratos de arrendamento e “mensagens” (documento n.º 4).

Da análise conjugada dos elementos probatórios especificados pela Apelante, não nos restam dúvidas de que a assinatura do contrato de arrendamento em questão foi antecedido de vicissitudes negociais que se prolongaram durante período de tempo considerável e com intervenção de terceiros com papel significativo no estabelecimento das condições contratuais.

Da negociação estabelecida, dúvida alguma nos fica quanto ao facto de as partes apenas terem assinado o contrato em causa no dia 9 de maio de 2022, no pressuposto de que o imóvel objeto do mesmo ficaria disponível para ser ocupado pela arrendatária Autora a partir de 1 de junho de 2022, e que tal só sucederia no caso de um outro contrato que se mantinha vigente sobre o mesmo imóvel habitacional, que tinha como arrendatário a testemunha CC, cessasse os seus efeitos antes daquele dia 1, com a entrega do imóvel à Ré, condição que era do pleno conhecimento de ambas as partes, de cuja verificação dependeria para ambos a produção dos efeitos do contrato.

O que deixámos dito até aqui mostra-se desde logo consentâneo com a factualidade julgada provada e descrita sob os respetivos pontos 4) a 6): [3. De acordo com as informações transmitidas pela ré, nos dias 30 ou 31 de maio de 2022 poderia tomar posse do locado, uma vez que estava arrendado, mas seria deixado devoluto. 4. Apesar do contrato de arrendamento ter sido outorgado a 9 de maio de 2022, já estava tudo acertado desde o dia 21 de março de 2022, por acordo verbal. 5. Tudo foi negociado presencialmente, num café, pela autora, sua filha DD, a ré, o ex-marido da ré, FF e GG, então inquilina do imóvel arrendado à autora. 6. Estavam todos convictos que o casal constituído por CC e GG iriam sair do locado nos finais de maio de 2022] (sublinhado nosso).

Sendo indesmentível que tal condição acabou por não ser inserida no texto do contrato, seguro se nos apresenta também que tal não sucedeu porque as partes em algum momento tenham pretendido coisa diferente, mas apenas porque não o consideraram necessário, em virtude da relação de confiança que entre elas se estabeleceu.

Tudo isto se retira até sem especial dificuldade das próprias declarações prestadas pela Autora em audiência de julgamento, que reconheceu ter-se interessado pelo arrendamento no seguimento de um primeiro contacto com o então arrendatário CC, que lhe assegurou que iria deixar o arrendado a tempo, esclarecendo ainda que o contrato em questão apenas lhe foi “entregue pelo Dr. FF” (testemunha FF), porque ela própria “insistiu muito, pois estava à espera há quase dois meses, (…) precisava de ter alguma coisa por escrito”.

Indiciador também de uma certa pressa na assinatura do contrato, e simultaneamente das preocupações das partes em torno da incerteza com a verificação do evento futuro essencial - desocupação do arrendado enquanto condição de produção dos efeitos do contrato -, apresentam-se-nos ainda os factos julgados provados e descritos nos pontos 36) e 37), dos quais decorre que, não obstante ter ficado escrito no contrato que “na data da assinatura, a autora teria de entregar à ré o valor correspondente a 3 rendas (sendo uma relativa a caução, outra relativa ao mês de junho de 2022 e outra relativa ao mês de maio de 2023)”, acabaram as partes por acordar, “na outorga do contrato, que a autora apenas pagaria, naquela data, o valor correspondente à renda de junho de 2022, e os restantes valores seriam pagos apenas com a entrada da autora no locado, quando viesse a acontecer”.

Neste conspecto, e com base num juízo de maior probabilidade do acontecer fundado nos ditos meios de prova, com respeito à matéria vertida sob a al. b) do elenco dos factos julgados provados em 1.ª instância, julgamos que se justifica dar como provado, passando a integrar o ponto 43) do elenco dos factos provados, o seguinte:

- O contrato mencionado em 2) foi celebrado no pressuposto, conhecido mutuamente, de que o local arrendado, no dia 1 de junho de 2022, já não se encontraria ocupado pelo arrendatário CC, e para produzir efeitos apenas nessa situação.

Já relativamente à impugnação da factualidade julgada provada e descrita sob os pontos 13) – 25) – e 27), os argumentos expendidos pela Apelante são de todo inapropriados para justificar qualquer alteração à decisão recorrida, a qual se mostra suficientemente fundamentada, tendo por base o princípio da livre apreciação da prova.

Concluímos, assim, pela parcial procedência do recurso em matéria de facto.

 3.

OS FACTOS E O DIREITO

3.1.

A matéria de facto julgada provada dá-nos conta de que entre a Autora, na qualidade de inquilina, e a Ré, na qualidade de senhoria, em 9 de maio de 2022, foi celebrado um contrato de arrendamento habitacional, tendo o início da respetiva vigência sido diferido para 1 de junho de 2022.

Significa isto, desde logo, que as partes convencionaram um termo inicial suspensivo, com previsão no artigo 278.º do Código Civil[5].

À estipulação do referido termo, “é aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 272.º e 273.º, do que decorre, no “período da pendência”, a obrigação de proceder segundo a boa fé, a cargo de uma das partes, a fim de não comprometer a integridade do direito da outra, bem como poderá a parte interessada praticar actos conservatórios do seu direito”[6].

Do “termo” distingue-se a “condição”, também ela cláusula acessória típica, mas que supõe um evento incerto, conforme noção que nos é dada pelo artigo 270.º: “As partes podem subordinar a um acontecimento futuro e incerto a produção dos efeitos do negócio jurídico ou a sua resolução: no primeiro caso, diz-se suspensiva a condição; no segundo, resolutiva”.

No caso que nos ocupa resultou ainda provado que as partes apenas celebraram o dito contrato no pressuposto, conhecido mutuamente, de que o local arrendado, no dia 1 de junho de 2022, já não se encontraria ocupado pelo arrendatário CC, por então já ter cessado o contrato que justificava tal ocupação, e para produzir efeitos apenas nessa situação.

Tal significa que tanto a Autora como a Ré apenas quiseram vincular-se em termos de um contrato de arrendamento destinado a permitir a habitação da primeira, na condição de o local arrendado vir a ficar disponível para o efeito a partir de 1 de junho de 2022, em razão da desocupação por quem até então vinha assumindo a qualidade de arrendatário.

Resultou assim estabelecida também uma condição para a produção dos efeitos do negócio jurídico em causa, a qual, sendo possível, é também lícita, por não ser contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes (cf. art. 271.º “a contrario”).

Sucede que na pendência dos ditos “termo” e “condição”, mais exatamente no dia 12 de maio de 2022, escassos três dias após a assinatura do contrato, a Ré, por intermédio do seu ex-marido, levou a conhecimento da Autora que queria devolver a renda paga e que o contrato tinha ficado “sem efeito”, uma vez que o inquilino que estava no locado não o iria entregar no dia 31 de maio de 2022. E no dia seguinte devolveu efetivamente à Autora os 1.100 euros que esta havia entregue a título de renda.

A questão que se coloca é, pois, se tal comportamento da Ré, assumido num momento em que o contrato celebrado com a Autora não havia iniciado a produção dos seus efeitos, é merecedora da qualificação de ilícita, nomeadamente por violação do princípio da boa fé, sempre presente, como é sabido, quer na negociação dos contratos, quer na sua execução, conforme dispõem, respetivamente, os arts. 227.º e 762.º, n.º 2.

Ora, a resposta só pode ser negativa.

Na verdade, pode mesmo dizer-se que a Ré se pautou por princípios de lisura negocial, na medida em que logo que tomou conhecimento de que a condição estabelecida para a produção dos efeitos do contrato não se iria verificar, como efetivamente não se verificou, como decorre da factualidade vertida nos pontos 38) a 40) do elenco dos factos provados, disso informou a Autora,   possibilitando-lhe desse modo organizar a sua vida em conformidade e prevenindo a ocorrência de maiores transtornos em função da não concretização das expetativas criadas em torno da efetivação do arrendamento.

Lembrando o artigo 275.º: “1 – A certeza de que a condição se não pode verificar equivale à sua não verificação. 2 – Se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada”.

Resumindo para concluir: tendo as partes subordinado a um acontecimento futuro, incerto e lícito a produção dos efeitos jurídicos do contrato de arrendamento que celebraram, e não tendo esse acontecimento ocorrido, sem que possa imputar-se à Ré a não ocorrência, nenhum comportamento ilícito e culposo se vê que possa gerar a obrigação de a Ré indemnizar a Autora nos termos determinados pela sentença recorrida.

Procede, pois, o recurso em matéria de direito, com a consequente revogação da decisão recorrida e absolvição da Ré quanto à totalidade do pedido deduzido pela Autora.

3.2.

Tendo dado integralmente causa às custas da ação e deste recurso, a Autora/Apelada constituiu-se na obrigação de as suportar (cf. arts. 527.º, nºs 1 e 2, do CPCivil, e 1.º do RCProcessuais).

IV.

DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, na procedência do recurso, decidimos:
a) Revogar a decisão recorrida;
b) Julgar improcedente a ação e, consequentemente, absolver a Ré da totalidade do pedido deduzido pela Autora; e
c) Condenar a Autora/Apelada no pagamento das custas da ação e deste recurso.


***
Porto, 9 de abril de 2024
Os Juízes Desembargadores,
Fernando Vilares Ferreira
João Diogo Rodrigues
Alexandra Pelayo
________________
[1] CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO, 2.º volume, 3.ª edição, pp. 736-737.
[2] Cf. Ac. RG de 15.12.2016, relatado por MARIA JOÃO MATOS no processo 86/14.0T8AMGR.G1, acessível em www.dgsi.pt.
[3] Relatado por FLORBELA MOREIRA LANÇA no processo 170/16.6T8MMN.E1, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Cf. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES e outros, ob. cit., p. 746.
[5] São deste Código todas as normas doravante citadas sem menção em contrário.
[6] Cf. CARLOS ALBERTO DA MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição Atualizada, Coimbra Editora, 1992, p. 573.